(Des) Construção de discursos de gêneros na Marcha das Vadias: ideologias que emergem do feminismo, suas lutas e suas identidades Isadora Costa Mendes¹(PG)*, Lúcia Gonçalves de Freitas²(PQ) ¹[email protected] / PPG-IELT – Universidade Estadual de Goiás/Campus Anápolis ²PPG-IELT – Universidade Estadual de Goiás/Campus Anápolis Resumo: A pesquisa pretende se concentrar no manifesto que será elaborado pelas integrantes da Marcha das Vadias de Goiânia para o ano de 2016. A Marcha, constituída como um manifesto internacional, teve início em 2011 na cidade de Toronto no Canadá, e tem como principais argumentos de luta, o fim da violência sexual e da culpabilização da mulher por parte deste fato, bem como a liberdade e a autonomia dessas sobre seus corpos, gênero e sexualidade. Trataremos esse texto como um gênero situado, que na concepção de Fairclough (2001), trata-se de um exercício particular de linguagem situado dentro de uma prática social específica. Seguindo o viés analítico da Análise de Discurso Crítica (ACD) buscaremos identificar nesse texto os interdiscursos, vozes e relações ideológicas aí presentes em relação às lutas feministas do movimento Marcha das Vadias de Goiânia. Neste sentido, objetiva-se identificar as ligações dialógicas dos discursos das integrantes da Marcha das Vadias no seu manifesto, com as formações discursivas dos estudos de corpo, etnia, sexualidade, gênero e feminismo, discutir o conceito de mulher que é acionado por essas integrantes feministas e descrever as performances linguísticas e elementos semióticos que determinam as identidades das integrantes do movimento feminista em Goiânia. Palavras-chave: Gênero. Feminismo. Mulher. Discursos. Ligações dialógicas. Introdução O objetivo principal desta pesquisa é identificar, descrever e analisar as formações discursivas presentes na enunciação das integrantes das rodas de conversa feministas, especialmente dentro do manifesto Marcha das Vadias, em Goiânia. E justifica-se pela importância em se discutir e se aprofundar questões de feminismos, gênero, sexualidade, classe e etnia, tendo em vista uma construção social e histórica de uma sociedade predominantemente patriarcal, e machista e desigual. A Marcha das Vadias, escolhida como o grupo a ser pesquiso, acontece uma vez por ano em várias cidades do mundo. Se iniciou em 2011 na cidade de Toronto no Canadá e propõe-se a lutar contra o machismo, à desvalorização e ao abuso sexual contra a mulher. O estupro às mulheres vem sendo reportado recorrentemente, sem contar as vezes que o silêncio ocupa todas as formas de denúncia, isso representa uma reação às conquistas feministas, como o sistema reage. Neste sentido, a Marcha se posta como um ato de resistência em favor a todas as mulheres que se relacionam neste cenário social. Este é um estudo relevante, pois trata-se de um assunto de importância para o combate à discriminação de gênero. O estudo sobre feminismo deve ser difundido e pesquisado como uma ferramenta social para o enfrentamento das mulheres em suas mais diversas categorias e peculiaridades. Necessita-se de estudos dessa natureza. Neste sentido, pretende-se com esta pesquisa, contribuir para os estudos sobre feminismo, movimentos sociais, políticas públicas e diversidade de gênero. Material e Métodos Este trabalho será guiado por uma epistemologia feminista, caracterizando-se em um estudo feminista crítico. Como ferramenta teórica metodológica para as análises dos dados será utilizada a Análise de Discurso Crítica, que é própria do campo de estudos da linguagem. Nossa abordagem de pesquisa, para um estudo feminista crítico focado em aspectos linguísticos discursivos, será de cunho qualitativo, com coleta de dados realizada com apoio de algumas técnicas etnográficas, como observação participante registrada em diário de campo, participação em rodas de conversa, com gravação em áudio, bem como observações de outros, etc. Como etapas da pesquisa, serão elencadas algumas atividades: Levantamento teórico acerca da epistemologia feminista, ADC, estudos de gênero e sexualidade, historicidade e correntes do feminismo, manifesto Marcha das Vadias; Coleta de dados através de observação participativa utilizando técnicas da etnografia, registros em: fotos e relatório de campo, acompanhamento em sites e blogs feministas; Análise dos dados (base ADC), através de uma triangulação unindo elementos que compõe uma multimodalidade. Resultados e Discussão No sentido de situar esta pesquisa em uma perspectiva social de te interações verbais, dentre outros recursos semióticos, entende-se por Bakhtin que a enunciação se constitui através das relações sociais. Pode-se detectar tipos diferentes de comunicação, Bakhtin (1997) ressalta que o diálogo é toda e qualquer comunicação verbal, sou seja, não é necessária uma comunicação face a face, ou como um número determinado de pessoas, mas sim quaisquer que sejam essa comunicação. Para este autor, a língua e um fato social e concreto que se manifesta através de trocas linguísticas e na enunciação, em que o interlocutor assume o lugar de sujeito ativo e a linguagem representa o social, ideológico e linguístico. Para tanto, é indispensável nesta pesquisa, uma visão crítica sobre o conceito de ideologia. Tomamos como fonte teórica para explicar este fenômeno ideológico Norman Fairclough (2001, p. 117), que concebe o conceito de ideologia na linguagem como significados e construções sociais que tomam sentidos através das práticas discursivas produzidas e reproduzidas dentro das relações sociais de hierarquia. Os fenômenos ideológicos não encaixam em concepções neutras, podem estar necessariamente ligados a relações de interesse e poder, “a concepção crítica postula que a ideologia é, por natureza, hegemônica, no sentido de que ela necessariamente serve para estabelecer e sustentar relações de dominação e, por isso, serve para reproduzir a ordem social que favorece indivíduos e grupos dominantes”. (RESENDE; RAMALHO, 2006, p. 50) Pretende-se assim, analisar diversas formas e representações que resultam da comunicação, perceber elementos verbais. Todos os elementos que o compõem um discurso, devem ser considerados significativamente, dentre eles cartazes, pinturas de rostos e corpos, expressões corporais, textos midiáticos. Estas diferentes formas de comunicação, visam, neste trabalho detectar e analisar discursos e manifestações sociais que evidenciam o contexto social que vivem as mulheres e como se configuram essas construções de significados verbais e não verbais dentro dos movimentos feministas. Para isso, é relevante uma discussão acerca dos movimentos sociais, que estão diretamente relacionados com um elemento de união, a questão da cidadania. E de acordo com as mudanças da sociedade as reivindicações vêm sendo manifestadas por formas e motivos diferentes. Gohn (2011) afirma que os movimentos sociais têm identidades e se articulam através de um projeto de vida e sociedade, que tem contribuído historicamente para a construção de reformas e valores neste meio. Atualmente, estes movimentos sociais estão em busca da construção de uma sociedade democrática baseada no reconhecimento de diversos atores sociais. Assim, o feminismo é um discurso político, filosófico e intelectual, que tem como principal objetivo a defesa dos direitos da mulher, se opondo ao machismo e as diferenciações discriminatórias e opressoras produzidas socialmente sobre gênero e sexualidade, desenvolvem um discurso cada vez mais identitário e com interesses que se relacionam a questões políticas, econômicas, sociais e culturais. É relevante que se estabeleça uma discussão, e não uma resposta definitiva, sobre os diversos tipos de feminismos que se estabelecem hoje, no Brasil. Elencaremos inicialmente, segundo Ferreira (2015) algumas tendências mais populares que serão aprofundadas na pesquisa: o feminismo negro, surge em meados de 1980 e inicia um debate sobre raça e gênero, afim de representar as mulheres negras que não se sentem representadas pelos demais feminismos; o feminismo interseccional ou pós moderno, nasce por volta de 1980, busca conciliar em suas lutas demandas de minorias, considerando classe, raça, orientação sexual, deficiência física, dentre outros aspectos; o feminismo radical, surge em meados de 1960, acredita que a raiz da opressão feminina são aos papéis sociais inerentes aos gêneros; o feminismo liberal, discussões que emergem desde o início das questões feministas, visa assegurar a igualdade entre homens e mulheres por meio de reformas políticas e legais. Dentre esses novos movimentos, que se relacionam ao feminismo, a Marcha das Vadias, que acontece há cinco anos no mundo, tem sido alvo de grande polêmica e até mesmo vítima de preconceito. Este é um manifesto que acontece nas maiores capitais de todo o mundo. Teve início em abril de 2011 após uma jovem ser violentada por um grupo de jovens dentro do campus da Universidade de Toronto, no Canadá. Na ocorrência, a jovem não quis fazer denúncia, justificando que muitas pessoas estavam dizendo que a própria era a culpada pelo ocorrido, por estar bebendo e por vestir-se diferente do convencional em uma festa. Esta discussão foi levada para as ruas como forma de manifestação após uma palestra sobre a segurança dentro da universidade que já estava sendo alvo dos noticiários pelas ocorrências de estupros contra jovens estudantes. Na ocasião, o policial chamado Michael Sanguinetti se expressou dizendo que “para evitar risco de estupro no campus, as meninas deviam parar de se vestir como sluts (vadias)”. Dessa forma, o manifesto Marcha das Vadias luta pelos direitos das mulheres para que possam pensar e se expressar livremente, em seus modos de agir e de se portar, bem como reivindica contra a discriminação sexual e de gêneros, violência doméstica, se opõe ao machismo e a desvalorização da mulher. Este manifesto acontece em Goiânia desde 2011, geralmente no centro da cidade. O manifesto conta com cerca de 400 a 500 participantes todos os anos. Como forma de manifestação, denuncia e expressão, as mulheres, neste dia, buscam pela liberdade plena em seus comportamentos, escrevem cartazes com reivindicações, pintam e expõe os seus corpos. Neste sentido, para compreender os nuances que se contextualizam no feminismo, é preciso um estudo sobre a diversidade de gênero, presente na sociedade contemporânea. As características que diferem o sexo feminino do masculino são biológicas. Entretanto, feminilidade e masculinidade são frutos de uma construção social que reproduz condições contextuais reforçadas pelas instituições públicas, educacionais e organizacionais, religião, família e cultura (SILVEIRA, 2006). Este autor considera que as palavras feminino e masculino se referem às diferentes características do sexo de cada indivíduo e também a apropriações sociais em cada contexto. Ou seja, é relevante ressaltar que por essas construções que se contextualizam há uma padronização socialmente imposta, essa prática se torna determinante entre os sujeitos, o que leva a uma possível exclusão. O conceito de gênero, que tem sido utilizado politicamente pelo movimento feminista, permite refutar a ideia de uma natureza feminina, que, por si só, explicaria a subordinação das mulheres. Assim, a explicação da subordinação das mulheres não se apoia nas diferenças físicas ou biológicas que conformam uma anatomia de mulher ou de homem, conforme insistiam aqueles que afirmavam a existência de uma natureza masculina superior e de uma natureza feminina incompleta, frágil e, portanto, inferior. Na realidade, a explicação da subordinação das mulheres aponta para o valor simbólico que a cultura atribuiu a essas diferenças colocando no masculino e no feminino qualidades que, além de diferenciadoras, embasam discriminações e fundamentam relações de poder. Compreender as relações de gênero é considerar como se constituem as relações entre homens e mulheres face à distribuição de poder. (BARSTED, 2001, p. 3) É necessário ainda evidenciar as questões de sexualidade presente nesta construção social. Para tanto, a diversidade sexual é um direito que vem sendo reclamado há décadas. No Brasil, a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH/PR) tem a função de elaborar políticas públicas voltadas para o combate ao preconceito e discriminação contra Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (LGBT) com a implementação de planos, programas e projetos criados para a execução e permanência dos direitos destes. Isso evidencia como as questões de sexualidade, as questões dos corpos que carregam em si marcadores sociais, também sinalizam significados quando se trata das reivindicações das mulheres, Nos processos de diferenciação, encontra-se a própria construção da diferença como premissa binária do sexo biológico, tomado enquanto eixo definidor do humano, instaurador de uma identidade modelada pelo social. Em si, a diferença sexual não é positiva nem negativa, mas torna-se política quando é marco de desigualdade, criada a partir de uma evidência corpórea “natural”, o que oculta os mecanismos de poder de sua construção. Se a diferença pode ser filosófica ou biológica em seu ponto de partida, torna-se forma de poder político ao estabelecer a desigualdade, a inferioridade social. (SWAIN, 2008, p. 3) Tania Navarro Swain reitera que assumir uma identidade “mulher” é assinar um contrato sexual, heterossexual e assim identificar uma representação de inferioridade social, reafirmando a diferença evidenciada com o que o poder estabelece. Assume-se, então, um corpo sexuado, imanente e vulnerável às violências sociais simbólicas e materiais. Segundo a Nilma Gomes (2011), é neste processo político, social e cultural que os negros vão constituindo sua própria identidade, o que consequentemente faz com que prevaleça ainda uma exclusão na sociedade para com os indivíduos que são vítimas de discriminação, sem esquecer que estão relacionados à esta exclusão as questões de classe e gênero. Sueli Carneiro, ainda traz a ressalva de que a realidade das mulheres negras, não dever ser comparada a realidade de nenhuma mulher de outra cor. Esses corpos passaram e passam por resistências diferentes. As mulheres negras tiveram uma experiência histórica diferenciada que o discurso clássico sobre a opressão da mulher não tem reconhecido, assim como não tem dado conta da diferença qualitativa que o efeito da opressão sofrida teve e ainda tem na identidade feminina das mulheres negras. Quando falamos do mito da fragilidade feminina, que justificou historicamente a proteção paternalista dos homens sobre as mulheres, de que mulheres estamos falando? Nós, mulheres negras, fazemos parte de um contingente de mulheres, provavelmente majoritário, que nunca reconheceram em si mesmas esse mito, porque nunca fomos tratadas como frágeis. Fazemos parte de um contingente de mulheres que trabalharam durante séculos como escravas nas lavouras ou nas ruas, como vendedoras, quituteiras, prostitutas... Mulheres que não entenderam nada quando as feministas disseram que as mulheres deveriam ganhar as ruas e trabalhar! Fazemos parte de um contingente de mulheres com identidade de objeto. Ontem, a serviço de frágeis sinhazinhas e de senhores de engenho tarados. Hoje, empregadas domésticas de mulheres liberadas e dondocas, ou de mulatas tipo exportação. (CARNEIRO, 2003, p. 2) Para esta autora, é necessário enegrecer o feminismo, no sentido de que o movimento de mulheres precisa considerar as questões raciais na configuração de políticas, das formas de violências que sobrem metade da população feminina do país que são mulheres negras, introduzir uma discussão sobre a saúde na realidade das mulheres negras e periféricas, questionar as seleções dos mercados de trabalho que estabelecem desigualdades e privilégios entre mulheres negras e brancas. Esta pesquisa, por fazer parte de um projeto de dissertação de Mestrado, está em processo inicial, portanto, não contém resultados. Considerações Finais Diante os conflitos internos e externos dos movimentos feministas, suas correntes teóricas e de luta, pretende-se neste trabalho levantar um arcabouço teórico acerca de uma teoria feminista que busque contextualizar aspectos históricos e sociais das diferentes vertentes do feminismo, para então alcançar o manifesto Marcha das Vadias, como um espaço de integração e junção de todos esses recortes, afim de representações que contemplem todas as mulheres. Referências ALVES, Branca Moreira; PITANGUY, Jaqueline. O que é feminismo. Abril Cultural: Brasiliense, 8º ed. São Paulo, 1991. BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. Martins Fontes, 2ºed. São Paulo, 1997. BARSTED, Leila L. Os Direitos Humanos na perspectiva de gênero. I Colóquio de Direitos Humanos. São Paulo, 2001. CARNEIRO, Sueli. Enegrecer o feminismo: a situação da mulher negra na América Latina a partir de uma perspectiva de gênero. In: Racismos contemporâneos. Rio de Janeiro, 2003. FAIRCLOUGH, Norman. Discurso e mudança social. Editora UnB, Brasília, 2001. GHON, Maria da Glória. Movimentos sociais na contemporaneidade. Revista Brasileira de Educação, 2011. GOMES, Nilma L. Diversidade étnico-racial, inclusão e equidade na educação brasileira: desafios, políticas e práticas. Minhas Gerais, 2011. RESENDE, Viviane de M.; RAMALHO, Viviane. An á lise de discurso cr í tica. Editora Contexto, São Paulo, 2006. SWAIN, Tânia Navarro. Corpos construídos, superfícies de significação, processos de subjetivação (UNB). In: A construção dos corpos – Perspectivas Feministas. Florianópolis: Ed. Mulheres, 2008.