R E L ATO D E P E S Q U I S A Nada será nunca mais como antes: o adolescente doente crônico o exemplo do diabete insulinodependentea Nothing will ever be again as it was before: the chronically ill teenager – the example of the insulin-dependent diabetes Dana Castro(b)* Resumo: O objetivo deste artigo é analisar a interação que se estabelece entre “o trabalho da adolescência” e o da doença crônica, e de interrogá-la no seu impacto subjetivo e social a partir o exemplo do Diabete Insulino-Dependente (DID). A adolescência é um período de grande vulnerabilidade no qual o jovem é invadido pela ansiedade, animado pela rebelião e devorado pela indecisão devido à dificuldade a integrar um mundo adulto. Neste contexto, o DID, doença crônica grave, com suas exigências rigorosas e seus riscos em longo prazo, pesa como uma carga psicológica suplementar no universo já carregado do jovem. A doença provoca ciclicamente, no adolescente, emoções de cólera e de injustiça, um sentimento poderoso de diferença e distância, e organiza o funcionamento psíquico em torno de mecanismos de defesa típicos : recusa e racionalização. Estes movimentos se exprimem através de certas condutas de saúde e mais particularmente através da adesão ou da não-adesão periódica ao tratamento medicamentoso prescrito. O apoio psicológico oferecido aos jovens doentes se estrutura, por um lado, a partir de suas necessidades específicas e atuais; por outro lado, dos dados contemporâneos da pesquisa em psicologia. Palavras-chave: Adolescência; Doença crônica; Adesão ao tratamento Abstract: The aim of the study is to consider the psychological interaction between the developmental mutations of adolescence and that of the chronic illness, such as Diabetes Mellitus, analyzed within its social and subjective impact. Adolescence is a period of great vulnerability where teens are overwhelmed by anxiety and driven by feelings of rebellion and indecision, mainly due to the difficulty of integrating the adult world where responsibilities, demands and relationships are very different from those known in childhood. From this point of view, Diabetes, severe chronic illness, with its strict regimen demands and long term health risks, becomes a supplementary burden in the everyday life of the young ones. It elicits periodically, emotions of anger and injustice as well as negative feelings of difference and stigmatization which organize, in return the psychic world around defense mechanisms such as denial and rationalization. These psychological movements express themselves through several health behaviors, such as compliance or non-compliance to the medical treatment. The psychological help offered to these young patients take into account their current needs and is anchored in the contemporary research evidence. Keywords: Adolescence; Chronic illness; Compliance to treatment; Psychological mutations a Este artigo vai ser publicado na França como capitulo do livro Précis d’expériences transculturelles, Editora Le Journal des Psychologues, Paris, setembro de 2012. b Psicóloga; Psicoterapeuta. *E-mail: [email protected] Sistema de Avaliação: Double Blind Review 24 Diaphora | Revista da Sociedade de Psicologia do Rio Grande do Sul 12(2) | Ago/Dez | 24-34 A adolescência: um momento-chave do desenvolvimento psíquico A adolescência assinala o começo de uma ‘nova era’, de uma renovação, de um segundo nascimento. Começando com um acontecimento biológico - a puberdade, e culminando com um acontecimento social - o acesso à independência e à autonomia - os ‘anos adolescentes’ ou os ‘anos verdes’, como são designados pelos nossos colegas vietnamitas correspondendo, no mundo inteiro, ao período situado entre os 13 e os 20 anos. Um grande número de adolescentes vive estes anos de maneira penosa, experimentam sentimentos de cólera, de medo e de questionamento. Os ‘anos verdes da adolescência’ são anos de instabilidade psíquica e de inquietação interior ligados às modificações corporais, à busca de identidade pessoal, assim como às interrogações sobre a sexualidade (Guitton, 2003). A adolescência é frequentemente um período no qual o jovem se sente invadido pela ansiedade, impulsionado pela rebelião e dilacerado pela indecisão. Uma grande parte da confusão vivida por estes jovens decorre da dificuldade a integrar um mundo adulto no qual as responsabilidades, as expectativas e a confusão vividas são muito diferentes daquelas conhecidas na infância. Para certos adolescentes, este período se caracteriza por uma carga de aflições, dominadas pelas flutuações emocionais intensas e pelas reações extremas na qual prevalecem as condutas de oposição devidas às dificuldades para se ‘separar’ (Delhaye, Kempenaers, Burton, Goossens & Linkowski, 2011). Para administrar estas dificuldades, o adolescente reage pela luta ou pela fuga, tenta negociar constantemente com os adultos, e torna sua prioridade essencial o fato de ser aceito pelos seus pares. Nesta época o adolescente tenta transgredir as regras para poder assentar seus valores e suas próprias convicções. Um ciclo de stress quotidiano que prepara à descoberta de si Na vida quotidiana os adolescentes devem perpetuamente enfrentar acontecimentos ou situações que consideram importantes, sérios e potencialmente estressantes. Estes acontecimentos têm uma repercussão afetiva e suscitam emoções negativas (raiva, tristeza, desgosto, desespero, etc.) ou positivas (alegria, afeição, simpatia, etc.). Isto ocorre qualquer que seja a cultura ou a nacionalidade dos adolescentes (SeiffeKrenke, 1995, Rescorla et al., 2007). Assim, por exemplo: Uma má nota é percebida como um acontecimento desagradável mas cujas consequências são passageiras. Suscita emoções desagradáveis de decepção, de raiva, de medo ou de vergonha que são mais intensas nos jovens de 12 anos que nos de 17 anos. Este acontecimento é absolutamente gerenciável pela maioria dos adolescentes que o consideram, finalmente, como um acontecimento de poucas consequências pois se situa longe atrás de suas preocupações existências. O caso é bem diferente no que concerne as situações interpessoais fortemente saturadas emocionalmente. Por exemplo: Apaixonar-se é considerado como um acontecimento extremamente estressante que suscita habitualmente emoções positivas. Este acontecimento é percebido como estressante especialmente pelas moças, as quais se sentem paralisadas nesta situação. Os jovens de 12 anos consideram que não podem controlar este estado e por isso experimentam vergonha e medo. Os de ‘17 anos’, ainda que confiram muita importância a este tipo de situações, estão mais tranquilos e enfrentam com mais serenidade. A sexualidade representa sempre uma busca afetiva que vai muito além da busca de prazer. O enquadramento oferecido pela sexualidade traz ao adolescente um meio de encontrar calor e proximidade, de se descobrir uma nova identidade. A identidade sexual se consolida durante este período (Jeammet & Corcos, 2005). Os adolescentes jovens e menos jovens vivem na expectativa do grande amor que fascina pelas relações misteriosas ao outro e perturba pelo mistério que permite revelar sobre si mesmo. Todo fator exterior suscetível de entravar esta expectativa torna-se perseguidor, e provoca decepção e sofrimento para o adolescente. Sentir-se sozinho é um acontecimento frequente que afeta muito os adolescentes. Pela idade de 15 anos, a solidão e o isolamento social são percebidos como sendo situações dramáticas que assinalam ao adolescente uma incapacidade pessoal, uma espécie de ‘defeito fundamental’. Nesta idade, o jovem é muito sensível às mensagens de simpatia da parte dos outros, assim como ao aspecto intimo das confidências partilhadas. Fazer parte integrante de um grupo de pares tornase suporte identitário e fonte de renarcisização. A irrupção de um acontecimento exterior, tal como uma doença grave, modifica o posicionamento do jovem no seu grupo de pertencimento tanto no seu papel quanto na sua função. Em casos extremos pode chegar a modificar o estilo de apego aos pares e provocar, justamente, condutas de isolamento (Kynga et al., 2000). Brigar com os amigos é percebido como um acontecimento muito mais difícil e muito mais frustrante do que uma briga com os pais. Trata-se de acontecimentos inesperados, portanto 25 Diaphora | Revista da Sociedade de Psicologia do Rio Grande do Sul 12(2) | Ago/Dez | 24-34 mais problemáticos para o adolescente. As meninas reagem mais intensamente do que os meninos. Os de 12 anos são mais vulneráveis e susceptíveis de sentir desespero e tristeza. Consideram-se frequentemente ‘culpados’ do conflito e tendem a assumir ‘toda a responsabilidade’. Uma briga com um amigo querido reaviva o questionamento sobre o valor pessoal e sobre a noção de diferença, assim como a ansiedade que a acompanha. Reaviva também o medo da perda do apoio emocional, tão importante nesta idade, devido a uma falha pessoal. Um acontecimento exterior, tal como uma doença grave, provoca imediatamente um questionamento sobre a autoestima devido ao seu caráter exterior e intrusivo, e aumenta assim a insegurança identitária e o risco de aparecerem mal entendidos relacionais (Narring, 2003). Sentir-se humilhado é um acontecimento dramático, percebido como extremamente estressante que provoca desespero e paralisia da capacidade de reação. Este acontecimento é tanto mais difícil de enfrentar para os adolescentes porque é percebido como imprevisível e incontrolável (Sentenac et al., 2011). As meninas sofrem as humilhações pessoais mais intensamente que os meninos. Os de ‘12 a 15 anos’ se sentem bem mais atingidos que os de 17 anos, os quais têm mais capacidade de se distanciar em face de este tipo de situação. A humilhação pode ter diferentes fontes: sociais, quando acontece entre pares, familiares, quando se manifesta no seio da família, exteriores, quando se trata de uma doença grave ou de um acontecimento perturbador. Em todos estes casos, sua intensidade depende do sentido que o adolescente confere ao acontecimento, e da representação que ele se forjou dele mesmo ao longo do tempo. Um estado de tomada de consciência que prepara ao conhecimento de si Paralelamente, e graças à resolução destas situações potencialmente estressantes, durante seus ‘anos verdes’ o jovem elabora experiências construtivas. Com a intensificação das necessidades internas e das expectativas do ambiente, o adolescente reage para controlar a sua vida e aceder assim à autonomia. Neste caminho para o distanciamento da infância e do aconchego familiar, sua tarefa principal esta totalmente centrada na definição de si que passa pela formulação de projetos pessoais e pelo apoio do grupo de pares, referência essencial para confirmar a identidade, para encontrar apoio e segurança, para satisfazer as necessidades de dependência sem renunciar à autonomia. O jovem deve se diferenciar das identificações parentais para estabelecer suas próprias escolhas num contexto de relações mutuamente valorizadas (Guedeney & Guedeney, 2006). A recusa de regras estabelecidas é uma prioridade. A oposição e o desafio à autoridade do adulto assinalam um processo necessário visando à desconstrução da infância em prol da construção de si. Acontecimentos externos tais como a doença grave, que se desencadeiam durante esta longa marcha para a individuação, modificam profundamente o ritmo da evolução psicológica do adolescente, sua projeção no futuro, suas necessidades pessoais assim como a sua relação ao mundo (Narring, 2003). Este resumo geral da vivência adolescente visa lembrar quatro elementos importantes. O primeiro se refere à acuidade das problemáticas identitárias e relacionais ao longo dos ‘anos verdes’. O segundo lembra a existência de momentos de maior vulnerabilidade no decorrer da adolescência (de modo geral, os 13-15 anos são mais frágeis do que os 16-20 anos) e sobre a diferença de suas experiências segundo seu sexo. O terceiro evoca os meios de reação típicos da adolescência baseados essencialmente no evitação, na oposição, na negociação com a autoridade e a busca (primordial) de apoio dos pares. O quarto, enfim, se refere à universalidade das problemáticas adolescentes, qualquer que seja o país, a cultura ou a comunidade de inserção do adolescente (Rescola et al., 2007). Somente a hierarquização das situações estressantes vividas ao quotidiano pelos adolescentes é modulada pela cultura de pertencimento. Uma doença crônica, tal como o diabetes insulinodependente, com suas necessidades rigorosas e os riscos em longo prazo, pesará como uma carga psicológica suplementar no universo já carregado do jovem, e vai interferir negativamente com o trabalho psíquico da adolescência (Castro,Tubiana-Rufi, Moret Fombonne & The PEDIAB Collaborative Group, 2000; Helgeson et al.. 2007; Naring et al., 2003; Sentenac, 2011). O que é o diabetes? O diabetes insulinodependente (DID) ou diabetes de tipo I é uma das quatro doenças crônicas mais frequentes na infância, cuja incidência está aumentando em todos os países. Na França, nos últimos 10 anos, a incidência anual passou de 7,8 novos casos para 100.000 crianças de menos de quinze anos a mais de 10 para 100.000. O aumento é particularmente importante nas crianças de menos de cinco anos: o numero de novos casos quase dobrou nos últimos 15 anos (Eurodiab, 2000)a. Hoje em a No Brasil a taxa de incidência é de sete casos em 100.000 crianças/adolescentes. 26 Diaphora | Revista da Sociedade de Psicologia do Rio Grande do Sul 12(2) | Ago/Dez | 24-34 dia, o equilíbrio do diabetes insulinodependente depende de um tratamento extremamente fastidioso que implica numa série diária de gestos repetitivos; a irregularidade destes gestos pode se traduzir em perigo vital em longo prazo. Este aumento é tanto mais inquietante porque o DID é considerado como fator severo de estresse psicossocial (DSM-IV-TR, 2004) devido ao seu caráter permanente e irreversível, modificando profundamente o funcionamento psíquico individual e a construção de si. A natureza crônica desta doença modifica os estilos e os projetos de vida, a representação de si e a percepção do quotidiano. A doença atinge não somente o jovem portador, mas todos os membros da família, pais e/ou irmãos e irmãs assim como o vinculo entre eles (Scelles, 2001). Ela se impõe ao funcionamento familiar como um real traumatismo psíquico e invade, periodicamente, o campo psíquico de cada um de seus membros. Neste contexto, o traumatismo psíquico pode ser entendido como a consequência de um acontecimento exterior cujo efeito é mais ou menos devastador a nível afetivo nas pessoas que se encontram implicado diretamente (portadores da doença) ou indiretamente (família, pais, irmãos) (Castro, Malivoir, Martin, Gagnayre & Robert, 2009). No plano psíquico, a vida em longo prazo com o diabetes mergulha o adolescente no cerne de seu conflito identitário, acrescentando problemáticas suplementares e específicas. A doença exige uma serie de importantes reajustamentos tais como a aceitação da sua própria vulnerabilidade, a mudança da percepção de si, e a modificação de suas relações com os outros (Castro, 1997; Castro et al.. 2000; Johnson, 1980). Estes reajustamentos se produzem em reação a diferentes critérios tais como a fase da doença, o momento do desenvolvimento do sujeito, as necessidades profundas. (Castro, 1997). São periódicos e tão crônicos quanto à própria doença. Com o DID, o adolescente e, em seguida, o adulto que ele vai se tornar, vivencia ciclos de bem-estar seguidos de ciclos de revolta, de desânimo, ou até mesmo de desespero. Examinemos estes reajustamentos dentro de uma perspectiva cronológica focando nossa atenção nos mecanismos psicológicos em ação. O diabetes na adolescência Com o anúncio do diagnóstico: o choque, como aceitar a permanência da doença? Tomas é um jovem de 16 anos. Ele é alto, esportivo, alegre, social e gourmet. Faz três semanas que esta saindo com Eleonora, uma menina da mesma classe, que o comove, fazendo nascerem sentimentos de ternura e novos desejos. Tomas vive intensamente esta relação vangloriando os ‘méritos’ do amor aos seus amigos próximos. Ele se sente ‘grande’, despreocupado e leve. Faz três semanas que Tomas se sente cansado, bebe muita água e emagrece visivelmente. Inquieta, a família decide consultar e fica sabendo durante a consulta que Tomas apresenta um diabetes insulinodependente, doença crônica grave, que destrói as células do pâncreas e que se não for tratado, pode levar diretamente à cegueira e a outras complicações agudas e terríveis. Tomas recebe esta noticia com calma (segundo seus pais). Durante sua hospitalização assiste pela manhã às sessões de educação para o tratamento e adquire rapidamente os gestos necessários. De tarde, seus amigos e Eleonora o visitam, brincam sobre a presença no seu quarto das seringas de insulina e sobre o “dope” que poderiam conter, e se perguntam quando estará curado. Tomas enfrenta praticamente bem (segundo ele) esta semana de hospitalização e aprecia, interiormente, o fato de ser, durante este tempo, o centro de atenção de seu universo relacional. A data de saída é anunciada, e com ela uma noticia nova: o fato de que a doença não é curável, as recomendações médicas de todo tipo sobre a necessidade de uma regularidade sem falhas no ritmo do tratamento, sobre as limitações dietéticas, sobre as recomendações quanto à pratica do esporte, sobre a responsabilidade pessoal que tudo isto implica e sobre o calendário anual das consultas médicas. No fim desta consulta, Tomas desmaia por alguns minutos. Quando desperta, diz: “Não quero sair do hospital antes de estar curado! Por favor, não quero que meus amigos e Eleonora me vejam neste estado!” Que sentido psicológico dar a este desmaio imprevisível e inesperado neste jovem alto, esportivo e simpático? Provavelmente o de um choque emocional ligado à súbita compreensão de estar vivendo uma mudança irreparável! Assim, desde o diagnóstico, a doença surge na vida do jovem paciente com a força de um Tsunami e se instala numa vivência penosa e muito irritante. Ela o confronta imediatamente com uma grave problemática identitária assim como a temíveis conflitos intrapsiquicos. Nas suas primeiras fases, a DID desencadeia: Um choque que atinge a representação de si atual e futura, a vida quotidiana, os projetos de vida e as relações com os pares. Na primeira semana de hospitalização não é raro que o jovem paciente se sinta desligado da situação e se comporte de maneira automática, como se não se tratasse dele. O sentimento de continuidade identitária é fortemente desestabilizado “O mundo desmoronou quando descobri a minha doença! Nada será nunca mais como antes!” (nos dirá Tomas durante uma 27 Diaphora | Revista da Sociedade de Psicologia do Rio Grande do Sul 12(2) | Ago/Dez | 24-34 consulta posterior). Assim também o sentimento de segurança relacional e o apego aos pares. O adolescente se interroga sobre o seu posicionamento no grupo e sobre a imagem que lhe é refletida se seus pares viessem a tomar conhecimento de sua problemática médica. Um sentimento de injustiça que culpabiliza e que pune, dominado por sentimentos de raiva e do desesperado questionamento do: ‘Porque eu?’ Este questionamento só encontra respostas insatisfatórias ancoradas em teorias pessoais, sem ligação com a realidade biológica. Estas respostas explicam a aparição do diabetes devida às ‘faltas’cometidas anteriormente: «fui muito festeiro»; «me entreguei», entre outras, atingindo novamente a autoestima. Um sentimento de injustiça que persegue: o DID infiltra todo o espaço mental do jovem modificando sua reação ao mundo e lhe impondo uma tensão interna permanente: «Só penso nisto, no diabetes, uma palavra que eu queria arrancar da minha cabeça, mas que esta lá, sempre lá, só penso nisto: diabete, diabete, diabete, uma palavra que eu queria arrancar da minha cabeça, mas tenho a impressão que todo mundo escuta. É muito duro! » (jovem de 14 anos). A raiva volta contra si mesmo e persegue interiormente o jovem doente. Uma injustiça que exige reparação: o DID é percebido como uma ‘falha’ do corpo médico que não soube prevenir ou não sabe curar. Esta ‘falha’ (imaginaria e fantasiada) deve ser constantemente remetida aos médicos para lembrar sua impotência e sua ignorância num afrontamento entre as ‘vitimas’ (os jovens pacientes) e os «algozes» (médicos): «Para eles (os médicos) tudo é muito fácil, eles dizem que não é grave, que há pior, e que se pode viver com o diabetes! Eu não quero, não vou fazer dieta, vou ficar obesa, meus exames serão horríveis, e eles vão ver que não é verdade!» (jovem de 14 anos). Neste contexto, a reação depressiva é a primeira a se apresentar junto com o sentimento insuportável de perda e de desespero. Depois, com o tempo, os tratamentos eficazes, a continuidade da vida quotidiana, e os momentos de vida fora da doença, o tumulto emocional se acalma (por algum tempo) permitindo que os reajustamentos psicológicos se façam e o jovem continua o seu trabalho de «adolescente». adaptação à doença torna-se seu inimigo quando, devido à duração, impõe a repetição quotidiana e inexorável dos gestos de tratamento sob a constante ameaça do agravamento das perturbações. Nas primeiras fases após a revelação da doença, o jovem paciente não tem plenamente consciência do caráter crônico e inexorável da sua condição; ele conserva ainda inconscientemente a esperança de cura. Mas, com seu ritmo e sua periodicidade, a doença coloca o jovem paciente diante de novas problemáticas, especificas e... crônicas! Uma primeira problemática se refere à descontinuidade temporal, fenômeno que transforma a relação a historia pessoal introduzindo as noções de antes e depois. A afecção crônica vai modificar para o sujeito a experiência do tempo, esta sequencia de «presentes contínuos de valor desigual» e vai acentuar, para alguns deles, as dificuldades identitárias. Um passado idealizado enfrentará um presente desiludido e um futuro incerto. O antes e o depois se tornam, para o jovem paciente, as únicas referências identitárias. Antes do diabetes, quando eu olhava para a minha mãe, achava que ela estava feliz e despreocupada, depois, quando vejo como ela me olha, não é mais a mesma coisa, seus olhos me parecem tão tristes que tenho vontade de chorar! Ela não me vê mais igual, fiquei frágil, quebrada!“, diz uma jovem de 15 anos. Antes do diabetes eu era despreocupada e livre, dinâmica, não me questionava, agora mudei, sou, não sei, mais inquieta e mais introvertida, dizia outra adolescente de 17 anos. Estes exemplos mostram como a aparição do diabetes transforma a relação do sujeito à sua historia pessoal. Esta consciência do tempo em termos de antes e de depois instaura uma nova cronologia que espera a restauração de um estado do ‘antes’ idealizado. A idealização do passado, embelezado em relação ao presente frustrante, ocupa um lugar preponderante. A lembrança do passado torna-se um ponto de referência e objetivo a ser atingido, na esperança inconsciente de volta a um estado de boa saúde. A ruptura da temporalidade age paralelamente sobre a noção de identidade: Se não sou mais como antes, quem sou eu para mim mesmo e para os que me conhecem? O adolescente se sente outro, modificado, remodelado, estigmatizado pela sua afecção (Buchbinder, Detzer, Welsch, Christiano, Patashnick & Com a doença em longo prazo: o choque da Rich, 2005).) Penso que nunca poderei fazer abstração do meu permanência, pois como aceitar para sempre um diabetes. Será sempre a coisa mais difícil da minha vida. Não sou tratamento obrigatório? como os outros, às vezes até tenho a impressão de que sou um monstro! (Tomas, três anos depois do diagnostico da sua DID). Diante da doença crônica, o tempo, paradoxalmente, não A modificação de si mesmo subjetivamente percebida resolve nada! Aliado do jovem doente no processo psíquico de é universal no âmbito desta doença. Ela também pode ser 28 Diaphora | Revista da Sociedade de Psicologia do Rio Grande do Sul 12(2) | Ago/Dez | 24-34 objetivamente medida. Vários estudos em diferentes países mostraram a evidência da prevalência de mecanismos antidepressivos em adolescentes portadores de DID, assim como perturbações importantes nas relações interpessoais que se manifestam pela introversão e a inibição, ou pelo agir e a excitação (Castro et al., 2000; Hsu, Dorn & Sereika, 2010; Huurre & 2002) Durante a evolução da doença, hipoglicemias severas, comas diabéticos, crises, acidentes, operam uma ruptura na cronologia do tempo da doença, modificando uma vez mais a percepção que o sujeito tem do antes e do depois. A experiência temporal assim interrompida reaviva no adolescente e na sua família o choque do anuncio inicial do diagnostico, provocando terror e sideração. A descontinuidade da experiência temporal sempre tem por efeito uma desorganização da economia psíquica. O reequilíbrio depende da reativação de mecanismos pessoais de defesa que permitam ultrapassar a crise com o auxilio da família e o apoio caloroso dos pares (Buchbinder et al., 2005). Uma segunda problemática refere-se à defasagem que modifica, para o adolescente, a relação pessoal e temporal aos outros. No âmbito da doença crônica, a defasagem que o paciente experimenta quando deve controlar sua doença que interfere na sua relação com os outros. Este fenômeno se define como uma irritação sentida pelo paciente enquanto deve controlar sua doença que interfere na sua relação aos outros. Este fenômeno é claramente percebido pelo adolescente quando a centralização sobre si mesmo e o interesse pelos outros se tornam suas principais preocupações. Nesta época de sua vida, os jovens sentem uma necessidade imperiosa de conformismo, de comunicação, de trocas, de proximidade com outras pessoas significativas, de conversas sobre a sexualidade e análise do funcionamento humano. Estas necessidades se manifestam ao nível do comportamento pelo aumento do tempo passado com os amigos e pelo engajamento em atividades sociais (fazer coisas juntos, fazer companhia, ir junto para fazer alguma coisa com alguém) ou erotizadas (sessões de maquilagem com as amigas, andar de mãos dadas, entre outras.). Estas atividades exigem tempo e o sentimento subjetivo de ter tempo é uma condição necessária à satisfação deste tipo de necessidade e à integração no grupo de pertencimento. Mas a doença crônica e seu tratamento quotidiano têm implicações negativas na relação com os pares na medida em que encurta os momentos de participação comum, de reuniões espontâneas, de colaboração programada. As limitações funcionais devidas à afecção, as interrupções frequentes de atividades ligadas ao seu tratamento, levam o jovem portador de DID a sentir de maneira muito negativa as obrigações de horários que lhe são assim impostas: Não se pode fazer nada, quando se começa a estar bem tenho que parar para fazer um tratamento, se queixava este jovem adolescente de 15 anos que adorava ficar em companhia dos colegas depois das aulas, bebendo Coca-cola e comendo barras de chocolate. Não se pode nunca fazer como os outros, não se é diferente e, no entanto não se é mais igual, acrescentava uma outra adolescente de 15 anos. O fenômeno de defasagem implica, portanto, numa experiência afetiva exasperante e frustrante, na qual projetos percebidos como essenciais não podem se realizar plenamente, por falta de tempo. Esta experiência reaviva a raiva e o sentimento de injustiça, gerados pela doença e com ela as eventuais reações ansiosas e depressivas. Esta vivência de defasagem é inconscientemente alimentada pelo próprio adolescente. Os recursos internos, mobilizados para outros fins - na luta pela autonomia e na construção de si, por exemplo - tornam-se indisponíveis para outras tarefas. O adolescente vai buscar apoio e reconforto junto a seus pares. Investirá ainda mais suas relações sociais e, ainda uma vez, vai lhe faltar tempo. Quanto mais o esquema terapêutico for estrito ou percebido como tal, maior será a demanda afetiva e mais intensa a frustração. Paralelamente, o sentimento de não dispor do mesmo tempo que os outros amigos por causa do tratamento médico, influi sobre a autoestima. Acentua assim a convicção na existência de diferentes identidades, pois o adolescente doente perde ou se afasta do vinculo forte de afiliação a um determinado grupo que poderia oferecer, de maneira especular, segurança e confiança. “Meus amigos são legais, mas não é mais a mesma coisa!” (Tomas, três anos depois do inicio da doença) Às vezes este sentimento de perda é fonte de mal entendidos no grupo. O interesse autêntico dos amigos pode ser percebido como intrusivo, factício e simulado quando falta autoestima. (Buchbinder et al., 2005). A sensação de defasagem é um fenômeno tão crônico quanto a doença, a qual, por sua vez, progride por fases. Para gerenciá-la, o adolescente passa por períodos de introversão nos quais recusa a participação dinâmica nas atividades dos amigos, e/ou por períodos de desobediência total do tratamento quando horários e obrigações desaparecem da cena mental para dar lugar à realização total de necessidades afetivas pessoais e sociais. Para o adolescente, a urgência é viver intensamente, o mais perto possível da vida, no momento presente. A adesão ao tratamento prescrito sofre muito. 29 Diaphora | Revista da Sociedade de Psicologia do Rio Grande do Sul 12(2) | Ago/Dez | 24-34 A doença em longo prazo: amortecer os choques se acomodando com o tratamento Viver intensamente o momento presente para um adolescente portador de DID implica, do ponto de vista psicológico, negar temporariamente sua doença para poder esquecer seu penoso tratamento. Este movimento psicológico universal se torna muito claro para o adolescente e produz efeitos negativos sobre a adesão ao tratamento. Sabe-se, hoje, que a observação do tratamento diminui significativamente na adolescência (Jacobson et al., 1987; Nde-Eshimuni et al, 2011). Cerca de 50% dos adolescentes não observam corretamente as prescrições médicas (Kynga et al.2000; Nde-Eshimuni M. Salema et al. 2011), apesar do bom conhecimento do esquema terapêutico e das consequências inelutáveis desta desobediência (Castro, 1991). As problemáticas adolescentes comuns a esta fase do desenvolvimento humano, associadas à da diferença e à da defasagem, específicas ao adolescente doente, explicam em parte este fenômeno. Outra pista explicativa é fornecida pela análise da noção de cronicidade. O estresse induzido pela aparição da doença mergulha o jovem numa fase transitória de luto em relação à perda da integridade física e provoca a mobilização dos recursos psíquicos necessários para enfrentar esta situação. Assim, as primeiras fases depois da aparição da doença são em geral acompanhadas de uma observação particularmente escrupulosa do tratamento cujo motor psicológico inconsciente é a esperança de cura total. À medida que a doença segue seu curso, o jovem paciente é confrontado com a sua duração interminável. A mobilização de se tratar é tanto mais insuportável pelo fato de que (no espírito do jovem) o tratamento só visa a prevenção das complicações ulteriores e não a cura definitiva tanto esperada. Portanto, se neste estágio o adolescente consegue se ajustar à sua vida com o diabetes, ele se torna cada vez mais sensível ao caráter penoso do seu tratamento. Apesar disto, deve gerenciálo na vida quotidiana. Gerenciar o tratamento no quotidiano implica, para o adolescente, se assegurar um conforto psicológico graças à elaboração de novas estratégias adaptativas (cognitivas, afetivas, etc.). Entre estas, a mais frequente consiste em modificar cognitivamente o esquema terapêutico a fim de poder aceitá-lo afetivamente. Concretamente, o adolescente “decide” de se autoprescrever um esquema terapêutico idiossincrático simplificado (Castro, 1991) ao qual adere plenamente, subjetivamente, e em longo prazo. Para isto, “decide” suprimir sistematicamente do seu protocolo quotidiano certos gestos do tratamento (análise de urina, por exemplo) e/ou certas limitações dietéticas. Assim reajustado subjetivamente, o tratamento parece diminuir o peso da dependência e criar no jovem portador de DID um sentimento de liberdade que reduz a distância entre os imperativos da situação médica e as necessidades profundas. Para enfrentar a culpa inerente à transgressão consciente da prescrição médica, o adolescente vai utilizar uma série de mecanismos psicológicos de defensa amplamente descritos na literatura. Insistiremos na descrição dos mecanismos psíquicos diretamente orientados para o controle dos afetos negativos de culpa gerados pela mediocridade da observação terapêutica. Trata-se essencialmente da racionalização dos comportamentos de supressão dos gestos de tratamento que se manifesta através de explicações pessoais que visam a justificá-los plenamente e a reforçar assim o esquema terapêutico auto-prescrito. Os adolescentes chamam de “esquecimento” seus comportamentos de supressão dos gestos de tratamento. A racionalização consiste na atribuição de uma explicação coerente do ponto de vista lógico, ou aceitável do ponto de vista social, a um comportamento cujos verdadeiros motivos não são expressos. No caso do DID, esta se refere a diferentes aspectos do esquema terapêutico e porta sobre o que é percebido pelo adolescente como sendo difícil de aceitar do ponto de vista psicológico (Castro, 1991). Assim nota-se: A racionalização face à percepção penosa ou dolorosa do tratamento ou à sua antecipação: o adolescente justifica o “esquecimento” do teste de sangue dizendo “dói muito”; A racionalização face à percepção de inutilidade de certos itens terapêuticos: o adolescente atribui subjetivamente uma importância variável aos diferentes gestos de tratamento cotidiano negando a sua necessidade: “as análises de urina não são muito importantes”; “não adianta nada”; “não serve para nada”. A racionalização face às supressões justificadas pela falta de tempo ou pela presença de preocupações mais essenciais: «tenho muitas atividades, não dá tempo”; “tinha prova de matemática, nem pensei nisto » ; A racionalização face à negociação com o tratamento: «faço minhas dosagens de sangue duas vezes por semana, na quarta e no domingo porque não tenho aula. O resto do tempo não preciso ». A racionalização face à existência de uma escala de valores pessoal: “aos domingos aumento as doses de insulina para os extras culinários, porque é possível”. 30 Diaphora | Revista da Sociedade de Psicologia do Rio Grande do Sul 12(2) | Ago/Dez | 24-34 A atitude “racionalizante” aparece, nas circunstâncias da doença crônica, como um fenômeno inevitável e tanto mais durável. No plano psicológico, ela testemunha da existência de um compromisso realizado pelo adolescente para enfrentar, por um lado, o caráter obrigatório do seu tratamento e, por outro lado, as duas tendências contraditórias e permanentes que são as de aceitar a doença crônica e negar as suas consequências. Entretanto, o abuso da atitude racionalizante tem efeitos negativos sobre a qualidade da observação terapêutica. Pela justificação aceitável, ela reforça e mantém os comportamentos terapêuticos inadaptados do jovem paciente. Mas, paralelamente a estas condutas racionalizantes, e de maneira durável e periódica, o adolescente utiliza atitudes que lhe permitem respeitar corretamente seu tratamento médico. Clinicamente pudemos observar três condutas principais que aparecem muito frequentemente no discurso dos jovens pacientes: A primeira se refere a uma cíclica recusa da realidade da cronicidade: Magui, 14 anos, esta chocada com a 4° hospitalização para equilibrar o seu DID. Choro, culpa, desespero, se manifestam durante toda a semana de hospitalização. Quando sai do hospital, a paz é total: “Decidi de me responsabilizar, de fazer um esforço, de fazer tudo direitinho durante seis meses. Só vou comer o que é permitido na “dieta” e voltar a uma vida normal.” Para sair da depressão, Magui recorre ao mecanismo de recusa da realidade através da recusa da cronicidade. Inconscientemente, a representação da doença crônica e durável foi recusada e substituída por outra representação – temporária – da doença: aguda, passageira e, portanto, menos ansiogênica, na qual o respeito escrupuloso do tratamento fica forçosamente limitado no tempo. A segunda se refere à noção de reparação: um número importante de jovens portadores do DID afirma: «quando crescer vou ser pediatra, biólogo, médico». Assim, através deste projeto profissional, exprimem a esperança sempre presente de cura ou de minoração significativa das obrigações cotidianas. Ou ainda, a tentativa de controlar, talvez mesmo dominar a doença, pela imersão total no seu universo, para encontrar na fantasia a fonte profunda da sua origem. Ou ainda, este projeto profissional também pode revelar a presença de uma atitude altruísta: dedicar sua vida ao bem-estar dos outros traz um sentido à sua própria vida com a doença. A terceira se aparenta a uma estratégia pessoal positiva que consiste em procurar e achar benefícios pessoais na doença e suas características. Assim, certos jovens afirmam ser « mais maduros, mais responsáveis, mais autônomos » desde que foram diagnosticados com o DID. Trata-se, no entanto, bem entendido, de uma atitude “racionalizante”, mas neste caso a serviço da reconquista identitária e da manutenção da saúde física. Este breve resumo do funcionamento psicológico do adolescente doente crônico visa constatar diferentes aspectos. Em primeiro lugar, as problemáticas dos jovens pacientes portadores de uma doença crônica, e mais particularmente do DID, são universais. Elas se expressam sob diferentes formas culturais, mas recobrem as mesmas realidades psíquicas. Em segundo lugar, esperar que estes jovens pacientes aceitem definitivamente a sua doença é um objetivo inteiramente ilusório. Vimos bem como é difícil, neste momento chave da vida que é a adolescência, gerenciar permanentemente as problemáticas da diferença e da defasagem. Em terceiro lugar, a noção de adaptação à doença é complexa e avança de maneira cíclica. Aos ciclos de melhor adaptação, em termos de observação do tratamento, seguem-se ciclos mais medíocres. A adaptação é fortemente correlata à natureza da doença e à facilidade de equilíbrio, ao estado afetivo do jovem assim como à qualidade de seu ambiente relacional. Em quarto lugar, o apoio psicológico aos adolescentes doentes crônicos deve imperativamente levar em conta, além da singularidade individual, as noções cíclicas de aceitação e de” adaptação à doença tais como foram apresentadas aqui. Com a doença em longo prazo: amortecer os choques recorrendo ao psicólogo do serviço de dialetologia Na nossa experiência, a consulta psicológica no âmbito da doença crônica não é sistemática. Ela é oferecida aos pacientes e às suas famílias sob a forma de consultas eventuais, tratamentos breves ou reuniões periódicas. A ajuda psicológica aos adolescentes portadores de DID torna-se, como a propria doença e as flutuações psicológicas dos jovens, uma questão… crônica de encontros e de trocas em longo prazo! Com efeito, o recurso ao psicólogo acontece pela demanda dos pacientes nas fases periódicas de desequilíbrio somático ou psíquico. A ansiedade suscitada por este tipo de acontecimento propulsa o paciente e sua família na busca de sentido e na procura de explicações racionais e lógicas. A demanda de consulta com o psicólogo aumenta, de maneira recorrente, nestas ocasiões. O recurso ao psicólogo aparece também de maneira recorrente a pedido das equipes médicas e paramédicas, inquietas ao constatar uma observação medíocre. Nestes casos, o psicólogo 31 Diaphora | Revista da Sociedade de Psicologia do Rio Grande do Sul 12(2) | Ago/Dez | 24-34 deve gerenciar um problema especifico de defasagem que se opera entre os objetivos dos jovens pacientes e os da equipe. Trata-se, com efeito, de uma divergência fundamental na definição dos objetivos de tratamento que interroga a questão da temporalidade. Para ao adolescente, se tratar equivale a viver o mais perto possível da vida dos outros e do bem-estar cotidiano, portanto de respeitar seu próprio ritmo e modular o seu esquema terapêutico. Para a equipe, o tratamento visa prevenir as complicações ulteriores e assim manter a vida; portanto, a equipe se apressa em apontar ao seu jovem paciente seu descuido em relação ao tratamento prescrito e lhe pedir para restabelecê-lo o melhor possível sem perder tempo. Para o psicólogo, a gestão destas situações é difícil, pois, de um lado como do outro, fortes expectativas pesam sobre a sua função. Resposta miraculosa aos questionamentos, modificação mágica dos comportamentos indesejáveis, soluções “imediatas” a situações insolúveis, dentre outras. Estas situações só podem encontrar solução satisfatória na abordagem “caso por caso”, em longo prazo, na abordagem pluridisciplinar e, sobretudo, com a participação consentida das partes concernidas. Assim, uma primeira forma de ajuda dispensada pelo psicólogo do serviço de dialetologia é oferecer às equipes de tratamento a possibilidade de compreender o funcionamento do jovem paciente e modular assim seu discurso e sua atitude face a ele. Neste contexto, o psicólogo, explicando o funcionamento do paciente, trabalha em prol da compreensão do adolescente doente junto às equipes para individualizar suas necessidades específicas na interface com o trabalho da adolescência, e também para permitir que as duas partes – pacientes e equipe –se aproximem numa troca construtiva a propósito da doença e de seu tratamento. Uma segunda forma de ajuda psicológica acontece junto ao adolescente durante as repetidas hospitalizações ou as consultas programadas. A missão do psicólogo clinico é simples, teoricamente. Ele deve “obrar” no interesse do seu paciente, qualquer que seja o seu referencial teórico, “para a autonomia da sua personalidade” b ·. Isto vale dizer que no serviço de diabetologia, como em outros serviços, o psicólogo trabalha para a causa identitária. Ele contribui para manter a coerência da identidade do adolescente, sua continuidade e sua perenidade, para que este nunca esqueça que antes de ser doente ele é uma pessoa. No terreno, para desempenhar a sua missão, o psicólogo dispõe de duas fontes inesgotáveis de inspiração criativa: a primeira provém dos próprios adolescentes: da observação e do retorno de seu funcionamento psíquico, das estratégias que b Statut des psychologues hospitalier utilizam para contornar as dificuldades, da sua capacidade a se conhecer e a se apoiar nos seus recursos internos, do seu estilo relacional, etc. Para o psicólogo, o objetivo privilegiado destas interações é de ajudar a integração dos recursos pessoais e o desenvolvimento daqueles que ainda estão em estado bruto. Encorajar periodicamente, sobretudo em fase de desequilíbrio, a busca partilhada de sentido, de revolta, de isolamento ou de oposição na vida com o diabetes. A busca de sentido permite discriminar estes estados emocionais intensos, e assim fazendo permitir que emerjam de maneira mais elaborada e menos dolorosa para o jovem. Sobretudo permite ao jovem, devido à tomada de consciência que implica adquirir e se lembrar (periodicamente), que ele pode se ajudar o melhor possível com o que ele é e o que ele pode realizar; a segunda provém dos dados da pesquisa neste campo. Com efeito, o trabalho clinico de observação, de interação e de apoio justo ao jovem se enriquece utilmente pelas contribuições da pesquisa e permite que a criatividade do psicólogo se concretize no tratamento de cada paciente. Os resultados da pesquisa trazem ideias e aberturas tanto no estilo relacional estabelecido com o adolescente doente quanto na renovação das temáticas abordadas com ele. Os dados da pesquisa ajudam o psicólogo a construir sua missão de ajuda para que ele possa regularmente estimular o interesse do adolescente por ele mesmo e pelo seu bem-estar somático e psíquico. Exporemos a seguir três exemplos de praticas psicológicas provenientes da pesquisa contemporânea no campo da doença crônica na adolescência. Trata-se da noção de pesquisa de benefícios, da questão do posicionamento no grupo de pares e de sua utilização como mediador do estresse cotidiano, e dos estilos de enfoque psicológico diferenciado segundo o sexo do adolescente. A busca de benefícios se define como a experiência emocional que permite ao sujeito experimentar características positivas durante situações adversas. Age como um fator de proteção e demonstra de maneira reiterada seu impacto positivo na adaptação à doença (Helgeson, Reynolds & Tomich, 2006; Linley & Joseph, 2004). Assim definida, a busca de benefícios torna-se uma fonte renovada de equilíbrio psicológico nas situações de sofrimento emocional ligadas aos aspectos negativos da doença e do seu tratamento. O papel do psicólogo neste contexto é levar o adolescente a operar, regularmente, esta mutação na maneira como ele se vê e como vê a sua doença. O posicionamento e utilização do grupo de pares: os dados da pesquisa (Helgeson, Snyder, Escobar, Siminerio & Becker, 2007; Salema et al., 2011) mostram que os pares têm uma 32 Diaphora | Revista da Sociedade de Psicologia do Rio Grande do Sul 12(2) | Ago/Dez | 24-34 influência positiva no bem-estar do adolescente doente porque o seu apoio emocional veicula a aceitação e o reconhecimento que necessita como pessoa, e contribui à consolidação da sua identidade em margem da doença. Assim, pelo seu apoio, camaradas e amigos representam um eficaz fator de proteção contra o estresse da doença e do tratamento. Junto ao jovem, sua adaptação às obrigações terapêuticas ou sua assistência espontânea na realização dos gestos terapêuticos, oferece segurança e tranquilidade ao adolescente doente. Desta forma, pelo seu interesse e sua atenção às necessidades do adolescente doente, os pares lhe permitem controlar seus comportamentos de provocação (particularmente no âmbito da alimentação), prevenir as eventuais brincadeiras tão temidas, e se abrir às necessidades psicológicas dos outros. Neste contexto, o papel do psicólogo é acompanhar o jovem paciente no seu posicionamento constantemente renovado no seu grupo de pertencimento, expressando periodicamente e em toda segurança seus sentimentos e suas expectativas e, sobretudo, aceitar a ideia de que seus pares representam uma fonte de apoio inesgotável e solida. O estilo de enfoque psicológico diferenciado segundo o sexo do adolescente se refere à constatação de que os adolescentes portadores de DID têm mais dificuldades relacionais que as adolescentes. Frequentemente eles se isolam e mostram dificuldade para partilhar o afeto dos amigos. Seu discurso é mais concreto e frequentemente reprimem suas emoções. Assim sendo, experimentam significativamente mais emoções negativas, irritantes ou penosas. Os autores explicam estes resultados referindo-se à noção de estereotipo aplicada aos papeis sociais dos homens e das mulheres. Com efeito, para estes adolescentes, ser doente é percebido como um forte sinal de fraqueza, e a fraqueza é inconsistente com as características de força atribuída ao sexo masculino na sociedade contemporânea (Helgeson et al. 2007 ; Korbel et al, 2007). Neste contexto, o papel do psicólogo é de ficar atento às diferenças de gênero para não subestimar as dificuldades psicológicas especificas aos meninos. E, bem entendido, para facilitar o seu acesso, através de vias que eles considerem aceitáveis, à sua vida interior e à sua elaboração. Conclusão Nada será nunca mais como antes quando a doença crônica aparece e desorganiza o ritmo harmonioso da vida! Na passagem do antes para o depois, numa vida diferente daquela imaginada ou esperada, os adolescentes doentes crônicos necessitam, no mundo todo e em todas as culturas, de encorajamentos adaptados, de orientação construtiva, de apoio envolvente, e de companheirismo solidário na sua luta cíclica com os momentos de desenvolvimento psicológico e os períodos da doença. Nesta luta cíclica, o psicólogo é seu aliado. Pela sua escuta criativa, sua aceitação empática e seus conhecimentos clínicos, ele permanece de maneira “crônica” ao lado do paciente, garantindo permanentemente a sua identidade profunda. Juntos, paciente e psicólogo, trabalham lado a lado para manter em longo prazo, perseverando, no imediato da vida cotidiana, numerosos instantes privilegiados à margem da doença. Referências Buchbinder, M. H., Detzer, M. J., Welsch R. L., Christiano A. S., Patashnick J. L., & Rich, M. (2005). 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