0024593-71.2008.8.19.0208

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QUINTA CÂMARA CÍVEL DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
6º VARA CÍVEL DA REGIONAL DO MÉIER
EMBARGOS INFRIGENTES Nº 0024593.71.2008.8.19.0208
EMBARGANTE: ENY RESENDE DA SILVA
EMBARGADO: UNIMED RIO COOPERATIVA DE TRABALHO MÉDICO DO RJ
RELATOR: DES. ANTONIO SALDANHA PALHEIRO
RELATÓRIO
Trata-se de Embargos Infringentes opostos contra o acórdão da Décima
Câmara Cível deste Egrégio Tribunal de Justiça que, por maioria, deu provimento
ao recurso da sociedade empresária para reformar a sentença e julgar
improcedente o pedido da autoral.
O presente processo versa sobre a obrigação da embargada em manter
o serviço de tratamento domiciliar prestado à embargante.
Aduziu a embargante, em sua inicial, que é associada ao plano de
saúde oferecido pela embargada e que sofreu vários AVCs, encontrando-se
acamada, com sonda gástrica acoplada ao corpo por onde recebe o alimento,
além de utilizar balão de oxigênio, não estando em condições de locomover-se.
Diante do seu estado de saúde, vem recebendo tratamento domiciliar 24 horas,
desde abril de 2007. Contudo, em novembro de 2008, tomou conhecimento,
através da enfermeira que realiza parte do tratamento, de que o serviço seria
reduzido para 12 horas, sem maiores esclarecimento.
Requereu, assim, a tutela antecipada para determinar a imediata
permanência do tratamento domiciliar diário da embargada, a ser confirmada, ao
final, na sentença.
A tutela foi deferida a fl.51, determinando a continuidade do serviço de
forma integral.
Em sua resposta, a ré confirma haver providenciado temporariamente a
assistência domiciliar a autora, alegando, porém, liberalidade na sua concessão,
tendo em vista que a cobertura contratual restringe-se a ambulatorial e a
hospitalar. Afirma tratar-se de empresa privada, ficando a relação vinculada ao
contrato entabulado. Sustentou ainda que, após avaliação médica, ficou
constatado que não há mais necessidade de tratamento 24 horas, mas sim de 12
horas – fls.54/63. Juntou relatório médico datado em 2009, concluindo que a
embargante se enquadra no Programa de Média Complexidade, com técnicos de
enfermagem por 12 horas (fls.66).
Assinado por ANTONIO SALDANHA PALHEIRO:000009647
Data: 23/10/2012 19:41:40. Local: GAB. DES ANTONIO SALDANHA PALHEIRO
2
Decisão a fl.200, deferindo a inversão do ônus da prova em favor da
embargante. As partes informam que não têm mais provas a produzir ( fls. 202 e
203).
Sentença a fls. 229/231, julgando procedente o pedido, na forma do
artigo 269, inciso I, do CPC, com o fim de confirmar os efeitos da tutela
antecipada. Honorários fixados em 10% sobre o valor da causa.
Apelação da UNIMED, pugnando pela reforma total da sentença diante
da ausência de cobertura contratual para o Home Care, não havendo que se falar
em prática de ato ilícito. Porém, caso mantida a sentença, pleiteou a redução dos
honorários advocatícios.
Voto majoritário às fls. 226/268, reformando a decisão monocrática,
condenando a parte autora no pagamento de honorários fixado em R$ 500,00,
nos termos do artigo 12 da Lei 1060/50.
Voto vencido, negando provimento ao recurso interposto pelo ora
embargado, mantendo a sentença combatida – fls. 269.
A autora opôs os presentes embargos infringentes às 271/283.
Contrarrazões dos embargos, repetindo os argumentos lançados na
apelação, prestigiando a decisão atacada – fls. 285/302.
É o relatório.
Rio de Janeiro, 22 de agosto de 2012.
DESEMBARGADOR ANTONIO SALDANHA PALHEIRO
Relator
3
QUINTA CÂMARA CÍVEL DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
6º VARA CÍVEL DA REGIONAL DO MÉIER
EMBARGOS INFRIGENTES Nº 0024593.71.2008.8.19.0208
EMBARGANTE: ENY RESENDE DA SILVA
EMBARGADO: UNIMED RIO COOPERATIVA DE TRABALHO MÉDICO DO RJ
RELATOR: DES. ANTONIO SALDANHA PALHEIRO
EMBARGOS INFRINGENTES. AÇÃO OBJETIVANDO A
MANUTENÇÃO DO SERVIÇO HOME CARE.
I - TRATANDO-SE DE RELAÇÃO DE CONSUMO,
CARACTERIZADA PELA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
AO SEGURADO, OS PLANOS E SEGUROS PRIVADOS
DE
ASSISTÊNCIA
À
SAÚDE
DEVEM
SER
SUBMETIDOS ÀS NORMAS DO CDC (ART.2º E 3º).
II- "O PLANO DE SAÚDE PODE ESTABELECER AS
DOENÇAS QUE TERÃO COBERTURA, MAS NÃO O
TIPO DE TRATAMENTO UTILIZADO PARA A CURA
DE CADA UMA DELAS" - RESP 668.216 DO C. STJ.
III- CLÁUSULA DO CONTRATO QUE RESTRINGE
DIREITOS INERENTES À NATUREZA DO NEGÓCIO
JURÍDICO, IMPOSSIBILITANDO A REALIZAÇÃO
PLENA DO SEU OBJETO E FRUSTRANDO AS
LEGÍTIMAS EXPECTATIVAS DO CONSUMIDOR, É
MANIFESTAMENTE NULA, PORQUANTO ABUSIVA.
III- A SUSPENSÃO UNILATERAL DO TRATAMENTO
HOME
CARE,
APÓS
CUSTEÁ-LO
VOLUNTARIAMENTE
POR
DETERMINADO
PERÍODO, OFENDE A BOA FÉ OBJETIVA, VEZ QUE
CRIOU NA AUTORA LEGÍTIMA EXPECTATIVA DE
MANUTENÇÃO DE SEU FORNECIMENTO, SENDO
INCOERENTE COM A TUTELA JURÍDICA DA
CONFIANÇA O SEU ROMPIMENTO ABRUPTO.
PROIBIÇÃO
DE
COMPORTAMENTO
CONTRADITÓRIO (VENIRE CONTRA FACTUM
PROPRIUM).
PROVIMENTO DOS EMBARGOS INFRINGENTES.
VISTOS,
relatados e discutidos estes autos de Embargos
Infringentes nº 0024593.71.2008.8.19.0208, em que é embargante ENY
RESENDE DA SILVA e é embargado UNIMED RIO COOPERATIVA DE TRABALHO
MÉDICO DO RIO DE JANEIRO LTDA.
4
ACORDAM os Desembargadores que compõem a Quinta Câmara Cível
do Tribunal de Justiça, por unanimidade de votos, em dar provimento ao
recurso, nos termos do voto do relator.
VOTO
Trata-se de Embargos Infringentes opostos contra o acórdão da Décima
Câmara Cível deste Egrégio Tribunal de Justiça que, por maioria de voto, deu
provimento ao recurso, reformando a sentença monocrática, para julgar
improcedente o pedido autoral, que objetivava a manutenção de tratamento
domiciliar diário à embargante.
Os embargos infringentes constituem remédio recursal, ao que
saibamos, sem similar no direito comparado, mas se prestando sem dúvida ao
aperfeiçoamento das decisões judiciais, e visando oferecer ao demandante
segurança jurídica nos julgados, a fim de promover a justa prestação jurisdicional.
Para a interposição do referido recurso é necessária a observância de
pressupostos legais, na forma dada ao artigo 530 do Código de Processo Civil,
com nova redação dada pela Lei 10.352/01.
A redação da versão antecedente do artigo 530 – Código de 1973 –
admitia para sua incidência tão somente a existência de um voto divergente no
acórdão, não estabelecendo qualquer requisito outro para tanto.
A par de não se atingir alternativa tão radical como a que propunha sua
extirpação do direito positivo, a Lei 10352 de 26 de dezembro de 2001,
efetivamente estreitou de forma acentuada as hipóteses de cabimento do recurso,
adotando nova redação para o artigo 530 do CPC, que agora estabelece:
“Cabem embargos infringentes quando o acórdão não unânime
houver reformado, em grau de apelação, a sentença de mérito,
ou houver julgado procedente ação rescisória. Se o desacordo
for parcial, os embargos serão restritos à matéria objeto da
divergência.”
Temos assim como consolidado o entendimento de que a reforma do
referido artigo 530 teve como orientação finalística emprestar maior efetividade ao
processo, restringindo drasticamente o âmbito de incidência dos infringentes, de
forma a acelerar a pacificação definitiva dos conflitos de interesses.
Na hipótese em cotejo, constata-se que foi objeto de divergência o
mérito da ação, porquanto foi reformada a sentença de procedência, afastando a
responsabilidade do embargado em manter o serviço de tratamento domiciliar à
embargante.
5
Com a devida vênia dos Doutos Magistrados que deram provimento à
Apelação, ouso discordar e acompanhar a inteligência da decisão que foi voto
vencido junto à Décima Câmara Cível deste Egrégio Tribunal, mantendo a sentença
que determinou a manutenção do serviço de Home Care.
Assevera-se que os contratos de plano de saúde estão sob a égide do
Código de Defesa do Consumidor, razão pela qual os limites e condições de
cobertura devem ser vistos com maior amplitude, mormente em se tratando de
contrato de adesão, em que o consumidor normalmente não tem como discutir as
cláusulas existentes.
Destarte, para a análise da matéria em questão, devem ser
observados os princípios que regem as relações de consumo.
Na espécie, ficou demonstrada a necessidade do tratamento
domiciliar por meio do sistema home care, conforme indicação médica apresentada
pelo embargado a fl. 66, ressalvando apenas que o serviço poderá ser reduzido
para 12 horas.
Dessa forma, não é razoável admitir a cobertura da assistência à
cura da patologia da consumidora e, ao mesmo tempo, a exclusão dos meios
necessários ao seu alcance, mesmo porque compete ao médico, e não à
seguradora, estabelecer qual o tratamento mais adequado a ser ministrado ao
doente.
Desse modo, a cláusula prevendo a exclusão de tratamento
domiciliar é nula de pleno direito, porquanto abusiva, nos termos do art. 51, inc. IV,
do diploma consumerista1. Ademais, o caso concreto impõe a observância dos
princípios da dignidade da pessoa humana e da garantia à vida e à saúde da
paciente, mesmo que em detrimento de eventuais direitos patrimoniais.
O regime de home care tem por objetivo substituir ou abreviar o
tempo de internação hospitalar, sendo o paciente atendido em casa com mais
conforto, ficando próximo de seus familiares, havendo, ainda, a redução do risco de
infecção hospitalar e até mesmo dos custos hospitalares. É, portanto, um
desdobramento do atendimento que é feito no próprio hospital.
A cláusula contratual limitativa de risco que restrinja direito inerente
ao contrato, colocando o consumidor em desvantagem, é ilegal e abusiva, não
devendo prevalecer, por força das regras consumeristas que presumem exageradas e
consequentemente nulas aquelas que restrinjam direitos ou obrigações fundamentais
inerentes à natureza do contrato (art. 51, § 1º, II, do CDC), não podendo ela servir
como fundamento para a interrupção do serviço da ré.
1
“Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de
produtos e serviços que: [...].
IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem
exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade. [...].”
6
A jurisprudência tem sublinhado que “Se o regime de internação pelo
sistema home care é mais adequado ao caso clínico do paciente do que a internação
hospitalar intensiva, de custos notoriamente mais elevados, não é razoável admitir a
exclusão de cobertura em virtude de cláusula contratual, pois ainda que se admitisse
a recusa de cobertura para o tratamento em casa, a seguradora responderia pelas
correspondentes despesas cobertas pelo contrato de seguro. A cláusula contratual
em relação de consumo se interpreta de maneira mais benéfica ao consumidor” 2
Se a embargante não optasse, por indicação médica, pela internação
domiciliar, permaneceria o direito à internação hospitalar coberta pelo seguro,
porquanto se trata, inequivocamente, de atendimento necessário em face de risco de
vida e sofrimento intenso, sendo abusiva a negativa de cobertura de internação
domiciliar, de menor custo, por isto que nenhum sentido faz a invocação do pacta
sunt servanda.
Dúvida não há de que convivem, entre o direito civil e o direito do
consumidor, cláusulas que limitam os riscos do segurador, sob pena de
comprometer-se a própria cobertura prometida ao consumidor. Os seguros de saúde,
como enfatizado na experiência pretoriana, capitaneada pelo Supremo Tribunal
Federal, podem adotar cláusulas que limitem os riscos, a tanto estando autorizados
seja pelos artigos 1.434 e 1.460 do Código Civil quanto pelo art. 54, § 4º, do Código
de Defesa do Consumidor. Mas essa não é a questão nodal, nem se esgota na
harmonização entre os dois regimes. O que se tem observado, também com registros
na doutrina e na jurisprudência, é que haverá situações em que a limitação, se
levada a seus últimos desdobramentos lógicos, esvazia de conteúdo a própria
cobertura, tornando inócuo o contrato.
É o que ocorre quando se subtrai da cobertura atendimento sem o
qual todos os demais procedimentos autorizados pelo contrato perdem eficácia
terapêutica, resultando em ameaça à vida do segurado. Em outras palavras, a
seguradora recebe do consumidor valor para garantir-lhe cobertura irrelevante,
porém ineficaz.
Em situação peculiar como a retratada nestes autos, a melhor
solução para o paciente é a internação domiciliar, de menor custo e de maior
conforto emocional. Vedada a cobertura das respectivas despesas, estará ferindo o
art. 51, IV, do CDC, que se impõe aplicar por força da garantia que a Constituição da
República defere aos direitos do consumidor.
Neste sentido, destaco o seguinte precedente do STJ e deste E.TJ.
PLANO DE SAÚDE. MODALIDADE DE AUTOGESTÃO.
APLICAÇÃO DO CDC. TRATAMENTO HOME CARE. RESOLUÇÃO
ANS 211/10. AUSÊNCIA DE CLÁUSULA EXCLUINDO O SERVIÇO.
PROTEÇÃO À DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E À VIDA.
HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.
2
TJRJ, 17ª CC, Ap. Civ. nº 2005.001.26157, rel. Des. Henrique Figueir).
7
I - As operadoras de plano de saúde se submetem às normas do
CDC quando, na qualidade de fornecedoras, contratarem com
pessoas físicas ou jurídicas destinatárias finais dos produtos ou
serviços. Súmula 469 do e. STJ. Irrelevante se o serviço é prestado
em modalidade de autogestão. II - O art. 13 da Resolução ANS
211/10 prevê expressamente as condições para o fornecimento do
serviço de internação domiciliar, quando oferecida em substituição
ao tratamento hospitalar. III - Não há cláusula no contrato de
prestação de assistência à saúde que exclua especificamente o
tratamento home care. Ainda que houvesse, seria nula pelo disposto
no inc. IV do art. 51 do CDC. IV - "O plano de saúde pode
estabelecer as doenças que terão cobertura, mas não o tipo de
tratamento utilizado para a cura de cada uma delas" - REsp 668.216
do c. STJ. V - A proteção à dignidade humana e à vida, arts. 1º, inc.
III e 5º, caput, se sobrepõem à alegada violação ao inc. II do art. 5º,
todos da CF. [...].3
“OBRIGAÇÃO DE FAZER. PLANO DE SAÚDE. CÓDIGO DEDEFESA DO
CONSUMIDOR. UNIMED. PRESTAÇÃO DESERVIÇO DE HOME CARE.
FUNÇÃO SOCIAL DO CONTRATO. PROIBIÇÃO DE CLÁUSULA
LIMITATIVA DE RISCO. 1. É de consumo a relação jurídica discutida
nesta lide, aplicandose as normas do Código de Defesa do
Consumidor.2. Uma das impugnações do apelante consiste na
alegação de que o plano de saúde da apelada não possui o
atendimento denominado "home care”. 3. "A função social do
contrato, prevista no art. 421 do novo CC, não elimina o princípio da
autonomia contra Quanto aos danos materiais, o acessório segue o
principal. Diante do estado de saúde da parte, e da necessidade de
continuidade do regime de home care, a sua retirada abrupta gerou
despesas inesperadas à autora, motivo pelo qual deverá a mesma
ser ressarcida de forma simples. tual, mas atenua ou reduz o alcance
desse princípio quando presentes interesses metaindividuais ou
interesse individual relativo à dignidade da pessoa humana"
(Enunciado n. 23 - I Jornada de direito Civil - Conselho da Justiça
Federal ).4. 'Nesse sentido, qualquer cláusula contratual limitativa de
risco que coloque o consumidor em manifesta e excessiva
desvantagem frente ao prestador de serviços, afrontando, inclusive
dispositivo normativo é ilegal, abusiva e nula, nos termos do artigo
51 inciso IV e seu § 1º inciso II da Lei 8.078/90. E, portanto, não
pode servir de fundamento para a recusa do réu em autorizar a
estrutura de “home care” e arcar com o pagamento das despesas
desta decorrente, cuja indispensabilidade está comprovada pelos
documentos constantes dos autos, não havendo, destarte, que se
falar em afronta ao ato jurídico perfeito e nem tampouco do princípio
legal pacta sunt servanda'.5. Desprovimento do recurso” 4
3
Ac. 531788, Relator VERA ANDRIGHI, 6ª Turma Cível, julgado em 24/08/2011, DJ 08/09/2011 p. 166.
4
(Ap Civ 52816/08 – 20ª CC – Des. Letícia Sardas – j. em 10/12/08).
8
“SEGURO SAÚDE. RESPONSABILIDADE CIVIL. "HOME CARE". DANO
MORAL NÃO CONFIGURADO. Aduz a ré que o autor não teria direito
ao serviço de “home care" porque se trata de benefício excluído
expressamente do contrato. As regras ordinárias de experiência
demonstram que o "home care" é um benefício criado com o objetivo
de substituir ou abreviar o período de internação hospitalar. Através
desse serviço o paciente é atendido em casa com mais conforto e
tranqüilidade, fica próximo da família, havendo, ainda, a redução do
risco de infecção hospitalar. Na verdade, o "home care" nada mais é
do que uma evolução de um tratamento de saúde. De fato, o
contrato exclui o atendimento de cobertura domiciliar. No entanto,
não se pode olvidar que o paciente necessita de cuidados especiais
e, indubitavelmente, tem direito ao atendimento hospitalar. Dessa
forma, não discrepa da cobertura securitária, nem dos riscos
assumidos contratualmente, substituir o dever de tratar o paciente
em hospital na obrigação de tratar o paciente em sua casa. Nesse
diapasão, não há que se falar em inobservância ao pacta sunt
servanda. No que se refere aos danos morais, embora a situação dos
autos evidencie inexoráveis aborrecimentos e transtornos ao primeiro
autor, infere-se que a lide adveio de interpretação de cláusula
contratual, a qual, prima facie, não conferia o direito ora obtido pelo
autor. Dessa forma, a recusa à prestação de serviço de "home care"
não era flagrantemente injusta, motivo pelo qual não se afigurou o
ato ilícito que, em tese, ensejaria a reparação por dano moral.
PROVIMENTO PARCIAL DO RECURSO” 5
Ademais, a suspensão unilateral do tratamento home care, após
custeá-lo voluntariamente por determinado período, ofende a boa fé objetiva, uma
vez que criou na embargante legítima expectativa de manutenção de seu
fornecimento, sendo incoerente com a tutela jurídica da confiança o seu rompimento
abrupto. Acerca do tema, confira a abalizada doutrina:
Fundamenta-se a vedação de comportamento contraditório,
incoerente, na tutela jurídica da confiança, impedindo que seja
possível violar as legítimas expectativas despertadas em outrem. A
confiança, por seu turno, decorre da cláusula geral de boa-fé
objetiva (bem definida pela doutrina germânica como Treu und
Glauben, isto é, dever geral de lealdade e confiança recíproca entre
as partes). [...]. De mais a mais, é preciso observar que a
solidariedade social, contemplada no art. 3º da Carta
Constitucional, apresenta-se, por igual, como fundamento da
proibição de comportamento contraditório por impor o respeito e
consideração
aos
interesses
de
terceiro,
impedindo
6
comportamentos egoísticos.
5
(Ap Civ 24807/08 – 9ª CC – Rel. Des. Roberto de Abreu e Silva – j. em 28/10/08).
FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito civil: Teoria Geral. 8ª Ed., 2ª Tir. Rio de
Janeiro, Ed. Lumem Juris, 2010, p. 609/610.
6
9
Nessa toada, não pode o sujeito da relação contratual exteriorizar
conduta positiva de forma reiterada em relação à outra parte, gerando confiança e
expectativa de direito no íntimo desta, e depois, simplesmente negar-lhe o exercício
de tal direito que ele mesmo incutiu no íntimo do outro por seu comportamento
anterior.
Assim, o dever da embargada em fornecer o tratamento domiciliar
(home care) à embargante é impostergável, sendo manifestamente nula a cláusula
do contrato que restringe direitos inerentes à natureza da avença, impossibilitando a
realização plena do seu objeto e frustrando as legítimas expectativas do
consumidor, que não está buscando tratamento domiciliar por ser mais conveniente
ou cômodo, mas por prescrição médica.
Por fim, a manutenção do tratamento domiciliar deve ser mantida de
forma integral (24 horas), como reconhecido na sentença, uma vez que a
embargada não requereu prova pericial apta a afastar os argumentos da
embargante da necessidade de tratamento ininterrupto, destacando-se que, nada
obstante o laudo por cópia a fl.66 noticiar que a embargante se enquadra na
complexidade média, no item de “Grau de Atividade da Vida Diária relacionada a
Cuidados Técnicos, o médico responsável deu 5 pontos, ou seja, o ponto máximo.
Destaque-se, ainda, que no item de “ Suporte Terapêutico, apesar do responsável
pelo elaboração da tabela de avaliação não apresentar qualquer ponto, no relatório
seguinte (fls.68), noticia que a alimentação da embargante está sendo ministrada
por sonda.
Pelo exposto, voto no sentido de dar provimento ao recurso para
que prevaleça o voto vencido do Desembargador Celso Luiz de Matos Peres, que
negou provimento ao recurso, mantendo a íntegra da sentença, invertendo o ônus
sucumbenciais, fixando os honorários em R$ 1.500,00, levanto em conta a
complexidade da causa, nos termos do artigo 20, §§ 3º e 4º, do CPC.
Rio de Janeiro,
de
de 2012.
DESEMBARGADOR ANTONIO SALDANHA PALHEIRO
RELATOR
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