EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA ___ VARA CÍVEL DO FORO CENTRAL DA COMARCA DA CAPITAL - SP O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO, por meio do Promotor de Justiça que esta subscreve, no uso de suas atribuições legais, com fundamento no que dispõem os arts. 129, inciso III, da Constituição Federal; arts. 1º, inciso II, e 5º, da Lei n. 7.347/85 e art. 15, § 3º, e arts. 73/77, todos da Lei n. 10.741/03 (Estatuto do Idoso), vem à presença de Vossa Excelência promover a presente AÇÃO CIVIL PÚBLICA COM PEDIDO LIMINAR em face de PREVENT SENIOR PRIVATE OPERADORA DE SAÚDE LTDA, pessoa jurídica de direito privado, inscrita no CNPJ/MF sob o nº 00.461.479/0001-63, com sede na Rua Lourenço Marques, 158, 10º andar, Vila Olímpia, CEP 04547-100, nesta capital, a ser citada na pessoa de seu representante legal, pelos fatos e fundamentos jurídicos a seguir expostos: DA PRIORIDADE NA TRAMITAÇÃO DO FEITO A presente lide tem por principal fundamento o fornecimento de home care aos segurados da operadora de saúde PREVENT SENIOR PRIVATE OPERADORA DE SAÚDE LTDA. Conforme o próprio nome já diz e é fato notório, explicitado no sítio eletrônico da empresa, “A Prevent Senior é a operadora de saúde pioneira no atendimento dedicado às pessoas com idade a partir de 49 anos e foco em medicina preventiva, com programas capazes de prolongar a saúde e bem-estar dos idosos.” Dessa forma, é de rigor a aplicação da prioridade na tramitação de processos judiciais, conforme previsão contida no art. 71 do Estatuto do Idoso e no art. 1.211-A do Código de Processo Civil, aplicáveis à ação civil pública, nos termos do art. 19, da Lei nº 7.347/85. Portanto, postula-se desde já pelo deferimento da prioridade na tramitação e no julgamento do presente feito. 1 DA LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO O Ministério Público, instituição essencial à função jurisdicional do Estado, detém, dentre suas atribuições, a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, dispondo de legitimidade para a tutela preventiva e repressiva dos interesses difusos, coletivos, individuais homogêneos e individuais indisponíveis, tal como preceituam os arts. 127 e 129, inciso III, da Constituição Federal, o art. 103, inciso VIII, da Lei Complementar Estadual n. 734/93 (Lei Orgânica do Ministério Público do Estado de São Paulo), os arts. 1º e 4º, da Lei n. 7.347/85 (Lei da Ação Civil Pública) e os arts. 2º, 3º, 74, I, VII, VIII, da Lei n. 10.741/03 (Estatuto do Idoso). A missão constitucional do Ministério Público, como visto, é agir em defesa dos interesses difusos e coletivos (art. 129, III da Constituição Federal). O Estatuto do Idoso, em seu artigo 74, I, amplia consideravelmente a legitimação do parquet ao autorizá-lo, também, à propositura da ação civil pública para a proteção dos direitos e interesses individuais indisponíveis e individuais homogêneos do idoso. Não obstante, permite o Estatuto, inclusive, a atuação do Ministério Público para a tutela de direito individual, desde que indisponível. DOS FATOS O inquérito civil que instrui a presente teve início a partir de representação formulada por Roberto Sant‟Anna, noticiando que a PREVENT SENIOR PRIVATE OPERADORA DE SAÚDE LTDA, vem comercializando planos de saúde com cláusulas contratuais que excluem a prestação de serviços de home care, em desacordo com a Súmula nº 90, do Tribunal de Justiça de São Paulo. Instada a se manifestar, a PREVENT SENIOR informou que todos os produtos e/ou serviços por ela comercializados passaram pelo crivo da Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS. O fato de o contrato de prestação de serviços excluir o home care não implica abusividade de cláusula. Ao estabelecer o preço de seus produtos, elaborou minuciosos cálculos, considerando os riscos assumidos, 2 dentre os quais não se inclui o home care, de modo que obrigar a empresa a prestar este serviço colocaria em risco o equilíbrio contratual. O home care não está inserido no rol de coberturas obrigatórias da ANS, embora esta agência atualize periodicamente a lista de procedimentos com cobertura obrigatória. Entende que o contrato foi assinado entre as partes respeitando a autonomia da vontade dos contratantes e que impor às operadoras obrigações expressamente excluídas por contrato viola o princípio pacta sunt servanda. A prestação de assistência á saúde prevista no art. 196, da Constituição Federal, é dever do Estado. A PREVENT SENIOR apresentou o contrato padrão de seus planos de saúde. Nele se pode ler: “CLÁUSULA DÉCIMA PRIMEIRA 11. EXCLUSÕES DE COBERTURA Fica expressamente ajustado entre as partes que o presente contrato não contempla cobertura para os seguintes procedimentos: ... XII. Atendimento médico domiciliar, enfermagem em caráter particular, seja em regime hospitalar, domiciliar, Home Care, mesmo que o caso exija cuidados especiais, inclusive nas emergências, aluguel de equipamentos, aparelhos e tudo o que for relacionado à assistência médica domiciliar;” Foi juntada aos autos pesquisa de jurisprudência versando sobre a matéria. Em 25 de fevereiro de 2014, foi realizada reunião com o representante da empresa, ocasião em que o Ministério Público propôs a assinatura de um Termo de Ajustamento de Conduta - TAC, para evitar o ajuizamento desta ação civil pública, sendo concedido prazo para a empresa responder. 3 Findo o prazo concedido, a PREVENT SENIOR informou que não aceitava assinar o TAC. DO DIREITO A negativa da PREVENT SENIOR em fornecer home care a seus segurados quando há expressa indicação médica para tal viola o art. 51, § 1º, inc. II, do Código de Defesa do Consumidor, aplicável ao contrato de plano de saúde uma vez que este envolve inequívoca a relação de consumo, consoante dispõe a Súmula nº 469 do E. Superior Tribunal de Justiça: "Aplica-se o Código de Defesa do Consumidor aos contratos de plano de saúde". A negativa de fornecimento de home care quando há expressa indicação médica neste sentido contraria, ainda, a Súmula nº 90, do E. Tribunal de Justiça de São Paulo, que assim dispõe: Súmula 90: “Havendo expressa indicação médica para a utilização dos serviços de „home care‟, revela-se abusiva a cláusula de exclusão inserida na avença, que não pode prevalecer”. Negar a realização de tratamento em home care quando há expressa indicação médica nesse sentido equivale a negar a própria proteção contratual, tendo em vista a natureza do contrato e dos objetivos para os quais é celebrado. Os direitos fundamentais à saúde e à vida, inerentes à natureza do contrato, são restringidos por tal cláusula. O contrato pode apenas dispor sobre as patologias cobertas, não sobre o tipo de tratamento para cada patologia alcançada pelo contrato. Fosse assim, estar-seia autorizando que a empresa se substituísse aos médicos na escolha da terapia adequada de acordo com o plano de cobertura do paciente e comprometendo a eficácia da cláusula de cobertura. O médico, e não o plano de saúde, é responsável pela orientação terapêutica. Orientação diversa poria em risco a vida do consumidor. 4 Por outro lado, os argumentos fornecidos pela operadora do plano de saúde para justificar sua conduta e recusar a assinatura do Termo de Ajustamento de Conduta não se sustentam, conforme se verá abaixo. O tratamento médico-domiciliar denominado home care é um serviço voltado a atender paciente com limitações funcionais importantes, para manter o seu estado de saúde ou aliviar os efeitos nocivos causados por moléstia, acarretando melhora na qualidade de vida, sem maior exposição aos riscos do ambiente hospitalar. Do ponto de vista do paciente e sua família, tal sistema proporciona inúmeras vantagens, pois o libera do leito hospitalar; previne eventuais infecções próprias desse ambiente; contribui para o próprio sistema de saúde, etc. Em contrapartida, para a seguradora, que é quem arcará com os custos do tratamento, indubitavelmente, tal serviço representa uma economia, se comparada à manutenção da internação. Não há, portanto, que se falar em desequilíbrio contratual em desfavor à seguradora. O princípio pacta sunt servanda não é absoluto e deve ser interpretado em consonância com as normas de ordem pública, com os princípios constitucionais e de forma a preservar a natureza e os fins do contrato, sem que possa ameaçar seu objeto ou o equilíbrio contratual (CDC, art. 81, parágrafo primeiro, II). O objetivo contratual da assistência médica comunica-se, necessariamente, com a obrigação de restabelecer ou procurar restabelecer, através dos meios técnicos possíveis, a saúde do paciente. Assim, viola os princípios mencionados qualquer limitação contratual que tente excluir o tratamento indicado como necessário por médico do beneficiário. As vicissitudes decorrentes da patologia e as conseqüentes prescrições médicas não podem ser desconsideradas, porque estão abrangidas pela obrigação de prestar atendimento. No mais, a relação entre a operadora de saúde e os conveniados é instrumentalizada por contrato de adesão, com cláusulas regidas pela própria seguradora e que devem ser interpretadas da forma mais razoável à parte que apenas aderiu o contrato (consumidora aderente), de acordo com o que dispõe o art. 47 do CDC. 5 Sérgio Cavaliere Filho, citado pelo Ministro Relator Paulo de Tarso Sanseverino, no julgado do REsp 1.133.338-SP, em 02/04/2013, leciona que “(...) essa é a sabia regra do art. 47 do CDC: quem escreve não tem em seu favor o que escreveu. E não somente as cláusulas ambíguas dos contratos de adesão se interpretam em favor do aderente, contra o estipulador, mas o contrato de consumo como um todo. A regra geral, assevera Cláudia Lima Marques, é que se interprete o contrato de adesão, especialmente as suas cláusulas dúbias, contra aquele que redigiu o instrumento. É a famosa interpretação contra proferente (CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Direito do Consumidor, 2ª. Ed, São Paulo, Atlas, 2010, p. 143). Não há que se falar em inexistência de cobertura já que o tratamento de home care é tido como extensão da internação hospitalar. Cabe à empresa fornecedora do serviço médico-hospitalar o dever de prestar ampla assistência ao necessitado, não só em cumprimento aos termos do contrato, mas também em respeito aos princípios que norteiam esse tipo de contrato, de prestação de serviço de saúde, ínsito à sua atividade empresarial desenvolvida, tendo por fundamento o art. 1°, I, da lei 9656/98. A despeito de a saúde ser dever do Estado, ao operar com o sistema de saúde, a seguradora tem que se sujeitar às normas imperativas referentes à atividade. Não obstante buscarem lucros - o que é natural em economia capitalista - assumem as operadoras privadas parcela da responsabilidade constitucional de promoção da saúde. Não cabe a alegação de que a RN nº 167/2008 da ANS não obriga as operadoras de plano de saúde a oferecer atendimento domiciliar, pois o artigo 10, §1º, da Lei nº 9.656/98 que atribui à ANS a regulamentação das exceções ali previstas não apresenta dispensa à prestação do serviço de home care, de modo que a norma administrativa apontada não poderia substituir norma hierarquicamente superior, e muito menos contrariar a própria finalidade do contrato de assistência médico hospitalar. IV. DA MEDIDA LIMINAR 6 Impõe-se a expedição de ordem liminar, inaudita altera parte, nos termos do art. 12, da Lei n. 7.347/85 (Lei de Ação Civil Pública), uma vez que estão plenamente caracterizados os seus pressupostos jurídicos, quais sejam, prova inequívoca, verossimilhança da alegação e fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação. Explico, a negativa injustificada da empresa-ré no fornecimento de serviço home care quando for essa a terapia curativa indicada pelo médico, poderá ocasionar inúmeras mortes de pacientes em estado de saúde grave que não receberão o tratamento adequado em suas casas. No que diz respeito ao periculum in mora, vale ressaltar que uma demanda como esta pode ter seu trâmite por longos anos no Poder Judiciário, motivo pelo qual a efetiva e definitiva entrega da prestação jurisdicional só ocorrerá após alguns anos, em prejuízo de usuários idosos com indicação médica para tratamento em home care e que no momento não estão recebendo este tratamento . Saliente-se que, com a concessão da liminar, evitar-se-á que o próprio Judiciário tenha que decidir inúmeras outras ações individuais sobre o mesmo assunto, havendo economia processual, além de se evitar decisões divergentes, o que sempre foi um dos propósitos perseguidos pela tutela coletiva. DOS PEDIDOS Ante o exposto, o Ministério Público requer: 1. A concessão de MEDIDA LIMINAR, inaudita altera parte, com fundamento no artigo 12, da Lei n. 7.347/85, a fim de se determinar à ré que imediatamente, a contar da intimação da decisão concessiva da liminar, forneça tratamento domiciliar (home care) quando houver indicação médica, sob pena do pagamento de multa no valor de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) por consumidor que venha a sofrer a recusa injustificada, sujeita à atualização monetária, a ser recolhida ao Fundo do Idoso, previsto no artigo 84, do Estatuto do Idoso; 7 2. Seja determinada a citação da ré, na pessoa de seu representante legal, pelo correio, para que, querendo, apresente resposta no prazo de 15 (quinze) dias. 3. Seja a presente ação julgada procedente, a fim de: a. Declarar abusividade e, por conseguinte, a nulidade da cláusula décima primeira, inciso XII, do contrato padrão de plano de saúde da operadora PREVENT SENIOR PRIVATE OPERADORA DE SAÚDE LTDA, que veda tratamento domiciliar (home care) aos conveniados ; b. Condenar a ré na obrigação de fazer consistente em fornecer o tratamento domiciliar (home care) quando houver indicação médica, sob pena do pagamento de multa no valor de R$ 50.000,00 (cinqüenta mil reais) que deverá incidir a cada cobrança em que houver descumprimento do comando judicial, sujeita à atualização monetária, a ser recolhida ao Fundo do Idoso, previsto no artigo 84, do Estatuto do Idoso; 4. Requer, outrossim: a. A condenação da ré ao pagamento das custas processuais; b. A publicação do edital a que se refere o artigo 94, do Código de Defesa do Consumidor; Protesta provar o alegado por todos os meios de prova admitidos em direito, notadamente pela produção de prova oral e, caso necessário, pela juntada de documentos, bem como por tudo mais que se fizer necessário à cabal demonstração dos fatos articulados na inicial. Atribui-se à causa o valor de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais). Nestes termos, pede deferimento. São Paulo, 07 de julho de 2014. CLÁUDIA MARIA BERÉ 7ª Promotora de Justiça de Direitos Humanos 8