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III Congresso de Pesquisa e Extensão da FSG
I Salão de Extensão & I Mostra Científica
http://ojs.fsg.br/index.php/pesquisaextensao
ISSN 2318-8014
AUTISMO INFANTIL PRECOCE
Everton Brambatti Azambuja a, Laís Cembrani Mósena a, Maria de Lourdes Terribile Rossi b
Elbio Nelson Cardoso Guardia c
a
Graduandos do Curso de Psicologia da FSG
b
Bacharel em Letras (Tradutor Português-Inglês) pela UCS e graduanda de Psicologia da FSG
c
Mestre em Saúde Mental Coletiva pela ULBRA e docente da FSG.
*
,
Resumo
[email protected]
Rua Alfredo Chaves, 970 Ap 21
Caxias do Sul – RS
CEP 95020-460
Palavras-chave:
Autismo
Infantil
Precoce
O presente trabalho aborda um tema bastante difundido e estudado
durante longas décadas, mas, infelizmente, ainda permanece em
aberto. Abordagens do comportamento e desenvolvimento humano
são delicadas, exigem perspicácia, acuidade, constante
aperfeiçoamento profissional e um olhar educado para captar as
mínimas nuances que envolvem cada universo particular.
O autismo é um transtorno do desenvolvimento caracterizado por
prejuízos na interação social, comunicação e comportamentos
repetitivos. O autista fecha as fronteiras de contato com o mundo
exterior. Possui intensa dificuldade de estabelecer intercâmbio
afetivo. Também apresenta distúrbios no ritmo de desenvolvimento,
motilidade e percepção. Evita qualquer situação que possa lhe causar
insegurança. Todo estímulo externo é considerado uma intrusão,
inclusive o alimento. Seu restrito universo quase equivale a uma
privação existencial. Essa pesquisa bibliográfica aborda os seguintes
tópicos: aspectos históricos, o mundo autista, estudos
epidemiológicos, etiologia do autismo, espectro autista, tratamento
medicamentoso, escalas de avaliação e psicoterapia. Inclui também
uma sinopse do livro “A Fortaleza Vazia”, de Bruno Bettelheim.
Tem por objetivo relacionar a influência da mãe e dos estímulos
externos para o autista infantil. Quanto mais precocemente o autista
for tratado e estimulado, maiores serão suas oportunidades de
desenvolvimento. Bruno Bettelheim chegou à conclusão de que a
mãe é a responsável pelo quadro do autismo, tendo em vista seu
desejo de que o filho não existisse. Apesar da conclusão de Bruno
Bettelheim, acreditamos que a mãe tenha papel fundamental na
longa e difícil trajetória de ressocialização desse pequeno ser.
Abstract
This article boards a widespread and studied subject for many
decades, but, unfortunately, it still remains opened. Approaches
referring to human behavior and development are delicate, because
require insight, acuity, constant professional improvement and a
polite sight to capture minimum nuances surrounding each particular
universe.
Autism is a development disorder characterized by impairments in
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social interaction, communication and repetitive behaviors. Autistic
closes the contact borders with the outside world. He has severe
difficulty in establishing affective exchange. It also features
disturbances in development rhythm, motility and perception. He
avoids any situation that may cause him insecurity. Every external
stimulus is considered an intrusion, including food. His restricted
universe almost equivalents to an existential deprivation. This
literature review approaches the following topics: historical aspects,
the autistic world, epidemiological studies, autism etiology, autism
spectrum, drug treatment, evaluation scales and psychotherapy. It
also includes a synopsis of “The Empty Fortress” book, by Bruno
Bettelheim. It aims to relate the influence of his mother and external
stimulus for the autistic child. As soon as he is treated and
stimulated, greater will be his development opportunities. Bruno
Bettelheim concluded that the mother is the responsible for the
autism picture, due to the fact that she would desire the child does
not exist. In spite of Bruno Bettelheim conclusion, we believe that
the mother has a fundamental role in the long and difficult path of
rehabilitation of this little being.
1 INTRODUÇÃO
Esse artigo baseia-se em revisão de literatura, incluindo uma análise do livro “A
Fortaleza Vazia”, de Bruno Bettelheim. Refere-se ao estudo do Autismo, um dos
transtornos do desenvolvimento. Conhecido também como uma esquizofrenia de ausência,
caracteriza-se por prejuízos em três aspectos do comportamento: interação social,
comunicação e comportamentos repetitivos e estereotipados. As alterações em cada uma
dessas esferas devem estar presentes por volta dos três anos para que o quadro clínico seja
confirmado. O diagnóstico é embasado totalmente na observação do comportamento. Ainda
hoje autistas recebem o diagnóstico de deficiência mental, esquizofrenia, transtornos de
humor e déficits cognitivos. Existem questionários que auxiliam na identificação precoce de
crianças autistas (LOSAPIO; PONDÉ, 2008).
Poucas patologias relacionadas ao desenvolvimento despertaram tamanho interesse
e controvérsia, tema presente em inúmeros artigos, publicações e congressos. Os aspectos
que mais suscitam indagações sobre esse assunto são: É psicose? A doença é de causa
psiquiátrica ou orgânica? É resultante da rejeição e falta de afeto materno? Qual a
intervenção mais adequada? Essas questões estão ligadas à eterna discussão entre a relação
mente-corpo (BAPTISTA; BOSA, 2002).
Médicos e especialistas versam sobre esse tema, repletos de incertezas que
permeiam os meandros dessa síndrome.
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Esse trabalho tem por objetivo relacionar a influência da mãe e dos estímulos
externos para o autista infantil. Apesar dos inúmeros estudos realizados sobre esse aspecto
do desenvolvimento, os especialistas tentam elucidar quais são os fatores que desencadeiam
o Autismo Infantil Precoce e qual o tratamento mais eficaz.
Para responder a questão central desse artigo foi pensado um referencial teórico que
aborda os seguintes tópicos: aspectos históricos; o mundo autista; estudos epidemiológicos;
etiologia do autismo; espectro autista; tratamento medicamentoso; escalas de avaliação e
psicoterapia, propiciando beneficiar o autista bem como seus familiares. Todo esse
referencial teórico será compreendido à luz de uma visão multidisciplinar.
2. METODOLOGIA
Esse artigo está alicerçado em pesquisa bibliográfica. Foram consultados artigos,
teses, os indexadores eletrônicos SCIELO, LILACS e Google Acadêmico e o livro “A
Fortaleza Vazia” de Bruno Bettelheim. Todas publicações nacionais, delimitadas entre 1987
e 2014.
3. REFERENCIAL TEÓRICO
3.1 Aspectos históricos e conceituação do termo
O adjetivo autista foi introduzido na literatura psiquiátrica por Plouller em 1906. Ele
estudava o processo do pensamento em pacientes considerados psicóticos. Esses pacientes
portavam diagnóstico de demência precoce que Plouller mudou o termo para esquizofrenia.
Em 1943 o psiquiatra infantil Leo Kanner trabalhava na John Hopkins University, USA, e
atuava junto a um grupo de crianças que apresentavam alterações de comportamento, sendo
que a característica mais notória em todas elas era a incapacidade de se relacionar com as
pessoas. Ele utilizou o mesmo adjetivo empregado por Plouller e publicou um trabalho
intitulado “Autistic Disturbance of Affective Contact” (Distúrbio Autístico do Contato
Afetivo) onde relatou essa experiência.
O autismo infantil precoce (AIP) é um quadro que tende a ser incapacitante e
aparece na primeira infância. Essa enfermidade é global e acomete qualquer família,
independente de fatores raciais, étnicos e sociais. Esse tipo de esquizofrenia envolve
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déficits nos níveis cognitivo, linguístico e motivacional. Em função disso é enquadrado no
grupo dos Distúrbios Globais do Desenvolvimento (CID-10 e DSM-IV-R). (GOLDBERG,
2005)
O autismo é uma esquizofrenia de ausência. A palavra autismo significa “ausente”
ou “perdido” e caracteriza-se por prejuízos na interação social e na comunicação,
isolamento extremo, comportamentos repetitivos e uma gama restrita de interesses e
atividades (VASCONCELOS, 2010). Os sintomas do autismo podem ser divididos em 5
grupos: Distúrbios de relacionamento com pessoas e objetos inanimados (não há relação
interpessoal nem contato visual); Distúrbios da fala e da linguagem (mutismo, ecolalia e
uso inadequado dos pronomes pessoais eu e você); distúrbios do ritmo do desenvolvimento
(descontinuidade na sequência normal do desenvolvimento, destreza precoce para algumas
habilidades e retardo para outras); Distúrbios da motilidade (balanceio da cabeça,
movimentos com os dedos, saltos e rodopios); Distúrbios da percepção (incapacidade de
fixar atenção em alguns estímulos visuais, podendo chocar-se com pessoas ou paredes)
(Gauderer apud FERNANDES, 2008). Atividade motora global comprometida, em
contraste com uma excelente habilidade na motricidade fina (capacidade para girar objetos
circulares) (BAPTISTA; BOSA, 2002).
Não se pode generalizar, pois cada pessoa é um universo único e, portanto, existem
diferenças individuais que caracterizam cada caso.
O autismo é a tendência de promover uma convergência emocional para o mundo
interior. Fecham-se as fronteiras de contato com o mundo exterior, constrói-se um universo
emocional artificial onde é estabelecido um intercâmbio afetivo mais comumente com a
mãe. O autista evita qualquer situação ou evento que possa lhe inspirar insegurança, o que
quase equivale a uma privação existencial (WORM, 1988 p. 49/50).
3.2 O mundo autista
3.2.1 Sinais de alerta
Os primeiros sinais e sintomas costumam aparecer antes dos três anos de idade.
Ocorre que, por falta de informação, tanto os pais como os professores só percebem quando
o atraso na fala já é persistente. Com isso, perde-se muito tempo sem uma intervenção
precoce com possibilidade de reverter esse quadro que vai se agravando. Quando a criança
já está na fase escolar o tratamento é mais difícil em função do diagnóstico tardio
(VASCONCELOS, 2010).
A seguir, alguns exemplos de “sinais” e “sintomas” típicos do autismo:
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a. A criança aprende nos primeiros meses de vida a adequar o corpo à posição em que
fica quando é carregada. Crianças autistas de até 2 ou 3 anos não manifestam essa
habilidade. Permanecem em estado totalmente passivo, deixando-se manusear pelo
cuidador, sem esboçar nenhuma reação. A fisionomia também permanece
inalterada, sem expressar qualquer gesto de emoção, mesmo após os pais
permanecerem ausentes por algumas horas. O reencontro não desencadeia qualquer
sentimento aparente.
b. A criança autista geralmente é forçada a alimentar-se, pois considera o alimento
como uma grande intrusão.
c. O relacionamento das crianças com as pessoas é apático. Não há comunicação com
o olhar. Uma profunda solidão domina seu comportamento. Quando na presença de
outras pessoas, demonstram uma ansiosa tensão, talvez por temerem uma possível
interferência. Quando sozinhas, mantém uma expressão de beatitude e plácido
sorriso.
d. Algumas crianças autistas podem desenvolver a habilidade da fala em tempo hábil,
enquanto outras manifestam esse desenvolvimento com um atraso relativo.
Aprendem com facilidade rimas infantis, preces, lista de animais, o alfabeto e até
canções de ninar estrangeiras. Essa aprendizagem é adquirida através da
memorização (pais e instrutores sobrecarregam a criança com essas informações).
Apresentam perfeita articulação e fonação de palavras isoladas, porém há um longo
hiato de tempo antes de conseguirem juntar as palavras. Quando conseguem formar
uma frase, costumam repeti-la por um longo tempo. Outras vezes essa mesma frase
é repetida muitas vezes posteriormente (ecolalia tardia).
e. As crianças podem fazer eco do que ouvem (ecolalia), mas não necessariamente
escutam o que ouviram. Pode ser que seja necessário repetir várias vezes até que
elas entendam. Tudo o que vem de fora representa uma grande intrusão, elas têm
necessidade de não serem perturbadas.
f. Outra forma de invasão são os objetos que se movem ou fazem ruído, tais como os
aspiradores de pó, batedeiras, liquidificadores, elevadores, triciclos, e até o vento,
podem causar pânico. Não é o ruído ou o movimento em si que é temido, mas sim o
que ameaça invadi-la, na sua concepção.
g. É absolutamente necessária a manutenção da rotina, a disposição dos móveis e a
ordem em que as ações são executadas diariamente, caso contrário, podem induzir a
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criança ao desespero, impaciência ou mesmo a uma reação de profunda frustração.
São dotadas de uma memória fenomenal no tocante à mesmice e à manutenção da
ordem. Perturbam-se sobremaneira diante de mudanças, objetos quebrados e coisas
incompletas (situações, frases, performances). Para todas as ações realizadas há um
ritual e uma sequência metódica a ser seguida (SILVA, 2007).
h. Dificuldade de integrar sensações do mundo externo e interno e de perceber a mãe
como representante do mundo exterior (GOLDBERG, 2005).
3.2.2 Fortalezas vazias
Segundo Bettelheim “o autismo foi compreendido como uma reação autônoma da
criança à rejeição materna, cuja raiva leva à interpretação do mundo à imagem da sua cólera
e à reação de desesperança”.
A seguir uma sinopse do livro “A Fortaleza Vazia”, de Bruno Bettelheim.
I.
Primeira parte: O Mundo do Encontro
Onde começa o eu:
O homem é um dos seres que mais dependem de outros logo após o nascimento.
Mesmo para se alimentar ele precisa da mãe. Não consegue fazer nada sozinho. No entanto
ele começou a se formar bem antes, dentro da barriga da mãe. Após o nascimento o bebê
enfrenta experiências marcantes para a sua vida. A principal delas é a amamentação. As
ações de sucção e ingestão são importantes, mas também o é o modo com que o bebê é
tratado, segurado, acariciado. Ele precisa sentir-se confortável.
Na fase lactante o bebê já consegue mexer a cabeça como resposta comportamental
de certo modo já consciente. A amamentação é a experiência central e que vai propiciar o
desenvolvimento de todos os sentimentos a respeito dele e das outras pessoas.(p. 21). Só é
satisfatória se o bebê sentir fome e também se a mãe aliviar o intumescimento do seio
devido ao acúmulo de leite. Ambos se satisfazem. Esta mutualidade entre mãe e filho é
essencial para uma relação verdadeiramente íntima e pessoal.
O choro e o riso são as primeiras emoções do bebê e servem para comunica-las e
para buscar o resultado pretendido. Se, desde tenra idade essas emoções não são
correspondidas, ele poderá deixar de se comunicar com os outros. É importante que a mãe e
os que estão próximos desejem uma relação de mutualidade, o que vai ajudar a criança a
começar a desenvolver o seu “eu”. O meio ambiente externo certamente irá ter sua
influência nesse processo. Normalmente a criança começará a entender que suas ações terão
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algumas consequências previsíveis. Isso é básico para o desenvolvimento da personalidade.
A autonomia é outra característica que começa a ser semeada nos primeiros tempos
de vida e se contrapõe à vergonha e à dúvida.
Após a primeira infância, a idade do treinamento em higiene é crucial para a
socialização da criança. A defecação é uma das primeiras ações no sentido de identidade e
de autonomia, pois é algo que ele expulsa do corpo quando ele quer (passa do “eu” para o
“não-eu”).
Existe uma predisposição para o surgimento do autismo no chamado período “crítico”.
Podemos relacionar três desses períodos críticos:
a. Primeiros seis meses – período de escolhas de pessoas como “amigas” ou
“inimigas”. Se esta experiência não for boa, a criança não consegue ter relações
sociais devido ao desapontamento.
b. Dos seis aos nove meses – se não conseguir relacionar-se com os outros
(“insensíveis”), poderá desistir e não descobrir os outros. Então também não
descobrirá o “eu”.
c. Dos dezoito meses aos dois anos – a criança poderá evitar o mundo, em vez de
aproximar-se, tanto emocionalmente como alheando-se dele.
Estranhos para a vida.
Os animais podem ser ensinados a fazer certas ações, ou mesmo aprenderem por si,
mas não possuem conhecimento de que através de suas ações ele poderá alterar os
acontecimentos que se seguirão.
Diferentemente dos animais, os homens sentem com convicção que suas ações
possuem consequências e que podem alterar o curso dos acontecimentos. A experiência
adquirida com essas ações vai moldando a sua personalidade (p. 56). Com o crescimento
das crianças aumenta a convicção de que suas ações pessoais podem alterar a sequência dos
acontecimentos. Isso dará a elas a capacidade de ordenar e prever os mesmos no tempo e no
espaço.
Mas quando a impressão que temos é a de que não podemos influenciar nas coisas
que nos acontecem, pois tudo parece vir de algum poder maior, há o risco de desistirmos de
procurar os meios de atuar sobre elas. Então, mesmo acontecimentos alarmantes não
prenderão a atenção, pois nada poderemos fazer com relação a eles. É típico de uma criança
autista o desinteresse por um mundo que ele sente que não pode alterar. Então precisamos
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nos adaptar em termos de tempo, espaço e causalidade para começarmos a funcionar como
seres humanos.
As crianças autistas não possuem nenhuma ação premeditada, parecem ter desistido de
prever o que acontecerá, mas não do que “não” acontecerá. Se nada acontecer, não haverá
vida. E é isso o que essas crianças sentem. Num estágio seguinte mesmo a capacidade de
previsão não existe mais.
Outro aspecto é o de que todos os acontecimentos externos são devido à sua
atividade pessoal e lhe parecem destrutivos. Então ele tenderá a desistir de toda a atividade,
visto que elas são a causa de todos os maus acontecimentos. Ou criará um mundo irreal,
onde poderia controlar seu destino.
A criança autista pode até deixar de se comunicar com os outros, e então seu eu
ficará muito debilitado. A aprendizagem pode até efetivar-se sem a comunicação verbal,
mas algum tipo de comunicação é essencial para o desenvolvimento da personalidade (p.
61). A conversação verbal e o sentimento a ela associado precisam estar em consonância,
do contrário a criança ficará confusa e não poderá prever o resultado de suas ações. Em
casos extremos de autistas com mutismo, a criança pode não reagir a estímulos, mesmo os
que os recém-nascidos já reagem, e parecem insensíveis à dor.
É fato que crianças autistas, não se sabe bem ao certo, não possuem a sensação da
dor. Um exemplo é a que estava com o apêndice rompido há dois dias e não acusava dor,
apesar da fraqueza e de ter entrado em coma. Isto poderia ser explicado pelo fato do sistema
defensivo querer excluir todos os estímulos, quer venham do exterior ou do seu interior.
Elas usam toda sua energia para eliminar os estímulos, sejam internos ou externos, a fim de
evitar dor ou o impulso de agir.
Mas existe um paradoxo, apesar de não sentir dor, elas têm muito medo dela. A
mesma menina que estava com o apêndice rompido não queria, posteriormente à cura,
tomar injeção. Tinha que ser agarrada por dois adultos. Outro caso é que elas não queriam
ser tratadas pelo dentista, mesmo tendo dentes podres e com os nervos expostos. Isto parece
configurar que o que vem do exterior é muito mais perigoso do que o que vem de dentro.
No caso do dentista, a ansiedade do autista de que ele destruirá os dentes em retaliação ao
desejo de morder e devorar, é o provável fator de pavor desse tipo de tratamento. Somente
começam a permitir o tratamento quando confiam em alguém, e mesmo assim, agarrando o
braço do dentista ou a mão (ou cabelo) da pessoa de confiança.
Depois disso a criança poderá se queixar de dor de dente mesmo meses antes de
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surgir qualquer indício de cárie. Isso pode significar que as crianças autistas podem ser
muito mais sensíveis à dor do que as crianças normais, e que tenham elaborado uma forte
defesa contra ela. Nesses casos a predisposição para o autismo pode estar em traumas
ocorridos devido à agressão na fase oral (amamentação). O fato deles engolirem a comida
sem mastigar pode estar relacionado a evitar o uso dos dentes, e assim eliminar qualquer
retaliação.
A repressão da hostilidade é, provavelmente, o que indica o desaparecimento de
todas as sensações. A liberação da hostilidade permite o início do retorno à vida das
crianças autistas. Não só as autistas em particular, mas as crianças esquizofrênicas “sofrem
da experiência de terem sido vítimas de condições de vida extremas e de a gravidade de
seus distúrbios estar diretamente relacionada com o grau de prematuridade da ocorrência
dessas condições, seu grau de duração e a gravidade de seu impacto na criança“ (p. 69).
Então o autismo pode ser considerado como um estado mental que a criança desenvolveu
em razão de ter passado por uma situação extrema, sem esperança.
Elas sofrem de pânico e ansiedade extremos. E possuem um olhar fixo, vago,
perdido na distância. Ela pode ouvir e ver, mas não escuta e nem enxerga. A criança autista
possui como característica uma rigidez do corpo ou uma moleza desarticulada no seu
mexer.
O papel da mãe é importante no desenvolvimento da criança, mas seus possíveis
defeitos físicos ou mentais (agressão, ansiedade, etc...) não são as causas do autismo. Na
reação da criança às atitudes da mãe é que pode residir a causa, principalmente no período
dos seis meses aos três anos de idade, que é o de diferenciação gradual da mãe. Alguns
acontecimentos podem desencadear o autismo, como o fato do marido não ser o pai da
criança, o desejo dos pais de que a criança nunca deveria ter nascido e o fato de “esquecer”
a janela aberta numa noite de intenso frio (causando pneumonia e invalidez por algum
tempo). Mas esses fatos não são por si só o fator desencadeante, mas sim o tipo de reação
da criança a eles.
O problema pode iniciar na amamentação, que é o início da formação da
personalidade. O bebê poderá querer se afastar da mãe devido à sua dor, mal estar e
ansiedade, ou porque interpreta mal os sentimentos da mãe. E como a mãe representa o
“mundo”, ele vai querer se afastar de tudo. E a consequência disso é que a personalidade
não se desenvolve. A energia dele fica canalizada para a proteção e nenhuma para a
construção da personalidade.
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Esse colapso na comunicação, do ponto de vista do interior da criança autista, vem
de uma esmagadora ansiedade. Em achando que esta ansiedade é provocada por algo
externo a ele, se isola mais ainda. Pode se tornar pânica e então ele não fará nada, não
tomará nenhuma ação, tornando-se insensível.
No que se refere à alienação da realidade podemos distinguir três níveis, interrelacionados:
a. Aquele que desistiu de agir por conta própria e não reage ao meio ambiente
(crianças autistas mudas);
b. Aquele que ainda age, mas não interage com o meio (criança autista que fala); e
c. Aquele que luta com o meio ambiente conforme seus processos psíquicos
internos (a que combate a realidade).
As crianças autistas querem que o tempo pare. Na verdade para elas o tempo representa
uma mudança, e elas não querem mudar. O tempo é um destruidor da uniformidade. O
mundo delas se resume no espaço.
II.
Segunda parte: Três Histórias
a. Laurie
Background e história
Contradições nos depoimentos dos pais. Aos dois anos e meio a babá foi embora e a
Laurie deve ter sentido muito, pois passou a renunciar a tudo o que aprendera. Deixou de
dizer as poucas palavras que aprendera. Com o tempo foi piorando. Aos seis anos parecia
cega, surda e incapaz de se mover por si. Os pais achavam que ela não os amava, e estavam
ressentidos, pois ela nunca dizia papai ou mamãe.
As únicas atividades que fazia eram destrutivas (arrancar os botões das roupas,
rasgar lençóis, etc...). Então foi levada ao “Orthogenic School”, onde trabalhava Bruno
Bettelheim. O diagnóstico foi autismo infantil.
Um vislumbre de vontade
Nos primeiros dias na escola ela não comia e não reagia a nada. Aos poucos
começou a comer e a beber. E também a emitir algum ruído. Com o tempo começou a
comer sozinha (pequenas porções, biscoitos). Mas muito esporadicamente.
O lento degelo
No início seus intestinos não funcionavam, defecava uma vez a cada dez dias. Após
a fase de início de alimentação, esse período começou a diminuir para oito, sete e depois a
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cada seis dias. Regularizou após seis meses na escola. Mas não tinha a consciência de que
saía do seu próprio corpo. Somente com o aumento da frequência é que começou a tomar
consciência de que tais dejetos saíam de seu próprio corpo. Então começou a fazer força
para expeli-los. Foi um primeiro esforço no sentido de ter um “eu”.
Já com a urina, ela ia ao banheiro duas vezes ao dia (manhã e noite) desde o começo
na escola, mas parece que sem “consciência” disso. Quando descobriu que os excrementos
vinham de seu corpo, a urina também começou a sair durante o dia. Depois de algum tempo
ela se deu conta de que a urina saía de seu próprio corpo. Com essa conscientização, ela
começou a libertar-se da anorexia.
Passou a adquirir maior liberdade para lidar com o mundo e iniciou a pronunciar os
primeiros sons e risadas. Passou a se interessar pelo próprio corpo, estudar seus braços,
mãos e pernas. Começou a ver que podia “comandar” seu corpo, embora de modo grosseiro
(começou a cair).
O que sou eu?
A defecação é o primeiro sinal da diferenciação entre o “eu” e o “não eu”. Valorizar
a criança e rejeitar seus dejetos, bem como manter sua higiene, fará com que ela tenha uma
imagem positiva do eu, digna de ser amada.
Quando Laurie começou a cair, embora ocasionalmente, isso representou um passo
para a autodeterminação, e foi surgindo os primeiros rudimentos de um eu. Foi a partir dos
dejetos que ela começou a compreender a diferença entre o eu e o não eu, isso com oito
anos de idade.
Primeira consciência dos outros
Aos poucos Laurie começou a tomar consciência do corpo, dos que estavam mais
próximos a ela (a conselheira), gostava de ficar no colo (sempre na mesma posição) ou
aninhada no seu abdômen.
Começou a rolar a cabeça, como se estivesse à procura do seio materno. Depois a
dar palmadas nas nádegas da conselheira e depois a rolar a cabeça de um lado para o outro
das nádegas, e a bater no estômago, e depois a sentir os braços e os seios, que jamais tinha
tocado. Foi somente depois dessas ações que ela pareceu realmente retornar à vida. Nessa
época ela começou a alucinar por alguns períodos (olhando para o teto, alheia ao que se
passava ao seu redor).
A gênese da atividade lúdica
Laurie começou a colaborar na hora em que a vestiam e a olhar diretamente para os
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olhos da conselheira. Na hora da higiene, começou a deixar que o dedo da conselheira lhe
penetrasse a boca para massagear a gengiva (sem mordê-los) e na hora do banho, começou
a imitar a conselheira, reconhecendo-a como um outro corpo. E teve um período em que ela
começou a brincar e até engatinhar. E também a urinar no colo da conselheira. Pela
primeira vez foi ao banheiro para defecar.
Reconstituindo o desenvolvimento de Laurie
Baseado no que se conheceu de Laurie, pode não ter sido a saída da babá que
desencadeou todo o problema. Talvez o modo como a babá a tratava e a conduzia para
agradar os patrões ou para satisfação própria. Talvez a babá tivesse desencorajado a Laurie
a ser espontânea, com ações para não criar problemas, regularizar a alimentação e a
eliminação. Tratada com indiferença, não aprendeu a reconhecer as pessoas.
Mas caso não tenha sido assim, a saída da babá pode ter provocado o alheamento
gradual. Desistindo da linguagem, de brincar, de controlar os intestinos, de se mover, etc...
Colapso e retraimento
Quando estava na escola há três meses, a conselheira tirou férias e, logo depois, a
professora. Laurie sentiu-se abandonada e regrediu muito. Além disso, alguns meses depois
a conselheira teve que deixar a escola, o que provocou um colapso ainda maior em Laurie,
mas que durou pouco tempo, depois ela fez progressos notáveis.
A mãe no autismo infantil
Segundo Bettelheim o agente precipitador do autismo infantil é o desejo extremo de
um dos pais de que o filho não existisse ou, pelo menos, devido à ambivalência, a criança
assim o interpretou.
Colapso e renascimento
O que teria realmente causado o colapso em Laurie? Na semana anterior ao colapso
ela tinha começado a se masturbar, o que nunca tinha acontecido antes (aliás, uma ou duas
vezes, e a mãe tinha batido nas mãos dela). No dia anterior, tinha brincado com a língua e
os lábios, e com a mão e os cabelos da conselheira. Mas na realidade, nesse dia, ela
começou a se interessar pela professora (uma segunda pessoa, além da conselheira) e isso
não foi bem compreendido (por preocupação e ambivalência). Então ela isolou-se, tendo
ficado apenas com a conselheira. Levou alguns dias para se refazer (com a ajuda do
carrinho, seu brinquedo) e voltar à vida, mais ativa do que antes, embora ainda passasse
muito tempo sem ação.
Autoafirmação
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Um dia, após ter defecado, começou a brincar e, usando os barbantes dos
brinquedos, amarrou-os a um balão, possivelmente representando o seio. Quanto aos
dejetos, ela associava-os à carroça com cubos, pois foi esse o objeto que ela brincou na
primeira vez em que manipulou seus excrementos. Uma extensão do corpo (fezes ou
saliva), serve para começar o domínio do mundo externo. Laurie começou a pintar papel
com fezes, depois passou a usar a saliva e só posteriormente usou a aquarela. Ela começou
espontaneamente a cortar uma folha de papel em tiras longas. Inicialmente branco, mas
depois pintava o papel antes de cortar. E cortava sem olhar para o papel. Com essas tiras ela
estabelecia limites entre o seu mundo e o dos outros (a área onde ela ficava com os
brinquedos).
Essas foram as suas primeiras atividades espontâneas, deliberadas, não ligadas à sua
experiência sensorial.
O centro vazio
O fato de passar a recortar o centro do papel antes de começar a recortá-lo em tiras é
simbólico. Ela tateava o papel como o bebê tateia o seio. Quando terminava de cortar, o
centro do papel só lhe oferecia desapontamento. Significava raiva, frustração e hostilidade.
Essa mãe indiferente, que impedia Laurie de alcançar a vida, era cortada e servia de limite
entre ela e o resto do mundo.
Essa ação simbólica foi crucial para o desenvolvimento da personalidade. Ela
deixou de esperar passivamente pelos outros e começou a tornar-se uma pessoa e viver por
seus próprios meios. Começou, então, a libertar-se do seu autismo.
À beira da linguagem
Ela passou a fazer desenhos mais complexos. Por exemplo, uma fileira “dupla” de
dentes entrelaçados. Talvez significando uma atitude mais agressiva para enfrentar o
mundo. Ou talvez as duas fileiras representassem os dois seios. Ela passou a desenhar
colorido e a fazer desenhos mais complexos que poderiam significar a mãe (seio ruim) e a
fantasia de uma vida maravilhosa (seio bom). Nessa época ela estava emitindo sons mais
agudos e diferenciados. Ela estava próxima de começar a balbuciar algumas palavras.
Nesse estágio os pais de Laurie decidiram levá-la, dizendo ser por um curto período,
mas depois informaram que ela não voltaria. Os pais dela pareciam que não estavam
interessados nela. Quando Laurie foi comunicada de que deveria deixar a escola, tombou
num vazio total, similar à quando ela ingressou na mesma, um ano antes.
E realmente depois soube-se que ela tinha sido internada num hospital para
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deficientes mentais. Dois anos mais tarde ela continuava no mesmo estado.
Apesar desse desfecho, a estadia dela provou que ela possuía um potencial de
riqueza íntima e uma complexa estrutura mental que poderá ficar enterrada sob a não ação
que ela vive.
Os indícios do autismo infantil são difíceis de serem reconhecidos e compreendidos,
mas não devemos subestimar a faculdade de determinação. É preciso que a criança autista
consiga criar coragem para desenvolver seu “eu”.
b. Joey
Joey, era uma criança autista que, apesar de falar, não se comunicava. Ele encontrou um
mundo em que o calor humano lhe era vetado, onde as emoções traziam-lhe significado de
sofrimento. Joey acabara criando um mundo propício, onde os sentimentos não teriam
significados para ele. Joey criaria um mundo destituído de sentimento, esse mundo deveria
ser um mundo de máquinas. Joey assemelhava-se a uma máquina que desempenhava
funções humanas.
Ele era ”real”, todavia seu mundo, o mundo em que vivia, era
mecânico.
História
Todas as condições foram favoráveis para que Joey decidisse ser um dispositivo
mecânico, ao invés de ser um ser humano. Seu nascimento tivera pouca importância para
sua mãe, considerado mais um objeto do que uma criança. Com isso, conscientemente a
gravidez não modificou a rotina na vida de sua mãe, consequentemente o nascimento de
Joey também não fez diferença.
Quando seus pais casaram, ambos já haviam sofrido frustrações amorosas. O casal
pretendia esquecer a dor e a frustração que cada um sofrera, sendo que a vida social do
casal ainda precisava de cuidados. E a gravidez da mãe, não deveria ser um obstáculo na
vida do jovem casal. No parto da mãe, não houve problemas, todavia a maternidade não
proporcionou algum valor emocional. E Joey crescera em um ambiente solitário,
desprovido de qualquer vínculo emocional com sua mãe. Diante do contexto psicológico do
jovem casal, Joey nasce em um ambiente despreparado para atendê-lo em suas necessidades
mais básicas e singelas. Por sua vez, a responsabilidade aterrorizante apoderou-se da mãe,
gerando em sua mente a incapacidade de ser uma mãe que pudesse supri-lo com amor e
atenção . Diante disso, decide por completo, desligar-se do compromisso de ser mãe,
adotando uma atitude de indiferença com o pequeno Joey. Quando Joey completa um ano e
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meio, ele e sua mãe passam a morar com os avós. Nesse período os avós perceberam uma
mudança em seu comportamento. O pequeno Joey, identificava-se completamente com
máquinas. Joey adorava um ventilador elétrico que havia ganhado de seus pais. Joey tinha
extrema habilidade para desmontar e montar o ventilador elétrico. A indiferença que havia
de seus pais em relação a ele, levava-o a viver num vazio emocional, um mundo abstrato,
despersonalizado e desligado.
Tratamento ambulatorial
Aos quatro anos de idade, Joey entrou em uma escola maternal para crianças
emocionalmente perturbadas, coordenada por uma clínica universitária de orientação
infantil. Durante três anos recebeu psicoterapia individual, onde fez alguns progressos. No
entanto, os sintomas autistas sempre presentes. Nessa escola Joey foi classificado como
tendo uma altura baixa para sua idade, de aspecto etéreo, olhar distante e um sorriso vazio.
No período de terapia havia repetição de suas atividades, por apegar-se mais às coisas do
que as pessoas. Sua obsessiva compulsão por ventiladores o distanciava do mundo real.
Joey não apega-se a qualquer coisa viva, e sua compulsão por coisas mecânicas era
dramática. Durante o período em que esteve na escola, ele nunca havia brincado com as
crianças a sua volta. No entanto, durante o último ano, teve conhecimento das crianças que
estavam ao seu redor. Em sua percepção, uma hostilidade extraordinária, prevendo um
destino tenebroso para elas. Joey atinge a idade limite para permanecer na escola maternal
clínica e muitos dos avanços se perderam após ser colocado em um severo internato
religioso. E todo o trabalho de humanização, passou a se fragmentar.
Primeiros dias na Escola
No primeiro dia na escola Orthogenic School Joey não expressa afeições próprias
dos seres humanos, especialmente as de uma criança para com seus pais. Em seu primeiro
dia, Joey centraliza sua atenção para seu mundo, o mundo das máquinas. Na partida dos
pais, Joey não demonstra sinais de emoção.
Um corpo movido por máquinas
Joey via o mundo externo ser representado por ruídos de hélices, assim como nas
brigas e nas amorosas relações de seus pais. Pelo fato de ruídos humanos tornarem-se
ameaçadores, ele os transforma em barulhos de máquinas.
O corpo e a mente de Joey eram dominados pelas máquinas, e as mesmas o
impeliam a negar seus próprios desejos. Joey lutava contra as máquinas dentro de si.
Quando explodia as lâmpadas e válvulas com extrema violência, saía para perceber-se
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como um ser que existe. Era um momento em que sentia-se vivo. No entanto, quando a
máquina estava destruída, sua existência entrava em crise, e seu “eu” desfazia-se e
esvaziava-se de qualquer vestígio de emoções.
Chega de caixas, chega de cinzas
Ser um adolescente sem poder experimentar sentimentos de um bebê ou de uma
criança, era muito difícil para Joey. Entretanto, tranquilamente decide por si próprio sair e
acabar de uma vez com as caixas e as cinzas. Apesar de verdadeiras buscas serem feitas
em seu passado, muitas fases de sua infância foram perdidas. Joey, com afinco, desejava
colaborar com os trabalhos, outras vezes lamentava ter saído de seu casulo. No entanto, não
desejava retornar para uma vida mecânica. Passados nove anos, Joey decide por si próprio
deixar a escola. Joey quis tentar se aproximar de seus pais e volta para casa. Nessa etapa de
recomeço, completou sua educação em uma escola técnica, utilizando melhor seu interesse
por máquinas.
Uma visita três anos depois
Ao término da conclusão de seu curso técnico, Joey pediu aos pais, que o deixassem
visitar sua antiga escola. Joey viajou sozinho e visitou suas velhas amizades que por muito
tempo teve na escola. Durante três anos Joey fez grandes progressos para poder se adaptar a
viver em sociedade. Joey planeja seu futuro e um de seus objetivos enquanto trabalha meio
turno é continuar seus estudos sobre eletrônica. É a partir dessa visita que Joey permite
publicar sua história e segue aqui parte desse diálogo:
“B.B. Diga-me como se sente por rever sua antiga escola?
JOEY. Oh, eu me lembro de tempos muito bons e também de tempos muito difíceis. Como,
por exemplo, a época em tinha medo de saber por que me encontrava aqui e tinha que tirar
esse pensamento da minha cabeça.
B.B. Ótimo. E agora você compreende melhor por que, quando criança isso te causava
tantos problemas?
JOEY. Compreendo sim. Acho que era por que tinha medo de dizer a alguém o que sentia.
B.B. Era por isso que você guardava tudo para você? Que não falava com ninguém?
JOEY. Era
B.B. Por que tinha medo? O que você achava que poderia acontecer se contasse a alguém o
que sentia realmente?
JOEY. Se bem me lembro, eu tinha a sensação, há muito tempo, de que iria descobrir que
alguém não gostava de mim. Ou qualquer coisa do gênero.
B.B. Me diz uma coisa, você lembra como se desenvolveu o seu interesse pela eletricidade,
interesse que afinal você ainda mantém?
JOEY. Sim, se bem me lembro, comecei a me interessar por eletricidade ou por tudo o que
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fosse mecânico quando tinha dois anos, acho. Pelo menos foi o que a minha mãe me disse e
eu me lembro de me interessar por coisas mecânicas e elétricas desde que me conheço por
gente.
B.B. E quais são seus sentimentos atuais em relação à sua mãe?
JOEY. Eu diria que ainda amo muito minha mãe.
B.B. E teu pai?
JOEY. Sim, também o amo”.
O círculo vicioso que o levava a girar incessantemente entre as ansiedades e os
medos, já não existia mais. Joey sai para mudar o curso da sua história e ter um
relacionamento real com a vida.
A persistência do Mito
Benedict (1933) diz que o mito exprime “o desejo de um povo e remodela o universo
segundo esse desejo intenso”.
III.
Terceira parte: Crianças-lobo
A função do Mito
Certamente o mito pode tornar-se perigoso quando não buscamos seu verdadeiro
sentido. Antes de Darwin, já existiam mitos que forneciam evidências de uma semelhança
entre homem e animal. E por meio dos próprios mitos e fábulas, as crianças perdidas e
abandonadas estabeleciam-se em uma conexão entre um e outro. Certamente o mito serve
para ajudar a compreender a diferença de uma criança para a outra. Da mesma forma que o
mito faz a união entre o homem e o animal, o mesmo mito (Darwinianos) diz que o homem
pode ser como os animais, ou seja, a mãe pode ter uma relação de extremo afeto pela sua
cria. Já contrariando Freud, certas atitudes do homem são tão animalescas que
possivelmente não seriam de natureza humana, e sim deveriam aflorar de um instinto
animal. O problema certamente é o autismo infantil que, por várias formas, foi ignorado ou
mal interpretado. Por muito tempo perdurou o mito de que essas crianças eram adotadas por
animais. Sendo assim, comiseradas pelos mais conservadores como crianças débeis mentais
ou como crianças com cérebro lesado.
As meninas-lobo de Midnapura
A descrição de duas meninas-lobo feita por Singh, indica como comportamento
rotineiro, tópicos tais como a reserva, a timidez e o pavor. As meninas-lobo ficavam por
horas no canto do quarto, com sua atenção direcionada para o canto. Não levavam em
consideração as coisas ao seu redor. Ao serem interrompidas em sua meditação, olhavam
com olhar de contrariedade e logo retornavam a sua atenção para o canto do quarto. Elas
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evitavam o convívio humano, demonstravam muita timidez e muito pavor. A presença de
outras pessoas impedia que se movimentassem ou que fizessem algo e, ao se aproximarem
delas, mostravam os dentes como um animal que não quer ser tocado.
Selvagens ou autistas?
Segundo a descrição de Singh, as características no comportamento das criançaslobo são as mesmas descritas por Kanner a respeito das crianças autistas. Somente uma
dessas descrições que aparece e que chama atenção pode, de certa forma, ser explicada pela
vida selvagem das crianças. É a única que não tem comparação com as crianças autistas.
Essa descrição diz respeito à incapacidade de andarem eretas, diferente das crianças autistas
que, durante algum tempo, preferiam apoiar-se nos quatros membros, embora todas as
crianças autistas eram capazes de andar eretas. Em um registro datado do dia 24 de
novembro de 1920, há uma referência aos “calos nos joelhos e nas palmas das mãos das
crianças que foram encontradas, que foram adquiridos pelo fato das crianças caminharem
de quatro”. Essas crianças selvagens recuperaram-se dos calos por volta do dia 5 de
dezembro e no dia 19 de dezembro de 1920 conseguiram engatinhar um pouco. Os calos
desenvolveram-se em função de andarem de quatro. Segundo estudos realizados, o fato de
as crianças selvagens andarem de quatro por terem convivido com lobos é puramente
falacioso, quando encontradas concluiu-se que os calos nas mãos e nos joelhos eram
recentes. O fato das crianças autistas voltarem a engatinhar é devido a um severo
traumatismo (abandono, muitos dias trancadas sem comida).
Anna
Há uma grande preocupação com os casos de crianças selvagens que, por sua vez,
são relacionados a um comportamento animal. No entanto, para entender como ocorrem
esses casos em que crianças acabam comportando-se como animais selvagens, é necessário
conhecer a história de vida de Anna, uma criança autista. A vida de Anna tivera início em
um abrigo subterrâneo. Seus pais eram judeus e não se davam muito bem. A mãe de Anna
não amava seu pai pelo fato de achá-lo muito feio e asqueroso. Durante o período de guerra
os pais de Anna tiveram que refugiar-se no abrigo de um lavrador, na Polônia. Com o
convívio, a mãe de Anna recusava-se a ter relações com seu esposo porque considerava-o
inferior cultural e socialmente. Sendo assim, o pai de Anna respeitava o desejo de sua mãe.
Ele tinha um trabalho que ocupava seu espírito, pois o medo de perder a vida era constante.
Já a mãe de Anna perdera a vontade de viver. Atônito mediante a situação da mulher, tudo
fez para que tivessem um filho, no intuito de que lhe voltasse o desejo de continuar a viver.
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A mulher concorda com a ideia, contanto que fosse com uma condição. Ela teria relações
com seu marido apenas para engravidar. Anna nasce nessas terríveis condições. Antes e
depois do nascimento de Anna houve muitas desavenças entre seus pais. Quando Anna
nasceu sua mãe manteve o ânimo pela vida. No entanto, a vida no abrigo subterrâneo
tornou-se muito difícil. Quando Anna tentava chorar como qualquer outra criança, logo sua
boca era tapada para que o seu choro não fosse ouvido, pois a vida de todos estava em risco.
Anna pode ser alimentada com leite materno. Entretanto, o leite de sua mãe secou antes de
Anna completar um ano e meio. Anna passou a ser alimentada apenas por verduras cruas,
pois não havia condições de serem cozidas no abrigo subterrâneo. Apenas em 1945 quando
a ocupação alemã é substituída pela russa, a situação da família melhora. Nessa época Anna
já estava praticamente irrecuperável. Pulava de um lado para o outro e gritava por horas
durante a noite. Quando adormecia era por volta das duas ou três horas da manhã. Quando
não gritava ou era violenta, ficava por horas “pensando, pensando sozinha”. Muitas vezes
seu comportamento era selvagem e incontrolável, sendo insuportável o convívio familiar.
Anna foi examinada por um médico e diagnosticada como autista. Essa é a razão de
relacionar o caso de Anna a uma criança selvagem ou autista.
Sobre a origem do autismo
Antes de Kanner conferir o nome à doença, as crianças autistas haviam sido
conhecidas e descritas. Deve-se a Kanner as primeiras investigações sistematizadas e
publicadas. Ainda que suas conclusões sobre a doença possam ser contestadas devido à
origem dos tratamentos terapêuticos, sua descrição a respeito da síndrome continua
exemplar.
Em 1943, no seu ensaio original, Kanner traz onze casos onde estabelece o autismo
infantil e conclui que é uma incapacidade inata.
Mesmo que Kanner tivesse certeza sobre a origem inata do autismo infantil
enfatizou, em seu primeiro ensaio, o desenvolvimento da aprendizagem no que se refere à
psique e com inclinações à “reatividade emocional” e às condições de relacionar-se com
pessoas.
Possibilidades terapêuticas
Enquanto o autismo infantil for observado como um distúrbio inato, o avanço será
desastroso. Todavia, se considerarmos o fator ambiental como causa do autismo, haverá
respostas mais otimistas. Entretanto, aquilo que as condições externas provocaram, poderá
ser corrigido por essas mesmas condições. Kanner estava convencido da condição inata e da
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contribuição dos pais. Por vezes mostrava-se vacilante a respeito da terapia. Kanner nunca
esteve convencido da validade terapêutica, nem tampouco negou-a inteiramente. Dizia que
a psicoterapia era de pouca utilidade, exceto em casos raros. Rimland não concordava com
as dúvidas de Kanner. No entanto, Rimland enfatiza que não há formas de tratamento
terapêutico que possam modificar a trajetória do autismo. Todavia, Rimland refere-se a
uma garotinha de três anos de idade, que obteve grandes resultados em sete meses de
tratamento ambulatorial. Esses resultados só foram possíveis por tratamentos psiquiátricos.
Os casos apresentados nesse livro são grandes exemplos de que a intervenção terapêutica é
de vital importância, como os exemplos de Marcia e Joey que obtiveram sua recuperação
através de tratamentos intensivos.
Sobre a natureza do autismo
As opiniões a respeito da natureza do autismo infantil e o quanto os pais contribuem
para essa síndrome são muito divergentes. No entanto, é confortante encontrar consenso
quanto às características do comportamento autista.
Kanner, Rimland e outros
Quase todas as descrições alegam que o pronome “eu” não é usado pelas crianças.
Em (1946, 1951-52) Kanner descreve esse fenômeno de “inversão pronominal”, pois a
criança usa “tu” em vez de “eu”.
Kanner também menciona “ecolalia retardada” e
“afirmação por repetição”. Um exemplo claro desse problema é quando pergunta-se à
criança: “você quer leite?” E ela diz: “você quer leite”, quando deveria dizer “eu quero
leite” ou “sim, eu quero leite”. Rimland diz “parece que as crianças fizeram tudo o que
podiam fazer com a linguagem – repetí-la, de preferência a compreendê-la”. Para Despert,
é bastante significativo que a diferença entre “eu” e “não-eu” ainda não está definida na
criança autista. Com o aparecimento do pronome surge o estágio de individualização, que
diz respeito à consciência da criança como um ser único e independente de outro. Esse
indício jamais será visto como exagero. O neurologista e psiquiatra Bosch aborda o autismo
infantil de forma fenomenológica e passa a estudar tais crianças, atentamente, como
pessoas. Bosch observa que o indivíduo não pode construir um mundo comum se não
percebe a existência do outro. Sendo incapaz de reconhecer a si mesmo, é incapaz de ver o
objeto de forma diferente e também como esse sujeito poderia ser visto por outros.
Para não alongar demasiadamente essa sinopse e, considerando que o acima já
representa bem o pensamento do autor, deixamos de citar os capítulos “nota sobre a
indiferença apaixonada” e o caso “Marcia”.
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3.3 Estudos epidemiológicos
Há semelhança com relação às estatísticas vigentes na literatura científica.
Goldberg, 2005, cita que esse distúrbio “acomete cerca de 5 entre 10.000 nascidos e é 4
vezes mais comum nos meninos do que nas meninas”. Segundo o site “pekenospassos”, de
4 a 5 crianças em cada 10.000 apresentam a doença, com prevalência de 3 a 4 meninos para
cada menina.
Nos Estados Unidos, nas décadas de 80 e 90 a incidência do autismo era de 4 a 10 em cada
10.000 crianças. Estudos mais recentes indicam de 30 a 50 por 10.000 crianças (STELZER,
2010). Provavelmente não houve um aumento da incidência de autismo, porém mais casos
são diagnosticados atualmente em função do conhecimento dos sintomas dessa síndrome.
Segundo Klin, 2006, estudos recentes indicam a existência de um indivíduo autista e 4 com
síndrome de Asperger para cada 1.000 nascimentos.
3.4 Etiologia do autismo
As causas ainda são desconhecidas, porém problemas cromossômicos, gênicos,
metabólicos, doenças transmitidas ou adquiridas durante a gestação e no parto, podem estar
associadas ao autismo. Cerca de 75 a 80 % das crianças portadoras dessa síndrome
apresentam um grau de retardo mental, provavelmente relacionado à fatores biológicos
(SITE:PEKENOSPASSOS, 2010).
As teorias mais comuns sobre a etiologia do autismo são:
a. Afetiva: o AIP pode originar-se do fato de que o bebê, não mantendo vínculos
emocionais com a mãe, sente-se incapaz de enfrentar os estímulos externos como
um ser individual. Ele procura excluir a todo custo as fontes de percepção sensorial,
especialmente as que exigem respostas afetivas. Tende a recolher-se internamente
por não reconhecer a mãe como sua representante do mundo externo.
Aparentemente, não demonstra perceber a afetividade dos que estão à sua volta,
nem mesmo as demonstrações maternas de carinho (FERNANDES, 2008). O
autismo deriva da falta de habilidade inata de interagir emocionalmente com o outro
(GOLDBERG, 2005).
b. Psicogênica: transtorno emocional explicado por psicopatologia familiar. A
afetividade auxilia tanto no processo de desenvolvimento cognitivo como social.
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Pesquisas indicam que desajustes familiares, dificuldades no relacionamento e no
casamento, transtornos obsessivo-compulsivo, problemas de comunicação entre pais
e irmãos e dificuldades no comportamento social levam a uma maior incidência de
autismo infantil, quando comparado com famílias normais (BAPTISTA; BOSA,
2002).
Convivendo num ambiente tão conturbado, a criança não consegue desenvolver o
processo de intersubjetividade, capacidade de estabelecer relações afetivas
recíprocas, o que permitiria discernir pessoas de coisas e ter a compreensão do eu e
dos outros (GOLDBERG, 2005).
c. Neuropsicológica: distúrbio no lobo frontal evidenciado por componente
neurológico. Estudos sobre disfunção no sistema de neurônios-espelho versus
déficits comportamentais no autismo, revelam que pessoas com essa síndrome não
conseguem ativar os músculos por meio de retroalimentação. Crianças sadias
tendem a imitar gestos de pessoas próximas, como ingerir alimentos e bocejar. Isso
envolve ações motoras. Esse tipo de ação não é observado em autistas, evidenciando
a dificuldade que eles têm de compreender as intenções alheias. O exame de
Ressonância Magnética Cerebral (RMf) comprova que há uma ativação mais fraca
no giro frontal inferior em crianças autistas, quando comparado com crianças
normais, com relação à capacidade de imitar expressões faciais de emoção.
Constatou-se que durante o processo de imitação houve uma atividade mais
pronunciada nas áreas motoras da face e regiões visual direita e parietais anteriores
esquerdas. Em indivíduos saudáveis o hemisfério direito é mais ativado para a
questão do espelhamento. Nas crianças autistas esse sistema especular
aparentemente não está acessível devido à emoção não vivenciada, o que sugere
estratégias neurais bastante diferenciadas (CUNHA et al, 2014).
3.5 Espectro autista
Existe uma gama diversificada dos níveis de autismo marcados por transtornos
invasivos do desenvolvimento (TID), entre eles a Síndrome de Asperger e a Síndrome de
Rett.
Síndrome de Asperger:
Similar ao autismo, a síndrome de Asperger (Hans Asperger, médico austríaco)
caracteriza-se por prejuízos na interação social, juntamente com um repertório restrito de
interesses e atividades. Mas não há qualquer retardo clínico na fala ou na percepção da
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linguagem, no desenvolvimento cognitivo, no cuidado pessoal e na percepção do ambiente.
Pode ocorrer também uma tendência a falar em monólogo, a dar atenção intensa à algo,
embora isso não seja necessário para o diagnóstico (KLIN, 2006).
Síndrome de Rett:
Só reconhecida com esse nome em 1983, mas foi em 1966 que Andreas Rett,
pediatra austríaco, descreveu essa síndrome, atualmente incluída na CID-10 como
transtorno global do desenvolvimento. Só é registrada em meninas, que tem um
desenvolvimento inicial normal e depois ocorre uma perda parcial ou total das habilidades
manuais e da fala. O crânio cresce menos do que o normal. Há um prejuízo mental grave, a
espinha atrofia e provoca incapacidade motora na adolescência. Ocorrem convulsões que
podem levar à morte (CAMPANÁRIO, 2006).
3.6 Tratamento medicamentoso
Os principais fármacos utilizados no tratamento são:
FÁRMACO
FINALIDADE
neurolípticos
melhoria de aprendizagem
anfetaminas
diminuição da hiperatividade
melhora da atenção
anti-opióides
diminuição da auto-agressividade
EFEITO COLATERAL
*sedação excessiva
*rigidez muscular
*alteração do movimento muscular
*tremor
*excitação motora
*irritabilidade
*diminuição do apetite
* tranquilização
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*diminuição da hiperatividade
*diminuição da impulsividade
*diminuição da repetição persistente
*diminuição de atos, palavras ou
frases sem sentido
*diminuição da agressividade
*hipoatividade
Além do uso de medicamentos, atualmente outras abordagens são empregadas, tais
como reabilitação e educação especial. A reabilitação promove a melhoria dos seguintes
quesitos: modificação de comportamento, terapia de “holding” (terapia do abraço – com o
intuito de desenvolver a afetividade), aproximação direta do paciente, comunicação
facilitada, técnicas de integração sensorial e treino auditivo. O modelo educacional mais em
voga atualmente é o método TEACCH (Treatment and Education of Autistic and Related
Communication Handcapped Children) desenvolvido pela Universidade da Carolina do
Norte, USA, que visa os seguintes objetivos: propiciar o desenvolvimento conforme a idade
e potencialidades do paciente, adquirir habilidades práticas, desenvolver a autonomia e
adoção de estratégias uniformes entre o programa e a família. Nesse modelo o programa
terapêutico é individualizado, levando-se em conta as possibilidades de cada paciente
(SITE:PEKENOSPASSOS, 2010). Outro método utilizado é o ABA (Applied Behavioral
Analysis).
Fato comum no autismo infantil é o tratamento ter início tardio. O diagnóstico
definitivo só pode ser confirmado aos 3 anos de idade, segundo o último Congresso
Mundial de Autismo, mas o tratamento pode começar antes desta idade, pois mesmo que
não seja autismo, há algum distúrbio de comportamento. Os casos que tiveram diagnóstico
precoce não foram os que tiveram melhor evolução, mas sim os que tiveram tratamento
precoce (CAMPANÁRIO, 2006).
3.7 Escalas de Avaliação
Apesar da primeira definição de autismo (feita por Kanner em 1943) ser
relativamente recente e de que pesquisas ainda estão sendo feitas para definir o que seja
esse distúrbio, já foram desenvolvidas várias escalas para avaliação do espectro do autismo.
A seguir estão relacionadas algumas delas.
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ADI-R : Autism Diagnostic Interview – Revised (Entrevista Diagnóstica para o Autismo –
Revisada). Trata-se de uma entrevista semi-estruturada para ser aplicada ao cuidador da
criança com suspeita de Transtorno Global de Desenvolvimento (TGD). Esta entrevista é
focada em 3 áreas principais:

A qualidade da interação social recíproca

Comunicação e linguagem

Comportamentos repetitivos, limitados e estereotipados
CARS : Childhood Autism Rating Scale (Escala de Avaliação do Autismo na Infância).
Trata-se de uma escala com 15 itens e sua importância é derivada do fato de poder
diferenciar o grau de comportamento do autismo entre leve, moderado e severo.
ABC : Autism Behavior Checklist (Inventário de Comportamentos Autísticos). Trata-se de
uma lista com 57 comportamentos atípicos para uma triagem inicial de crianças suspeitas
de terem o TGD.
SCQ : Social Communication Questionnaire (Questionário de Comunicação Social). São 40
perguntas destinadas ao cuidador e foi derivada da versão revisada da ADI.
ADOS : Perfil psicoeducacional – revisado. É composta por 2 escalas. A primeira é de
desenvolvimento e foi estabelecida empiricamente. A segunda é de comportamento e
baseou-se na CARS.
M-CHAT : Modified Checklist for Autism in Toddless (Escala para rastreamento de autismo
em crianças com até 3 anos). Consiste de 23 questões do tipo sim/não que devem ser
preenchidas pelos pais ou cuidadores. É uma escala diagnóstica desenvolvida para o estudo
de indicadores precoces de autismo (AMA, 2009).
3.8 Intervenção psicoterapêutica
Conforme já mencionado acima não existem duas pessoas iguais, cada um é um
universo diferente. Por isso, a atuação do psicólogo é importante para determinar as
características e dificuldades da criança autista com a finalidade de ajudar no tratamento
mais adequado para cada caso.
A formação do psicólogo lhe dá as condições para descobrir as áreas defasadas e
comprometidas da criança com autismo. Com isso ele pode adaptar as propostas
terapêuticas mais adequadas para a superação dos problemas.
Várias técnicas foram desenvolvidas para o tratamento do autismo, tais como
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psicoterapia, psicanálise e orientação. Todas têm as suas vantagens e também limitações.
Cabe ao psicólogo desenvolver a terapia mais adequada para cada caso a fim de atender
necessidades específicas.
A criança autista e os que convivem com ela, principalmente os pais, sofrem muito.
Quanto maior for o grau do distúrbio, maior a dificuldade do tratamento. Nesse aspecto o
psicólogo pode ajudar os pais a entenderem e discutirem todos os sentimentos que estão
presentes,
tais
como
culpa,
frustração,
negação,
impotência,
raiva,
rejeição,
ressentimento,...
Um dos métodos mais aplicados é o de tratamento e educação para criança autista
ou com problemas relacionados à comunicação ( TEACCH). Nesse método o psicólogo
solicita uma colaboração emocional entre o terapeuta e os pais para uma troca de apoio e
uma atuação conjunta para obter serviços de qualidade. O psicólogo envolve os pais para
serem co-terapeutas a fim de colocá-los como grandes agentes do desenvolvimento dos
filhos, seja no diagnóstico, nas atividades domiciliares ou na escola ou grupo de educação
especial.
O tratamento sempre é mais eficaz quando efetuado por uma equipe multifuncional
(SOUZA et al, 2004).
4. ANÁLISE DOS RESULTADOS
4.1 Etiologia: ao longo da revisão de literatura foi possível compreender a diversidade
de opiniões dos autores sobre a etiologia do autismo. Portanto, o dilema que envolve essa
questão permanece em aberto.
4.2 Mundo autista: em relação ao mundo autista há uma convergência de opiniões. Não
existe pulsão escópica. Ausência de desejo, insônia prolongada, ausência de um corpo
erógeno, ausência de frio/calor/dor. É, junto com a esquizofrenia, o quadro mais regressivo
que existe. Há uma separação radical entre o sujeito e o outro. Olhando para o universo do
autista, como podemos nos aproximar desse mundo vazio? Não devemos nos aproximar
com ares de sabedores, mas sim nos colocar ao nível do autista para iniciar o diálogo
primordial e libertador.
4.3 Tratamento: atualmente a abordagem mais eficiente e envolvente de interagir com o
autista é o método TEACCH, tendo em vista que enfatiza as necessidades individuais e
estimula a suavizar as limitações de cada um. É imprescindível a manutenção do tratamento
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medicamentoso, concomitante ao programa de ressocialização, a fim de obter não uma
cura, mas uma melhora bastante significativa.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Apesar da vasta literatura existente sobre o assunto, o mesmo ainda desperta muita
polêmica.
Por ser um distúrbio global de desenvolvimento o autismo ainda carece de um
consenso geral sobre vários aspectos da síndrome, tais como definição, etiologia,
diagnóstico e avaliação. Uma das principais questões é o tratamento precoce. A dificuldade
está em diagnosticar corretamente o autista. Esse é o motivo pelo qual a maioria dos
atendimentos se inicia muito tarde, vide os exemplos de Laurie, Márcia e Joey no livro de
Bettelheim. O ideal, para ter um melhor resultado, é que o tratamento inicie assim que os
primeiros sinais do que poderia vir a ser autismo sejam detectados. Mas o resultado também
depende do tipo e da frequência do tratamento. É difícil especificar o melhor tratamento a
ser aplicado devido à complexidade dos indivíduos e do seu comprometimento. A
colaboração e dedicação de todos os envolvidos, família, professores, profissionais da
saúde, enfim, de toda uma equipe multidisciplinar é muito importante para a obtenção da
ressocialização do autista. Fundamental é o papel da mãe nesse processo, e essa é uma das
maiores críticas ao trabalho de Bettelheim, que concluiu que a mãe era a causadora do
distúrbio (mãe geladeira). Stelzer cita que Bettelheim dizia que “minha crença de que o
fator precipitante do autismo infantil é a vontade dos pais de que a criança não deveria
existir”. Ele chegou a essa conclusão baseado nos casos nos quais participou na escola em
que atuava, onde as mães realmente tinham problemas emocionais para lidarem com seus
filhos.
REFERÊNCIAS :
BAPTISTA, Claudio R.; BOSA, Cleonice. Autismo e Educação. Reflexões e propostas
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de intervenção., Porto Alegre, Ed. Artmed, 2002. ISBN 85-363-0014-0
BETTELHEIM, Bruno. A Fortaleza Vazia, São Paulo, 1ed Brasileira, Editora Martins
Fontes, 1987
CAMPANÁRIO, I. Santoro. O Atendimento Psicanalítico do Bebê com Risco de
Autismo e de Outras Graves Psicopatologias. Belo Horizonte, UFMG. Dissertação de
mestrado do curso de pós-graduação em Psicologia da Faculdade de Filosofia e Ciências
Humanas, Universidade Federal de Minas Gerais, 2006.
CUNHA, Mario et al. Integração sensório-motora e psicopatologia. Revista Mente e
Cérebro, Edição especial n. 45, 2014. ISSN 1.807943-1
FERNANDES, Fabiana S. O corpo no autismo. Revista da Vetor Editora, v. 9, n. 1, 2008.
Universidade Federal da Amazônia. ISSN 1676-7314.
GOLDBERG, Karla. Autismo: uma perspectiva histórico-evolutiva. Porto Alegre,
UFRGS. Mestrado em Psicologia. Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2005.
KLIN, Ami. “Autismo e síndrome de Asperger: uma visão geral”. Revista Brasileira de
Psiquiatria, vol 28, supl 1, São Paulo, 2006. ISSN 1516-4446
LOSAPIO, M. F.; PONDÉ, M. P. Tradução para o português da escala M_CHAT para
rastreamento precoce do autismo. Revista de Psiquiatria do Rio Grande do Sul – SPRS.
Porto Alegre, 2008.
SILVA, E. H. C. Autismo.BR Primeiras Descrões – Distúrbios Autísticos do Contato
Afetivo, 2007.
Disponível em www.autismo-br.com.br/home/Inicio.htm
Acesso: 14/10/14
SOUZA, J. Carlos et al. Atuação do Psicólogo Frente aos Transtornos Globais do
Desenvolvimento Infantil. Psicologia: Ciência e Profissão, vol 24, n. 2. Brasília, 2004
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STELZER, F. Gustavo. Uma pequena história do Autismo. Cadernos Pandorga de
Autismo, vol 1, 2010. Associação Mantenedora Pandorga. São Leopoldo, RS.
VASCONCELOS, Rita M.A.R.L., “Autismo Infantil: a importância do tratamento
precoce”, tese na Universidade Federal de Alagoas. 2010. Disponível em:
http://scholar.google.com.br/scholar?q=Rita+Magna+de+Almeida+Reis+Lobo+de+Vascon
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WORM, Jorge A. S. Estudos do Carma. 1988 [S. I.; s. n.]
Associação de Amigos do Autismo (AMA), 2009. disponível em:
http://www.ama.org.br/site/pt/tratamento.html
Acesso: 02/10/14.
Site: http://www.pekenospassos.blogspot.com.br/2010/04/autismo-infantil-prof-drfrancisco-b.html
Acesso: 02/10/14
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Anexo
Siglas usadas:
ABA = Applied Behavioral Analysis (Análise do Comportamento Aplicado).
ABC : Autism Behavior Checklist (Inventário de Comportamentos Autísticos).
ADI-R : Autism Diagnostic Interview – Revised (Entrevista Diagnóstica para o Autismo –
Revisada)
ADOS : Perfil psicoeducacional – revisado
AIP = Autismo Infantil Precoce
CARS : Childhood Autism Rating Scale (Escala de Avaliação do Autismo na Infância)
CID – 10 = Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à
Saúde.
DSM – IV = “Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorder - Fourth Edition”
(Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais – Quarta Edição)
M-CHAT : Modified Checklist for Autism in Toddless (Escala para rastreamento de autismo
em crianças com até 3 anos)
SCQ : Social Communication Questionnaire (Questionário de Comunicação Social)
TEACCH - Treatment and Education of Autistic and Related Communication Handcapped
Children (Tratamento e educação para criança autista ou com problemas relacionados à
comunicação)
TGD – Transtorno Global de Desenvolvimento
TID – Transtornos Invasivos do Desenvolvimento
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