CENTRO UNIVERSITÁRIO SÃO CAMILO

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CENTRO UNIVERSITÁRIO SÃO CAMILO
Mestrado em Bioética
José Raimundo Evangelista da Costa
RESPEITO À AUTONOMIA DO DOENTE MENTAL NO
ATENDIMENTO DE AUXILIARES E TÉCNICOS EM ENFERMAGEM:
UM ESTUDO BIOÉTICO EM CLÍNICA PSIQUIÁTRICA
São Paulo
2007
14
CENTRO UNIVERSITÁRIO SÃO CAMILO
Mestrado em Bioética
José Raimundo Evangelista da Costa
RESPEITO À AUTONOMIA DO DOENTE MENTAL NO
ATENDIMENTO DE AUXILIARES E TÉCNICOS EM ENFERMAGEM:
UM ESTUDO BIOÉTICO EM CLÍNICA PSIQUIÁTRICA
Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de
Pós-Graduação do Centro Universitário São Camilo –
São Paulo, para a obtenção do título de Mestre em
Bioética.
Orientador: Prof. Dr. Márcio Fabri dos Anjos.
Co-orientadora: Prof.ª D.ra Vera Lúcia Zaher.
SÃO PAULO
2007
15
Ficha Catalográfica elaborada pela Biblioteca Pe. Inocente Radrizzani
Costa, José Raimundo Evangelista da
Respeito à autonomia do doente mental no atendimento de auxiliares
e técnicos em enfermagem: um estudo bioético em clínica psiquiátrica /
José Raimundo Evangelista da Costa. -- São Paulo: Centro Universitário
São Camilo, 2007.
87p.
Orientação de Márcio Fabri dos Anjos e Vera Lúcia Zaher
Dissertação (Mestrado) – Centro Universitário São Camilo, Curso de
Bioética, 2007.
1. Pessoas portadoras de deficiência mental 2. Autonomia pessoal 3.
Bioética 4. Humanização da assistência I. Anjos, Márcio Fabri dos II.
Zaher, Vera Lúcia III. Centro Universitário São Camilo IV. Título.
16
FOLHA DE APROVAÇÃO
José Raimundo Evangelista da Costa
RESPEITO À AUTONOMIA DO DOENTE MENTAL NO
ATENDIMENTO DE AUXILIARES E TÉCNICOS EM ENFERMAGEM:
UM ESTUDO BIOÉTICO EM CLÍNICA PSIQUIÁTRICA
Aprovado em:
São Paulo, ____ de ____________________________ de 2007.
BANCA EXAMINADORA
Prof. Dr. ____________________________________________________________
Instituição: _______________________________ Assinatura: _________________
Prof. Dr. ____________________________________________________________
Instituição: _______________________________ Assinatura: _________________
Prof. Dr. ____________________________________________________________
Instituição: _______________________________ Assinatura: _________________
17
Dedico esta dissertação de Mestrado em Bioética a
DEUS e a tudo o que Ele representa.
18
AGRADECIMENTOS
Ao meu orientador, Prof. Dr. Márcio Fabri dos Anjos, pelas
orientações, observações, críticas e sugestões que me
levaram ao crescimento e também pela confiança e
paciência.
À minha co-orientadora, Prof.ª D.ra Vera Lúcia Zaher, pela
amizade,
carinho,
acolhimento
e
pelas
valiosas
contribuições ao longo deste trabalho.
À minha família, à Ordem Hospitaleira de São João de
Deus e à Casa de Saúde São João de Deus, pelo apoio,
compreensão, confiança e carinho.
Aos colegas e demais professores do Mestrado em
Bioética, pelos momentos inesquecíveis nesta trajetória.
A todos que de forma direta ou indiretamente me
auxiliaram neste sonho.
19
EPÍGRAFE
“Entre todas as outras formas de ilusão, a loucura traça
um dos caminhos da dúvida dos mais freqüentados.
Nunca se tem certeza de não estar sonhando, nunca
existe uma certeza de não ser louco.” (FOUCAULT, 2005,
p. 47).
20
RESUMO
COSTA, J. R. E. Respeito à autonomia do doente mental no atendimento de
auxiliares e técnicos em enfermagem: um estudo bioético em clínica psiquiátrica.
São Paulo, 2007. 87 p. Dissertação (Mestrado em Bioética). Programa de PósGraduação, Centro Universitário São Camilo.
O presente estudo teve como objetivos conhecer o pensamento de auxiliares e
técnicos em enfermagem a respeito da autonomia do doente mental e demonstrar a
importância do respeito ao doente mental pelo profissional de enfermagem para um
cuidado adequado. Trata-se de uma pesquisa qualitativa, mas aproveitou-se para
explorar também alguns dados quantitativos tornados possíveis pelo tipo de
formulário que foi aplicado na coleta dos dados. A pesquisa foi realizada numa
instituição psiquiátrica de pequeno porte e envolveu 25 profissionais da saúde
mental, treze auxiliares de enfermagem e doze técnicos em enfermagem. Não foi
utilizado nenhum critério de exclusão. O instrumento utilizado foi uma entrevista
semidirigida para a coleta de dados, com um roteiro norteador que constava na
apresentação de dois casos e questões abertas que versavam sobre o respeito à
autonomia e vulnerabilidade do doente mental. Os dados foram coletados e
analisados considerando-se algumas categorias identificadas, como o bem do
doente, necessidade de analisar e compreender, a percepção da vulnerabilidade do
doente e seus apelos, condutas relacionadas com a autonomia do doente mental,
atitudes de “envolvimento solidário”, racionalizações, concepções de políticas sociais
no cuidado a doentes mentais, recursos de um bom atendimento, espiritualidade,
desconfiança. Os profissionais levam em consideração a necessidade do paciente
que é ser respeitado em sua autonomia, pois, no discurso de alguns profissionais, se
percebe a preocupação em atender o paciente de forma que ele não se sinta
marginalizado e segregado por ser um doente mental. No que se refere à autonomia
do doente mental, tomada como um referencial nesta pesquisa, os profissionais
parecem reconhecer que o exercício da autonomia não é um valor absoluto
isoladamente, mas, um valor partilhado que dignifica tanto a pessoa que cuida,
quanto a que está sendo cuidada pelo profissional. Alguns profissionais mostraramse incondicionalmente a favor do confinamento. Diante dos resultados desta
pesquisa, pode-se concluir pela importância do reconhecimento dos referenciais da
Bioética (autonomia, vulnerabilidade e a dignidade da vida humana), no atendimento
de doentes mentais em clínica psiquiátrica. No estudo ficam evidenciadas por meio
destes referenciais algumas condutas indispensáveis para que o doente mental
possa ser respeitado e correspondentemente cuidado em clínica psiquiátrica. Esta
pesquisa procurou contribuir sobre as discussões acerca do respeito à autonomia do
doente mental, colocando no centro a ética e a dignidade da vida humana no seu
mais amplo sentido; e procurou verificar como tais percepções mais amplas se
podiam traduzir em atendimento respeitoso e humanizado.
Palavras-chave: Bioética; doente mental; autonomia, vulnerabilidade, dignidade da
vida humana.
21
ABSTRACT
COSTA, J. R. E. Respect to the mentally ill autonomy in attendance of nurse
assistants and technicians: a bioethic study in psychiatry. São Paulo, 2007. 87 p.
mastership dissertation (mastership in bioethics). Post-Graduation Program,
Universitary Core São Camilo.
This study aimed to know how nurse assistants and technicians think about the
mentally ill autonomy and explain by examples how important the respect to the
mentally ill by the nursing professional is for a suitable treatment. It deals with a
qualitative research, but some of the quantitative data was explored due the kind of
form that was applied in the data levy. This research was carried out in a small
psychiatry establishment and it comprehended 25 mental health professionals, 13
nursing assistants and 12 nurse technicians. It was not utilized any exclusion
judgement. A half-guided interview was utilized to gather the data, with a guide route
that can be verified in the presentation of 2 cases, and open questions which consist
in the respect to the autonomy and the vulnerability of the mentally ill. The data was
gathered and analysed taking into consideration some identified categories, such as
the mentally ill confort, the necessity to analysis and comprising, the perception of
the mentally ill vulnerability and his needs, the behavior connected to the mentally ill
autonomy, attitude of the “solidary involvement”, rationalizing, concepts of social
politics in the treatment of the mentally ill, possibilities of a good attendance,
spirituality and, suspicion. Professionals take into consideration the patient needs
which is being respected in your autonomy, therefore, in some professionals words, it
is carried out the anxiety in consider the patient in a form that he does not feel
separated and segregated due to be a mentally ill. Refering to the mentally ill
autonomy, taken as a reference in this research, professionals seem to realize that
the autonomy execution is not an absolute isolated valor, but, a shared valor that
dignify as the person who cares as the one who is being looked after by the
professional. Some professionals felt categorically in behalf of the confinement. All
things considered, it may conclude through the recognition of the bioethics
references (autonomy, vulnerability and human life dignity), in the mentally ill regard
in psychiatry clinics. Through these references, some indispensable conducts
becoming evident In this study: stabilish more respect to the mentally ill and make
him to be treated in a psychiatry clinic. This research aimed to contribute about the
respect to the mentally ill autonomy debate, poiting out the ethics and the human life
dignity in a wide purpose; and it was verified how such perceptions could be
expressed in a respectful and humanized attention.
Keywords: Bioethics, mentally ill, autonomy, vulnerability, human life dignity.
22
LISTA DE ABREVIATURAS
CID-10 – Classificação Internacional de Doenças.
CRM – Conselho Regional de Medicina.
DSM-IV – Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais.
IPC – Internação Psiquiátrica Compulsória.
IPI – Internação Psiquiátrica Involuntária.
IPV – Internação Psiquiátrica Voluntária.
IPVI –Internação Psiquiátrica Voluntária que se torna Involuntária.
OMS – Organização Mundial de Saúde.
ONU – Organização das Nações Unidas.
SILOS – Sistemas Locais de Saúde.
SUS – Serviço Único de Saúde.
UTI – Unidade de Terapia Intensiva.
23
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO....................................................................................................
13
2 BIOÉTICA E DOENÇA MENTAL: ALGUNS REFERENCIAIS..........................
17
2.1 Bioética como “ciência da sobrevivência humana”................................
17
2.2 Autonomia....................................................................................................
18
2.3 Vulnerabilidade............................................................................................
21
2.4 Dignidade da pessoa humana....................................................................
23
2.5 Bioética como prática de atendimento...................................................... 25
2.6 Conclusão do capítulo................................................................................
27
3 PARA COMPREENDER A DOENÇA MENTAL................................................. 29
3.1 Loucura......................................................................................................... 29
3.2 Esquizofrenia...............................................................................................
3.3 Hospitais psiquiátricos...............................................................................
3.4 Luta antimanicomial....................................................................................
3.5 Profissionais da saúde mental...................................................................
3.6 Conclusão do capítulo................................................................................
24
4.2.2.4 Condutas relacionadas com a autonomia do doente mental.....
46
4.2.2.5 Atitudes de “envolvimento solidário”..........................................
48
4.2.2.6 Espiritualidade ..........................................................................
51
4.2.2.7 As racionalizações.....................................................................
52
4.2.2.8 Concepções de política social no cuidado a doentes mentais... 53
4.2.2.9 Recursos de um bom atendimento............................................
54
4.2.2.10 A desconfiança......................................................................... 57
4.2.2.11 A descrença na recuperação...................................................
59
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS: DA BIOÉTICA PARA UM BOM ATENDIMENTO
AO DOENTE MENTAL..........................................................................................
60
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...................................................................... 63
ANEXOS................................................................................................................
68
ANEXO 1........................................................................................................ 69
ANEXO 2........................................................................................................ 72
ANEXO 3........................................................................................................ 73
ANEXO 4........................................................................................................ 74
ANEXO 5........................................................................................................ 76
ANEXO 6........................................................................................................ 80
ANEXO 7 ....................................................................................................... 83
25
1 INTRODUÇÃO
Bioética, doença mental e o ser humano são três realidades que podem ficar
distantes das percepções humanas, mas que, de fato, devem ser vistas como muito
próximas e entrelaçadas por quem se propõe a procedimentos éticos.
A bioética é um dos novos saberes da contemporaneidade que tem evoluído
significativamente. A sua história é recente, ao menos desde o momento em que foi
explicitada nestes termos em 1970, quando Van Renselaer Potter, oncologista norteamericano, introduziu o neologismo “bioética” (PESSINI, 2005).
Neste sentido, a bioética surge como uma renovada consciência do dever nas
circunstâncias do acelerado progresso biotecnológico. Ela surge primeiramente no
mundo ocidental, científico e tecnologicamente mais desenvolvido.
De fato, a bioética poderá confirmar sua contribuição à ciência da
preservação da identidade do homem e da sobrevivência da vida, se persistir em ser
uma ética, um aprofundamento do sentido do bem ou do dever na ação humana.
Assim, não se pode prescindir da bioética sob o risco de sucumbir-se diante dos
novos poderes e de demitir-se do próprio destino (NEVES, 2001).
A doença mental ao longo da história recebeu, por sua vez, diversas
interpretações; durante muito tempo foi explicada por meio de paradigmas précientíficos, suposições infundadas e pressupostos mágico-religiosos. Atribuíam-se,
por exemplo, as doenças mentais ao castigo dos deuses e a possessões
demoníacas.
Com a abordagem científica da loucura, já no século XVII, os médicos
começam a revelar seus conhecimentos a respeito dos indivíduos desviantes com
descontrole emocional. A psicopatologia ainda não estava suficientemente
desenvolvida para oferecer uma fundamentação sobre as diferentes formas de
loucura.
A partir deste simples aceno, já se pode pontuar o encontro com a
vulnerabilidade humana. E esta se mostra de duplo modo, ou seja, enquanto todos
os seres humanos se encontram expostos à loucura e, conseqüentemente, às
formas de tratamento em instituições psiquiátricas; e que são todos limitados a
compreender e lidar com tal limitação humana.
26
Assim se justifica este estudo bioético em clínica psiquiátrica, pela
importância de entender-se como os doentes mentais são tratados pelos
profissionais auxiliares e técnicos em enfermagem.
É importante ressaltar que a doença mental, aqui entendida como
esquizofrenia é um sofrimento concreto, manifesta-se em distintos níveis de
gravidade, gerando uma maior ou menor alteração na relação consigo mesmo, no
desenvolvimento das suas capacidades e na relação com o seu circulo envolvente.
Sabe-se que desde o advento da psiquiatria cientifica o doente mental foi
afastado do seu ambiente doméstico e encaminhado a hospitais psiquiátricos.
Muitos anos se passaram e hoje se fala da reforma psiquiátrica e que no Brasil a
reforma tem como referência a Lei n.º 3.657/89 do deputado federal Paulo Delgado
(Minas Gerais), que prega o fim dos hospitais psiquiátricos e a liberdade aos
doentes mentais.
Com tal desinstitucionalização o doente, antes excluído do mundo dos direitos
e da cidadania, torna-se livre, longe dos muros que o prendia no hospital
psiquiátrico.
Entretanto,
algumas
questões
podem
surgir
com
a
desinstitucionalização como, por exemplo, para onde vão os doentes mentais que
não têm família ou são rejeitados pela família e pela sociedade? Quem vai acolher
aqueles que necessitam de cuidados especiais?
Percebe-se uma situação conflituosa entre o desejo da desinstitucionalização
do doente mental e a realidade em que se está inserido, em que a sociedade exclui
e abandona doentes mentais, restando-lhe como único caminho a solidão e como
morada as ruas e praças.
Corroborando com este fato, a bioética tem papel relevante neste trabalho,
pois ela vai transitar no campo do conflito e da dúvida em relação ao doente mental.
Nesse sentido, o princípio da autonomia requer que o profissional da saúde
respeite a vontade do paciente, assim como seus valores morais e crenças. O
respeito, diferentemente da responsabilidade legal, deve ser estendido a todos os
pacientes, independentemente da sua capacidade de tomar decisões.
Este é um contexto amplo em que se insere o presente estudo. Dentro das
indispensáveis delimitações, ele estará focado no estudo de exigências da bioética
relacionadas com a autonomia do doente mental em clínica psiquiátrica.
27
Mais precisamente, o presente estudo tem como objetivos: conhecer o
pensamento de auxiliares e técnicos em enfermagem a respeito da autonomia do
doente mental e contribuir para ressaltar a importância do respeito ao doente mental
por parte do profissional de enfermagem em um cuidar adequado.
Embora, como se verá, os resultados finais não tenham confirmado
inteiramente, tomou-se como hipótese de trabalho que a qualidade dos serviços
prestados pelos auxiliares de enfermagem e técnicos em enfermagem pode ser
significativamente melhorada à medida que se levem mais em consideração a
subjetividade, a afetividade e a vulnerabilidade do doente mental e também que os
profissionais da saúde mental (auxiliares de enfermagem e técnicos em
enfermagem) prestam assistência aos doentes mentais internados em psiquiatria,
mas encontram dificuldade em respeitar a diferença e são inundados de
preconceitos que excluem e segregam o doente mental. E que, portanto, a bioética
pode contribuir significativamente para a melhoria da qualidade moral do
atendimento dispensado por profissionais ao doente mental em clínica psiquiátrica; o
que não quer dizer que os referenciais da bioética já não estejam presentes no
desempenho de muitos profissionais, como se perceberá mais adiante.
No procedimento deste estudo, foram adotados três passos básicos.
Primeiramente procurou-se recolher referenciais da bioética que pudessem iluminar
a aproximação adequada do doente mental hoje. Tratou-se, portanto, de uma leitura
seletiva de alguns referenciais da bioética voltados para a questão do respeito ao
doente mental. Um segundo passo foi dedicado especificamente para se colherem
elementos de compreensão do doente mental, de modo a delinearem-se formas
adequadas da inclusão deste nas relações de atendimento e cuidado, como se verá
adiante. Em um terceiro e último passo, com elementos levantados nas etapas
anteriores, assumiu-se um estudo de campo, em que se analisaram percepções e
atitudes de profissionais no atendimento a doentes mentais em clínica psiquiátrica.
Em cada um dos capítulos desta dissertação vão sendo dados, portanto, passos
gradativos no estudo.
No segundo capítulo dissertou-se sobre alguns referenciais, como o respeito
pela autonomia do doente mental que se conjuga com o principio da dignidade do
ser humano, sua vulnerabilidade inerente aos seres humanos e a bioética como
prática de atendimento.
28
No terceiro capítulo discorreu-se, com a contribuição de alguns autores, sobre
a compreensão da doença mental. Considerou-se particularmente o conceito de
loucura, a esquizofrenia que é uma doença mental, entre outras, e os profissionais
da saúde mental em questões relacionadas com suas condutas em clínica
psiquiátrica.
O quarto capítulo foi dedicado ao estudo do próprio atendimento em clínica
psiquiátrica, como desafio bioético, por meio de uma pesquisa de campo. Assim,
apresenta-se neste capítulo uma adequada descrição dos procedimentos nesta
pesquisa, como o método utilizado, o campo da pesquisa e as entrevistas.
Procedeu-se em seguida à análise quantitativa e qualitativa dos dados da
pesquisa, tecendo por fim algumas considerações finais, em que se procurou
recolher alguns frutos de todo o percurso desta dissertação.
Como é de esperar-se, muitos limites deste estudo são inevitáveis. Deve-se
reconhecer, entre tantos outros, que a amostra da pesquisa de campo se refere a
uma instituição de pequeno porte, e por isto mais fácil de ser monitorada. Não se
escondeu a inquietação sobre o que se passa em clínicas de maior porte e
correspondentemente com maior fluxo de doentes e de profissionais. É importante
ao mesmo tempo reconhecer a complexidade de um estudo bioético em clínica
psiquiátrica, seja pela amplitude do tema, seja pelo constante desafio em traduzir
referenciais teóricos em práticas concretas, para o que a bibliografia específica
ainda se mostre exígua.
Entretanto, com este estudo bioético em clínica psiquiátrica, acredita-se
lançar, nesta própria trajetória reflexiva, algumas bases para desenvolver a bioética
na área e, ao mesmo tempo, em que se oferece este estudo para incentivar o
aproveitamento da contribuição da bioética para a própria qualidade do atendimento
a ser dispensado aos doentes mentais em clínica psiquiátrica pelos profissionais da
saúde mental.
29
2 BIOÉTICA E DOENÇA MENTAL: ALGUNS REFERENCIAIS
Para se saber se a autonomia do doente mental é respeitada pelos
profissionais da saúde auxiliares e técnicos em enfermagem, parece adequado
proceder ao estudo bioético em clínica psiquiátrica. Isto exige inicialmente esclarecer
alguns referenciais que permitem compreender adequadamente o doente mental e
os valores de referência que a Bioética defende nas relações de cuidado com a sua
saúde.
Assim, entre as várias possibilidades para definir o marco teórico norteador da
pesquisa, fez-se a opção por utilizar alguns referenciais, fundamentados na
literatura, que têm relação direta com o tema estudado. Neste sentido, a explicitação
dos referenciais aqui assumidos se faz estritamente em seu direcionamento para a
compreensão do respeito dirigido ao doente mental. Estes conceitos versam sobre:
bioética, autonomia, vulnerabilidade, dignidade da pessoa humana incluindo a
bioética como prática de atendimento. Deixou-se para o próximo capítulo a
explanação de noções indispensáveis para esclarecer quem é o próprio doente
mental.
2.1 Bioética como “ciência da sobrevivência humana”
A bioética surgiu há 37 anos. Foi Van Rensselaer Potter, quem primeiro usou
o termo bioethics (bioética). Chamou a bioética de “ciência da sobrevivência
humana”, traçou uma agenda de trabalho para a mesma que vai desde a intuição da
criação do neologismo em 1970, até a possibilidade de encarar a bioética como uma
disciplina sistêmica ou profunda em 1988. (PESSINI, 2005).
Uma breve análise da “pré-história” da bioética pode esclarecer acerca dos
problemas que desde a origem da bioética persistem até os dias de hoje.
Entretanto,
as
questões
da
bioética
conquistaram
o
pensamento
contemporâneo porque representam conflitos de primeira grandeza no campo da
tecnologia e dos valores humanos básicos, de modo especial aqueles que têm a ver
com a vida e a saúde. Observa-se que há um crescimento rápido do campo da
30
bioética, isso graças à abertura ao trabalho multidisciplinar, especialmente em
matérias que dizem respeito a aspectos individuais e sociais do comportamento
humano.
Sabe-se que uma das correntes da bioética é o principialismo. Beauchamp e
Childress (2002) procuraram construir um modelo de ação que pudesse evitar o
dilema: uma impostação deontologica e o consequancialismo.
Os
princípios
apresentados
pelos
autores
acima
são:
autonomia,
beneficência, não-maleficência e justiça. Neste capítulo, discorrer-se-á sobre o
princípio da autonomia que tem relação direta com o tema estudado.
Assim, o respeito à autonomia das pessoas relaciona-se com a maneira de
guiar-se nos juízos sobre como tratar agentes autodeterminantes.
No entanto, o respeito à autonomia exige o direito de não ser interferido e,
correlativamente, a obrigação de não constringir uma ação autônoma. Não
determina o que se deve fazer, mas apenas expõe as condições.
2.2 Autonomia
O termo “autonomia” deriva do grego auto-nomia (lei própria), significando
autodeterminação, autogoverno; o que, sendo referido às atividades pessoais, pode
significar o poder da pessoa humana de tomar decisões que afetam sua vida, sua
saúde, sua integridade físico-psíquica, suas relações sociais.
São vários os significados possíveis que se podem conferir à autonomia,
variando de acordo com o olhar que se propõe a estudá-la, ou como respeitá-la nas
pessoas.
De acordo com Cohen & Marcolino (2002), o respeito a um indivíduo
autônomo acontece quando se reconhecem as capacidades e as perspectivas
pessoais, incluindo o direito de ele examinar e fazer escolhas, para tomar atitudes
baseadas em suas convicções e valores pessoais.
A partir dos anos 70, os códigos de Ética Médica juntam cada vez mais o
respeito pelas decisões autônomas dos doentes aos princípios clássicos,
reconhecendo o direito soberano do doente para decidir sobre todos os assuntos
que envolvam o seu corpo (respeito pela “pessoa” do doente). O valor crescente da
31
autonomia surge como conseqüência dos movimentos pelo respeito dos direitos dos
doentes após a denúncia de vários abusos na investigação de novas terapêuticas, a
que não é alheio o papel da enfermagem como ponte entre o doente (com as suas
dificuldades de expressar a vontade de ser considerado nas decisões que dizem
respeito ao seu corpo) e os médicos (numa tradição paternalista da medicina).
Neste sentido, a autonomia é uma decisão racional, expresse ou não a
preferência, a autonomia é uma decisão que exprime a preferência, seja ou não
racional. A este princípio fica associado o consentimento informado no contexto da
consulta profissional.
De acordo com Charlesworth (1996, apud CAUTELLA JR., 2003), “ninguém
está capacitado para desenvolver a liberdade pessoal e sentir-se autônomo se está
angustiado pela pobreza, privado da educação básica ou se vive desprovido da
ordem pública”.
Entretanto, além da liberdade de optar, a ação autônoma também pressupõe
a liberdade de ação, requer que a pessoa seja capaz de agir conforme as suas
escolhas feitas e as decisões tomadas. Desta forma, a pessoa autônoma é aquela
que tem liberdade de pensamento, livre de coações internas ou externas, para
escolher entre as opções que lhe são apresentadas.
A conquista do respeito à autonomia é um fenômeno histórico bastante
recente, que vem deslocando, pouco a pouco, os princípios da beneficência e da
não maleficência como prevalentes nas ações de assistência à saúde.
O respeito pela autonomia da pessoa conjuga-se com o princípio da
dignidade da natureza humana. Existem pessoas, porém, que, de forma transitória
ou permanente, tem sua autonomia reduzida, como no caso as crianças, os doentes
mentais entre outros.
Neste sentido, o doente mental é estigmatizado, e por carregar o rótulo de
“louco” deixa de exercer sua autonomia, pois esta não é reconhecida pela
sociedade. Neto (1998) faz uma reflexão analisando o conto de Márquez “eu só vim
telefonar”:
Maria de la Luz Cervantes, a personagem central, é uma atriz mexicana,
casada com um prestidigitador de salão, a quem acontece o acidente
imprevisível de ter o carro quebrado na estrada, numa tarde de chuvas
primaveris. Ao fazer sinais na estrada, em busca de socorro, surge mais um
imprevisto: o único veículo que atende ao seu sinal e pára, para lhe dar uma
carona, é um ônibus estranho, repleto de mulheres sonolentas, todas
32
envoltas em cobertores. Maria ainda não sabe, mas acaba de entrar num
ônibus que carrega as loucas de um hospício; sabe ainda menos que essa
é uma porta que possui somente entrada, nenhuma saída. Enrola-se num
cobertor e adormece; quando o ônibus chega ao seu destino, Maria nota
coisas estranhas: ao tentar chegar ao edifício, um guarda manda-a entrar
numa fila. Quando pergunta por telefone, respondem-lhe de um jeito
dissimulado: "Por aqui, gracinha, o telefone é por aqui", como que seguindo
aquele velho preceito de que não se deve negar nada a um louco,
confrontando-o diretamente [...] (NETO, 1998, p. 81–87).
No trecho acima se pode observar como o doente mental é tratado pelos
profissionais do hospício. “Entre todas as outras formas de ilusão, a loucura traça
um dos caminhos da dúvida dos mais freqüentados. Nunca se tem certeza de que
não se esteja sonhando, nunca existe uma certeza de não ser louco” (FOUCAULT,
2005).
Percebe-se que Maria, que antes fazia parte do mundo dos “normais”, agora
carregava consigo o rótulo e o estigma da loucura. Em nome da “santa”
beneficência, os profissionais da saúde muitas vezes despersonalizam os internos
“loucos”, reduzindo-os a meros objetos manipuláveis e não levando em
consideração seus direitos, suas vontades, sua autonomia. “[...] a instituição
psiquiátrica o condena ao internamento por toda a vida, ou podemos dizer a morte
em vida, pois impossibilita qualquer forma de retorno ao convívio social [...]”
(GRADELLA JR., 2002).
Entretanto, Maria agora faz parte do “mundo” dos excluídos, marginalizados e
estigmatizados. Depara-se com um ambiente cercado de muros e pessoas pouco
afetivas, “os muros, quando a ausência de terapias impossibilitava a cura, serviam
para excluir e isolar a loucura, a fim de que não invadisse o nosso espaço. Mas até
hoje eles conservam essa função” (BASAGLIA, 2005).
Assim, há que se concordar que “o nosso existir é realmente muito incerto,
pois se desenvolve num processo cheio de ambigüidades e de riscos, cuja
imprevisibilidade nos impede de ter segurança” (FORGHIERI, 1983, apud CAMPOS,
1995).
O doente mental tem sua autonomia reduzida, e esta deve ser respeitada. É
muito fácil dizer que os profissionais da saúde só podem administrar a liberdade e
direitos do paciente respeitando sua totalidade. Este respeito ao doente mental no
ambiente psiquiátrico às vezes é esquecido.
33
De fato, a autonomia exprime a dignidade da pessoa, porque franqueia sua
liberdade autocontrolada e responsável, mas, ao mesmo tempo, pode tornar-se
terrível arma contra o próprio bem do paciente, pois a decisão geralmente vale,
conforme o grau de esclarecimento e informação do sujeito que decide, e é motivada
essencialmente pelo medo, ou seja, pela emotividade. Essa noção de consentimento
esclarecido, que garante a autonomia do doente, é a pedra angular de toda a ética
(LEPARGNEUR, 1996).
2.3 Vulnerabilidade
Acredita-se que os doentes mentais são ou podem ser pessoas vulneráveis,
podendo muitas vezes não reconhecer os seus direitos e assim não lutar e reclamar
por eles. Os doentes mentais fazem parte de um grupo vulnerável tanto dentro
como fora das instituições psiquiátricas; sabe-se que mesmo dentro da própria
família muitos indivíduos são tratados de forma desumana.
Neste sentido, sujeitos vulneráveis têm que ser protegidos, enquanto os
predispostos à vulnerabilidade precisam de assistência para remover a causa da sua
fraqueza. Além da vulnerabilidade básica, que é intrínseca a todos os seres
humanos, alguns indivíduos, que é o caso dos doentes mentais, são afetados por
circunstâncias não favoráveis que os tornam ainda mais vulneráveis (KOTTOW,
2003, apud GONÇALVES ; VERDI, 2005).
Anjos (2005), considera que “a vulnerabilidade se apresenta na bioética atual
fortemente marcada pelos limites dos sujeitos em suas autonomias”.
Para Kottow (2003), “o vulnerável sofre de necessidades não atendidas, o que
o torna frágil, predisposto a sofrer danos. É também propenso a ser facilmente
atingido, dada sua baixa resistência ao mal”. De modo geral e mais sinteticamente
se pode dizer que “Pessoas vulneráveis são pessoas relativa ou absolutamente
incapazes de proteger seus próprios interesses” (CIOMS, apud MACKLIN, 2003).
Lévinas (apud Torralba, 2003, p. 195) coloca em evidência a exigência que se
dá em ética, de passar-se da simples verificação ou descrição da vulnerabilidade
para a responsabilidade e o cuidado diante da pessoa vulnerável:
34
La idea de vulnerabilidad no es solamente la descripción neutral de la
condición humana, sino uma prescripción normativa que nos impele a tener
cuidado biológico, social, cultural y espiritual de la vulnerabilidad de los
seres que viven em el mundo tecnológico. Esta responsabilidad es
inherente a todo ser humano y no puede delegarse em “especialistas” de la
vulnerabilidad.
O ser humano é vulnerável porque está exposto, ou seja, pode ser ferido por
outro. Dizer que o ser humano é vulnerável significa afirmar que é um sujeito que
padece de algum tipo de carência. A carência não é algo que se tenha, mas, ao
contrário, a carência é uma ausência de ser. Os doentes mentais são indivíduos
vulneráveis, necessitam de auxilio para conviver com as incertezas e os perigos do
seu meio ambiente.
Campbell (2003) fala da essência da humanidade e da vulnerabilidade e cita o
poeta Robert Shannon:
Como é delicada e perfeita a flor viva,
Que conhece tanto nascer como morrer:
Enquanto a flor plástica que dura mil anos,
É sempre brutal em sua imutabilidade...
É a vulnerabilidade que nós faz abertos e belos. (SHANNON, apud
CAMPBELL, 2003, p. 88).
Neste sentido, não se pode simplesmente fechar os olhos e “fingir” que o ser
humano não é vulnerável, uma vez que é a vulnerabilidade é inerente aos seres
humanos.
Entretanto, como os profissionais da saúde mental que trabalham em
hospitais psiquiátricos e como os auxiliares e técnicos em enfermagem podem
ajudar os doentes mentais que são considerados vulneráveis? “Só ajudaremos as
pessoas vulneráveis se nos dispusermos a participar do seu sentido de isolamento e
pudermos ajudá-las a recuperar um sentido de valor como participantes de nossa
comunidade humana” (CAMPBELL, 2003).
De acordo com Torralba (2003), a ética aparece no cenário do mundo quando
o ser humano deixa de preocupar-se somente com a sua vulnerabilidade e se ocupa
com a vulnerabilidade do outro e passa a responder solidária e responsavelmente
por ela.
Por outro lado, há que se considerar ainda que os profissionais da saúde
carregam suas próprias vulnerabilidades, como assinala Anjos (2006), observando,
35
porém, a dificuldade em reconhecer-se isto, pois freqüentemente “se entende a
vulnerabilidade como sendo ‘dos outros’ e raramente do próprio agente”.
Assim, acredita-se que a experiência de vulnerabilidade é um processo
marcado por contínuos acontecimentos no cotidiano, com fases de maior ou menor
intensidade, provocando às vezes muito sofrimento na vida do profissional da saúde,
contemplado neste estudo, seja o técnico, seja o auxiliar de enfermagem. Assim,
quando se reconhece a vulnerabilidade do outro pensa-se sobre a própria
vulnerabilidade, neste sentido, começa-se a compreender a condição humana.
Portanto, “o reconhecimento da própria vulnerabilidade é ponto de partida
para uma construção maior. Possibilita o encontro construtivo com o outro e os
passos de superação das próprias fragilidades” (ANJOS, 2006).
2.4 Dignidade da pessoa humana
A palavra “dignidade” vem do latim: dignitas, que significa honra, virtude ou
consideração. Entende-se que dignidade é uma qualidade moral inata. Para Rizzatto
(2002) a “dignidade nasce com a pessoa. É-lhe inata. Inerente à sua essência”.
Entretanto, “a dignidade da pessoa humana é um valor supremo que atrai o
conteúdo de todos os direitos fundamentais do homem” (SILVA, 1997).
Aprofundando o conceito de dignidade da pessoa humana, pode-se dizer que
a pessoa é um bem e a dignidade, o seu valor. Como princípio da “dignidade
humana” entende-se a exigência enunciada por Kant (apud ABBAGNANO, 1982),
“age de forma que trates a humanidade, tanto na tua pessoa como na pessoa de
qualquer outro, sempre também como um fim e nunca unicamente como um meio”.
Entretanto, é importante pontuar que o aprofundamento do conceito de
dignidade da pessoa leva a ultrapassar qualquer conotação de simples dogma
religioso. “Desta forma, o tema da dignidade da pessoa humana não permanece um
tema da exclusividade dos direitos eclesiais, mas um conceito politicamente correto
entre nações civilizadas” (LEPARGNEUR, 2003).
A dignidade da pessoa humana envolve aspectos das mais variadas
realidades. Trabalha pelo direito de igualdade entre os homens na condição de
seres humanos. Por isso, Dallari (2004) afirma que “as pessoas são diferentes, mas
36
continuam todas iguais como seres humanos, tendo as mesmas necessidades e
faculdades essenciais”.
A Declaração Universal dos Direitos do Homem (1948), tanto em seu primeiro
"considerando" quanto em seu primeiro artigo afirma: "Considerando que o
reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e de
seus direitos iguais e inalienáveis é o fundamento da liberdade, da justiça e da paz
no mundo". E art. 1.º: "Todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e
direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos
outros com espírito de fraternidade".
Neste sentido pode-se admitir a pertinência da expressão religiosa que diz: “o
homem não é dono da própria vida, mas recebe-a em usufruto; não é proprietário
dela, mas mero administrador, pois somente Deus é que é o Senhor da Vida” (JOÃO
PAULO II, 1985).
A dignidade é atributo intrínseco da essência da pessoa humana, único ser
que compreende um valor interno, superior a qualquer preço, que não admite
substituição equivalente.
A universalidade é o anseio profundo dos atos humanos mais genuínos. O ser
humano age com vistas ao reconhecimento, por todos, de que sua ação é a melhor,
a mais justificada. Mas conversar sobre universalidade é deveras muito difícil, visto
que implica numa questão muito complexa, a diversidade. Enfim, encerra um
problema espinhoso, que é o de estabelecer o que, efetivamente, está em condições
de ser reconhecido como universal, e se isto implica necessariamente abrir mão do
particular, de alguma forma o problema que se identifica na questão ética.
As raízes da dignidade humana, em uma percepção judeo-cristã, são
encontradas na Bíblia Sagrada já nos primeiros capítulos do livro de Gênesis: O
homem foi criado por Deus e recebeu o fôlego de vida. Era a coroa da criação:
Então disse Deus, “Façamos o homem à Nossa imagem, conforme a
Nossa semelhança; e domine ele sobre os peixes do mar, e sobre as aves
dos céus, e sobre o gado, e sobre toda a Terra, e sobre todo o réptil que
se move sobre a Terra”. E criou Deus o homem à Sua imagem; à
imagem de Deus o criou; macho e fêmea os criou. (GÊNESIS 1:26 e
27).
38
Como foi o meu dia
Levantei da cama, escovei os dentes
Ainda na hora do café, cantei duas músicas alto
Depois disso senti um vazio enorme, querendo voltar
ao passado e entrar no túnel do tempo
Agora vêm pensamentos soltos
Tan, tan, tan, tan, eu estou quase morrendo de
saudades de você
Eu te amo, eu te amo, eu te amo
Eu quero amar ao próximo
Eu não nasci para sofrer. (ROMANO, 1995, apud ROCHA, 2005, p. 97),
Entretanto, quando se fala da autonomia na assistência de enfermagem em
39
sofrimento, nas dimensões física, psíquica, social e espiritual com
competência tecnocientífica e humana (BETTINELLI et al., 2003, p. 233).
É importante destacar o que Pessini adverte sobre os cuidadores:
Quem cuida e se deixa tocar pelo sofrimento humano torna-se um radar de
alta sensibilidade, se humaniza no processo e para além do conhecimento
científico, tem a preciosa chance e privilégios de crescer em sabedoria. Esta
sabedoria nos coloca na rota da valorização e descoberta de que a vida não
é um bem a ser privatizado, muito menos um problema a ser resolvido nos
circuitos digitais e eletrônicos da informática, mas um dom, a ser vivido e
partilhado solidariamente com outros. (PESSINI, 2002, apud BETTINELLI et
al., 2003, p. 234).
Assim, quando aqui se fala de bioética como pratica de atendimento, deve-se
ter
em
conta que a bioética é interdisciplinar, possui
uma abordagem
necessariamente pluralista imposta pela complexidade e diversidade das sociedades
que levantam questões, embora reconheçam que elas dizem respeito a toda a
humanidade e não se lhes pode dar resposta suscetível de ser legitimamente
monopolizada por um grupo ou pessoa.
Entretanto, um outro ponto que não deve ser esquecido no atendimento ao
doente mental é o princípio da dignidade da pessoa humana, pois exerce sua
influência, sobretudo nos chamados direitos humanos fundamentais. Assim, o
princípio da dignidade da pessoa humana engendraria, portanto, os direitos ligados
àquilo que constitui a qualidade do humano no homem.
2.6 Conclusão do capítulo
Com base nas argumentações conceituais aqui levantadas pode-se inferir que
o princípio da dignidade da pessoa humana expressa nitidamente aquele que há de
ser considerado como fonte suprema, o ser humano. A Declaração Universal dos
Direitos Humanos (1948) prescreve ainda que “o fundamento da liberdade, da justiça
e da paz no mundo consiste no reconhecimento da dignidade de todos os seres
pertencentes à família humana e dos seus direitos iguais e inalienáveis”.
Neste sentido, uma vez que os doentes mentais são vulneráveis à exploração
e injustiças, cabe aos profissionais zelar pelo melhor interesse dos pacientes.
Entretanto, mesmo sendo defendida a autonomia do doente mental baseada
no seu próprio pensamento acerca de si e do meio que o circunda, às vezes se torna
40
impossível, pois estes têm às vezes percepções violentas, hostis e opressivas da
realidade.
Assim, é importante atentar-se para as palavras de Bettinelli et al. (2003): o
“profissional da saúde deve ampliar sua compreensão, perceber os elos que unem
as pessoas em sua volta, captar seus desejos, vontades e sentimentos”.
41
3 PARA COMPREENDER A DOENÇA MENTAL
Neste capítulo, abordar-se-ão questões relacionadas ao processo de
compreensão da doença mental em vista de se delinear o respeito que pode ser
atribuído à sua autonomia, durante tratamentos em hospitais psiquiátricos. Dentro de
tal objetivo, este trabalho ater-se-á a conceituações consideradas indispensáveis.
Nesse sentido, alguns conceitos serão abordados. Procurar-se-á esclarecer alguns
elementos básicos sobre doença mental e sobre esquizofrenia, que entram
especificamente neste estudo. Torna-se também indispensável anotar alguns dados
sobre os hospitais psiquiátricos, a luta antimanicomial e os profissionais da saúde
mental, que são os cuidadores, para que se possa situar com mais propriedade o
42
para estabelecer com ele relações humanas, isto exige a busca do saber e a
abertura em aprender.
A internação é uma criação institucional própria do século XVII. Ela assumiu,
desde o início, uma amplitude que não lhe permite uma comparação com a prisão
(FOUCAULT, 2005). O mesmo autor diz que o internamento pode ser justificado de
duas maneiras, a primeira seria pela beneficência e a segunda seria para punir o
individuo louco.
Deste modo, procurou-se saber o que a Lei fala a respeito do louco. O Código
Penal cria ou determina uma medida de segurança indefinidamente, podendo-se
manter uma pessoa em uma instituição psiquiátrica de custódia estatal pelo resto de
seus dias; acredita-se que esteja afrontando a Constituição no artigo 5.º, XLVII, b,
que determina expressamente: a medida de segurança é uma pena imposta pelo
Estado contra um indivíduo que delinqüiu e que, por apresentar um quadro
psiquiátrico de doença mental, não irá para a cadeia; será absolvido pela sua
condição psíquica, e receberá uma medida de segurança que poderá perdurar
indefinidamente, o que estaria afrontando a Constituição, que proíbe penas de
caráter perpétuo. Igualmente o mesmo inciso XLVII, letra c, do art. 5.º proíbe que as
penas sejam cruéis, mas os hospitais psiquiátricos custodiais são instituições que,
pela sua condição na realidade, dispensam tratamento cruel a seus pacientes.
Assim, o Código Civil, ao tratar no Livro I Das Pessoas, Título I Da Divisão
das Pessoas e Capítulo I Das Pessoas Naturais, ao mencionar que são
absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil os loucos de
todo o gênero, emprega terminologia pouco adequada pela forma agressiva e até
parcial de identificar a incapacidade apenas nos diversos tipos de loucura, o que já
se constata hoje não ser uma realidade. Levando-se em consideração todos os
avanços no que se refere aos direitos humanos do indivíduo, parece agredir a
Constituição especialmente pela forma como as pessoas são tratadas.
O objetivo fundamental da legislação de saúde mental é proteger, promover e
melhorar a vida e o bem-estar social dos cidadãos. Toda sociedade necessita de leis
para alcançar seus objetivos, a legislação de saúde mental não poderia ser diferente
de nenhuma outra legislação. A base para a legislação de saúde mental são os
direitos humanos. Direitos e princípios fundamentais incluem a igualdade e a não-
43
discriminação, o direito à privacidade e autonomia individual, direitos à informação e
à participação (OMS, 2005).
O “louco”, ao qual se refere este trabalho é o esquizofrênico. O estereótipo de
loucura é claramente observado no doente mental esquizofrênico.
3.2 Esquizofrenia
A esquizofrenia, um termo criado por Breuler (1911), é uma doença mental,
uma psicose de origem desconhecida pela ciência. A CID-101 apresenta a
esquizofrenia como o transtorno mais comum das doenças mentais. Caracteriza-se
pela distorção do senso da realidade, inadequação e falta de harmonia entre
pensamento e afetividade. Alucinações2 e idéias delirantes3 são freqüentes. O
comportamento pode ser de isolamento, regressivo ou bizarro4, seu humor às vezes
pode ser ambivalente nas respostas emocionais, perde a empatia por outras
pessoas, principalmente as pessoas mais próximas:
[...] a esquizofrenia diversifica-se em formas aparentemente muito
dessemelhantes, em que se distingue habitualmente as seguintes
características: a incoerência do pensamento, da ação e da afetividade, o
afastamento da realidade com um dobrar-se sobre si mesmo e
predominância de uma vida interior entregue às produções fantasísticas, a
uma atividade delirante mais ou menos acentuada e sempre mal
sistematizada. (LAPLANCHE; PONTALIS, 2000, p. 158).
É suposta a dificuldade que esses doentes encontram, a comunicação tornase muito difícil, pois o indivíduo é impossibilitado de manter seu pensamento em
ordem, tornando assim os métodos terapêuticos tradicionais ineficazes ou pouco
eficazes.
O filme norte-americano “Uma Mente Brilhante”, lançado em 2001 e dirigido
por Ron Howard, pode ilustrar um pouco o conceito de esquizofrenia. O filme conta a
1
Classificação de Transtornos Mentais e de Comportamento, revisada pela Organização Mundial de
Saúde, a versão mais recente é a CID-10.
2
Percepções sensoriais alteradas, que podem durar de segundos a dias, e pode ser: AUDITIVA;
VISUAL; TÁTIL; GUSTATIVA (sente sempre o mesmo sabor); OLFATIVA (mesmo cheiro);
PROPRIOCEPTIVA (sente que tem algo dentro dele).
3
Perde a referência da realidade, o indivíduo transforma a realidade, geralmente são: DE
GRANDEZA; ERÓTICO; MÍSTICO ou RELIGIOSO; PARANÓIDE; DEPRECIATIVO; DEPRESSIVO;
TRANSITIVISTA (assume outra identidade)
4
Comportamento estranho, diferente.
44
história do matemático “John Nash”, que ficou famoso pelo desenvolvimento de uma
tese e chegou a ser indicado a receber o prêmio Nobel de Economia, mas, no
intervalo entre sua tese e o Nobel, John foi diagnosticado como esquizofrênico. Suas
alucinações visuais são apresentadas como fatos “reais”. O filme possibilita uma
reflexão acerca do sofrimento psíquico do doente mental, que muitas vezes é
esquecido num hospital psiquiátrico, marginalizado e excluído.
A esquizofrenia geralmente se manifesta no indivíduo na adolescência ou
com atraso na idade adulta. “Situa-se na primeira metade da faixa dos vinte anos
para homens e final da faixa dos 20 para as mulheres (...) variedade de sinais e
sintomas: retraimento social, perda do interesse pela escola ou trabalho,
deterioração da higiene e cuidados pessoais, comportamento incomum e ataques de
raiva” (DSM-IV, 2002)5.
No tratamento da esquizofrenia é aconselhável que seja feita uma
combinação entre: psicofármacos, orientação psicológica e mudanças no seu
ambiente. A internação em hospitais psiquiátricos só é aconselhável em casos de
urgência.
As medicações mais utilizadas são: clorpromazina (amplictil), haloperidol
(haldol) e flufenazina (anatensol Depot).
É importante enfatizar que o trabalho do psicólogo deve ser com terapias
corporais, como jogo e manifestações artísticas. Também são indicados trabalhos
com pinturas e colagens. A orientação familiar também é muito importante para
modificar o ambiente onde o individuo está inserido.
3.3 Hospitais psiquiátricos
Curiosamente, revendo-se um pouco da história dos hospitais, constata-se
que a palavra “hospital” vem do latim hospes, que significa hóspede, deu origem a
hospitalis e hospitium, que significavam o lugar onde se hospedavam na
Antigüidade, além de enfermos, viajantes e peregrinos (GONÇALVES et al., 1983,
apud CAMPOS, 1995).
5
Manual Diagnóstico e Estatístico dos Transtornos Mentais. 4. ed., textos revisados em 2002.
45
O hospital não deve perder sua missão de ser hospitaleiro e hospedar
pessoas doentes que necessitem de ajuda; pode-se chamar a esses doentes de
hóspedes e os profissionais da saúde, de hospitaleiros, de anfitriões.
Qualquer pessoa pode ser um hóspede; reconhecê-la como hóspede
pressupõe que se dê um passo muito importante no sentido do
reconhecimento de todos os seres humanos como hóspedes virtuais. [...] o
hóspede não é recebido apenas como um determinado indivíduo, mas
também como embaixador substituível, como representante de outros; uma
vez que os seres humanos constituem grupos, comunidades, sociedades e
nações, cada indivíduo está inserido nesses agrupamentos. A hospitalidade
confronta-nos por isso, com algo que tem um significado ético e político
notável: o acolhimento do estranho, do outro, daquele que não pertence
“aos meus”. A hospitalidade é reconhecimento “dos diferentes”: aceitamos
que o hóspede seja diferente de nós. [...] o anfitrião deve estar preparado,
pois no momento mais imprevisto o hóspede pode chegar. (Caminhos de
Hospitalidade Segundo o Estilo de São João de Deus
46
de si, em alguns casos mantendo-os longe do discurso, mas infelizmente perto do
cuidar”. Assim, “quando nos propomos tratar da doença mental, utilizamos conceitos
preestabelecidos e soluções que homogeneízam as diferenças; temendo ousar e
romper fronteiras que nos separam do universo da loucura” (BARROS, 2002, apud
REINALDO, 2004).
3.4 Luta antimanicomial
Acredita-se que a luta antimanicomial busca levar os profissionais da saúde
mental a fazerem uma reflexão acerca de novas formas de pensar, de agir, de
perceber e de cuidar dos doentes mentais.
De acordo com Bezerra Jr. (1994, apud KANTORSKI, 2001), no campo da
saúde mental têm-se, em 1989, dois marcos importantes que ajudaram a
compreender o processo de resistência à psiquiatria tradicional: o primeiro foi a
intervenção realizada pela Prefeitura de Santos na Casa de Saúde Anchieta na
cidade de Santos – estado de São Paulo –, hospital particular da região que
representava o universo manicomial, e o segundo foi o Projeto de Lei n.º 3.657/89,
apresentado ao Congresso Nacional pelo deputado federal Paulo Delgado, que
previa a reestruturação da assistência psiquiátrica brasileira com a substituição dos
manicômios por dispositivos novos de tratamento e acolhimento.
De acordo com Maia e Fernandes (2002), o Projeto de Lei Paulo Delgado,
que sugere mudanças na legislação psiquiátrica, tornou-se catalizador dos debates
acerca da questão antimanicomial, provocando polêmicas entre diversos setores e
grupos sociais. Inspirado na Lei Baságlia italiana, de autoria do psiquiatra Franco
Baságlia, o Projeto de Lei Paulo Delgado, apresentado ao Congresso Nacional,
somente foi aprovado recentemente, em abril de 2001. Assim o projeto propõe:
1. O restabelecimento dos direitos civis e políticos dos doentes mentais.
2. A extinção progressiva dos manicômios e sua substituição por hospitaisdia.
3. A internação em hospitais gerais, por períodos mínimos.
47
4. A regulamentação da internação compulsória, ou seja, aquela que se dá
sem a aprovação do paciente, e que poderá ocorrer por, no máximo, 24
horas, com o conhecimento do juiz e de uma junta médica.
5. A regulamentação do uso de terapias perigosas, como o “eletrochoque”.
Esta aprovação constitui um avanço histórico, culminado pelo empenho de
uma série de segmentos sociais engajados no “Movimento Nacional da Luta
Antimanicomial”, embora signifique que o caminho pela frente ainda é muito longo, a
fim de incorporar as alterações decorrentes da lei nas ações de saúde.
O Movimento Antimanicomial luta para rever os critérios de distinção dos
cidadãos e conseguir qualificar o doente mental entre eles, legalmente.
Desta forma, a internação psiquiátrica quando necessária,
recomenda-se que esta seja feita em enfermaria especializada em um
hospital geral. Assim facilita-se o tratamento de problemas físicos que
possam advir, ao mesmo tempo em que se que o doente seja discriminado,
estigmatizado pela sociedade afastando-se dela, tornando-se crônico.
(ROCHA, 2005, p. 46).
3.5 Profissionais da saúde mental
Existe muitas formas de definir a saúde mental, mas acredita-se que saúde
mental é ter projetos próprios e partilhados para desfrutar e transformar o mundo. É
a capacidade de viver, trabalhar as perdas e as situações dolorosas da vida. É ter a
capacidade para expressar, dar e receber afeto, na medida e de acordo com as
pessoas e as circunstâncias.
Quando se fala neste estudo de profissionais da saúde mental são,
sobretudo, os profissionais da enfermagem que surgiram com Florence Nightingate
na Inglaterra, em 1853. Em 1862, surgiram as missionárias da saúde, precursoras
das visitadoras de saúde. No entanto, na época a enfermagem atuava na psiquiatria
como repressora, punitiva, além de vigia do doente mental.
Assim, a assistência dos profissionais da enfermagem desde os primórdios foi
sempre marcada por atitudes agressivas de alguns profissionais que exercem poder
sobre os doentes (ZERBETTO; PEREIRA, 2005). Ainda de acordo com as autoras,
“o enfoque da saúde mental visa à reconstrução do sujeito, preservando sua
48
subjetividade, sua história de vida e suas relações interpessoais, buscando romper
com mecanismos que podem perpetuar a marginalização”.
Fala-se muito em humanização e qualidade de vida do doente mental, mas
pode-se pensar que muitas famílias e muitos profissionais não estão preparados
para auxiliar esses doentes a resgatarem seus direitos, sua cidadania. Acredita-se
que humanização e qualidade de vida do doente podem ser iniciadas pelo bom
49
Acredita-se que “o cuidar humanizado implica, por parte do cuidador, a
compreensão do significado da vida, na capacidade de perceber e compreender a si
mesmo ao outro situado no mundo e sujeito de sua própria história” (PESSINI et al.,
2003).
De acordo com Martin (2003), os hospitais não são humanizados
suficientemente,
onde
o
doente
se
sinta
bem
em
vez
de
diminuído,
despersonalizado e isolado. A ética sonha com um mundo mais humano, mais
fraterno e procura desvendar a lógica dos mecanismos que tornam realizável o
sonho.
No que tange ao cuidar, parece ser prevalente a visão da enfermagem
vocacional, sustentada mais pelo pilar ético da caridade que da solidariedade. A
humanização do cuidado é obtida pelo estabelecimento de relações amigáveis com
a clientela e, não, pelas transformações nos conteúdos das práticas (FONSECA,
2000).
Assim, os cuidados prestados pelos profissionais da enfermagem são
freqüentemente realizados com improviso, desde que a necessidade do doente seja
atendida.
Portanto, o cuidado respeitoso consiste em escutar a voz daqueles que
sofrem, escutar essa voz que clama não é fácil; não se entende o que o outro diz, o
que ele sente. O cuidado respeitoso acontece quando, mesmo sem entender, se
coloca no lugar daquele que sofre. Para escutar o outro, antes se tem que escutar a
si mesmo.
De acordo com as idéias de Perbalt (1990) “sobre o significado concreto da
utopia de se construir uma sociedade em que os loucos não estariam mais nos
asilos, discriminados e segregados, o autor afirma que não basta destruir os
manicômios e acolher os loucos”.
Desta forma, compreende-se que a construção da reforma psiquiátrica pode
proporcionar o exercício teórico-prático de lidar com o desconhecido, com novas
formas de assistência aos doentes mentais.
O sofrimento e a vulnerabilidade do doente mental oferecem momentos de
reflexão para os profissionais da saúde mental em torno da relação “eu–outro”.
Entretanto, o profissional descobre-se a si mesmo quando vai ao encontro de
outras pessoas. Quando aqui se refere aos “loucos”, abundam as idéias de como
50
aproximar-se dessas pessoas, como se fossem de “quinta classe”, de quem se
abusa, a quem se humilha e aos quais se trata como “objetos e cobaias” em muitos
casos.
Neste sentido, respeitar o outro não se refere apenas ao respeito pela
dignidade e pela vida, exige o compromisso de promovê-la.
Assim, quando se fala de doente mental, o respeito pela autonomia nos
diversos graus é um aspecto que se pode considerar um dever ético para com estes
indivíduos vulneráveis que sofrem de incapacidade e não se adaptam aos padrões
que se tem por “normais”.
Os doentes mentais não podem ser simplesmente consumidores de cuidados
e medicamentos, o doente é co-responsável pelo seu tratamento.
Neste sentido, acredita-se que doente mental internado não necessita apenas
ser visto e examinado, é um doente que precisa ser ouvido e compreendido na sua
linguagem muitas vezes incompreensível. Sabe-se que a linguagem do doente com
suas máscaras e defesas esconde seu sofrimento.
3.6 Conclusão do capítulo
Considera-se, diante dos padrões conceituais aqui levantados que a evolução
dos conceitos de saúde e doença, a representação da doença mental e as
estratégias de cura estão relacionadas com os correspondentes paradigmas de cada
época ao longo dos tempos e têm suas origeor
51
Para que os profissionais da saúde mental possam exercer sua profissão com
dignidade e respeitar o seu cliente e sua condição humana, dentre outros,
necessitam manter sua condição humana também respeitada, trabalhando em
condições apropriadas e recebendo uma remuneração justa pelos trabalhos
prestados.
Por fim, a humanização na instituição de saúde mental, como espaço ético,
requer o fomento de relações profissionais saudáveis, de respeito pelo diferente,
além do reconhecimento dos limites profissionais.
52
4 ATENDIMENTO AO DOENTE MENTAL COMO DESAFIO
BIOÉTICO: UMA PESQUISA DE CAMPO
Neste capítulo é apresentada a metodologia traçada para a pesquisa,
ilustrada por alguns dados que caracterizam o processo da trajetória percorrida ao
longo do estudo, bem como são apresentados seus principais resultados.
Trata-se de uma pesquisa qualitativa cujo objetivo é conhecer o pensamento
de auxiliares e técnicos em enfermagem a respeito da autonomia do doente mental
e demonstrar a importância do respeito ao doente mental pelo profissional de
enfermagem para um cuidado adequado. Entretanto, aproveitou-se para explorar
também alguns dados quantitativos tornados possíveis pelo tipo de formulário
aplicado na coleta dos dados.
Serão comentados inicialmente a metodologia empregada, em seguida,
alguns dados quantitativos e, por fim, os elementos mais qualitativos obtidos na
pesquisa.
4.1 Metodologia
A pesquisa foi realizada numa instituição psiquiátrica de pequeno porte. A
finalidade dessa instituição passa por um atendimento humanitário, que pressupõe
internações psiquiátricas de curta duração. A instituição localiza-se na zona oeste da
cidade de São Paulo.
A instituição atende pacientes neuróticos graves, psicóticos e toxicofíilicos,
exclusivamente para adolescentes e adultos do sexo masculino.
Na instituição, o serviço de enfermagem preocupa-se com os cuidados
primários e genéricos de saúde, valorizando a integridade do ser humano e
diferencia sua assistência de acordo com os diagnósticos dos pacientes e conforme
suas necessidades básicas, acompanhando-os desde a admissão até a alta com o
registro de todos os procedimentos técnicos em prontuário.
O quadro de enfermagem conta com treze auxiliares de enfermagem e doze
técnicos em enfermagem. Foram convidados todos os 25 auxiliares de enfermagem
53
e técnicos em enfermagem que atuam na instituição, sem discriminação de sexo,
idade ou etnia. Não foi utilizado nenhum critério de exclusão.
O instrumento utilizado, como se pode ver no anexo 1, foi uma entrevista
semidirigida para a coleta de dados, com um roteiro norteador que constava de
apresentação de dois casos e questões abertas que versavam sobre o respeito à
autonomia e vulnerabilidade do doente mental.
Optou-se por dois casos e questões abertas, pois assim os profissionais
podiam desenvolver melhor suas respostas em cima dos casos. Para a elaboração
dos casos e do questionário tiveram-se presentes duas hipóteses: a primeira é que a
qualidade dos serviços prestados pelos auxiliares de enfermagem e técnicos em
enfermagem pode ser significativamente melhorada à medida que levem mais em
consideração a subjetividade, afetividade e a vulnerabilidade do doente mental; e a
segunda é que os profissionais da saúde mental (auxiliares de enfermagem e
técnicos em enfermagem) prestam assistência aos doentes mentais internados em
psiquiatria, mas encontram dificuldade em respeitar a diferença e são inundados de
preconceitos que excluem e segregam o doente mental.
Assim, num primeiro momento, uma carta-convite foi entregue à instituição
em que se solicitava autorização para a pesquisa (Anexo 2). Após a aprovação da
instituição, os auxiliares e os técnicos em enfermagem foram convidados
verbalmente para participar da pesquisa e foi-lhes solicitada uma hora para a
entrevista.
Posteriormente, foi entregue àqueles profissionais que aceitaram o convite
para participar da pesquisa um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (Anexo
3). Em seguida, foi feita a entrevista da seguinte forma: apresentou-se um caso e
depois foram feitas as perguntas e assim sucessivamente com os dois casos. A
entrevista foi acompanhada de gravação de voz.
É importante registrar que todos os profissionais aceitaram participar da
entrevista de forma livre e esclarecida. A pesquisa foi realizada na primeira quinzena
de julho de 2006. Pode-se notar uma participação interessada, em que as respostas
foram dadas com gosto e espontaneidade.
54
4.2 Apresentação dos resultados
Embora esta seja uma pesquisa qualitativa, sabe-se que “algumas pesquisas
qualitativas não descartam a coleta de dados quantitativos” (CHIZZOTTI, 2005).
Neste sentido, inicialmente são apresentados os resultados globais
quantitativos e, seguidamente, os qualitativos.
4.2.1 Resultados globais quantitativos
A pesquisa foi realizada numa instituição psiquiátrica com todos os
profissionais técnicos e auxiliares de enfermagem, com um total de 25 profissionais.
Dos 25 profissionais doze são técnicos em enfermagem e treze são auxiliares de
enfermagem; observa-se que a diferença entre ambos é considerada irrelevante.
Quando comparados os técnicos por distribuição de sexo, seis são do sexo
feminino e seis do sexo masculino; já os auxiliares: cinco são do sexo feminino e oito
do sexo masculino.
Dos doze técnicos, oito são casados; oito têm filhos; oito dizem não trabalhar
em outro emprego; seis dizem trabalhar com doente mental por prazer em ajudar
essas pessoas; e quatro têm parentes com diagnóstico de doença mental. No grupo
dos treze auxiliares, dez têm filhos, quatro são casados e sete são solteiros. Sete
profissionais dizem que trabalham em mais de um hospital e nove têm parentes com
diagnóstico de doença mental.
Sobre o principal motivo da escolha de trabalhar com doente mental, seis
profissionais dizem que foi por prazer e sete dizem que foi a oportunidade de
trabalho que tiveram. Ainda no grupo dos auxiliares há certa predominância de
parentes com diagnóstico de doença mental; eles têm mais de um emprego, são
solteiros e a grande maioria tem filhos.
55
4.2.2 Resultados globais qualitativos
Para o desenvolvimento da temática, preocupou-se com a construção de uma
abordagem dos “resultados globais qualitativos”, que fosse esclarecedora de modo
que não ficasse enfadonho e incompleto, mas, que esclarecesse o proposto.
Procedeu-se da seguinte forma: após um contato global com o conjunto dos
conteúdos das entrevistas, foram identificadas algumas categorias que facilitassem
a organização da leitura do tipo de conduta dos profissionais técnicos e auxiliares de
enfermagem diante do atendimento dado ao doente mental.
As categorias identificadas foram: o bem do doente, necessidade de analisar
e compreender, a percepção da vulnerabilidade do doente e seus apelos, condutas
relacionadas com a autonomia do doente mental, atitudes de “envolvimento
solidário”, racionalizações, concepções de políticas sociais no cuidado a doentes
mentais, recursos de um bom atendimento, espiritualidade, desconfiança. Assim,
dentro de cada categoria procedeu-se a leitura dos dados.
Considerando que as conjunturas pessoais não parecem interferir diretamente
para diferenciar condutas e atitudes, nos resultados qualitativos serão consideradas
as respostas dos 25 sujeitos pesquisados, sem distinção entre os profissionais.
56
É importante que o profissional adote uma conduta de acolhimento e um
vocabulário que o doente se interesse em compreender os motivos que o levaram a
uma clínica psiquiátrica:
O paciente solicita alta constantemente, e é uma coisa que a gente tem que
saber falar com ele, como ele deve conversar com a médica, o
procedimento que ele deve fazer sobre tentar conseguir a alta. A gente
tenta conversar e se ele não aceita, a gente pede para a médica conversar.
(TEY22–A2).
Ainda pensando no bem do doente mental: “Se o paciente estiver
desorientado, confuso, não sabe nem o que ele está fazendo, cabe a avaliação do
médico” (TEY23-B3). Assim, os profissionais devem se manter próximos ao paciente
para orientar ou intervir quando for necessário.
4.2.2.2 Necessidade de analisar e compreender
Percebe-se que grande parte dos sujeitos entrevistados foi analítica, ou seja,
procedeu analisando o doente mental. O profissional da enfermagem “dada a sua
proximidade mais constante com os pacientes, tem a possibilidade de compartilhar
de seus anseios em relação a determinados tratamentos e possui o poder paralelo
de influência em relação a eles” (BOEMER et al., 1997).
Note-se que a análise tem destinações diferentes. Alguns visam à
compreensão da situação do doente mental, em vista de um atendimento adequado,
a partir de tal situação: “Os psicóticos não sabem o que fazem, eles ouvem vozes.
Quando ele está em crise, não adianta você falar, porque se ele diz que está vendo
alguma coisa, ele está vendo [...]“ (AEX08–A1).
Tal análise nos depoimentos dos profissionais sugere que os doentes mentais
sentem a necessidade de projetar nos profissionais suas “dores”. Como, por
exemplo, a culpa: “Geralmente, eles acham alguém para jogar o que seria a culpa
deles. Então, eles culpam alguém e passam o que é deles para outras pessoas [...]”
(TEY23–A1).
A importância do referencial para compreender o doente mental é enfatizada
de modo a estabelecer como uma espécie de jogo entre dois mundos, que,
entretanto, se relacionam:
57
Eles nunca aceitam a patologia, nunca aceitam que aquilo que eles estão
vivendo é o irreal. A patologia por si só já diz que é um mundo de fantasia,
um mundo de sonho, de coisas que não são reais para quem está do lado
de fora, mas para ele é real. Então ele não vai aceitar que está doente, não
vai aceitar que aquilo que eu falei para ele que não existi, não exista
mesmo. Ele vê, ele toca, ele sente. Ele vai tentar te convencer e não você
convencê-lo, na verdade, ele vai tentar te convencer de que aquilo
acontece, mesmo você sabendo que não acontece [...]. (TEY25–B2).
Existe, por outro lado, uma conduta analítica sobre a situação do doente
mental que vem associada a uma crítica a quem não entende ou não leva em conta
tal situação:
É um paciente esquizofrênico, aparentemente, porque ouve vozes, tem
delírios e a gente percebe que ele tem dificuldade de se socializar com os
outros pacientes, não é entendido pela equipe de enfermagem e está se
sentindo um pouco rejeitado do mundo [...]. (TEX02–A1).
4.2.2.3 A percepção da vulnerabilidade do doente mental e seus apelos
O ponto central da atuação profissional é saber articular a técnica com a
afetividade do encontro interpessoal em que as pessoas em situações de máxima
vulnerabilidade necessitam. Saber equilibrar a razão e a emoção, velando pelo seu
desenvolvimento, autonomia e vida digna:
O paciente está ali para ouvir coisas boas e ter o tratamento. Por mais que
os meus pacientes estejam agitados, eu converso, dou atenção, tanto que é
difícil um paciente agitar comigo. Tem que ter paciência e saber o que fala
porque qualquer palavrinha, para um paciente psiquiátrico, derruba mais
ainda [...]. (AEY19–A3).
Contudo, o profissional necessita ser cauteloso com o que diz para não
dificultar o tratamento do paciente: “Você pode considerar o paciente louco, mas ele
sabe muito bem o que você está dizendo e isso pode agravar o tratamento dele [...]”
(TEX18-A3).
Considerando a vulnerabilidade do doente mental, o profissional deve zelar
para tratar os doentes “respeitando suas necessidades intrínsecas; e considerando
sua autonomia nas escolhas” (BETTINELLI et al., 2003).
58
4.2.2.4 Condutas relacionadas com a autonomia do doente mental
Por meio das respostas dos entrevistados pode-se inferir que alguns
profissionais não reconhecem a autonomia do doente mental. Assim “a autonomia
do doente corre risco é quando decisões são assumidas por familiares sem
consultar o paciente e, mais ainda, quando isso é feito com a conivência dos
profissionais da saúde” (MARTIN, 2003). Assim, há profissionais que acreditam que
“[...] tem que conter o paciente, e não dizer nada [...]” (AEY05–A3). Outro comentário
em que se percebem claramente a desconfiança do profissional e sua incerteza
diante do tratamento do doente mental:
O doente mental, a gente nunca sabe o que ele pode fazer depois que sair.
É por isso que ele deve ser acompanhado. Jamais ele pode sair
desacompanhado. Aqui, ele pode falar que está bem, mas sai e, lá fora, ele
pode se matar ou alguma coisa assim [...]. (TEY07–B3).
Neste sentido, o cuidado do profissional aparece como um domínio sobre o
doente mental: “Ele precisa de auxílio da enfermagem, porque nós somos as vozes
deles aqui dentro do hospital [...]” (TEY17–A2).
Os profissionais da saúde técnicos e auxiliares de enfermagem têm papel
importante na vida do doente mental, que é acolher o paciente, prestando-lhe
cuidados e atendendo às suas necessidades, mas alguns arriscam em opinar sobre
quem tem ou não condições de internar-se sozinho:
Eles têm um lado que eles acham que é importante para eles. Tem uns que
sabem da doença [...] o G., a gente sabe que é crônico, mas ele tem algo de
especial. Ele quer ir embora, ele fala que tem muitas coisas para fazer lá
fora. Eu acho que ele não teria condições de vir e se internar, mas eu acho
que ele tem condições de conversar com alguém e falar: “Eu não estou
bem” [...]. (AEX24–B2).
Assim, no cotidiano, os profissionais vão percebendo a resistência dos
pacientes em aceitar a internação em clínica psiquiátrica. Neste sentido, a
resistência do paciente não deveria distanciar o profissional do paciente, pois há
profissionais que acreditam que: “É muito difícil um esquizofrênico procurar uma
clínica porque é muito difícil ele aceitar uma internação [...]. Geralmente eles não
aceitam [...]” (TEY22–B2).
59
Entretanto, um outro grupo reconhece a autonomia do doente mental, e de
acordo com Martin (2003), mesmo colocando bastante ênfase sobre o respeito à
autonomia, reconhece-se que a liberdade não é um valor absoluto, mas é um valor
que dignifica a pessoa e a promoção da autonomia do doente, neste caso o doente
mental. Veja o exemplo que segue:
Infelizmente, pela quantidade de pacientes que nós temos na unidade, não
dá para dar o atendimento que eles merecem. A verdade é essa. Por
exemplo, o paciente recusa a medicação naquele momento; “Eu não quero
porque essa medicação não está me fazendo bem”; “Eu não quero essa
comida porque eu não me sinto bem com ela, eu não estou bem, meu
estômago não está legal”. O que eu vou fazer? “Tudo bem, você não quer
agora, eu vou chamar o médico e ele vai conversar com você” [...] (TEX20–
A2).
Assim, quando se fala de direitos humanos universais, estes são para todos,
e devem ser reconhecidos esses direitos ao doente mental, assim, como relata um
profissional:
[...] cada um tem o seu espaço. Desde que não invada o espaço do outro
ou do profissional, desde o momento em que não seja imposta alguma
coisa. Ninguém gosta de trabalhar sob pressão, ninguém gosta de agir sob
pressão. Todo mundo tem direito à liberdade, o paciente tem direito à
liberdade, o colega de quarto tem direito à liberdade, o profissional tem
direito de agir com liberdade. O paciente tem liberdade de escolha do seu
tratamento, se ele não quiser o tratamento, não quiser tomar o remédio,
participar da terapia é um direito dele, tem que ser respeitado. Essa é a
minha opinião. (TEY25–A2).
Ao mesmo tempo, a inclusão torna-se essencial, o fato de o individuo ser
esquizofrênico não quer dizer que ele não seja humano, não tenha direitos, e seja
um cidadão: “Ele pode ser esquizofrênico daqueles mais controlados, daqueles mais
compulsivos, daqueles que sabem se organizar melhor. Nesse caso, se ele estiver
em casa e se sentir mal, ele pode procurar ajuda sim [...]” (TEY17–B2). Da mesma
forma, relata outro profissional: “Muitos pacientes esquizofrênicos têm muita insônia,
outros têm muitos pesadelos à noite, isso já começa a incomodar. Eu creio que eles
podem sim procurar ajuda, internar [...]” (TEX04–B2).
60
4.2.2.5 Atitudes de “envolvimento solidário”
Observou-se, portanto, e vale destacá-lo que alguns dos sujeitos da pesquisa
se identificaram com o doente mental. Neste sentido, destaca-se como exemplo:
“Quando a gente trabalha com pacientes que tenham algum problema mental, a
gente precisa se colocar no lugar deles [...]” (TEX04–A1). Da mesma forma, aparece
no relato de outro profissional, ambos usam a mesma expressão, “se colocar no
lugar”: “A gente tem que procurar, como profissional, se colocar no lugar do
paciente, independente de qual seja a patologia dele [...]” (AEY09–A2).
Entretanto, deve-se concordar com Bettinelli (2003), que afirma: “é necessário
que os profissionais da saúde possam ir além das aparências, valorizando aspectos
qualitativos dos fenômenos presentes na vida humana”.
Um dado interessante que aparece na pesquisa é a valorização do cuidado
respeitoso pelo profissional da saúde que trabalha diretamente no dia-a-dia com o
doente mental.
Segundo Leone (1998), “Muitos estudiosos que se dedicam à bioética
entendem o respeito ao ser humano como o princípio máximo, do qual devem
emanar os princípios éticos de tudo e de todos que este ser lidam”. O mesmo autor
ainda afirma que “fica implícito, assim, o respeito à autonomia do indivíduo é um dos
pontos básicos em que necessariamente se deve fundamentar toda relação entre os
seres humanos”.
Neste sentido pode-se observar o relato deste profissional:
Muitas vezes o paciente está aqui, a auto-estima dele está baixa e qualquer
comentário pode ser muito depreciativo para ele [...] Eu acho que a gente
tem que tomar cuidado com os comentários, porque o paciente está numa
situação emocional muito abalada [...].” (TEX02–A3).
Além disso, é importante lembrar que a enfermagem psiquiátrica, mesmo não
exigindo técnicas especificas, não se resume a um simples cuidado, é importante
compreender os diferentes comportamentos patológicos do individuo (ROCHA,
1994).
Quando se fala de atitudes de “envolvimento solidário”, pode-se dizer que é
uma expressão que faz parte da cultura da vida, que é preciso defender e promover.
Respeitar e atender o paciente na sua totalidade é um bom começo: “A gente deve
61
atendê-lo porque isso ajuda no tratamento. Imagina se ele está com um problema,
vem até o posto de Enfermagem e recebe um não, isso faz com que ele fique mais
irritado [...]” (TEX21–A2). Neste sentido, os profissionais da saúde devem ser
educados para respeitar o outro como ser humano, apenas porque o é, assim, um
profissional acredita e afirma que o paciente tem que ser bem tratado pelos
cuidadores: “Na escola você não aprende a tratar o paciente assim [...] a gente não
gosta de ser ofendido, nem o paciente. Tem que tratá-lo bem [...]” (AEY16–A3).
Entretanto, alguns profissionais acham que o doente mental deve ficar sob
constante vigília, é como se o doente mental apresentasse perigo constante para ele
e para aqueles que fazem parte do seu ambiente. Assim, um profissional afirma que:
“Às vezes, a gente não dá muita importância no que ele fala, por exemplo, quando
ele fala ‘eu vou me matar’, é um paciente que você tem que prestar muita atenção
no que ele diz. Às vezes, realmente ele faz [...]” (AEY09–A1). Em alguns casos o
excesso de vigília pode aparecer por medo de ser agredido pelo paciente, como
relata um dos profissionais: “É [...] um paciente que a gente tem que ficar de ‘olho
aberto’ com ele e pode ter reações por causa das vozes que ele ouve. Ele pode
tentar agredir a qualquer hora [...]” (TEY22–A1).
Como já foi observado anteriormente, o respeito pela dignidade é um conceito
ético, pertencendo mais apropriadamente à ética dos valores. Assim, observou-se
que grande parte dos sujeitos entrevistados respeita a dignidade do doente mental,
reconhece o doente mental como ser humano, com direito a ser livre como qualquer
outro ser humano e não ficar trancado numa instituição psiquiátrica para o resto da
vida como se fosse um animal selvagem perigosíssimo. Neste sentido, nota-se o
respeito pela dignidade: “O ser humano não tem que viver o resto da vida trancado
em um hospício [...] tem família que pega o paciente, interna e esquece o paciente
lá. Isso é errado [...]” (TEX04–A3).
Entretanto, o doente mental internado, quando aceita o tratamento, numa
busca constante de sentido para o mundo em que se insere, interpreta
constantemente o que observa em seu redor atribuindo invariavelmente significados,
o que é muito bom para ele nesse sentido: “Uma vez que o paciente, na psiquiatria,
aceita o tratamento, a continuar tomando a medicação quando sai do hospital, é
muito bom para ele [...]” (AEY05–B1). Ainda neste sentido: “Ele ajuda, colabora, faz
62
serviço voluntário e ele vê uma possibilidade de alta. Então, o foco é o tratamento,
não pode parar o tratamento [...]” (AEY12–B1).
Ao mesmo tempo, grande parte dos doentes mentais assume uma atitude de
passividade diante dos profissionais e aos cuidados que lhes são prestados; neste
sentido os profissionais acreditam que: “Apesar dele ser um paciente psiquiátrico,
ele é um ser humano [...]” (TEY11–A3). Contudo, acredita o profissional: “Nós não
estamos aqui para julgar ninguém, apenas para poder ajudar e acolher. O paciente
tem que ser tratado com mais respeito [...]” (TEY17–A3).
Neste sentido, acredita-se que o doente mental necessita de cuidado e
proteção, principalmente quando se encontra no estado mais grave da doença.
Muitos pacientes encontram dificuldade para lidar com a doença mental; alguns dos
profissionais reconhecem a dificuldade do paciente, e procuram ajudá-lo de forma
atenciosa e humanizada. Contudo, alguns profissionais acreditam que:
No hospital, eles tomam os remédios regularmente, mas, quando sai de
alta, o paciente acaba deixando o tratamento ambulatorial e acaba
regredindo. Quando o paciente se interessa em cuidar dos outros pacientes,
ocupando a cabeça dele, a tendência de melhora dele é muito maior [...]
(AEY09–B1).
É ainda importante lembrar a importância do trabalho humanizado no
atendimento ao doente mental, que, segundo Pessini et al. (2003), “a humanização
no atendimento exige essencialmente dos profissionais da saúde o compartilhar com
seu paciente experiências e vivências que resultem na ampliação do foco de suas
ações”. O autor ainda esclarece que “humanizar a saúde é dar qualidade à relação
profissional da saúde–paciente”. Assim,
O paciente chega a parar de tomar a medicação por faltar recurso
financeiro, mesmo. Não são todas as medicações psicotrópicas que o
Estado fornece [...] Aqui dentro, a gente tem os horários, “está na hora do
remédio, está na hora disso e daquilo”, e, às vezes, chega lá fora e parece
que sente falta dessa cobrança, desse acompanhamento. A gente tem
paciente aqui nesse caso. Aqui dentro, flui ótimo, mas quando sai, passou
uma semana, parou de tomar o remédio, volta tudo e ele volta para a clínica
[...]. (TEX18–B1).
63
vezes, a gente acha que a pessoa está bem, mas em minutos ela se transforma,
agride. Não que ele queira, mas é da própria doença [...]” (AEX10–A1).
A doença mental pode gerar no paciente sentimentos como incapacidade,
dependência, insegurança e sensação de perda do controle sobre si mesmo. Com
as perturbações de sua enfermidade, tem alucinações visuais, auditivas e às vezes
chega a agredir colegas e profissionais:
A partir do momento que ele escuta vozes, que ele agride uma pessoa, não
é porque ele queira. É porque ele está ouvindo vozes, ele está sendo
perturbado e, muitas vezes, ele pede desculpas depois que pratica o ato [...]
ele não faz porque ele quer. Ele tem uma doença [...]. (TEX21–A1).
Entretanto, a internação psiquiátrica é angustiante, podendo evidenciar a
fragilidade do doente mental. Assim, pode-se observar no discurso do profissional
que o doente “não é feliz”, não aceita sua patologia: “Nenhum doente mental é feliz
por ser doente mental, porque, eu acho que uma das doenças mais complicadas
que existe é a doença mental [...]” (AEY15–A3).
Assim, é importante reconhecer, que o exercício da autonomia não é um
valor absoluto isoladamente, mas, um valor partilhado que dignifica tanto a pessoa
que cuida quanto a que está sendo cuidada pelo profissional. Um dos profissionais
entrevistados reconhece suas limitações e de seus colegas, dizendo:
Eu gostei das perguntas; foram bastante introspectivas porque você reflete
muito sobre isso no dia-a-dia. É legal você está pondo para fora esse tipo
de coisa que você pensa. Eu acho “desabafante” porque é o dia-a-dia da
gente e muitas vezes ninguém faz essas perguntas, mas a gente pensa
com a gente mesmo porque aquele determinado paciente bateu naquele
funcionário, porque deram alta para aquele paciente sem acompanhante.
São coisas que a gente pensa com a gente mas não conversa porque, até
que entre aquele funcionário que trabalha com a gente sim, mas não existe
uma conversa lá fora. Parece que não sai daquele mundinho da
enfermagem essa conversa. Então é legal por isso para fora [...]. (TEY25–
B3).
4.2.2.6 Espiritualidade
Um dos profissionais entrevistados valoriza a espiritualidade no atendimento
ao doente mental. Segundo João Paulo II (1986), a doença e o sofrimento assumem
uma extraordinária fecundidade espiritual. Em seu discurso, o profissional afirma:
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Eu vejo a Psiquiatria muito relacionada, além da questão da doença mental,
à questão da parte espiritual. Acho que é uma coisa que anda muito lado a
lado. Eles são inteligentes, eles sabem o que a gente fala. Fica difícil julgar.
Julgar nunca, ouvir sim. Ouvir e anotar e procurar ajudar da melhor maneira
possível, mas não julgar, falar qualquer bobagem para o paciente [...] a
Enfermagem leva muito para o lado “isso não é doença, ele está simulando,
está fingindo”, mas não é. Acho que ninguém entra aqui porque quer,
ninguém está aqui porque gosta [...].” (TEX20–A1).
Neste sentido, o que não se deve esquecer é da dignidade do doente mental,
pois, quando se fala de ética em psiquiatria, fala-se de respeito pelo outro.
4.2.2.7 As racionalizações
As racionalizações aparecem quando os profissionais justificam suas atitudes,
como se isso fosse trazer o reconhecimento dos outros. A justificativa às vezes pode
ser um mecanismo que encobre sentimentos agressivos contra aquele sujeito que
só traz trabalho e angústia. É o que pode ser observado nos discursos dos
profissionais entrevistados, como:
Quando é um paciente que ele toda hora, toda hora, toda hora pede alguma
coisa, nós como profissionais, temos que ver até que ponto ele quer aquilo
mesmo ou ele está sentindo falta de alguma coisa. Às vezes não tem o
preenchimento de alguma coisa, porque seria bom que ele tivesse um
monte de atividade [...] Eu penso que por eles não terem uma atividade,
eles ficam solicitando aquele cigarro. Aquele cigarro os preenche. Existe
paciente que a gente tem que cortar, tem que conversar [...] eu sinto aquele
vazio, aquela coisa, eles ficam no corredor para lá e para cá. Alguns
pacientes ficam lá na enfermagem, eu quero aquilo, eu quero, eu quero
roupa. (AEX24–A2).
Neste sentido, os profissionais da saúde mental deparam-se com situações
aparentemente simples do seu cotidiano, mas às vezes se torna difícil fazer as
vontades dos pacientes por motivos diversos, justificados por aqueles:
Muitas vezes eles querem usar o orelhão fora de hora, à noite, para ligar
para a família e é difícil a gente deixar e, muitas vezes, isso cria revolta
neles [...] a gente não tem só um paciente, são vários e é difícil atender a
todos. A gente atende dentro do possível [...]. (TEX02–A2).
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Neste sentido, alguns profissionais defendem que o paciente só deve sair
acompanhado da instituição psiquiátrica; isso, pensando no “bem dele”, mas
também, pensando no seu próprio bem:
A gente só libera o paciente, aqui, acompanhado, por uma questão de
segurança para ele e para nós também. Mas, existe paciente que faz o
tratamento sozinho, no ambulatório, vai sozinho, organiza suas medicações,
ele tem todos os horários. Não são todos que tem a necessidade de ter um
acompanhamento 24 horas. Depende muito de doença e da gravidade [...].
(TEX18–B3).
Neste sentido, o sofrimento acompanha a doença mental; a paciência e a
compreensão deveriam acompanhar a formação dos profissionais, assim se falaria
sempre de instituições e cuidados humanizados: “Um paciente que vem de instante
em instante, na porta, pedir Dipirona, ou pedir Buscopan, se a gente, a todo instante,
for dar Dipirona para ele, a pressão dele vai aos pés e a gente sabe que ele vai
passar mal [...].” (AEY 14–A2).
4.2.2.8 Concepções de política social no cuidado a doentes mentais
No Brasil, a reforma psiquiátrica vem se desenvolvendo há algumas décadas,
mas, precisamente a partir dos anos 70. O movimento aponta as inconveniências do
modelo que fundamentou os paradigmas da psiquiatria clássica e tornou o hospital
psiquiátrico a única opção de tratamento, facilitando a cronicidade e a exclusão dos
doentes mentais, os quais são vulgarmente conhecidos como “loucos”. Neste
sentido, quando se fala de política social no cuidado a doentes mentais, lembra-se
de formas de atendimento em que o doente é respeitado como ser humano.
No entanto, observa-se que muitos profissionais da saúde mental valorizam o
confinamento. Acham que no hospital eles estão bem, comem, dormem e tomam a
medicação:
Alguns pacientes, por exemplo, passam por várias internações e quando
saem que recebem alta, saem chorando. Então, você está acostumado com
o tratamento, porque lá fora é diferente. O tratamento que ele tem aqui, ele
não vai receber lá fora, até mesmo em outras clínicas [...]. (TEY07–B2).
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Ainda, neste sentido, pode-se observar o discurso de outro profissional, que
afirma: “Esse paciente não pode ficar na sociedade, ele tem que ficar em tratamento
[...] tem que ficar sob constante vigília dos profissionais de saúde [...].” (TEY11–A1).
4.2.2.9 Recursos de um bom atendimento
Alguns dos entrevistados valorizam o diálogo; estes acreditam que uma boa
conversa pode ajudar na relação profissional–paciente:
A gente acaba de dar banho no paciente, trocou e em cinco minutos ele
quer tomar banho de novo, ele quer se trocar. Então, você tem que ter uma
conversa, um diálogo com ele, tem que tentar fazer com que ele entenda
que já tomou banho, já se trocou [...]. (AEY19–A2).
Entretanto, a doença não ocorre de um dia para o outro; o adoecer é um
processo que se desenvolve no tempo, mas o paciente pode chegar a ficar
desorientado, sem saber ao certo onde está e o que faz numa instituição
psiquiátrica:
Há casos de pacientes que entra e você percebe que eles estão
desesperados, assustados e perguntam “Onde eu estou, o que vão fazer
comigo?” [...] Muitas vezes, o que mais deixa a gente triste é a questão de
você não ter muito tempo para dialogar com o paciente. Às vezes você está
conversando com o paciente e um chama, o outro chama e são vários
também. (TEX20–A3).
Mas com o diálogo e a paciência do profissional os pacientes se sentem mais
tranqüilos, ele só quer ser ouvido e às vezes ouvir uma palavra que o motive a
continuar “lutando”: ”Você ouvir, conversar com ele, ameniza muita coisa e, com
diálogo, a gente acaba ajudando o paciente” (TEX21–A3).
A esquizofrenia produz alterações tanto no pensamento, como na linguagem,
no comportamento e nos afetos, modificando a vida social e pessoal do indivíduo.
Neste sentido, alguns pacientes podem perder a calma e até chegar a ponto de
agredir os profissionais cuidadores: “Ele deveria ter falado para o paciente se
acalmar, que quando ele estivesse mais calmo iria conversar com ele” (TEX01–A3).
67
Entretanto, quando se fala do vínculo que o profissional estabelece com o
doente mental, observa-se que, a partir desse relacionamento, se cria uma margem,
que se chama limite ou respeito pelo outro e por si próprio. No entanto, “o vínculo
entre o profissional e o usuário deve possibilitar o respeito ao querer deste, que
pode não ser o querer da equipe, lhe proporcionado um espaço para que possa
exercer sua autonomia nessa relação com os que estão assistindo”. (BOEMER;
SAMPAIO, 1997, apud ZOBOLI; MASSAROLLO, 2002).
A doença mental é mais uma circunstância da pessoa, vale lembrar que sua
dignidade permanece íntegra, do mesmo modo que as suas capacidades de decisão
e ação, sempre que estas não estejam claramente influenciadas por sintomas
psicóticos. Assim, pode-se destacar: “O paciente chega em crise e, conforme vai
normalizando, conforme vai tomando a medicação, chega a um ponto, que ele
estabiliza [...]. Num hospital, o paciente age de uma forma. Em casa, às vezes, ele
age totalmente diferente [...]” (TEX04–B1).
Ainda neste sentido, à medida que o doente mental vai conseguindo formar
um vínculo mais saudável, no qual as diferenças podem se expressar por meio do
diálogo, diminui o risco de o paciente isolar-se, excluir-se:
É um esquizofrênico e não deve ser excluído da sociedade, deve seguir o
tratamento e ter ajuda. Quando ele estiver muito isolado, procurar puxar
conversa com ele, tentar se aproximar dele. Com alguém ele vai ter um
vinculo, se tiver dez pessoas, uma delas vai ter um bom vínculo com ele
[...]. (AEX13–A1).
Entretanto, a ética pode contribuir significativamente para melhorar o
ambiente psiquiátrico, para práticas que respeitem a condição de sujeito dos seres
humanos; neste sentido, um profissional afirma:
Na nossa área, nós temos que saber o que falar, ter ética, ter uma postura
porque, nem todos que estão internados em uma Psiquiatria, têm o mesmo
distúrbio. Uma pessoa normal pode ter um surto, ela pode ter um surto de
repente. Às vezes tem pessoas que são muito caladas, vêm de muito
sofrimento, vêm passando por muito sofrimento e elas são caladas, mas
tem um tempo da vida que não suportam e têm esses tipos de coisas.
(AEX24–A1).
Ainda, neste sentido, a ética torna-se necessária no atendimento em clínica
psiquiátrica, pois entre paciente e profissional acontecem “coisas”, e neste momento
o profissional necessita ter como base os princípios éticos e de aspectos intrínsecos
68
ao significado da vida do paciente: “São lamentáveis as coisas que acontecem, não
só na Psiquiatria. Isso acontece no cotidiano [...]. É antiético, é desumano, é
inaceitável” (TEY25–A1).
Entretanto, apareceu no discurso de grande parte dos profissionais que o
doente mental tem limites. Alguns acreditam que o “limite” é importante para
reeducar o doente mental, mas em psiquiatria o limite é imposto na maioria das
vezes em forma de punição, neste sentido, o profissional afirma: “Tudo tem que ter
limite e na psiquiatria não deixa de ser assim [...]. Nós temos um paciente agora que,
quando ele não consegue o que quer, ele quebra os vidros, manipula e vive agitado
também” (AEY05–A2). Assim, um dos limites estabelecido pelo profissional é a
punição: “Ele tem que ter um limite [...]. O paciente vai ter que ficar sem telefonar à
noite” (AEX06–A2).
No entanto, acredita-se que o limite só deve ser estabelecido em situações de
necessidade e por pessoas especialmente preparadas, e sempre com o objetivo de
limitar manifestações de comportamento:
Nem sempre tudo o que ele solicita tem que ser atendido. Principalmente o
doente mental tem que ter limites. Geralmente, o doente mental fica em
vários hospitais e cada hospital tem um ritmo, uma rotina [...]. O limite é
importante para reeducar o doente mental naquele momento que ele está
em crise. Eu acho que existe a educação e existe a doença. Muitos são
educados e muitos não. Muitos se aproveitam da doença para fazer o que
querem e não se ajudam, não colocam limites nos problemas, acham que
tudo se resolve na agressão, se são contrariados, xingam, agridem.
(AEY15–A2).
Entretanto, o profissional da enfermagem deve estar preparado para agir
diante das situações como conhecer as normas da instituição e os limites da sua
profissão:
Se o paciente pede alguma coisa que não está dentro do serviço, a gente
não pode abrir mão de uma coisa que vai deixá-lo cada vez pior. Um vai ser
o bonzinho, outro sempre vai ser o ruim, então deve todo mundo falar a
mesma língua para o mesmo paciente. (TEY23–A2).
Mas é importante pontuar que profissional e paciente devem respeitar as
normas estabelecidas pela instituição: “Tem que respeitar as normas e rotinas da
instituição [...]” (TEX18–A2).
69
4.2.2.10 A desconfiança
Nota-se com a leitura dos questionários que grande parte dos profissionais
não confia no doente mental. Neste ponto, é como se o doente não fosse humano,
tudo o que ele diz não é levado em consideração, afinal, ele é um louco. No discurso
do profissional podem-se destacar palavras como: “a gente tem que avaliar
realmente”, “está manipulando”; suspeita-se, ainda, que o paciente reclama do
atendimento:
Você tem que atender a todas as solicitações do paciente, mas existem
algumas que nós não podemos fazer [...] o paciente fala “eu quero tomar
uma medicação agora, eu estou nervoso”. A gente tem que avaliar se
realmente ele está nervoso ou se ele está manipulando. Se ele estiver
manipulando, a gente tenta conversar, explicar que daqui a pouco ele vai
ser avaliado e vai acompanhando o paciente. Se realmente ele estiver
nervoso, a gente chama o médico e ele avalia. A manipulação é assim, por
exemplo, quando chega a família para visita. O paciente está bem com a
enfermagem, passou o dia tranqüilo. Quando ele vê a família, começa a
ficar choroso, fala que a gente maltrata, que a gente não deu a roupa, não
deu sapato e por aí começa. (TEX01–A2).
Entretanto, quando um paciente deixa a instituição psiquiátrica geralmente
encontra dificuldade em enfrentar a vida lá fora, às vezes ele se sente forte, promete
mudar de vida, mas se não segue as recomendações dos profissionais, o caminho é
retornar e começar de novo: “O paciente se recupera, se sente forte, que já está
pronto para mudar, e depois ele volta para o hospital [...]. Voltam as crises e ele
volta a se tratar porque ele também não acompanha a medicação” (AEX06–B1).
Assim, gera insegurança nos profissionais cuidadores, chegam a não acreditar na
melhora do paciente: “A gente não sabe a conduta dele após sair do Hospital. E se
ele estiver simulando? Às vezes, o paciente está bem uma semana, duas semanas,
mas na terceira semana, entra em surto” (AEY14–B3).
Neste sentido, os profissionais defendem que o doente mental não pode sair
desacompanhado quando recebe alta da instituição psiquiátrica, alguns profissionais
acreditam que é pelo bem do paciente: “O paciente está indo embora, é acidentado
e quem assume a responsabilidade? Se a família quiser ‘cair em cima’ do médico
que deu alta, que o autorizou a ir embora sozinho, pode até dar um processo”
(TEX04–B3). No mesmo sentido, o discurso de outro profissional revela certa
preocupação com o paciente e também com o hospital: “Um doente sempre tem que
70
estar acompanhado, até no ônibus. Ele pode ter uma crise e, de repente, ele pode
praticar uma coisa que venha a trazer sérios problemas até mesmo para o hospital”
(AEX06–B3). Ainda neste sentido, outro profissional justifica-se pensando na
medicação
do
paciente:
“Um
doente
mental
não
deveria
sair
de
alta
desacompanhado porque é um paciente que aqui está estabilizado devido às
medicações que ele toma constantemente” (AEY09–B3).
Uma observação importante, relativa às entrevistas é que alguns profissionais
relatam situações que denigrem a imagem do doente mental, como se todo louco
(esquizofrênico) apresentasse perigo para a sociedade, justificando o confinamento
num hospital psiquiátrico.
Vale também assinalar o preconceito de alguns profissionais no atendimento
ao doente mental. Assim, “um caminho possível e adequado para a humanização se
constitui, acima de tudo, na presença solidária do profissional, refletida na
compreensão e no olhar sensível” (BETTINELLI et al., 2003).
Neste sentido, em relação ao preconceito no atendimento pode-se observar
na fala do profissional: “A maioria das coisas que o doente mental pensa é negativa.
Eles querem se matar, se jogar [...]” (TEY07–A2).
O doente mental é merecedor da mesma consideração e respeito que
qualquer outra pessoa, por que nenhuma doença, por pior que seja tira a dignidade
da pessoa. Assim, “o cuidado humanizado implica, por parte do cuidador, a
compreensão do significado da vida, na capacidade de perceber e compreender a si
mesmo e ao outro, situando no mundo o sujeito de sua própria história” (PESSINI et
al., 2003).
71
Tendo como base as idéias de Goldberg (2001), o grande desafio da
enfermagem é conseguir uma mudança de atitudes, para que “escutar o paciente, se
torne mais importante do que ministrar remédios”. Assim, quando o profissional da
enfermagem demonstra ao paciente que se interessa por ele, pode evitar uma fuga,
uma agressão, suicídio, e assim por diante: “Muitos pedem alta e falam para a
médica ‘eu estou bom, eu quero sair, se você não deixar, eu pulo daqui, fujo’. Se ele
estiver desse jeito, falando que vai pular, que quer fugir, ele não tem condições de
sair” (TEY11–B3).
Entretanto, o doente mental deve ser estimulado a participar das atividades
promovidas pela instituição, e ajudar os outros é dever de todo ser humano: “É
esquizofrênico, mas gosta de ajudar os outros. Aqui tem paciente assim, que gosta
de ajudar” (TEY11–B1).
4.2.2.11 A descrença na recuperação
Um dado relevante que aparece na pesquisa é que vários profissionais
apresentam descrença na recuperação plena do doente mental. Mas parece sensato
associar os limites da recuperação com necessidade persistente de tomar-se
medicação por toda a vida, como consta na fala deste profissional: “A pessoa que
tem esquizofrenia tem que tomar a medicação o resto da vida, não pode parar. Tem
que continuar com a medicação, vai diminuindo com o tempo, mas não pode parar
de tomar remédio [...]” (TEX02–B1).
Por outro lado, pode-se afirmar que a doença mental é mais uma
circunstância do indivíduo como já mencionado, sua dignidade permanece íntegra,
assim, fica difícil concordar com que o profissional afirma do esquizofrênico:
É um paciente que vai ficar em Psiquiatria o resto da vida porque ela vai
regredindo cada vez mais e mais. Cada médico tem um tipo de medicação,
tem um acerto de medicação para paciente. Tem paciente que você dá uma
medicação e não melhora e você tem que passar para outro. Então, eu
acho que ela não tem mais jeito, não [...]. (AEX24–B1).
72
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS: DA BIOÉTICA AO BOM
ATENDIMENTO A DOENTES MENTAIS
Reconhecer a importância do respeito à autonomia do doente mental é
inevitável. Neste estudo, buscou-se conhecer o pensamento de auxiliares e técnicos
em enfermagem a respeito da autonomia do doente mental e contribuir para
ressaltar a importância do respeito ao doente mental por parte do profissional de
enfermagem em um cuidar adequado.
O objetivo acima exposto foi atingido, na medida em que os profissionais
envolvidos no estudo expressaram suas opiniões a respeito do tema proposto.
Por outro lado, a verificação das hipóteses propostas a estudar trouxe alguns
dados. De fato, tinham-se como hipóteses de trabalho as seguintes afirmações: A
qualidade dos serviços prestados pelos auxiliares de enfermagem e técnicos em
enfermagem pode ser significativamente melhorada à medida que levem mais em
consideração a subjetividade, a afetividade e a vulnerabilidade do doente mental. E
uma outra hipótese era que: Os profissionais da saúde mental (auxiliares de
enfermagem e técnicos em enfermagem) prestam assistência aos doentes mentais
internados em psiquiatria, mas encontram dificuldade em respeitar a diferença e são
inundados de preconceitos que excluem e segregam a doente mental.
Foi possível notar que as percepções dos profissionais, no que se refere às
referidas categorias de bioética, o bem do doente, necessidade de analisar e
compreender, a percepção da vulnerabilidade do doente e seus apelos, condutas
relacionadas com a autonomia do doente mental, atitudes de “envolvimento
solidário”, racionalizações, concepções de políticas sociais no cuidado a doentes
mentais, recursos de um bom atendimento, espiritualidade, desconfiança, para o
atendimento a doentes mentais, são percepções mais ricas do que inicialmente se
imaginava.
Mesmo
que
se
devesse
descontar
certa
dose
freqüente
de
representação dos profissionais em suas respostas, parece que os referenciais da
bioética, a autonomia, vulnerabilidade e dignidade da vida humana se mostram
presentes em suas asserções.
De fato, no conjunto dos conteúdos das entrevistas, algumas categorias
colhidas dos referenciais da bioética e identificadas nas respostas obtidas nas
entrevistas contribuíram para a organização da leitura dos dados da conduta dos
73
profissionais técnicos e auxiliares de enfermagem diante do atendimento dado ao
doente mental, como por exemplo, que treze dos 25 profissionais têm parentes com
diagnóstico de doença mental.
Grande parte dos sujeitos envolvidos no estudo demonstra respeito à
autonomia do doente mental. Por outro lado, um pequeno grupo não reconhece a
autonomia do paciente e acredita que o doente mental deve ficar sob constante
vigília, pois não confia no doente.
No que refere à autonomia do doente mental, tomada como um referencial
nesta pesquisa, os profissionais parecem reconhecer que o exercício da autonomia
não é um valor absoluto isoladamente, mas, um valor partilhado que dignifica tanto a
pessoa que cuida quanto a que está sendo cuidada pelo profissional. De fato, o
doente mental é merecedor de idêntica consideração e respeito que qualquer outra
pessoa, porque nenhuma doença, por pior que seja, tira a dignidade da pessoa.
Entretanto, os profissionais levam em consideração a necessidade do
paciente de ser respeitado em sua autonomia, pois, no discurso de alguns
profissionais, percebe-se a preocupação em atender o paciente de forma que ele
não se sinta marginalizado e segregado por ser um doente mental.
Assim, o ponto central da atuação profissional é saber articular a técnica com
a afetividade do encontro interpessoal de que as pessoas em situações de máxima
vulnerabilidade necessitam. Saber equilibrar a razão e a emoção, velando pelo seu
desenvolvimento, autonomia e vida digna.
Um dado que cabe pontuar é que alguns profissionais se mostraram
incondicionalmente a favor do confinamento. Alguns relataram situações que
denigrem a imagem do doente mental, como se todo louco (esquizofrênico)
apresentasse perigo para a sociedade, justificando o confinamento em clínica
psiquiátrica; assim, o preconceito de alguns profissionais no atendimento ao doente
mental pode ser observado.
Pode-se concluir pela importância dos referenciais da bioética, como a
autonomia, a vulnerabilidade e a dignidade da vida humana para o atendimento de
doentes mentais em clínica psiquiátrica. Ficam evidenciadas por meio destes
referenciais algumas condutas indispensáveis para que o doente mental possa ser
respeitado e correspondentemente cuidado em clínica psiquiátrica.
74
Ao se colherem os principais frutos deste estudo, primeiramente ficam
ressaltadas as interrogações que a bioética levanta sobre o atendimento ao doente
mental de modo geral; e a seguir se colocam algumas principais linhas de
compreensão do doente mental, que facilitem a sua inclusão nas relações humanas,
não obstante suas vulnerabilidades. A partir dos frutos conseguidos no estudo
destes dois primeiros passos, foi possível colher também alguma verificação em
torno dos procedimentos de profissionais no atendimento a doentes mentais em
clínica psiquiátrica.
A bioética pode contribuir significativamente para melhorar o ambiente
psiquiátrico, por práticas que respeitem a condição de sujeito dos seres humanos,
podendo ser feitas por meio de formação continuada e grupos de reflexão.
Esta pesquisa procurou contribuir sobre as discussões acerca do respeito à
autonomia do doente mental, colocando no centro a ética e a dignidade da vida
humana no seu mais amplo sentido; e procurou verificar como tais percepções mais
amplas podiam traduzir-se em atendimento respeitoso e humanizado.
75
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80
ANEXOS
81
ANEXO 1
ENTREVISTA
DADOS SOBRE O SUJEITO DA PESQUISA
1. Sexo: ( ) F ( ) M
2. Idade: _____
3. Estado civil: ( ) solteiro ( ) separado ( ) união consensual ( ) divorciado
( ) casado ( ) viúvo
4. Tem filhos? ( ) Sim ( ) Não – Quantos? _______
5. Profissão: ( ) Auxiliar de Enfermagem ( ) Técnico em Enfermagem
6. Tempo de profissão?
7. Há quanto tempo trabalha com doente mental?
8. Há quanto tempo trabalha na Casa de Saúde São João de Deus?
9. Trabalha em mais algum lugar? ( ) Sim ( ) Não – Onde? ________________
9. O que o motivou a trabalhar em Instituição Psiquiátrica?
10. Você já foi internado em Psiquiatria? ( ) Sim ( ) Não
11. Tem parente com diagnóstico de doença mental? (
Parentesco? ___________________
) Sim
(
) Não –
82
CASO A
B. B. B., 25 anos, masculino, solteiro, foi internado porque agrediu a mãe com
uma cadeira. B. bateu na mãe que foi internada e está na UTI de um hospital geral.
B. ouve vozes e quebra tudo em casa, sendo muito agressivo com todos os
familiares. Já foi internado outras vezes. Diz ao psiquiatra e à enfermagem que ouve
vozes, mas não sabe especificar melhor o fenômeno. Na clínica é um paciente
isolado, não tem nenhum tipo de contato com os outros pacientes. Quase não
participa dos grupos de psicoterapia e quando vai não fala nada. Chora muito e diz
que sente saudades da mãe. Durante a internação, agrediu verbal e fisicamente
duas auxiliares de enfermagem e um médico, depois pedia desculpas e dizia que só
obedecia a uma voz que ficava azucrinando-o o tempo todo. Reclama do
atendimento da clínica, principalmente dos profissionais da enfermagem. B. diz que
estes o tratam mal, suas solicitações não são atendidas, todas as vezes que pede
alguma coisa recebe um sonoro “depois”. B. fica nervoso e logo é medicado e
contido. B. também diz que já ouviu um profissional da enfermagem dizer que “s’eu
fosse sua mãe quando saísse da UTI, te matava ou então te deixava trancado num
hospício o resto da vida, pois louco não pode viver na sociedade”. B. diz que não
teve culpa e em seguida chora. Fica a maior parte do tempo isolado em seu quarto.
1. Que comentários gostaria de fazer sobre este caso?
2. Até que ponto você acha que devem ser respeitadas as escolhas e
recusas do doente mental? Como lidar com elas?
3. O que você acha da fala do profissional neste caso?
83
CASO B
V. B., 30 anos, masculino, casado, três filhos, vários episódios de internação
desde os 18 anos. Procurou a clínica porque nas últimas duas semanas não vem se
sentindo bem; começou a ver e ouvir coisas que ninguém mais vê ou ouve. Na
última internação foi medicado com nova terapêutica e passou os últimos três anos
bem. V. B. parou por conta própria a medicação, percebeu que não estava bem,
procurou a clínica e foi internado. V. B. foi medicado e participa regularmente dos
grupos de psicologia e terapia ocupacional. Contacta bem e ajuda em algumas
atividades na clínica, como, por exemplo, auxilia na locomoção dos pacientes mais
necessitados. Oferece-se para fazer trabalho voluntário na clínica. Diz que de agora
em diante vai continuar o tratamento no ambulatório com psicólogos e psiquiatras. V.
B. pede alta; uma equipe discute e entende que o paciente está pronto para receber
alta, mas sua história pregressa levanta dúvidas.
1. O que você acha deste caso?
2. Um doente mental (esquizofrênico) pode procurar uma clínica
psiquiátrica por estar incomodado com os sintomas da doença? Por
quê?
3. Você acha que o doente mental pode solicitar alta médica e sair
desacompanhado? Por quê?
84
ANEXO 2
São Paulo, 3 de junho de 2006.
Prezado senhor,
Eu, José Raimundo Evangelista da Costa, abaixo assinado, psicólogo – CRP
06/75134, mestrando em Bioética pelo Centro Universitário São Camilo, solicito, por
intermédio desta, autorização para fazer uma pesquisa cientifica na Casa de Saúde
São João de Deus com auxiliares e técnicos em enfermagem, com o título provisório
de “RESPEITO À AUTONOMIA DO DOENTE MENTAL NO ATENDIMENTO DE
AUXILIARES E TÉCNICOS EM ENFERMAGEM: UM ESTUDO BIOÉTICO EM
CLÍNICA PSIQUIÁTRICA”. O objetivo da pesquisa é conhecer a representação
desses profissionais a respeito da autonomia do doente mental. Serão entrevistados
todos os auxiliares de enfermagem e técnicos em enfermagem que atuam na Casa
de Saúde São João de Deus da Ordem Hospitaleira de São João de Deus. Os
dados individuais serão mantidos em sigilo, mas o trabalho final estará à disposição
da instituição.
José Raimundo Evangelista da Costa
Pesquisador
AO
DR. AÍRTON CIMMINO MARINI
DIRETOR CLÍNICO E TÉCNICO
CASA DE SAÚDE SÃO JOÃO DE DEUS
SÃO PAULO – SP
85
ANEXO 3
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Titulo: “RESPEITO À AUTONOMIA DO DOENTE MENTAL NO ATENDIMENTO DE
AUXILIARES E TÉCNICOS EM ENFERMAGEM: UM ESTUDO BIOÉTICO
EM CLÍNICA PSIQUIÁTRICA”.
Grau: Dissertação de Mestrado.
Pesquisador: José Raimundo Evangelista da Costa.
Orientador: Prof. Dr. Márcio Fabri dos Anjos.
Co-Orientadora: Prof.ª D.ra Vera Lúcia Zaher.
Caro (a) colaborador (a),
Você está sendo, convidado(a) a participar de uma entrevista que integra um
projeto de pesquisa sobre o atendimento profissional a doentes mentais. Sua
participação é voluntária e, portanto, sinta-se livre para recusar a participar deste
estudo e tenha a liberdade para retirar sua participação a qualquer momento, como
igualmente se sinta à vontade para não responder a alguma das questões.
Suas respostas serão mantidas como confidenciais. Não haverá nenhum
nome colado ao questionário e apenas eu (José Raimundo Evangelista da Costa),
terei acesso direto a seus conteúdos. Os dados obtidos com a sua colaboração
serão usados apenas para os objetivos da pesquisa, garantida a não-identificação
de quem fala.
A sua sinceridade nas respostas será muito importante. Conforme o projeto
da pesquisa, não entra em questão um julgamento sobre a ética dos
comportamentos individuais. Assim sendo, não se preocupe em dar a resposta
socialmente correta, mas, sim, aquela que corresponde a suas reais práticas e
convicções.
Se, portanto, se sentir suficientemente informado(a) e livremente disposto(a) a
participar desta pesquisa, queira, por favor assinar o presente TERMO DE
CONSENTIMENTO:
Eu, abaixo assinado(a), declaro participar desta pesquisa, com inteira
liberdade, após esclarecimento sobre seus objetivos e condições, como consta
acima.
Nome:___________________________________ Assinatura: _________________
Local: ____________________________________ Data: _____/ _____/ _________
Pesquisador responsável:
Eu, José Raimundo Evangelista da Costa, responsável pelo projeto “Respeito à
autonomia do doente mental no atendimento de auxiliares e técnicos em
enfermagem: um estudo bioético em clínica psiquiátrica”.
Declaro que obtive espontaneamente o consentimento deste sujeito de pesquisa
para realizar este estudo.
Tels.: (037) 9119 5625 – E-mail: [email protected]
_______________________________
Assinatura do pesquisador
_______/________/_______
86
ANEXO 4
DECLARAÇÃO DE CARACAS*
As organizações, associações, autoridades de saúde, profissionais de saúde
mental, legisladores e juristas reunidos na Conferência Regional sobre a
Restauração da Atenção Psiquiátrica no contexto dos Sistemas Locais da Saúde,
Notando,
1. que a atenção psiquiátrica convencional não permite alcançar os objetivos
compatíveis com uma atenção comunitária, descentralizada, participativa,
integral, contínua e preventiva;
2. que o hospital psiquiátrico, como única modalidade assistencial, impede a
consecução dos objetivos antes mencionados ao:
a) isolar o doente de seu meio, gerando dessa maneira maior
incapacitação social;
b) criar condições desfavoráveis que põem em perigo os direitos
humanos e civis do paciente;
c) consumir a maior parte dos recursos financeiros e humanos destinados
pelos países aos serviços de saúde mental;
d) prover uma aprendizagem insuficiente vinculada com as necessidades
de saúde mental da população, dos serviços de saúde e de outros
setores.
Considerando,
1. que a atenção primária de saúde é a estratégia adotada pela Organização
Mundial da Saúde e referendada por todos os países-membros para atingir a
meta de Saúde para Todos no ano 2000;
2. que os sistemas locais de saúde (SILOS) foram estabelecidos pelos países
da região para facilitar a consecução dessa meta, porquanto oferecem
melhores
condições
necessidades
da
para
desenvolver
população,
com
programas,
características
baseados
nas
descentralizadas,
participativas e preventivas;
3. que os programas de Saúde Mental e de Psiquiatria devem adaptar-se aos
princípios e orientações que fundamentam essas estratégias e modelos de
organização da atenção à saúde.
87
DECLARAM
1. que a reestruturação da atenção psiquiátrica ligada à atenção primária de
saúde no contexto dos sistemas locais de saúde permite a promoção de
modelos alternativos centrados na comunidade e em suas redes sociais;
2. que a reestruturação da atenção psiquiátrica na região implica a revisão
crítica do papel hegemônico e centralizador do hospital psiquiátrico na
prestação de serviços;
3. que os recursos, cuidados e tratamentos fornecidos devem:
a) salvaguardar, invariavelmente, a dignidade pessoal e os direitos humanos
e civis;
b)
basear-se
em
critérios
racionais
e
tecnicamente
adequados;
c) propender a manutenção do doente em seu meio comunitário;
4. que as legislações dos países ajustar-se-ão de maneira a:
a) assegurar o respeito dos direitos humanos e civis dos doentes mentais,
b) promover uma organização de serviços comunitários que garantam seu
cumprimento;
5. que a capacitação de recursos humanos em Saúde Mental e em Psiquiatria
deve ser feita de acordo com um modelo cujo eixo passa pelo serviço de
saúde comunitária e recomenda a internação psiquiátrica – quando
necessária – em hospitais gerais, de acordo com os princípios básicos que
fundamentam esta reestruturação;
6. que as organizações, associações e demais participantes desta Conferência
se comprometem conjunta e solidariamente a advogar e desenvolver, nos
distintos países, programas que promovam a reestruturação dos serviços de
saúde mental e psiquiátricos, bem como se comprometem a defender os
direitos humanos dos doentes mentais, de acordo com as legislações
nacionais e os compromissos internacionais respectivos, e a fiscalizar seu
cumprimento.
*Adotada por aclamação pela Conferência sobre reestruturação de atenção psiquiátrica na
América Latina, em Caracas, Venezuela, 11–14 de novembro de 1990.
88
ANEXO 5
LEI N.º 10.216, DE 6 DE ABRIL DE 2001
Dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas
portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo
assistencial em saúde mental.
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e
eu sanciono a seguinte Lei:
Art. 1.º Os direitos e a proteção das pessoas acometidas de transtorno mental, de
que trata esta Lei, são assegurados sem qualquer forma de discriminação quanto à
raça, cor, sexo, orientação sexual, religião, opção política, nacionalidade, idade,
família, recursos econômicos e ao grau de gravidade ou tempo de evolução de seu
transtorno, ou qualquer outra.
Art. 2.º Nos atendimentos em saúde mental, de qualquer natureza, a pessoa e seus
familiares ou responsáveis serão formalmente cientificados dos direitos enumerados
no parágrafo único deste artigo.
Parágrafo único. São direitos da pessoa portadora de transtorno mental:
I – ter acesso ao melhor tratamento do sistema de saúde, consentâneo às
suas necessidades;
II – ser tratada com humanidade e respeito e no interesse exclusivo de
beneficiar sua saúde, visando a alcançar sua recuperação pela inserção na família,
no trabalho e na comunidade;
III – ser protegida contra qualquer forma de abuso e exploração;
IV – ter garantia de sigilo nas informações prestadas;
V – ter direito à presença médica, em qualquer tempo, para esclarecer a
necessidade ou não de sua hospitalização involuntária;
VI – ter livre acesso aos meios de comunicação disponíveis;
VII – receber o maior número de informações a respeito de sua doença e de
seu tratamento;
89
VIII – ser tratada em ambiente terapêutico pelos meios menos invasivos
possíveis;
IX – ser tratada, preferencialmente, em serviços comunitários de saúde
mental.
Art. 3.º É responsabilidade do Estado o desenvolvimento da política de saúde
mental, a assistência e a promoção de ações de saúde aos portadores de
transtornos mentais, com a devida participação da sociedade e da família, a qual
será prestada em estabelecimento de saúde mental, assim entendidas as
instituições ou unidades que ofereçam assistência em saúde aos portadores de
transtornos mentais.
Art. 4.º A internação, em qualquer de suas modalidades, só será indicada quando os
recursos extra-hospitalares se mostrarem insuficientes.
§ 1.º O tratamento visará, como finalidade permanente, á reinserção social do
paciente em seu meio.
§ 2.º O tratamento em regime de internação será estruturado de forma a
oferecer assistência integral à pessoa portadora de transtornos mentais, incluindo
serviços médicos, de assistência social, psicológicos, ocupacionais, de lazer, e
outros.
§ 3.º É vedada a internação de pacientes portadores de transtornos mentais
em instituições com características asilares, ou seja, aquelas desprovidas dos
recursos mencionados no § 2.º e que não assegurem aos pacientes os direitos
enumerados no parágrafo único do art. 2.º.
Art. 5.º O paciente há longo tempo hospitalizado ou para o qual se caracterize
situação de grave dependência institucional, decorrente de seu quadro clínico ou de
ausência de suporte social, será objeto de política específica de alta planejada e
reabilitação psicossocial assistida, sob responsabilidade da autoridade sanitária
competente e supervisão de instância a ser definida pelo Poder Executivo,
assegurada a continuidade do tratamento, quando necessário.
Art. 6.º A internação psiquiátrica somente será realizada mediante laudo médico
circunstanciado que caracterize os seus motivos.
Parágrafo único. São considerados os seguintes tipos de internação
psiquiátrica:
91
Art. 12. O Conselho Nacional de Saúde, no âmbito de sua atuação, criará comissão
nacional para acompanhar a implementação desta Lei.
Art. 13. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Brasília, 6 de abril de 2001; 180.º da Independência e 113.º da República.
FERNANDO HENRIQUE CARDOSO
Jose Gregori
José Serra
Roberto Brant
(DOU 09/04/2001)
92
ANEXO 6
LEI N.º 10.708, DE 31 DE JULHO DE 2003
Institui o auxílio-reabilitação psicossocial para pacientes
acometidos
de
transtornos
mentais
egressos
de
internações.
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e
eu sanciono a seguinte Lei:
Art. 1.º Fica instituído o auxílio-reabilitação psicossocial para assistência,
acompanhamento e integração social, fora de unidade hospitalar, de pacientes
acometidos de transtornos mentais, internados em hospitais ou unidades
psiquiátricas, nos termos desta Lei.
Parágrafo único. O auxílio é parte integrante de um programa de
ressocialização de pacientes internados em hospitais ou unidades psiquiátricas,
denominado “De Volta Para Casa”, sob coordenação do Ministério da Saúde.
Art. 2.º O benefício consistirá em pagamento mensal de auxílio pecuniário,
destinado aos pacientes egressos de internações, segundo critérios definidos por
esta Lei.
§ 1.º É fixado o valor do benefício de R$ 240,00 (duzentos e quarenta reais),
podendo ser reajustado pelo Poder Executivo de acordo com a disponibilidade
orçamentária.
§ 2.º Os valores serão pagos diretamente aos beneficiários, mediante
convênio com instituição financeira oficial, salvo na hipótese de incapacidade de
exercer pessoalmente os atos da vida civil, quando serão pagos ao representante
legal do paciente.
§ 3.º O benefício terá a duração de um ano, podendo ser renovado quando
necessário aos propósitos da reintegração social do paciente.
93
Art. 3.º São requisitos cumulativos para a obtenção do benefício criado por esta Lei
que:
I – o paciente seja egresso de internação psiquiátrica cuja duração tenha sido,
comprovadamente, por um período igual ou superior a dois anos;
II – a situação clínica e social do paciente não justifique a permanência em
ambiente hospitalar, indique tecnicamente a possibilidade de inclusão em programa
de reintegração social e a necessidade de auxílio financeiro;
III – haja expresso consentimento do paciente, ou de seu representante legal,
em se submeter às regras do programa;
IV – seja garantida ao beneficiado a atenção continuada em saúde mental, na
rede de saúde local ou regional.
§ 1.º O tempo de permanência em Serviços Residenciais Terapêuticos será
considerado para a exigência temporal do inciso I deste artigo.
§ 2.º Para fins do inciso I, não poderão ser considerados períodos de
internação os de permanência em orfanatos ou outras instituições para menores,
asilos, albergues ou outras instituições de amparo social, ou internações em
hospitais psiquiátricos que não tenham sido custeados pelo Sistema Único de Saúde
– SUS ou órgãos que o antecederam e que hoje o compõem.
§ 3.º Egressos de Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico poderão ser
igualmente beneficiados, procedendo-se, nesses casos, em conformidade com a
decisão judicial.
Art. 4.º O pagamento do auxílio-reabilitação psicossocial será suspenso:
I – quando o beneficiário for reinternado em hospital psiquiátrico;
II – quando alcançados os objetivos de reintegração social e autonomia do
paciente.
Art. 5.º O pagamento do auxílio-reabilitação psicossocial será interrompido, em caso
de óbito, no mês seguinte ao do falecimento do beneficiado.
Art. 6.º Os recursos para implantação do auxílio-reabilitação psicossocial são os
referidos no Plano Plurianual 2000–2003, sob a rubrica “incentivo-bônus”, ação 0591
do Programa Saúde Mental n.º 0018.
§ 1.º A continuidade do programa será assegurada no orçamento do
Ministério da Saúde.
94
§ 2.º O aumento de despesa obrigatória de caráter continuado resultante da
criação deste benefício será compensado dentro do volume de recursos mínimos
destinados às ações e serviços públicos de saúde, conforme disposto no art. 77 do
Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.
Art. 7.º O controle social e a fiscalização da execução do programa serão realizados
pelas instâncias do SUS.
Art. 8.º O Poder Executivo regulamentará o disposto nesta Lei.
Art. 9.º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Brasília, 31 de julho de 2003.
LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA
Humberto Sérgio Costa Lima
Ricardo José Ribeiro Berzoini
95
ANEXO 7
PORTARIA N.º 2.391, DE 26 DE DEZEMBRO DE 2002
MINISTÉRIO DA SAÚDE GABINETE DO MINISTRO
Regulamenta o controle das internações psiquiátricas
involuntárias (IPI) e voluntárias (IPV) de acordo com o
disposto na Lei 10.216, de 6 de abril de 2002, e os
procedimentos de notificação da Comunicação das IPI e
IPV ao Ministério Público pelos estabelecimentos de
saúde, integrantes ou não do SUS.
O Ministro de Estado da Saúde, no uso das atribuições que lhe confere o inciso II do
parágrafo único do art. 87 da Constituição, e
Considerando as determinações da Lei 10.216, de 6 de abril de 2001, que dispõe
sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e
redireciona o modelo assistencial em saúde mental;
Considerando a Carta de Princípios sobre a Proteção de Pessoas Acometidas de
Transtorno Mental, da ONU, de 17 de dezembro de 1991;
Considerando
as
resoluções
do
Seminário
"Direito
à
Saúde
Mental
–
regulamentação e aplicação da Lei 10.216", realizado em 23 de novembro de 2001,
pelo Ministério da Saúde, Ministério da Justiça e Comissão de Direitos Humanos da
Câmara dos Deputados;
Considerando as consultas realizadas pelo Ministério da Saúde, em articulação com
a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, junto ao Conselho Nacional de
Procuradores-Gerais de Justiça;
Considerando as deliberações da III Conferência Nacional de Saúde Mental, e
96
Considerando as consultas realizadas pelo Ministério da Saúde junto às instâncias
municipais e estaduais do SUS, na área de Saúde Mental, resolve:
Art. 1.º Determinar que os estabelecimentos de saúde, integrantes ou não do
Sistema Único de Saúde, observem o disposto nesta Portaria para efetuarem as
internações psiquiátricas voluntárias ou involuntárias, conforme o disposto na Lei n.º
10.216, de 6 de abril de 2001.
Art. 2.º Definir que a internação psiquiátrica somente deverá ocorrer após todas as
tentativas de utilização das demais possibilidades terapêuticas e esgotados todos os
recursos extra-hospitalares disponíveis na rede assistencial, com a menor duração
temporal possível.
Art. 3.º Estabelecer que ficam caracterizadas quatro modalidades de internação:
–
Internação Psiquiátrica Involuntária (IPI);
–
Internação Psiquiátrica Voluntária (IPV),
–
Internação Psiquiátrica Voluntária que se torna Involuntária (IPVI),
–
Internação Psiquiátrica Compulsória (IPC).
§ 1.º Internação Psiquiátrica Voluntária é aquela realizada com o
consentimento expresso do paciente.
§ 2.º Internação Psiquiátrica Involuntária é aquela realizada sem o
consentimento expresso do paciente.
§ 3.º A Internação Psiquiátrica Voluntária poderá tornar-se involuntária
quando o paciente internado exprimir sua discordância com a manutenção da
internação.
§ 4.º A Internação Psiquiátrica Compulsória é aquela determinada por medida
judicial e não será objeto da presente regulamentação.
Art. 4.º Estabelecer que as internações involuntárias, referidas no art. 3.º § 2.º,
deverão ser objeto de notificação às seguintes instâncias:
I – ao Ministério Público Estadual ou do Distrito Federal e Territórios onde o
evento ocorrer,
II – à Comissão referida no art. 10.º.
Art. 5.º Estabelecer que a Comunicação de Internação Psiquiátrica Involuntária
deverá ser feita, no prazo de 72 horas, às instâncias referidas no artigo anterior,
97
observado o sigilo das informações, em formulário próprio (Termo de Comunicação
de Internação Psiquiátrica Involuntária, modelo constante do Anexo desta Portaria),
que deverá conter laudo de médico especialista pertencente ao quadro de
funcionários do estabelecimento de saúde responsável pela internação.
Parágrafo único. O laudo médico é parte integrante da Comunicação de
Internação Psiquiátrica Involuntária, a qual deverá conter obrigatoriamente as
seguintes informações:
I – identificação do estabelecimento de saúde;
II – identificação do médico que autorizou a internação;
III – identificação do usuário e do seu responsável e contatos da família;
IV – caracterização da internação como voluntária ou involuntária;
V – motivo e justificativa da internação;
VI – descrição dos motivos de discordância do usuário sobre sua internação;
VII – CID;
VIII – informações ou dados do usuário, pertinentes à Previdência Social
(INSS);
IX – capacidade jurídica do usuário, esclarecendo se é interditado ou não; e
X – informações sobre o contexto familiar do usuário;
XI - previsão estimada do tempo de internação
Art. 6.º Estabelecer que ao Ministério Público caberá o registro da notificação das
internações psiquiátricas involuntárias (IPI), bem como das voluntárias que se
tornam involuntárias (IPVI), para controle e acompanhamento destas até a alta do
paciente.
Art. 7.º Determinar que, se no decurso de uma internação voluntária o paciente
exprimir discordância quanto à sua internação, após sucessivas tentativas de
persuasão pela equipe terapêutica, passando a caracterizar-se uma internação
involuntária, o estabelecimento de saúde envie ao Ministério Público o Termo de
Comunicação de Internação Involuntária, até 72 horas após aquela manifestação,
devidamente assinado pelo paciente.
98
Art.8.º Definir que caberá à instituição responsável pela internação involuntária a
comunicação da alta hospitalar, conforme modelo de formulário anexo, do qual
deverão constar, obrigatoriamente, as seguintes informações:
I – numeração da IPI;
II – data;
III – condições da alta;
IV – encaminhamento do paciente.
Art. 9.º Estabelecer que nas internações voluntárias deverá ser solicitado ao
paciente que firme o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, modelo em
anexo, que ficará sob a guarda do estabelecimento.
Art. 10. Estabelecer que o gestor estadual do SUS constituirá uma Comissão
Revisora das Internações Psiquiátricas Involuntárias, com a participação de
integrante designado pelo Ministério Público Estadual, que fará o acompanhamento
dessas internações, no prazo de setenta e duas horas após o recebimento da
comunicação pertinente.
§ 1.º A Comissão deverá ser multiprofissional, sendo integrantes dela, no
mínimo, um psiquiatra ou clínico geral com habilitação em Psiquiatria, e um
profissional de nível superior da área de saúde mental, não pertencentes ao corpo
clínico do estabelecimento onde ocorrer a internação, além de representante do
Ministério Público Estadual. É relevante e desejável que dela também façam parte
representantes de associações de direitos humanos ou de usuários de serviços de
saúde mental e familiares.
§ 2.º Se necessário, poderão ser constituídas Comissões Revisoras das
Internações Psiquiátricas Involuntárias, em âmbito microrregional, municipal ou por
regiões administrativas de municípios de grande porte.
Art.
11.
Definir
que
o
Ministério
Público
poderá
solicitar
informações
complementares ao autor do laudo e à direção do estabelecimento, bem como
realizar entrevistas com o internado, seus familiares ou quem mais julgar
conveniente, podendo autorizar outros especialistas a examinar o internado, com
vistas a oferecerem parecer escrito.
Art. 12. Estabelecer que a Comissão Revisora efetuará, até o sétimo dia da
internação, a revisão de cada internação psiquiátrica involuntária, emitindo laudo de
99
confirmação ou suspensão do regime de tratamento adotado e remetendo cópia
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