ProActive – tele-assistência em saúde mental para idosos por Alécio Pedro Delazari Binotto, Agosto 2016. Recentemente, encontrei com a Dra. Márcia Scazufca – Pesquisadora no Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP. Somos colaboradores de longa data e evangelizadores da Telessaúde. Ela me contou sobre um projeto sensacional que está desenvolvendo em saúde mental no SUS para levar assistência a idosos através de smartphones e tablets. Achei o tema fantástico e resolvi fazer uma entrevista com ela e suas colaboradoras Dra. Maria Clara Pinheiro de Paula Couto e Maiara Garcia sobre o projeto. Segue meu bate-papo com elas. Qual o problema que vocês identificaram e que gerou este projeto no escopo do cenário atual em saúde mental? O envelhecimento populacional é uma realidade. No Brasil, o censo populacional de 2010 revelou que 11% da população brasileira tem 60 anos ou mais. Hoje, os idosos já são mais de 13% (26 milhões) e este número triplicará até 2050 segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS). Os transtornos mentais estão entres os problemas de saúde mais significativos entre adultos. Particularmente, entre os idosos, estima-se que aproximadamente 10% tenha algum sintoma de depressão que necessita de atenção. A depressão tem impactos negativos na qualidade vida, nos relacionamentos, na capacidade funcional e no uso de serviços de saúde. Além disso, a depressão está associada a doenças crônicas comuns no envelhecimento como diabetes e hipertensão. Apesar disso, o que se observa no Brasil e em outros países é que os sistemas de saúde ainda não estão preparados para atender às necessidades de saúde de idosos com depressão. Não é incomum que profissionais de saúde possam confundir os problemas da depressão com outros problemas do envelhecimento e este é um dos motivos pelos quais, apesar de comum, a depressão em idosos é frequentemente não identificada e consequentemente não tratada. Outro problema global é a escassez de profissionais especialistas em saúde mental para atender esta imensa demanda de pacientes. Neste sentido, a OMS recomenda que os transtornos mentais comuns, como a depressão, sejam identificados e tratados na atenção primária, que é a porta de entrada dos sistemas de saúde. Para isso, a OMS recomenda o treinamento de profissionais não especialistas em saúde mental para atender pessoas com transtornos mentais comuns (por exemplo, depressão e ansiedade). Então a solução para o problema adotada pelo projeto de vocês é baseada nesta recomendação da OMS? Uma abordagem em telessaúde seria adequada? O grupo de pesquisadores do Laboratório de Investigação Médica 23 do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo reconheceu este enorme problema relacionado à escassez de profissionais especialistas em saúde mental, aos altos custos dos serviços especializados, à falta de identificação e tratamento da depressão em idosos na atenção primária no Brasil. A estratégia encontrada pelo grupo de pesquisa para abordar o problema foi desenvolver um programa de atendimento para idosos com depressão cadastrados na atenção primária no município de São Paulo. Este programa foi desenhado para ser utilizado na Estratégia Saúde da Família (ESF) do Sistema Único de Saúde (SUS). O trabalho da ESF é feito por equipes. Em geral, cada equipe é composta por um médico de família, um enfermeiro, dois auxiliares de enfermagem e seis agentes comunitários de saúde responsáveis pela saúde de aproximadamente 1000 famílias residentes em um território na área de abrangência do serviço de saúde. O programa inovador de atendimento que desenvolvemos se chama PROACTIVE e se baseia em quatro princípios: cuidado colaborativo, task shifting, tratamento em etapas e tecnologia. No cuidado colaborativo, todos os profissionais da equipe de saúde atuam para oferecer o melhor atendimento possível. A ideia de task shifting, recomendada pela OMS, é treinar não especialistas para executar um novo papel. No PROACTIVE, agentes comunitários de saúde (ACS) foram treinados para liderar o programa realizando os atendimentos aos idosos com depressão. Os ACS colaboram ativamente com a equipe de saúde levando informações para que a equipe possa decidir a melhor forma de tratamento para cada paciente. Sempre que a equipe avaliar que um paciente necessita de mais cuidados, o médico de família avalia o paciente e, caso necessário, o encaminha para serviços especializados em saúde mental. Isso é o que se denomina tratamento em etapas! O uso da tecnologia é uma das inovações e diferenciais do PROACTIVE. A equipe do projeto desenvolveu um aplicativo (instalado em tablets ou smartphones) que é usado pelos ACS nos atendimentos. O principal objetivo deste aplicativo é oferecer aos profissionais de saúde que trabalham no PROACTIVE uma plataforma de alta capilarização e de suporte de tecnologia da informação. Esta plataforma oferece muitas vantagens, tais como: facilitar a tomada de decisão; melhorar a coordenação do cuidado dentro das equipes saúde da família; melhorar a adesão dos pacientes ao programa; auxiliar o acompanhamento de cada atendimento realizado e dos atendimentos futuros possibilitando; assim, a melhor preparação dos profissionais de saúde, permitir a utilização das informações coletadas com o aplicativo durante os atendimentos dos idosos com o profissional de saúde nas supervisões clínicas que os profissionais realizam com a equipe do projeto; possibilitar a realização de supervisão online ou contatos de emergência com o supervisor em caso de necessidade. Além disso, todos os dados resultantes dos atendimentos passam por uma curadoria e são disponibilizados em uma cloud segura e privada e podem ser acessados por meio de uma interface web que permite o acompanhamento em tempo real destes atendimentos e a rápida tomada de decisão. Como você falou, é uma abordagem que pode ser considerada telessaúde. Os conteúdos do aplicativo foram desenvolvidos considerando que os ACS não são especialistas em saúde mental. O aplicativo é, assim, uma ferramenta muito importante para auxiliar nos atendimentos e padronizar as ações dos ACS. Os atendimentos do PROACTIVE seguem sempre a mesma sequência: logo após o início do atendimento, o ACS obtém informações sobre sintomas de depressão e outros problemas de saúde com o auxílio de questionários que fazem parte do aplicativo. Estas informações são usadas nas etapas seguintes do atendimento. Por exemplo, uma destas etapas consiste em dar informações sobre depressão com base nos sintomas relatados na etapa de avaliação de sintomas. São utilizados vídeos educativos que mostram estratégias para lidar com os problemas da depressão e motivam o paciente a se engajar no seu autocuidado. O aplicativo também é utilizado para discutir e planejar atividades que o paciente deve fazer entre os encontros. O ACS realiza o agendamento dos atendimentos no próprio aplicativo e acessa todas as informações que necessita em um resumo com as principais informações do paciente. Outro recurso importante é a automatização da comunicação que aplicativo permite. Toda vez que um paciente não está melhorando, o aplicativo envia mensagens de notificação sugerindo para a equipe diferentes ações de manejo. Os atendimentos do PROACTIVE são realizados na residência do idoso de modo que ele não necessite se deslocar até o serviço de saúde. Este procedimento aumenta a adesão ao programa e permite que idosos com dificuldades de locomoção ou outros problemas de saúde sejam atendidos. O programa dura em torno de cinco meses. A resposta inicial dos pacientes determina a intensidade do atendimento recebido que pode ser de oito a onze atendimentos. A duração do PROACTIVE foi pensada levando-se em consideração dois aspectos principais: por um lado, no período de cinco meses os profissionais não especialistas são treinados para utilizar técnicas simples (psicoeducação e ativação de comportamento), mas que a literatura mostra que são efetivas para o tratamento da depressão em atendimentos breves, por outro lado, estender o programa seria oneroso e possivelmente não traria mais benefícios para os pacientes. É importante mencionar que esta solução reduz os custos para os sistemas de saúde viabilizando que um maior número de pessoas seja atendido. Em que estágio está o projeto? No momento, a equipe de pesquisa está finalizando o estudo piloto com idosos com depressão cadastrados em duas unidades de saúde em São Paulo. Este piloto tem como objetivo avaliar a viabilidade de todos os procedimentos do PROACTIVE e os seus resultados serão utilizados para a realização de um ensaio clínico para avaliar o custoefetividade do PROACTIVE. A necessidade do estudo piloto se deve a várias inovações do PROACTIVE como, por exemplo, ser um estudo pragmático (i.e., no qual se utilizam os recursos já existentes nos serviços de atenção primária) e que utiliza tecnologia. Neste caso, foi necessário desenvolver o aplicativo, seus conteúdos, design e testar sua usabilidade. E como está sendo a aceitação dos profissionais de saúde e dos pacientes que são os principais beneficiados pelo projeto? Até o momento, a aceitação tanto dos profissionais das equipes de saúde quanto dos pacientes é muito positiva. Os profissionais destacam que a estrutura do programa e o uso da tecnologia auxilia muito a realização dos atendimentos e o seu sucesso. Os ACS sentem-se empoderados com a nova função e valorizados com a resposta positiva dos pacientes aos atendimentos. Os serviços de saúde e seus gerentes colaboram com a equipe de pesquisa e identificam que o programa cobre uma demanda negligenciada. Os pacientes gostam de receber atenção domiciliar, gostam dos atendimentos, se sentem valorizados e valorizam que o ACS possa fazer um atendimento de qualidade e que gera resultados na sua melhora. Eles não têm problemas com o uso da tecnologia nos atendimentos, gostam dos materiais audiovisuais e se identificam com as situações apresentadas nos vídeos. O estudo piloto ainda está sendo finalizado e resultados preliminares indicam que dos idosos incluídos no programa, 77% aderiram plenamente e destes, 87% apresentam melhora de sintomas de depressão. O programa permitiu identificar alguns casos mais graves que, com o uso da tecnologia, puderam ser manejados de forma mais rápida e resolutiva. Por fim, como vocês pretendem capilarizar este serviço para transformar o atendimento em saúde mental e beneficiar milhões de pacientes? Este estudo piloto tem o objetivo de verificar a viabilidade do PROACTIVE quanto aos aspectos necessários para a sua implantação e funcionamento. Um aspecto que é também muito importante e já está sendo avaliado no estudo piloto é o relativo ao custoefetividade do programa. Neste sentido, o programa além de ser efetivo, precisa ser viável do ponto de vista econômico. Todos os esforços de planejamento do PROACTIVE foram para que ele fosse um programa “pragmático” no sentido de ser um programa ajustado à realidade dos serviços públicos de saúde, implicando, portanto, que as necessidades de custos adicionais para ajustar as exigências do programa à rotina dos serviços sejam mínimas. Isto contribui muito para que os serviços futuramente possam implantar o programa na sua rotina. O próximo passo é iniciar, a partir do ano que vem, o ensaio clínico que irá avaliar o custo-efetividade do PROACTIVE. Com os resultados do ensaio clínico será possível disseminar o programa nos serviços públicos de atenção primária à saúde. Embora o PROACTIVE tenha sido desenvolvido para ser utilizado em serviços públicos, o programa pode ser facilmente adaptado para uso em serviços de saúde e operadoras de saúde privados. Equipe PROACTIVE: Dra. Marcia Scazufca, Dra. Maria Clara P de Paula Couto, e Psicóloga Maiara Garcia Henrique (Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade Medicina da Universidade de São Paulo/LIM-23). Este projeto está sendo realizado em colaboração com pesquisadores do Reino Unido, Secretaria da Saúde de São Paulo e Associação Saúde da Família. Financiamento: FAPESP e MRC-UK. Contato: [email protected] Alécio Pedro Delazari Binotto é pesquisador científico na IBM Research e co-fundador da startup i9access Telessaúde. Tem Ph.D. em Ciência da Computação e foi considerado um “Research Emerging Talent” pela IBM. Recebeu o prêmio “IEEE Change the World” por uma das maiores instituições científicas internacionais – IEEE (Institute of Electrical and Electronics Engineers) – com uma “solução única em telessaúde para beneficiar a humanidade”, desenvolvida em parceria entre a i9access e a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). *Os posts neste site são de minha opinião própria e não necessariamente representam posições, estratégias ou opiniões da IBM.