Síndromes_2012 - Faculdade Montenegro

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revista multidisciplinar do desenvolvimento humano
Síndromes
Janeiro • Fevereiro de 2012 • Ano 2 • Nº 1 • R$ 19,00
ISSN 2237-8677
Síndromes - Ano 2 - Número 1 - Janeiro/Fevereiro de 2012
N
Cu est
rs a e
o d
Mó Au iç
du ti ão
lo sm
I
o
Depressão infantil
Dra. Evelyn Kuczynski e
Dr. Francisco B. Assumpção Jr.
Mitos, histórias
e heróis: os
quadrinhos e
a inspiração
infantil
Um debate
necessário: a
inclusão social
dos portadores de
deficiência
Dr. Adriano Marangoni
Dr. Antonio Celso Baeta Minhoto
Brinquedoteca:
a valorização do
brincar
Valorizar olhares,
gestos e sorrisos
Leandra Migotto Certeza
Dra. Marília Penna Bernal
Entrevista
Michele Moreira Nunes
13 anos
www.atlanticaeditora.com.br
r e v i s t a m u l t i d i s c i p l i n a r d o d e s e n v o l v i m e n t o h u ma n o
Síndromes
Março • Abril de 2012 • Ano 2 • Nº 2 • R$ 19,00
ISSN 2237-8677
Síndromes - Ano 2 - Número 2 - Março/Abril de 2012
EXTENSÃO COMUNITÁRIA
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Cu est
rs a e
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Mó Au iç
du ti ão
lo sm
II
o
Mucopolissacaridoses
e Comportamento
por Tatiana Malheiros Assumpção
Sistemas
de Suporte Próteses/Órteses
por Dra. Alessandra Freitas
Russo
Deficiência
Estética e Inclusão
A coragem
de viver com
Mucopolissacaridose
Edição de texto: Leandra Migotto
Certeza*
Por Regina Próspero
por Carmen S. Alcântara Oliveira
Muito além da visão
Escovando os
dentes de seu
filho no espectro
autista
Por Leandra Migotto Certeza
por Dra. Adriana Gledys Zink
13 anos
www.revistasindromes.com
revista multidisciplinar do desenvolvimento humano
Síndromes
Maio • Junho de 2012 • Ano 2 • Nº 3 • R$ 25,00
ISSN 2237-8677
Síndromes - Ano 2 - Número 3 - Maio/Junho de 2012
EXTENSÃO COMUNITÁRIA
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rso a e
Mó Au diç
du ti ão
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III
o
Síndrome
de Tourette
Evelyn Kuczynski
O que é a
epilepsia? Quando
e por quem foi
descoberta?
Maria Sigride Thomé de Souza
O desenvolvimento
moral
Inclusão da pessoa
com deficiência
no trabalho
Julianna Di Matteo
A terapia
do abraço
Cristina de Freitas Cirenza
Carolina Rabello Padovani
Sexualidade
e deficiência
intelectual
Alessandra Freitas Russo
13 anos
www.atlanticaeditora.com.br
● Álcool e drogas na adolescência
● Bullying
● Enurese
● Problemas de aprendizagem
● Resiliência
● TDAH
● Transtorno de conduta
● Transtornos alimentares na adolescência
● Transtornos de ansiedade
● Transtornos de humor
● Treinamento de pais
● Violência doméstica
Palestrantes confirmados:
ALMIR DEL PRETTE/SP ● ADRIANA BINSFELD/RS ● ADRIANA MELCHIADES/DF ● ADRIANA SELENE ZANONATO/RS
ALINE HENRIQUES REIS/PR ● ANGELA ALFANO CAMPOS/RJ ● ANERON CANALS/RS ● BENOMY SILBERFARB/RS
CHRISTIAN HAAG KRISTENSEN/RS ● CARMEM BEATRIZ NEUFELD/RS ● CAROLINA SARAIVA DE MACEDO LISBOA/RS
DANIELA SCHNEIDER BAKOS/RS ● DANIELA BRAGA/RS ● EDUARDO BUNGE/ARG ● FABIANA GAUY/GO
FERNANDO GARCIA/ARG ● ILEANA CAPUTTO/URU ● INÊS CAPUTTO/URU ● ISABELA DIAS FONTENELLE/RJ
LISEANE CARRARO LYSZKOWSKI/RS ● LUCIANA NAGALLI GROPO/PE ● LUCIANA TISSER/RS ● LUIZ PRADO/RS
MARIA AUGUSTA MANSUR/RS ● MARINA GUSMÃO CAMINHA/RS ● MAYCON TEODORO/MG ● NEIVA TEIN/RS
NEWRA ROTTA/RS ● RENATA BRASIL/RS ● RENATO CAMINHA/RS ● TÂNIA RUDNICK/RS ● VALQUIRIA TRICOLI/SP
VINICIUS GUIMARÃES DORNELLES/RS ● ZILDA APARECIDA PEREIRA DEL PRETTE/RS
Cursos:
T.R.I – TERAPIA DE RECICLAGEM INFANTIL
Marina Caminha e Renato Caminha - RS
AVALIAÇÃO E PROMOÇÃO DE HABILIDADES SOCIAIS NO PROCESSO TERAPÊUTICO
Zilda Del Prette e Almir Del Prette - SP
UMA INTERVENÇÃO PREVENTIVA EM TCC COM ADOLESCENTES
Carmem Beatriz Neufeld - SP
TRATAMENTO DA DESMOTIVAÇÃO DO ADOLESCENTE USUÁRIO DE DROGAS
Renata Brasil - RS
TERAPIA DE LOS TRASTORNOS DE ANSIEDAD EN LA NIÑEZ Y ADOLESCÊNCIA
Fernando Garcia - ARG
PADRES DISFUNCIONALES: EL MANEJO Y LA INCLUSION EM LA TERAPIA DE LOS PADRES
COM TRANSTORNOS GRAVES DE PERSONALIDAD
Ileana Caputto - URU
HIPNOTERAPIA COGNITIVA COM CRIANÇAS
Benomy Silberfarb - RS
Organização:
Promoção:
Apoio:
revista multidisciplinar do desenvolvimento humano
Eixos temáticos:
Síndromes
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Julho • Agosto de 2012 • Ano 2 • Nº 4 • R$ 25,00
Informações e inscrições:
ISSN 2237-8677
Centro de Eventos Plaza São Rafael
Porto Alegre/RS
Síndromes - Ano 2 - Número 4 - Julho/Agosto de 2012
1 a 3 de novembro de 2012
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du ti ã
lo sm o
IV
o
Transtorno bipolar
do humor
Francisco B. Assumpção Jr.
Evelyn Kuczynski
Transtorno Bipolar
e Depressão
Dr. Miguel Angelo Boarati
Leandra Migotto Certeza
Sobre a noção
de tempo
Melanie Mendoza
A importância da
família para que
tem transtorno
bipolar
Por Sonia Maria Bandeira
O sonho
Por Maria de Fátima de Oliveira
Escola especial:
conceitos e
reflexões
dra. Alessandra Freitas Russo
Christine Luise Degen
Inclusão escolar
Simone Cucolicchio
13 anos
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revista multidisciplinar do desenvolvimento humano
Síndromes
Setembro • Outubro de 2012 • Ano 2 • Nº 5 • R$ 25,00
ISSN 2237-8677
Síndromes - Ano 2 - Número 5 - Setembro/Outubro de 2012
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Cu est
rso a e
Mó Au diç
du ti ão
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V
o
Transtorno de
Déficit de Atenção /
Hiperatividade (TDAH)
Evelyn Kuczynski
A importância
de crescer e
amadurecer ao
lado dos filhos
com TDAH
Por Juliana Ferreira Ribeiro
Edição: Leandra Migotto Certeza
O Método
Bobath
Dra. Cristina Maria Pozzi
Fantasia e
pensamento
mágico
Dra. Milena de Oliveira Rossetti
Atendimento
humanizado é
destaque no
ITACI
Por Leandra Migotto Certeza
Malformações
Congênitas
Dra. Alessandra Freitas Russo
13 anos
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revista multidisciplinar do desenvolvimento humano
Síndromes
Novembro • Dezembro de 2012 • Ano 2 • Nº 6 • R$ 25,00
ISSN 2237-8677
Síndromes - Ano 2 - Número 5 - Setembro/Outubro de 2012
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VI
o
Transtornos do
Aprendizado Escolar
Francisco Baptista Assumpção Júnior
Evelyn Kuczynski
Dificuldades de
aprendizagem
A Formação do
Indivíduo
Entrevistado: Antônio
Eugênio Cunha
Jornalista responsável:
Leandra Migotto Certeza
Carolina Rabello Padovani
A Família e
a Criança
Deficiente
Jemima Giron
Casamento
e Deficiência
Mental
A importância
de estimular
quem tem
dificuldades de
aprendizagem
Por Marisa Aparecida Gimenes
da Cunha de Andrade*
Edição de texto:
Leandra Migotto Certeza**
Francisco B. Assumpção Jr.
13 anos
www.atlanticaeditora.com.br
Síndromes
Janeiro • Fevereiro de 2012 • Ano 2 • Nº 1
revista multidisciplinar do desenvolvimento humano
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49
EDITORIAL
Dr. Francisco Assumpção Junior
(Coordenador Editorial)
artigo do mês
Depressão Infantil
por Dra. Evelyn Kuczynski e Dr. Francisco B. Assumpção Jr.
entrevista
Depressão Infantil
Edição: Leandra Migotto Certeza*
Entrevistada: Michele Moreira Nunes – doutora em psicologia*
desenvolvimento
Mitos, histórias e heróis: os quadrinhos e a inspiração infantil
por Dr. Adriano Marangoni
reabilitação
Brinquedoteca: a valorização do brincar
por Dra. Marília Penna Bernal
inclusão
Um debate necessário: a inclusão social dos portadores de deficiência
por Dr. Antonio Celso Baeta Minhoto
reportagem Associação cruz verde
Valorizar olhares, gestos e sorrisos
por Leandra Migotto Certeza
reportagem
A sexualidade da pessoa com deficiência
por Leandra Migotto Certeza - Cartuns de Ricardo Ferraz
artigo do leitor
O educador, as síndromes e as dificuldades de aprendizagem
por Prof. José Romero
curso autismo - módulo I
por Alessandra Freitas, Carolina Rabello Padovani, Cristina Maria Pozzi,
Francisco B. Assumpção Jr., Marina Lemos, Melanie Mendoza e
Milena Rossetti
Síndromes
Janeiro • Fevereiro de 2012 • Ano 2 • Nº 1
revista multidisciplinar do desenvolvimento humano
Diretoria
Ismael Robles Junior
[email protected]
[email protected]
Antonio Carlos Mello
Coordenador Editorial
Dr. Francisco B. Assumpção Jr.
Colaboraram com essa edição
Dr. Adriano Marangoni
Dr. Antonio Celso Baeta Minhoto
Dra. Evelyn Kuczynski
Dr. Francisco B. Assumpção Jr.
Dr. José Romero
Leandra Migotto Certeza
Dra. Marília Penna Bernal
Dra. Michele Moreira Nunes
Ricardo Ferraz
vendas corporativas
Antônio Octaviano
[email protected]
Envio de artigos para:
E-mail: [email protected]
E-mail: [email protected]
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Administração e vendas
Antonio Carlos Mello
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Editor executivo
Dr. Jean-Louis Peytavin
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Atlântica Editora
Praça Ramos de Azevedo, 206/1910
Centro 01037-010 São Paulo SP
Editor assistente
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Atendimento
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Atlântica Editora edita as revistas Fisioterapia Brasil, Fisiologia do Exercício, Enfermagem Brasil, Neurociências e Nutrição Brasil
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bibliografia (3 ou 4 citações no máximo), podem estar na mesma página ou em páginas diferentes.
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Atendimento (11) 3361-5595 - [email protected]
edi t orial
Dr. Francisco Assumpção Junior
Os caminhos evolutivos pelos quais
optamos há pouco mais de 800.000 anos
e, historicamente, há menos de 10.000
anos nos levarão para onde?
Mais do que meros questionamentos
filosóficos apartados de uma realidade
pragmática, tecnológica e consumista,
isso significa nossas perspectivas de
sobrevivência e de projeto existencial.
Significa pensarmos sobre o que estamos construindo para que aquilo que
possuímos de mais precioso, nossos
filhos, esteja sendo submetido a fatores
estressores de tal monta para que se
desencadeiem sintomas dessa ordem.
Dessa maneira, conhecer o fenômeno em seu aspecto mais básico,
descritivo, para que o identifiquemos, é
de fundamental importância para que minimizemos os prejuízos por ele causados
e, principalmente, para que repensemos
o caminho que estamos trilhando rumo
ao futuro.
Boa leitura!
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 1 • Janeiro • Fevereiro de 2012
O tema deste número é bem representativo de nossa modernidade.
A depressão não só é um quadro
de extrema importância como, para a
Organização Mundial de Saúde, deve ser
a maior responsável pela abstinência
laboral e escolar em meados de 2020.
Assim, independentemente das bases
biológicas, indiscutíveis, do quadro em
questão, temos que nos questionar sobre os gatilhos ambientais decorrentes
e derivados do mundo no qual vivemos e
que optamos por construir.
Considerando-se a criança, objeto
desta publicação, esse questionamento
é ainda mais importante uma vez que
ela representa o vir-a-ser, a expectativa
e o projeto de futuro que definimos para
nossa espécie.
O que queremos de nós mesmos?
Quais as expectativas que temos
sobre a nossa, ainda tão jovem, espécie?
3
en t revi s ta
Depressão Infantil
Edição: Leandra Migotto Certeza*
Entrevistada: Michele Moreira Nunes – doutora em psicologia*
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 1 • Janeiro • Fevereiro de 2012
1. A depressão infantil ainda é um tema
pouco pesquisado? Por quê? Quais são as
principais diferenças da doença em adultos
e crianças?
4
A depressão é um dos mais significativos
problemas no mundo atual, e a sua incidência tem aumentado exponencialmente. Ela
reflete o desequilíbrio não só das pessoas
em si, mas também de nossa sociedade
e de nosso meio ambiente. Atualmente a
depressão, tornou-se comum em crianças.
É uma doença séria e pode contribuir para
várias alterações como o isolamento delas,
baixo rendimento escolar, baixa-estima e
até mesmo uso de drogas como tentativa
de sentirem-se melhor. Provavelmente, por
estarem em desenvolvimento, as crianças
não têm capacidade para compreender o que
acontece internamente e, com freqüência,
apresentam comportamentos agressivos.
Apesar da depressão (tanto no adulto
quanto na criança) ter como modelo de
diagnóstico a conhecida constelação de
sintomas (decorrentes da tríade: sofrimento
moral, a inibição psíquica global e no estreitamento do campo vivencial), as diferentes
características pessoais e situações vivenciais entre o adulto e a criança, fazem com
que os sintomas secundários decorrentes
dos sintomas básicos sejam bem distintos.
O sofrimento moral, por exemplo, responsável pela baixa auto-estima, no adulto pode
se apresentar como um sentimento de
culpa e, na criança, como ciúme patológico
do irmão mais novo.
2. O diagnóstico da depressão é mais complicado em qual idade? Os bebês também
podem apresentar quadros depressivos?
Como identificar?
O diagnóstico da depressão é mais difícil
nas crianças, pois os sintomas podem ser
confundidos com birra ou falta de educação,
mau humor e agressividade. Nos bebês a
depressão se espelha no seu estado de
ânimo: capacidade de reagir, letargia, ausência de capacidade de chamar a atenção
ou falha em expressar emoções previsíveis.
O bebê também pode apresentar atrasos no
desenvolvimento por ex: na fala, nos primeiros passos, distúrbios do sono, alimentação
insuficiente e uma maior incidência de
enfermidades infecto-contagiosas, já que
as defesas ficam mais reduzidas. Para que
supere este estado deve dedicar-lhe toda a
atenção possível, criar proximidade, num ambiente de afeto, confiança e tranqüilidade.
3. Qual a diferença entre estar triste e ter
depressão? As crianças possuem uma variação de humor maior do que os adultos?
Explique o motivo.
Tristeza é uma manifestação natural do
corpo e da mente assim como outros sentimentos, como felicidade, ansiedade, raiva.
4. Quais são as principais características
da depressão infantil? O que os pais precisam observar no cotidiano para saber
quando procurar um médico para evitar o
agravamento da depressão?
A depressão infantil é caracterizada pela
presença dos seguintes sinais e sintomas,
os quais podem se apresentar de forma
mascarada: baixo desempenho escolar,
pouca capacidade para se divertir (anedonia), sonolência ou insônia, mudança no
padrão alimentar, fadiga excessiva, queixas
físicas, irritabilidade, sentimentos de culpa,
de desvalia e depressivos, ideação e atos
suicida, choro, afeto deprimido, sinais
faciais depressivos, hiperatividade (mais
atividade do que o padrão) ou hipoatividade
(menos atividade do que o padrão).
Os pais precisam observar no cotidiano
alguns comportamentos como: perda de
interesse pelas atividades habitualmente interessantes (como uma espécie de
aborrecimento constante diante dos jogos,
brincadeiras, esportes, sair com os amigos,
etc); além dessa apatia, preguiça e redução
significativa da atividade, e às vezes pode
haver tristeza, mas essa não é a regra geral.
Por isso, tanto os pais como educadores
deverão ficar atentos a estas mudanças
de comportamento e procurar ajuda dos
especialistas assim que se manifestarem.
5. Crianças com pais separados ficam mais
depressivas? Quais são principais fatores
de risco da depressão?
A literatura é consistente em demonstrar
que a depressão parental (que surge nos
pais, comumente durante ou após a separação), é um fator de risco nas perturbações
de internalização (por exemplo, ansiedade
e depressão) e de externalização (por
exemplo, oposição de sentimentos) da
criança e do adolescente. A existência de
depressão dos pais aumenta a probabilidade de diminuição da qualidade de prestação de cuidados materiais e emocionais
nas crianças. As mães com sintomas de
depressão exibem mais afeto negativo,
mais comportamentos negligentes e comportamentos hostis, menor consistência
educativa, cuidados com a saúde das
crianças e disponibilidade emocional; além
de menos comportamentos parentais positivos, e mais comportamentos parentais de
risco. Como resultado, as crianças de pais
separados deprimidos ou ansiosos apresentam maior probabilidade de desenvolver
transtornos de depressão e ansiedade,
maiores comportamentos oposicionais,
menor autoestima, menor comportamento
social, pior rendimento acadêmico, maiores
déficits de atenção e maiores dificuldades
de relacionamento interpessoal
Os quadros depressivos maternos
têm também efeitos indiretos na falta
de adaptação das crianças; chegando a
situação de inversão de papéis no seio
familiar, passando, os filhos, a providenciar
suporte emocional ao pai deprimido. A reorganização da família (após a dissolução
conjugal), pode colocar os filhos no papel
de aprovisionamento emocional, assumido
previamente pelo ex-conjuge e, desta for-
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 1 • Janeiro • Fevereiro de 2012
Já a depressão é uma doença e, esta sim,
precisa de tratamento para ser combatida.
No caso da depressão a pessoa se sente
sem energia, interesse e sem vontade de fazer coisas comuns de sua rotina mesmo que
não haja nenhum problema. Pode também
ter mais dificuldade de concentração, pode
ter insônia ou dormir excessivamente. Também sente mais cansaço e menos apetite.
5
ma, compartilhar ativamente, a sua aflição
emocional com a criança, o que amplifica
os problemas de adaptação, perturbações
de ansiedade, reatividade psicofisiológica
e comportamentos de oposição da criança.
Quanto aos fatores de risco para depressão em crianças e adolescentes, o
mais importante é a presença de depressão
em um dos pais; sendo que a existência de
história familiar para depressão aumenta o
risco em pelo menos três vezes, seguidos
por estressores ambientais, como abuso
físico e sexual e perda de um dos pais,
irmão ou amigo íntimo.
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 1 • Janeiro • Fevereiro de 2012
6. Brigas com pais e parentes podem levar
a quadros depressivos? Ciúme e inveja
entre os irmãos deixam as crianças com
baixa auto-estima e deprimidas? Irmãos
gêmeos têm depressão juntos? 6
Todo tipo de agressão ou briga dentro de
um ambiente familiar gera um conflito emocional nas crianças/adolescentes podendo
resultar em depressão. O ciúme e a inveja
entre os irmãos ocorrem em algum momento do desenvolvimento infantil, porém
cabe aos pais e cuidadores (profissionais
especializados em acompanhar as crianças) orientar os filhos da melhor maneira
possível. E quando os irmãos geneticamente idênticos têm mais possibilidades
de desenvolverem depressão juntos. Já
quando são gêmeos fraternos, a possibilidade disso ocorrer é em grau bem menor.
7. Os conhecidos traumas de infância
(quedas do berço ou sustos, por exemplo)
podem levar a casos de depressão?
Vários transtornos psiquiátricos em adultos
têm sido relacionados a algum trauma na
infância. A magnitude do problema é variável, sendo que alguns estudos apontam
para a ocorrência de traumas na infância
em aproximadamente 50% dos adultos com
psicopatologias. Acredita-se que depressão
maior, transtorno afetivo bipolar e distimias
estejam associados a traumas na infância,
porém ainda são escassos no Brasil, ou na
América Latina os estudos de associação
de trauma na infância com psicopatologias
na vida adulta.
8. A depressão infantil é uma das principais conseqüências após violência doméstica e abuso sexual?
Sim, o abuso sexual é uma das principais
conseqüências relacionadas aos transtornos dissociativos da depressão infantil.
9. A adolescência é a fase mais complexa
da vida em que a depressão é mais freqüente? Quais os principais motivos que
levam um jovem a ficar depressivo?
Durante muitos anos acreditou-se que os
adolescentes, assim como as crianças,
não eram afetadas pela depressão, já que,
supostamente, esse grupo etário não tinha
problemas vivenciais. Atualmente sabemos
que os adolescentes são tão suscetíveis à
depressão quanto os adultos, sendo ela um
distúrbio que deve ser encarado seriamente
em todas as faixas etárias. A depressão
pode interferir de maneira significativa
na vida diária, nas relações sociais e no
bem-estar geral do adolescente, podendo
até levar ao suicídio. A puberdade tem um
aspecto biológico e universal, caracterizada pelas modificações visíveis, como por
exemplo, o crescimento de pêlos pubianos,
auxiliares ou torácicos, o aumento da mas-
10. Qual a diferença de um quadro depressivo infantil e uma doença crônica e
genética em crianças?
A biologia tenta buscar a origem da depressão tanto nas pessoas, quanto nos
ascendentes biológicos, ou seja, na fisiopatologia e na genética. O último relatório
da Organização Mundial de Saúde (OMS)
enfatiza que, a depressão pode ser devida
a variações nas respostas dos circuitos
neurais e estas, por sua vez, podem refletir
alterações quase imperceptíveis na estrutura, na localização ou nos níveis de proteínas
críticas para a função psíquica normal.
11. Crianças têm uma capacidade maior
de resiliência (capacidade de administrar
positivamente bem os problemas) e recuperação de quadros depressivos leves
do que adolescentes, jovens ou adultos?
Por quê?
A resiliência é um fenômeno que representa
adaptação positiva. Não é um atributo pessoal da criança, nem é permanente. Para
alcançar e sustentar a adaptação resiliente,
a criança deve receber apoio dos adultos
em todos os contextos, o que implica a
garantia dos seus cuidados.
12. Qual o ambiente familiar mais saudável
para evitar a depressão infantil? É importante que os familiares possam
fornecer à criança/adolescente um ambiente carinhoso e de apoio. É natural que
se espere que os sintomas da depressão
desapareçam rapidamente, mas é preciso reconhecer que o doente irá progredir
ao seu próprio ritmo. Encoraje a pessoa
com depressão. Finalmente, procure ser
sensível.
13. Estudos apontam diferenças na depressão infantil dependendo da região
onde vivem, da classe social, idade, sexo
ou etnia? Quais são?
Alguns estudos apontam que o nível socioeconômico baixo pode estar associado a
problemas de saúde mental. A combinação
de baixa renda, analfabetismo, desemprego, más condições de moradia e acesso
limitado à saúde e à educação aumentam
esse risco. Também salientam que a pobreza parece estar associada a inúmeras
condições adversas e à maior exposição a
fatores de estresse.
14. A alimentação influencia na propensão a quadros depressivos? O uso de
medicamentos sem indicação médica, as
crendices e os maus hábitos podem levar
às crianças a ficarem deprimidas? Sim, a alimentação pode influenciar em
quadros depressivos, sendo que um estudo
recente indica que os ácidos graxos como o
ômega-3 podem ajudar a reduzir os sintomas
da depressão. Portanto, a alimentação equilibrada ajuda é um complemento muito eficaz
para o tratamento, sendo o acompanhamento
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 1 • Janeiro • Fevereiro de 2012
sa corporal, desenvolvimento das mamas,
evolução do pênis, menstruação, etc. Estas
mudanças físicas costumam caracterizar a
puberdade, que neste caso seria um ato
biológico ou da natureza, fato esse que merece um olhar (cuidado) especial por parte
dos responsáveis por este grupo para que
este simples ato de desenvolvimento não
leve a casos de depressão ou outros tipos
de transtornos.
7
médico imprescindível. E o uso de medicamentos sem prescrição médica adequada
pode oferecer diversos riscos a saúde e um
destes riscos pode estar associado a um quadro que leve a depressão. Já um tratamento
adequado pode oferecer alívio para a maioria
das pessoas, mas toda medicação deve ser
devidamente orientada pelo profissional da
saúde. Em relação aos maus hábitos e crendices, em minha visão de especialista, creio
que possam ser fatores desencadeantes de
futuros casos depressivos.
15. A depressão tem cura ou só a indicação de tratamentos para manter uma
melhor qualidade de vida com ela?
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 1 • Janeiro • Fevereiro de 2012
Ao contrário do que algumas pessoas pensam, a depressão tem cura. É importante
que ao perceber os sintomas, a pessoa
procure atendimento médico, pois quanto
antes for iniciado o tratamento mais rápido o doente voltará à sua vida normal. O
tratamento pode ser realizado com o uso
de antidepressivos, psicoterapia ou com a
associação dos dois. É fundamental o apoio
e a participação de familiares e amigos no
sucesso do tratamento.
8
16. Como evitar quadros depressivos mais
comuns após traumas infantis ou acidentes como de carro ou quedas?
Embora não exista uma receita para evitar
quadros depressivos e os aspectos genéticos ainda não possam ser modificados no
sentido de prevenir a depressão, alguns
cuidados após os fatos citados devem ser
tomados como acompanhamento médico/
psicológico bem como um acompanhamento familiar cuidado podem evitar futuros
quadros depressivos na criança.
17. Quais são as probabilidades de desenvolver depressão infantil quando existem
familiares adultos com a doença?
Existem vários estados psicopatológicos
com inegáveis componentes hereditários e/
ou familiares. A transmissão genética diz
respeito à probabilidade e não às certezas.
Assim sendo, a pessoa pode ser portadora
de uma probabilidade maior de desenvolver
um transtorno ansioso, ou do humor, embora
não haja certeza de que terá esses quadros.
Quanto maior o número de antecedentes
deprimidos entre familiares, maior será a probabilidade de desenvolver uma depressão de
natureza constitucional. Há uma significativa
porcentagem de filhos de pais deprimidos
que desenvolve a doença e, mais marcante
ainda, uma expressiva porcentagem quando
os dois pais são deprimidos, mesmo que o
filho tenha sido criado por outra família não-deprimida. Suicídios em membros da família
também devem ser investigados, tendo em
vista a maior probabilidade dessa atitude se
repetir em descendentes.
Michele Moreira Nunes, Especialista em Terapia Cognitiva
Comportamental e Avaliação
Neuropsicológica e Doutora
pela Faculdade de Medicina da
Universidade de São Paulo.
Leandra Migotto Certeza, é
jornalista e repórter especial
da Revista Síndromes. Ela
tem deficiência, é consultora
em inclusão e mantém o blog
“Caleidoscópio – Uma janela
para refletir sobre a diversidade da vida” - http://leandramigottocerteza.blogspot.com/
art i g o do m ê s
Depressão Infantil
Evelyn Kuczynski
Os transtornos do humor são condições psiquiátricas que se manifestam
basicamente através de recorrentes períodos de polarização do humor, acompanhados de outros sintomas (secundários
a esta polarização). A criança e o adolescente se encontram em pleno processo
de desenvolvimento e inúmeras atitudes
e comportamentos (muitos deles normais) podem gerar grandes dificuldades
para o diagnóstico.
O termo depressão não se refere a
uma patologia caracterizada obrigatoriamente por humor deprimido, mas a uma
síndrome. Como no adulto, ela vem sido
descrita na criança (e no adolescente)
desde o século XVII. É clássica a “depressão anaclítica” de Spitz (1946), fruto da
separação de crianças institucionalizadas
de suas mães. A partir dos anos 70,
finalmente se percebe a importância da
depressão na psicopatologia da infância
e da adolescência.
Ao exame, a criança nem sempre relata sintomas que descrevam seu estado
interno. Com frequência, destaca somente a tristeza ou a solidão, de modo vago e
inespecífico. Em muitos casos, observamos somente maior sensibilidade, choro
fácil e irritabilidade. As súbitas mudanças
de conduta da criança são de extrema
importância pelo caráter episódico, tendo
que ser consideradas, principalmente,
quando são abruptas, e se ocorrem de
modo inexplicável. Antes adequadas e
adaptadas socialmente, passam a apresentar irritabilidade e agressividade, com
violação de regras sociais (anteriormente
aceitas). Esse comportamento pode ser
decorrente de alterações de humor e aparenta ser um dos sinais mais importantes
para o diagnóstico, uma vez que a criança
é levada ao psiquiatra infantil muito mais
por suas condutas do que por seu próprio
sofrimento.
Estudos revelam uma incidência de
depressão de 1% a 2% entre os pré-púberes e de 3% a 8% entre adolescentes,
com uma prevalência ao longo da vida de
cerca de 20% ao final da adolescência.
Adolescentes do sexo feminino apresentam maior prevalência em relação ao sexo
masculino.
A distimia é definida como um humor
deprimido persistente (também irritável,
no caso de crianças e adolescentes),
presente por um período longo (período
mínimo de dois anos, em adultos, e um
ano, em crianças e adolescentes), associado a sintomas como alterações do
apetite e/ou do sono, baixa de energia
(ou fadiga), baixa auto-estima, prejuízo da
concentração e dificuldade em tomar decisões, com sentimentos de desesperança.
A falta de interesse pelas atividades
rotineiras também é muito presente,
embora esse quadro dependa da intensidade da depressão. Queda no rendimento
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 1 • Janeiro • Fevereiro de 2012
Francisco B. Assumpção Jr.
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SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 1 • Janeiro • Fevereiro de 2012
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escolar pode refletir essa diminuição
da motivação, assim como da atenção.
Surgem, ainda, preocupações sérias
a respeito dos pais e outras pessoas
próximas, presentes como um medo da
separação e da morte, sempre acompanhados de grande ansiedade. A falta de
expectativa ou expectativas negativas
são também encontradas no pré-pubere,
embora muitos questionem na criança
a sua própria condição de expressar os
aspectos negativos de sua vida ou de seu
mundo, para que se possa caracterizar a
doença.
Poderíamos (grosso modo) verificar,
nas crianças em fase pré-puberal, a preponderância de sintomatologia caracterizada por aspecto deprimido, agitação e
queixas físicas, ao passo que, entre os
adolescentes, observamos a sensação
de infelicidade, mudanças de peso e
sonolência excessiva, sem nos esquecermos da maior freqüência de ideação
suicida.
Idéias suicidas não são raras, embora dificilmente ocorram antes dos 10
anos de idade, em função do próprio
desenvolvimento cognitivo que, nessas
idades, ainda gera um instrumental muito
pobre para o planejamento e avaliação
dos próprios atos. Nem toda ideação ou
comportamento suicida é diretamente
atribuível à depressão. No adolescente,
a relação depressão-suicídio é significativa. A grande maioria dos adolescentes
suicidas (94%) apresenta problemas
psiquiátricos, sendo a depressão o mais
importante deles (51%).
Inicialmente, a criança não apresenta
noção de morte; em consequência, não
tem medo dela. As idéias de morte, provenientes do ambiente que a circunda,
lhe serão transmitidas progressivamente
e, assim, constituirão a base de sua
ideação. Entretanto, é somente com o
pensamento formal (a partir da adolescência) que se estabelece a morte e o
morrer como o apanágio do homem que,
dentre todos os animais, é o único que
pode conceber seu próprio fim, dando-lhe
um significado. Na criança, entretanto,
a morte vai corresponder somente à
separação e mudança de uma vida não
agradável na busca de uma existência
melhorada.
A abordagem da depressão na criança e no adolescente é múltipla, visando
uma compreensão do quadro e uma
intervenção sob o ponto de vista biológico, psicológico e social. O plano de tratamento será, então, determinado pelas
condições do paciente que, em presença
de risco de suicídio, deverá ser submetido
à hospitalização.
Imprescindível o histórico clínico e
psiquiátrico minucioso, além de investigação laboratorial rotineira, com o intuito
de identificar doenças clínicas concomitantes, e avaliar os parâmetros físicos,
que podem ser alterados pela medicação.
Um teste de gravidez nas pacientes do
sexo feminino é recomendável antes do
início da medicação, além de controle da
pressão arterial e freqüência cardíaca,
prévio ao início e durante o seguimento
com medicação.
Há evidências de que uma considerável parcela das crianças e adolescentes
diagnosticados apresentará (dentro de
cinco anos) recaída após um primeiro
episódio depressivo, além de mais da
metade dos casos de início na infância
persistirem na adultícia. Contudo, ainda
não há dados suficientes para se esta-
Evelyn Kuczynski, Pediatra.
Psiquiatra da Infância e da
Adolescência. Doutora pela
FMUSP. Pesquisadora voluntária do Projeto Distúrbios do
Desenvolvimento do Departamento de Psicologia Clínica
do IP-USP. E-mail: [email protected].
mas necessária como componente do
tratamento. No entanto, alguns preconizam iniciar a terapêutica com psicoterapia
por quatro a seis semanas, seguido de
associação com medicação, caso não
haja melhora do humor após este período,
além da presença de fatores de risco,
como ideação suicida.
Em suma, os transtornos do humor
na infância e adolescência não são raros,
mas extremamente importantes, não somente pela orientação terapêutica, como
também pelo diagnóstico diferencial e
conseqüente prognóstico. A abordagem
psicofarmacológica é de fundamental
importância, ainda que coadjuvada por
outras formas de abordagem (psicoterápicas, familiares e sociais), visando-se a
melhor solução para o problema.
Referencia Bibliográfica
1. FU-I, BOARATI, MAIA e colaboradores
(2012). Transtornos afetivos na infância e
adolescência: diagnóstico e tratamento.
Porto Alegre: Artmed (376 p.).
Francisco B. Assumpção Jr.,
Psiquiatra da Infância e da
Adolescência. Livre Docente
em Psiquiatria pela Faculdade
de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP).
Mestre e Doutor em Psicologia
pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Professor Associado do Departamento de Psicologia Clínica
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 1 • Janeiro • Fevereiro de 2012
belecer um consenso na condução de
um tratamento de manutenção nesta
população específica.
São documentadas, nas depressões
infantis, alterações no relacionamento da
criança com seus familiares e amigos, durante e após o período depressivo. Dessa
maneira, a atuação sobre os distúrbios
da interação social é de extrema importância, assim como um suporte no nível
educacional e social, visando readaptar a
criança ao seu meio. As intervenções psicoterápicas, das mais diversas correntes
teóricas, também favorecem a melhoria
do quadro e a adaptação da criança e do
adolescente, que deve ser visualizado
como uma totalidade, inserido dentro de
seu contexto familiar e social.
De acordo com os parâmetros estabelecidos para a abordagem de quadros
depressivos, a primeira indicação para
depressões de leve intensidade e não-complicadas é a instituição de atendimento psicoeducacional e psicoterapia
de apoio. No entanto, há que se levar
em consideração que a psicoterapia em
adolescentes deprimidos é insuficiente,
11
de s envolvimen t o
Mitos, histórias e heróis:
os quadrinhos e a inspiração
infantil
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 1 • Janeiro • Fevereiro de 2012
por Adriano Marangoni
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Não importa quando, não importa
onde, somos ávidos por histórias. Histórias que fascinam e angustiam. Histórias
que confortam, que aproximam, que dão
sentido. Histórias dão nome ao amorfo;
as palavras transformam. Histórias são
o lugar do improvável. Histórias são as
terras do mito e da fantasia. E a fantasia
é a terra dos heróis.
Ser jovem é ser o herói de sua própria história. Crescer e amadurecer se
confundem com qualquer narrativa épica.
As características de cada um são muito
semelhantes: o abandono de casa, do
conforto, da família; o ato de se despojar,
de cair e se levantar; fortalecer-se; superar obstáculos; realizar façanhas impossíveis; enfrentar rivais e vencer um vilão.
O resultado é a remissão dos agravos, a
restauração do equilíbrio e da justiça na
comunidade. No caso de um “final feliz”,
a coroação da jornada é o amor, erótico
e compensatório, entre herói e a bela
mocinha, devota e fiel.
Essa estrutura básica, despida das
variações que acompanham épocas e
lugares diferentes, é o ciclo do herói,
matéria arquetípica em forma bruta, aqui
descrita sob uma orientação mais usual.
Os historiadores, embora cataloguem e
analisem essas versões, em sua maioria abriram mão da sua narração; narrar
epopéias foi apropriado e consolidado a
partir do século XX pela imprensa, pelo
cinema, e de modo bastante fluído, pelas
Histórias em Quadrinhos (ou HQs).
As histórias e personagens de quadrinhos, embora carreguem traços de uma
mitologia atemporal, são também frutos
de conteúdos morais e ideológicos próprios do contexto em que são produzidos.
Ora, o Capitão América não é apenas o
cume da força humana, o perfeito guerreiro, como foi o semi-deus Aquiles em
Tróia: o Capitão é um soldado na guerra
contra os nazistas. Sua força vem da
ciência (um soro bioengendrado transformou o franzino Steve Rogers no atlético
Capitão); sua determinação é fruto da fé
na democracia americana.
Exemplos como o do Capitão América
são inúmeros: a variedade de personagens entre 1936 (ano de publicação do
Fantasma, de Lee Falk) até hoje, excede
o mais comprometido estudo. Há, porém,
certos modelos pra lá de consagrados.
Mais do que paradigmas, eles se tornaram símbolos, não por acaso, os “três
grandes” da editora DC: Batman (criado
em 1939), a Mulher-Maravilha (1940),
Super-Homem (1938).
Bruce Wayne, ainda criança, viu seus
pais serem assassinados friamente num
beco escuro. Traumatizado, dedicou sua
adolescência ao aperfeiçoamento físico
e mental até os limites humanos e assim
se tornou Batman, o símbolo da justiça de
Gotham City. Amparado pela fortuna da
entre crianças e adolescentes é, no
máximo, correspondente aos valores de
seus pais. Nenhum destes heróis “é” o
leitor. Frutos da ciência e da razão, estes
heróis carecem da fantasia, do mito, da
história. A eles falta a pureza da infância.
A eles faltam palavras mágicas. Nenhum
deles será tão humano quanto o herói que
grita Shazam!
O Capitão Marvel, garboso herói de
vermelho criado em 1939 por C.C. Beck,
não é adulto, não é fruto da ciência, do
esforço, muito menos infalível. É apenas
o alter-ego de Billy Batson, um garoto de
14 anos que defendeu um morador de rua
de assaltantes. Comovido com a bondade
do jovem, o mendigo, o mago Shazam
disfarçado, deu a Batson seus poderes,
oriundos dos heróis da mitologia (Shazam
é um acróstico de Salomão, Hércules,
Atlas, Zeus, Aquiles e Mercúrio).
Ao proferir a palavra mágica que o
transforma, mais do que qualquer outro,
o Capitão Marvel é a personificação da
linguagem, da fantasia e da história. Nenhum outro personagem nos quadrinhos
representa melhor a vontade de um jovem se tornar um herói. Afinal, como um
exemplo para qualquer adulto, ele nunca
deixou de ser uma criança.
Adriano Marangoni, Mestre
em História Social, licenciado
e graduado em História pela
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Atualmente é
professor efetivo do Governo
do Estado de São Paulo. Tem
experiência na área de História, com ênfase em História Moderna e Contemporânea,
atuando principalmente nos seguintes temas: heróis,
quadrinhos, cultura, política, Estados Unidos e Brasil.
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 1 • Janeiro • Fevereiro de 2012
Fundação Wayne, Batman transformou a
dor em motivação, o medo em ferramenta
de trabalho, com a missão de impedir que
outros passem por aquilo que sentiu na
infância.
Diana é a princesa da Ilha Paraíso,
Themyscira. O lugar, habitado exclusivamente por mulheres, é um reino dedicado
à sabedoria, às artes e à guerra. Eleita
entre as amazonas para abrir diálogo com
o “mundo do patriarcado”, Diana veste o
uniforme da Mulher-Maravilha, com a missão de ensinar as lições da compaixão e
do respeito mútuo (amiúde, através dos
punhos). Emancipada de vários modos,
a Mulher Maravilha é a representação
passional da segurança e força, agente
da verdade e igualdade.
Kal-El, último filho do planeta Krypton,
foi enviado num foguete por seu pai, um
brilhante cientista, para a Terra. Aqui,
Kal-El foi adotado por um amoroso casal
do Kansas, Jonathan e Martha Kent e
rebatizado de Clark. Alimentado pelas
energias de nosso Sol, Kal-El, o Super-Homem é dotado da habilidade de voar,
invulnerabilidade, super força e velocidade, visão de calor e de raios-X. Um deus
entre os homens, o benevolente Super-Homem luta para amenizar os agravos
da humanidade, ainda tão jovem e cheia
de potencial, assim como seu planeta
natal foi um dia.
Embora inspirem e fascinem, os três
estão além de uma linha que o leitor jovem, por mais que deseje, não é capaz
de ultrapassar: Batman, Mulher-Maravilha
e Super-Homem são inequivocamente
adultos. Suas motivações e ações são
essencialmente paternalistas, protetoras, conservadoras. A admiração, quiçá
mimetização dos valores desses heróis
13
reabili ta ç ã o
Brinquedoteca:
a valorização do brincar
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 1 • Janeiro • Fevereiro de 2012
por Marília Penna Bernal
14
Brincar é importante para a saúde
física, emocional e intelectual, é brincando que a criança se reequilibra, recicla
suas emoções, desenvolve a atenção,
concentração e várias outras habilidades, disponibilizando o aprendizado e o
desenvolvimento infantil (Cunha, 1992).
A brincadeira é a forma de a criança
estar em seu mundo, falar de si e se
desenvolver. Quando se trata de saúde,
o brincar está presente no cotidiano, do
mesmo modo que as outras atividades
que acontecem no dia-a-dia da criança,
para o seu desenvolvimento (Takatori;
Oshiro; Otashima, 2004).
O brincar é um fenômeno complexo,
com uma vasta bibliografia e, de difícil definição, no entanto, alguns conceitos estão
presentes nas definições, como: presença
de motivação interna; transcende e reflete
a realidade; é controlado pela criança;
envolve mais atenção no processo do que
no produto; é seguro, divertido, agradável e
imprevisível; espontâneo e não obrigatória.
Para Ferland (2006), “o brincar é uma atitude subjetiva em que o prazer, a curiosidade,
o senso de humor e a espontaneidade se
tocam; tal atitude se traduz por uma conduta escolhida livremente, da qual não se
espera nenhum rendimento especifico” (p.
18). O prazer é o componente essencial do
brincar, sem o prazer, o brincar não existe.
Objetivando o resgate do brincar espontâneo, como elemento essencial para
o desenvolvimento integral da criança, de
sua criatividade, aprendizagem e socialização é que surgem as brinquedotecas
(Magalhães; Pontes, 2002).
A brinquedoteca é um espaço que foi
criado para favorecer a brincadeira, de forma que as crianças possam brincar livremente, com todo estímulo à manifestação
de suas potencialidades e necessidades
lúdicas (Cunha, 2007). Existem diversos
tipos de brinquedotecas, como: hospitalar, comunitária, universitárias, dentre
outras. Assim, os objetivos específicos
das brinquedotecas variam conforme o
contexto em que se situam.
Em Cunha (2007) encontramos alguns itens referentes às brinquedotecas,
dentre eles: proporcionar espaço para
que a criança brinque tranquila, sem
cobranças; estimular o desenvolvimento
de uma vida interior rica e capacidade
de concentrar a atenção; favorecer o
equilíbrio emocional; criar oportunidades para expansão das potencialidades;
desenvolver a inteligência, criatividade e
sociabilidade; proporcionar acesso a um
número maior de brinquedos, experiências e descobertas.
A brinquedoteca é um espaço estruturado para estimular a criança a
brincar, possibilitando o acesso a uma
grande variedade de brinquedos, dentro
de um ambiente especialmente lúdico. É
preparada de forma que seus espaços
to profissional especializado, vinculado à
área de educação, psicologia ou da saúde, é aquele que aprendeu a apreciar as
possibilidades educativas e clínicas das
brincadeiras nas situações lúdicas cotidianas dos espaços das brinquedotecas.
Tal profissional é aquele que, ao mediar
o imaginário infantil, oferece proteção
e liberdade de expressão, favorece a
oportunidade da situação de descoberta,
o desenvolvimento da inventividade, e
colabora na importante construção do
futuro de pessoas adultas saudáveis,
capazes e felizes.
Ao brincar, a criança tem contato com
o ambiente, colocando em funcionamento seu mecanismo cognitivo, muscular,
sensações e emoções, além de interação
com os outros. Assim, o brincar é uma
atividade que solicita a criança em sua
globalidade (Ferland, 2006).
A brinquedoteca é um espaço de convivência de crianças que vem se tornando
um importante local de prática da valorização do lúdico a serviço da promoção
da educação e da saúde. Brinquedos e
brincadeiras no espaço da brinquedoteca
servem para expressão do imaginário e
permitem a transmissão de costumes
sociais, desenvolvimento de atitudes e
estimulam a formação de aspectos da
identidade (Sakamoto; Bomtempo, 2010)
Assim, torna-se clara a importância
de brinquedotecas em ambientes relacionados à saúde e educação, visto o
beneficio que tal recurso pode gerar para
o desenvolvimento infantil, possibilitando
à criança um espaço lúdico, onde possa
realizar de maneira espontânea o brincar,
atividade inerente à criança.
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 1 • Janeiro • Fevereiro de 2012
incentivem a brincadeira de faz de conta,
a dramatização, a construção, a solução
e problemas, a socialização e o desejo de
inventar. Desta forma, a brinquedoteca é
capaz de propiciar brincadeiras que, em
outros contextos, não surgiriam (Macarini;
Vieira, 2006).
Kudo e Pierri (apud Kudo, 1997) referem que o brincar é um dos aspectos
mais autênticos do desenvolvimento
infantil, é através das relações com os
brinquedos e brincadeiras que a criança
entra em contato com o mundo, toma
conhecimento da realidade externa, explora suas funções, desenvolve o auto-conhecimento, experimenta desafios,
investiga e conhece o mundo de modo
espontâneo. O brinquedo é um convite ao
brincar, desenvolve a capacidade motora
e cognitiva. Cabe ressaltar, a importância
de que os brinquedos sejam adequados
às necessidades e capacidades da etapa
do desenvolvimento em que a criança se
encontra.
A brinquedoteca traz, em seu interior,
uma concepção de infância, que determina a sua organização, o seu uso, a
distribuição do tempo e as atividades por
ela proporcionadas, possibilitando dessa
forma que a criança aprenda brincando
(Azevedo, 2003).
O espaço da brinquedoteca é também
ocupado pelos adultos que acompanham
as crianças, professores ou responsáveis. É importante que o adulto participe
das brincadeiras, como a figura de um
bom mediador, auxiliando as crianças a
brincar e respeitando a fantasia (Vectore;
Kishimoto, 2001).
Em Sakamoto e Bomtempo (2010)
encontramos que o brinquedista, enquan-
15
Referencias Bibliográficas
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 1 • Janeiro • Fevereiro de 2012
1. A Z E V E D O , A . C . P . B r i n q u e d o t e c a
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2. CUNHA N. H. S. Brincando com crianças
excepcionais. In: FRIEDMANN, A. O
direito de brincar: a brinquedoteca. 2 ed.
São Paulo: Scritta, 1992. P. 117-121.
3. CUNHA, N.H.S. Brinquedoteca: Um
mergulho no brincar. 4ed. São Paulo:
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4. FERLAND, F. [ tradução Sant´Anna,
M.M.M]. O modelo lúdico: O brincar, a
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6. MACARINI, S. M; VIEIRA, M.L. O brincar
de crianças escolares na brinquedoteca.
Rev. Bras. Crescimento Desenvolv.
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7. MAGALHAES, C.M.C; PONTES, F.A.R.
Criação e Manutenção de Brinquedotecas:
Reflexões acerca do desenvolvimento de
parcerias. Psicologia: Reflexão e Crítica,
2002, 15 (1), pp. 235-242.
8. S A K A M O T O , C . K ; B O M T E M P O , E .
Brinquedista – reflexões sobre sua
função mediadora na abordagem do
imaginário infantil. Bol. Acad. Paulista de
Psicologia, São Paulo, v.30 (79), 2010,
pp.415-423.
9. TAKATORI, M; OSHIRO, M; OTASHIMA,
C. O hospital e a assistência em terapia
ocupacional com a população infantil.
In: DE CARLO, M.M.R.D; LUZO, M.C.M
(Orgs) Terapia Ocupacional: reabilitação
física e contextos hospitalares. São
Paulo: ROCA. 2004. P. 256-275.
10.VECTORE, C; KISHIMOTO, T.M. Por
trás do imaginário infantil: explorando
a brinquedoteca. Psicol. Escolar e
Educacional, 2001, vol.5(2), pp.59-65.
Marília Penna Bernal, Terapeuta Ocupacional, Mestre
em Psicologia Clínica – IP USP, Especialista em Saúde
Mental na Infancia e Adolescencia – FACIS IBEHE
inclu s ã o
Um debate necessário:
a inclusão social dos portadores
de deficiência
A idéia de inclusão social parece ter
ocupado um status de debate relevante
no momento contemporâneo, e isso nos
mais variados segmentos. Assim, antes
adstrito ao ambiente acadêmico, o tema
em questão ocupa agora um espaço mais
amplo, menos restritivo e mais plural, especialmente quanto às visões que sobre
ele incidem.
Mas quem deve ser incluído socialmente? A lógica nos conduz a uma
constatação bastante óbvia neste ponto:
só pode ser incluído quem se encontra
excluído. Os excluídos, por sua vez, são
integrantes ou oriundos das chamadas
minorias, uma terminologia em si mesma
polêmica (quem é de fato minoria?) e que
gera muitos mal-entendidos.
Matematicamente, minoria é um
conjunto numericamente inferior quando
comparado a outro conjunto ou conjuntos
maiores ou em maior quantidade quanto
aos seus elementos integrantes. Mas no
campo social isso nem sempre é verdade.
Ciganos, moradores de rua ou portadores
de HIV se apresentam em menor número
em nossa sociedade quando vistos no conjunto total de indivíduos, mas os negros
sul-africanos, quando vigorante o regime
do apartheid, eram, sempre foram e continuam sendo em maior número que os
brancos ali residentes, no entanto, havia
uma dominação e subjugação desses negros pelos brancos. É a típica situação em
que ser de um grupo maior, não significa
ter maior autonomia, poder ou liberdade.
Quanto ao seu conteúdo, o termo
minoria é claramente polissêmico e de
apreensão conceitual tormentosa, fruto,
especialmente, de sua aplicação e mesmo natureza extremamente variada em
face dos diversos grupos classificados
como minoritários. Mas, convém inserir
aqui uma idéia conceitual, mesmo que
aproximada, do que seja uma minoria do
ponto de vista social.
Minoria é um segmento social, cultural ou econômico vulnerável, incapaz de
gerir e articular sua própria proteção e a
proteção de seus interesses, objeto de
pré-conceituações e pré-qualificações de
cunho moral em decorrência de seu distanciamento do padrão social e cultural
hegemônico, vitimados de algum modo e
em graus variados de opressão social e,
por tudo isso, demandantes de especial
proteção por parte do Estado.
Neste contexto, os portadores de
deficiência se inserem como uma minoria
que precisa desta proteção especial. Muito embora exista uma espécie de senso
comum no sentido de que os portadores
de deficiência não sofreriam discriminação propriamente dita, mas somente dificuldades de acesso ante a ausência de
políticas públicas, a verdade é que esta
discriminação – fundada em preconceitos
os mais diversos – existe sim.
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 1 • Janeiro • Fevereiro de 2012
Dr. Antonio Celso Baeta Minhoto
17
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 1 • Janeiro • Fevereiro de 2012
18
A gama de conceitos fechados e
preconceituosos é bastante matizada,
caminhando de um extremo a outro.
Assim, há quem diga que contratar portadores de deficiência “dá azar” ou que
convém não interferir, pois se tratam de
pessoas “castigadas por Deus”, como
também há, no outro extremo, aqueles
que discriminam pessoas em tal condição por mero comodismo ou desejo de
não envolvimento com a questão, pura e
simplesmente. Custo de adaptação dos
locais, públicos ou não, também ocupa
espaço próprio neste campo. E, o que é
mais pernicioso, tudo isso se dá, muitas
vezes, de modo velado, sub-reptício e não
declarado.
Surge do quadro acima, desse modo,
a necessidade de se dar voz e oportunidade a tais pessoas, afinal, como nos
lembra o estudioso Muniz Sodré, esses
indivíduos querem o “reconhecimento
societário de seu discurso”. No caso do
portador de deficiência, não há, como no
caso dos negros, um rechaçamento por
sua origem ou, ainda, como no caso dos
homossexuais, que sofrem discriminação
por seu comportamento. Os deficientes
enfrentam outro tipo de discriminação,
bem mais velada como se disse: aquela
que se volta para a inadequação, para a
fuga do modelo tido como normal, desejável, aceitável. Isso tende a manter os
deficientes numa situação de aleijamento
social, de não acesso aos bens (materiais
ou imateriais) produzidos pela sociedade.
Ainda em 1975, a ONU elaborou um
documento nominado Declaração dos
Direitos das Pessoas Deficientes, cujo
artigo 3º diz que “as pessoas deficientes
têm direito inerente de respeito por sua
dignidade humana (...) têm os mesmos
direitos fundamentais que seus concidadãos da mesma idade, o que implica,
antes de tudo, o direito de desfrutar uma
vida decente, tão normal e plena quanto
possível”
No Brasil, vimos surgir nos anos 80
leis e previsões constitucionais protetivas
do deficiente. Na Constituição Federal
temos o art. 7º, vedando discriminação
de salários e critério de admissão à
portadores de deficiência; art. 23, II,
criando a obrigação formal às pessoas
de direito público interno de proteção
às pessoas portadoras de deficiência;
art. 37, VII, criação de reserva de vagas
em concursos públicos aos portadores
de deficiência; art. 208, III, que impõe
ao Estado o dever de dar atendimento
educacional especializado aos portadores
de deficiência.
Na sequência da Constituição, que é
de 1988, algumas leis tomaram espaço.
Citamos quatro destas leis: Lei 7853/89,
prevê a criação da Coordenadoria Nacional para Integração das Pessoas Portadoras de Deficiência (CORDE); Lei 8212/91,
que regulamentou a criação de vagas
(20%) em concursos públicos em sistema
de reserva para portadores de deficiência;
Lei 8213/91, criadora da reserva de vagas nas empresas da iniciativa privada,
com mais de 100 (cem) funcionários; Lei
8998/95, garantidora de isenção de IPI
para aquisição de automóveis por portadores de deficiência.
Mais adiante, já em 2001, é acolhida
no Brasil a Convenção Interamericana
para a Eliminação de Todas as Formas
de Discriminação contra as Pessoas
Portadoras de Deficiência que inclusive
conceitua a idéia de deficiência: “O termo ‘deficiência’ significa uma restrição
está o problema ali tratado resolvido ou
encaminhado.
Um exemplo ilustra bem o nosso comentário. Recentemente, ainda em 2010,
foi alterado o artigo 6º da Constituição
Federal para inserir ali, como direito fundamental, o direito à alimentação, aliás,
ao lado dos direitos à moradia, trabalho,
lazer e segurança. Significa isso que o
problema da má alimentação, da desnutrição, da subnutrição e mesmo da fome,
está resolvido? A resposta é um intuitivo
não. Mas a previsão de tal direito na
Constituição, e ainda como direito fundamental, parece dar a sensação de que
muito se avançou ou de que, finalmente,
conseguimos alcançar tal ponto, mesmo
sem sabermos que ponto é este afinal.
O deficiente precisa ser ouvido,
precisa ser incluído e os não deficientes
precisam igualmente se expor. Devemos
debater não só se falta vontade política,
mas se falta também vontade social de
incluir o portador de deficiência. Em cidades grandes como Rio de Janeiro, São
Paulo ou Belo Horizonte, prédio privados
e até mesmo públicos, ainda que novos,
são edificados sem qualquer obrigatoriedade de acesso e permanência com conforto do deficiente. Quanto às adaptações
dos espaços públicos, caminham lentas
e de modo incompleto, invariavelmente.
A par disso, há ainda a parte de conteúdo para a qual só há um caminho: o
diálogo e a troca de idéias constantes.
Preconceito se dissipa e se afasta com
conceitos objetivos, racionais, na boa-fé
próprias das trocas de impressões, e
estes conceitos são gerados ou obtidos
com o aclaramento das questões, dos temas, das situações, das peculiaridades.
Não há outro meio. E nem há qualquer
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 1 • Janeiro • Fevereiro de 2012
física, mental ou sensorial, de natureza
permanente ou transitória, que limita a
capacidade de exercer uma ou mais atividades essenciais da vida diária, causada
ou agravada pelo ambiente econômico e
social.
O artigo 5º do Decreto 5296, de
2004, é minucioso ao indicar quem pode
ser caracterizado como deficiente e que
possíveis situações se enquadram em tal
conceito, mas queremos aqui ir além e
destacar uma lei anterior, de 1999, a Lei
9867, cujo artigo 3º amplia o rol de deficientes, incluindo “(...) I – os deficientes
físicos e sensoriais; II – os deficientes
psíquicos e mentais, as pessoas dependentes de acompanhamento psiquiátrico
permanente, e os egressos de hospitais psiquiátricos; III – os dependentes
químicos; IV – os egressos de prisões;
V – vetado; VI – os condenados a penas
alternativas à detenção; VII – os adolescentes em idade adequada ao trabalho e
situação familiar difícil do ponto de vista
econômico, social ou afetivo”
Seja como for, o que se nota é que
avançamos bastante no tocante a prever de modo formal e com força de lei,
sob imposição de sanções, portanto, os
direitos dos portadores de deficiência.
Mas este avanço, na vida prática destes
deficientes, é ainda em boa parte um
simples rol de boas intenções. Falta o
que se usou chamar de concretude ou
densidade a tais previsões.
O caminhar social – exceção feita às
rupturas violentas, como é o caso das
revoluções – é normalmente mais lento,
muitas vezes ciclotímico, ao menos no
Brasil. E ainda temos como fator prejudicial um certo vezo formalista. Imagina-se
que uma vez previsto certo direito em lei,
19
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 1 • Janeiro • Fevereiro de 2012
corta-caminho ou atalho que nos livre de
tal processo de clarificação do assunto
em questão.
Nem superproteção e nem desproteção total. O deficiente precisa ser visto
como realmente é, ou seja, um indivíduo
que possui anseios, sonhos, projetos,
desejos, sofrimentos, inseguranças,
belezas, pontos claros e escuros como
quaisquer outros indivíduos ditos normais, até porque, deficientes somos
20
todos nós. Estas deficiências, em alguns
de nós, esta mais visível, noutros há que
se “vasculhar” um pouco mais. Mas a
normalidade como concebida de modo
geral em nossa sociedade, é um conceito
fugidio, vago e que precisa ser questionado frente a um projeto maior, qual
seja o de um convívio humano civilizado,
avançado e pleno como se pretenda seja
o do homem nos arbores do século XXI.
Antonio Celso Baeta Minhoto, Advogado e Doutor em
Direitos Fundamentais, é também Professor Universitário. [email protected]
reporta g em
A s s o c i a ç ã o C r u z Ve r d e
Valorizar olhares, gestos
e sorrisos
Na Associação Cruz Verde o mínimo
é máximo, pois as pequenas conquistas
podem ser muito significativas para quem
tem incapacidade motora cerebral, principalmente, com um grau de comprometimento motor maior.
“Tenho sentimentos iguais aos de
qualquer pessoa. Sinto amor, carinho,
tristeza, saudade, alegria e desejos.
Acredito que amor é um sentimento
importante nas nossas vidas, pois é um
dos componentes essenciais que nos
complementam e ajudam a realizar nossos sonhos. Como um bom capricorniano,
adoro amar e ser amado”, escreveu, Carlos Eduardo dos Anjos Souza (o Dudu) em
Carlos Eduardo dos Anjos Souza (o Dudu) publicou um livro.
Arquivo da Cruz Verde
seu livro: “Minha Casa Verde”, editado
em parceria com Carla Patrícia Frigério
Flório, fonoaudióloga da associação. Para
ela, Dudu tem um carisma e uma força de
vontade admirável e valoriza cada atitude
relacionada ao próximo. “Ele conduz a
uma reflexão sobre os valores humanos
e de como as pessoas enfrentam as situações cotidianas”, acrescenta.
Dudu tem 43 anos e sempre viveu
somente dentro da associação, que
desde 1958, auxilia pessoas que possuem comprometimentos motores e/ou
cognitivos de maior ou menor complexidade, que vivem internas nos leitos da
Cruz Verde e/ou incluídos na sociedade.
Hoje, sua equipe multidisciplinar realiza
mais 1.800 atendimentos por mês,
principalmente para quem não tem condições de pagar pelos serviços. Criada
pelo neurologista Dr. Antonio Branco
Lefevre, professor da Universidade de
São Paulo que atendia muitos pacientes
Fachada da associação em São Paulo
Arquivo da Cruz Verde
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 1 • Janeiro • Fevereiro de 2012
Leandra Migotto Certeza
21
com incapacidade motora cerebral, em
seu consultório, e também no Hospital
das Clínicas, a Associação Cruz Verde,
conta com mais de 270 profissionais
trabalhando em diversas áreas como
fisioterapia, psicologia, terapia ocupacional, neurologia, pediatria, fonoaudiologia, odontologia; além de médicos e
enfermeiros especializados em atender
pessoas com vários comprometimentos
motores, com ou sem outras deficiências
associadas, como por exemplo: intelectual, visual ou auditiva.
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 1 • Janeiro • Fevereiro de 2012
Existem três unidades de atendimento
na Associação Cruz Verde:
22
• Hospital: que atende 202 pessoas
somente com incapacidade motora
cerebral de alto comprometimento que
residem na associação e são assistidos por toda equipe. Estas pessoas
são encaminhadas por hospitais, abrigos ou por via judicial, decorrentes de
abandono familiar após o nascimento
por famílias não têm condições financeiras para arcar com as despesas dos
tratamentos intensivos necessários.
Não há limite de outra condição, como
Arquivo da Cruz Verde
uma deficiência associada à física
para viver na associação;
• Ambulatório: atende crianças de até
12 anos com comprometimentos menores, que vivem com suas famílias.
A associação oferece serviços de
reabilitação há 150 pessoas por mês
através de consultas pré-agendadas,
como odontologia;
• Hospital Dia: crianças de até 12 anos
com comprometimentos variados recebem reabilitação mais intensificada e
passam o dia na associação, voltando
ao convívio familiar. São atendidas 25
pessoas por mês.
“Nós também montamos um centro
cirúrgico porque uma parte das pessoas
da associação não é possível de atender
na odontologia de forma convencional, na
cadeira. Então eles precisam receber uma
anestesia geral e num único momento
todo procedimento que é necessário”,
explica Marilena Pacios, superintendente
da associação.
Gustavo Bispo da Silva, 10 anos
teve um problema migração neuronal
e está em atendimento na associação
desde maio de 2005. Vive com a mãe
na casa dos seus avós. Ele freqüenta
enfoque busca-se o fortalecimento dos
laços afetivos e a manutenção do quadro
emocional”, conclui Karina.
A maior parte das famílias das
pessoas atendidas na Cruz Verde tem
como renda familiar um salário mínimo,
referente ao benefício de prestação continuada assegurado pela Lei Orgânica de
Assistência Social – LOAS. Os 98% dos
leitos são conveniados pelo Ministério
da Saúde pelo SUS, que infelizmente,
há mais de 8 anos não reajusta a tabela,
então é feito um trabalho diário de captação de recursos. A Cruz Verde também
têm convênio com o FUMCAD – Fundo
Municipal da Criança e do Adolescente –
onde o contribuinte poderá destinar parte
do seu imposto de renda para financiar
nossos projetos. Se for pessoa física, até
6% do imposto poderá ser destinado, e
pessoa jurídica até 1%. Para obter mais
informações sobre as formas de contribuição, entrar em contato pelo telefone (11)
5579-7335, site: http://www.cruzverde.
org.br ou pelo e-mail [email protected], falar com Juliana.
Maria Silvério, assistente social da
Cruz Verde salienta que é uma preocu-
Desafios da Associação Cruz Verde
Arquivo da Cruz Verde
Desafios da Associação Cruz Verde
Arquivo da Cruz Verde
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 1 • Janeiro • Fevereiro de 2012
a Cruz Verde duas vezes na semana,
para fazer fisioterapia, fonoaudiologia,
terapia ocupacional, hidroterapia e ter
acompanhamento psicológico. Segundo
a neuro-psicóloga da associação, Karina
Fernanda Thomaz, os médicos disseram
que ele não iria realizar nenhuma das
atividades como comer, andar, falar e
estudar; porém hoje ele já caminha com
auxilio, fala com dificuldade e freqüenta
o quarto ano do ensino fundamental na
escola regular pública.
“Gustavo está em processo de alfabetização e acreditamos que conseguirá.
Já lê algumas palavras e escreve seu
nome”, relata. A neuro-psicóloga também explica que as melhoras de cada
pessoa com deficiência são significativas
para os terapeutas que conhecem suas
limitações e dificuldades, porém para a
sociedade essas melhoras ainda não são
significativas. “Consideramos melhora
um sorriso, um gesto ou um olhar; diferente da sociedade que só dá importância
para o andar e o falar. Além disso, os profissionais do setor de psicologia sempre
respeitam a vontade tanto do paciente,
quanto dos familiares. Como principal
23
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 1 • Janeiro • Fevereiro de 2012
pação constante do Serviço Social da
associação o abandono familiar. “Desta forma, dentro de um programa de
humanização, que busca o bem estar
das pessoas atendidas, desenvolvemos
uma rotina para reintegrar os familiares
aos internos, promovendo sociabilizar e
resgatar os seus laços afetivos. Também
ressaltamos a importância e necessidade
dos familiares e responsáveis em visitarem com freqüência as pessoas que
vivem na associação, para a manutenção
do vínculo familiar. Esse é um grande
desafio dia após dia”.
Segundo a superintendente da associação a necessidade ter uma UTI no
hospital é cada vez mais presente, devido
à existência de pessoas com incapacidade motora cerebral com agravos clínicos
associados que fazem uso de traqueostomia, gastrostomia, e são dependentes de
oxigênio 24 horas por dia. “Ás vezes eles
entram num agravo tão importante que,
como nós não temos UTI, buscamos na
24
rede pública e nem sempre encontramos
vaga”, alerta.
Filho de Maria Joana, Dudu tem 14
irmãos, gosta de ler histórias românticas, assistir ao jogo do São Paulo (o seu
time do coração), comer feijoada, ir ao
shopping e “tirar barato de todo mundo”
dentro e fora da Associação Cruz Verde,
onde faz terapia ocupacional, hidroterapia
e fisioterapia.
Sua alegria é contagiante, mas já
passou por momentos bem difíceis na
vida como conta em seu primeiro livro:
“Quando eu era pequeno, tinha vergonha
de brincar com as crianças porque sabia
que era diferente e pensava que por isso
os vizinhos não iriam querer ficar junto
comigo. Mas eu estava errado, pois tive
muitos amigos e amigas durante minha
infância. E me lembro de um dia bastante
marcante: na hora do almoço, perguntei
para minha avó qual era realmente a minha doença e porque eu não podia andar.
Ela olhou para o meu pai e meu avô como
se estivesse pedindo autorização para
falar. Com a cara um pouco assustada
falou – Dado (meu apelido), você não é a
única pessoa que tem essa deficiência,
existem muitas crianças que também
têm”, e acrescentou: - Você vai conseguir
fazer poucas coisas sozinho. É muito
triste, mas nós adoramos você, e vamos
te dar todo carinho e amor”.
Como surgiu a idéia de escrever um
livro? Você já escrevia um diário, por
exemplo, ou começou a contar sua história de vida pela primeira vez?
Minha casa verde
Eu queria fazer um livro contando
a história da minha vida e foi tudo pela
primeira vez.
O texto todo já estava na minha cabeça! Eu convidei a Carla, fonoaudióloga da
Cruz Verde, para ajudar e nos reuníamos
toda segunda-feira.
Você escreve com o apoio de sua co-autora, a Carla. Como foi a sua relação
com ela para o livro ser fiel as suas
idéias? Conte um pouco sobre o processo. Você falava e ela escrevia no
computador? Quanto tempo levou para a
obra ser concluída? Quais as dificuldades
encontradas e quais as maiores vitórias?
Ela escrevia à mão, à caneta, enquanto eu falava. Nós somos muito amigos,
e ela foi fiel às minhas idéias. O livro
demorou dois anos para ser concluído.
A maior dificuldade foi lembrar sobre a
minha história quando eu era muito pequeno. E a maior vitória foi poder contar
a história da minha avó para todo mundo.
Qual a sensação que você tinha ao escrever cada frase? Você se emocionava?
Sentia alegria? Qual a importância desse
processo em sua vida? O que mais foi
difícil de lembrar sobre sua vida para escrever? E o que foi mais divertido contar
aos leitores?
Eu ficava alegre em escrever a minha
história. Eu me lembro desse processo
com muito carinho e muita saudade. O
mais difícil foi me lembrar da época que eu
morava na cidade de Santos. Eu gostei de
contar o capítulo “Bagunças escondidas”.
Qual o objetivo de contar sua história
de vida ao mundo? Você acredita na importância das pessoas com deficiência
contarem suas vidas para serem ouvidas,
principalmente, aquelas que têm muitos
comprometimentos graves como a paralisia cerebral, por exemplo?
A minha idéia era escrever sobre a
Cruz Verde para toda a pessoa que tem
um filho que usa cadeira de rodas, e mostrar como é a vida de um cadeirante. Eu
acho isso muito importante, por causa do
grande preconceito, naquela época não
tinha nada para cadeirante, agora tem,
como: carro, casa, elevador, calçada com
rampa, banheiro, ônibus, taxi, shopping,
teatro e cinema.
Conte resumidamente um pequeno
episódio do livro que você mais gosta,
só para deixar os futuros leitores com
vontade de comprar o seu livro.
O Dr. Hélio falou: “eu sou são-paulino” e eu falei “eu também sou!”,
e ele ia dar uma camisa do São Paulo
pra mim. Aí, um dia, o Dr. Hélio chegou
e falou com a Dona Marilena que o jogador do São Paulo, o Rogério ia vir aqui!
Ai a gente organizou uma festa para ele
que ia vir meio-dia, mas perdeu a hora.
Achei que ele não iria vir mais, mas aí
ele chegou!
Você pretende escrever outras obras?
Quando? Quais são seus projetos de
trabalho?
Eu tenho outro projeto, para outro
ano. Eu não sei se este projeto vai ficar
bom, mas eu tenho a idéia! O título do
outro projeto também é a Minha Casa
Verde.
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 1 • Janeiro • Fevereiro de 2012
Conte um pouco sobre o processo de
criação da obra. O texto já estava na sua
cabeça ou você teve mais idéias durante
a elaboração do livro?
25
O que você sentiu ao receber os comentários dos seus leitores? O livro está
sendo bem divulgado? Você acha que a
mídia não fala muito de escritores com
deficiência? O que precisa ser feito para
o trabalho deles ser reconhecido?
O livro está sendo bem divulgado em
escolas, e eu fico bem contente com os
comentários. Eu acho que as palestras
e feiras de livros nos colégios são bem
legais para divulgar o meu livro. Mas a
mídia fala muito pouco sobre escritores
com deficiência.
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 1 • Janeiro • Fevereiro de 2012
Qual a importância do seu livro para
aquelas pessoas com incapacidade motora cerebral que também tem o sonho
de contar suas histórias? Você conhece
outros autores com a mesma deficiência
que a sua? Você acha que ainda existe
muito preconceito? As pessoas não
acreditam que essas pessoas possam
escrever um livro?
26
Meu livro ensina a erguer a cabeça e
ir em frente seguindo seu sonho. Algumas
pessoas não acreditam que eu escrevi um
livro, aí eu mostro o livro! Eu ainda não
conheço ninguém com a mesma deficiência que eu que escreveu um livro.
Qual mensagem você quer deixar para
os leitores da Revista Síndromes sobre
a inclusão de pessoas com deficiência
na sociedade?
As pessoas com deficiência podem
realizar seus sonhos, mesmo com as
dificuldades, o importante é sempre ser
alegre e estar contente com a vida. Toda
porta abre para quem é sempre feliz!
Amigos são muito importantes e valiosos,
como se fossem irmãos. É com eles que
compartilhamos os momentos de tristeza
e alegria, e são eles quem torcem por nós
e pela nossa felicidade. Eles são parceiros que muitas vezes adivinham o que
nós pensamos, sentimos e queremos.
Acredito que toda pessoa deve ter laços
de amizade, pois a solidão é algo triste.
Amigo para mim pode ser pessoa com ou
sem deficiência, não importa a idade nem
o sexo, mas a humildade, sinceridade,
simplicidade e a alegria de viver.
O vídeo do Dudu agradecendo o sucesso do livro já está na internet:
http://www.youtube.
com/watch?feature=player_
embedded&v=4wXnJc8j3uY
O que é incapacidade motora cerebral ?
Segundo Suely H. Satow*, doutora
em Psicologia Social e Comunicação pela
Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo, a incapacidade motora cerebral
ainda é a mais des­conhecida entre as deficiências físicas, até por muitos médicos.
Ocorre quando há falta de oxigenação
no cérebro, e pode, em alguns casos,
prejudicar a trans­missão de informações
entre os neurônios.
A deficiência não é hereditária ou
contagiosa, porque não é doença, e sim
consequência de problemas no parto.
Oitenta e oito por cento dos casos acontece por pré-maturidade, motivo pelo
qual é obrigatória, segundo o Estatuto
da Criança e do Adolescente, a presença
de um neonatologista ou pediatra na sala
onde a mãe irá dar à luz; pois, até hoje,
de 30 mil a 40 mil pessoas apresentam
a deficiência anualmente.
cuidado para diagnosticar a deficiência.
Com muita fisioterapia, terapia ocupacional, fonoaudiologia e psicoterapia, essas
pessoas podem conseguir uma melhora
em sua qualidade de vida. E, quanto mais
cedo forem diagnosticadas e estimuladas, menos se­quelas terão no futuro.
*Suely tem incapacidade motora
cerebral e também é especialista em
Inclusão Social das Pessoas com Deficiência pela Uni­versidade de Salamanca
(Espanha); autora do livro: Paralisado
Cerebral: Construção da Iden­tidade na
Exclusão (2. ed. Taubaté: Cabral Edi­tora
Universitária, 2000); e diretora executiva
do Cedipod – Centro de Documentação e
In­formação do Portador de Deficiência –
www.cedipod.org.br/.
Leandra Migotto Certeza, é
jornalista e repórter especial
da Revista Síndromes. Ela
tem deficiência, é consultora
em inclusão e mantém o blog
“Caleidoscópio – Uma janela
para refletir sobre a diversidade da vida” – http://leandramigottocerteza.blogspot.com/
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 1 • Janeiro • Fevereiro de 2012
As características que os alunos com
a deficiência podem ter são: espasmos,
movimentos involuntários, lentidão (pois
as mensagens que o cérebro manda para
o corpo não correspondem à velocidade
dele, que é muito mais rápido do que os
movimentos para a execução da ação),
falta de equilíbrio e, algumas vezes, convulsões. Todas podem ser consequências
de uma lesão leve, moderada e/ou com
grande comprometimento.
E em muitos casos, a deficiência também é acompanhada por dificuldade de
fala e coordenação motora; e/ou deficiência visual ou auditiva, conforme o lugar
do cérebro em que ocorreu a alteração.
Poucas pessoas com incapacidade motora cerebral podem apresen­tar deficiência
intelectual. Por isso, deve-se ter muito
27
reporta g em
A sexualidade da pessoa
com deficiência
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 1 • Janeiro • Fevereiro de 2012
Por Leandra Migotto Certeza* - Cartuns de Ricardo Ferraz*
28
A sexualidade faz parte da vida de
qualquer ser humano, seja uma pessoa
com deficiência ou não. Ela vai além do
sexo, que é apenas seu componente
biológico. “É muito mais do que simplesmente ter um corpo desenvolvido ou em
desenvolvimento, apto para procriar e
apresentar desejos sexuais”, afirma a
orientadora sexual Maria Helena Brandão
Gherpelli no livro “Diferente, mas não
Desigual” (Editora Gente)(1).
Segundo a doutora em psicologia
clínica e mestre em psicologia social,
Ana Rita de Paula a sexualidade está
associada ao desenvolvimento da afetividade, à capacidade de entrar em contato
consigo mesmo e com o outro, elementos
fundamentais para a construção da auto-estima. Para a também co-autora do livro:
“Sexualidade e Deficiência: Rompendo
o Silêncio” (Expressão & Arte Editora),
nossa cultura tende a reduzir a sexualidade à função reprodutiva e genital,
sem levar em conta a importância dos
sentimentos e emoções decorrentes do
processo educacional e de vida do indivíduo. E que cada um pode viver muito
bem – e plenamente – sua sexualidade,
de acordo com o que suas circunstâncias
lhe permitem(2).
Ana Rita (que tem deficiência física) afirma em seu livro, a beleza é,
na verdade, uma condição biológica (e
não estética). “Considera-se belo o que
é simétrico, e pelas leis da natureza,
o simétrico tem mais chances de ser
saudável, portanto é mais capaz de propagar os seus genes. A aparência física
é o principal quesito para a atração, na
fase inicial das relações inter-pessoais,
enquanto que a inteligência e a personalidade têm uma importância secundária
nesse mecanismo”(3).
Marcela Cálamo Vaz Silva, 42 anos,
professora e mãe de dois meninos, não
acha que sexualidade seja uma questão a ser resolvida através de modelos
pré-estabelecidos pela mídia. Aos seis
anos, tornou-se paraplégica, devido a
uma infecção na medula. “Desde que o
mundo é mundo, o ‘belo’ sempre atrai
mais, mas isso não significa que na hora
de se relacionar com alguém, esse ‘belo’
seja o escolhido. Existem outros fatores
importantes, que não são necessariamente ligados à estética. Se não fosse
assim, não existiriam tantas pessoas
bonitas solitárias. E isso tem sido cada
vez mais comum de se encontrar nos
dias atuais”.
O psicólogo Fabiano Phulmann (4),
discorda de Marcela, e alerta que em
nossa sociedade, a beleza física e a
perfeição ainda são muito valorizadas,
e maciçamente divulgadas pela mídia,
fazendo-nos, erroneamente, atribuir ou
restringir a sexualidade ao aspecto físico.
Para o também membro da Sociedade
Histórias de amor
Segundo a assistente social, Nina
Regem e, a doutora em psicologia clínica Ana Rita de Paula, a sexualidade se
desenvolve a partir do modo como nos
enxergamos e percebemos que as pessoas nos enxergam. Embora as sensações
de prazer se dêem no corpo material; a
sexualidade se constrói e se expressa
no corpo simbólico, ou seja, no corpo
que temos em mente, na imagem que
fazemos dele, nas fantasias que temos
com ele. “Nós conhecemos nosso corpo
ao andar, ao fazer amor, aos nos lavar,
do mesmo modo que o conhecemos por
meio da dor, da doença e das emoções.
Esta bagagem inclui experiências físicas
e psicológicas, imaginárias e reais, do
presente e do passado” (7).
Para estas especialistas, muitas pessoas com deficiência só tiveram experiências distantes do prazer. “Durante anos,
seu corpo foi (ou é) alvo de intervenções
médicas, fisioterápicas ou corretivas que
não contribuem para despertar o erotismo. Ao contrário, apontam o que há de
errado, diferente, que precisa ser ‘consertado’, ‘normatizado’, caso contrário será
sempre um corpo doente. Como se isso
não bastasse, o espelho para o mundo
é um padrão de corpo perfeito. Como
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 1 • Janeiro • Fevereiro de 2012
Brasileira de Sexologia Humana: “diante
de tudo isso não é de se estranhar que
as pessoas com deficiência, geralmente,
venham ser consideradas ‘doentes’ e
assexuadas. E que quem não tem deficiência possa sentir mal-estar na presença
de quem tem uma deficiência”.
Segundo Fabiano, que é tetraparético
(pessoa com paralisia parcial das pernas
e dos braços), a deficiência pode mobilizar sentimentos ambíguos: de atração
e repulsa, diretamente relacionados, ao
medo que as pessoas sem deficiência
têm de adquirir alguma deficiência (5). O
grande problema, que a bióloga e especialista em sexualidade humana, Arletty
Cecília Pinel aponta, é que, infelizmente,
as pessoas com deficiência ainda são
idealizadas como seres frágeis, que possuem incapacidades múltiplas, pobres
coitados de quem devemos ocultar tudo
o que possa machucar.
A equipe do Instituto de Estudos e
Pesquisas, Amamkay, responsável pela
pesquisa: “Pessoas com deficiência
e HIV/aids: interfaces e perspectivas:
uma pesquisa exploratória” alerta para
os mitos de fragilidade e invisibilidade
que a sociedade ainda tem em relação
à sexualidade das pessoas com deficiência. Um dos principais resultados
divulgados pelo instituto em 2009, foi
ainda é bastante arraigado, tanto entre
familiares quanto entre profissionais e
educadores, o mito de que a sexualidade das pessoas com deficiência é, por
natureza, intrinsecamente problemática
e até patológica. Dificilmente imaginam
que essa pessoa possa, sequer, sentir
desejo ou que seja capaz de se relacionar amorosa e sexualmente, casar e
formar a sua família”(6).
29
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 1 • Janeiro • Fevereiro de 2012
fica, então, a auto-estima da pessoa com
deficiência? A tendência é não se achar
atraente, duvidar que possa ser alvo do
desejo dos outros” (8).
O psicólogo Fabiano Puhlmann, conta ser freqüente, as pessoas verem um
homem com deficiência junto com uma
mulher bonita que não tem deficiência
e logo pensarem: ou é compaixão ou
ele é rico. Ninguém imagina que essas
pessoas tenham uma vida sexual ativa.
“Uma cliente minha, que nasceu com uma
deficiência, estava grávida. Ao pegar um
táxi, o motorista perguntou quem foi que
lhe tinha feito aquilo. Como se ela tivesse
sido estuprada e não tivesse escolhido a
gravidez como todo mundo, ou como se
não tivesse sexualidade e não fosse fértil”.
30
Em pleno século XXI, ainda acredita-se
que a mulher e o homem com deficiência
não têm sexualidade. Eles tendem a serem vistos de forma infantilizada, a serem
protegidos e cuidados – (esta postura
ainda é bastante comum, especialmente
com adolescentes com deficiência intelectual). Esse estigma também traz outros
grandes equívocos. Por exemplo: mulheres com deficiência física, em cadeira de
rodas, não podem ter filhos ou praticar o
ato sexual; ou mulheres e/ou os homens
cegos possuem um toque mais sensível,
o que tornaria o ato sexual muito mais
prazeroso. Também paira o mito de que
as pessoas com deficiência intelectual são
sem-vergonhas, inconvenientes, e masturbadores compulsivos, por terem uma
suposta sexualidade exacerbada e sem
governo. Enfim, são muitos os equívocos
que precisam ser desfeitos!
A mulher com deficiência física ou
motora, pode ou não ter filhos, pois não
há relação nenhuma entre deficiência
(seja ela qual for) e fertilidade, a não ser
que a infertilidade seja ocasionada por
fator externo à deficiência, assim como
ocorre com mulheres sem deficiência. A
mulher ou o homem com deficiência visual pode exercer sua sexualidade usando
ou não o tato; assim como escolher se
querem ter filhos ou não. Pessoas com
deficiência intelectual podem exercer sua
sexualidade, respeitando as convenções
do que pode ser feito em público ou não.
É importante levar esta informação às
pessoas, pois quem nunca teve a oportunidade de conviver com uma mulher ou
homem com deficiência, provavelmente
carrega estes falsos conceitos consigo.
Também é fundamental que o adolescente com deficiência possa reconhecer
sua sexualidade. É justamente em decorrência deste auto-reconhecimento que o
outro passará a enxergá-la com este atributo e como uma possibilidade amorosa.
“Uma pergunta que sempre me fazem
é se meu marido também tem alguma
deficiência. Achavam natural, que uma
pessoa com deficiência procurasse se
unir a outro, cuja deficiência fosse igual
ou parecida com a sua, pois assim seriam compreendidos completamente e,
conseqüentemente, mais felizes. Não
tenho nada contra quem se une a alguém
‘igual’ mas, o que não entendo é pensar
que com o ‘igual’, a chance de ser feliz
será maior. Crescemos convivendo com
pessoas cujas crenças, pensamentos,
cultura, limitações são diferentes das
nossas. Conviver com diferenças sempre
nos faz crescer, sejam elas quais forem,
e a ação contrária gera discriminação,
grupos fechados e guetos. Então, por que
algumas pessoas com deficiência acreditam que só serão aceitas e felizes unindo-se a outras pessoas com deficiência?,
questiona Marcela em seu BLOG: http://
www.tchela.blogspot.com/”. “Quando
Ricardinho nasceu, minha família toda
ficou festejou. Não era apenas mais uma
criança na família, mas sim, ‘o filho da
Marcela’. A mesma Marcela que, desde
criança, despertava dúvidas sobre o futuro. Se alguém ainda se preocupava em
saber se minha paraplegia faria diferença
em minha vida, capacidade reprodutiva e
felicidade, depois da chegada de Ricardinho isso ficou definitivamente esquecido.
As dúvidas deram lugar às certezas”.
“Comecei a namorar tarde. Achava
que ninguém ia me aceitar. PC se apaixona também, fica boba, e se sente mais
rejeitada ainda. Vê que seus horizontes
são mais impossíveis ainda. E tem muitas dificuldades em relação ao sexo. Tem
algumas coisas que são difíceis mesmo.
Posições e músculos que não funcionam
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 1 • Janeiro • Fevereiro de 2012
Para Marcela: “as pessoas que têm
oportunidades de terem contato com
outras, têm muito mais chance de se relacionarem. No caso das com deficiência,
há uma série de fatores que interferem
nisso, como barreiras arquitetônicas,
(que dificulta o acesso aos lugares), e
os pré-conceitos daqueles que os enxergam como seres imaculados, etc. Quem
não sai de casa, dificilmente conseguirá
namorar ou ‘ficar’ com alguém. Mas nas
comunidades do Orkut na Internet dá para
sentir que as pessoas com deficiência
estão buscando as mesmas coisas que
as sem deficiência, inclusive relacionamentos que envolvam amor e sexo.
Ninguém está à procura de cuidados,
mas sim de troca, e de um companheiro
(a) para viver um relacionamento em que
haja, sobretudo, reciprocidade”.
A jornalista e doutora em Comunicação e Semiótica e professora do curso de
Comunicação e Turismo da Universidade
Federal da Paraíba, Joana Belarmino (que
tem deficiência visual total), concorda
com Marcela. Para Joana: “a sociedade
evoluiu, material e culturalmente, e ampliou os espaços de atuação dos seus
grupos. Entretanto, no cotidiano das
suas práticas e costumes, aferra-se aos
arquétipos primeiros da criação do sujeito humano, os quais fundamentaram ao
estigma e o preconceito, fazendo com
que persistissem para nós mulheres:
cegas, surdas, com limitações físicas
ou outras, o traço da desvantagem, da
desqualificação, da desconsideração, ou
da consideração de nós mesmas, a partir
da supervalorização da nossa deficiência,
como a falha mais visível. Isso inviabiliza
uma percepção de nós mesmos, como
sujeitos humanos globais”.
31
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 1 • Janeiro • Fevereiro de 2012
como deveriam, outros que funcionam
mais do que deveriam. Você vai fazer
sexo com um apoio no braço e não consegue. Não é igual todo mundo faz. Tudo
depende de uma adaptação. Tem que
ter uma colaboração muito grande do
parceiro, principalmente, quando se tem
espasticidade, que é incontrolável. Eu
não conheço outro PC casado. Eu conheço pessoas com hemiplegia e paraplegia
casados, mas PC não”, desabafou Maria
(nome fictício) entrevistada para o livro
“Paralisado Cerebral – Construção da
Identidade na Exclusão” (Cabral Editora
Universitária), escrito por, Suely Harumi
Satow, mestre e doutora em psicologia
social, e bacharel em filosofia e comunicação social(9).
32
Para Suely que possui incapacidade
motora cerebral (IMC, erroneamente popularizada como PC – paralisia cerebral),
as pessoas com IMC, podem passar por
dificuldades maiores do que as demais
pessoas com deficiência, principalmente
em relação à sua sexualidade(10). “Eu
sei que a PC não é hereditária, mas eu
tenho muito medo de ter um filho deficiente. Acho que não tenho força para
ter um parto normal. Ainda sinto muita
vergonha de mim mesma, e isso é o que
é o difícil da aceitação pessoal”, contou
Maria à Suely.
Para a professora e doutora em psicologia, Bader Burihan Sawaia, é preciso
compreender que exclusão não é um
estado que uns possuem, outros não.
Não há exclusão em contraposição à inclusão. Ambos fazem parte de um mesmo
processo – “o de inclusão pela exclusão”
– face moderna do processo de exploração e dominação. O excluído não está à
margem da sociedade, ele participa dela,
e mais, a repõe e a sustenta, mas sofre
muito, pois é incluído até pela humilhação
e pela negação de humanidade, mesmo
que partilhe de direitos sociais no plano
legal. Segundo a doutora Bader: “a inclusão pela humilhação objetiva-se das mais
variadas formas, desde a inclusão pelo
“exótico” até a inclusão pela “piedade”
(personagem coitadinho), e não tem uma
única causa. O estigma de ter uma deficiência interpenetra-se com outras determinações sociais como classe, gênero,
etnia e capacidade de auto-diferenciação
dos indivíduos, configurando variadas
estratégias de objetivação da reificação
das diferenças” (11).
É por isso, ainda existe muito preconceito entre a união de uma pessoa
com deficiência e outra sem. Sidney T.
Souza e Débora K. Souza, casados há
mais de 21 anos, têm dois filhos adolescentes. Débora, 43 anos é representante
Já para o casal Claudia Sofia Pereira e Carlos J. Rodrigues, o preconceito
que enfrentaram, no primeiro momento,
partiu de alguns membros da família de
Carlos, que ficaram preocupados por os
dois serem surdocegos (deficiência única
que apresenta as deficiências auditivas e
visuais concomitantemente em diferentes
graus) (13). “Pensaram que não tínhamos
condições de ter uma autonomia de vida
há dois. Namoramos três anos, e nos
conhecemos em 1994 por correspondências em Braille. Estamos casados,
há 2 anos e 6 meses, e somos muito
felizes. Ainda não temos filhos, mas pretendemos ter conforme Deus quiser, no
máximo dois”, conta Claudia.
Carlos, 48 anos, diretor de esportes
do Grupo Brasil é surdo total e tem baixa
visão. Já Claudia, 39 anos, é surdocega
total e coordenadora da Associação Brasileira de Surdocegos. Eles têm esperança
que os surdoscegos tenham um futuro
melhor em relação à sexualidade, pois
sabem que eles ainda sofrem muitas
discriminações. Para Claudia também é
muito importante que a sociedade saiba
que as pessoas com deficiência têm
capacidade de ter um relacionamento
amoroso feliz! (14)
A felicidade também está presente
na vida de Rita de Cássia N. Pokk, 27
anos. Em 2003, casou-se com Ariel J.
Goldenberg, 27 anos, também com deficiência intelectual. Ariel sempre diz que
todas as pessoas com síndrome de Down
têm direito de sonhar, trabalhar, casar, e
se desejarem, morarem sozinhos depois
de casados. “O casamento para mim
representa duas pessoas que se amam
muito e que tem respeito um pelo outro.
Não é só amor, sexo e cama. Um casal
tem que ceder em algumas coisas. Dar
carinho, amor, afeto e compreensão. No
casamento não deve ter brigas e nem
discussão. Tem que ter é paz, harmonia
e amor. Quando eu estava entrando com
meu pai para casar, e vi o Ariel lá na
frente, (de terno cinza muito lindo) eu
senti muita emoção, porque daquele momento em diante; eu ia ficar para sempre
com o homem que eu amo”, conta Rita.
“Quando eu vi a Rita entrar vestida de
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 1 • Janeiro • Fevereiro de 2012
comercial e não tem deficiência. Sidney,
43 anos, cego total, é bacharel em Administração de Empresas, e analista de sistemas. “Era comum perguntarem quando
nos viam juntos se éramos irmãos. Sou
moreno de olhos castanhos e minha
esposa é bem clara e tem olhos verdes. Não há nada que nos faça parecer
irmãos. Quando falávamos que éramos
namorados alguns diziam: Parabéns!
Mas no fundo questionavam preconceituosamente: Como um cego conseguiu
arrumar uma namorada? Ou como uma
jovem, apesar de bonita, se dispôs a
NAMORAR um CEGO? Além disso, uma
colega da minha esposa, felizmente de
pouca influência e nada persuasiva, fez
um comentário depreciativo ao saber que
ela estava namorando comigo. O comentário foi: você está matando cachorro a
grito?”(12).
33
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 1 • Janeiro • Fevereiro de 2012
34
noiva de braço dado com o pai dela eu
me emocionei tanto, que derramei algumas lágrimas. Agradeci a Deus, pois o
meu grande sonho estava se realizando,
eu ia casar com a mulher que eu amo”,
confessa Ariel (15).
O publicitário, Hélio da Silva Pottes,
e a enfermeira, Kênia M. Hubner Pottes,
ambos com 52 anos, também são felizes há 18 anos. Do casamento de duas
pessoas com nanismo acondroplásico,
nasceu Maria Rita, 16 anos, estudante
anã. “Considero a nossa sexualidade
dentro dos parâmetros de normalidade.
O único receio que tivemos era engravidar
fora de hora, pois éramos estudantes.
Então, resolvi fazer uso de contraceptivo
por um tempo. Depois nos cuidávamos
porque não pude continuar tomando-os
por ter engordado muito. Mas alguns familiares se preocupavam com o risco de
eu engravidar e gerar problemas de saúde
tanto para mãe como para o bebê”, conta
Kênia. Para ela, por falta de conhecimento e cultura, nossa sociedade considera
muitas vezes a pessoa com deficiência
‘assexuada’. “É pura ignorância e individualismo, além de ser mais cômodo do
que entender e respeitar que as pessoas,
embora diferentes no seu estado físico,
são muito semelhantes nos instintos e
nas emoções”, conclui Kênia (16).
A psicóloga Ana Rita explica que no
início dos anos oitenta a sexualidade,
finalmente, começou a ser timidamente
abordada dentro de outros contextos,
como por exemplo: a adolescência; o
desempenho de papéis sexuais; a gravidez; e o planejamento familiar para
casais com deficiência. Para ela, estes
estudos já revelam uma tendência,
embora tênue, de elaborar uma análise
mais psicossocial do que meramente
orgânica e genital.
No entanto, como o enfoque do
estudo da sexualidade das pessoas
com deficiência ainda é desenvolver
técnicas de intervenção clínica e de
aconselhamento visando ao ajustamento social, ainda persiste o viés
de ‘patologizar’ a sexualidade e a
deficiência. Só mais recentemente a
abordagem psicossocial começou a
assumir timidamente lugar de destaque. Então, a ênfase passou a ser
colocada no direito a exercer uma vida
sexual satisfatória e na possibilidade
de conquistar afeto e autonomia por
meio de vivências afetivo-sexuais (17).
Os especialistas afirmam que o
verdadeiro processo de inclusão social eficaz deve ampliar essas visões
estereotipadas ao favorecer o resgate
da sexualidade e da eroticidade das
pessoas com deficiência. “Ser erótico
é possuir a vida, a liberdade, o movimento, o calor compartilhado. A pessoa
com deficiência precisa ser um homem
ou mulher em busca de prazer, com
responsabilidade e equilíbrio, seguros
de sua capacidade de envolver o ser
amado e de se apaixonar”, explica o
psicólogo Fabiano (18).
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 1 • Janeiro • Fevereiro de 2012
“Depois de paraplégico, sem forças
nas pernas para me manter ativo por cima
de uma mulher numa relação sexual, o
único jeito era ficar por baixo dela. Posição
privilegiada que proporciona ao homem
contemplar, reparar, ver muito mais essa
pretensa captura dos interiores femininos,
e concluir, de uma vez por todas, que o
grande capturado é ele (…). Antes, na
afoiteza de atingir a ejaculação, permanecia por cima com a cabeça afundada na
cama – e o pior, de olhos fechados. Sem
pernas para essa cavalgada, descobri os
dois mais extensos órgãos sexuais de
meu corpo: meus olhos. Apreciar o coito e
admirá-lo nas minúcias da fêmea em pleno erotismo, tal cálice consagrando-se ao
deixar-se penetrar: a triangular eminência
do púbis exaltada pela abertura das coxas,
a cintura volátil, os braços diluindo-se em
gestos orgásticos e, de vez em quando, os
seios abençoando-me os lábios”, relatou o
pintor João Carlos Pecci,(19). João ficou paraplégico (sem os movimentos dos braços
e das pernas) após um acidente de carro
em 1968, e é autor do livro “Velejando a
Vida” (editora Saraiva), obra que narra sua
trajetória para engravidar sua amada, que
deu a luz a uma linda menina, após muito
carrinho e ótimos tratamentos. E hoje ele
seduz a vida em todos os sentidos.
Um dos aspectos mais importantes
da sexualidade da pessoa com deficiência,
segundo Fabiano, é a sedução. “Para seduzir
você precisa saber quais são as suas forças.
Se alguém acha que não tem nenhum poder
de sedução porque tem deficiência, ou se
a cadeira de rodas é um peso enorme, o
outro sempre vai vê-lo no papel de amigo.
Desta forma fica difícil para a pessoa que
não tem deficiência se envolver, pois é um
horizonte novo. Ela tem ansiedades, medo,
resistências. Se quem tem deficiência sabe
disso, ele consegue facilitar para o outro. Se
ela consegue se relacionar no meio social,
passeia, tem amigos, a chance de conseguir
ter um parceiro é muito grande”.
O psicólogo esclarece que pensando
em uma pessoa que ficou com uma deficiência é preciso redescobrir o corpo como
um todo. Para ele há várias formas. “A
principal é se tocar de novo, ver as áreas
sensíveis e erógenas. Explorar a sensibilidade como um todo. Imagine uma pessoa
que sentia seu corpo inteiro e de repente
pára de sentir. Também é preciso usar recursos para flexibilizar os valores porque,
às vezes, é preciso inverter o jeito que se
observava as coisas. Caso a pessoa com
deficiência seja muito ‘quadrada’, é preciso torná-la mais maleável, com cursos de
dança inclusiva – nos quais as pessoas
são tocadas e desenvolvem a sensibilidade – ou com a ida a sex shops. A pessoa
com deficiência vai a uma loja dessas e
vê o que as pessoas compram como brinquedos de masturbação, camisinhas com
extensão de pênis e etc. Isso faz com que
ela comece a ver o sexo de forma mais
solta, com mais humor”, conclui Fabiano.
Fabiano explica que nosso crescimento
pessoal não depende só do outro, mas de
nós mesmos. Lutando, aprendendo, estabelecendo relações e nos lapidando, cada
um de nós pode desenhar o seu mapa do
35
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 1 • Janeiro • Fevereiro de 2012
36
amor. A educação tem muito a ganhar com
o trabalho de pessoas guiadas por mapas
do amor. Educação é acolhimento, disponibilidade, prazer. Requer competência
interna, para organizar a si próprio e externamente, para ir ao encontro do outro. Além
de coragem para se despir de preconceitos,
sobretudo na hora de lidar com pessoas,
que estão fora do que é erroneamente
considerado padrão em uma sociedade.
Atributos como esses são fundamentais
para desmistificar a sexualidade das pessoas com deficiência, e entender o que o
pintor João Carlos Pecci disse:
“…a junção sexual que inclui um homem paraplégico não permite somente um
maestro e uma única batuta a marcar o
compasso e o andamento eróticos. Induz a
uma regência diversificada: mãos que falam,
lábios que percorrem, braços que inventam
pernas. Multiplicar os dedos em profundas
estratégias onde a rigidez de um pênis não
consegue se manter com a necessária
demora de um pesquisador. Dotar o toque
de uma pressão quase científica, que não
seja constrangedora e muito menos imperceptível (aconselha-se um treinamento numa
pétala de rosas…), lastrear a boca com a
avidez de um recém-nascido e a habilidade
de um pistonista e deixá-la sem rédeas por
onde os lábios se encaixarem com maior
competência. Entro no funil do orgasmo
quando me largo em êxtase, num enlevo
incontido ao percorrer-me inteiro (corpo +
espírito) envolvido no gozo da mulher, mesmo sem sentir o corpo dela sobre o meu”.
1. Editora Gente – Brasil.
2. DE PAULA, Ana Rita; REGEN, Mina;
LOPES, Penha. “Sexualidade e
Deficiência: Rompendo o Silêncio”.
Expressão & Arte Editora, 2005.
3. DE PAULA, Ana Rita; REGEN, Mina;
LOPES, Penha. “Sexualidade e
Deficiência: Rompendo o Silêncio”.
Expressão & Arte Editora, 2005.
4. F a b i a n o P u h l m a n n é m e m b r o d a
Sociedade Brasileira de Sexologia
Humana. Terapeuta sexual há mais 16
anos se formou no Instituto H. Ellis, e
completou os estudos na Sociedade
Brasileira de Sexualidade. Contatos:
[email protected] ou Tel: (11)
5049-0075.
5. DE PAULA, Ana Rita; REGEN, Mina;
LOPES, Penha. “Sexualidade e
Deficiência: Rompendo o Silêncio”.
Expressão & Arte Editora, 2005.
6. Trechos da pesquisa “Pessoas com
deficiência e HIV/aids: interfaces
e perspectivas: uma pesquisa
exploratória”, desenvolvida pela equipe
do Amankay Instituto de Estudos e
Pesquisas, e divulgada em 2009.
7. DE PAULA, Ana Rita; REGEN, Mina;
LOPES, Penha. “Sexualidade e
Deficiência: Rompendo o Silêncio”.
Expressão & Arte Editora, 2005.
8. DE PAULA, Ana Rita; REGEN, Mina;
LOPES, Penha. “Sexualidade e
Deficiência: Rompendo o Silêncio”.
Expressão & Arte Editora, 2005.
9. Trecho da obra: “Paralisado Cerebral –
Construção da Identidade na Exclusão”
(Cabral Editora Universitária – 2000),
escrita por Suely Harumi Satow.
10.Suely tem a fala e os movimentos
do corpo diferentes da maioria das
pessoas, e muitas vezes já passou
por situações constrangedoras e
preconceituosas, quando as pessoas
supõem que ela também tenha algum
*Ricardo Ferraz é desenhista, cartunista, e professor
com deficiência física e autor do livro: “Visão e Revisão
- Conceito e Pré-Conceito.” (3ª edição lançada em
agosto de 2000, durante o XIX Congresso Mundial da
Reabilitação Internacional – Rio de Janeiro). Teve seus
desenhos selecionados no concurso nacional para vinhetas do “PLIN- PLIM” nos intervalos da TV Globo, de
março de 2001 à fevereiro de 2002; e de abril de 2005
à junho de 2007. Dos sete concursos realizados pela
Rede Globo, venceu quatro. Site: http://www.cadetudo.
com.br/ricardoferraz/
surda, podem existir resíduos visuais
(baixa visão) e resíduos auditivos
funcionais, suficientes para escutar uma
conversação, especialmente quando
contam com uma ajuda auditiva como
um aparelho.
14.Informações sobre o Grupo Brasil de
Apoio ao Surdocego e ao Múltiplo
Deficiente Sensorial – Brasil: Tel: 55
(11) 5579-5438 e ABRASC: Tel: 55 (11)
3342-2108.
15.Contatos com Ariel e Rita: www.
grandesencontros.com.br.
16.Contatos com Hélio e Kênia: www.ser.
anao.nom.br.
17.DE PAULA, Ana Rita; REGEN, Mina;
LOPES, Penha. “Sexualidade e
Deficiência: Rompendo o Silêncio”.
Expressão & Arte Editora, 2005.
18.DE PAULA, Ana Rita; REGEN, Mina;
LOPES, Penha. “Sexualidade e
Deficiência: Rompendo o Silêncio”.
Expressão & Arte Editora, 2005.
19.19- DE PAULA, Ana Rita; REGEN,
Mina; LOPES, Penha. “Sexualidade e
Deficiência: Rompendo o Silêncio”.
Expressão & Arte Editora, 2005.
*Leandra Migotto Certeza é
jornalista e repórter especial
da Revista Síndromes. Ela tem
deficiência, assessora de imprensa da ABSW, é consultora
em inclusão e mantém o blog
“Caleidoscópio – Uma janela
para refletir sobre a diversidade
da vida” – http://leandramigottocerteza.blogspot.com/.
Conheçam os modelos de palestras, oficinas, cursos e
treinamentos sobre diversidade, realizados em empresas,
escolas, ONGs, centros culturais e grupos de pessoas no
site: https://sites.google.com/site/leandramigotto/
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 1 • Janeiro • Fevereiro de 2012
comprometimento intelectual. Quem
tem incapacidade motora cerebral,
geralmente, apresenta dificuldade de
comunicação, descordenação motora,
movimentos involuntários, tônus
muscular bem diferente, conforme a
região do cérebro afetada. Em grande
parte dos casos não possui nenhum
comprometimento intelectual.
11.Trecho da obra: “Paralisado Cerebral –
Construção da Identidade na Exclusão”
(Cabral Editora Universitária – 2000),
escrita por Suely Harumi Satow.
12.Informações sobre o Sidney no e-mail:
[email protected].
13.A surdocegueira é uma deficiência
única que apresenta as deficiências
auditiva e visual, concomitantemente
em diferentes graus, levando a pessoa
surdocega à desenvolver diferentes
formas de comunicação para entender
e interagir com as pessoas e o meio
ambiente, possibilitando-a a ter acesso
a informações, uma vida social com
qualidade, orientação e mobilidade,
educação e trabalho necessitando de
um guia-intérprete para conquistar a
comunicação com os demais e também
para deslocar-se. A surdocegueira
não necessariamente significa que
a pessoa seja totalmente cega ou
37
art i g o do lei t or
O educador, as síndromes e as
dificuldades de aprendizagem
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 1 • Janeiro • Fevereiro de 2012
Prof. José Romero
38
Nas salas de aula de nossas escolas,
é bastante comum encontramos alunos
com dificuldade de enxergar o que está
escrito no quadro. Alunos míopes certamente encontraremos em várias classes
e, embora a professora não seja oftalmologista, é ela quem consegue observar
que o aluno está apresentando dificuldades com a visão. Isso, é apenas um exemplo do que constitui a responsabilidade
do professor. Se é assim com alunos
míopes, certamente tem que ser assim
com alunos que apresentam qualquer
deficiência de aprendizagem ou síndrome.
Aplica-se também, é claro, nos casos de
alunos que apresentam, por exemplo, o
transtorno de atenção com déficit, em
todas as suas manifestações e variações.
Estatísticas internacionais apontam
que de 3% a 5% das crianças, principalmente do sexo masculino, devem ser
trabalhadas do ponto de vista clínico e
psicopedagógico, a partir da indicação
de educadores, que buscam orientar as
famílias, com base na observação de
sintomas apresentados pela criança em
sala de aula. Não é o educador quem faz
o diagnóstico e o tratamento, mas é ele
comumente quem identifica a necessidade de avaliação por profissionais da área.
A proposta de me levar a escrever
este artigo, com toda limitação de um
educador no que tange ao conhecimento
específico da neurologia e psiquiatria, é
somente a de alertar educadores, familiares e profissionais especializados na área
de saúde sobre a importância de mantermos o tripé família-escola-especialista,
para o diagnóstico e tratamento de crianças com a síndrome de TDA (Transtorno
do Déficit de Atenção) e suas variantes.
Só o médico com a família não conseguirá
reunir importantes informações capazes
de serem fundamentais no diagnóstico
e tratamento de tais pacientes. Ouvir a
escola, o educador é muito importante
para o sucesso do tratamento clínico.
Na década de 80, a evolução tecnológica permitiu à medicina avançar em
seus diagnósticos através de análises
comparativas de cérebros de pessoas
portadoras de características evidentes
de desatenção e agitação extrema com
outros de comportamento “normal”.
A partir de então, diagnósticos mais
precisos revelaram a ocorrência e a involuntariedade de certas situações de
falta de atenção e hiperatividade, o que
significam um grande avanço também
para a escola, que, de posse de um
diagnóstico, consegue, através do SOE
(Serviço de Orientação Educacional),
traçar estratégias facilitadoras na aprendizagem de crianças portadoras dessa
síndrome. Com diagnóstico fechado e
acompanhamento clínico, a escola, por
sua vez, promove ações que acomodam o
paciente às exigências naturais para que
belde, um indisciplinado que atrapalha as
aulas e cria problemas com os colegas.
É fato que só teremos acerto no sentido
de um tratamento clínico de qualidade e
adaptação da criança portadora de DDA
(Deficiência de Déficit de Atenção) e suas
variáveis, se escola, família e profissionais clínicos atuarem juntos.
Prof. José Romero Nobre de
Carvalho é Diretor Geral do
SEB COC Maceió. Pai de três
filhos, é educador com 29
anos de experiência, sendo
10 em gestão educacional.
É Mestre em Educação,
Pós Graduado em História,
Membro da Associação Brasileira de Psicopedagogia
e da Associação Brasileira de Dislexia. Tem artigos
publicados em revistas especializadas em educação
(CONECTADA, DIRECIONAL EDUCADOR e REVISTA
SÍNDROMES). É autor de material didático do Sistema
COC e também de livro de literatura infantil.
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 1 • Janeiro • Fevereiro de 2012
tenha uma boa aprendizagem e um saudável relacionamento com o meio social.
Qualquer que seja a síndrome, a
escola necessita (e muito!) de estar em
sintonia com o profissional clínico que
acompanha a criança. Se isso não ocorre,
esse aluno pode parecer,com a manifestação de seus sintomas, apenas um re-
39
II
Congresso Internacional Transdisciplinar
sobre a criança e o adolescente:
a linguagem, o corpo e a escrita
Nosso segundo congresso sobre a criança e o adolescente aborda como temática central: o corpo, a linguagem e a
escrita, três temas cuja articulação, possível, mas não necessária, deverá proporcionar um amplo debate entre
conferencistas e estudiosos. A produção sobre estes temas possibilita o encontro e a troca entre os profissionais da
clínica, da educação e da pesquisa, e o encontro destes favorece a construção do saber sem fronteiras,
transdisciplinar.
Conferências Confirmados
Thaïs CRISTOFARO SILVA (UFMG - Brasil - MG)
Escrita e ortografia na infância e na adolescência: reflexão sobre a educação
Alfredo JERUSALINSKY (APPOA - Brasil - RS)
Chaves psicanalíticas para compreender a criança
Marie Christine LAZNIK (ALI - França)
A articulação do simbólico com o real e o imaginário do corpo
Sônia MOTTA (ABENEPI - Brasil - RJ)
Interpretando o “corpo” na primeira infância
Franck RAMUS (LSCP - França)
Dislexia: das causas à intervenção
Ana Lucia SILVA e SOUZA (UFBA - Brasil - BA)
Letramento na adolescencia através da arte
Mesas redondas
Cursos
Cursos pré-congresso
Apresentação de trabalhos científicos
Local
Santa Cruz de Cabrália - Bahia
Período
25 a 28 de Julho de 2012
Temática:
Adoção
Aquisição de linguagem
Assistência social
Clínica ampliada
Clínica
Corpo
Drogadicção
Educação
Escrita
Etnia
Família
Gênero
Inclusão
Instituições
Inserção Cultural
Legislação
Linguagem
Políticas públicas
Prevenção e Intervenção
Promoção de saúde
Psicose
Redes Sociais
Saúde mental
Violência e vitimização
Site oficial
www.institutolangage.com.br/congresso
L
AN G
AG
E
S P R AC HE
LA NG
AG E A L
A
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L A G UA G
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SP R A G E L A N E L I E
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Janeiro • Fevereiro de 2012 • Ano 2 • Nº 1
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cur s o A u t i s mo - m ó dulo I
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 1 • Janeiro • Fevereiro de 2012
APRESENTAÇÃO
50
O Laboratório de Distúrbios do desenvolvimento pertence ao departamento de Psicologia Clínica do Instituto de
Psicologia da Universidade de São Paulo
tendo como coordenador o professor associado Francisco B. Assumpção Jr. que
responde também pela coordenação do
projeto distúrbios do desenvolvimento a
ele incorporado.
Esse projeto, denominado “Projeto
Distúrbios do Desenvolvimento” cumpre
três funções básicas:
a) Atendimento clínico de crianças com
Transtornos do Desenvolvimento visando, não somente uma interface
e um serviço à comunidade como
também ter acesso a população necessária para realização de projetos
de pesquisa;
b) Ensino, uma vez que alguns alunos
interessados e, após avaliação pelo
responsável, possam participar do
atendimento, sob supervisão do professor responsável auxiliado por seus
orientandos;
c) Pesquisa, uma vez que a área clínica
requer amostras populacionais específicas, difíceis de serem localizadas.
Assim sendo, e decorrente de todo
um trabalho até agora desenvolvido, a
idéia deste curso a distância, em coo-
peração com a revista “Síndromes” nos
parece de extrema importância uma vez
que nos permite levar algum conhecimento a um maior número de pessoas
interessadas, cumprindo assim uma de
suas finalidades.
Assim, embora esta seja uma primeira experiência, esperamos que seja
bem sucedida e que permita a diferentes
pessoas, iniciarem-se no estudo dos
Transtornos de Desenvolvimento, fundamentais no se pensar a psicopatologia
infantil.
Participaram na elaboração deste
curso a distância, vários membros do
Laboratório, especificados a seguir, todos
escrevendo, cooperando e discutindo
para que o trabalho fosse fruto de todo
o grupo e não somente a somatória de
características individuais.
O curso é apresentado a partir de aulas teóricas, com uma bibliografia auxiliar
que pode ser procurada pelos interessados no aprofundamento do tema.
Ao seu final, será publicada uma avaliação que, depois de preenchida, deverá
ser enviada à editora para correção com a
finalidade de verificação do aproveitamento para que o certificado de conclusão
possa ser emitido.
Esperamos que todos gostem e aproveitem a idéia.
• Carolina Rabello Padovani
Psicóloga, especialista em Neuropsicologia pelo HCFMUSP, mestre em
Psicologia Clínica pelo IPUSP, pesquisadora do Laboratório de distúrbios do
desenvolvimento do IPUSP.
• Cristina Maria Pozzi
Médica neuropediatra, mestre em Medicina pela Santa Casa de São Paulo,
doutoranda pelo Instituto de psicologia
da Universidade de São Paulo, pesquisadora do Laboratório de distúrbios do
desenvolvimento do IPUSP.
• Francisco B. Assumpção Jr.
Médico psiquiatra, professor livre-docente pela Faculdade de Medicina da
USP, professor associado do IPUSP.
• Marina Lemos
Psicóloga, com especialização em
Terapia Comportamental e Cognitiva
HU-USP.
• Melanie Mendoza
Psicóloga, mestranda em Psicologia
Clínica IP USP, com especialização em
Terapia Comportamental e Cognitiva
HU-USP, pesquisadora do Laboratório
de distúrbios do desenvolvimento do
IPUSP.
• Milena Rossetti
Psicóloga, mestranda em Psicologia
Clínica pelo IPUSP, pesquisadora do
Laboratório de distúrbios do desenvolvimento do IPUSP.
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 1 • Janeiro • Fevereiro de 2012
• Alessandra Freitas
Médica neuropediatra, mestre em
Medicina pela Faculdade de Medicina
da Universidade de São Paulo, pesquisadora do Laboratório de distúrbios do
desenvolvimento do IPUSP.
51
cur s o 1 - A u t i s mo
HISTÓRICO E EPIDEMIOLOGIA
DOS TRANSTORNOS DO
ESPECTRO AUTISTA
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 1 • Janeiro • Fevereiro de 2012
Histórico
52
A palavra “autismo” deriva do grego
“autos”, que significa “voltar-se para si
mesmo”. A primeira pessoa a utilizá-la foi
o psiquiatra austríaco Eugen Bleuler em
1911 para se referir a um dos critérios
adotados em sua época para a realização
de um diagnóstico de Esquizofrenia.
Estes critérios ficaram conhecidos
como “os quatro ‘A’s de Bleuler”: alucinações, afeto desorganizado, incongruência
e autismo.
A palavra autismo referia-se a tendência do esquizofrênico de “ensimesmar-se”, tornando-se alheio ao mundo social
– fechando-se em seu mundo, como até
hoje se acredita sobre o comportamento
autista.
Em 1943 o psiquiatra infantil norte
americano Leo Kanner estudou com mais
atenção 11 pacientes com diagnóstico de
esquizofrenia. Observou neles o autismo
como a característica mais marcante e
usou a expressão “Distúrbio Autístico do
Contato Afetivo” para descrever o quadro, que se caracterizava por isolamento
extremo, comportamento obsessivo e
estereotipias.
Algumas destas crianças apresentavam um talento incomum, especialmente
na memória. Outros eram obcecados por
rituais, brinquedos eletrônicos ou objetos
mecânicos.
O psiquiatra chegou a dizer que as
crianças autistas já nasciam assim, dado
o fato de que o aparecimento da síndrome
era muito precoce.
Em 1944, Asperger propôs em seu
estudo a definição de um distúrbio que
ele denominou Psicopatia Autística, manifestada por transtorno grave na interação
social, uso pedante da fala, desajeitamento motor e incidência apenas no sexo
masculino. O autor utilizou a descrição de
alguns casos clínicos, caracterizando a
história familiar, aspectos físicos e comportamentais, desempenho nos testes
de inteligência, além de enfatizar a preocupação com a abordagem educacional
destes indivíduos.
Ambos os trabalhos tiveram impacto
na literatura mundial; no entanto, em
momentos distintos.
A abordagem etiológica do Autismo
Infantil proposta por Kanner salientava a
existência de uma distorção do modelo
familiar, que ocasionaria alterações no
desenvolvimento psico-afetivo da criança,
decorrente do caráter altamente intelectual dos seus pais. Apesar desta proposição, o autor não deixou de assinalar
que algum fator biológico, existente na
criança, poderia estar envolvido.
Em 1949, Kanner cunhou o termo
“Mãe geladeira” para descrever as mães
de crianças autistas. Neste momento
acreditava-se que elas poderiam ser a
“psicose”, referindo que todos os exames
clínicos e laboratoriais foram incapazes
de fornecer dados consistentes no que se
relacionava à sua etiologia, diferenciando-o dos quadros deficitários sensoriais,
como a afasia congênita, e dos quadros
ligados às oligofrenias, novamente
considerando-o uma verdadeira psicose.
Já na década de 60 o psicólogo Ivar
Lovaas e seu método analítico-comportamental começaram a ganhar espaço no
tratamento da síndrome. Seus resultados
apresentavam-se de maneira mais efetiva
do que as tradicionais terapias psicodinâmicas. E já naquela época as psicologias
comportamentais sofriam forte preconceito por parte dos psicólogos de outras
abordagens. Durante as décadas de 60
e 70 os psicólogos comportamentais
eram consultados quase que apenas depois que todas as outras possibilidades
haviam se esgotado e o comportamento
do autista tornava-se insuportável para
os pais e muito danoso para a criança.
Nos anos 1970, uma série de pesquisas comprovou que o autismo é um
quadro neurobiológico, que acomete os
mecanismos cerebrais básicos de sociabilidade. Hoje, sabe-se que o autismo tem
diversas causas, ou etiologias, sendo as
genéticas as principais.
A aproximação diagnóstica entre os
quadros clínicos descritos por Kanner e
Asperger foi realizada inicialmente, no
inicio da década de 70, com a proposta
de identificação da Psicopatia Autística,
como uma entidade nosológica e delineamento de estudo comparativo entre esta
condição e o quadro de Autismo Infantil.
Em 1976 Ritvo relaciona pela primeira
vez o autismo a um déficit cognitivo, passando a considera-lo não mais psicose,
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 1 • Janeiro • Fevereiro de 2012
causa do autismo de seus filhos, por
serem afetivamente frias.
A teoria postulava que com seu jeito
frio e distante de se relacionar com os filhos, essas mães promoveram neles uma
hostilidade inconsciente a qual seria direcionada para situações de demanda social.
As hipóteses de Kanner tiveram forte
influência no referencial psicanalítico da
síndrome que pressupunha uma causa
emocional ou psicológica para o fenômeno, a qual teve como seus principais
precursores os psicanalistas Bruno Bettelheim e Francis Tustin.
Coube a Bettelheim a popularização
do termo e da teoria. Em seus artigos nos
anos 1950 e 1960, e mais explicitamente
no seu livro “The empty fortress” (“A fortaleza vazia”, em português), Bettleheim
popularizou a ideia de que o autismo
seria causado pela indiferença da mãe
em relação à criança.
Bettelheim, em sua terapêutica, incitava as crianças a baterem, falarem mal e
morderem uma estátua que, pelo menos
para ele, simbolizava a mãe delas. Tustin,
por outro lado, acreditava em uma fase
autística do desenvolvimento normal, na
qual a criança ainda não tinha aprendido
comportamentos sociais e era chamada
por ela de fase do afeto materno, funcionando como uma ponte entre este estado
e a vida social. Se a mãe fosse fria e
suprimisse este afeto, a criança não conseguiria atravessar esta ponte e entrar na
vida social normal, ficando presa na fase
autística do desenvolvimento.
Kanner posteriormente se disse mal
compreendido e tentou se retratar no seu
livro “Em defesa das mães”.
Em trabalho de 1956, Kanner continua descrevendo o quadro como uma
53
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 1 • Janeiro • Fevereiro de 2012
54
mas sim distúrbio do desenvolvimento.
A partir deste momento a inter-relação
autismo-deficiência mental passa a ser
fortemente considerada.
Há, então, uma situação díspar entre
as classificações francesa, americana
e a da Organização Mundial da Saúde.
Assim, se as duas últimas enquadram o
autismo dentro da categoria «distúrbios
abrangentes de desenvolvimento», enfatizando a relação autismo-cognição, de
acordo com os trabalhos de Baron-Cohen
(1988,1991). Em oposição flagrante à
CID-9; a primeira remete-nos ao conceito
de «defeito de organização ou desorganização da personalidade», caracterizando
o conceito de «psicose» em sua expressão tradicional.
A partir de 1980 foram surgindo
novas tecnologias de estudo, as quais
permitiam investigação mais minuciosa
do funcionamento do cérebro com exames como tomografia por emissão de
pósitrons ou ressonância magnética. Doenças que anteriormente eram estudadas
apenas a partir de uma perspectiva psicodinâmica passaram a ser estudadas de
maneiras mais cuidadosas com exames
de neuroimagem e de neurofisiologia.
Burack, em 1992, reforça a ideia do
déficit cognitivo, frisando que o autismo
tem sido, nos últimos anos, enfocado
sob uma ótica desenvolvimentista, sendo
relacionado à deficiência mental, uma vez
que cerca de 70-86% dos autistas são
deficientes mentais.
Na década de 90, Gillberg assume
que o autismo não é um problema com
os pais e sim uma alteração orgânica.
Sua definição é de uma síndrome comportamental de etologias múltiplas em
consequência de um distúrbio do desen-
volvimento. Gilbert diz que “é altamente
improvável que existam casos de autismo
não orgânico”, e que “o autismo é uma
disfunção orgânica e não um problema
dos pais - isso não é matéria para discussão. O novo modo de ver o autismo
é biológico”.
Considerando-se não a visão do autismo como “um dos maiores mistérios
e desafios da psiquiatria infantil contemporânea”, conforme se dizia em meados
dos anos 60, mas sim uma síndrome
comportamental definida, com etiologias
orgânicas também definidas, é que se estruturam atualmente os trabalhos sobre
os Transtornos do Espectro Autista (TEA).
As características sintomatológicas, as
etiologias e o diagnóstico diferencial,
bem como os aspectos terapêuticos
desses transtornos são hoje melhores
conhecidos e abordados.
Epidemiologia
A epidemiologia dos TEA corresponde
a aproximadamente 1 a 5 casos em cada
10.000 crianças, numa proporção de 2 a
3 homens para cada mulher.
Observa-se assim, uma predominância do sexo masculino, conforme
citado por Frith (1989) ou pelo próprio
DSM IV, embora quando analisamos as
etiologias prováveis, não encontramos
grande número de patologias vinculadas
especificamente ao cromossoma X, o que
justificaria essa diversidade.
Entretanto, ao se considerar a proporção por sexo de acordo com o nível
de QI, observa-se uma redução da razão
masculino/feminino à medida que o QI decresce. Ou seja, nas crianças com QI<50
a proporção por sexo fica próxima de 1:1.
precocemente, associada a uma melhor
e mais ampla definição dos critérios
diagnósticos.
Gillberg refere uma estimativa de
prevalência de 0,2% da população para
autismo típico e 0,8% com sinais mais
brandos do distúrbio. Isso significa que
1% das pessoas desenvolve alguma forma de TEA.
Baron-Cohen (1992) ressalta que a
idade média para a detecção do quadro
é ao redor dos três anos, embora o autor
sugira que o diagnóstico já possa ser
bem estabelecido ao redor dos 18 meses
de idade. A idade usual de atendimento
caracteriza de forma clara, a dificuldade
no diagnóstico precoce.
Hoje ainda não se pode prevenir o autismo, mas o diagnóstico precoce e uma
intervenção comportamental intensiva
são capazes de melhorar os resultados
funcionais de muitas crianças.
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 1 • Janeiro • Fevereiro de 2012
Costa e Nunesmaia analisando
uma população no nordeste brasileiro,
encontraram também um predomínio no
sexo masculino, sendo a razão 3,5:1.
Os achados epidemiológicos e genético-familiais da amostra são compatíveis
com os dados da literatura internacional. Os resultados deste estudo foram
sugestivos de um modelo de herança
multifatorial com limiar diferencial para
sexo no Autismo Infantil.
Há dados limitados na prevalência
dos TEA por raça, sem haver nítido predomínio em nenhuma raça específica.
Alguns estudos apontam ainda, para
um risco maior de TEA em filhos de mulheres com idade acima de 35 anos.
Em uma revisão da prevalência dos
TEA, Lenoir e colaboradores em 2009,
referem uma prevalência de 0,7% na população. Essa prevalência vem aumentando nas últimas décadas, especialmente
pela realização de diagnósticos mais
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Síndromes
Março • Abril de 2012 • Ano 2 • Nº 2
revista multidisciplinar do desenvolvimento humano
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EDITORIAL
Dr. Francisco Assumpção Junior
(Coordenador Editorial)
entrevista
Por Dra. Chong Ae Kim
Edição de texto: Leandra Migotto Certeza
desenvolvimento
O brincar e o desenvolvimento infantil
por Vera Barros de Oliveira
A Importância do Brincar e a Terapia Ocupacional
por Flavia M. O. Li Volsi
reabilitação
Sistemas de Suporte - Próteses/Órteses
por Dra. Alessandra Freitas Russo
inclusão
Deficiência Estética e Inclusão
por Carmen S. Alcântara Oliveira
ARTIGO DO MÊS
Mucopolissacaridoses e Comportamento
por Tatiana Malheiros Assumpção
de mãe, pra mãe
A coragem de viver com Mucopolissacaridose
Por Regina Próspero
reportagem Fundação Doria
Muito além da visão
Por Leandra Migotto Certeza
ARTIGO DO leitor
Escovando os dentes de seu filho no espectro autista
por Dra. Adriana Gledys Zink
O que é uma doença rara?
por François Faurisson
curso autismo - módulo II
por Alessandra Freitas, Carolina Rabello Padovani, Cristina Maria Pozzi,
Francisco B. Assumpção Jr., Marina Lemos, Melanie Mendoza e
Milena Rossetti
Síndromes
Janeiro • Fevereiro de 2012 • Ano 2 • Nº 1
revista multidisciplinar do desenvolvimento humano
Diretoria
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[email protected]
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[email protected]
Coordenador Editorial
Dr. Francisco B. Assumpção Jr.
Colaboraram com essa edição
Adriana Gledys Zink
Alessandra Freitas Russo
Carmen S. Alcântara Oliveira
Carolina Rabello Padovani
Chong Ae Kim
Cristina Maria Pozzi
Francisco B. Assumpção Jr.
Leandra Migotto Certeza
Marina Lemos,
Melanie Mendoza
Milena Rossetti
Regina Próspero
Tatiana Malheiros Assumpção
vendas corporativas
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editorial
Dr. Francisco Assumpção Junior
turação e de crescimento, tropeçando
ainda, como qualquer ser em desenvolvimento, em seus próprios passos.
Nessa tentativa de encontrar um
caminho próprio e sua autonomia, este
número marca uma mudança em sua
direção uma vez que, a partir do próximo
os artigos tradicionalmente apresentados
serão de responsabilidade de autores
fixos, ligados ao Projeto Distúrbios do
Desenvolvimento do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo
mantendo-se as entrevistas com técnicos
de importância na área e as reportagens
com instituições diversas. Isso deve proporcionar maior homogeneidade editorial
e maior uniformidade de opinião levando
a revista a um novo caminho.
Esperamos que seja do agrado de
todos.
Francisco B. Assumpção Jr.
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 2 • Março • Abril de 2012
Chegamos ao sexto número de nossa
revista e isto significa um ano de vida
posto que ela tem publicação bimestral.
Em nosso meio isso corresponde a uma
façanha uma vez que poucas são as publicações que, sem grande investimentos
e grandes esquemas publicitários conseguem manter-se vivas, principalmente
quando abordam temática tão pouco
atraente como a que apresenta pois não
traz nem problemas nem resoluções ou
experiências midiáticas ou “politicamente
corretas”.
Traz em seu bojo, entretanto, o
desejo de seus realizadores de divulgar
quadros pouco conhecidos e prestigiados
pela mídia bem como as dificuldades
existentes no que se refere ao seu atendimento.
Exatamente por tudo isso, sua idade
e as dificuldades inerentes a proposta,
ela ainda se encontra em fase de estru-
3
e n trevista
Por Dra. Chong Ae Kim*
Edição de texto: Leandra Migotto Certeza*
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 2 • Março • Abril de 2012
1. A principal causa da MPS - Mucopolissacaridose (síndrome metabólica hereditária) é a falta de enzimas nos lisossomos
que digerem os glicosaminoglicanos. O que
são os lisossomos e os glicosaminoglicanos? Explique como as enzimas de quem
tem mucopolissacaridose trabalham de
forma errada ou não agem no organismo.
4
As mucopolissacaridoses são consideradas doenças lisossômicas de depósito,
e constituem um grupo heterogêneo de doenças metabólicas hereditárias de caráter
crônico, progressivo e sistêmico.
Os mucopolissacarídeos são longas
cadeias de moléculas de açúcar usadas
na construção dos tecidos do corpo. E são
os polissacarídeos que dão consistência
à água para unir as células e lubrificar as
juntas.
“Muco” refere-se à consistência gelatinosa das moléculas.
“Poli” significa muito.
“Sacarídeo” é um termo genérico para
molécula de açúcar (como a sacarina).
No corpo humano há um processo
contínuo de substituição dos materiais
usados e sua quebra para serem descartados. Pessoas com MPS apresentam o
acúmulo de GAGs (glicosaminoglicanos)
que causam o quadro clínico da doença.
A síntese dos GAGs (tipo de açúcares) é
efetuada no complexo de Golgi, e a degradação, por ação de enzimas específicas, nos
lisossomos que são organelas que ficam
no citoplasma da célula. A deficiência das
enzimas lisossomais específicas resulta na
falha da degradação destes açúcares que
são acumulados, de forma gradativa, no
interior das células e conseqüentemente,
acarretam disfunções celular, tecidual e
orgânica. O excesso de GAGs acumulados
é excretado pela urina. Existem 7 tipos
de MPS, e cada um tem seus sub-tipos e
características específicas.
2. O diagnóstico da MPS é feito hoje
somente através de exame de sangue?
Existem outras formas de comprovar a
síndrome por meio de exames, como por
exemplo: triagem urinária para erros inatos do metabolismo, raio X do esqueleto,
polissonografia? Explique como são estes
exames. Ou somente um diagnóstico clínico com base nos seus vários sintomas
classifica a síndrome?
Embora, em alguns tipos, a distinção
clínica possa ser evidenciada, o diagnóstico para definir o tipo de MPS, obrigatoriamente, é laboratorial. Diante da suspeita
clínica, a dosagem e cromatografia do tipo
de açúcares GAGs urinários devem ser realizadas. Os testes quantitativos (dosagem
de GAGs) são considerados mais precisos,
porém isoladamente não auxiliam no esclarecimento do tipo de MPS; por isso, é
importante a sua associação com testes
3. Dentre os sete tipos de MPS encontrados até agora, quais são os tipos mais
comuns, os mais complexos, e os mais
fortes? Os sintomas podem aparecer juntos em um mesmo tipo?
A MPS tipo I é subdividida pela gravidade clínica em três tipos: Hurler, Hurler-Scheie e Scheie.
A Síndrome Hurler é a mais grave.
As pessoas não apresentam sintomas ao
nascimento, porém, hérnias inguinais e/
ou umbilical podem ser detectadas, além
de macrocefalia e limitação da abdução do
quadril. O diagnóstico pode ser realizado
entre 6 meses e 2 anos de idade. A mudança da face inicia entre 3 e 6 meses, e,
usualmente, é o primeiro sinal notado, pela
presença de ponte nasal deprimida, narinas alargadas, lábios grossos, protrusão
da língua entre outras características. A
opacidade das córneas também ocorre no
primeiro ano de vida, gerando com freqüência, glaucoma. A cardiopatia é comum em
todas as pessoas com este tipo, podendo
ser identificada precocemente nos primeiros anos de vida. O aumento abdominal
inicia-se no segundo ano de vida, como
conseqüência da deformidade torácica e
frouxidão da parede abdominal. A hérnia
umbilical, normalmente, presente ao nascimento tende a aumentar progressivamente
de tamanho, atingindo grandes proporções.
Embora haja aumento do fígado e baço,
suas funções, usualmente, estão preser-
vadas. A cifo-escoliose torácica lombar
pode ser um achado clínico inicial, porém,
normalmente, é reconhecida no momento
em que a criança começa a sentar. Próximo
aos 2 anos de idade, os dedos das mãos
ficam enrijecidos. A rigidez articular, em
membros, com limitação dos movimentos,
também é notada neste período; e em geral,
as pessoas adquirem a postura de andar
nas pontas dos dedos, principalmente após
um período de repouso. A pele, geralmente,
é grossa, os cabelos espessos e secos.
Quanto ao crescimento, há possibilidade
de aceleração no primeiro ano de vida,
porém a desaceleração inicia-se entre os 6
e 8 anos de idade, atingindo estatura final
de 110 centímetros. O desenvolvimento
neuro-psicomotor pode não apresentar
problemas durante o primeiro ano de vida,
porém, a diminuição do processo intelectual, geralmente, ocorre entre 1 ano e 2
meses e 2 anos de idade; evoluindo com
progressiva deterioração neurológica até
aproximadamente 4 anos. As pessoas
geralmente podem falecer, durante a primeira década de vida, por obstrução da via
aérea superior, complicações cardíacas e
infecção respiratória.
A síndrome Hurler Scheie é de nível intermediário com quadros clínicos semelhantes à forma Hurler, como: baixa estatura,
face diferenciada, opacidade das córneas,
cardiopatia, hérnia inguinal e/ou umbilical
entre outros. No entanto, os sintomas são
mais leves e iniciam mais tardiamente, em
geral entre 3 e 8 anos. A função intelectual
é preservada, porém, freqüentemente, há
declínio com o passar da idade. Os sintomas psicóticos podem se manifestar na idade adulta. E normalmente, podem falecer
aos 25 anos, por complicações cardíacas
e obstrução das vias aéreas superiores.
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 2 • Março • Abril de 2012
qualitativos (cromatografia de GAGs). O padrão da cromatografia de GAGs associado
aos achados clínicos direcionam o médico
no momento da solicitação da dosagem
enzimática. O tipo de MPS é definido pela
dosagem enzimática específica.
5
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 2 • Março • Abril de 2012
6
A síndrome de Scheie exibe sinais
clínicos mais leves e observados após 5
anos de idade. A face tem ausência de características diferenciadas; mas possuem
narinas alargadas, bochechas proeminentes, entre outras características. Os pacientes apresentam estatura e inteligência
sem alterações, opacidade de córneas e
acometimento cardíaco. O diagnóstico é
realizado, freqüentemente, entre 10 e 20
anos e as pessoas, geralmente, podem
sobreviver até a meia-idade.
A mucopolissacaridose tipo II é muito
semelhante a MPS I, exceto em relação às
córneas, que são transparentes. A forma
grave é mais freqüente que a leve, o inicio
da doença ocorre entre 2 a 4 anos de idade,
e observa-se uma rápida progressão dos
sintomas. Caracteriza-se pela presença
da baixa estatura, cardiopatia, problemas
esqueléticos, rigidez articular e comprometimento intelectual. As pessoas podem
falecer por volta dos 15 anos de idade, por
comprometimento cardíaco e obstrução
de vias áreas superiores. Na forma leve
a inteligência não é comprometida, e as
características somáticas são similares à
forma grave, com aparecimento mais tardio.
A expectativa de vida é maior, geralmente
até 50 e 60 anos de idade, havendo casos de sobrevida aos 87 anos, falecendo
geralmente, por obstrução se vias aéreas
e falência cardíaca.
A mucopolissacaridose III, conhecida
como síndrome de Sanfilippo, na dependência da deficiência enzimática, divide-se em
quatro subtipos. O quadro inicia-se entre 2
e 6 anos, observa-se, como principais manifestações: hiperatividade, agressividade,
atraso no desenvolvimento neuropsicomotor, cabelos secos e espessos, distúrbios
do sono e discreto aumento de baço e
fígado. A face diferenciada não é muito
evidente, se comparado com outros tipos
de MPS, podendo até não ser observada;
o envolvimento esquelético é mínimo,
com: rigidez leve de cotovelos e joelhos e
a estatura pode não ter comprometimento
nenhum. A degeneração neurológica manifesta-se entre 6 e 10 anos, acompanhada
de rápida deterioração social e adaptativa.
O comprometimento intelectual é profundo;
junto com problemas de comportamento,
como agitação e agressividade, mas são
de difícil tratamento. A convulsão ocorre
mais tardiamente, sendo de fácil controle
medicamentoso. As pessoas com a forma
grave podem falecer na segunda década de
vida, já quem tem a forma leve possuem
uma sobrevida maior, 40 anos.
A mucopolissacaridose IV, conhecida
como síndrome de Morquio, divide-se, bioquimicamente, em dois subtipos: A e B. Ao
nascimento, as pessoas com MPS tipo IV
A não apresentam características diferenciadas, porém no segundo e terceiro ano
de vida alguns sinais como atraso no crescimento, andar em gingado, alargamento articular tornam-se evidentes e alertam para
a doença. A aparência facial costuma não
apresentar tantos problemas, podendo, entretanto, observar-se nariz pequeno, lábios
grossos, maxila proeminente e espaçamento dentário. Os sintomas extra-esqueléticos
também são detectados: córneas opacas e
cardiopatia. O comprometimento aórtico é a
manifestação cardíaca mais comum. A opacidade das córneas não é identificada, sem
auxílio técnico, antes do 10 anos de vida.
A hipermobilidade articular, secundária a
frouxidão dos ligamentos, está presente
na MPS IV, porém ausente nas grandes
articulações: quadril, joelhos e cotovelos. A
inteligência é preservada. Na forma grave,
4. O que é a Síndrome de Maroteaux-Lamy,
a mucopolissacaridose tipo VI?
É um erro inato do metabolismo causado pelas deficiências de arylsulfatase
impedindo o correto processamento dos
mucopolissacarídeos que se acumulam
nos tecidos macios causando obstrução
e compressão dos vasos sanguíneos,
traquéia, nervos periféricos e a interrupção do desenvolvimento ósseo normal.
As características físicas são similares à
MPS I, mas geralmente a inteligência não
é comprometida e problemas intelectuais
aparecem em poucos casos isolados. Este
é o tipo do Luis Eduardo Garcia Próspero
(Dudu), que está cursando Direito na UNIFIG/UNIMESP em Guarulhos (SP), além de
ser fundador da Associação Paulista de
Mucopolissacaridoses.
5. Quais são os sintomas mais complicados de receberem tratamentos adequados? Quais são os mais indicados?
As infecções respiratórias são comuns
em pacientes com MPS e devem ser precocemente tratadas e acompanhadas,
pois, aumentam o risco de insuficiência
respiratória e obstrução das vias aéreas.
A secreção espessa deve ser lubrificada
e umedecida, se necessário, o uso do
antibiótico deve ser empregado. A traqueostomia e a adenoamigda-lectomia podem
ser necessárias, no intuído de melhorar a
obstrução das vias aéreas, e, conseqüentemente, a síndrome de apnéia obstrutiva
do sono e o esforço respiratório. Quanto a
apnéia obstrutiva do sono, o uso do CPAP
com suplementação de oxigênio, tem sido
uma excelente proposta aos pacientes com
MPS sem condição cirúrgica.
O acompanhamento cardiológico é
fundamental, uma vez que, os sintomas
costumam ser “silenciosos”, mesmo diante de um acometimento cardíaco grave. O
estreitamento da artéria coronária, considerado grave na MPS I e na MPS II, embora
extenso, usualmente é assintomático. Em
relação aos olhos, a opacidade de córneas
corresponde à complicação mais comum,
porém há possibilidade de glaucoma, retinopatia degenerativa e atrofia óptica. O
transplante de córnea pode ser necessário,
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 2 • Março • Abril de 2012
poucas pessoas atingem estatura final de
100 centímetros. As pessoas que possuem a forma em geral sobrevivem até a
segunda e terceira década. E o diagnóstico
geralmente é realizado entre 3 e 15 anos.
Já na MPS tipo IV B a evolução, nesta
forma da doença, é lenta; os comprometimentos esqueléticos são pouco graves; a
inteligência e a estatura não apresentam
diferenciação. Os comprometimentos dentários (dentes pequenos e espaçados, cúspides pontiagudas ou côncavas, esmalte
fino, opaco e acinzentado e suscetibilidade
à fratura), permitem diferenciar a MPS IV A e
MPS IV B, uma vez que, não são detectadas
na MPS IV B.
A mucopolissacaridose VII, conhecida
como síndrome de Sly é a mais rara de
todas as MPS, e divide-se clinicamente
em três formas: forma neonatal, infantil e
forma juvenil. A forma neonatal caracterizase trata-se uma forma grave e as pessoas
podem falecer nos primeiros meses de vida.
Na forma juvenil, o curso da doença
são semelhantes a MPS I, cujos sintomas
iniciam na adolescência. Os pacientes
apresentam baixa estatura, cifo-escoliose
e problemas intelectuais. A sobrevida é
pouco conhecida.
7
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 2 • Março • Abril de 2012
8
mesmo diante de uma possível recorrência
de depósito dos açucares GAGs, e alguns
estudos demonstram que após cinco
anos do transplante, 60% dos pacientes
conservaram córneas transparentes e boa
acuidade visual.
A hidrocefalia é secundária ao espessamento das meninges e à disfunção do
vilo aracnóide. Muenzer e Watts analisaram
tomografias computadorizadas de crânio de
12 pacientes com MPS, em várias faixas
etárias, e, detectaram o desenvolvimento e
as complicações evolutivas da hidrocefalia.
Segundo esses autores, a derivação do
liquido cérebro espinhal é pouco indicada,
no sentido de melhorar a qualidade de
vida desses pacientes. Embora o estudo
seja limitado pelo falta de grupo controle
não-tratado perceberam melhora na socialização e redução da agressividade em
seis pacientes MPS III após a derivação
do liquido cérebro espinhal, mesmo com
ausência de hidrocefalia.
25% nas futuras gestações. Na herança recessiva ligada ao cromossomo X, os filhos
são sempre meninos e as meninas podem
ser portadoras, mas não desenvolvem a
doença exceto em raros casos. Se a mãe
tiver mais de um filho com por MPS II, existe um risco de 50% de que seu filho do
sexo masculino tenha doença, e 50% de
que sua filha seja portadora. Se a mãe for
portadora é necessária uma avaliação de
todos familiares do lado materno.
6. Explique como ocorre a transmissão
hereditária da síndrome? É autossômica
ou recessiva? Qual a probabilidade de pais
com a MPS passarem os genes para seus
filhos? E qual a probabilidade de terem
filhos com a síndrome? Todos os casos de
MPS são mutações genéticas?
8. Quais são as pesquisas em desenvolvimento para tentar evitar o aparecimento
da MPS? Isso é possível hoje? No futuro,
existe alguma pesquisa com células-tronco ou outras apropriadas para a produção
destas enzimas?
Em todos os tipos de MPS, o padrão de
herança é autossômico recessivo, exceto
na MPS II, na qual a herança é ligada ao
cromossomo X. Na herança autossômica
recessiva, aparecem em pessoas tanto do
sexo masculino quanto do sexo feminino.
O pai e a mãe são portadores assintomáticos, apesar de carregarem um gene com
problemas, não apresentam doença. O
risco de terem outro filho com a MPS é de
7. A AMPS é uma doença rara. Qual a
incidência no mundo e no Brasil?
A incidência conjunta é estimada
em 1 em cada 29.000 nascidos vivos,
considerando-se a MPS I e a MPS III as
mais freqüentes e a MPS VII, a mais rara.
No Brasil, detectaram o predomínio das
MPS I, MPS II e MPS VI, sendo 32% dos
erros inatos do metabolismo e a 54% das
doenças lisossomais de depósito.
Na terapia de reposição enzimática
(TRE), o organismo recebe semanalmente,
por via endovenosa a enzima fabricada por
engenharia genética. Esse tratamento não é
a cura para a doença, e sim, uma tentativa
de reduzir os sintomas e melhorar a qualidade de vida. Atualmente é considerada a
principal forma de tratamento. No Brasil, as
diretrizes foram elaboradas para a TRE nas
MPS tipo I, II e VI, com o objetivo de padronizar o tratamento com reposição enzimática
9. Quais são os tratamentos mais adequados para os pacientes que possuem
diversos sintomas da MPS? Existe uma
variação grande de tratamento acordo com
cada tido de MPS?
Diante de uma doença crônica, sistêmica e progressiva, as pessoas necessitam
de um acompanhamento cauteloso, por
meio de uma equipe multidisciplinar, com
o objetivo de se estabelecer um manejo
adequado das complicações clínicas. O
tratamento sintomático deve oferecer alívio
dos sintomas, na tentativa de melhorar
a qualidade de vida das pessoas com
MPS e de suas famílias. Para melhorar o
prognóstico das pessoas com pelas MPS
o diagnóstico da doença deve ser feito o
mais cedo possível e deve ser acompanhado por uma equipe multidisciplinar para
manejo adequado das manifestações multissistêmicas com as medidas de suporte
e a TRE terapia de reposição de enzimas
específica. A detecção precoce dos casos,
eventualmente através de triagem neonatal, pode vir a contribuir para um melhor
prognóstico. Uma cura definitiva talvez seja
possível através de terapia gênica no futuro
em breve, mas ainda não é aplicável. No
momento, a TRE precoce é a melhor opção
para o tratamento específico para os pacientes com MPS tipo I, II e VI. A fisioterapia
para pessoas com MPS pode aprimorar as
limitações motoras, aumentar a capacidade
respiratória, manter a limpeza brônquica
e contribuir para o desenvolvimento neuropsicomotor, aumentando a socialização
e a integração nas atividades diárias. Em
geral, os pacientes com MPS necessitam
de várias cirurgias, porém, é necessário
avaliar os fatores de risco e benefício,
uma vez que, o procedimento anestésico
é complexo e arriscado.
10. Explique a importância do medicamento de alto custo que o Ministério da Saúde
ainda não fornece aos pacientes no SUS?
A possibilidade de maior qualidade de vida
ao utilizar este medicamento é eficaz por
comprovações científicas?
Infelizmente, dispomos de poucos
geneticistas no Brasil, apenas 150, o que
corresponde um geneticista para cada
1,5 milhões de habitantes, e eles estão
concentrados nas regiões sudeste e sul,
portanto urge a formação de maior número
de geneticistas.
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 2 • Março • Abril de 2012
e o seguimento clínico dos pacientes com
MPS. De forma objetiva, a TRE está indicada para pacientes com MPS I, II ou VI de
qualquer idade, que tenham o diagnóstico
confirmado, e que apresentem pelo menos
uma manifestação clínica que responda ao
tratamento com TER. Estas manifestações
podem ser: doenças respiratórias, comprometimento cardíaco, comprometimento
osteoarticular, apnéia do sono, saturação
de oxigênio noturno baixo, ou com difícil
entubação. Em 2003, após estudos clínicos
fase I/II e fase III, a enzima laronidase foi
aprovada como tratamento para MPS I nos
Estados Unidos e na Europa, e a ANVISA a
aprovou no Brasil em 2005. Já a TRE para
MPS I está indicada para pacientes de qualquer idade, que tenham o diagnóstico. E a
enzima idursulfase foi aprovada nos Estados
Unidos em 2006, na Europa em 2007 e no
Brasil em 2008. Também já é medicação
aprovada no Canadá, Japão e México. Por
último, em maio de 2005, a enzima galsulfase foi aprovada nos Estados Unidos, em
2006 na Europa e em 2009 no Brasil.
9
11. Qual a importância do médico geneticista para diagnosticar a acompanhar
um paciente com a MPS? Existe muita
dificuldade de conseguir ser encaminhado
a um geneticista no SUS?
O papel de geneticista é fundamental
para o reconhecimento da doença, na
coordenação de condutas terapêuticas
e aconselhamento genético adequado.
Infelizmente, o atendimento de pacientes
com doenças genéticas pelo SUS é muito
limitado pela falta de contratação de geneticista pelo concurso público e dificuldades
na realização de exames específicos.
Nota da edição: informamos que em
virtude do espaço disponível na publicação, as informações técnicas referentes
às respostas desta entrevista foram resumidas, sem qualquer perda do conteúdo
básico do tema. Aos especialistas, recomendamos consultar a ampla referência
bibliográfica fornecida pela entrevistada.
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 2 • Março • Abril de 2012
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and molecular bases of inherited diseases.
8nd ed. New York: McGray-Hill; 2001.
p.3421-52.
Chong Ae Kim, 59 anos, é
médica geneticista formada
pela Universidade de Brasília
(UnB), possui graduação em
Medicina pela Universidade
de Brasília (1978); Mestrado em Medicina (Pediatria)
pela Universidade de São
Paulo (1991); Doutorado em Medicina (Pediatria) pela
Universidade de São Paulo (1996); e Livre Docência
pela Universidade de São Paulo (2007). Atua desde
1989, como chefe da Unidade de Genética do Instituto
da Criança do Departamento da Pediatria do Hospital
da s Clínicas da Faculdade de Medicina da USP. Tem
títulos de Especialista em Genética e Pediatria; além
de experiência na área de Genética Humana e Médica,
com ênfase em Genética Clínica. Também implantou o
programa de Residência Médica em Genética Médica
no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da
Universidade de São Paulo em 2009. E suas principais
linhas de pesquisa são sobre síndrome de Williams-Beuren, síndrome de Noonan e Noonan-like e Mucopolissacaridoses. Atualmente é bolsista de Produtividade
em Pesquisa IC pelo CNPq desde 2010, e trabalha no
Instituto da Criança-HC FMUSP.
Contatos: [email protected]
Leandra Migotto Certeza é
jornalista e repórter especial
da Revista Síndromes. Ela tem
deficiência física (Osteogenesis Inperfecta), é assessora
de imprensa da ABSW, e consultora em inclusão e mantém
o blog “Caleidoscópio – Uma
janela para refletir sobre a diversidade da vida” - http://
leandramigottocerteza.blogspot.com/. Conheçam os
modelos de palestras, oficinas, cursos e treinamentos
sobre diversidade, realizados em empresas, escolas,
ONGs, centros culturais e grupos de pessoas no site:
https://sites.google.com/site/leandramigotto/
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 2 • Março • Abril de 2012
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11
dese n volvime n to
O brincar e o desenvolvimento
infantil
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 2 • Março • Abril de 2012
Vera Barros de Oliveira *
12
Brincar, por ser uma atividade auto-motivada e espontânea, na qual predominam o prazer e a descontração, pode
e deve ser visto como um dos comportamentos indispensáveis ao desenvolvimento infantil. Presente na escala
filogenética já com os mamíferos, supõe
uma evolução biológica que permite a
ampliação das redes neurais via interação social.
Em suas grandes linhas, a curva ascendente lúdica inicia-se com o brincar
sensório-motor, o qual possibilita via ação
do corpo no meio, sobre os objetos/pessoas, a formação da primeira consciência
que possuímos, a consciência corporal,
que vai ser a base de toda a ampliação
do campo de ação consciente.
A criancinha aprende por meio do
que faz efetivamente e do que sente,
via toque, cheiros, sons etc, a coordenar seus movimentos e sensações e
a formar sua primeira distinção entre
fins e meios, isto é, a construir seus
primeiros comportamentos inteligentes
propriamente ditos. A intencionalidade
e a objetividade começam a despontar
no gesto inteligente, tão motivado pelas
brincadeiras, que aprimoram sua postura,
sua agilidade e coordenação motora em
seus diversos níveis.
A consciência corporal, que atua no
aqui e agora, vai ser o alicerce e a condição básica da formação progressiva da
sua consciência simbólica, que supõe
aprender a lidar com símbolos, com imagens não percebidas via campo sensorial,
ou seja, a desenvolver a internalização do
pensamento. Esta construção se dá em
seu dia-a-dia, desde que se dê à criança
condições mínimas de agir por si, de
escolha e decisão.
Sua consciência simbólica lhe dará
condições de usar sua linguagem, receptiva e expressiva, de desenvolver sua
memória evocativa alicerçada pela de reconhecimento, de planejar o que vai fazer.
A criança começa a navegar no tempo
passado e futuro, via processos mentais,
lembrando-se do que fez e pensando no
que vai fazer. Viaja também no espaço,
lembrando-se do brincou na praia ou fez
na casa da vovó, recriando de forma imagética os contextos que conheceu.
A consciência corporal, sempre presente, atua como suporte da simbólica,
a qual, por sua vez, contribui de forma
significativa para a reorganização corporal
(Damásio, 2000). As formas de brincar
evidenciam essa conquista. A brincadeira
passa a ser simbólica, também chamada
de Faz-de-conta ou de Jogo dramático,
quando a criança dá vida e voz a diversos
personagens, o que supõe já um grande
desenvolvimento mental. A brincadeira
simbólica em seu início é individual,
pois a criança ainda não tem condições
de brincar efetivamente com o outro e
a cerca. Daí a relevância de se observar
a criança brincando livre e espontaneamente, só ou em grupo, para podermos
avaliar melhor o que ela pode ou não pode
fazer, e para, inclusive inferirmos o que
deve e o que não deve ser feito em seu
tratamento, como bem acentua Antunha
(2010).
A criança portadora de uma síndrome
é, antes de mais nada, uma criança, e
como tal deve ter seu direito de brincar
respeitado. Se enfocarmos, segundo
Neufeld e Muenzer (2001), a Mucopolissacaridose ou MPS, temos que é
uma doença metabólica causada por
deficiência de enzimas, cuja incidência,
em suas diversas modalidades é de 1:
22.500 nascidos vivos, incidência esta
provavelmente subestimada, devido ao
reduzido número de estudos a respeito.
Suas manifestações clínicas normalmente afetam diversos órgãos e são
muito variáveis, de formas leves a muito
graves de retardamento mental, atraso
de desenvolvimento, baixa estatura,
displasia esquelética, disfunção motora,
hiperatividade severa, comprometimentos cardíacos e hepáticos, entre outros.
Observa-se portanto, neste complexo
sindrômico, a possível incidência isolada
ou combinada de comprometimentos
sensório-motores, intelectuais e emocional-relacionais, os quais dependem para
sua melhor evolução de um diagnóstico
precoce e do acompanhamento terapêutico de uma equipe multiprofissional.
Ao salientar neste texto a importância
do Brincar para o desenvolvimento infantil, ressalta-se sua relevância para as
crianças que, por um comprometimento
genético venham a ter já seu desenvolvimento ameaçado, sendo portanto,
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 2 • Março • Abril de 2012
desenvolve uma forma paralela de ação.
Aos poucos, aprende a compor uma brincadeira com outras crianças, aceitando
a definição de papeis e funções, como
o ser a mamãe ou a filhinha. Sua consciência social se amplia e ela começa a
aprender que, para ser aceita no grupo,
precisa às vezes ceder, a negociar, a
limitar o que deseja. A brincadeira desta
forma, em sua evolução contribui para
seu desenvolvimento cognitivo, associado
ao emocional e relacional, uma vez que o
brincar suscita emoções. A respeito das
emoções, a leitura atual da neurologia,
pode nos fazer entender um pouco melhor
sua imensa complexidade. A maior parte
dos objetos e pessoas que nos rodeiam,
como explica Damásio, acaba por ser capaz de desencadear emoções, fortes ou
fracas, boas ou más, conscientes ou não.
Em seu desenvolvimento, o brincar
caminha para o processo de sociabilização e introduz o jogo de regras, que
supõe o conhecimento e o respeito das
mesmas, o uso de estratégias inteligentes de ação, o saber se expressar, o
saber esperar sua vez, o saber perder, o
aprender a lidar com suas emoções. Ora,
se privamos a criança de agir, de brincar,
portanto, estamos pondo em risco seu
desenvolvimento.
É por meio da ação, da experiência,
que se dá o desenvolvimento do sistema
nervoso, que depende em sua maturação, do processo de mielinização, o qual
avança em direção à corticalidade. Este
processo, que em síntese vem a ser o da
organização de nossa subjetividade e objetividade, supõe a formação e ampliação
do nível da consciência da criança, não
só sobre si mesma, suas conquistas e
dificuldades, mas também do meio que
13
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 2 • Março • Abril de 2012
14
talvez as que mais precisem brincar para
compensar esta situação. Lembrando
que o desenvolvimento se apóia num
início rítmico e repetitivo, apoiado numa
demarcação espacial da casa e temporal,
das rotinas, espaço e tempo conhecidos
e confiáveis, nos quais a criança se sente mais segura e confiante para poder
relaxar e brincar, ressalta-se aqui a importância de se respeitar e mesmo incentivar
atividades livres e lúdicas da criança, em
ambiente no qual ela se sinta à vontade.
A importância do brincar em ambiente
hospitalar, visando sua humanização, foi
reconhecida por meio da exigência legal
da criação de brinquedotecas hospitalares, o que tem contribuído inclusive para
a adesão ao tratamento das crianças e
familiares (Oliveira, 2007).
A Psicologia da Saúde contemporânea, segundo Lyons e Chamberlain
(2006) procura compreender os aspectos potencialmente saudáveis dos seres
humanos em oposição à Psicologia tradicional e sua ênfase nos aspectos patológicos. Nesse sentido, em movimento
de abertura e flexibilidade, as ciências da
saúde voltam-se para pesquisar e propor
dinâmicas terapêuticas que produzem
resultados positivos, apoiadas na crença
da capacidade humana de auto-regulação
e superação de desafios, desde que se
forneçam ao organismo condições de
ação motivada e interação social.
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neuropsicológica na infância (0 a 6
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M.M.M., Jesus S.N.de & Oliveira, V.B.
(orgs.) Psicologia da Saúde – Teoria e
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Metodista de São Paulo.
- Oliveira, V.B. (2010) Rituais e brincadeiras
na brinquedoteca- Vetores de
crescimento pessoal, social e cultural.
In Oliveira, V.B.(org) Brinquedoteca uma
visão internacional . Petrópolis: Vozes.
* Vera Barros de Oliveira é Livre-docente em Psicologia
pela USP; Professora Titular da Un. Metodista, membro
da Academia Paulista de Psicologia, Presidente da As.
Brasileira de Brinquedotecas, autora de vários livros e
artigos sobre o Brincar.
E-mail: [email protected]
dese n volvime n to
A Importância do Brincar e a
Terapia Ocupacional
Para os adultos, brincar representa
descontração, divertimento, lazer. É a
forma que encontra de se entreter com
coisas amenas procurando esquecer os
problemas que fazem parte do seu cotidiano (trabalho, família, etc).
O significado do brincar para a criança é diferente do que representa para o
adulto. É através do brincar que a criança
inicia o seu processo de autoconhecimento, toma contato com a realidade externa
e passa a interagir com o mundo de maneira natural e espontânea. Brincando,
ela tem a oportunidade de exercitar suas
potencialidades, experimentar desafios e
expressar seus sentimentos.
Este artigo pretende colaborar com
a discussão e reflexão sobre a importância do brincar e da brincadeira no
desenvolvimento da criança. Segundo
Piaget (1976), a atividade lúdica é o berço
obrigatório das atividades intelectuais da
criança. Estas não são apenas uma forma
de entretenimento para gastar energia
das crianças, mas meios que contribuem e enriquecem o desenvolvimento
intelectual.
O brincar também tem suas diferentes formas e etapas do desenvolvimento
infantil. A primeira etapa é o brincar desocupado onde a criança/bebê começa
a brincar sozinha, brincando com seu
próprio corpo (movimentos, sons e noção
de espaço), esta fase é fundamental para
iniciar o processo de autoconhecimento
da criança. A segunda etapa é o brincar
solitário, onde as crianças começam a
manipular os objetos/brinquedos, é uma
fase em que a criança brinca sozinha, é
importante para que exercite a capacidade de focar atenção, inventar e principalmente permanecer concentrada em uma
atividade. A terceira etapa é o brincar
observador onde a criança observa outra
criança brincando, sem interagir em sua
brincadeira. A quarta etapa é o brincar
paralelo, onde procurará companheiros
para as brincadeiras, mas não interação
entre elas, cada criança com seu brinquedo. A quinta etapa é o brincar associativo
é onde se inicia o brincar em grupo com
interesses e atividades em comum. E a
sexta etapa é o brincar cooperativo onde
o brincar é organizado pelo grupo para
atingir um mesmo objetivo.
A brincadeira de faz-de-conta é uma
das formas de brincar fundamental para o
desenvolvimento infantil saudável, é onde
a criança traz o mundo dos adultos para a
brincadeira, essas situações imaginárias
estimulam a inteligência e desenvolvem
a criatividade. E por fim, o brincar com
outras pessoas (crianças/adultos), em
que a criança aprende a viver socialmente, respeitar regras, esperar a sua vez
de brincar, ou seja, quando começa a
interagir de forma mais organizada.
A partir da quinta etapa do brincar, a
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 2 • Março • Abril de 2012
Flavia M. O. Li Volsi
15
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 2 • Março • Abril de 2012
16
brincadeira contribui para a socialização
das crianças, oferecendo-lhes oportunidades de realizar atividades coletivas livremente, além de ter efeitos positivos para
o processo de aprendizagem e estimular o
desenvolvimento de habilidades básicas
e aquisição de novos conhecimentos.
Brincar é um ato espontâneo, uma
das principais formas de comunicação
nos primeiros anos de vida. Os brinquedos são convites ao brincar desde que
provoquem vontade de interagir, assim
tornam-se os instrumentos de exploração
e desenvolvimento da capacidade motora
e cognitiva da criança. Para que os brinquedos realmente representem desafios
para a criança, devem estar adequados
ao interesse, às necessidades e capacidades da etapa de desenvolvimento em
que cada criança se encontra.
Para a escolha dos brinquedos, o responsável pela criança pode ficar atento
a algumas indicações, como interesse
(é o brinquedo que convida a criança
a brincar, que desafia o pensamento),
adequação (onde deve atender a etapa de
desenvolvimento em que a criança se encontra: suas necessidades emocionais,
sócio-culturais, físicas e intelectuais),
apelo à imaginação (onde o brinquedo
deve estimular a criança e não limitá-la),
versatilidade (onde o brinquedo pode ser
usado de diferentes maneiras), cores e
formas (o colorido, texturas e formas
diferentes, estimulam sensorialmente a
criança), tamanho (deve ser compatível
com a sua motricidade, quanto menor
a criança, maior deve ser as peças do
brinquedo) e segurança do brinquedo
para a criança.
Então, vimos que o brincar é uma
atividade essencial ao desenvolvimento
global do ser humano, assim sendo, importante que todas as crianças brinquem.
Mas, para que o brincar possa acontecer
de forma plena e nutritiva, as características da criança e suas necessidades especiais, precisam ser consideradas e atendidas. Acredito ser importante ressaltar
algumas considerações sobre o brincar
da criança com necessidades especiais,
pois todas as crianças precisam de estímulos, mas a criança com necessidades
especiais depende da estimulação que
recebe para se desenvolver. Não existem
brinquedos especiais para as crianças
portadoras de deficiências, mas alguns
aspectos devem ser observados, como:
o nível de desenvolvimento requerido, ou
seja, habilidades manuais, intelectuais e
sensoriais; as adaptações necessárias
na forma física do brinquedo ou jogo; e
as alternativas possíveis na variação da
forma de brincar ou jogar para que haja
maior aproveitamento na brincadeira da
criança. Nestes casos, vejo a importância
da Terapia Ocupacional para auxiliar o
desenvolvimento da criança.
Sendo a Terapia Ocupacional uma
profissão da área da saúde, que utiliza
como recurso terapêutico as atividades
para avaliar, estimular e reabilitar crianças com disfunções de origem física, psicológica, social ou ocupacional. É através
da atividade que o Terapeuta Ocupacional
consegue identificar as dificuldades da
criança, e a atividade utilizada pelos
Terapeutas Ocupacionais para avaliação
das crianças é a do brincar.
Assim, a realização de atividades
se apresenta através de brincadeiras,
oferecendo estímulos para que procedimentos educativos entrem na relação
triádica (criança, terapeuta e atividade), o
assimilar novos conhecimentos, auxiliando em seu processo de desenvolvimento
e aprendizagem.
¨Se as estimulações estiverem adequadas às necessidades do estágio de
desenvolvimento em que a criança se
encontra as descobertas alcançadas,
através das experiências vividas, contruir-se-ão em aprendizagens ricas e duradouras.” (Nylse Cunha)
Referências:
CUNHA, Nylse. Brinquedoteca, Um Mergulho
no Brincar. São Paulo: Editora Aquariana,
2010.
FRIEDMANN, Adriana. A Arte de Brincar.
Petropolis: Velozes, 2004.
BENJAMIN, Walter. Reflexões Sobre a
Criança, o Brinquedo e a Educação. São
Paulo: Editora 34, 2002.
PIAGET, Jean. A Psicologia da Criança. Rio de
Janeiro: Bertrand Brasil, 1998.
DRUMMOND, Adriana e REZENDE, Márcia.
Intervenções da Terapia Ocupacional,
Belo Horizonte: Editora UFMG, 2008.
PARHAM, Diana e FAZIO, Linda. A Recreação
na Terapia Ocupacional Pediátrica. São
Paulo: Livraria Santos Editora, 2002.
Flavia M. O. Li Volsi é Terapeuta Ocupacional graduada
pelo Centro Universitário São
Camilo. Atua como Terapeuta
Ocupacional e Coordenadora
do Programa de Estimulação
Precoce da APAE de Cotia.
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 2 • Março • Abril de 2012
Terapeuta Ocupacional observa a relação
da criança com o brinquedo e/ou brincadeira e pode perceber como ela utiliza
para transformar ou recriar o mundo em
que vive. O Terapeuta Ocupacional também pode adaptar a atividade, que é o
processo de modificar as tarefas ou objetos para promover ou facilitar a função
independente.
No caso, de déficits físicos (motores e/ou sensoriais) ou cognitivos no
desempenho do brincar, o Terapeuta
Ocupacional pode usar os recursos de
adaptação das atividades lúdicas, propondo novas formas de fazer em uma ou
mais etapas da atividade a ser realizada,
estes podem envolver em simplificações
cognitivas, redução da resistência física,
redução de barreiras físicas ou sociais ou
mesmo com o uso de equipamentos de
adaptação de objetos lúdicos e brinquedos e ainda pode realizar modificações
estruturais no espaço do brincar. Fazendo
assim com que todas as crianças sejam
capazes de participar e interagir socialmente e aproveitem os estímulos das
atividades lúdicas.
Desta forma, usando como recurso o brinquedo e o brincar, a Terapia
Ocupacional contribui para estimular as
habilidades da criança, promovendo seu
desenvolvimento, melhorando o convívio
no meio em que está inserida, tornando-a
mais independente e capaz de adquirir e
17
reabilita ç ã o
Sistemas de Suporte Próteses/Órteses
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 2 • Março • Abril de 2012
Dra. Alessandra Freitas Russo
18
Os avanços na área da saúde, especialmente na tecnologia voltada à saúde
foram muito evidentes nos últimos tempos. Hoje, mais que reduzir a mortalidade
e a morbidade, a medicina procura melhorar a qualidade de vida das pessoas.
Quando voltamos nosso olhar à
deficiência, essa característica se torna
ainda mais marcante. Técnicas de reabilitação, tecnologia assistiva, arquitetura
global e sistemas de suporte melhoram
a cada dia, no intuito de permitir maior
independência e funcionalidade à pessoa
com deficiência.
Classificações como a CIF (Classificação Internacional de Funcionalidade),
publicada pela Organização Mundial de
Saúde em 2001, com o propósito de
uniformizar a conceituação e terminologia
dos processos de funcionalidade e incapacidade, bem como servir de parâmetro
para organização de evidências, são a
prova desta mudança de paradigma no
âmbito da saúde.
Ou seja, passamos a olhar a funcionalidade da pessoa com deficiência,
mensurá-la através de parâmetros objetivos e indicar mediadas de suporte com
o objetivo de incrementar essa funcionalidade.
Neste contexto, o advento e a
constante modernização de órteses e
próteses, que são dispositivos utilizados
para essa melhora funcional, tornaram-
-se parte importante do tratamento de
reabilitação de pessoas com deficiência
física ou mobilidade reduzida.
De acordo com o Censo 2000, o
número de pessoas com necessidades
especiais no Brasil chega a 24,5 milhões,
isso representa cerca de 14,5% da população. A organização atual da assistência
à saúde obedece a um modelo que se
caracteriza pelos recursos materiais e
pelos profissionais necessários para seu
diagnóstico e tratamento.
Além disso, as incapacidades produzidas por lesões do sistema nervoso,
pelas amputações, pelas más formações
congênitas, pelas doenças reumáticas,
dentre outras são exemplos de doenças
que causam grande impacto sobre os
indivíduos, afetando assim, a sua qualidade de vida. Portanto, seus tratamentos
devem ser desenvolvidos em centros de
tratamento especializados.
Na terminologia médica atual, considera-se prótese a peça ou dispositivo
artificial utilizado para substituir um
membro, um órgão, ou parte dele, como,
por exemplo, prótese dentária, ocular, articular, cardíaca ou vascular, entre outros.
Mais recentemente, além do conceito anatômico, nota-se a tendência
de considerar como prótese também os
aparelhos ou dispositivos de uso externo,
destinados a corrigir a função deficiente
de um órgão, como no caso da audição.
Prótese
A arte da confecção de próteses
nasceu por necessidade e sua evolução
está essencialmente ligada a momentos
difíceis da humanidade, especialmente
às guerras.
A evolução técnica vista nesta área
é enorme e deve continuar aumentando
nos próximos anos.
Aqui trataremos somente das próteses utilizadas na reabilitação da deficiência física, especificamente nos casos
de amputações.
Marcadas pela falta de um membro
ou segmento corporal, as pessoas amputadas trazem inscritos em seus corpos
sinais que as identificam como sendo
diferentes, não raras vezes, sendo identificadas também como seres imperfeitos
e incapazes. Neste contexto, a prescrição
de próteses melhora não só a capacidade
funcional, mas também o emocional destes indivíduos, contribuindo sobremaneira
para a melhora na qualidade de vida e
inclusão na sociedade.
No Brasil não há estatística precisa
sobre o número de amputações realizadas anualmente, porém aproximadamente 85% delas ocorrem em membros
inferiores.
A causa mais frequente de amputações é a doença vascular periférica,
combinada ou não com diabetes. Mais
de 90% das 60.000 amputações realizadas nos Estados Unidos a cada ano são
decorrentes de isquemia ou infecção com
gangrena.
Fatores de risco, como idade avançada, tabagismo, diabetes, hipertensão,
hipercolesterolemia, influenciam o aparecimento de doenças vasculares, por
exemplo, aumentando a incidência de
aterosclerose e acelerando o progresso
de degeneração do membro.
Outra causa muito comum para amputação é a traumática, sendo que nos
adultos com menos de 50 anos de idade
acontece sua maior incidência, prevalecendo no sexo masculino.
A prescrição de uma prótese deve
considerar: resistência, durabilidade,
conforto, custo e estética.
Uma protetização bem sucedida dependerá de boas condições do coto, de
um bom conhecimento técnico desses
aparelhos e da capacidade da equipe de
reabilitação de antever o potencial motor
do paciente amputado. O seguimento do
processo por equipe experiente e capacitada é peça importante no êxito deste.
Sabemos que a realidade atual da
saúde no Brasil não contempla a assistência integral necessária ao indivíduo
amputado, visto que há uma grande
incidência de amputações, provenientes
principalmente de doenças vasculares e/
ou infecciosas, causas essas que podem
ser prevenidas através da educação e
conscientização, o que deve estimular
os profissionais da saúde, a atuarem sob
novas circunstâncias, buscando ações
válidas e eficazes de prevenção.
A partir do reconhecimento das amputações como um problema coletivo,
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 2 • Março • Abril de 2012
Órtese tem um significado mais
restrito e refere-se unicamente aos aparelhos ou dispositivos ortopédicos de uso
externo, destinados a alinhar, prevenir
ou corrigir deformidades, ou melhorar a
função das partes móveis do corpo.
19
sem preconceitos e /ou julgamentos,
poderemos alcançar resultados mais eficazes na assistência para a promoção da
saúde e melhora na qualidade de vidas
dessas pessoas.
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 2 • Março • Abril de 2012
Órtese
20
As órteses são dispositivos para
suporte de músculos paralisados ou com
importante redução de força. Previnem incapacidades e deformidades, melhorando
a ação do membro acometido.
Largamente utilizadas na reabilitação
ortopédica, reumatológica e neurológica,
especialmente na paralisia cerebral, mielomeningocele, nas paralisias flácidas e
nas doenças neuromusculares, esses
acessórios tem papel importante na terapia de reabilitação desses pacientes.
Podem ser usadas para sustentar,
imobilizar ou restringir uma ou mais
partes do corpo, evitando deformidades;
auxiliar um movimento inadequado pela
redução de força muscular, ou servir
como base de fixação de outros dispositivos de ajuda.
As órteses podem ser utilizadas em
um ou mais membros e classificam-se
em estáticas ou dinâmicas.
Estáticas são órteses que estabilizam um seguimento, deixando em uma
posição funcionalmente melhor. Esta
classe se subdivide em órteses de repouso, que não permitem a funcionalidade do
membro, só estabilizando-o numa posição
anatômica para prevenir deformidades e
funcionais, quando permitem a função
do membro.
As órteses dinâmicas, através de
materiais como elásticos, dão função e
alguma mobilidade ao segmento.
Podem ainda, ser usadas continuamente ou em intervalos regulares, de
acordo com a prescrição da equipe de
reabilitação.
Órteses para membros superiores
ou inferiores (também conhecidas
popularmente como “goteiras”), órteses
para ortostatismo e meios auxiliadores
para a marcha como andadores e muletas, são as órteses mais comumente
utilizadas na reabilitação.
Conclusão
Diante do que foi brevemente exposto
neste capítulo, a utilização de recursos
como as órteses e próteses têm papel
importante no prognóstico funcional de
pacientes com deficiência física e devem
ser prescritas por profissional capacitado
e o mais precocemente possível, a fim de
evitar deformidades ou piora funcional
irreversível, que vão levar o paciente à
procedimentos cirúrgicos de risco, que
poderiam ser evitados com o uso destes
dispositivos.
Contribuem ainda para a maior independência, e consequentemente, maior
adaptabilidade e melhora da qualidade
de vida do deficiente.
Bibliografia
1. Agne, JE; Cassol, CM; Bataglion, D;
Ferreira, FV. (2004) Identificação das
causas de amputações de membros no
Hospital Universitário de Santa Maria.
Limbs amputation causes identification
in the University Hospital of Santa Maria.
Saúde, Vol. 30 (1-2): 84-89.
2. Cury, VCR; Mancini, MC; Melo, AP;
Fonseca, ST; Sampaio, RF; Tirado, MGA.
(2006) Efeitos do uso de órtese na
mobilidade funcional de crianças com
paralisia cerebral. Rev. bras. fisioter.
Vol. 10, No. 1, 67-74.
3. Maciel, SC; Souza, DR; Makita, LM.
Órteses. In Fernandes AC, Ramos,
ACR, Casalis, MEP. AACD Medicina e
Reabilitação: Princípios e Práticas. Cap
34 p. 645-70.
4. Okasamoto, AM; Salles, ICD; Ingham,
SJM; Miyazaki, SMK. In Fernandes
AC, Ramos, ACR, Casalis, MEP. AACD
Medicina e Reabilitação: Princípios e
Práticas. Cap 36 p. 707-28.
5. P a i v a , L L ; G o e l l n e r , S V . ( 2 0 0 8 )
Reinventando a vida: um estudo
qualitativo sobre os significados culturais
atribuídos à reconstrução corporal de
amputados mediante a protetização.
Interface - Comunic., Saúde, Educ., jul./
set. V.12, n.26, p.485-97.
6. Rezende, JF. (2006) Prótese, Próstese,
Órtese. Linguagem médica. jan.-abr. Vol.
35 (1): 71-72.
7. World Health Organization. International
Classification of Functioning, Disability
and Health (ICF). Geneva: World Health
Organization; 2001.
Dra. Alessandra Freitas Russo
– Médica neuropediatra,
mestre em Medicina pela
Faculdade de Medicina da
Universidade de São Paulo,
pesquisadora do Laboratório
de distúrbios do desenvolvimento do IP-USP. Neuropediatra da AACD - Osasco.
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 2 • Março • Abril de 2012
Síndromes
revista multidisciplinar de desenvolvimento humano
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21
i n clus ã o
Deficiência Estética e Inclusão
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 2 • Março • Abril de 2012
Carmen S. Alcântara Oliveira
22
Refletir sobre a aparência nos remete
ao conceito de narcisismo, constituído
pela interposição da imagem corporal
com o esquema corporal.
O esquema corporal está ligado à
localização das sensações e especifica
ao sujeito suas características físicas
constitucionais. Quando se toca na ponta
do dedo, por exemplo, o esquema corporal indica a ponta do dedo como lugar
de contato. É um processo neurológico,
portanto que informa o lugar da recepção
das sensações, Nasio (2001).
A imagem corporal por sua vez, é
sempre subjetiva e não corresponde
necessariamente à imagem do espelho.
O corpo psíquico ou imagem corporal
é formado antes mesmo da concepção,
através dos desejos maternos e paternos, e irá compor-se junto com o olhar
do outro, com seus aspectos culturais
associados e que irão mostrar seu lugar
no mundo.
Segundo Nasio (2001), “A imagem do
corpo não existe para uma única pessoa.
Só se constrói e só existe na relação com
alguém”.
Quando ocorre falha na estrutura do
corpo, pode haver dissonância entre esses desejos e estes olhares e uma ferida
é instaurada no narcisismo do sujeito e
de seus pais.
A forma como este sujeito e seus
pais irão lidar com a dor desta ferida
narcísica e o luto pelo corpo idealizado
estão estreitamente relacionados com
as condições psíquicas de cada um e as
condições de suporte familiar e social.
A sociedade atual valoriza as imagens, acredita nos ganhos que estas
podem trazer; o narcisismo parece ser
alimentado pela valorização dos ideais
midiáticos.
Schilder, 1980, contribuiu para a
compreensão do conceito de beleza e da
sociedade: “Ao estudarmos os desejos e
as pulsões instintivas compreenderemos
as alterações reais que as diferentes
sociedades promovem no corpo. O ideal
e o padrão de beleza serão sempre a
expressão libidinal da sociedade. Esta
situação é necessariamente mutável.”.
Assumpção (2008), no capítulo sobre filogênese, descreve a evolução da
sexualidade humana e de como o erótico
repercutiu culturalmente na questão da
beleza que permeou e permeia a idéia
de mulher no transcorrer dos tempos e
culturas.
“Na mulher, o padrão estético de
beleza está associado, na maioria das
culturas à irrealidade das formas e ao
esquecimento da maternidade, embora
do ponto de vista adaptativo, esse padrão
deva ter sido inicial.”
Ao homem, segundo o mesmo autor,
mais do que beleza, caberia o papel de
competência da produção, sob o ponto
cidos de forma rígida e impositiva, como
os desvios, as alterações corporais, são
tidos como patologias, fragilidades e a
efemeridade do existir humano.
A deficiência depara-se essencialmente com uma sociedade excludente e
estigmatizadora.
Goffman (1988), em seu livro Estigma, afirma que a sociedade de uma
maneira geral exige do indivíduo estigmatizado que ele se comporte de forma a
não demonstrar que sua carga é pesada
e nem que carregá-la o torna diferente das
outras pessoas. Ele é aconselhado a agir
e aceitar com naturalidade a si mesmo e
aos outros. Desta forma, há uma permissão para que uma “aceitação-fantasma”
forneça base para uma “normalidade-fantasma”.
É necessário, portanto, ultrapassar a
estranheza que nos causam aqueles que
não se encaixam nos padrões estéticos
convencionais e trabalhar na criação
de um “ETHOS” social que permita a
inclusão plena, significando a tolerância
pelas dificuldades e limitações que estas pessoas possuem, sem, contudo as
subestimar.
Que esta inclusão plena, possa se
viabilizar não só no âmbito escolar, mas
que se faça presente em outras instâncias do convívio social e em todos os
meios de transmissão de conhecimento,
inclusive na arte.
Deste modo, seria possível antever
um convívio efetivo com a deficiência,
seja ela física, mental, estética e outras,
geradora de novas representações sobre
o corpo, assim como novos significados
acerca das potencialidades conferidas ao
biológico e ao psíquico.
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 2 • Março • Abril de 2012
de vista capitalista ou “bom caçador” na
horda primitiva.
Segundo o psicanalista Joel Birman
(2011), a construção do modelo neoliberal da economia internacional em conjunção com seu processo de globalização,
vem provocando nos jovens da atualidade, a falta de reconhecimento social
e simbólico pela grave crise econômica
instaurada. Desta forma, despossuidos
de seu lugar produtivo na sociedade, restaria a eles, a exuberância dos corpos e a
força física. Seria possível entender desta
forma, a emergência e a multiplicação de
várias formas de violência no mundo entre
os jovens, algumas vezes contra outros
excluídos (negros, índios, homossexuais)
em uma contra identificação.
Outra questão relativa à sociedade
contemporânea, diz respeito a passagem do tempo impressa no corpo. O
envelhecimento é desqualificado e a
juventude eterna e seus modismos são
buscados através de cirurgias plásticas e
da medicina estética. Tal busca se dá a
qualquer custo e muitas vezes de forma
inescrupulosa. O caso atual das próteses
de silicone francesas adulteradas e que
prejudicaram milhares de mulheres no
mundo é um bom exemplo.
Na ficção, no último filme de Almodóvar, “A pele que habito”, o cirurgião
plástico Richard Legrand, interpretado por
Antônio Bandeiras, expressa entre outras
coisas, estes desejos onipotentes pela
beleza ideal e juventude eterna.
Haveria basicamente duas qualidades
subjetivas que são cruciais para se fazer
valer na sociedade atual: é necessário ser
desejável e invejável, Calligaris (2000).
Em contraponto, todo aquele que é
diferente dos padrões estéticos estabele-
23
Referências bibliográficas
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 2 • Março • Abril de 2012
1. Assumpção FB. Psicopatologia Evolutiva.
São Paulo: Artmed; 2008.
2. Birman J. Ser ou não ser. Revista Cult no
157, Maio, 2011.
3. Calligaris C. A Adolescência. São Paulo:
PubliFolha; 2000.
4. Goffman E. Estigma, notas sobre a
manipulação da identidade deteriorada.
Rio de Janeiro: LTC; 1988.
5. Nasio JD. Um caso de criança: a imagem
inconsciente do corpo, de F. Dolto in
Os grandes casos de psicoses. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar Ed.; 2001.
6. Schilder PA. A imagem do corpo. São
Paulo: Martins Fontes; 1980.
24
Carmen Sylvia de Alcântara
Oliveira, 49 anos, Mestre pela
Faculdade de Medicina da
Universidade de São Paulo,
Especialista em Psicologia
Médica e Hospitalar, Membro do Grupo de Pesquisa
Avançada em Medicina do
Sono – HCFMUSP
Email: [email protected]
artigo do m ê s
Mucopolissacaridoses e
Comportamento
As mucopolissacaridoses (MPS)
são um grupo de doenças metabólicas
hereditárias causadas pela deficiência
de enzimas lisossomais específicas,
classificando-se dentro do grupo das
doenças de depósito lisossômico. A
primeira descrição de uma MPS foi realizada por Hunter em 1917. Segundo
estudos internacionais, sua incidência
varia de 1,9 a 4,5 casos para cada
100.000 nascimentos. A incidência real
da condição em nosso país é desconhecida, devido à carência de estudos
na área.
No Brasil, a Universidade Federal
do Rio Grande do Sul coordena a Rede
MPS Brasil, uma rede de centros de
pesquisa e atendimento em MPS composta por 15 unidades, sendo 1 na
região norte, 4 na região nordeste, 1 na
região centro-oeste, 8 na região sudeste e 1 na região sul. Além dos serviços
de pesquisa, diagnóstico, acompanhamento e tratamento dos pacientes com
MPS, a rede disponibiliza em seu site
na internet diversas cartilhas dirigidas
a pacientes, familiares e interessados
com informações sobre a doença, além
de links para outros sites relacionados
ao tema. Uma estimativa realizada pela
rede e citada em artigo publicado no
ano de 2008 relatava o conhecimento
de 249 pessoas vivas portadoras de
um dos tipos da doença no Brasil,
porém é possível que tal número seja
subestimado, uma vez que o diagnóstico é amplamente desconhecido dos
médicos em geral, especialmente fora
dos grandes centros.
A deficiência enzimática resulta
em alterações na função dos órgãos e
tecidos devido ao acúmulo excessivo
de substâncias parcialmente degradadas no interior das células. No caso
das MPS, as substâncias acumuladas
são os chamados glicosaminoglicanos
(GAGS), que também são eliminados na
urina dos pacientes afetados. A ampla
distribuição dos GAGS nos tecidos
corporais leva a manifestações clínicas
diversas, que podem se mostrar em
uma ou mais das seguintes formas:
dismorfismo corporal, displasia óssea
e alterações de inteligência e comportamento.
Embora a suspeita do diagnóstico
seja sempre clínica, ou seja, levantada
durante uma consulta e após anamnese
e exame médicos, com a solicitação
de exames complementares como radiografias, ecocardiograma e avaliação
oftalmológica, sua confirmação é feita
pela dosagem de enzimas no sangue,
que também realiza a distinção entre
os diversos tipos. Atualmente, é possível identificar as mutações genéticas relacionadas à MPS, sendo que o
padrão de herança para todas as MPS
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 2 • Março • Abril de 2012
Tatiana Malheiros Assumpção
25
é autossômico recessivo, excetuando-se a MPSII, cujo padrão de herança é
recessivo ligado ao X.
Existem vários tipos tipos de MPS,
cada tipo correspondendo à deficiência de uma enzima que metaboliza um glicosaminoglicano específico. Os tipos de MPS, a enzima deficiente e o glicosaminoglicano envolvido são:
Classificação das Mucopolissacarodoses
MPS
MPS
MPS
MPS
MPS
MPS
MPS
Tipo
IH
IS
IH/S
II
IIIA
IIIB
IIIC
S.
S.
S.
S.
S.
Epônimo
Hurler
Scheie
Hurler-Scheie
Hunter
Sanfilippo
Material acumulado*
DS, HS
DS, HS
DS, HS
DS, HS
HS
HS
HS
MPS IIID
MPS IVA
S. Morquio
QS
MPS IVB
MPS VI
S.Maroteaux-Lamy
QS
DS
MPS VII
MPS IX
S. Sly
S. Natowicz
que geralmente as
CS, DS, HSgressivo, sendo
β-Glucuronidase
crianças nascem
sem sinais indicatiCS
Hialuronidase
*DH: dermatan sulfato; HS: heparan sulfato;
QS: queratan sulfato; CS: condroitin sulfato.
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 2 • Março • Abril de 2012
O curso das MPS é crônico e pro-
26
Deficiência Enzimática
Iduronidase
Iduronidase
Iduronidase
Iduronato-sulfato-sulfatase
Heparan-N-sulfatase
N-Acetilglicosaminidase
Acetil-CoA-glicosaminidase
acetiltransferase
N-Acetilglicosamina-6-sulfatase
Galactosamina-6-sulfatase
β-Galactosidase
N-Acetilgalctosamina-4-sulfatase
vos da doença e vão apresentá-los ao
longo de seus primeiros anos de vida.
Embora os quadros clínicos sejam variáveis, há manifestações que podem
ser encontradas em todos os tipos de MPS, em maior ou menor grau. Elas incluem
dismorfismos faciais, aumento dos órgãos internos e alterações ósseas.
Principais características clínicas da MPS
Tipos de
MPS
MPS I
Face
Esqueleto
Órgão Internos
Comportamento
Dismorfismo facial Baixa estatura, Aumento de baço D e f i c i ê n c i a i n acentuado, turva- rigidez articular, e fígado, insu- telectual
ção de córnea
complicações or- ficiência de valtopédicas
vas cardíacas,
problemas respiratórios
Dismorfismo facial Baixa estatura
acentuado
MPS III
Dismorfismo facial Espasticidade e
leve
rigidez articular
discreta
MPS IV
Dismorfismo facial Baixa estatura,
leve, turvação de displasia óssea
córnea
grave, deformidades de coluna
Dismorfismo facial Rigidez articular
E s t r e i t a m e n t o Desenvolvimento
acentuado
difuso e progressi- normal
vo das vias aéreas
Dismorfismo facial Baixa estatura
Hérnias inguinal D e f i c i ê n c i a i n acentuado
e umbilical, au- telectual
mento de baço e
fígado, problemas
respiratórios
Apenas um caso
descrito até o momento, com baixa
estatura e nódulos periarticulares
proeminentes e o desenvolvimento da
múltiplos
MPS VI
MPS VII
MPS VIII
A ocorrência de complicações clínicas é comum, sendo que as que envolvem as vias aéreas, como infecções
e a obstrução decorrente do próprio
dismorfismo, e as afecções cardíacas
são as principais causas de óbito. É
importante ressaltar que, quanto maior
o grau de acometimento clínico, menor
é a expectativa de sobrevida desses
pacientes.
No que se refere ao perfil cognitivo, dificuldades de aprendizagem com
deterioração mental progressiva são características comuns às síndromes de
Hurler, Hunter e Sanfilippo. Capacidade
atencional limitada e distraibilidade são
Diarréias freqüen- D e f i c i ê n c i a i n tes, problemas telectual
respiratórios
Deficência intelectual associada
a problemas de
comportamento
Problemas respi- Desenvolvimento
ratórios
normal
fala é particularmente atrasado quando
comparado a outras características.
Algumas crianças nunca chegam a
desenvolvê-la. Outras têm seu desenvolvimento atrasado e perdem as habilidades conforme a doença progride.
Em contraste com essas manifestações
mais graves, pacientes com síndrome
de Scheie, alguns casos mais leves de
síndrome de Hunter e pacientes com
síndromes de Morquio e Maroteaux-Lamy apresentam-se geralmente com
inteligência normal ou dificuldades de
aprendizado moderadas.
Crianças com MPS também apresentam altas taxas de problemas de
comportamento, extremamente variados em suas características. Ao menos
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 2 • Março • Abril de 2012
MPS II
27
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 2 • Março • Abril de 2012
28
em parte, eles podem ser concomitantes com os baixos níveis cognitivos e
com os aspectos degenerativos das
doenças. Por outro lado, eles também
ocorrem em indivíduos afetados com
desenvolvimento normal, sugerindo
outros possíveis fatores causais e/ou
desencadeantes envolvidos. Crianças
com síndromes de Hunter, Hurler e
Sanfilippo apresentam elevados índices
de problemas de sono.
Apesar disso, e de a literatura científica frequentemente citar a ocorrência
de problemas de comportamento em
tais crianças, é raro encontrar referência ao tipo de problema que elas
apresentam e, mais ainda, é raro que
tais problemas sejam detectados e tratados. Mais comumente, vê-se o relato
de um “atraso” que é considerado parte
da doença e não mais investigado ou
incluído nas considerações a respeito
de manejo e tratamento do quadro.
Em trabalho atualmente em andamento, está sendo realizada, por nós,
a avaliação psiquiátrica e de desenvolvimento de crianças e adolescentes
portadores de MPS. Embora não haja
dados definitivos, os achados preliminares mostram que esses indivíduos
são bastante vulneráveis a condições
como quadros ansiosos, como transtorno de ansiedade de separação e transtornos de ajustamento, além de outros
menos freqüentes, como transtorno
oposicional desafiador, depressão e
autismo infantil.
A questão escolar também se coloca como de extrema importância, uma
vez que muitas dessas crianças sofrem
com o cotidiano acadêmico, seja por
não conseguirem freqüentar as aulas
em decorrência dos problemas clínicos,
seja por dificuldades de aprendizado
relacionadas ao prejuízo cognitivo, seja
pelo despreparo dos estabelecimentos
para receber pessoas com dificuldades
motoras e comportamentais graves,
seja pela atitude hostil de colegas a
que frequentemente são submetidas,
em função dos dismorfismos apresentados.
O tratamento envolve o manejo das
complicações e, atualmente, já existe
a reposição da enzima deficiente para
as MPS tipos I, II e VI, melhorando sobremaneira a qualidade e a expectativa
de vida desses indivíduos. Pesquisas
intensivas têm sido realizadas com o
objetivo de se desenvolverem terapias
de reposição enzimática para os outros
tipos de MPS.
Agradecimento
Sou muito grata às dras. Chong Ae
Kim e Ana Carolina de Paula, do Serviço de Genética Médica do Instituto da
Criança da FMUSP, por sua gentileza
em colaborar com o trabalho sobre a
prevalência de transtornos psiquiátricos em pacientes com mucopolissacaridoses, tema de minha dissertação
de mestrado.
Referências
1. Paula, AC; Kim, CA; Albano, LMJ;
Doenças de depósito lisossômico
in Kim, CA; Albano, LMJ; Bertola,
DR; Genética na prática pediátrica;
Manole, São Paulo, 2010.
2. Vieira T, Schwartz I, Mun˜oz V, Pinto L,
Steiner C, Ribeiro M, Boy R, Ferraz V,
de Paula A, Kim C, Acosta A, Giugliani
R. 2008. Mucopolysaccharidoses in
Brazil: What happens from birth to
biochemical diagnosis? Am J Med
Genet Part A 146A:1741–1747.
3. Rede MPS Brasil: http://www6.ufrgs.
br/redempsbrasil/
4. Coutinho, MF; Lacerda, L; Alves, S;
Glycosaminoglycan storage disorders:
a review; Biochem Res Int (2012):
1-16.
Tatiana Malheiros Assumpção, 32 anos, psiquiatra da
infância e adolescência.
Graduação pela Faculdade de
Ciências Médicas da Santa
Casa de São Paulo; Residência em psiquiatria pelo
Instituto de Psiquiatria do HCFMUSP; Residência em
psiquiatria da infância e adolescência pela UNIFESP;
Especialização em saúde mental na infância e adolescência pela FACIS-IBEHE; pós-graduanda em psicologia
clínica pelo Instituto de Psicologia da USP.
E-mail: [email protected]
Nessa edição Módulo II/VI
No final, teste seus
conhecimentos e receba seu
Certificado de Conclusão
do IPUSP – Instituto de
Psicologia da USP.
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 2 • Março • Abril de 2012
Acompanhe nosso
Curso de Autismo
29
de m ã e , pra m ã e
A coragem de viver com
Mucopolissacaridose
Edição de texto: Leandra Migotto Certeza*
Por Regina Próspero
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 2 • Março • Abril de 2012
Neste espaço pais e pessoas com a síndrome relatam um pouco sobre
suas experiências de viver com suas singularidades em uma sociedade
ainda pouco inclusiva. São exemplos de pessoas que já conseguiram alcançar muitos objetivos graças à força de vontade, mas ainda enfrentam
muitos desafios para realizarem seus sonhos; assim como a maioria dos
seres humanos sem deficiências. É uma oportunidade para os leitores
conhecerem um pouco mais sobre a diversidade.
30
Nosso filho é especial, especialmente maravilhoso, iluminado, engrandecido
e ÚNICO.
Sou formada em instrumentação
cirúrgica e cursando o 5º ano de direito
na UNIFIG/UNIMESP em Guarulhos/SP,
presidente da Associação Paulista de
Mucopolissacaridoses, e da Aliança Brasil MPS. Também sou casada, mãe de 3
meninos, sendo que Niltinho o primeiro
filho, portador de MPS VI veio a falecer
com 6 anos de idade.
Acredito que o momento mais feliz da
vida de uma mulher é ser mãe. Comigo
não foi diferente. Aos 22 anos eu fiquei
grávida pela primeira vez. A gravidez foi
tranqüila, e em 1988 nasceu o Niltinho.
Mas, quando ele tinha 6 meses meu marido e eu tivemos a pior notícia de nossa
vida: nosso filho tão amado, esperado
e querido era portador de uma doença
rara, desconhecida e praticamente sem
nenhum tratamento. O nome era assustador, tudo era assustador.
A Mucopolissacaridose (MPS) é uma
doença progressiva, degenerativa e fatal.
Ficamos desesperados, pois o sentimento de impotência em um pai é um dos
mais avassaladores de todos. É triste ver
algo de tão ruim acontecer com aquele
que é tão amado e não poder fazer o que
ele nos pede: “me salve”. É terrível saber
tanto de uma doença e tão igualmente
não saber como tratá-la. Então, trata-se o
que ela polpa, o que ela não agride tanto.
quando ele nasce, mas acredito que tão
maravilhoso quanto.
Nosso filho tem potencial, mas depende de nós para construí-lo. Sei que
existe uma mente brilhante e um ser
maravilhoso, vivendo em um corpo frágil,
debilitado, o que o torna incapaz de realizar muitas tarefas sem a nossa ajuda;
mas ele vai conquistar seus sonhos. E
no que depender de nós, pais e amigos,
iremos ajudá-lo. O Dudu é um exemplo de
que viver a vida é o que interessa. Não
importa quanto tempo, mas sim importa
viver da melhor maneira possível. Tudo
o que ele quer é viver e viver bem. Hoje
não nos interessa tempo, o que importa
é dar-lhe qualidade de vida. Já há muito
tempo, percebi que ele não precisava de
mim para acompanhá-lo em tudo, consegui orientá-lo e ensiná-lo a ter a sua
independência relativa. Já o Leonardo,
o nosso filho mais jovem, hoje com 13
anos, não é portador da síndrome, tendo
uma saúde invejável e um coração de
ouro, já consciente de que neste mundo,
o diferente é igual aos olhos de quem vê.
O irmão do Dudu está preparado para
enxergar o mundo como ele é.
Nossa batalha na sociedade – minha
e do meu marido Nilton - começou quando descobrimos que nosso filho Niltinho
era portador de uma síndrome rara, e
na época (1989) infelizmente não havia
muita coisa a ser feita para que pudesse
dar a ele uma qualidade de vida razoável.
Nunca me conformei com esta situação e
comecei a busca incessante por qualquer
tipo de informação que pudesse transformar angustia em esperança, sofrimento
em alívio e desespero em forças para
lutar. E neste longo caminho que ainda
estamos percorrendo, tivemos muitas
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 2 • Março • Abril de 2012
Na época do diagnóstico do Niltinho,
tive a notícia de que estava grávida do
Luis Eduardo Garcia Próspero, o Dudu.
Quando ele nasceu senti novamente da
felicidade extrema de ser mãe para o
momento terrível de saber que também
o nosso Dudu era portador de Mucopolissacaridose - MPS tipo VI. Gostaríamos
que todos os médicos estivessem errados, mas muitos deles de alguma forma
acertaram, o único que errou foi o com
quem eu mais briguei e o meu instinto materno não se enganou. Um neurologista
disse que o meu filho tinha um problema
intelectual, e eu provei que nem sempre
uma literatura médica está certa. Outro
médico acertou, disse que meu filho não
chegaria aos 10 anos, e a doença levou
o Niltinho aos 6 anos, mas poupou o
Dudu que sempre conseguiu mostrar a
garra que tem.
Meu segundo filho, também portador de MPS VI, está hoje com 21 anos
e cursando o último ano de direito. Para
ajudá-lo em seus estudos como universitário voltei a estudar, uma vez que ele
perdeu a visão aos 10 anos devido à
doença. Em meio a exames dolorosos,
diagnósticos tristes, o Dudu está sempre
pronto a levantar, sacudir a poeira e dar a
volta por cima, mesmo sem enxergar as
cores; sem ouvir os sons maravilhosos
da juventude; sem poder correr atrás daquela menininha linda que ele gostaria de
paquerar; sem ter fôlego suficiente para
dançar na festinha dos amigos que ele
não deixa de ir se convidado e sem se
importar com as perguntinhas indiscretas
que teimam em sair de bocas mal informadas, e ele quer mais. Ele quer construir um futuro, talvez diferente daquele
futuro que todo pai projeta para seu filho
31
derrotas, mas também muitas conquistas. Muito se aprendeu, principalmente
a lidar com o desconhecido, com o descaso, com as incertezas e com o medo
do amanhã. Mas, sempre fui uma pessoa
de muita fé e guiada por um DEUS que
nunca me abandonou.
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 2 • Março • Abril de 2012
Dudu com sua família, mãe, pai e irmão
32
Lutei muito para conseguir obter o
máximo de conhecimento sobre as Mucopolissacaridoses, e também sobre os direitos de um cidadão com esta síndrome
rara. E a partir do momento que percebi
que poderia trazer benefícios para o meu
filho, comecei a compartilhar com outras
famílias as informações que tinha adquirido, e também, disseminar solidariedade e
força para os mais necessitados. Então,
comecei a ser voluntária na Associação
Paulista de Mucopolissacaridoses em
2001.
Hoje, minha luta se estendeu às outras síndromes raras, por acreditar que a
luta é única e o benefício de todos. Acredito também que somente brigando por
nossos direitos, podemos estender aos
que tem mais dificuldade de lutar. Tem
dado certo. Muitos benefícios se mostram
evidentes, muitas vidas estão sendo
poupadas. Muitas famílias voltaram a ter
esperança no futuro. Nossos assistidos
estão vivendo, e vivendo melhor e com
qualidade. É a gratificação da minha vida.
O Brasil possui hoje aproximadamente 535 pacientes, sendo que a
maior parte destes pacientes está sob
nossos cuidados. Neste momento, a
nossa principal meta é conseguir junto
ao Ministério da Saúde, a inclusão dos
medicamentos já aprovados pela ANVISA, na lista de drogas excepcionais (alto
custo) o mais rápido possível. E também
cobrar maior agilidade no andamento da
portaria 81 (aprovada em Janeiro/2009)
que institui a Política Nacional de Genética Clínica. O governo Brasileiro acena
com a implantação da genética clínica
entre os atendimentos disponibilizados
pelo Sistema Único de Saúde (SUS), com
isso, dados mais confiáveis surgirão nos
próximos anos.
O Ministério da Saúde, apesar de não
ter incorporado nossos medicamentos
na lista de medicamentos excepcionais,
já sabe que nossos portadores existem
e que merecem atenção, é um trabalho
de persistência e determinação (formiguinha), mas tirou-os do anonimato. Campanhas são feitas para mostrar nossa
realidade à sociedade, governo e classe
médica devido a falta de cumprimento às
leis que consagram o Direito à saúde e à
vida. E por falar nisso, o Dudu escolheu o
curso de Direito por entender que somente conhecendo de forma mais profunda
a Constituição Federal e tudo o que ela
compreende, ele poderia exigir e fazer
cumprir o seu direito de cidadão, criou
também um blog, que presta informações
sobre doenças raras: www.blogdudueamigos.com.br.
neos no campo da saúde, promovendo e
organizando plataformas e coalizões à escala nacional e internacional e envolvendo-se ativamente em áreas antes reservadas
a especialistas e profissionais, como a
pesquisa. Minha preocupação avançou a
fronteira e me desespera a situação de
países irmãos. E para encerrar, vamos
continuar trabalhando, e tenho certeza que
conseguiremos os resultados esperados,
mesmo que seja a longo prazo!
Conheçam nossos projetos:
www.apmps.org.br e www.aliancabrasildemps.org.br
Por Dudu Próspero
Estou escrevendo para contar um
pouco de minha vida e para transmitir
muita paz e esperança para todos aqueles que tenham algum tipo de deficiência.
Quando minha mãe ficou sabendo que
meu irmão mais velho (Niltinho – já falecido) tinha uma deficiência genética, ela
já estava grávida de mim. Diferente de
muitas notícias que eu escuto nos jornais
de pais que maltratam seus filhos eu
sempre tive o carinho, a força e a amizade
de minha família.
“Eu tenho muita criatividade, energia
positiva, e também muita força de vontade de vencer na vida”
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 2 • Março • Abril de 2012
Infelizmente, o que mais nos deixa
angustiados como pais, é não ter a opção de chegar a uma farmácia e pedir
ao balconista frascos do medicamento
que hoje é sinônimo de vida para nossos
filhos. Nossos medicamentos são de alto
custo e são concedidos pelo Ministério
da Saúde ou Secretarias de Estado de
Saúde somente por ação judicial, sem
esta ação, nossos portadores sucumbem até a morte, que é muito dolorosa
e angustiante. Hoje temos algumas campanhas de abaixo-assinado que correm o
Brasil, um deles inclusive com o Instituto
Eu Quero Viver www.euqueroviver.org.br,
para colocarmos nossos medicamentos
na tal lista tão almejada.
Em quase todos os países, as pessoas portadoras de uma doença rara
encontram problemas de exclusão social,
falta de informação sobre sua doença,
falta de tratamento, perda da qualidade de vida, autonomia e dificuldade de
reintegração no ambiente social e familiar. Tenho também como objetivo de
trabalho, reunir Governos, a Sociedade
Civil, as Universidades e as Empresas
Farmacêuticas, para discutir a melhora
do bem estar de pacientes com doenças raras e suas famílias, apoiando a
pesquisa, discutindo políticas públicas
e cooperação internacional; e usando os
meios de comunicação para divulgação e
conscientização da população em geral.
Também entendemos que as associações e as organizações de pacientes
emergiram em diferentes partes do mundo
como atores centrais na abertura de novos
espaços de participação e deliberação no
campo da saúde; desenvolvendo formas
de intervenção inovadoras, atuando como
mediadoras entre participantes heterogê-
33
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 2 • Março • Abril de 2012
Sei como é difícil ser tratado com
desprezo, como é difícil ser humilhado na
frente de outras pessoas, pois uma vez
eu estava na escola e um menino ficou
me olhando e rindo com outros colegas,
como se eu fosse uma aberração, nunca
me senti tão mal assim. Apenas quero ser
respeitado pelo que sou, e pelo que faço
e não pela minha aparência.
Hoje estou cursando o último ano
de direito na UNIFIG/UNIMESP em Guarulhos (SP), estou também no último ano
de Inglês. Vou à universidade todos os
dias e tenho boas notas, sempre procuro
me esforçar para não deixar que o desâ-
34
nimo e a dureza da vida tomem conta
de mim, pois eu pretendo ainda estudar
muito para um dia ser um escritor, ou um
advogado, quem sabe até um professor.
Tenho como meta, terminar a faculdade e conquistar meu lugar no mercado de
trabalho. Hoje eu falo sobre os assuntos
atuais de viver com a síndrome no meu
blog www.blodudueamigos.com.br e no
Twitter: @duduprospero. Cuido também
da divulgação da síndrome e ajudo nos
trabalhos na APMPS.
Quanto ao tratamento, me proporciona não só a vida em si, mas também
uma melhor qualidade da mesma. Não
o encaro como um compromisso, e sim,
como uma oportunidade de obter saúde e
vida e não mais apenas como sobrevida.
Eu tenho muita criatividade, energia positiva, e também muita força de vontade
de vencer na vida, e espero que um dia
alguém me dê uma oportunidade de provar para muita gente que tem deficiência
é uma pessoa igual à outra que não tem.
*Leandra Migotto Certeza é
jornalista e repórter especial
da Revista Síndromes. Ela tem
deficiência física (Osteogenesis Inperfecta), é assessora
de imprensa da ABSW, e consultora em inclusão e mantém
o blog “Caleidoscópio – Uma
janela para refletir sobre a
diversidade da vida” - http://
leandramigottocerteza.blogspot.com/. Conheçam os
modelos de palestras, oficinas, cursos e treinamentos
sobre diversidade, realizados em empresas, escolas,
ONGs, centros culturais e grupos de pessoas no site:
https://sites.google.com/site/leandramigotto/
reportagem
Fundação Doria
Muito além da visão
Por Leandra Migotto Certeza* - Fotos: arquivo
Pessoas com
deficiência
visual por
região
Norte
Nordeste
Sudeste
Sul
Centro-Oeste
Total
574.823
2.192.455
2.508.587
866.086
443.357
% população
local
3,6
4,1
3,1
3,2
3,2
Segundo dados World Report on
Disability 2010 e Vision 2020, a cada
5 segundos 1 pessoa fica com cegueira no mundo. Cerca de 40 milhões a
45 milhões de pessoas no mundo são
cegas; os outros 135 milhões sofrem
limitações severas de visão. Do total
de casos, 90% ocorrem nos países em
desenvolvimento e subdesenvolvidos.
E até 2020 o número de pessoas com
deficiência visual poderá dobrar no
mundo.
Segundo a Organização Mundial da
Saúde, se houvesse um número maior
de ações efetivas de prevenção e/ou
tratamento, 80% dos casos de cegueira poderiam ser evitados. Glaucoma,
retinopatia diabética, atrofia do nervo
ótico, retinose pigmentar e degeneração macular relacionada à idade (DMRI)
são as principais causas da cegueira
na população adulta. Entre as crianças,
as principais causas são glaucoma congênito, retinopatia da prematuridade e
toxoplasmose ocular congênita.
A deficiência visual é definida
como a perda total ou parcial, conSÍNDROMES • Ano 2 • Nº 1 • Janeiro • Fevereiro de 2012
Enxergar a capacidade que o ser
humano tem de ler o mundo com todos
os sentidos faz parte da diversidade
da vida
Segundo dados do IBGE de 2010,
no Brasil, mais de 6,5 milhões de pessoas têm alguma deficiência visual.
Desse total: 528.624 pessoas são
incapazes de enxergar (com cegueira);
6.056.654 pessoas possuem grande
dificuldade permanente de enxergar
(baixa visão ou visão subnormal). Outros 29 milhões de pessoas declararam
possuir alguma dificuldade permanente
de enxergar, usando óculos ou lentes.
35
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 1 • Janeiro • Fevereiro de 2012
36
gênita ou adquirida, da visão. O nível
de acuidade visual pode variar, o que
determina dois grupos de deficiência:
a cegueira, quando há perda total da
visão ou pouquíssima capacidade de
enxergar, o que leva a pessoa a necessitar do Sistema Braille como meio
de leitura e escrita; e a baixa visão,
caracterizada pelo comprometimento
do funcionamento visual dos olhos,
mesmo após tratamento ou correção.
As pessoas com baixa visão podem
ler textos impressos em formato ampliados ou com uso de recursos óticos
especiais.
Os direitos destas pessoas estão
assegurados segundo o artigo 9 (relativo à acessibilidade) da Convenção
da ONU sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência. Diversos países
assinaram o documento em que está
escrito: “A fim de possibilitar às pessoas com deficiência viver de forma independente e participar plenamente de
todos os aspectos da vida, os Estados
Partes tomarão as medidas apropriadas
para assegurar o acesso, em igualdade
de oportunidades com as demais pessoas, ao meio físico, ao transporte, à
in­formação e comunicação; inclusive,
aos sistemas e tecnologias da informação e comunicação, bem como a
outros serviços e instalações abertos
ao público ou de uso público, tanto na
zona urbana como na rural”.
Porém, as políticas públicas brasileiras, infelizmente, ainda estão engatinhando em relação ao pleno e amplo
exercício de todos esses direitos. E
todas as conquistas só foram possíveis
devido à forte atuação dos movimentos
sociais organizados de pessoas com
deficiência, como as ações de Dona
Dorina Nowill entre muitas outras pessoas, (infelizmente, pouco lembradas
hoje), que criou em 1946, a Fundação
para o Livro do Cego no Brasil. Nesta
época tem início a transcrição de livros
para o sistema Braille, proporcionando
o primeiro acesso aos estudantes com
cegueira no país.
Hoje, com o avanço da tecnologia
digital, o processo de ampla inclusão
social, e a democratização do conhecimento, as grandes instituições de
todo o Brasil, voltadas às pessoas com
deficiência visual, não podem mais
deter o poder absoluto da produção de
informação acessível. Todas as editoras e o sistema de ensino brasileiro
têm a obrigação de garantir acesso à
leitura e educação inclusiva na rede
pública regular, a todas as pessoas
com deficiência visual do país, em materiais didáticos digitalizados, além do
sistema Braille.
A história da Fundação
Dorina Nowill
Em 1953, Hellen Keller (mulher com
surdocegueira pioneira no aprendizado do
sistema Braille juntamente com outras
forma de comunicação) vem ao Brasil
como hóspede oficial do governo e conhece a Fundação para o Livro do Cego. Em
1953 passa a vigorar a lei que instituiu
as antigas Classes Braille e o Ensino itinerante no Estado de São Paulo. Depois o
primeiro Centro de Reabilitação de Cegos
do País é criado em 1962, propiciando as
pessoas com deficiência visual, o ensino
de técnicas de locomoção e outras atividades do cotidiano.
nos formatos braille, áudio e Daisy em
2011. E em 2011 produziu: 270 novos
títulos Braille; 326 falados; e 280 digitais acessíveis. Seu acervo conta com
mais de 3.000 obras acessíveis nos
três formatos. Todos os serviços especializados são gratuitos às pessoas
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 1 • Janeiro • Fevereiro de 2012
Em 1972 são realizadas as primeiras gravações de livros falados, e
criada a biblioteca da Fundação. Em
1989, o seu sistema informatizado da
produção de livros em Braille é aperfeiçoado com a instalação de estereótipos eletrônicos. Apenas em 1991,
em homenagem a sua idealizadora, a
Fundação passou a chamar-se Fundação Dorina Nowill para Cegos – FDN,
que após seu cinquentenário passa por
uma grande reforma, que possibilitou
estruturar os serviços especializados e
a produção de novos formatos para livros acessíveis. E em 2000 tem início o
processo de profissionalização da FDN,
com empresários ajudando na direção,
que de 2006 a 2007 passa a investir
no desenvolvimento de livros digitais e
lançam o Livro Digital Acessível – LIDA.
E em 2008, a FDN pioneira na produção
em língua portuguesa, do Livro Digital
Acessível Daisy, formato internacional
de acessibilidade de leitura.
Hoje, a instituição atende anualmente mais de 1.500 pessoas com
deficiência visual nos seus programas
de clínica para orientação avaliação
e diagnóstico sobre a baixa visão,
educação especializada, reabilitação
e empregabilidade. Possui 166 funcionários dedicados e outros 271 voluntários atuantes. Os livros acessíveis são
distribuídos diretamente para pessoas
com deficiência visual; além de 1.943
organizações cadastradas, e 5.000 bibliotecas públicas municipais do País.
A FDN também foi responsável pela
distribuição de 180 mil livros e revistas
37
cegas e com baixa visão, e extensivo
a sua família.
A Imprensa Braille da FDN é uma
das maiores do mundo em capacidade
produtiva, com produção em larga escala, equipamentos de grande porte,
recursos humanos especializados e
matéria-prima especial. Além dos avanços tecnológicos para produção dos
livros em Braille, a instituição sempre
procurou acompanhar e também cumprir as recomendações da UNESCO no
que diz respeito à composição de livros
para crianças. “Temos a missão de
continuar o legado de Dorina, orientando nossa gestão sob a perspectiva da
continuidade, renovação, credibilidade
e sustentação”, afirmou Adermir Ramos
da Silva Filho, atual diretor-presidente
voluntário da FDN. E em comemoração
aos nossos 65 anos de trabalho em
prol das pessoas com cegueira e baixa visão, foi inaugurado o “Memorial
Dorina”, um reconhecimento ao legado
deixado da fundadora.
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 1 • Janeiro • Fevereiro de 2012
Ler com todos os sentidos
38
Em parceria com Associação de
Escritores e Ilustradores de Literatura
Infantil e Juvenil - AEILIJ, a FDN produziu uma coleção de 10 títulos infantis
acessíveis, impressa em braille e letras
ampliadas. Os autores e os ilustradores criaram histórias e desenhos que
pudessem ser reproduzidos com letras
ampliadas, textos em Braille e imagens
em relevo, para possibilitar que crianças com cegueira e baixa visão lessem
o livro em companhia da família e dos
colegas de aula. A primeira tiragem
foi patrocinada pela Fundação Itaú
Social e Bradesco, sendo mais de 35
mil exemplares distribuídos para 5 mil
bibliotecas, escolas e organizações de
todo o Brasil.
No ano de 2011, foram gravados,
nos estúdios ds FDN, livros e revistas
em áudio no formato MP3, 334 novos
títulos, totalizando mais de 73 mil páginas lidas. Desses, 226 foram incluídos
no acervo da Biblioteca Circulante de
Livros Falados E distribuídos cerca de
60 mil títulos nesse formato para organizações de todo o país. Hoje existem
mais de 1.917 obras faladas no acervo.
Em 2011, em parceria com a Secretaria dos Direitos da Pessoa com
Deficiência do Estado de São Paulo, a
FDN produziu e distribuiu o 1º dicionário
bilíngue (português-inglês e inglês-português) em formato DAISY no mundo. A
produção desse dicionário abre espaço
para o ensino e aperfeiçoamento do
estudo de línguas estrangeiras para
pessoas com deficiência visual de todo
o País. Além disso, semanalmente a
revista Veja é gravada e distribuída
para cerca de 900 pessoas atendidas
pela FDN, totalizando 40 mil exemplares em 2011. O Centro de Memória da
FDN também faz a conservação, documentação, exposição e empréstimo
de imagens e informações do acervo
histórico com cerca de 4.000 peças
entre equipamentos, fotos, películas,
material auditivo e publicações.
Por meio do projeto “Nós também
gostamos de ler”, aprovado junto à Lei
Rouanet, a FDN começou a produção de
71.000 livros acessíveis. São 20.000
livros de literatura infantil em formato
braille, para crianças em idade de alfabetização; 50.000 livros de literatura,
Histórias de inclusão
Rodrigo Alves de Souza aos 9 anos de idade
foi diagnosticado com catarata. Os médicos
recomendaram alguns tratamentos, mas,
mesmo com muita luta, aos 16 anos ele
perdeu totalmente a visão.
Um adolescente tímido, sem amigos, que dependia das pessoas para
quase todas as tarefas, que havia parado de estudar e dispunha de poucos
recursos financeiros. Esse era Rodrigo,
que passava os dias ouvindo rádio e TV,
imaginando quando as coisas seriam
diferentes.
A esperança veio quando uma
pessoa recomendou a sua mãe que
o levasse à FDN. E foi na instituição
que o rapaz, assustado e precisando
de ajuda, como ele mesmo se define,
encontrou o que precisava. Rodrigo e
sua família receberam na Fundação o
apoio e os recursos necessários para
a sua inclusão escolar e autonomia.
Aulas de Braille, orientação e mobilidade, atividades da vida diária e terapia
foram fundamentais para ‘o despertar’
do jovem. Ele acredita que sua evolução
se deu principalmente pelo apoio psicológico que encontrou na Fundação, e
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 1 • Janeiro • Fevereiro de 2012
incluindo best sellers e clássicos pré-vestibular, em áudio para adolescentes
e jovens; 1.000 livros de artes, filosofia
e humanas, em formato digital acessível DAISY, para pesquisa e consulta de
universitários e profissionais.
O projeto está sendo executado
em duas fases. A primeira, com a
distribuição de 35 mil exemplares
dos livros acessíveis, aconteceu entre
setembro e outubro de 2011. Já a segunda fase prevê a distribuição de mais
36 mil exemplares durante o primeiro
semestre de 2012. A distribuição dos
livros será feita para cerca de 5 mil
instituições como escolas, universidades, organizações sociais e todas as
bibliotecas públicas municipais do País,
em 4.763 municípios.
Em 2011, a Fundação também encaminhou para o mercado de trabalho
105 pessoas; realizaram 36 oficinas de
empregabilidade com os temas: “Direitos e deveres da pessoa com deficiência no mercado de trabalho”, “Minhas
escolhas profissionais”, “Construindo
meu currículo”, “Entrevista e dinâmicas
de grupo”, entre outros. Outro curso
lançado pela FDN foi o de “Avaliação
Olfativa”. O objetivo é capacitar jovens
com cegueira e baixa visão para atuar
na indústria de perfumaria. Inovador e
pioneiro no Brasil, pretende incrementar a inclusão de pessoas com deficiência visual nessa área específica,
formando avaliadores olfativos.
39
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 1 • Janeiro • Fevereiro de 2012
40
descobriu um novo universo com muitas
referências positivas.
Freqüenta a FDN desde 2007, e
hoje, aos 23 anos, Rodrigo está terminando o supletivo de ensino fundamental, faz curso de informática e participa
de diversos espaços sociais, nos quais
encontra muitos amigos. Além da independência adquirida ao longo desses
anos de reabilitação, a leitura se tornou
uma referência importante em sua vida.
Rodrigo descobriu o talento de compor
músicas e escrever poesias. “Antes
de ler em braille eu me achava uma
pessoa sem perspectivas, e hoje me
sinto alguém batalhador, uma pessoa
que valoriza a vida.”
Rodrigo é, sim, um rapaz tímido.
Mas agora sabe da sua capacidade
e sonha se tornar um escritor. Ao
terminar o seu depoimento Rodrigo
faz questão de agradecer a Fundação
Dorina Nowill para Cegos pelo trabalho
que realiza em prol das pessoas com
deficiência visual. Sem o atendimento
especializado ele acredita que não teria
conseguido dar o primeiro passo em
busca da sua independência e autonomia, o primeiro passo de uma longa
caminhada pela vida.
Mais informações sobre a
FDN:
Site: WWW.fundacaodorina.org.br
Blog: http://www.fundacaodorina.org.br/
blog/
Crônica de uma jornalista
saudosa
Tecendo a vida
“Vencer na vida é manter-se de pé
quando tudo parece estar abalado. É
lutar quando tudo parece adverso. É
aceitar o irrecuperável. É buscar um
caminho novo com energia, confiança
e fé.” Dorina de Gouvêa Nowill
“Quando surge uma oportunidade
eu recomendo: garra, confiança, em si
mesma e na sociedade, vontade, capacidade de doação, muita fé e determinação para conseguir o possível e aceitar
o que não pode ser feito. O mundo tem
mais frustrações do que coisas que
você vence, mas é possível ser feliz.
Vencemos com o que temos dentro de
nós mesmos”, afirmou Dona Dorina
de Gouvêa Nowill, em 2002, quando
eu tive a grande honra de entrevistá-la
para uma revista especializada.
Naquela tarde, a emoção bateu
mais forte em meu coração. Finalmente, consegui agendar uma entrevista
com uma grande mulher. Ouvia falar
muito bem a seu respeito em vários
eventos na área da inclusão, além das
histórias cheias de boas recordações
senhora confiante, firme, caminhando completamente independente que
guiou meus passos até uma sala de espera. Mas antes ela me cumprimentou
se curvando para conseguir alcançar os
meus 96 cm de altura. É claro que seu
radar interno, logo alertou que minha
voz vinha de baixo, como ela mesma
disse no final de nossa entrevista.
Eu confesso que estava bem nervosa. Acredito que tenha sido uma
mistura de fortes sentimentos: receio
por ser uma das minhas primeiras
entrevistas, a grande oportunidade de
falar com uma mulher tão importante, e
principalmente, o respeito e admiração
por conversar com uma senhora com
mais de 60 anos de experiência do que
eu. É claro que havia feito um roteiro de
perguntas, e o gravador estava ligado,
mas me atrapalhei um pouco, tamanha
foi a emoção que senti ao ser recebida
com tanto respeito, dedicação, carinho,
ternura e simplicidade por uma mulher
tão doce e forte ao mesmo tempo.
Dona Dorina, gostava muito de
conversar, e nesta tarde dedicou mais
de duas horas a uma jornalista como
eu, acredito que por compreender melhor do que ninguém, a importância de
uma pessoa com deficiência, como eu,
chegar onde sempre sonhou: trabalhar
na profissão que escolheu e a luta por
uma causa. É claro que ela estava anos
a minha frente, e desbravou o mundo
e o Brasil, em uma época em que falar
da cegueira era considerado um enorme
tabu na sociedade. Mas eu também já
tinha vencido obstáculos até conquistar
meu espaço no jornalismo.
Recordando cada palavra, som, e
imagem daquela entrevista, penso que
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 1 • Janeiro • Fevereiro de 2012
da minha doce e saudosa tia-avó (que
teve o privilégio que ter estudado no
mesmo colégio que Dona Dorina); mas
ser recebida em sua casa foi um dos
momentos mais especiais da minha
carreira.
Peguei um táxi apressada para não
chegar atrasada. No caminho fiquei
imaginando como seria falar com uma
pessoa com cegueira. Minha experiência ainda era pequena, pois convivia
mais com pessoas com deficiência
física. Mas como jornalismo para mim
sempre foi o relato da verdade, dito por
quem viveu os fatos; segui confiante
que iria conhecer uma história muito
importante de quem dedicou grande
parte de sua vida a uma causa social,
após passar por uma virada de 360
graus do destino.
Toquei a campainha de uma bonita
casa localizada em uma rua cheia de
árvores frondosas. Fui recebida por
uma moça muito simpática que pediu
que eu entrasse e aguardasse alguns
minutos que a dona da casa. Como sou
curiosa por natureza (uma das maiores
virtudes de uma boa jornalista), ‘filmei’
rapidamente a casa, que estava muito
bem arrumada, e me encantei com um
grande tear e muitas lãs coloridas e
grossas espalhadas pelo chão. Um belo
tapete estava sendo formado, fio por
fio. Imaginei que fosse feito por Dona
Dorina, pois tinha assistido e lido várias
entrevistas suas na TV e nos jornais,
e sabia que ela era uma pessoa muito
ativa, na altura de seus mais de 80
anos de idade.
Nem consegui acabar de observar os lindos quadros, belos móveis
antigos, quando, logo apareceu uma
41
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 1 • Janeiro • Fevereiro de 2012
42
a doce senhora foi de uma gentileza e
paciência enormes. No início de minha
carreira, eu estava tão nervosa, que me
atrapalhei com a linha cronológica dos
fatos; sobre a rica e pioneira história
de vida de Dona Dorina na luta pela
cidadania das pessoas com deficiência
visual no Brasil.
Dona Dorina, em meio sua grande
generosidade, me contou detalhadamente toda sua árdua trajetória, desde
o dia D em que sua vista ficou turva,
uma bola de sangue invadiu seus olhos
ao atravessar uma rua, e ela nunca
mais enxergou as cores da natureza,
com apenas 17 anos. “Eu vivi, respirei
e pratiquei a inclusão, e espero até
morrer, vê-la ser cada vez mais bem
sucedida. Não se pode separar os homens e as mulheres porque tem uma
deficiência física ou sensorial”, relatou
emocionada, porém com uma voz forte.
Nascida na cidade de São Paulo, no
dia 28 de maio de 1919, Dona Dorina
foi a primeira aluna cega a forma-se
professora juntamente com alunos
‘videntes’. Viajou com uma bolsa de
estudos para os Estados Unidos, onde
freqüentou um curso de especialização
na Universidade da Columbia, na área
da deficiência visual e realizou estágios nas principais organizações de
serviços para pessoas com cegueira.
Ao constatar que naquela época havia
poucos livros em Braille para estudantes com cegueira, reuniu um grupo de
voluntários e criou em 1946, a Fundação para o Livro do Cego no Brasil. Em
1948, a Fundação recebeu da Kellog’s
Foundation e da American Foundation
for Overseas Blind uma imprensa
braille completa com maquinários,
papel e outros materiais. Em 1991 a
organização recebeu o seu nome pelo
reconhecimento ao trabalho em prol da
educação, reabilitação e profissionalização de pessoas com cegueira e/ou
com baixa visão.
Com seu jeito doce e íntegro de
ser, determinada quebrou paradigmas
e ingressou no mercado de trabalho. No
período de 1953 a 1970, dirigiu o primeiro órgão nacional de educação para
pessoas com cegueira no Brasil. Dentre
as inúmeras conquistas, destacou-se
por ser a única mulher eleita para assumir a presidência do Conselho Mundial para o Bem-Estar dos Cegos, hoje
União dos Cegos. Além da educação,
outra preocupação de Dorina sempre
foi a prevenção da cegueira, tendo
conseguido em 1954 que o Conselho
Mundial para o Bem-Estar do Cego se
reunisse no Brasil, em conjunto com o
Conselho Brasileiro de Oftalmologia e
a Associação Panamericana de Saúde.
Em uma época em que era comum
na sociedade, a maioria das mulheres
deixarem de estudar e/ou trabalhar
para cuidar da família, Dona Dorina,
foi um exemplo de uma mulher ousada, que soube conquistar seu espaço,
afirmando ter plantado a semente da
inclusão social. “Foi uma oportunidade
única poder mostrar que as pessoas
cegas existem, e que seus direitos e
necessidades precisam ser levados
em consideração por serem elas também membros da comunidade”. Como
contou minha tia-avó Dona Dorina foi
a primeira aluna cega a frequentar um
curso regular na Escola Normal Caetano de Campos, tendo conseguido,
posteriormente, a integração de outra
Mergulhei junto com as recordações
dessa doce senhora. Viajei em suas
histórias, ‘assistindo’ o filme de uma
vida muito rica e cheia de conquistas,
que para mim serviram de incentivo a
continuar trilhando o caminho da inclusão, com honestidade, integridade,
ética, coragem, determinação, e paixão
pelas pessoas. Uma das maiores lições
que Dona Dorina me ensinou foi ter jogo
de cintura, ser diplomática e flexível,
sem perder a elegância da firmeza e
fé em seus ideais e valores. Confesso
que na altura dos meus vinte e poucos
anos, com o sangue fervendo e a louca vontade de ‘mudar o mundo’, não
consegui compreender como aquela
senhora conseguira enfrentar tantas
dificuldades, sem perder a leveza,
tendo conquistado tantas vitórias, em
uma época que as mulheres eram vistas apenas como servidoras de seus
maridos e filhos.
Durante nossa conversa, vi que
Dona Dorina, sempre esteve à frente de
seu tempo e soube evoluir, sem passar
por cima de ninguém. Principalmente,
de sua família que cuidou como toda
mãe zelosa, com muito carinho. O seu
diferencial, na minha humilde opinião,
foi ensinar seus cinco filhos a serem
independentes acreditando em si
mesmos. Em um momento de descontração, depois de tantas explicações
detalhadas sobre sua trajetória, ela me
contou que nunca deixou que a sua deficiência a impedisse de ser uma mãe
enérgica quando precisava, e que seus
filhos sempre a respeitavam, sem nunca ter pena dela, por não enxergar com
os olhos; pois ela enxergava muito além
da visão. Com um farto sorriso no rosto
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 1 • Janeiro • Fevereiro de 2012
menina cega num curso regular da
mesma escola.
Sua atuação pela inclusão social foi
ampla. Colaborou para a elaboração da
lei de integração escolar, regulamentada em 1956; e de 1961 a 1973 dirigiu
a Campanha Nacional de Educação de
Cegos do Ministério da Educação e
Cultura (MEC). Em sua gestão também
foram criados os serviços de educação
de cegos em todas as Unidades da Federação. Em 1982 lutou pela abertura
de vagas e encaminhamento das pessoas com deficiência para o mercado
de trabalho. E durante a Conferência da
OIT, em Genebra, conseguiu que a Recomendação 99 fosse discutida. E no
congresso de 1983, os representantes
do governo brasileiro, dos empresários
e dos trabalhadores; votaram a favor da
proposta do Conselho Mundial para o
Bem-Estar do Cego para aprovação da
Convenção 159 e da Recomendação
168, que convocaram os Estados membros a cumprir o acordo, oferecendo
programas de reabilitação, treinamento
e emprego para as pessoas com deficiência.
Dona Dorina também escreveu o
livro “... E eu venci assim mesmo”, lançado em 1996, que foi traduzido para
o espanhol e apresentado em reunião
da União Mundial de Cegos na África
do Sul, em dezembro de 2004, com
distribuição para toda a Europa e América Latina. Além disto, foi a inspiradora
da obra “Para Ver Além”, lançado em
2002, que reúne frases de sua autoria,
sob a organização de Marina Gonzalez.
Naquela tarde que marcou minha
vida, as horas passaram rápidas e os
minutos demoraram uma ‘eternidade’.
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SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 1 • Janeiro • Fevereiro de 2012
me contou que sempre sabia onde os
filhos pequenos estavam escondidos
(atrás do sofá entre outros lugares),
e dava a bronca na hora certa. Fez o
mesmo com a criação dos seus 12 netos, mas confessou ter sido uma avó
bem tradicional, deixando eles mais a
vontade para aprontar suas estripulias.
Antes de me despedir de Dona
Dorina naquela tarde de 2002, ela fez
questão de contar que: fazia exercícios
físicos em sua esteira todos os dias;
lia as revistas faladas da Fundação;
ouvia as notícias no rádio; além de
mostrar seus lindos tapetes enormes e
multi-colororidos que tecia com alegria
e maestria, assim como fez durante
44
toda sua linda vida ao partir aos 91
anos em 2010.
Em 2004 eu tive a honra de conversar com ela mais uma vez, apenas
pelo telefone, mas foi tão emocionante
quanto no dia da entrevista, pois ela se
recordou de mim e foi muito carinhosa.
Hoje depois de sua saudosa partida,
apenas sinto não ter contato a ela a
importância que teve em minha vida...
Fui jornalista responsável por quatro
edições de um boletim da sua Fundação, e me senti muito honrada de ter
compreendido a importância de tecer a
vida com tanta alegria, pois a maestria
são tesouros guardados somente para
pessoas tão especiais como ela.
*Leandra Migotto Certeza é
jornalista e repórter especial
da Revista Síndromes. Ela tem
deficiência física (Osteogenesis Inperfecta), é assessora
de imprensa da ABSW, e consultora em inclusão e mantém
o blog “Caleidoscópio – Uma
janela para refletir sobre a diversidade da vida” - http://
leandramigottocerteza.blogspot.com/. Conheçam os
modelos de palestras, oficinas, cursos e treinamentos
sobre diversidade, realizados em empresas, escolas,
ONGs, centros culturais e grupos de pessoas no site:
https://sites.google.com/site/leandramigotto/
artigo do leitor
Escovando os dentes de seu filho
no espectro autista
• Respeite o tempo que seu filho permite para escovar os dentes, aumente
esse tempo aos poucos, acredite que
ele pode aumentar sua capacidade
e suas habilidades, se fixarmos uma
idéia de limitação ele pode não evoluir
mais, o seu pensamento positivo pode
ajudá-lo
• Tenha iniciativa, faça o que é preciso
sem ter a necessidade que alguém
lhe mande
• Deixe que ele assista você escovando os dentes, muitas crianças nunca
viram os pais com a escova na boca
e não entendem porque tem que escovar. Coloque uma escova na mão dele
e fique com a outra. Fácil, não é? Eu
sei que não é fácil mas precisa tentar,
tentar e tentar.
• Brinque de escovar, cante, comemore,
bata palmas. Não tenha vergonha de
ser feliz e fazer seu filho feliz. Liberte-se de preconceitos.
• Pode fazer isso sentado no chão em
frente a um espelho, as vezes seu
filhoirá notá-lo através da imagem
refletida .
• Divida a escovação em 4 momentos : cada lado de uma vez, direito,
esquerdo, superior e inferior. Dessa
maneira ele e você não ficarão tão
estressados. É simples, se ele agüenta ficar com a escova na boca por 3
segundos, então escove bem apenas
1 dente e em outro momento aproveite aqueles 3 segundos para escovar
muito bem um outro dente e assim
sucessivamente. Pode acreditar que
aos poucos ele irá acostumar com o
processo e esse tempo de escovação
vai aumentar. Não tenha pressa, cada
criança tem um ritmo, o queimporta
é escovar.
• Escove o brinquedo ou personagem
que ele mais gosta, abuse do lúdico.
• Cante músicas infantis enquanto
brinca de escovar, ou você pode fazer
melhor, crie seu próprio repertório
para essa atividade e também para
outras atividades diárias, assim todos
os momentos ficarão mais felizes em
sua casa. Mostre ao seu filho que é
feliz em ajudá-lo.
• Use escova macia, faça movimentos
circulares e sempre pasta sem flúor,
pois o flúor é neurotóxico e pode comprometer sua criança se engolido.
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 2 • Março • Abril de 2012
Dra. Adriana Gledys Zink CROSP 52600
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• Acredite: vocês já conseguiram coisas
mais difíceis, já passaram por cada situação, porque não conseguiriam escovar
os dentes? Força e pensamento positivo!
• a prevenção é o melhor caminho
• leve bem cedo seu filho ao dentista
• celebre com seu filho cada conquista
• reúna a família para que todos escovem os dentes juntos
• não force
• brinque
• a visita ao dentista tem que fazer parte
da rotina de seu filho
• filme seu filho escovando os dentes
e depois coloque para assistirem,
muitas crianças adoram ver e rever
sua própria imagem, e aproveite para
comemorar sempre
• “a saúde começa pela boca!”
• Nosso único limite é aquele que fixamos na nossa mente
Orientando os pais
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 2 • Março • Abril de 2012
Qual a importância de levar meu filho
autista ao dentista?
46
A prevenção é sempre o melhor caminho, então os pais devem incluir na rotina
de seus filhos a visita ao dentista, afinal
ele já está acostumado à consultas com
fonoaudiólogas, psicólogas, terapeutas,
etc. O profissional irá ensiná-lo a fazer a
prevenção de cáries e doenças periodontais, além de técnicas facilitadoras para
conquistar a boa higiene oral.
Meu filho(a) será atendido amarrado?
A contenção mecânica é uma forma
de estabilizar o paciente para o trata-
mento odontológico. O paciente não é
machucado ele é apenas estabilizado.
Esse processo só é realizado com autorização do responsável. Em muitos casos
a contenção só é usada 1 ou 2 vezes, até
que o paciente confie no profissional e
sinta que não sofre durante o tratamento.
Para evitar esse procedimento é que indicamos o condicionamento para facilitar o
tratamento odontológico.
Como é o condicionamento?
O condicionamento é realizado por
profissionais treinados e que de forma
lúdica apresentam o tratamento odontológico. O método falar-mostrar-fazer é
empregado nessa fase. Também são utilizados fantoches, brinquedos, bolinhas de
sabão e tudo mais que o paciente goste.
Essas informações são conseguidas durante a entrevista com os pais, antes de
iniciar as sessões de condicionamento.
E se meu filho não sentar na cadeira do
dentista?
Não tem problema, nesse caso o
condicionamento é realizado no chão
sobre um tapete de E.V.A..A medida que
o profissional conquistar a confiança do
paciente, ele será transferido de forma
espontânea para a cadeira odontológica.
Quantas sessões de condicionamento
serão necessárias?
O número de sessões é individual porque cada paciente é único. Não podemos
criar expectativas para os pais. Nesse
momento temos que explicar que é uma
tentativa, que vamos fazer o possível e
47
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 2 • Março • Abril de 2012
quetemos que acreditar que é possível.
Nesses anos todos percebo que alguns
pacientes surpreendem até os pais e
logo estão familiarizados com a rotina
da odontologia.
Não seria melhor a anestesia geral e
fazer tudo de uma vez?
Todosprocedimentos tem sua indicação, inclusive a anestesia geral. Até
pouco tempo todos pacientes autistas
que necessitassem de uma intervenção
mais invasiva eram levados ao centro
cirúrgico e submetidos à anestesia geral.
Hoje sabemos que é possível tratá-los
em ambulatório utilizando as técnicas de
condicionamento propostas. Tudo depende da motivação dos pais em tentar e da
formação do profissional.
Meu filho terá que ser condicionado para
sempre?
Quando o paciente conhece um
procedimento e o aceita, em sessão
seguinte não será necessário retomar o condicionamento porque ele já
aprendeu ou seja já adquiriu essa nova
habilidade. Quando o paciente se mostrar estressado na 2ª sessão devemos
retomar o condicionamento anterior e
ter certeza que ele confiou e aprendeu.
O tratamento é diferente?
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 2 • Março • Abril de 2012
Não. O tratamento para pacientes
autista é o mesmo o que muda é a necessidade de facilitar esse tratamento
usando para isso o condicionamento.
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Dra.Adriana Gledys Zink CROSP 52600
Cirurgiã-dentista especialista em pacientes especiais
Vencedora do VI Prêmio orgulho autista Brasil
www.adrianazink.blogspot.com
WWW.Special-dentistry.blogspot.com
artigo do leitor
O que é uma doença rara?
François Faurisson
Semelhanças e diferenças nas
doenças raras
Semelhanças
• o doenças crônicas sérias, degenerativas e que normalmente colocam a
vida em risco;
• doenças incapacitantes, onde a qua-
lidade de vida é comprometida devido
à falta de autonomia;
• o doenças onde o nível da dor e do sofrimento do indivíduo e da sua família
é elevado;
• o doenças para as quais não existe
uma cura efetiva, mas os sintomas
podem ser tratados para melhorar a
qualidade e a esperança de vida.
Diferenças
80% das doenças raras têm origem
genética identificada. Estas representam
entre 3% e 4% dos nascimentos. Outras
doenças raras são causadas por infecções (bacterianas ou virais) e alergias,
ou, são devidas a causas degenerativas
que se proliferam.
Os sintomas de algumas doenças
raras podem aparecer ao nascer ou na
infância. Muitas outras,só aparecem na
idade adulta.
As doenças raras caracterizam-se
pela ampla diversidade de distúrbios e
sintomas que apresentam e variam não
só de doença para doença, mas também
de doente para doente que sofrem da
mesma doença.
Doenças raras: um novo conceito em
saúde pública
O fenômeno das doenças raras é recente. Até há pouco tempo, os sistemas
de saúde e as políticas públicas ignora-
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 2 • Março • Abril de 2012
Estima-se que no mundo existam
entre 5.000 a 8.000 doenças raras. A
doença para ser considerada rara deve ter
uma freqüência de 01 portador para cada
2.000 pessoas. Apesar deste número
ser pequeno, as doenças raras afetam
de 6 a 8% da população mundial. Para
os portadores de doenças raras, esta
raridade tem muitas conseqüências desfavoráveis, tanto médicas como sociais.
• Médicas: existem poucos estudos
sobre as doenças raras. Por isso, o
diagnóstico quando possível é feito
tardiamente, colocando muitas vezes
a vida dos pacientes em risco.
• Sociais: a falta de tratamento eficaz
deve-se tanto à falta de investimento
em pesquisa quanto ao pouco interesse por parte das indústrias em
produzir estes medicamentos, devido
à pouca demanda por este tipo de
medicamento, tornando sua produção
pouco lucrativa.
49
vam-nas largamente. Algumas doenças
raras específicas são muito conhecidas.
Nos casos em que está disponível um
tratamento preventivo simples e eficaz,
foram tratadas como parte da política de
saúde pública.
Doenças raras: falta
de conhecimento e de
sensibilização do público
O conhecimento médico e científico
acerca de doenças raras é escasso. A
aquisição e a difusão do conhecimento
científico é a base vital para a identificação das doenças e, ainda mais importante, para a investigação de novos procedimentos de diagnóstico e terapêutico.
Normalmente são as associações e
os grupos profissionais que fazem a conscientização do público. O progresso feito
no tratamento destas doenças permite
que seus portadores possam viver melhor
e por mais tempo, tendo como resultado
maior sensibilização da opinião pública
acerca da doença.
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 2 • Março • Abril de 2012
Doenças raras: fatores de
exclusão
50
Quase todas as pessoas com uma
doença rara encontram os mesmos problemas: atraso e falha no diagnóstico,
falta de informação acerca da doença,
falta de referências para profissionais
qualificados, falta de disponibilidade de
cuidados com qualidade e de acesso a
benefícios sociais, fraca coordenação dos
cuidados de internamento e de consulta
externa, autonomia reduzida e dificuldade
na reintegração à vida social, profissional
e familiar.
Doenças raras: sistemas públicos de
saúde e cuidados de saúde inadequados
Todos aqueles que sofrem de doenças raras e respectivas famílias falam das
lutas para serem ouvidos, informados e
dirigidos a corpos médicos competentes,
quando estes existem, a fim de serem
corretamente diagnosticados. Como
resultado, há atrasos sem sentido, múltiplas consultas médicas e prescrição de
medicamentos e tratamento impróprios
ou mesmo perigosos para a saúde.
Estes novos métodos pré-natal e
rastreio em fase assintomática para as
doenças raras permitem que seja feita
uma cobertura médica efetiva mais cedo,
melhorando significativamente a qualidade e o tempo de vida. Outros programas
de rastreamento devem ser introduzidos,
embora existam poucos testes confiaveis
e tratamentos eficazes. O progresso
qualitativo e quantitativo no prognóstico
e no tratamento clínico levanta novas
questões de saúde pública acerca das
políticas de rastreio generalizado e direcionado de algumas doenças.
Autor: François Faurisson – EURORDIS
Editor: Julia Fitzgerald
Tradutora: Marta Jacinto.
Marcos Teixeira Coordenação do Voluntariado do GEDR
http://estudandoraras.blogspot.com
www.institutocanguru.org.br
[email protected]
age n da
Relação Cursos e Eventos
Março e Abril
Terapia Comportamental Cognitiva Introdução aos Conceitos
Carga Horária: 24 horas
Datas: 28/04, 12/05, 26/05, 9/06 e 23/06
Horário: 9h às 13h
Taxa de Inscrição: R$ 60,00
Investimento: R$ 480,00 (parcelamos em até
3x e oferecemos 5% no pagamento a vista)
Terceiro Setor – Conceitos
Fundamentais para Atuação
Período: de 3/3/2012 a 12/2012
Horário: 8h30 as 15h30
Carga Horária: 120 horas
Taxa de Inscrição: R$ 50,00
Investimento: R$ 210,00 (180,00 para mensalidades pagas até o dia 5)
Curso de Capacitação
Violência Intrafamiliar – Principais
Aspectos
Carga Horária: 16 horas
Datas: 14 e 22/3
Horário: 8h30 as 17h30
Investimento: 300,00
Curso de Capacitação
Entendendo Sexualidade Humana
Carga Horária: 16 horas
Datas: 19 e 25/04
Horário: 8h30 as 17h30
Investimento: 300,00
Curso de Capacitação
Diagnósticos Psiquiátricos
em Crianças – Aspectos
Comportamentais
Carga Horária: 8 horas
Data: 12/4
Horário: 8h30 as 17h30
Investimento: 240,00
Outros Serviços
Grupos de Apoio a Famílias de dependentes
químicos
Maiores informações pelo telefone 11 38076656 ou pelo e-mail [email protected]
Sobre a Nepacc
No mercado desde 2008, Nepacc Serviços
de Psicologia e Psicopedagogia Ltda é uma
empresa privada que atua na área clínica e
na comunidade, atuando nas áreas social,
educacional e organizacional.
O Nepacc realiza ainda atendimento e avaliação clínica para crianças, adolescentes
e adultos, casais e famílias; avaliação e
atendimento psicopedagógico à crianças e
adolescentes; atendimento psicológico para
pessoas com dependência química; orientação vocacional para alunos do ensino médio
e pré-vestibulares. Grupo de apoio para pais
e interessados no tema “adoção”, grupos de
estudos na abordagem cognitiva e comportamental; supervisão clínica e instituional.
Para os profissionais o Nepacc oferece oficinas, palestras, cursos de capacitação com
o objetivo de capacitar e qualificar para a
atuação nos diversos setores relacionados
ao desenvolvimento humano.
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 1 • Janeiro • Fevereiro de 2012
Cursos de Extensão:
51
revista multidisciplinar de desenvolvimento humano
Síndromes
Março • Abril de 2012 • Ano 2 • Nº 2
Curso Autismo
Módulo II
Alessandra Freitas
Carolina Rabello Padovani
Cristina Maria Pozzi
Francisco B. Assumpção Jr.
Marina Lemos
Melanie Mendoza
Milena Rossetti
13 anos
www.atlanticaeditora.com.br
…
curso A utismo - módulo I I
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 2 • Março • Abril de 2012
Autismo – Aspectos Genéticos e
Neurobiológicos
54
A década de 1990, conhecida como
a Década do Cérebro, trouxe uma explosão de informações nas Neurociências
e uniu disciplinas clínicas, processo que
continua acontecendo neste século. Essa
eclosão de novas informações aliada ao
desenvolvimento de pesquisas e tecnologias clínicas para o estudo do cérebro,
o intercâmbio entre pesquisadores e
clínicos, além de outros profissionais
que atendem crianças com distúrbios do
desenvolvimento, estreitou a distância
entre a Psiquiatria e a Neurologia. O refinamento do estudo por neuroimagem
funcional, novas metodologias de estudo
molecular, o progresso nas áreas de neurofarmacologia e neuroendocrinologia e
a facilidade e rapidez no acesso a estas
informações, estão tornando cada vez
mais conhecidas as bases neurobiológicas do Autismo Infantil (AI) e, apesar de
ainda não bem compreendidas, têm propiciado importantes conhecimentos para
desvendar as possíveis etapas anormais
do desenvolvimento cerebral, tornando
esta entidade um dos mais instigantes
assuntos na atualidade.
As manifestações comportamentais
que definem o autismo incluem déficits
qualitativos na interação social e na
comunicação, padrões repetitivos e estereotipados de comportamento e um
repertório restrito de interesses e atividades. A grande variabilidade no grau de
habilidades sociais e de comunicação e
nos padrões de comportamento que ocorrem em autistas tornou o uso do termo
Transtorno Invasivo do Desenvolvimento
(TID) mais apropriado. Não obstante, há
uma necessidade de identificação de
subgrupos homogêneos de indivíduos autistas para finalidades práticas bem como
de pesquisa, entre estes, reconhecem-se
o Autismo, Síndrome de Rett, Transtorno
Desintegrativo da Infância, Transtorno
Invasivo do Desenvolvimento Não Especificado e Síndrome de Asperger. Ao longo
deste texto, o termo AI será utilizado para
se referir ao grande grupo dos TIDs.
Apesar de não haver, ainda, um consenso, o AI se acompanha, com grande
frequência de indícios de algum desvio
biológico. Estes indícios são variáveis,
podem estar presentes em um grupo
de autistas e faltar em outros, podem
estar presentes em várias formas de
associação e não se identificou nenhum
que possa ser considerado como patognômico da condição não havendo,
portanto, até hoje um marcador biológico
que possa ser considerado específico.
Busca-se desenvolver uma validação da
tipologia relacionada aos critérios comportamentais, baseada na hipótese de
que a disfunção de uma região particular
do cérebro ou rede neural pode produzir
déficits comportamentais previsíveis. No
AI, esta disfunção poderia potencialmente
tes de rotina para o autismo, exceto no
contexto de um protocolo formal de pesquisa. A identificação precoce de crianças
com AI é essencial para incrementar a eficácia da intervenção inicial, no momento
em que o cérebro é mais plástico.
Um parâmetro prático foi publicado
sob a orientação da Child Neurology Society e da American Academy of Neurology: a análise do cariótipo e do DNA para
o X-Frágil é recomendada na avaliação
de pacientes com AI quando há retardo
mental (ou se o retardo mental não for
excluído) e história familiar de X-Frágil
ou retardo mental não diagnosticado ou,
ainda, aspectos dismórficos. É improvável
que estes estudos sejam positivos na
presença de autismo com alto funcionamento.
O teste metabólico seletivo deve
ser indicado quando houver descobertas
clínicas e físicas sugestivas: letargia,
vômitos cíclicos ou convulsões iniciais,
presença de aspectos dismórficos ou
faciais comuns, evidências de retardo
mental ou impossibilidade de excluir retardo mental ou quando há dúvida sobre
a determinação da avaliação adequada
do recém-nascido.
Algumas questões éticas obrigam
àsolicitação do teste genético em casos
de: (a) identificação de etiologias raras,
embora tratáveis, que se não tratadas
podem ser deletérias ao indivíduo, como
a Fenilcetonúria; (b) diagnóstico de um
transtorno que pode levar ao aconselhamento genético de membros da família, risco de recorrência, diagnóstico
e prognóstico pré-natal; (c) identificação
de um transtorno suspeito que, se confirmado, pode evitar a necessidade de
testes diagnósticos extensos no futuro.
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 2 • Março • Abril de 2012
…
resultar de fatores genéticos e ambientais, expressa morfologicamente como
alterações no desenvolvimento cerebral
precoce.
Outro aspecto que dificulta a valorização destas alterações neurobiológicas éa
de que elas podem estar presentes em
indivíduos que não apresentam autismo
ou mesmo em indivíduos considerados
normais, em geral, porém, em proporção
significativamente menor. Finalmente é
importante lembrar que, mesmo naqueles
casos em que anormalidades biológicas
estão presentes, o estabelecimento de
uma relação causal direta entre estas e
o quadro do AI não pode ser afirmada na
maioria dos casos.
Pesquisas sustentam a visão do AI
como expressão de um desenvolvimento
cerebral atípico, que resulta em disfunções mais ou menos disseminadas (e
não, necessariamente, com etiologia
específica) na rede neural complexa e
amplamente distribuída. Essa visão fisiopatológica dos transtornos do desenvolvimento é a antítese de doença no sentido
de uma única condição genética ou não
genética ou de um dano cerebral como
causa freqüente do autismo.
O diagnóstico de uma condição
médica ou neurológica associada em
um indivíduo autista define os sintomas
clínicos em um nível neurobiológico, mas
não exclui o diagnóstico de autismo, que
édefinido em um nível comportamental.
O objetivo da avaliação neurológica é
contribuir na investigação etiológica do
AI, indicando testes como investigações
neurofisiológicas ou por neuroimagem ou
estudos citogenéticos, de acordo com os
achados de história e exame. É preciso
salientar que não há uma bateria de tes-
55
…
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 2 • Março • Abril de 2012
curso 1 - A utismo
56
Na prática, os testes para síndromes
genético-metabólicas específicas devem
ser solicitados com base em suspeitas
clínicas de um transtorno.
Em virtude da extensão do tema,
serão abordados apenas alguns dos aspectos mais consistentes nos estudos,
com a finalidade de introduzir o leitor
no assunto. Para aprofundar a leitura,
recomenda-se consultar a bibliografia
indicada.
ASPECTOS GENÉTICOS
Várias linhas de evidências convergem para sugerir que o AI éum das
condições neuropsiquiátricas de maior
caráter hereditário. Estudo de família e
de gêmeos, conhecidas anormalidades
cromossômicas, estudos de ligação e
associação genética fornecem pistas de
que vários genes em interação podem
contribuir para este transtorno.
Estudos de famílias e de gêmeos
indicam uma forte tendência de autismo
entre grupos familiares. Há um risco particularmente forte de TIDs entre irmãos de
indivíduos afetados mais gravemente pelo
transtorno. A estimativa de risco relativo
fica na faixa de 2 a 6%, em comparação
com a taxa de AI aceita para a população – 4 a 6 por 10 mil, segundo alguns
trabalhos. O risco geral de recorrência na
família parece variar de 7 a 15%.
A ampliação do fenótipo leva a taxas
de identificação de prejuízos leves no desenvolvimento (graus variados de indiferença social, falta de amizades, prejuízos
nos jogos, etc.) mais elevadas em pais e
irmãos do que nas famílias-controle. Vários relatórios descrevem um subconjunto
de parentes de indivíduos com autismo e
déficits sociais e lingüísticos qualitativamente similares aos do probando autista,
porém de menor gravidade. Em geral,
traços encontrados com mais freqüência
nos pais dos sujeitos controle incluem
pouco envolvimento social, dificuldades
de comunicação (linguagem pragmática),
preferência pela rotina e resistência a
mudanças. Estes traços, via de regra, não
prejudicam o funcionamento (por padrões
clínicos), mas podem ser um marcador de
probabilidade genética no autismo. Atraso
de fala e dificuldades de leitura são mais
comuns em membros da família do que
em famílias-controle.
Estudos de gêmeos revelaram diferenças substanciais na concordância do
autismo entre pares de gêmeos dizigóticos (DZ) e monozigóticos (MZ); em alguns
trabalhos, as taxas de concordância entre
gêmeos MZ chegaram a 96%. A longa
preponderância masculina, contudo, permanece sem explicação. A contribuição
genética ao autismo é atribuída a efeitos
combinados de vários loci contributórios.
Os dados sobre gêmeos são compatíveis
com herança oligogênica, combinada com
um importante componente epigenético
de novo. Fatores genéticos podem produzir déficits sociais e cognitivos incluídos
no amplo fenótipo autista e uma interação
entre esses outros fatores deletérios
desconhecidos pode dar um “segundo
golpe”, que, ao final, produz um fenótipo
autista mais específico.
A relação entre fatores genéticos
na expressão de um TID e o papel de
eventos não genéticos em determinar a
severidade desse distúrbio ainda requer
muita investigação. Autismo éum transtorno genético complexo e, com base
nos baixos escores obtidos nos estudos
colaborativos de genoma, sugere-se que
entre 5 a 100 loci possam estar envol-
autístico à presença ou não de outras
patologias neurológicas associadas. A
heterogeneidade desses distúrbios pode
ser devida a etiologias distintas ou a uma
combinação de fatores, tais como etiologia, predisposição genética e fatores
ambientais.
Quadro 1 –Condições clínicas associadas ao AI
AMAUROSE DE LEBERSÍNDROME
ALCOÓLICA FETAL
DEFICIÊNCIAS AUDITIVASSÍNDROME DE ANGELMANN
DESORDEM MARFAN-LIKESÍNDROME DE CORNÉLIA DE LANGE
DISTROFIA MIOTÔNICASÍNDROME
DE DOWN
DISTROFIA MUSCULAR PROGRESSIVA DE DUCHENNESÍNDROME DE
GOLDENHAR
EPILEPSIASÍNDROME DE HURLER
ESCLEROSE TUBEROSASÍNDROME
DE JOUBERT
FENILCETONÚRIA NÃO TRATADASÍNDROME DE LAURENCE-MOON-BIEDL
HIPOMELANOSE DE ITOSÍNDROME
DE NOONAN
HISTIDINEMIASÍNDROME DE RETT
INFECÇÕES CONGÊNITASSÍNDROME DO X-FRÁGIL
NEUROFIBROMATOSESÍNDROME
DE WILLIAMS
RETARDO MENTALOUTRAS CROMOSSOMOPATIAS
SEQÜÊNCIA DE MOEBIUS
ASPECTOS NEUROBIOLÓGICOS
Apesar de a neurobiologia do AI ainda
não ser bem compreendida, vários aspectos e comportamentos neurológicos
observados em crianças com AI parecem
refletir transtornos nos programas do
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 2 • Março • Abril de 2012
…
vidos na suscetibilidade para AI. Embora
múltiplos cromossomas tenham sido
implicados, nenhuma resposta definitiva
foi encontrada.
Condições clínicas associadas ao AI
A lista das condições em que já foram
registrados casos de associação com o
AI é bastante extensa (Quadro 1). Obviamente, algumas destas associações
são eventuais e podem ter ocorrido por
acaso, porém em alguns dos exemplos
que seguem, a frequência com que os
dois quadros estão presentes num mesmo indivíduo indica que deve haver algum
fator comum a ambas as condições ou
que a presença de uma delas facilita o
desenvolvimento da outra.
Cerca de 10 a 15% dos indivíduos
com AI tem uma aberração cromossômica
identificável ou uma síndrome genética.
O AI é mais representado como uma
parte do fenótipo comportamental de
vários transtornos, incluindo Síndrome
do X-Frágil, Esclerose Tuberosa, Fenilcetonúria, Síndrome de Rett e duplicações
envolvendo o cromossomo 15q.
Quando conseguimos identificar uma
dessas condições, como a síndrome do
X-Frágil, Fenilcetonúria não tratada, Rubéola congênita, etc., dados relevantes
para o tratamento podem ser definidos e
abre-se a possibilidade de um aconselhamento genético aos familiares, uma vez
que várias das condições acima listadas
são geneticamente determinadas podendo afetar outros filhos do mesmo casal.
É preciso lembrar que mesmo quando
uma determinada condição clínica for
identificada, nem sempre será possível
estabelecer-se uma relação direta entre
esta e o quadro de autismo e, tampouco
relacionar o grau de severidade do quadro
57
…
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 2 • Março • Abril de 2012
58
desenvolvimento dos neurônios e das
sinapses no cérebro imaturo. Prejuízos
no desenvolvimento social e da linguagem
sugerem desordenamento no circuito das
áreas neocorticais e límbicas específicas
do córtex cerebral, enquanto alterações
na reatividade a estímulos sensório-motores, comportamentos estereotipados e
outras anormalidades motoras sugerem
problemas nas conexões do tronco cerebral, cerebelo, tálamo e gânglios da base.
Padrão de crescimento cerebral: a
mais replicada descoberta singular no AI
tem sido a tendência incomum a cérebros
grandes. Isso não quer dizer, porém, que
cérebros grandes são uma biomarca do
autismo, pois a vasta maioria das pessoas com cabeças e volumes cerebrais
grandes não é autista e nem se enquadra
no espectro.
Vários estudos relatam uma aceleração do crescimento inicial do cérebro em
crianças com AI quando comparados ao
grupo-controle. Ao nascimento, o perímetro cefálico é normal, durante o período
de poucos meses após o nascimento até
2 a 5 anos de idade, observa-se um crescimento cerebral incrementado, sendo
que por volta dos 2 – 4 anos, 90% das
crianças com AI apresentam um perímetro
cefálico maior que a média. Este achado,
porém, não ocorre em crianças maiores.
Esse excesso de crescimento inicial do
cérebro parece ser determinado de forma
significativa, embora não inteiramente,
por um aumento no volume da substância
branca. A proporção alterada parece ser
um aspecto neuroanatômico que persiste, apesar de mudanças nas proporções
ao longo do tempo.
O ritmo de crescimento acelerado
no autismo durante essa janela de de-
senvolvimento sugere que a proliferação
incrementada de sinapses e/ou poda
reduzida durante esse período podem ser
responsáveis pela macrocefalia nessa
condição. A maior mielinização também
poderia contribuir para esse processo,
embora seja inferior à sinaptogênese e
continue por muitos anos após o nascimento. A hipótese de que em crianças
com AI, a dinâmica da formação e da
poda das sinapses é rompida no início
do período pós-natal é bem atraente,
levando-se em consideração informações
recentes sobre o excesso de crescimento
cerebral no autismo.
Os achados de neuroimagem e
neuropatológicos demonstram relações
atípicas entre o lobo frontal e o cerebelo.
Os estudos de imagem funcional e morfométricos, mostram evidência de que a
disfunção cerebral no AI está associada
a padrões anormais de desenvolvimento
que afetam circuitos envolvendo córtex
pré-frontal, sistema límbico e cerebelo.
Estas alterações ocorrem num continuum
e envolvem organização durante desenvolvimento cerebral fetal e pós-natal. As
células do sistema límbico (hipocampo,
amígdala, corpos mamilares, giro anterior do cíngulo e núcleos do septo) são
pequenas no tamanho e aumentadas
em número, por unidade de volume, em
comparação a controles. Nos cerebelos
estudados, foi encontrado um número
diminuído de células de Purkinje. Estes
achados têm sido documentados de
forma proeminente, mas não uniforme.
Mudanças na organização minicolunar cerebral foram também observadas.
Minicolunas são estruturas radiais muito
finas que representam o menor nível de
organização colunar vertical. Nos indivídu-
tonina. Inibidores da recaptação de serotonina costumam ser usados para tratar
movimentos estereotipados e ansiedade
em crianças com autismo, e a depleção
do triptofano leva ao agravamento dos
sintomas do autismo.
A real prevalência da pouca serotonina no cérebro de crianças com AI
é desconhecida e o mecanismo dessa
anormalidade, quando ocorre, também
não está claro. No entanto, uma hipótese
sugere que a redução da serotonina no
cérebro pode ser causada pelo feedback
negativo sobre os neurônios da serotonina, secundário aos altos níveis de
serotonina no sangue.
Eletrofisiologia: recomenda-se que
todas as crianças com atrasos no desenvolvimento, em especial nas áreas
social e da linguagem passem por uma
avaliação audiológica formal, incluindo
medições audiológicas comportamentais,
avaliação da função do ouvido médio e
testagem eletrofisiológica de crianças
que não falam fluentemente.
Quanto ao estudo eletroencefalográfico (EEG), atividade epileptiforme é
mais comum tanto em crianças quanto
em adultos com AI do que na população
geral. Entre 8 e 20% das crianças com
autismo sem causa identificada e sem
epilepsia têm atividade epileptiforme. Em
crianças com autismo e epilepsia essa
taxa é quase o dobro. Fatores técnicos
como a duração do estudo do EEG e o
horário de registro do sono são importantes. Também é provável que a genética
desempenhe um papel primário no desenvolvimento de atividade epileptiforme
e da epilepsia no autismo, tendo como
exemplo o Complexo Esclerose Tuberosa, a Síndrome do X-Frágil e a Síndrome
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 2 • Março • Abril de 2012
…
os com AI um número maior de minicolunas, menores e menos compactas do
que o esperado tem sido descrito. Esses
achados sugerem que anormalidades na
proliferação de células neuronais precursoras ou alterações na arquitetura minicolunar por causas diversas poderiam
estar relacionadas com a neuropatologia
do autismo e de outros distúrbios do
desenvolvimento.
Estudos de ressonância magnética
funcional (RNMf) têm sido utilizados para
avaliar áreas de processamento social
no AI. Normalmente, há uma acentuada
ativação do giro fusiforme (área facial
fusiforme) em resposta a figuras de faces, que está marcadamente diminuída
em autistas, nos quais outras regiões
são ativadas (frontais e occipitais). Três
estudos independentes encontraram
anormalidades da anatomia e do funcionamento em repouso do lobo temporal
de indivíduos autistas, de forma bilateral
no sulco temporal superior (STS). O STS
é uma região crítica para a percepção
de estímulos sociais essenciais, tais
como movimento biológico, direção do
olhar, expressões gestuais e faciais de
emoção e estão altamente conectados
com outras partes do “cérebro social”,
tais como o giro fusiforme e amígdala.
Todas essas áreas são hipoativas no autismo durante a execução de tarefas que
requerem cognição social, sugerindo um
funcionamento anormal de toda a rede de
pensamento do cérebro social.
Com relação àneuroquímica, a elevação nos níveis de serotonina nas plaquetas é o achado mais consistente no
AI. Além disso, vários estudos sugerem
mudanças nos níveis sanguíneos do
aminoácido triptofano, precursor da sero-
59
…
de Rett. Os efeitos neurocognitivos da
atividade epileptiforme e das convulsões
podem derivar da etiologia subjacente e
da síndrome da epilepsia, do efeito direto
das próprias convulsões ou dos efeitos
transitórios da atividade epileptiforme.
Em suma, a compreensão acerca
dos transtornos do desenvolvimento cerebral que contribuem para o AI ainda não
responde a todas as perguntas. Estes
conhecimentos atuais complementam e
refinam, mas não alteram de modo fun-
damental, a descrição feita por Kanner
e Asperger há seis décadas. O impulso
tomado nos últimos vinte anos exigiu
um avanço multidisciplinar considerável
jamais imaginado. O AI tornou-se uma
ferramenta clínica e científica poderosa
para a investigação e o esclarecimento
das complexas relações cérebro-comportamento. Por outro lado, ilustra a grande
dificuldade em se mapear comportamentos complexos em sistemas cerebrais
específicos.
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 2 • Março • Abril de 2012
Acompanhe no próximo
módulo Avaliação Psicologica
Curso de Autismo
60
Síndromes
Maio • Junho de 2012 • Ano 2 • Nº 3
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EDITORIAL
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artigo do mês
Síndrome de Tourette
Evelyn Kuczynski
entrevista
O que é a epilepsia? Quando e por quem
foi descoberta?
Maria Sigride Thomé de Souza
Por Leandra Migotto Certeza
desenvolvimento
O desenvolvimento moral
Carolina Rabello Padovani
reabilitação
Sexualidade e deficiência intelectual
Dra. Alessandra Freitas Russo
inclusão
Inclusão da pessoa com deficiência
no trabalho
Julianna Di Matteo
de mãe, pra mãe
A terapia do abraço
Cristina de Freitas Cirenza
Por Leandra Migotto Certeza
artigo do leitor
Problemas urinários
Zein Mohamed Sammour,
Simone Nascimento Fagundes
Sobre o filme: O primeiro da classe
(Transtorno de Tourette)
Simaia Sampaio
A revista Síndromes é uma publicação bimestral da Atlântica Editora ltda. em parceria com Editora Robles - Ismael Robles Jr. me,
com circulação em todo território nacional. Não é permitida a reprodução total ou parcial dos artigos, reportagens e anúncios publicados sem prévia autorização, sujeitando os infratores às penalidades legais. As opiniões emitidas em artigos assinados são de
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editorial
Dr. Francisco Assumpção Junior
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 3 • Maio • Junho de 2012
Neste número iniciamos uma nova
maneira de estruturar esta publicação,
uma vez que a maioria dos artigos nela
publicados passará a ser da responsabilidade de participantes do Laboratório
de Distúrbios do Desenvolvimento do
Instituto de Psicologia da Universidade
de São Paulo.
Isso permitirá, enquanto vantagem,
uma maior uniformidade nas informações
que eventualmente serão disponibilizadas, bem como permitirá uma maior
homogeneidade de pensamento e de
critérios.
Por outro lado, serão mantidos os
artigos escritos por leitores após sua
avaliação pelos editores, o que manterá
a possibilidade de divulgação de novas
ideais e propostas, como também é o
escopo da revista, na tentativa de impedir
a cristalização e a limitação de ideias.
Também serão mantidas as entrevistas com profissionais que se destacam
nessa área de atuação, para que venham
a ser mais conhecidos pelos leitores, bem
2
como as reportagens sobre instituições
importantes no atendimento, fundamentais na estruturação da própria área e
responsáveis pela maior parte do que se
faz e pensa hoje no Brasil, uma vez que
o interesse governamental nos temas
específicos é praticamente nulo.
Claro que esta não será uma
forma definitiva da revista, uma vez que
acreditamos que nada é estático devendo, para seu crescimento, sempre estar
em permanente mudança, porém essas
mudanças devem (e serão) realizadas a
partir de experiências corrigidas e melhoradas. Isso porque pretendemos que
esta publicação tenha uma vida longa e
profícua, embora saibamos das dificuldades que existem, principalmente em uma
área tão pouco prestigiada e valorizada.
Esperamos que as alterações de
estruturas e de caminhos aqui apresentadas sejam do agrado de todos os leitores
e que possam significar mais um passo
no seu processo de evolução.
Boa leitura
arti g o do m ê s
Síndrome de Tourette
“...Ter a Tourette é uma loucura, é como estar bêbado o tempo todo. Estar sob o efeito
do haloperidol é monótono, faz a gente ficar
sóbrio e quadrado, e nenhum dos dois estados é realmente livre. Vocês, ‘normais’, que
têm os transmissores certos nos lugares
certos, nas horas certas, em seus cérebros,
têm todos os sentimentos, todos os estilos
disponíveis o tempo todo – seriedade, leviandade, o que for adequado. Nós que temos a
Tourette, não, somos forçados à leviandade
pela síndrome e forçados à seriedade quando tomamos o remédio. Vocês são livres,
têm um equilíbrio natural: nós temos de nos
contentar com um equilíbrio artificial...”I
A Síndrome de Tourette (ST) é primeiramente citada em 1489, no mais
importante tratado já publicado para
identificação de bruxos e feiticeiras, o
Malleus maleficarum (“Martelo do Mal”).
Nesta obra, é descrito o caso de um padre, cujos tiques seriam supostamente
relacionados à possessão demoníaca.
Cabe lembrar que há alguns séculos
estigmas físicos, assim como certas
manifestações comportamentais, foram
identificados pelos movimentos religiosos
como sinais da ligação de um indivíduo
com o Diabo.
I
Sacks OW. O homem que confundiu sua mulher
com um chapéu e outras histórias clínicas (Trad.
Laura Teixeira Motta). São Paulo: Companhia das
Letras, 1997, p.117-8.
O primeiro caso de ST foi identificado
por Jean Itard, em 1825. O médico francês descreve os sintomas da Marquesa
de Dampierre, uma aristocrata francesa
que se notabilizou por proferir palavras
obscenas publicamente, no meio de
conversações. Já ao final do século XIX,
Jean-Martin Charcot (célebre diretor da
Salpêtrière) confia pacientes ao novato
Georges Gilles de la Tourette, visando
definir uma doença distinta da histeria
e da coreia (entre cujas características
também figuram movimentos involuntários). Em 1885, Tourette publica um
relato sobre nove pacientes (Étude sur
une affection nerveuse), e conclui que
de fato se mostra necessário definir uma
nova categoria clínica (maladie des tics
convulsifs avec coprolalie, ou “doença
dos tiques convulsivos com coprolalia”),
batizada por Charcot “doença de Gilles
de la Tourette”.
Sem explicação ou tratamento para
os tiques que caracterizavam a síndrome,
a abordagem psiquiátrica só passa a ser
privilegiada a partir do século passado.
Só se aventou uma origem orgânica para
as perturbações motoras da ST a partir
da década de 20, quando uma epidemia
de encefalite desencadeia um aumento
importante na incidência de casos de
tiques e outros distúrbios motores. A
descoberta de que o haloperidol (um
antipsicótico clássico) permitia a atenu-
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 3 • Maio • Junho de 2012
Evelyn Kuczynski*
3
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 3 • Maio • Junho de 2012
4
ação dos tiques contestou a abordagem
psicanalítica que se popularizou nos anos
60-70. Em 1965, um artigo de Shapiro
critica a psicanálise destes casos, após
tratamento bem-sucedido de um portador
de ST com haloperidol.
A partir da década de 90, finalmente
a doença é considerada fruto da combinação de vulnerabilidade biológica com
fatores ambientais. Em 2000, a Associação Americana de Psiquiatria modifica o
texto referente a ST do DSM-IV ao publicar
o DSM-IV-TR (sua versão mais atualizada,
vigente até o momento). São também
realizadas importantes descobertas no
campo da genética, neurofisiologia e
neuroimagem, mas muitas questões
permanecem ainda em aberto, desde
sua caracterização a sua proximidade
de outros transtornos dos movimentos e
transtornos psiquiátricos.
A ST era considerada (até recentemente) rara, com baixíssima incidência
na população mundial. Nos últimos anos,
esta incidência vem crescendo em todo
o mundo. Isto se deve provavelmente a
maior disponibilidade de informações
e conhecimento desta condição pelos
profissionais de saúde. Estudos mais
recentes mostram prevalência variando
de 1% a 3%. Contudo, este dado depende, em parte, dos critérios e métodos
utilizados e do tipo de estudo epidemiológico realizado. A ST é universal e
independe de classe social ou de etnia,
acometendo três a quatro vezes mais
indivíduos do sexo masculino. Entre
crianças e adolescentes, a prevalência
de ST é dez vezes maior que entre os
adultos. Isto caracteriza a gradual redução na sintomatologia a medida que os
indivíduos envelhecem.
Tiques são movimentos involuntários,
rápidos, recorrentes e arrítmicos (também
chamados de tiques motores, o popular
“cacoete”). Podem se manifestar sob
a forma de produções vocais, de início
súbito e sem propósito aparente (os denominados tiques vocais). Habitualmente, envolvem pequenos e circunscritos
grupos musculares. Em relação ao tempo
de duração, os tiques podem ser classificados como transitórios (duram menos
de um ano) ou crônicos (duram mais de
um ano). Ambos os tiques (motores ou
vocais) podem ser classificados como
simples ou complexos. Geralmente, os
pacientes com ST se apresentam inicialmente com tiques simples, evoluindo
para movimentos mais complexos. Contudo, há que se ressaltar que o quadro
clínico é muito variável. Os tiques podem
ser leves e transitórios, ou se apresentar
graves e potencialmente incapacitantes,
como na ST.
São exemplos do primeiro grupo:
piscar olhos, contrações bruscas dos
ombros e “caretas” (contrações dos
músculos que compõem a mímica facial).
Já os tiques motores complexos envolvem uma quantidade maior de músculos
(e, consequentemente, movimentos de
maior complexidade): pular, saltar, “cheirar” objetos, bater em si mesmo e imitar
movimentos feitos por outra pessoa são
bons exemplos. Um observador leigo e
não orientado pode inclusive confundir os
tiques complexos com atos propositais.
Por outro lado, os tiques vocais (ou fônicos) ocorrem pelo movimento do ar pelas
vias aéreas (nariz, boca e garganta), na
forma de “pigarros”, sibilos e fungadas
(classificados como tiques vocais simples). A repetição de palavras ou frases
corpo (barriga, nádegas, pernas, braços
etc.), mas eles surgem mais frequentemente envolvendo o rosto e a cabeça
(como destacado previamente). Esses
tiques motores e vocais mudam constantemente de intensidade e acredita-se
não existam duas pessoas no mundo
com os mesmos sintomas. O início da
síndrome geralmente se manifesta na
infância ou juventude, eventualmente
atingindo estágios classificados como
crônicos. Não raro no decorrer da vida
adulta os sintomas gradativamente são
amenizados e diminuem na frequência e
intensidade do comprometimento. Ainda
assim, ignoram-se as reais causas e,
consequentemente, uma cura para a ST.
Diante da ausência de condutas terapêuticas consagradas, o consenso entre
os profissionais da área é que os tratamentos precisam ser individualizados por
causa das possíveis reações adversas
as drogas.
A associação ao transtorno de déficit
de atenção e hiperatividade é descrita de
forma heterogênea na literatura (21% a
90%). Muitas das crianças afetadas pela
ST e portadoras do transtorno de déficit
de atenção e hiperatividade podem apresentar também deficiências de aprendizagem. A principal condição psiquiátrica
associada (comorbidade) a ST é o TOC,
presente em cerca de 50% dos portadores de ST. As manifestações obsessivo-compulsivas estão intimamente ligadas,
tanto do ponto de vista genético quanto
do ponto de vista fenomenológico. Outros
comprometimentos frequentes são distúrbios de sono, ansiedade e depressão.
Pesquisas aventam a possibilidade de
que essas alterações façam parte dos
próprios subtipos da ST.
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 3 • Maio • Junho de 2012
descontextualizadas (denominadas coprolalia, quando revestidas de caráter obsceno), a repetição de suas próprias palavras
ou sons (palilalia) e a ecolalia (repetição
de palavras e frases que ouviu de outros)
são bons exemplos de tiques complexos.
Também são freqüentemente observados
compulsões e movimentos de balismo
(simulando um arremesso), simétricos ou
não (passíveis de ter natureza violenta,
com eventual arremesso de objetos que
estejam portando no momento do ato).
Considero nunca ser demais ressaltar que a simples detecção de tiques
não leva ao diagnóstico de ST, dado que
vários estudos comprovaram que cerca
de 10% das crianças da população em
geral vão apresentar tiques em algum
momento do seu desenvolvimento. Estes
têm início em torno dos 5 a 10 anos de
idade, com manifestação mais pronunciada dos 10 aos 13 anos. A boa notícia
é que praticamente 90% dos casos de
ST entram em remissão dos sintomas e
mais de 40% não mais os apresentarão
ao fim da adolescência.
Não raro pacientes descrevem fenômenos sensoriais desagradáveis que precedem os tiques. Denominados “urgência
premonitória” (ou “tiques sensoriais”),
são sensações nas articulações, nos
ossos, nos músculos ou em outras partes
do corpo que evocam atos motores (com
alívio do distúrbio sensorial). A natureza
e significado desses sintomas ainda
seguem incertos, gerando controvérsia.
Alguns autores associam este tipo de
manifestação a um subtipo de início precoce do transtorno obsessivo-compulsivo
(TOC).
Os tiques podem se manifestar em
qualquer parte ou conjunto de partes do
5
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 3 • Maio • Junho de 2012
6
Merece ênfase o fato de que os
sintomas ocorrem involuntariamente.
Raramente uma pessoa que sofre da
síndrome consegue controlar ao mínimo
seus tiques; jamais por períodos prolongados de tempo. Infelizmente a reação
de muitas pessoas desinformadas ante
as manifestações da ST é se esquivar
do diferente, ou reprovar as atitudes,
principalmente quando o afetado pela ST
manifesta a coprolalia, vendo-se obrigado
a repetir palavras obscenas e/ou insultos. Desnecessário destacar as consequências desse tipo de comportamento,
que resulta em grave desvantagem no
âmbito social.
A ST é hoje considerada um distúrbio
genético, de natureza neuropsiquiátrica,
caracterizado por fenômenos compulsivos
que, muitas vezes, resultam em uma
série repentina de múltiplos tiques motores e um ou mais tiques vocais, durante
pelo menos um ano, tendo início antes
dos 18 anos de idade. São critérios de
diagnóstico do DSM-IV-TR:
• múltiplos tiques motores e um ou
mais tiques vocais em algum momento
durante a doença, embora não necessariamente ao mesmo tempo (um
tique é um movimento ou vocalização
súbita, rápida, recorrente, não rítmica
e estereotipada);
• os tiques ocorrem muitas vezes ao
dia (geralmente em ataques), quase
todos os dias ou intermitentemente,
durante um período de mais de um
ano, sendo que durante esse período
jamais existe uma fase livre de tiques
superior a três meses consecutivos;
• a perturbação causa acentuado sofrimento ou prejuízo significativo no
funcionamento social, ocupacional ou
em outras áreas importantes da vida
do indivíduo;
• o início se dá antes dos 18 anos de
idade;
• a perturbação não se deve aos efeitos
fisiológicos diretos de uma substância
(por exemplo, estimulantes, como o
metilfenidato e a cocaína) ou a uma
condição médica geral (por exemplo,
doença de Huntington ou encefalite
pós-viral).
Assim sendo, o diagnóstico da ST
baseia-se na presença de sinais e sintomas característicos e na anamnese
clínica. Atenção: atualmente, nenhum
teste laboratorial confirma o diagnóstico da ST. Exames complementares
se prestam a auxiliar no diagnóstico
diferencial da ST, na exclusão de outros
distúrbios passíveis de manifestações
correlatas.
Devido ao fato da ST ser uma síndrome (um conjunto de sinais e sintomas),
são evidentes as dificuldades de diagnóstico diferencial: doença de Wilson, doença de Huntington, coréia de Sydenham,
doença de Hallervorden-Spatz e outros tiques simples e múltiplos (vide Quadro 1).
O processo diagnóstico pode se alongar,
com muitos sintomas erroneamente atribuídos a outros transtornos psiquiátricos.
Consequentemente, os pacientes podem
ser submetidos a exames e tratamentos
desnecessários e dispendiosos. Contudo, algumas peculiaridades do quadro
clínico podem auxiliar no diagnóstico,
principalmente:
• múltiplos tiques motores e vocais;
• início antes dos 18 anos de idade;
• sintomas diariamente e por mais de
um ano;
Durante a última década, significativo
progresso na investigação genética das
causas da ST vem sendo observado. Há
evidências de que a ST seja um distúrbio
genético de caráter autossômico dominante, dada a freqüência de casos de tiques e
manifestações obsessivo-compulsivas entre familiares dos portadores. No entanto,
até o presente momento não se identificou
um marcador genético definitivo. Destacam-se os estudos de neuroimagem, que
vem viabilizando uma maior compreensão
das bases neurais da ST.
Do ponto de vista neuroquímico, diversas hipóteses sugerem o envolvimento
do sistema dopaminérgico na patogênese
da ST, uma vez que antipsicóticos (antagonistas da dopamina) são eficazes no
tratamento desta doença, promovendo
grande redução na freqüência dos tiques.
Já os estimulantes (como o metilfenidato,
a cocaína, a pemolina e a L-dopa) causam
piora do quadro. Estes dados sugerem
alguns mecanismos de envolvimento do
sistema dopaminérgico: anormalidades
na liberação de dopamina, hiperinervação
dopaminérgica e hipersensibilidade dos
receptores dopaminérgicos. Anormalidades no reflexo de piscar os olhos também
sugerem aumento na atividade central
dopaminérgica. Estuda-se o papel de outros neurotransmissores, visto que não
se pode excluir ser esta uma síndrome
multicausal.
Uma vez diagnosticada a ST em um
indivíduo, aspectos diretamente relacionados aos sintomas, como a localização,
freqüência, intensidade, complexidade e
interferência na vida diária dos pacientes,
devem ser cuidadosamente avaliados
antes de se iniciar qualquer conduta
terapêutica. O diagnóstico e tratamento
precoces são essenciais, a fim de reduzir
ou evitar possíveis conseqüências psicológicas para o paciente. A escolha do tipo
de tratamento deve ser apropriada para
cada portador da ST, podendo incluir abordagem farmacológica e psicológica. Esta
última, além do tratamento psicoterápico
do paciente, orienta pais, familiares e
pessoas próximas sobre as características da doença e o modo de lidar com o
indivíduo afetado. A natureza intencional
dos tiques permite uma abordagem terapêutica comportamental, com o objetivo
de reduzir sua freqüência através da interrupção da seqüência estímulo-resposta.
A reversão de hábito tem se mostrado
eficaz para o tratamento dos tiques na ST.
Os tratamentos farmacológicos disponíveis nem sempre são eficazes e bem
tolerados pelo organismo. O uso de medicamentos ou outras técnicas podem trazer
tanto benefícios quanto efeitos colaterais
e, portanto, a abordagem farmacológica
deve ser considerada somente quando os
benefícios da intervenção forem superiores
aos efeitos adversos. Além disso, fatores
psicológicos e sociais podem influenciar
na evolução da resposta terapêutica em
pacientes com ST. Até o momento a ST
não tem cura - o tratamento farmacológico é utilizado para o alívio e controle dos
sintomas apresentados. O medicamento
é administrado em pequenas doses, com
aumentos graduais até que se atinja o má-
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 3 • Maio • Junho de 2012
• manifestações não sugerem uma reação adversa (por exemplo, após uso
de estimulantes, como os utilizados
para o tratamento da hiperatividade e
déficit de atenção);
• comprometimento social, ocupacional
e/ou emocional.
7
ximo de supressão dos sintomas (com o
mínimo de efeitos colaterais). A posologia
varia para cada paciente, com necessidade de avaliação acurada do médico.
Um programa terapêutico multidisciplinar deve ser estabelecido, em colaboração com familiares e o paciente, visando
o apoio psicológico e a reintegração social
do mesmo. A educação de pais, professores e colegas é fundamental para o
sucesso do tratamento. Coleguinhas de
classe podem ser orientados e treinados
para dar apoio aos indivíduos com ST.
Saber do caráter involuntário dos tiques e
que não se tratam de uma maneira fugidia
de atenção são informações importantes
para um bom acolhimento na escola. Informações sobre a variação já conhecida
na intensidade e gravidade dos sintomas,
sua capacidade de suprimir os tiques por
um determinado tempo, que é totalmente inadequado sinalizar a presença dos
tiques, exigir que os suprimam, enfim,
Patolo-
são todas informações muito úteis aos
que cercam os portadores de ST.
Leia também:
1. Hounie AG, Miguel-Filho EC. Tiques,
cacoetes e síndrome de Tourette: um
manual para pacientes, seus familiares,
educadores e profissionais de saúde (2ª.
Edição). Porto Alegre: Artmed, 2012.
2. Loureiro NIV et al. (2005) Tourette: por
dentro da síndrome. Rev Psiq Clín 32(4):
218-30. http://www.hcnet.usp.br/ipq/
revista/vol32/n4/218.html
3. Extraído de Loureiro NIV et al. (2005)
Tourette: por dentro da síndrome.
Rev Psiq Clín 32(4): 218-30. http://
www.hcnet.usp.br/ipq/revista/vol32/
n4/218.html
4. Extraído de Loureiro NIV et al. (2005)
Tourette: por dentro da síndrome.
Rev Psiq Clín 32(4): 218-30. http://
www.hcnet.usp.br/ipq/revista/vol32/
n4/218.html
Definição
Quadro clínico
Diagnóstico diferencial
Tratamento
Distúrbio
genético de
natureza neuropsiquiátrica,
caracterizada
por tiques
e por várias
manifestações comportamentais.
Presença de uma série
repentina de múltiplos
tiques motores e um
ou mais tiques vocais
durante pelo menos
um ano, tendo início
antes dos 18 anos que
podem incluir distúrbio
obsessivo-compulsivo
e problemas relacionados com a atenção e a
aprendizagem.
Sinais e sintomas característicos do surgimento desses sintomas e
exames complementares
(EEG, tomografia ou análise sanguineas).
A tranquilização e
a terapia comportamental em casos
leves. O uso de
fármacos, como
os antagonistas
dos receptores de
dopamina, como
o haloperidol, para
diminuição dos tiques que provocam
desconforto físico
ou embaraço social.
gia
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 3 • Maio • Junho de 2012
Síndrome de
Tourette
8
Patolo-
Definição
Quadro clínico
Diagnóstico diferencial
Tratamento
Um movimento ou vocalização súbita,
rápida, recorrente, não
rítmica e estereotipada.
Movimentos involuntários, abruptos, súbitos,
isolados e breves (tiques
motores simples ou
complexos); sons produzidos pelo nariz, pela
boca ou pela garganta
(tiques vocais/fônicos);
ou sensações (tiques
sensoriais).
Caracterísitcas peculiares
como a supressibilidade
dos tiques, seu aumento
com a presença de estresse e excitação, diminuição
com a distração e a concentração, sugestibilidade,
aparecimento, desaparecimento ou persistência
durante o sono.
Clonazepam,
clonidina, haloperidol, flufenazina ou
pimozida.
Doença
Distúrbio
de Wilson hereditário do
metabolismo
do cobre em
indivíduos
com dois genes mutantes
ATPTB.
Discinesia e tiques, comprometimento hepático e
renal, anéis de Kayser-Fleischer nas córneas,
níveis séricos de cobre
e de ceruloplasmina
reduzidos, com aumento
da excreção urinária de
cobre em 24 horas. Acúmulo tóxico do metal no
fígado, cérebro e outros
órgãos, manifestações
clínicas, geralmente na
metada da adolescência.
Pacientes com menos
de 40 anos com: um
distúrbio inexplicado do
sistema nervoso central,
sintomas de hepatite,
hepatite crônica ativa,
elevações inexplicadas de
aminotrasferases séricas,
anemia hemolítica na
presença de hepatite ou
cirrose inexplicada e em
pacientes com parentes
com doença de Wilson.
Confirmação por dosagem
no sangue de ceruloplasmina (< 20 mg/dL) e
anéis de Kayser-Fleischer
ou de ceruloplasmina (20
mg/dL) e cobre (> 250
u/g) em uma amostra de
biopsia hepática.
Remoção e desintoxicação dos depósitos de cobre com
uso de penicilamina
ou trientina.
Tiques
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 3 • Maio • Junho de 2012
gia
9
Patolo-
Definição
Quadro clínico
Diagnóstico diferencial
Tratamento
Doença
de Huntington
Distúrbio
cerebral
genético
degenerativo
autossômico
dominante.
Coréia e distúrbio
do comportamento,
distúrbio do movimento
levando à incapacitação,
abalos e movimentos
frequentes, irregulares
e bruscos de todos os
membros ou do tronco, caretas, gemidos e
articulação deficiente da
fala, marcha desarticulada e incoordenada com
características dançante
(coréica), depressão,
apatia e irritabilidade,
alterações cognitivas
(perda de memória
recente e alteração do
julgamento). Ocorre entre os 40 e 50 anos de
idade, com ampla faixa
de variação na idade de
início (infância até mais
de 75 anos).
Combinação de Coréia,
distúrbios emocionais,
demência progressiva e
história familiar sugestiva
de herança autossônica
dominante. Testes genéticos.
Tratamento com
fenitiazina, haloperidol, benzodiazepínico ou olanzapina.
Coréia de
Sydenham
Manifestação
neurológica
da febre
reumática de
base auto-imune, manifestando-se
frequentemente me
consequência
de infecção
por estreptococos.
Febre reumática ou
poliartrite, compromentimento cardíaco, movimentos involuntários,
rápidos, irregulares e
sem finalidade dos músculos dos membros, face
e troncoç diminuição da
força muscular, hiporonia
muscular e instabilidade
emocional. Ocorre na
infância.
Diagnóstico por exclusção,
baseado na presença
de movimentos coréicos
típicos.
Profilaxia secundária
para a prevenção do
episódio recorrentes
de febre reumática.
Repouso e proteção da cabeça
e extremidades
contra traumatismos quando ocorrer
os movimentos
involuntários intensos. Tratamento
sintomático capaz
de controlar os movimentos anormais.
Clorpromacina,
haloperidol ou carbamacepina.
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 3 • Maio • Junho de 2012
gia
10
Patolo-
Definição
Quadro clínico
Diagnóstico diferencial
Tratamento
Doença de
herança
autossômica
recessiva.
Demência progressiva na
infância ou idade adulta,
bradicinesia, rigidez e
espasticidade combinados de modo variável
com distonia, coreoatetose, ataxia, convulsões,
amiotrofia e retinite
pigmentar, deterioração
cognitiva progressiva.
O diagnóstico definitivo
baseia-se em necropsia
observando-se marcada
hipo-intensidade do globo
pálido e da substância
negra, devido ao acúmulo
de ferro nessas estruturas.
Terapia com baclofeno intratecal pode
trazer benfício para
alguns pacientes
com distonia generalizada.
*Evelyn Kuczynski, Pediatra.
Psiquiatra da Infância e da
Adolescência. Doutora pela
FMUSP. Médica Assistente
do HC-FMUSP. Pesquisadora
voluntária do Laboratório
Distúrbios do Desenvolvimento do Departamento de Psicologia Clínica do IP-USP.
Contato: [email protected]
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 3 • Maio • Junho de 2012
gia
Doença
de Hallervorden-Spatz
11
entre v ista
O que é a epilepsia? Quando e
por quem foi descoberta?
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 3 • Maio • Junho de 2012
Maria Sigride Thomé de Souza* - neurologista
Por Leandra Migotto Certeza**
12
A ILAE (International League Against
Epilepsy) e o IBE (International Bureau
for Epilepsy) definem epilepsia como uma
condição neurológica que se caracteriza
por predisposição contínua a gerar crises
epilépticas com consequências neurobiológica, cognitiva, psicossocial e social. A
definição de epilepsia requer a recorrência
de pelo menos uma crise epiléptica ou a
possibilidade de recorrência. Desta forma,
não se trata de uma condição patológica
única, mas de uma variedade de síndromes que refletem disfunção cerebral de
base resultante de diferentes causas. A
crise epiléptica, per se, é definida como a
ocorrência transitória de sinais e/ou sintomas devido à atividade neuronal anormal
síncrona e excessiva.
Dentro deste contexto, há elementos
que são importantes para a definição da
epilepsia, sendo eles: a) modo de início e
término das crises; b) manifestações clínicas e; c) intensificação da sincronização
anormal. Existem também elementos primordiais da definição, que são: a) história
de pelo menos uma crise; b) alterações
persistentes no cérebro que aumentam
a probabilidade de futuras crises e; c) associação de transtornos neurobiológicos,
cognitivos, sociais e psicossociais.
A história da epilepsia é, provavelmente,
tão antiga quanto da espécie humana. Os povos
antigos acreditavam que os epilépticos eram
tomados, possuídos, por maus espíritos e de-
mônios, o que explica a etimologia do nome
epilepsia, do grego epilambanein, que significa tomar, capturar e possuir. Tem-se notícia
que, entre 400 aC. e 200 dC, Hipócrates,
acompanhado por Arateus, Celsus e Plínius,
centraram seus estudos na identificação da
epilepsia como uma doença do cérebro e não
de uma origem divina, sagrada ou demoníaca.
Data, portanto, dessa época a definição da
condição epiléptica como de natureza clínica.
Avanços significativos apareceram ao longo
do tempo até a segunda metade do século
XVIII, quando o médico suíço Samuel Auguste
Tissot apontou a epilepsia como fenômeno
decorrente de lesões cerebrais, como tumores, AVCs e traumatismos, e que o estudo
destas lesões seria fundamental para a
compreensão da doença.
Qual a origem da síndrome? É genética e
hereditária? Qual a maior incidência em
homens ou mulheres? Por quê? Pode surgir
em qualquer idade?
A epilepsia pode ser de origem genética,
sintomática (secundária a algum insulto
cerebral, por exemplo: anóxia, tumores,
traumatismos, alterações metabólicas,
malformações cerebrais, acidente vascular
cerebral ou fazer parte de uma doença sistêmica) ou provavelmente sintomática quando
suspeitamos de uma lesão cerebral, mas
não observamos essas alterações com os
exames que temos disponíveis atualmente.
quando se comparou a epilepsia ativa e
inativa, houve diferença, sendo que a taxa
de epilepsia ativa é mais alta nas classes
econômicas mais baixas.
Quais os principais sinais físicos que podem caracterizar a síndrome?
Os sinais nem sempre são somente físicos,
pois as crises epilépticas podem apresentar diversas manifestações clínicas, sendo
estas:
a) Sinais motores (versão forçada da
cabeça, movimentos involuntários ou
posturais dos braços ou pernas, sons
fonatórios, andar sem direção etc);
b) Sintomas sensoriais (alucinações auditivas, visuais, olfatória, gustativa e
vertigens);
c) Sinais e sintomas autonômicos (palidez,
sensação epigástrica, sudorese, pilo
ereção, dilatação pupilar, enrubescimento etc);
d) Sintomas psíquicos (afetivos: como
medo ou raiva, estados de sonho,
distorções do tempo, sensação que já
esteve em algum lugar previamente ou
não, etc).
Quais as diferenças e semelhanças entre
os tipos de epilepsia e suas características? Explique cada tipo e dê exemplos de
o que ocorrem em cada caso.
As epilepsias podem ser parciais (focais)
ou generalizadas, e se subdividem em
idiopáticas (genéticas), criptogênicas (provavelmente sintomáticas) e sintomáticas
(estruturais/ metabólicas). As epilepsias
generalizadas idiopáticas são em geral
geneticamente determinadas, como por
exemplo, na mutação no canal de potássio,
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 3 • Maio • Junho de 2012
A epilepsia é uma condição neurológica
séria que está entre as mais comuns no
mundo. Na população em geral, 3% das
pessoas serão portadoras de epilepsia em
algum momento de suas vidas. No estudo
de Rochester - Minnesota (EUA), de 1935 a
1984 foi observada incidência de 44 casos
por 100.000 ao ano, com maior incidência
entre homens. Nesse estudo, foram observados dois picos distintos, no primeiro ano
de vida; e um segundo ainda maior, nas
pessoas com idade igual ou superior aos 75
anos. Sendo assim, a incidência de crises
epilépticas é maior na infância e na adolescência quando comparada com aquela
que ocorre na vida adulta. A predisposição
à expressão clínica da epilepsia difere
com a idade. Assim sendo, as crianças e
adolescentes, principalmente no primeiro
ano de vida, são mais vulneráveis, com
decréscimo na vida adulta e incremento na
terceira idade.
A incidência de epilepsia na população
varia de 0,5 a 1,5%, sendo superior nos
países em desenvolvimento. Em estudo
realizado no Brasil, nas cidades de Campinas e São José do Rio Preto, observou-se prevalência de epilepsia ao longo da
vida de 9,2/1000 e de epilepsia ativa em
5,4/1000 indivíduos. Na população economicamente produtiva (20 a 58 anos), mais
que um terço dos portadores de epilepsia
ativa, não tinha tratamento adequado e
quando se extrapola tais dados à população
brasileira (170 milhões) sugere-se que em
um milhão de pessoas portadoras de epilepsia, aproximadamente 380.000 estão
desprovidos de tratamento adequado. Outra observação importante foi com relação
ao intervalo entre o início da epilepsia e o
tratamento, onde não se observou diferença entre classes sócio-econômicas, mas
13
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 3 • Maio • Junho de 2012
14
canal de sódio ou de canais de cloro, assim
como dos canais ligantes de acetilcolina e
receptores GABAA (ácido gaba amino butírico, subunidade A). A clínica das síndromes
muitas vezes tem múltiplas possibilidades
genéticas, assim como mutação em um
gene levando a várias síndromes epilépticas diferentes. Nas epilepsias secundárias
ou generalizadas sintomáticas, podem
ocorrer lesões macro ou microscópicas,
com distribuição difusa entre os hemisférios cerebrais.
Nas epilepsias focais, as crises epilépticas se originam em uma determinada
região cortical, determinando assim o foco
epiléptico, com provável alteração estrutural macro ou microscópica, com etiologias
variadas. Esta alteração estrutural interfere
com o controle da atividade elétrica cerebral
e induz os grupos neuronais envolvidos a
gerarem atividade elétrica de intensidade
excessiva, de forma sincrônica e mantida no tempo, provocando, assim, crises
epilépticas. As crises se iniciam de forma
localizada e podem se espraiar recrutando
outras áreas cerebrais, sendo a clínica determinada de acordo com a área de início
da crise epiléptica. Nas epilepsias focais,
observa-se alteração funcional, no período
entre as crises, devido a alterações patológicas focais (por exemplo, tumor) ou mais
raramente em virtude de mutação genética
(por exemplo, epilepsia autossômica dominante do lobo frontal).
desse exame, algumas vezes é possível
orientar o pedido de ressonância magnética, pois no local da atividade epileptiforme
pode existir uma lesão cerebral. Nesse exame é possível observar lesões na estrutura
do cérebro com mais acurasse, como por
exemplo, malformação cerebral pequena.
Temos outros exames disponíveis, principalmente quando estamos frente a um
quadro de epilepsia de difícil controle e
existe a possibilidade de intervenção cirúrgica, são estes:
SPECT (Tomografia Computadorizada
por Emissão de Fóton Único) e PET (Tomografia por Emissão de Pósitrons) para observar anormalidades da perfusão cerebral
em pacientes com epilepsia focal;
Vídeo-eletroencefalograma – Exame
para análise da localização cerebral do
início das crises, melhor caracterização
dos sinais e sintomas do tipo de crise
que o paciente apresenta e diagnóstico
diferencial com outras doenças que podem
mimetizar crises epilépticas, como por
exemplo: síncope.
O diagnóstico é realizado pela história
clínica e exames complementares citados
anteriormente. Os exames de eletroencefalograma e vídeo-eletroencefagrama são
realizados por especialistas em neurofisiologia clínica.
Como é feito o diagnóstico? Quais são os
critérios básicos? Por qual especialista?
Sim, na vida adulta as cormorbidades psiquiátricas mais observadas são depressão
- 30%, ansiedade - 10 a 25%, psicose – 2
a 7% e transtorno de personalidade – 1 a
2%. Na infância e adolescência as comorbidades são TDAH (Transtorno de Déficit
de Atenção e Hiperatividade) – 14 a 38%,
O exame primordial para o diagnóstico de
epilepsia é o eletroencefalograma, pois o
mesmo analisa a atividade elétrica cerebral
e identifica suas anormalidades. A partir
Existe ligação entre a epilepsia e outras
patologias?
Como a síndrome afeta a vida das pessoas? Quais as maiores dificuldades na
sociedade, na escola, trabalho e demais
ambientes?
Muito mais do que definir a epilepsia como
a possibilidade de recorrência ou potencial
recorrência de crises, para muitos pacientes a epilepsia se trata de uma condição
que envolve transtornos de comportamento
e problemas cognitivos interictais (entre as
crises) e pós-ictais (após as crises). Essas
pessoas podem sofrer estigma, exclusão,
restrição, superproteção e isolamento,
como parte da condição. A possibilidade
de recorrência e a imprevisibilidade das
crises podem ter impacto psicológico nos
familiares e pacientes.
Quais são os tratamentos indicados para
amenizar os sintomas da síndrome? Existe
cura?
Tratamento medicamentoso com drogas anti-epilépticas, é usado na maioria dos casos
de epilepsia. A dieta cetogênica, que consiste em utilizar os corpos cetônicos como
fonte de energia, geralmente também é
usada em epilepsias que não responderam
somente ao tratamento medicamentoso. O
estimulador do nervo vagal, uma espécie
de marca passo, colocado sob a pele na
axila esquerda e um fio subcutâneo que o
conecta ao nervo vago esquerdo, emitindo
impulsos elétricos com o objetivo de interromper as crises epilépticas, também pode
ser utilizado. O implante cerebral profundo,
ainda é pouco utilizado em alguns centros
de epilepsia e em alguns tipos específicos
de epilepsia. Já a cirurgia, somente quando
temos uma lesão bem definida que é responsável pelas crises do paciente, além de
não estar localizada numa área motora ou
de linguagem. A cura depende do tipo de
crise do paciente e da resposta satisfatória
ao tratamento utilizado (medicamentoso ou
cirúrgico).
Quando é indicado tratamento com medicamentos? Quais são os principais ministrados? Quais os resultados obtidos? Quais
os remédios que estão sendo testados no
Brasil?
Os primeiros 5 anos no tratamento das
crises epilépticas são fundamentais, pois
aproximadamente 65% dos pacientes com
epilepsia de início recente apresentam uma
boa resposta ao tratamento medicamentoso. As crises recorrem em 5% desses
indivíduos e 35% evoluem com controle
ineficaz das crises epilépticas. No Brasil
temos disponíveis uma gama de drogas
anti-epilépticas sendo estas, o fenobarbital,
fenitoína, primidona, carbamazepina, oxcarbazepina, valproato de sódio, etossuximida,
benzodiazepínicos, gabapentina, topiramato, vigabatrina, lamotrigina, e algumas
ainda não disponíveis no Brasil (sulthiame,
rufinamida, zonizamida, pregabalina, fosfofenitoína, levetiracetam, eliscarbazepina,
lacosamida e estirepentol). Vinte a 30%
dos pacientes com epilepsia não terão suas
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 3 • Maio • Junho de 2012
Transtornos de humor e ansioso – 16 a
31%, e psicose, rara em crianças – 10%.
É importante ressaltar que existe uma
prevalência de depressão de 20 a 55% em
pacientes com epilepsia de difícil controle.
Quando abordamos as taxas de suicídio
observamos um índice 3 a 5 vezes maior
quando comparado a população em geral,
sendo 25 vezes maior em pacientes com
epilepsia do lobo temporal.
15
crises adequadamente controladas por drogas antiepilépticas (DAE), caracterizando as
epilepsias refratárias.
Quando é indicado o acompanhamento
psicológico e o psiquiátrico? Aliado ou não
ao tratamento medicamentoso?
Quando qualquer sinal de alerta for observado pelo profissional de saúde que
acompanha esse indivíduo, principalmente
pelo impacto na sua qualidade de vida ou
suspeita de comorbidades que possam
estar associadas, aliado ou não ao tratamento medicamentoso, quando este se
fizer necessário.
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 3 • Maio • Junho de 2012
Qual a evolução nos diagnósticos e
tratamentos da síndrome no Brasil e no
mundo? Falta campo para pesquisas nesta
área? Quais as universidades se dedicam
ao tema no país? O que precisa ser feito
ampliar o interesse dos jovens para estas
pesquisas?
16
Existem diversos estudos conduzidos em
todo o mundo, assim como no Brasil; onde
temos excelentes profissionais e centros de
pesquisa com estudos clínicos e experimentais, avanços em novas abordagens cirúrgicas, estudos medicamentosos, técnicas de
imagem, estudos genéticos e tratamentos
alternativos. Não acredito que falte campo
para pesquisa e sim maior investimento
e auxílio material aos profissionais que
fazem pesquisa, na verdade um melhor
reconhecimento a quem faz pesquisa no
Brasil. Várias universidades brasileiras se
dedicam ao estudo de epilepsia, com alguns dosa maiores centros em São Paulo,
como o Hospital das Clínicas – HCFMUSP,
UNIFESP, Universidade de Ribeirão Preto
e Universidade de Campinas, assim como
outros centros em no Rio Grande do Sul e
Goiânia, e provavelmente outros que conduzem tais pesquisas. Para ampliarmos o
interesse dos jovens nesse campo é preciso uma maior divulgação do que é epilepsia
e os vários campos de pesquisa existentes.
Quais especialistas e tratamentos estão
à disposição no SUS – Serviço Único de
Saúde?
Temos disponíveis neuroclínicos, neurocirurgiões, neurologistas infantis e psiquiatras. Os tratamentos disponíveis são os
medicamentosos (drogas antiepilépticos),
cirúrgicos e os exames (eletroencefalograma, vídeo-eletroencefalograma, ressonância magnética de encéfalo e SPECT)
Em que área a senhora atua no diagnóstico
e/ou tratamento de pacientes com a epilepsia? Em quais locais? Desde quando?
Mencione um caso de um paciente (sem
citar nome, mas informando a idade e característica principais do diagnóstico) que
conseguiu adquirir maior qualidade de vida
após tratamento.
Sou neurologista infantil, neurofisiologista
clínica e epileptóloga. Atualmente sou
médica supervisora do Laboratório de
Neurofisiologia Clínica do Departamento de
Psiquiatria do Hospital das Clínicas FMUSP
e também trabalho na prefeitura de Cotia
no ambulatório de neurologia infantil. No
Hospital das Clínicas estou desde 1999
quando fiz a residência e posteriormente
contratada.
É difícil citar um caso, pois temos
várias pessoas que tiveram uma impressionante melhora na sua qualidade de vida.
Faço um ambulatório de epilepsia de difícil
controle e acredito que um dos casos que
mais me emocionou foi de uma criança de
6 anos, que veio da Bolívia. A mãe viajou
de ônibus trazendo a criança no colo tendo
várias crises epilépticas, pois havia sido desenganada na sua cidade natal. Na primeira
consulta me deparei com uma criança em
cadeira de rodas, com olhar vago e usando
babador devido à intensa salivação. Ao
eletroencefalograma e ressonância magnética observamos que um lado do cérebro
estava totalmente comprometido e outro
lado ainda se encontrava preservado, mas
apresentava crises epilépticas contínuas.
Inicialmente tentamos tratamento medicamentoso, sem resposta satisfatória,
quando então propusemos a cirurgia, uma
hemisferectomia, ou seja, o desligamento
e retirada parcial de um lado do cérebro.
Apesar de todos os riscos, a criança foi submetida a esta cirurgia delicada e prolongada
(12 horas). Após três meses essa criança
entrou no meu consultório e me disse: “Olá
Doutora”... Eu simplesmente fiquei paralisada e extremamente feliz. Atualmente ele
é independente apesar de leve dificuldade
motora e cognitiva.
*Maria Sigride Thomé de
Souza concluiu o Mestrado e
o Doutorado pelo Hospital das
Clínicas – FMUSP, é Especialista em Neurofisiologia Clínica
e Infantil, além de Pediatria.
Também é Médica pesquisadora do Projeto CINAPCE (Cooperação Interinstitucional
de Apoio a Pesquisas sobre o Cérebro), e Médica
Supervisora do Laboratório de Neurofisiologia Clínica do
Departamento de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da
Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
**Leandra Migotto Certeza é
jornalista e repórter especial
da Revista Síndromes. Ela tem
deficiência física (Osteogenesis Inperfecta), é assessora
de imprensa da ABSW e
consultora em inclusão no
blog “Caleidoscópio – Uma
janela para refletir sobre a diversidade da vida” - http://
leandramigottocerteza.blogspot.com/. Conheçam os
modelos de palestras, oficinas, cursos e treinamentos
sobre diversidade, realizados em empresas, escolas,
ONGs, centros culturais e grupos de pessoas no site:
https://sites.google.com/site/leandramigotto/
Qual mensagem a senhora deixa para os
profissionais de saúde, pesquisadores,
estudantes, pessoas com a síndrome e
seus familiares?
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 3 • Maio • Junho de 2012
A epilepsia é uma condição que tem
impacto na qualidade de vida, mas com
diagnóstico correto e precoce, além de informações e conhecimento da sua evolução,
podemos mudar a vida não só do paciente,
mas da família e do seu meio social. É
preciso maior divulgação e conhecimento
do manejo da mesma para que possamos
acabar com o preconceito e desinformação
que talvez seja o pior lado dessa condição
neurológica.
17
desen v olv imento
O desenvolvimento moral
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 3 • Maio • Junho de 2012
carolina Rabello Padovani*
18
“João está mentindo na escola e
estamos assustados com esse tipo
de comportamento”, “Maria tem sido
agressiva, batido em colegas e roubado
coisas”. Essas são algumas das queixas
e preocupações de pais e educadores trazidas aos consultórios de profissionais da
área de saúde infantil. Diversas questões
podem ser levantadas na compreensão
de um comportamento, seja na tentativa
de entender o motivo pelo qual ele ocorre
ou a razão pela qual ele se mantém. Além
disso, queixas semelhantes podem ser
configuradas em diferentes diagnósticos,
prognósticos e tratamentos.
Por exemplo, tomemos uma criança
que agride seus colegas. Será que ela os
agride porque não consegue inibir comportamentos, sendo uma criança impulsiva? Ou será que o ambiente é que não
está sendo suficientemente adequado
em responder a estes comportamentos?
Outro exemplo, uma criança está
mentindo na escola. Ela está tentando
escapar de uma punição ou conseguir
algo? No geral, nossas questões principais são: seria o caso de uma dificuldade
na relação interpessoal, expressão de
um sofrimento psíquico ou uma alteração
cognitiva?
Frequentemente a pergunta latente
dos pais e dos agentes da equipe escolar
parece ser esta: já cruzamos a linha que
delimita o normal e o patológico?
Atualmente, bullying é a palavra
da vez. Certamente as alterações comportamentais observadas nas crianças
correspondem às principais razões
pelas quais são levadas a psicólogos e
psiquiatras da infância. Em parte, elas
aparecem porque, grosso modo, a criança passa a ser foco de atenção quando
atrapalha. Em outras palavras, a criança
é encaminhada a um profissional quando
ela incomoda tanto o ambiente escolar
quanto o familiar. Mas será que estamos
hoje mais preocupados com a moral e
os bons comportamentos? O que nos
torna seres morais e por quais motivos
parecemos não ser? Obviamente, não estamos aqui para discutir o que é certo ou
errado. Não iremos legislar e teorizar ao
mesmo tempo. A questão é que discutir
determinados comportamentos humanos
implica pensarmos o fenômeno em suas
diferentes facetas. Uma delas seria caminharmos para a questão moralidade
e como é seu desenvolvimento. Antes
vamos a alguns balizamentos.
Por que começamos falando de crianças? A ideia de que o comportamento se
desenvolve, ou seja, que há um aumento
da complexidade, uma evolução da criança para o adulto é mais recente do que
se possa imaginar. Somente a partir do
século XIX que a criança deixa o status
de adulto em miniatura e começa a ter
valor próprio. Mais claramente a partir do
A psicologia da criança estuda o crescimento
mental ou, o que vem a dar no mesmo, o
desenvolvimento das condutas, (isto é, dos
comportamentos, incluindo a consciência), até
a fase de transição constituída pela adolescência, que marca a inserção do indivíduo na
sociedade adulta. (Piaget, 1980).
Dessa forma, entendemos que o comportamento se desenvolve. Sendo mais
específicos, podemos dizer que tomamos
a criança como um ser constituído de um
“equipamento” genético constitucional,
sobre o qual o “investimento” ambiental
inscreverá suas características, fazendo
com que ela cresça não somente mantendo um padrão de desenvolvimento característico da espécie, mas também com
características singulares que a farão um
ser único e irreprodutível (Assumpção-Junior, 2008).
Certamente temos claro que a ideia
de desenvolvimento pode e deve abarcar
uma série de situações humanas sem
esquecer que as condutas estão ligadas
tanto à maturação dos sistemas cerebrais quanto às relações estabelecidas
com o ambiente. Por isso, precisam ser
observados os aspectos biológicos e os
estágios do desenvolvimento da aprendizagem.
Neste momento, cabe uma distinção,
pois faremos um recorte: estaremos
falando sobre o desenvolvimento da
moral. Então podemos perguntar: como
a moral se desenvolve? Ou ainda, como
é a gênese da moralidade na criança? E
se tentamos responder de forma sucinta
o que é desenvolvimento, o que seria a
moral?
A “ciência dos costumes” proposta
no início do século XX representou um
esforço intelectual para pensar as ações
humanas na busca por compreender os
comportamentos por meio de determinados modelos. O pensamento filosófico e
as morais teóricas se debruçaram principalmente sobre o que “deve ser”, “o
que é certo ou errado”, “o bem e o mal”.
Nossa questão é simplesmente de outra
ordem. Como dissemos anteriormente,
não iremos teorizar e legislar ao mesmo
tempo. Até porque, como afirma Levy-Bruhl (1902), “não há nem pode haver
uma moral teórica”. Representante de
um dos fundamentos da abordagem científica da moralidade humana, Levy-Bruhl
escreve que “uma moral, mesmo quando
quer ser teórica, é sempre normativa e,
justamente, porque é normativa, nunca
é realmente teórica”. Ademais, vale lembrar que a moral pode ser questionada
e definida conforme o contexto sócio-histórico. Consequentemente o que é
hoje uma questão moral e ética pode
nem sempre ter sido assim. Por exemplo, na antiguidade, os deficientes eram
abandonados ou exterminados sem que
isso se configurasse como uma questão
moral. A ideia predominante era que eles
representavam um ônus social e financeiro uma vez que não poderiam trabalhar
ou gerar riquezas.
Outro ponto importante a ser esclarecido é que diferentes autores também se
debruçaram sobre a questão da gênese
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 3 • Maio • Junho de 2012
século XX, passamos a desenhar uma
psicologia da criança como um campo
autônomo de conhecimento, especialmente edificada pelos estudos de Piaget,
calcado em um modelo de pensamento
oriundo da biologia e fortemente influenciado pelo modelo darwiniano.
19
da moralidade infantil. Tomemos o exemplo de Werger:
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 3 • Maio • Junho de 2012
“Pensemos num menino pequeno, Pedrinho,
que frequentemente puxa o cabelo da irmã.
Podemos estudar suas emoções para descobrir se ele sente-se arrependido posteriormente e usar a culpa como uma medida de moralidade; podemos estudar seu comportamento,
usando o critério de resistência à tentação
como medida de moralidade; podemos estudar a estrutura cognitiva de Pedrinho e usar a
maturidade de seu raciocínio sobre a moralidade como um critério; ou podemos estudar a
situação interpessoal, usando, como critério
moral, sua habilidade em interagir com outros
com sucesso.” (Werger, 1978).
20
Do ponto de vista da psicanálise, uma
das maiores contribuições de Freud ao
estudo da subjetividade humana, representou uma alteração na compreensão da
criança. A abordagem psicanalítica trouxe
a gênese da consciência moral a partir da
internalização da instância superegóica.
Nos estudos sobre o funcionamento psíquico, Freud (1940) emplacou a ideia de
que temos três instâncias psíquicas: o id,
o ego e o superego. O id corresponde a
tudo o que é herdado, presente no nascimento e, portanto, os instintos. Com a
influência do mundo externo, uma parte
do id sofre um desenvolvimento especial.
Surge o ego, com a finalidade de auto-preservação, cuja missão é descobrir o
jeito mais favorável para satisfazer um desejo levando em conta o meio externo. A
influência parental permite a estruturação
do superego, como uma força que implica
em uma limitação das satisfações, uma
terceira força que o ego precisa levar em
conta.
Freud irá ressaltar que a instância
superegóica é a herdeira do complexo de
Édipo, fase em que a criança identifica-se
com uma das figuras parentais e a outra
passa a ser objeto de desejo. Simplificadamente, como não é possível ter a mãe
ou o pai, a dramática edipiana abarca
a renúncia da realização dos desejos
infantis e as restrições sociais. Eis, para
a psicanálise, a essência conflitiva do
desenvolvimento moral.
Para Piaget (1932), em sua interação
com o meio, a criança adquire um modelo
interno preciso da realidade em estágios
sucessivos. Por mais que encontremos
separações desses estágios por idades,
na verdade, há uma continuidade sem
interrupção, em que um determinado esquema é substituído por outro conforme
as aquisições da criança.
A diferença no estudo de Piaget
sobre o julgamento moral é o estudo do
aspecto intelectual da moralidade e não
do aspecto emocional como para Freud
ou comportamental como o é para a área
da aprendizagem social. Dessa forma, a
teoria do desenvolvimento cognitivo enfatiza o raciocínio moral da criança: razões
que estão por trás dos julgamentos sobre
o certo e o errado.
Piaget levanta questões como: o
que vem a ser o respeito à regra, pela
própria criança? Segundo o autor, “toda
moral consiste num sistema de regras, e
a essência de toda moralidade deve ser
procurada no respeito que o indivíduo
adquire por essas regras”.
O que a criança aprende a respeitar,
ou seja, as regras morais são transmitidas pela maioria dos adultos, estando
já elaboradas. O valor das regras é modificado conforme a idade da criança.
Prática
Caracte-
Descrição
da regra rística
Primeiro Motor e
estágio
individual
Segundo
estágio
Terceiro
estágio
Quarto
estágio
A criança manipula
conforme seus desejos
hábitos motores (regras
motoras e não propriamente coletivas)
Egocêntrico Entre os dois e cinco
anos, a criança recebe
do exterior o exemplo
de regras codificadas.
Jogam cada uma para si
(todas podem ganhar ao
mesmo tempo) e sem
cuidar da codificação
das regras.
CooperaEntre os sete ou
ção
oito anos, o jogador
pretende vencer os
companheiros e surge a
necessidade de controle
mútuo e de unificação
das regras.
Codificação Aos onze/doze anos,
das regras código de regras a
seguir, com notável
concordância entre os
participantes.
Consciência Característica
da regra
Primeiro
estágio
A regra ainda não é coercitiva,
mas puramente motora.
Segundo
estágio
A regra é considerada como
sagrada e intangível. Modificar é
igual a transgredir.
Terceiro
estágio
A regra é considerada uma lei
imposta pelo consentimento mútuo, mas pode ser transformada
desde que por consenso geral.
Piaget, ainda, argumenta que o
desenvolvimento da moral abrange três
fases, denominadas:
• Anomia (crianças até 5 anos): É a
consciência centrada no eu. Geralmente a moral não se coloca, com as normas de conduta sendo determinadas
pelas necessidades básicas. Porém,
quando as regras são obedecidas, são
seguidas pelo hábito e não por uma
consciência do que se é certo ou errado. Um bebê que chora até que seja
alimentado é um exemplo dessa fase.
• Heteronomia (crianças até 9, 10 anos
de idade): A consciência é tomada emprestada do outro. Toda consciência
da obrigação ou do caráter necessário
de uma regra supõe um sentimento de
respeito à autoridade do outro. O certo
é o cumprimento da regra e qualquer
interpretação diferente desta não corresponde a uma atitude correta. Um
homem pobre que roubou um remédio
da farmácia para salvar a vida de sua
esposa está tão errado quanto outro
que assassinou a esposa, seguindo o
raciocínio heteronômico.
• Autonomia: legitimação das regras. O
respeito a regras é gerado por meio de
acordos mútuos. É a última fase do desenvolvimento da moral. O pensamento autônomo e lógico desenvolve-se
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 3 • Maio • Junho de 2012
Consequentemente, os pequenos tendem
a respeitar as regras dirigidas pelos
maiores e os maiores podem modificar as
regras ao seu critério. Com onze a treze
anos, a criança entende que existem diferentes regras em diferentes locais para
um mesmo jogo.
Quando Piaget pensa nos jogos, revela dois fenômenos: a prática da regra e a
consciência da regra. Os quadros a seguir
apresentam esses fenômenos.
21
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 3 • Maio • Junho de 2012
22
paralelo ao surgimento da capacidade
de estabelecer relações cooperativas.
Para Piaget, ser autônomo significa estar apto a cooperativamente construir
o sistema de regras morais e operatórias necessárias à manutenção de
relações estabelecidas pelo respeito
mútuo.
Como dissemos anteriormente, outros autores também se detiveram sobre
a questão do desenvolvimento da moralidade. A teoria Kohlberg (1969) refere que
uma compreensão genuína da ideia de
uma obrigação moral tem sua origem em
uma ideia de convenção ou de consenso.
Sua teoria propõe três níveis na
construção da compreensão moral. O
nível mais baixo, por assim dizer, “pré-convencional”, descreve que crianças
de tenra idade definem o significado de
“certo” e “errado” em termos de seus
sentimentos subjetivos. O que é certo
evita a punição ou traz recompensas. O
egoísmo reina. No nível intermediário,
“convencional”, a criança mais velha e o
adulto continuam a definir o significado
de “certo” e “errado” pela referência subjetiva dos sentimentos, mas agora são
os sentimentos coletivos dos outros que
importam. O que é correto e virtuoso é o
que é aceito pelas figuras de autoridade
(pais, o papel esperado pela sociedade,
as leis jurídicas). Se alguém do grupo de
referência gosta, então está certo. Con-
Nível 1
Nível 2
Nível 3
Pré-convencional
convencional
Pós- convencional
Preferência
pessoal
convenção
moralidade
formismo e consenso reinam. No terceiro
e mais alto nível, o “pós-convencional”,
“certo” e “errado” são definidos pela referência dos princípios objetivos desprendidos da subjetividade e da perspective
de si mesmo no grupo. O que é correto e
virtuoso é definido em termos de padrões
universais, construções reflexivas do individual, justo, direitos naturais e respeito
humano por todas as pessoas, a despeito
de sexo, idade, etnia, raça ou religião.
Assim, temos que para a teoria do
desenvolvimento cognitivo, o desenvolvimento de uma ideia de obrigação moral
está relacionado ao desenvolvimento de
habilidades gerais de pensamento e raciocínio. Estas habilidades incluem lógica
dedutiva e a capacidade de distanciar-se
do que é pessoal, egocentrado e baseado
no consenso.
Em virtude da diversidade de modelos
teóricos sobre o desenvolvimento moral
foi necessário fazer algumas escolhas.
Obviamente não conseguiríamos esgotar
todos os autores que tecem considerações acerca da gênese da moralidade.
Acreditamos que seja preciso entender a moralidade como uma das dimensões da subjetividade humana, que envolve a interação de fatores socioculturais,
afetivos e cognitivos. Por isso, devemos
levar em conta que o desenvolvimento
depende de aspectos biológicos que
possibilitam a constituição de estruturas
emoção
egocentrada
Lei positiva
Lei natural
Consenso
princípio
Eu gosto
disso
O grupo
aprova
Está
certo
subjetividade
Coletividade
subjetividade
Transcendência
objetividade
Pré-operacional
Operações
concretas
Operações
formais
Para saber mais:
1. Piaget, J. (1980). A Psicologia da Criança.
2. A s s u m p ç ã o - J u n i o r , F . B . ( 2 0 0 8 ) .
Psicopatologia Evolutiva.
*Carolina Rabello Padovani,
Neuropsicóloga, Doutoranda
em Psicologia Clínica pelo
IPUSP, Pesquisadora do Laboratório Projeto Distúrbios do
Desenvolvimento PDD-IPUSP
Síndromes
revista multidisciplinar de desenvolvimento humano
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ou
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SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 3 • Maio • Junho de 2012
de funcionamento, construídas por meio
do exercício e da experiência. Além disso,
há um terceiro fator fundamental: o papel
das interações e transmissões sociais.
Assim, estudar a psicologia da
criança, como refere Piaget (1980), “nos
permite seguir passo a passo, não no
sentido abstrato, mas na dialética viva e
vivida dos sujeitos que se acham às voltas, em cada geração, com problemas incessantemente renovados para redundar
às vezes, afinal de contas, em soluções
que podem ser um pouquinho melhores
do que as das gerações precedentes”.
23
reabilita ç ã o
Sexualidade e deficiência
intelectual
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 3 • Maio • Junho de 2012
Dra. Alessandra Freitas Russo*
24
A sexualidade é inerente a todo ser
humano e sua manifestação independe
da presença ou ausência de deficiências.
Longe da intenção de esgotar um assunto
tão amplo e complexo, este artigo tem
como objetivo iniciar uma discussão
sobre a sexualidade na pessoa com
deficiência, entendendo as possíveis limitações, observando a necessidade de
discutir o tema e ampliando a discussão
sobre a inclusão do deficiente em todas
as esferas da sociedade.
A sexualidade é um componente
fundamental de todo ser humano e
parte importante de sua vivência física
e psicológica. Vincula-se diretamente à
afetividade, ao envolvimento, ao desenvolvimento da criatividade e logicamente
do prazer em seu sentido mais amplo.
Está presente em todas as fases da vida
humana, desde a concepção até a morte,
sem distinção de raça, cor, sexo, deficiências; não estando limitada aos órgãos
genitais, abrange o corpo todo.
No sentido da totalidade, a pessoa
com deficiência, é um ser bio-psico-sócio-espiritual em constante evolução. Como
qualquer ser humano, tem a necessidade
de expressar seus sentimentos de um
modo particular e intransferível, dentro
de suas possibilidades e limites reais.
A opinião popular estende a deficiência para a sexualidade do indivíduo,
tratando o deficiente como um ser
de sexualidade incompleta, vendo-o
como eterna criança, o que gera a
estigmatização da sexualidade desses
indivíduos.
Se falar de sexualidade na adolescência suscita dúvidas e receios, falar de
sexualidade nas pessoas com deficiência
tem acrescido ainda, o preconceito. Como
se a deficiência fosse maior do que as
necessidades emocionais e biológicas
do individuo.
Entende-se por orientação sexual
o processo de intervenção sistemática
na área da sexualidade humana, que
se propõe a fornecer informações sobre
sexualidade e a organizar um espaço
de reflexões e questionamento sobre a
importância da prevenção de doenças e
gestação, mudanças corporais, identidade, postura, relações interpessoais,
autoestima, relações de gênero, tabus,
crenças e valores a respeito de relacionamentos e comportamentos sexuais.
Essa orientação deve ser ampla e
estendida a todos os indivíduos, com ou
sem deficiência. Concluir que educação
sexual pode provocar um despertar para o
assunto que não aconteceria naturalmente é falso e tira a chance do adolescente
receber informação adequada. Mais importante do que falar ou não sobre sexo
com adolescentes deficientes é pensar
o modo e os agentes que abordarão o
assunto.
Portanto falar de sexualidade na deficiência, situação onde, em sua maioria,
as pessoas já acumulam sentimentos
de rejeição, frustração e desaprovação,
torna-se mais complexo. Mas a realização
e a saúde pessoal passam necessariamente pela vivência sexual, pela possibilidade de desejar e ser desejado, de
escolher ou não ser pai ou mãe, enfim,
de viver todas as implicações positivas da
sexualidade. As pessoas com deficiência
têm a possibilidade e o direito de serem
saudáveis e felizes em todas as esferas
de sua vida.
Falar ainda, de sexualidade e deficiência de forma generalizada é incorrer
no erro de massificar uma população
bastante heterogênea e de características muito particulares. Deficiência física
tem limitações diferentes que deficiência
intelectual ou visual e a abordagem deve
ser também, individualizada, respeitando
as restrições de cada grupo, mas observando-se suas potencialidades.
Moura & Pedro (2006) estudando a
sexualidade em pacientes com deficiência visual, observaram que apesar de não
poderem enxergar as mudanças em seus
corpos, os adolescentes com deficientes
percebem que estão crescendo e que seu
corpo se modifica. Notam estruturas que
antes não possuíam como os seios para
as meninas ou a barba para os meninos.
Esse fato é compreensível, pois as modificações biológicas que caracterizam
esse processo propiciam a experiência
de uma série de eventos psicológicos
que culminam naquilo que se denomina
aquisição de identidade sexual.
Além disso, estão inseridos na sociedade, ouvem comentários de outras
pessoas e dão-se conta de mudanças no
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 3 • Maio • Junho de 2012
Observa-se um desânimo em muitos
pais e profissionais que lidam com esta
população, pois há uma exacerbada expectativa em encontrar respostas prontas
para os problemas enfrentados durante
o desenvolvimento da sexualidade dos
filhos e/ ou alunos, buscando soluções
para problemas que lhes causam angústia e preocupação.
Mas o desenvolvimento pleno da
sexualidade no deficiente não é necessariamente um problema a ser resolvido
por terceiros, como se a pessoa com deficiência não fosse capaz de tomar suas
próprias decisões.
Não é pouco comum que, diante da
ansiedade que costumam experimentar
em relação ao assunto, tendam a buscar
“fórmulas mágicas”, “receitas prontas”
de atuação, na expectativa de conseguirem conduzir seu comportamento
de maneira que os pais ou professores
entendam como mais adequada. Como
se apenas o saber como atuar pudesse
garantir livrarem-se da ansiedade e caminharem com tranquilidade orientando
sexualmente seus filhos e/ou alunos. A
dificuldade de orientação sexual transcende a deficiência. Ela é experimentada
com todos os adolescentes e seus pais
ou professores.
Importante salientar, que o conceito
de sexualidade vai além do instinto sexual
e de atividades que dependam do funcionamento do aparelho genital. Paula (1993)
define que o canal de expressão da sexualidade é o sentimento, o sentido, a mente,
a corporeidade. É a união de tudo isso.
Se não orientarmos o deficiente a
respeito das questões relativas à sexualidade, alguns, por si só não conseguirão
entendê-las.
25
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 3 • Maio • Junho de 2012
26
comportamento dos outros em relação
a eles.
O indivíduo com deficiência visual
tem cerceado seu acesso a informações
sobre a educação para a saúde, visto que
essas, em sua maioria, utilizam a visão
como estratégia de comunicação. Portanto pensar na educação desta população
com materiais específicos em braile é
função tanto da escola, quanto da família
e da sociedade como um todo na inclusão
global deste grupo de pessoas. Privá-los
de informação acessível é aumentar o
risco de obtenção de informações equivocadas com os amigos e até potenciais
abusadores.
Quando pensamos na deficiência física, esta não é sinônimo de dependência
emocional, da mesma forma que, independência motora não garante um comportamento sexual adequado. O equilíbrio
afetivo sexual se baseia na construção da
identidade sexual e no desempenho dos
papéis sexuais.
Questões relativas à estética, função
sexual (impotência) e reprodutiva e a
pouca discussão da sexualidade entre
pessoas com deficiência física foram as
queixas observadas por Soares e colaboradores (2008) em um estudo que avaliou
o comportamento sexual em pacientes
com espinha bífida.
Quando abordamos a deficiência intelectual, o assunto fica mais
complicado e controverso ainda. Essa
população é uma das maiores vítimas
do preconceito e da falta de respeito e
informação a respeito de sua sexualidade. Propostas antigas sugeriam inclusive
a esterilização compulsória deste grupo,
coisa completamente fora de contexto
na atualidade.
Esse grupo também é um dos que
mais sofre com os abusos sexuais, portanto a informação além de esclarecer os
aspectos da vida sexual saudável, tem
ainda o objetivo de orientar a proteção
especialmente dos mais acometidos,
quanto ao abuso sexual.
Se não os orientarmos a respeito das
questões relativas à sexualidade, eles por
si só, podem não conseguir entendê-las.
Suas limitações referem-se ao baixo nível
de leitura (quando são alfabetizados), a
dificuldade na compreensão de terminologias e no conhecimento biológico. Os
amigos com quem poderiam trocar informações geralmente não são, também,
bem informados; há menor capacidade de
compreender e identificar as mensagens
de sexo na vivência cotidiana e, às vezes,
os modelos tomados (TV, filmes) são irreais e inadequados para o dia-a-dia. Pode
ainda, haver uma dificuldade em entender
de forma crítica e pertinente as situações
observadas em programas de televisão.
Assim, os deficientes intelectuais
são pessoas com necessidades sexuais
idênticas às pessoas de inteligência normal e salvo raras exceções de síndromes
específicas, terão um desenvolvimento
normal das características sexuais, tanto físicas quanto psicológicas. Terão,
como qualquer adolescente, aumento no
interesse pelo sexo e pela sexualidade.
Por outro lado, possuem conhecimentos
precários a respeito de sua sexualidade,
pouca informação estruturada, experiências limitadas e, na maioria das vezes,
controladas por pais e profissionais.
Pinel (1993) postula que a visão dos
deficientes intelectuais como eternas
crianças é uma atitude característica
da repressão e negação da sexualidade
desenvolvimento de suas capacidades
afetivas e biológicas.
Grande parte dos trabalhos científicos está mais direcionada para investigar
o pensamento de pais e profissionais e
seu modo de proceder do que enfocar o
deficiente em si, o que ele conhece, quais
são suas experiências, necessidades e
sentimentos diante da sexualidade. Estudos voltados à percepção e a vivência
sexual e afetiva da pessoa com deficiência são raros porém de suma importância
para o melhor entendimento e abordagem
do assunto.
A educação para a saúde não é uma
hipótese abstrata, é uma realidade que
responde às necessidades de saúde e à
possibilidade objetiva de adquirir comportamentos positivos. Acredita-se que as
pessoas, mesmo aquelas com necessidades especiais, devem poder tomar suas
próprias decisões e ter conhecimento
sobre sua saúde, dentro das possibilidades de cada um, exercendo assim seus
direitos e deveres para o pleno exercício
de sua cidadania.
Apesar de nossas ilusões onipotentes, a repressão pura e simples das
manifestações sexuais do deficiente não
é a solução, podendo contribuir para
a diminuição de seu equilíbrio interno,
aumentando a agressividade e os problemas de comportamento, favorecendo
o isolamento e reduzindo suas possibilidades como ser integral.
A educação sexual deve ser incluída
na educação geral, integradas à estimulação sensório-motora, intelectual e das
capacidades adaptativas ao meio social,
de modo natural.
O ministério da Saúde lançou em
2009 uma cartilha com os direitos se-
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 3 • Maio • Junho de 2012
impostas a estas pessoas. No entanto,
muitos dos pais e profissionais que lidam
com esta população não têm consciência
de estarem atuando dessa forma.
A tendência em se reivindicar para
os deficientes um estilo de vida o mais
integrado possível à comunidade, implica na necessidade de desenvolver um
amplo repertório de habilidades sociais
e, nesse sentido, a área dos comportamentos afetivo-sexuais deveria também
estar presente nos programas de inclusão
escolar, com as condutas nesta área
devendo integrar os currículos para esta
população.
Pode-se acrescentar ainda, que
outros fatores podem dificultar o aprendizado das condutas sexuais, fatores
estes não presentes apenas entre os
indivíduos com deficiência mental, mas
compartilhados por todos os tipos de
deficiências. Entre esses podemos citar:
mobilidade limitada, falta de privacidade,
superproteção familiar, entre outros.
Sexualidade é um atributo de todo
ser humano, não é algo que a pessoa
tenha, é algo que se é, que o ser humano
constrói ao longo de sua vida envolvendo
uma série de manifestações. As manifestações da sexualidade são aceitas para a
população em geral, mas quando se fala
em indivíduos com deficiência, especialmente intelectual, estas manifestações
encontram resistências, tornando-se
incompatíveis, pois para muitas pessoas estes não possuem sexualidade e
para outras esta é primitiva, selvagem e
incompleta. Estes estereótipos não só
atrapalham o desenvolvimento normal da
pessoa e sua sexualidade, como também
trazem privações de informações, estímulos e vivências adequadas para o pleno
27
xuais e reprodutivos na integralidade da
atenção à saúde de pessoas com deficiência, que pode ser acessada na íntegra
no endereço http://www.saude.gov.br.
Pais e profissionais da área de saúde
e educação precisam lembrar que a vivência sexual do deficiente, quando bem conduzida, complementa o desenvolvimento
afetivo, a capacidade de estabelecer
contatos interpessoais, fortalecendo a
autoestima, o bem-estar, o amor-próprio
e a inclusão na comunidade.
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 3 • Maio • Junho de 2012
Bibliografia
28
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Ciência & Saúde Coletiva, 13(1), p. 18594, 2008.
*Dra. Alessandra Freitas
Russo, Neurologia Infantil e do
Adolescente, Neurologista da
AACD e APAE - Cotia, Coordenadora clínica APAE – Cotia,
Pesquisadora do Laboratório
de Distúrbios do Desenvolvimento - IP- USP
inclus ã o
Inclusão da pessoa com
deficiência no trabalho
Introdução
Segundo a Classificação Internacional de funcionalidade - CIF da Organização
Mundial de Saúde1, as deficiências correspondem a um desvio dos padrões populacionais geralmente aceitos no estado
biomédico do corpo e das suas funções.
Podem ser temporárias ou permanentes,
progressivas, regressivas ou estáveis,
intermitentes ou contínuas1.
Deficiência é o termo usado para
definir a ausência ou a disfunção de
uma estrutura psíquica, fisiológica ou
anatômica2. De acordo com a Associação
Psiquiátrica Americana, o conceito de
deficiência está ligado a incapacidade,
limitação, falta, falha, carência e imperfeição. As deficiências podem ser físicas,
sensoriais, mentais e múltiplas (associação de duas deficiências) 3.
As funções corporais são entendidas
como funções fisiológicas dos sistemas
corporais e as estruturas corporais são
partes anatômicas do corpo humano.
Portanto, as deficiências são problemas
nas funções ou estruturas corporais, como
exemplo, desvios significativos ou perdas1.
As deficiências podem ser parte de
uma condição de saúde, mas não indicam
necessariamente a presença de uma
doença4.
Fatores ambientais interagem com os
componentes das funções e estruturas
do corpo e de atividades de participação.
As incapacidades são consequências da
deficiência em termos de desempenho de
uma prática do indivíduo e são caracterizadas como o resultado de uma relação
complexa entre o estado ou condição de
saúde do indivíduo e dos fatores pessoais
externos, que representam as circunstâncias nas quais ele vive5.
Internacionalmente, os conceitos de
deficiência (impairment) e incapacidade
(disability) estão sendo associados ao de
desvantagem (handicap), que diz respeito
aos danos resultantes da deficiência e da
incapacidade de uma pessoa em relação
à outra e/ou ao meio no qual vive6.
A Deficiência Intelectual é uma
incapacidade caracterizada por importantes limitações, tanto no funcionamento
intelectual, quanto no comportamento
adaptativo. Esse conceito porém, é
de difícil precisão, pois pode variar de
acordo com as influências que esse
indivíduo sofre do meio no qual se estruturou 4. Está relacionado assim ao
funcionamento adaptativo, que se refere
a como o indivíduo enfrenta com eficiência, as exigências cotidianas assim
como o grau em que atinge os critérios
de independência pessoal esperados
quando comparados aos demais de
sua idade, bagagem sócio-cultural e
contexto comunitário. Objetivamente o
caracterizamos através de um quociente
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 3 • Maio • Junho de 2012
Julianna Di Matteo*
29
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 3 • Maio • Junho de 2012
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intelectual significativamente inferior a
média, com manifestações antes dos
dezoito anos 7,8.
O quociente de inteligência (QI) abaixo da média não necessariamente deve
ser considerado um critério definitivo
para que alguém possa ser diagnosticado
como uma pessoa com deficiência mental, pois, é preciso que essa limitação
esteja acompanhada de alterações em
pelo menos duas das chamadas áreas
de habilidades adaptativas: comunicação,
cuidado pessoal, vida doméstica, habilidades sociais, utilização de recursos da
comunidade, autodirecionamento, saúde,
segurança, desempenho acadêmico, trabalho e lazer.
Portanto, não basta a constatação
de um QI abaixo da média, é preciso que
se analise cada sujeito em particular, em
relação ao seu contexto de vida, suas
experiências e às exigências de seu meio
social9.
O termo transtorno mental descreve
qualquer anormalidade, sofrimento ou
comprometimento de ordem psicólogica
e/ou mental. Os transtornos mentais são
um campo de investigação interdisciplinar
que envolve áreas como a psicologia, a
filosofia, a psiquiatria e a neurologia. O
conceito de transtorno, implica um comportamento diferente, desviante, “anormal”, ou seja, fora da norma.
O Autismo é uma síndrome comportamental, também conhecido como um
Transtorno do Espectro Autista, que apresenta etiologias múltiplas e distúrbios do
desenvolvimento, caracterizados por déficits na interação social, observados através da inabilidade em relacionar-se com o
outro, usualmente combinado a prejuízos
na linguagem e no relacionamento, com
repertório de comportamentos restritos e
esteriotipados 7,8,10,11.
Características do Autismo também
são encontradas em outros transtornos
do desenvolvimento. Em decorrência
disso, foi descrito como um continum
autístico que varia de acordo com o grau
de comprometimento cognitivo 7,8,10,11
estando associado à deficiência mental
em 80 % dos casos 7,8,10,11.
Os casos de autismo que não
apresentam uma associação com a
deficiência mental, são chamados de
Síndrome de Asperger. A grande maioria
das pessoas com esse diagnóstico que
tem condições mínimas para o trabalho, pensando no mercado formal, são
aquelas com Síndrome de Asperger ou
as pessoas com Autismo que têm um
grau de deficiência mental associado
muito leve.
Podemos assim entender que,
o maior problema social enfrentado
por pessoas com deficiência, com
transtorno mental e autismo pode ser
o significado que essas definições
representam para o projeto de vida
do indivíduo. Em nossa sociedade
espera-se de todo ser humano normal
que cumpra com êxito os papéis pré-determinados socialmente. Podemos
citar como exemplo desses papéis,
esperados pelo senso comum, um lugar de destaque na profissão, um bom
casamento e uma família feliz e organizada. A questão é que esse mesmo
senso comum veta ou diminui muito
as chances deste “sucesso” para as
pessoas com deficiências, transtornos
e com autismo, ao defini-los como
coitados, incapazes, complexados, fracassados, enfim, àqueles que não con-
Da Integração à Inclusão
A palavra integração é muitas vezes
utilizada como sinônimo de coesão, unidade, equilíbrio, ajustamento e harmonia.
Mas não é sinônimo de homogeneidade
na sociedade e na cultura, já que a diferenciação é uma qualidade essencial das
relações sociais. A integração social não
apaga as diferenças, antes as coordena
e orienta.
Integrar-se é um caminho de mão
única: cabe à pessoa com deficiência,
transtorno e autismo modificar-se para
poder dar conta das exigências pré-estabelecidas pela sociedade na qual vive.
A palavra Inclusão, muito utilizada
nos dias de hoje, deriva do verbo incluir,
originada do latim incluire, correspondendo a inserir, introduzir, acrescentar ou
abranger. O termo se refere à conduta
de inserir alguém ou alguma coisa em
algum lugar.
Diferente da integração, a inclusão
é um processo pelo qual a sociedade se
adapta para permitir a participação das
pessoas em todos os seus setores, inclusive daquelas pessoas com deficiências
(PcD’s), e estas, por sua vez, se preparam
para assumir seus papéis na sociedade12.
Essa diferenciação terminológica
entre integração e inclusão demonstra-se
útil para que possamos compreender as
mudanças propostas no que se refere
ao tratamento dado às pessoas com
deficiência e/ou outras dificuldades no
mercado de trabalho. Uma vez que o
acesso destas ao mundo do trabalho é
um dos aspectos do processo de inclusão
social, importante por proporcionar às
pessoas condições para a satisfação de
suas necessidades básicas, a valorização
de si mesmas e o desenvolvimento de
suas potencialidades.
O conceito de inclusão social se faz
representativo com a existência de uma
sociedade inclusiva, ou seja, a sociedade
precisa adequar-se a todos os indivíduos
que fazem parte dela, respeitando as
diferenças e limitações de cada um13.
Nesta afirmação pode-se encontrar uma
das dificuldades a ser enfrentada por uma
pessoa com deficiência, a discriminação.
A existência da discriminação impede
qualquer tipo de igualitariedade, seja
ela acometida por preconceito, desconhecimento, desinteresse e negligência
governamental e privada, ou ainda, a
passividade de algumas pessoas com
deficiência, e que acabam por torná-las
incapazes de enxergarem-se como sujeitos de transformação da sua própria
realidade.
Vive-se em um tempo em que a inspiração pela eqüidade de direitos exerce o
papel de justiça social14, assim, qualquer
ação que insinue a busca por equiparidade é bem vista. Desse modo, deparar-se
com medidas paliativas, que refletem
apenas a aparência de benevolência, é
comum. A inclusão profissional da pessoa
com deficiência já é garantida legalmente,
vale ressaltar que isso ocorre não só no
Brasil como também em muitos outros
países, há uma série de leis que determinam o direito de adesão ao mercado de
trabalho por pessoas com deficiência, o
que vem a ser um passo muito importante
para a inclusão social. É indispensável
citar a lei nº 8.213, de 1991, conhecida
como Lei de Cotas, na qual determina, de
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 3 • Maio • Junho de 2012
seguem atingir os objetivos propostos
pela cultura estabelecida pela maioria.
29
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 3 • Maio • Junho de 2012
30
acordo com o artigo 93, uma porcentagem mínima de pessoas com deficiência
que devem ser contratadas por uma empresa, referente ao número total de seus
colaboradores (a lei é aplicada somente a
empresas que excedam o número de 100
colaboradores, e a porcentagem varia
12
de 2 a 5% do total de colaboradores) .
Há também a lei nº 10.098, de 2000,
que define as normas e critérios básicos
para a promoção de acessibilidade das
12
pessoas com deficiência .
Regulamentando a lei de cotas, existem os decretos 5.296 de 2004 e 3.298
de 1999, que definem o que é deficiência
de acordo com a legislação brasileira.
Nessas definições, encontramos algumas
incongruências do que clinicamente é
considerado deficiência quando comparado com a legislação. Para citar um
exemplo, deficiência auditiva leve não é
considerada deficiência pela legislação
brasileira.
Os transtornos mentais e autismo
também não são considerados como
deficiência, a menos que a pessoa que
tenha um desses diagnósticos tenha
associado alguma deficiência de acordo com as definições legais. No caso
específico do autismo, 80% dos casos
diagnosticados podem ser considerados
também como deficiência de acordo com
a lei em decorrência com a correlação
com a deficiência mental.
Contudo, a legislação não terá papel
efetivo se não vier acompanhada pela
mudança do comportamento social.
Para ilustrar a importância do comportamento social no processo inclusivo,
basta observar a inclusão fundamentada
apenas no cumprimento legal, na qual
a pessoa com deficiência é empregada
como único intuito de adequar a empresa
à legislação; já que a função que será
exercida pela pessoa com deficiência não
é avaliada quanto às suas potencialidades, pois, muitas vezes, acaba, simplesmente, ocupando um lugar na empresa e
nada mais. Além disso, é preciso que os
colegas de trabalho tenham a consciência
das capacidades profissionais da pessoa
com deficiência, e não entendam que a
sua presença entre os mesmos deve-se apenas ao cumprimento da lei – “os
colaboradores das empresas precisam
saber que as pessoas com deficiências
não estão ali, simplesmente, para que as
instituições se adaptem à legislação. Não
são vasos de samambaia, que se coloca
15 .
onde quer”
Outro processo inclusivo errôneo é
o que assume papel de caridade, nesse
exemplo, tem-se uma “super-proteção”
à pessoa com deficiência. Vale lembrar,
que ao se falar em equipariedade de
valores, aborda-se todos os aspectos,
inclusive o de julgar como bom ou ruim
o trabalho executado pela pessoa com
deficiência, dando a empresa o direito de
empregá-lo ou não – “a lei é fundamental,
sim, mas as pessoas com deficiências
devem ser recebidas por sua qualificação,
em condição de igualdade com as outras.
Tem que haver equiparação profissional,
caso contrário, a pessoa fica numa em15
presa só por pena.”
Como se nota, a inclusão profissional
é um processo que depende não apenas
da aprovação de leis. Vai muito além,
há a necessidade de cursos profissionalizantes, voltados para a capacitação
de pessoas com deficiência, empresas
interessadas e comprometidas com a
adesão dessa mão de obra, projetos e
Trabalho e Identidade
O trabalho é parte integrante da vida
das pessoas, seja este remunerado ou
não, pois vivemos em uma sociedade em
que o trabalho possibilita a construção de
uma identidade, não apenas profissional,
como também pessoal, além de ser meio
de reconhecimento e valorização social
17,18
.
Pense na questão “como as pessoas se apresentam para quem não
as conhece?”. É bem provável que a
maioria das pessoas diga a profissão,
ou o local de trabalho. Pode ser até
que ela faça isso antes de dizer se é
parente de alguma pessoa importante
e/ou conhecida, de dizer sua religião
ou sua cidade. Na grande maioria das
vezes as pessoas se apresentam dizendo qual sua profissão ou o que faz no
trabalho antes de dizer que é casada
ou que tem filhos. Isso se dá pela conjuntura social atual. Nossa carreira tem
ocupado lugar de destaque em relação
ao nosso desejo de reconhecimento:
como impressionar alguém que não me
conhece? Dizendo quantos filhos tenho
ou dizendo no que sou formado?
Devemos entender que o trabalho
faz parte da vida, já que o que faz uma
pessoa trabalhar são fatores como necessidade econômica, necessidade de
financiar lar, família, educação e lazer, e,
principalmente a necessidade da elaboração de uma identidade, dando ao sujeito
sentimento de objetivo e estrutura.
Aquele que trabalha passa a ser
integrante daquilo que chamamos “vida
adulta”, pois nossa realidade define
uma concepção do que é ser membro
de uma sociedade adulta: para ser parte
da sociedade, é preciso ser membro
produtivo dela e isso quer dizer trabalhar, produzir riqueza, pagar impostos,
consumir. Aquele que, por um motivo
qualquer, não se encaixa nesse esquema
produção-consumo, é relegado à condição
de marginalidade18.
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 3 • Maio • Junho de 2012
verbas públicas e privadas, para que o
direito de todo e qualquer cidadão, possa
ser efetivamente cumprido; pois cada
cidadão, independente de suas particularidades, é antes de tudo um ser humano.
Não se esquecendo que nada disso será
possível senão houver antes, a conscientização tanto da sociedade quanto da
própria pessoa com deficiência – “Existe
uma dificuldade de ver as pessoas com
deficiências como detentoras de quaisquer direitos, como sujeitos de todos os
direitos. Quando se enxerga isso, facilita
a percepção de que elas também têm o
12
direito ao trabalho, como eu e você” .
Há que se olhar além da deficiência e
próximo do respeito.
O trabalho é reconhecidamente
importante veículo de inclusão social e
exercício de cidadania16, por ter um papel
na identidade de cada pessoa.
Da mesma forma como acontece
com as pessoas com deficiência, poucas
oportunidades são oferecidas àqueles
com transtornos mentais e autismo.
É evidente que, o trabalho fornece
não somente a recompensa monetária,
mas, também, benefícios não financeiros,
que incluem o sentimento de identidade
e o desenvolvimento de oportunidades,
além de uma sociedade mais consciente.
Desta forma, é difícil, dentro de uma
estrutura social existente, falar em inclusão social sem falar em trabalho.
29
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 3 • Maio • Junho de 2012
30
A concepção do trabalho, o sentido
a ele atribuído sofreu, porém, várias modificações ao longo da história.
Para os romanos, a palavra trabalho
significava dor, sofrimento. Deriva do latim, tripalium, que era um instrumento de
tortura. Na Grécia, da mesma forma, o trabalho não era valorizado. Era associado à
satisfação das necessidades básicas do
homem (vestir-se, alimentar-se, produzir,
comerciar) e por esse motivo era relegado
aos escravos19.
Na Idade Média, o trabalho continuou
sendo considerado uma atividade pouco
nobre, uma vez que os realmente nobres
não deveriam trabalhar.
O século XVIII, entretanto, assistiu a
uma mudança essencial na concepção
do trabalho.
Esta relação homem-trabalho, a dimensão transformadora do trabalho em
relação à natureza e ao próprio homem,
foi apreendida por Karl Marx, que afirmou ser o trabalho, em primeiro lugar,
um processo em que ambos, o homem
e a natureza, participam, e no qual o homem, de sua livre vontade, inicia, regula
e controla as relações materiais entre si
próprio e a natureza [...] logo, ao atuar no
mundo externo e ao modificá-lo ele muda,
ao mesmo tempo, a sua própria natureza.
Desenvolve as suas forças adormecidas
e compele-as a agir em obediência ao
seu poder19.
Ao afirmar que o trabalho cria o homem, e, por força da dialética, que o homem cria a si mesmo pelo trabalho, Marx
provoca uma reavaliação do trabalho, que
até então fora uma atividade desprezada,
conferindo-lhe nova dignidade20.
Com a mudança conceitual do
significado do trabalho, este passa a
exercer um papel de identificação para
as pessoas que fazem parte de uma
sociedade.
A identidade está intimamente ligada
à saúde e ao sofrimento mental. Isso se
dá pelo nosso desejo de sermos reconhecidos pelos grupos a que pertencemos
como iguais e, ao mesmo tempo, como
únicos, e o não-reconhecimento desses
desejos muitas vezes pode ser determinante de um sofrimento mental. Por isso,
sentimo-nos tão mal quando somos reduzidos a apenas um dos grupos – caso do
preconceito, por exemplo. Essa redução
nos leva a uma sensação de massificação, de que somos apenas mais uma
sombra na multidão, uma estatística.
Por isso, a identidade é um conceito
central para a saúde mental e vários estudos indicam que perder a identidade,
de qualquer uma das duas formas explicitadas acima, pode levar a um quadro
psicopatológico severo.
Conforme dito anteriormente, a categoria trabalho se tornou um grande
foco de nossa sociedade, ocupando um
lugar simbólico dificilmente desprezado.
A data histórica desse foco é a Revolução
Industrial e todos os paradigmas sociais
que foram construídos a partir de então.
Em decorrência disso, a partir do
século XX, começaram a aparecer estudos relacionando o trabalho com a
saúde mental. Desde 1927 é possível
levantar bibliografias sobre psiquiatria
ocupacional.
Além do vínculo com a identidade, o
trabalho também se relaciona com questões como a segurança e a estabilidade.
A pessoa com deficiência, transtorno
mental e/ou autismo, além de ser estigmatizada pelas suas próprias característi-
Considerações
A Inclusão Profissional é apenas um
dos aspectos da Inclusão Social, que
abarca uma cadeia de comportamentos,
situações e condutas muito complexas
e que dependem não só de uma ou de
um conjunto de pessoas, mas sim de um
movimento maior em sociedade.
Inclusão é uma atitude, uma convicção. Não é uma ação ou conjunto delas.
É um modo de vida fundado na convicção
de que cada indivíduo é único e pertence
a um grupo20.
Historicamente, nossa sociedade
foi privada de conviver e conhecer os
potenciais que podem ter tanto as pessoas com alguma deficiência, bem como
pessoas com transtornos mentais e /ou
autismo. Todas essas pessoas vivenciaram processos de exclusão, advindos
num primeiro momento do próprio núcleo
familiar, pois muitas vezes a família exerce um papel super protetor, evitando o
convívio social, com receio da exposição
ao preconceito.
Nas últimas décadas, temos vivenciado o início de uma grande mudança
de comportamento social, onde toda a
sociedade é levada a refletir sobre o conceito de inclusão, responsabilidade social
e respeito à diversidade. Esse início de
mudança surgiu acompanhado de medidas legais onde através da imposição, um
dos exemplos é a lei de cotas, o segundo
setor teve que ceder e abrir suas portas
para a contratação de pessoas com deficiência. Com esse movimento, foi possível observar exemplos de superação e o
início de quebra de paradigmas.
Porém, o caminho é longo e conforme dito anteriormente, a Inclusão Profissional é apenas um dos aspectos da
Inclusão Social. Antes de pensarmos em
incluir uma pessoa com deficiência em
um trabalho, é necessário saber o que
essa pessoa quer, qual o significado de
trabalho para ela, e o que, para ela, significa Inclusão, ou estar de fato incluída.
Hoje no estado de São Paulo, existem
mais de 100 mil pessoas com alguma
deficiência, trabalhando registradas em
alguma empresa. Dessas pessoas, 43%
tem deficiência física, 36% deficiência
auditiva, 10% são reabilitados do INSS,
6% tem deficiência visual, 4% com diagnóstico de deficiência intelectual e 1%
com deficiência múltipla. Não existem
dados parametrizados sobre a colocação
de pessoas com autismo e transtornos
mentais porque essas não estão previstas em lei de cotas.
O mercado de trabalho é exigente
quanto a resultados e por isso, acaba
absorvendo mais em seu quadro de
colaboradores àquelas pessoas cujas
deficiências não afetem diretamente seu
desempenho cognitivo, nem tão pouco
seu relacionamento interpessoal, ou
seja, pessoas com deficiências físicas,
auditivas e visuais, têm maior chance no
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 3 • Maio • Junho de 2012
cas, acaba sendo isolada do meio social
em que vive por não ser considerada
como um adulto produtivo em potencial.
A necessidade de se criar mecanismos de acesso das pessoas com deficiências, com autismo ou transtornos ao
mercado de trabalho se fundamenta no
principio do reconhecimento da diversidade na vida em sociedade, o que garantiria
o acesso de todos os indivíduos às oportunidades independentemente de suas
peculiaridades.
29
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 3 • Maio • Junho de 2012
30
mercado de trabalho do que uma pessoa
com deficiência intelectual, autismo ou
com transtorno mental. As barreiras arquitetônicas são muitas e de conhecimento
público, porém as barreiras atitudinais
são ainda maiores.
Como forma de desenvolver o potencial laborativo das pessoas com
dificuldades em conseguir um trabalho
remunerado, Organizações não Governamentais e Entidades Filantrópicas
oferecem programas de Habilitação e
Reabilitação Profissional, bem como Capacitação Profissional.
Em decorrência da fiscalização da lei
de cotas nas empresas, muitas pessoas
com deficiências já estão contratadas
mas muitas vagas encontram-se ainda
abertas e a justificativa das empresas
é a falta de qualificação do profissional
com deficiência. Por isso existe hoje um
grande investimento das empresas em
capacitação profissional. A capacitação
profissional visa desenvolver habilidades
específicas, técnicas e profissionalizantes
básicas para as pessoas com deficiência.
Há ainda uma modalidade de alternativa de trabalho prevista no decreto
3298, o trabalho apoiado, pouco praticado no Brasil, mas que se configura
como uma saída interessante para uma
inclusão mais assertiva, principalmente
para pessoas com deficiência intelectual,
transtornos mentais e autismo.
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11.Cucolicchio, S., Di Matteo, J., Paicheco,
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19.Bendassalli, P.F., Trabalho e identidade em
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20.Peterson, P.J. Inclusão nos Estados
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capacitação de professores. Rev. Bras.
Ed. Esp. Marília, 2006. vol.12, n 1, p.3-10.
*Julianna Di Matteo, Psicóloga Clínica, graduada em
Psicologia pela Universidade
São Judas Tadeu. Especialista
em Terapia Cognitivo Comportamental pela Universidade de
São Paulo. Atua na área, com
experiência na Reabilitação
Clínica e Profissional, bem como na Capacitação, Inclusão e Aprendizagem de Pessoas com Deficiência.
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 3 • Maio • Junho de 2012
R., et al. Correlação entre as escalas
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Ver. Med. Reabil. 2010. 29(1).
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29
de m ã e , pra m ã e
A terapia do abraço
Cristina de Freitas Cirenza*
Por Leandra Migotto Certeza**
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 2 • Março • Abril de 2012
Neste espaço pais e pessoas com a síndrome relatam um pouco sobre
suas experiências de viver com suas singularidades em uma sociedade
ainda pouco inclusiva. São exemplos de pessoas que já conseguiram alcançar muitos objetivos graças à força de vontade, mas ainda enfrentam
muitos desafios para realizarem seus sonhos; assim como a maioria dos
seres humanos sem deficiências. É uma oportunidade para os leitores
conhecerem um pouco mais sobre a diversidade.
38
Muitas vezes sinto que “a terapia do abraço”,
uma boa conversa nos momentos mais críticos, onde mais se ouve do que se fala, faz
mais efeito do que qualquer outra terapia.
Meu filho mais novo se chama Luca
Cirenza, tem 12 anos de idade, está no
8º ano do Ensino Fundamental e o que
gosta mesmo de fazer é praticar esportes.
O seu preferido é o tênis, embora goste
de futebol, handball e de jogar ping-pong.
Ele sempre foi uma criança amorosa, sensível, preocupada com os sentimentos
dos outros. O fato de ter a Síndrome de
Quando certa vez meu filho me perguntou por
que Deus não o fez como os demais meninos,
eu lhe respondi: “Porque você dá conta!”. E é
nisso em que acredito.
Quando certa vez meu filho me perguntou por que Deus não o fez como os
demais meninos, eu lhe respondi: “Porque você dá conta!”. E é nisso em que
acredito. Ele vai dar conta. Ele vai ser o
que quiser na vida, e não há síndrome
ou transtorno que vá impedi-lo! E eu vou
estar ao seu lado, para aplaudir. Tenho
feito tudo o que está ao meu alcance
para tentar aplacar a dor diária do meu
filho. Muitas vezes ouço dele a seguinte
frase: “não sei o que seria de mim sem
você”. Acho que isto sinaliza que estou
no caminho certo.
Mas na verdade, não tenho certeza
do seu futuro e do quão mais difícil as
coisas possam ficar. Em especial quando
a adolescência chegar, e com ela, aos
problemas já tão difíceis para o jovem
lidar, somarem-se estes que ele tem
devido à síndrome. Como será quando
ele se apaixonar? Necessitar revelar aos
amigos e conhecidos a sua condição?
Enfrentar as pressões do vestibular e do
trabalho? E quando se casar seus filhos
terão a síndrome? Enfim, estas são pre-
ocupações de mãe que deseja ver o filho
encontrar o seu caminho e ser feliz. Uma
coisa eu sei: ele poderá sempre contar
comigo; estarei sempre pronta para ouvir,
acalentar, amparar e apoiar, para que
sofra o menos possível.
O momento da descoberta e a
convivência com a síndrome
Quando cursava o 5º ano, aos 9
anos, ele passou a apresentar sintomas
de T.O.C – Transtorno Obsessivo Compulsivo. A primeira psiquiatra que o examinou
logo diagnosticou o transtorno, e iniciou o
tratamento à base de remédios e terapia.
O tratamento dele sempre foi realizado
na rede particular de saúde, mas creio
que de início nem foi uma vantagem.
Isso porque não houve nem a suspeita
da existência deste outro distúrbio, que
hoje sabemos se chamar S.T – Síndrome
de Tourette, uma co-morbidade freqüente
para quem tem T.O.C; e cujos efeitos
do remédio a ele administrados foram
maléficos em razão de um diagnóstico
incompleto.
Como ele não melhorava, ao contrário, (passou a desenvolver tiques mais
acentuados e a dormir muito mal), resolvi
buscar na internet informações sobre o
T.O.C., o que me levou a existência do
PROTOC, um projeto do Hospital das
Clínicas (serviço público), e à atual psiquiatra que o acompanha. Já na primeira
consulta ela apontou para a possibilidade
da Tourette, o que seria confirmado após
menos um ano de sintomas constantes,
ainda que com algumas interrupções. O
diagnóstico foi confirmado após doze meses, e hoje ele toma medicamentos para
o T.O.C. que não pioram o quadro da S.T.
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 2 • Março • Abril de 2012
Tourette e desenvolver o TOC – Transtorno
Obsessivo Compulsivo, em um primeiro
momento causou uma angústia sem fim
e me tirou o chão. Mas ele tem me ensinado que as pequenas conquistas são
as mais valiosas, e que ser diferente não
significa ter uma espada na cabeça que
determine a sua infelicidade. Ao longo do
tempo ele nos fez seres humanos mais
generosos, solidários e participativos.
39
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 2 • Março • Abril de 2012
40
O grau da S.T. dele é bem leve. Isso
não quer dizer, que seja fácil conviver
com ela. Imagine você tendo soluços todos os dias de sua vida. Nas horas mais
impróprias ou indesejadas. De maneira
que você não possa controlá-los, quando
começam ou quando terminam. É mais
ou menos assim que um portador desta
síndrome se sente. Devido ao grau leve
da síndrome, ele tem tiques pouco perceptíveis aos outros, embora em determinados momentos não seja assim, vindo
a incomodar também aos que dele se
cercam. Piscar os olhos, virar a cabeça,
levantar o ombro, engolir em seco, estalar
a língua, fungar, pigarrear, fazer caretas,
são os mais comuns e os que passam
mais despercebidos. No final de um “dia
ruim” como ele chama, o pescoço dói
tanto que já foi preciso administrar um
relaxante muscular para aplacar a dor.
O nariz chega a sangrar. Então, não é
agradável passar por isso, ainda que se
reconheça que as formas mais graves
trazem prejuízos ainda maiores, sobretudo do ponto de vista do convívio na sociedade, porque a pessoa emite um som
‘esquisito’, que pode se assemelhar ao
de um animal; também repete palavras,
pula, gira, levanta os braços ou pernas,
balança o tronco para frente, e faz gestos
fora de contexto.
Luca ainda não revelou a qualquer
amigo ou colega que tem a síndrome ou
que tem T.O.C. As crianças nesta idade
costumam ser muito cruéis. Ele também
não quer, como qualquer outro pré-adolescente, ser diferente do seu bando. Então
ele disfarça, fala que está ansioso; pede
para ir ao banheiro (quando está em sala
de aula), e em determinados momentos
não consegue esconder os tiques, sendo
alvo de comentários do tipo “você é louco”. Para justificar que faz prova fora da
sala de aula, ele diz que tem déficit de
atenção, o que para os colegas da escola
é facilmente compreendido e aceitável
hoje em dia.
Em relação a garotas, somente agora
está começando a se interessar. Já faz
muito sucesso com as meninas, porque
é um garoto bonito, alto, magro, de olhos
claros e temperamento tranqüilo; mas
ainda está ligado mais à bola, seja a de
tênis ou a do futebol!
Desafios dos tratamentos, medicamentos
e terapias
A S.T. tem períodos cíclicos, de melhoras e pioras. Já usamos muitos medicamentos que mais trouxeram malefícios do
que benefícios. Como ele joga tênis com
freqüência, inclusive disputando campeonatos estaduais, os remédios têm grande
impacto no seu rendimento físico. Muitos
causam sono, moleza, e dor de cabeça.
Já tentamos todos os remédios nacionais
e até um importado (Guanfacina, que não
é fabricada no Brasil), mas sem sucesso. Então, simplesmente, abandonamos
os medicamentos para a Síndrome de
Tourette. E em momentos mais tensos,
há medidas paliativas que melhoram os
sintomas/tiques. Massagens, controle da
respiração, fuga de situações de estresse
intenso, lazer prazeroso, tudo isso vem
tendo um impacto positivo.
Mas há que se ter muita paciência
até achar o medicamento que mais convém, diante do quadro de cada um (como
disse, muito comumente a S.T. vem
acompanhada de co-morbidades, como
TOC, déficit de atenção, transtorno bipolar
maior problema é a falta de informação
e formação da área médica de recursos
para o tratamento ideal. A área de saúde
pública não está, definitivamente, preparada para lidar com os portadores desta
síndrome. Não conhecem, não oferecem
tratamentos, e há poucos remédios que
se sabem ser eficazes na contenção dos
tiques, além de serem muito caros.
A importância do apoio familiar
Desde o início eu nunca escondi da
família o que o Luca tem. Falo abertamente, porque o preconceito começa em casa
e se combate com informação. Como resultado de aceitar nosso filho como ele é
só recebemos manifestações de carinho
e compreensão. Aos adultos, amigos ou
colegas de trabalho, a reação foi sempre
a mesma: apoio incondicional. A família o
vê como qualquer outro integrante, nem
mais nem menos complacente. E acho
isso ótimo! Não quero ninguém com pena
do meu filho!
Como resultado de aceitar nosso filho
como ele é só recebemos manifestações
de carinho e compreensão.
Na minha vida não há nada, nada
mesmo, mais importante do que os meus
dois filhos. Eles são o meu maior projeto
de vida. Meu maior orgulho. Mas sempre
penso em quão não preparados os pais
estão para lidar com um filho que tenha
algum tipo de dificuldade, seja motora,
psicológica ou neurológica. E o quão difícil
é a descoberta, a aceitação e o enfrentamento. Porque tudo o que um pai e/ou
mãe quer para o seu filho é que ele seja
feliz. Ajudá-lo a perceber que esta dificuldade não o impedirá de buscar e alcançar
os seus sonhos é o nosso maior desafio.
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 2 • Março • Abril de 2012
entre outros), além da dose adequada. É
preciso sempre ter paciência; não só porque o remédio demora a fazer efeito, (no
caso do nosso filho cerca de 6 a 8 semanas), mas também porque sempre vem
acompanhado de algum efeito colateral.
Então, não dá para trocar “seis por meia
dúzia”; o ideal é mesmo ir modificando o
remédio sempre que necessário.
Atualmente meu filho toma o antidepressivo Lexapro, e um remédio para
pressão (o Inderal), que evita a dor de
cabeça provocada pelo Lexapro. Embora, seja um antidepressivo, não é usado
porque ele tenha depressão, mas para o
T.O.C. Ela também não está fazendo uso
de remédios para os tiques, que estão
bem controlados no momento.
E o esporte é fundamental para esta
melhora porque traz a endorfina natural
ao corpo, relaxa a musculatura na hora
de dormir, e põe para fora todas as tensões. Agradeço a Deus ao fato dele gostar
tanto de esporte, que tem um papel de
coadjuvante no tratamento do meu filho.
Faz bem para o corpo, para a cabeça,
e aumenta a auto-estima. Fica aqui um
conselho aos familiares que passam por
situação semelhante: introduzam as modalidades esportivas aos seus filhos com
a síndrome e invistam naquela de que ele
mais gosta: vai ajudar muito!
A área de saúde pública não está,
definitivamente, preparada para lidar com
os portadores desta síndrome.
Há pouquíssimos médicos especializados na síndrome de Tourette no
Brasil. Isto é outra dificuldade, porque
muitos que não são da área da psiquiatria sequer ouviram falar do transtorno.
Então, são incapazes de diagnosticar e
encaminhar para tratamento adequado. O
41
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 2 • Março • Abril de 2012
42
Como ele ainda é uma criança, não tem
os recursos emocionais para enxergar a
situação desta maneira; daí a importância
da aceitação dos pais, do apoio incondicional, do conforto emocional que isso
proporciona, e do suporte da terapia.
O pai do Luca é muito presente, amigo, e muito pai também! Não deixa de
dar bronca, colocar de castigo e punir se
ele erra. Não é porque nosso filho tem
dificuldades extras que pode fazer o que
bem entender. No começo meu marido
sofreu muito, tenho certeza. Mas, como
eu, tenho falado a respeito da síndrome
com amigos e familiares e recebido apoio,
a dor dele diminui. Ele sempre vai às consultas do Luca com a médica, participa
da terapia quando chamado; e freqüenta
um grupo de apoio a familiares promovido
pela ASTOC; e na medida da sua capacidade tem mudado o seu jeito de ser para
com o filho. Antes o Luca se ressentia
muito da sua maneira dura de ser. Hoje,
meu marido é mais compreensivo, mais
aberto para falar de seus sentimentos,
e apóia o filho em todas as situações.
Também o estimula a não ver a S.T. como
um empecilho em sua vida e se mostra
otimista em relação ao seu futuro.
Como ‘driblar’ o preconceito e a
discriminação
Meu filho tem uma irmã mais velha,
que não apresenta nenhuma síndrome. A
diferença de idade entre os dois é bem
grande, cerca de 7 anos. Eles brigam bastante, como qualquer família, mais ainda
porque um tem muito ciúme do outro. Eu
procuro deixar a S.T. de lado, ao administrar o conflito dos dois, raramente falo
nisso, para não colocá-lo numa posição
superprotegida e lhe dar um “passaporte”
de condescendência.
Houve momentos em que tive que
conversar com a minha filha mais velha
de 19 anos; e dizer para ela pegar leve,
para relevar, que a situação não estava
boa e que ela podia sim aliviar. Gosto
muito de um ditado que diz: “Quem ama
sociedade, as pessoas ainda geralmente
julgam mal o portador da síndrome, por
um lado achando que em razão de ter
consciência do que está fazendo só usa
para chamar a atenção; (muito freqüente
com crianças); e por outro lado, por vê-la
como “louca” em razão de comportamentos tão bizarros. Acredito que todo
o portador da ST sofre muito, porque ao
contrário da esquizofrenia e outras doenças mentais, ele tem total consciência
que seus comportamentos são de fato
bizarros, mas não consegue controlá-los.
Inclusão escolar é a base para a qualidade
de vida
O meu filho sempre estudou em
escola regular e quando foi descoberto
que era portador da Síndrome de Tourette também. Hoje ele está cursando uma
das melhores escolas de São Paulo, e
embora conte com um auxílio extra-aula,
(na forma de reforço), acompanha normalmente a sua turma. Ele gosta muito da
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 2 • Março • Abril de 2012
alivia”. Então, se não quero que vejam
meu filnho como coitadinho, nem que se
esconda atrás de seu transtorno, como
um passe livre para tudo o que fizer de errado. Eu sei por outro lado, que há coisas
que acontecem em razão de ele não estar
suportando a pressão. Conosco, pessoas
sem a síndrome, não é diferente. Quantas vezes não estouramos com a pessoa
errada, falamos o que não queremos,
simplesmente porque estamos muito
estressados? Então, procuro fazer minha
filha entender e relevar. Mas sempre falo
isso longe dele, numa conversa particular
que tem dado resultado.
Mas na escola o Luca já vivenciou
problemas de discriminação, (a ponto
de sair da primeira em que estudou,
quando de início ele apresentou sintomas
do T.O.C., com a realização de rituais),
não por parte dos professores, mas dos
colegas. E na escola atual os episódios
foram esporádicos, com colegas que não
o conhecem direito, de outras classes,
o que já o chateou bastante. Porém, na
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SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 2 • Março • Abril de 2012
44
escola. Toda a equipe desde que soube
que ele tem a ST continua fazendo todos
os esforços para que ele se sinta bem,
tanto do ponto de vista do aprendizado,
como do convívio com os demais alunos
e professores.
As suas dificuldades de aprendizagem
ocorrem por conta da dispersão na sala
de aula, no momento em ele desvia a sua
atenção para a contenção dos tiques, motores ou vocais. Além disso, o transtorno
obsessivo compulsivo (que se manifesta
na forma de pensamentos ruins), também
tira a atenção, ainda que momentaneamente, da aula que está sendo dada.
Isso deixa alguns “vazios de conteúdo”,
que em aula particular são retomados.
Mas tive muita sorte, com os professores
particulares que o auxiliam, um dos quais
indicados pela própria escola. São seres
humanos especiais que fazem toda a diferença para o sucesso dele.
Outra dificuldade o Luca enfrenta
é na hora da prova, pois muitas vezes,
por conta da ansiedade e nervosismo,
(comum a qualquer aluno que faça um
teste), os tiques e pensamentos intrusivos aumentam, e ele leva mais tempo
para terminá-las. Por este motivo, ele
faz as provas mais longas em separado,
assim não tem a preocupação extra de
esconder dos colegas os tiques e tampouco a pressão de terminar a prova em
tempo pré-determinado. O que é curioso,
muitas vezes é que ele termina a prova
no mesmo tempo que os colegas.
É muito importante contar com esta
preciosa colaboração da escola, que enxerga a situação como ela é, não concedendo um privilégio, mas sim, oferecendo
ao meu filho as mesmas condições que
qualquer aluno para mostrar o conheci-
mento que adquiriu. Reconhecer que ele
tem que ter esse conforto é colocá-lo em
igualdade de condições, e não ao contrário, como pode acontecer à primeira
vista. É importante ressaltar que se a
escola em quem os filhos com síndromes
estudam não oferece este suporte, não
vale à pena insistir para que o faça; e é
melhor procurar outra escola, que esteja
interessada em entender e apoiar.
É importante ressaltar que se a escola em quem os filhos com síndromes
estudam não oferece este suporte, não
vale à pena insistir para que o faça; e é
melhor procurar outra escola, que esteja
interessada em entender e apoiar.
Porém, para mim foi uma grata surpresa ouvir da coordenadora que esta escola estava preparada; que havia outros
alunos com características semelhantes
(embora não iguais), e que isso não seria
um problema para eles. Teria sido mais
fácil dizer que eu deveria procurar outro
lugar, afinal é uma escola que tem uma
longa lista de espera de alunos interessados em nela ingressar e que obtém
sempre os primeiros lugares na avaliação
anual conhecida por ENEM. Mas não
foi isso o que aconteceu, o que nos faz
admirar a direção da escola ainda mais.
União e a troca de experiências são
fundamentais
Foi um alívio poder falar do que estava sentindo e ouvir o relato de outros pais
e portadores, em situação semelhante,
pior ou melhor do que a nossa.
Na fase mais aguda do transtorno,
aquela em que só de lembrar eu começava
a chorar (e parecia não conseguir deixar de
lembrar o dia todo), eu precisava encontrar
*Cristina de Freitas Cirenza
é Formada em Direito pela
PUC SP (1986); Mestre em
direito processual pela USP
(1993) e Procuradora do
Estado – Procuradoria Geral
do Estado desde 1990. Na
PGE trabalhou na Procuradoria
de Assistência Judiciária e na Procuradoria Judicial,
além da Consultoria Jurídica, onde esta atualmente
lotada. Foi eleita Secretária Geral da APESP (Associação
dos Procuradores do Estado de São Paulo) no biênio
2008/2010 e Diretora Financeira no biênio 2010/2012.
Também foi bolsista do Instituto Humphrey nos EUA
em parceria com a comissão Fulbright, em 1998/99. É
associada da ASTOC desde 2011. Mensagem aos leitores
Para quem não sabe se o filho é
portador, o primeiro conselho que dou é
procurar um ou mais especialistas para
um diagnóstico preciso. Quanto antes os
tratamentos se iniciam, menos se sofre e
há maiores condições de remissão (desaparecimento dos tiques). Os familiares
precisam prestar atenção a qualquer sinal
(ainda que só um piscar de olho insistente, como foi com o meu filho, aos 4 anos
de idade); ouvir os especialistas; e fazer
um tratamento psicoterápico e medicamentoso que é muito importante. Mas,
acima de tudo, ouça o seu coração. Mais
do que os médicos, cada mãe sabe tudo
que o seu filho precisa. Muitas vezes
sinto que “a terapia do abraço”, uma boa
conversa nos momentos mais críticos,
(onde mais se ouve do que se fala), faz
mais efeito do que qualquer outra terapia.
Só isso acalma, faz a angústia passar e
o otimismo voltar.
**Leandra Migotto Certeza é
jornalista e repórter especial
da Revista Síndromes. Ela tem
deficiência física (Osteogenesis Inperfecta), é assessora
de imprensa da ABSW, consultora em inclusão e mantém
o blog “Caleidoscópio – Uma
janela para refletir sobre a diversidade da vida” - http://
leandramigottocerteza.blogspot.com/. Conheçam os
modelos de palestras, oficinas, cursos e treinamentos
sobre diversidade, realizados em empresas, escolas,
ONGs, centros culturais e grupos de pessoas no site:
https://sites.google.com/site/leandramigotto/
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 2 • Março • Abril de 2012
um lugar com pessoas que estivessem
passando pela mesma situação que eu. A
médica do meu filho nos recomendou procurar a ASTOC – Associação dos Portadores do Transtorno Obsessivo-Compulsivo
e da Síndrome de Tourette. Foi um alívio
poder falar do que estava sentindo e ouvir o relato de outros pais e portadores,
em situação semelhante, pior ou melhor
do que a nossa. Isso nos mostrou que
havia luz no fim do túnel, nos confortou,
nos orientou e continua a nos ajudar. Por
meio da associação temos tido condições
de apoiar ainda mais o nosso filho, por
meio das informações que recebemos,
a orientação dos psicólogos voluntários,
e até pelo conselho dos portadores que
comparecem à reunião. Penetrar neste
mundo de quem vive com a síndrome
não é fácil. Pois, nem mesmo o nosso
filho às vezes se sente confortável para
falar tudo, expor todos os sentimentos. E
temos tido esta noção por meio do relato
dos que lá comparecem. Isso nos ajuda a
nos prepararmos para lidar com ele e com
as situações diversas que se apresentam.
45
arti g o do leitor
Problemas urinários na Síndrome
de Williams Beuren
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 3 • Maio • Junho de 2012
Zein Mohamed Sammour* E
Simone Nascimento Fagundes**
46
A síndrome de Williams-Beuren é uma
condição genética resultante de uma anormalidade, denominada deleção, localizada
no cromossomo 7 (Ewart et al., 1993,
Osborne, 1999). Caracteriza-se por um
conjunto de alterações físicas, incluindo
fácies típico, anomalias cardiovasculares
congênitas, atraso mental e manifestações gênito urinárias.
Trata-se de uma doença rara, com
ocorrência de 1:20.000 até 1: 50.000
nascidos vivos (Borg et al 1995). Na
grande maioria das vezes, as crianças
com esta doença são geradas por pais
saudáveis. O gene responsável pela
produção da proteína elastina presente
em grande parte das células corpo humano, esta comprometido nas pessoas
com Síndrome de Williams (Lowery et
al, 1995). Assim, todos os órgãos que
possuem elastina podem ser envolvidos
nesta doença.
Para saber se uma criança é afetada
pela síndrome de Williams, é necessária
uma consulta com médico pediatra ou
geneticista. Em alguns casos, as anormalidades são tão evidentes que somente
uma consulta já é o suficiente para confirmar a doença. Em casos duvidosos, alguns exames de sangue poderão auxiliar
e estabelecer o diagnóstico.
A síndrome de Williams apresenta-se com uma variedade muito grande de
sintomas e entre as características mais
marcantes além das descritas acima,
podemos citar personalidade amigável,
baixa estatura, doenças renais, miopia
e outras alterações oculares, contraturas musculares, comprometimento da
marcha e principalmente incontinência
urinária (Lowery et al, 1995)
Os problemas urinários são muito
comuns nas crianças com esta síndrome.
Os sinais mais freqüentes são o uso de
fraldas por um período além do habitual,
sensação de urgência e aumento da
freqüência urinária, enurese (urinar na
cama durante a noite) e infecções urinárias. Estes sintomas ocorrem em 75%
das crianças com Síndrome de Williams
(Sammour et al 2006).
As causas dos problemas urinários
nessa doença ainda não são completamente conhecidas. A deficiência da
proteína elastina que é um componente
importante na constituição do aparelho
urinário, propicia alterações nas paredes
da bexiga que perde a sua capacidade
de armazenar a urina. O déficit cognitivo
das crianças afetadas, que demonstram
problemas no aprendizado e dificuldades
para executar as tarefas mais comuns
como utilizar o toalete, também pode
explicar os sintomas.
Estes problemas podem ser tratados obtendo-se alta taxa de sucesso.
O uso de medicamentos por via oral, o
emprego de algumas medidas higiênicas,
dentistas, terapeutas ocupacionais, fonoaudiólogos, psicólogos e fisioterapeutas.
Existem em diversos locais da Europa,
EUA, México e em outros países, os
denominados grupos de suporte. Estes
grupos são compostos pelos familiares
dos pacientes com síndrome de Williams,
profissionais das áreas de saúde, educação e também por voluntários que se comprometem a trabalhar e apoiar de alguma
maneira os afetados por esta doença.
Normalmente são realizadas convenções
e eventos sociais onde são apresentadas
novas informações sobre a doença, além
de ser uma boa oportunidade para que
as pessoas troquem experiências e se
auxiliem mutuamente.
No Brasil, foi criada em fevereiro de
2001, a Associação Brasileira da Síndrome de Williams (www.swbrasil.org.
br) com o objetivo de auxiliar e apoiar os
pacientes com síndrome de Williams e
seus familiares. Muitas pessoas podem
obter e transmitir experiências valorosas
que ajudarão os novos participantes,
sempre buscando a melhora da qualidade
de vida de todos.
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Detection of hemizygosity at the elastin
locus by FISH analysis as a diagnostic
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 3 • Maio • Junho de 2012
dietéticas e o treinamento das crianças
são medidas muito úteis no tratamento.
Por outro lado, os distúrbios urinários
podem causar complicações graves se
não forem abordados de maneira conveniente. A incontinência urinária associada
a episódios de infecções urinárias recorrentes podem provocar comprometimento
funcional dos rins levando a insuficiência
renal, que é uma das complicações mais
temidas desta doença.
Defeitos congênitos no aparelho
urinário também podem acometer as
pessoas com Síndrome de Williams.
As alterações mais frequentemente
descritas são os divertículos da bexiga,
hidronefrose (rins dilatados), agenesia
renal unilateral (quando a criança nasce
sem um dos rins), rins ectópicos (quando
os rins nascem fora da região lombar).
Estas alterações também podem causar
infecções e comprometimento funcional
dos rins (Schulman et al 1996, Sammour
et al 2006)
Portanto, todas as crianças afetadas por esta síndrome devem ser assistidas por equipes multidisciplinares
envolvendo geneticistas, nefrologistas e
urologistas. A realização de consultas e
a execução dos exames apropriados representam a forma mais correta e segura
de avaliar as crianças com Síndrome de
Williams. A detecção e o tratamento dos
problemas urinários em sua fase inicial
podem evitar seqüelas e danos graves
nos órgãos do aparelho urinário destas
crianças.
Ressaltamos que além da avaliação
com urologista, crianças com Síndrome
de Williams demandam cuidados diferenciados incluindo consultas periódicas
com diversos especialistas, médicos,
47
4.
5.
6.
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 3 • Maio • Junho de 2012
7.
8.
48
test in both classical and atypical cases
of Williams
syndrome. J Med Genet, 32: 692, 1995
Lowery, M. C., Morris, C. A., Ewart,
A. et al.: Strong correlation of elastin
deletions,
detected by FISH, with Williams
syndrome: evaluation of 235 patients.
Am J Hum Genet,
57: 49, 1995
Sammour ZM, Gomes CM, Duarte RJ,
Trigo-Rocha FE, Srougi M. 2006. Voiding
dysfunction and the Williams–Beuren
syndrome: A clinical and urodynamic
investigation. J Urol 175:1472–1476.
9. Schulman SL, Zderic S, Kaplan P.
1996. Increased prevalence of urinary
symptoms and voiding dysfunction in
Williams syndrome. J Pediatr 129:466–
469.
*Zein Mohamed Sammour. Médico Urologista, Mestre
e Doutor em Ciências pela Faculdade de Medicina da
Universidade de São Paulo.
**Simone Nascimento Fagundes. Médica Nefrologista
Pediátrica, Mestre em Ciências pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
Clínica analítico-comportamental
aspectos teóricos e práticos
Nicodemos Batista Borges
Fernando Albregard Cassas
e colaboradores
arti g o do leitor
Sobre o filme: O primeiro da
Classe (Transtorno de Tourette)
Simaia Sampaio*
Jimmy Wolk, ator que interpretou Brad, e Brad
Cohen (à direita).
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 3 • Maio • Junho de 2012
Certamente, todos nós, já nos deparamos com alguém que apresenta algum
tipo de tique, vulgarmente conhecido
como tique nervoso. Mas é do conhecimento de poucos que pode tratar-se de
uma doença neurológica conhecida como
o Transtorno de Tourette, e não apenas
uma manifestação de ordem emocional
como pensavam os psicanalistas até
meados do século XX, período em que
foram feitos estudos com o medicamento haloperidol que conseguia atenuar os
tiques, deixando claro que o problema
seria de ordem neurológica.
Se os adultos sofrem com a síndrome, as crianças sofrem ainda mais
principalmente no âmbito escolar onde
são criticadas por colegas, mas não
raramente também são criticados pelos
membros da sua família.
Esta experiência foi vivenciada por
Brad Cohen, portador da Síndrome de
Tourette, ou SGT ou ainda ST, como é
conhecida. Brad, após anos sofrendo de
um “mal” desconhecido, e evoluindo para
um final feliz com a sua “amiga” como ele
chamava sua síndrome, resolveu contar
sua história no filme O primeiro da Classe, um filme emocionante, um exemplo
de superação e que vale a pena ser visto.
O filme, inspirado em fatos reais, gira
em torno da vida de Brad Cohen e de sua
doença, que lhe trouxe uma série de complicações na sua vida escolar, período em
que sofreu humilhações pelos colegas
e professores, devido aos seus tiques
motores, próprios do Transtorno de Tou-
49
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 3 • Maio • Junho de 2012
rette. O transtorno pode se manifestar em
qualquer parte do corpo (pernas, barriga,
braços, etc), mas em Brad ela se concentrava na região da cabeça e rosto cuja
manifestação da doença é mais comum,
caracterizada por movimentos bruscos,
repetidos e tiques vocálicos. Em sala de
aula ele não conseguia se controlar, pois
os movimentos da síndrome são involuntários e era obrigado, pela professora, a
se desculpar diante da turma e prometer
que não repetiria os altos sons vocálicos
que tanto incomodavam a professora e
fazia as outras crianças rirem dele. Foi
encaminhado ao serviço de psicologia,
sem sucesso, pois o terapeuta não conhecia a doença e atribuia seus tiques a
questões emocionais.
Mas Brad teve um anjo em sua vida,
sua mãe, que, inconformada com a falta
de resposta para estas manifestações,
resolveu realizar uma busca nos livros da
biblioteca até que encontrou a explicação
50
Em casa, Brad também era pouco compreendido por seu pai, que sentia-se envergonhado
com seus sons repetidos, e chegava a agredi-lo verbalmente o que afetava ainda mais sua
auto-estima.
para o problema de seu filho: Transtorno
de Tourette. Tudo se encaixava! Finalmente ela havia encontrado a resposta
para suas dúvidas e surgiu uma ponta
de esperança na tentativa de ajudar Brad
antes que ele fosse massacrado por
uma sociedade que não repeitava as
diferenças.
O que esta descoberta modificou em
sua vida? Tudo! A partir daí ele tomou
conhecimento que se tratava de um
distúrbio neurológico, que ele não fazia
propositalmente, como julgava seu pai, e
que ele poderia se defender dizendo às
pessoas porque fazia aqueles sons “engraçados” como ele dizia. Foi assim que,
diante de mais uma humilhação em sala
de aula, o diretor da escola, sensibilizado
com sua situação, resolveu pedir que
Brad declasse em público num grande
auditório, porque fazia aqueles sons e
qual era o nome do seu problema. A partir
daí ele passou a ser melhor entendido e
sua vida escolar ficou mais fácil.
Mas seus problemas ainda não haviam acabado, até porque o Transtorno
de Tourette não desaparece. Brad teria
agora que enfrentar uma nova etapa
de sua vida para conseguir alcançar
o sonho de ser professor e para tanto
precisava entrar numa universidade.
Felizmente, ele já tinha diagnóstico, e
foi apoiado por lei para realizar a prova
em local isolado, de maneira a não
atrapalhar seus colegas e ele não se
sentir constrangido.
Ao concluir sua faculdade Brad precisaria enfrentar mais um e importante desafio que seria determinante em sua vida:
conseguir um emprego como professor.
Seu desejo era poder fazer uma educação
diferente daquele que havia recebido,
shows, dando entrevistas em programas
como Oprah, motivando aos portadores
a nunca desistirem de seus sonhos, fundando, inclusive, a Fundação Brad Cohen,
uma organização sem fins lucrativos que
ajuda a arrecadar fundos para grupos
que mantém programas que cuidam de
crianças com a síndrome.
O livro virou filme que tem emocionado milhões de pessoas e é um exemplo
de superação inclusive para as pessoas
que não possuem a síndrome, pois se
beneficiam da mensagem de nunca desistirem diante das dificuldades.
*Simaia Sampaio, Psicopedagoga clínica
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 3 • Maio • Junho de 2012
pois havia sido muito mal compreendido
por seus professores.
Apesar de seu histórico escolar invejável, com notas excelentes, foi rejeitado
por muitas instituições, que ao recebê-lo
para a entrevista de trabalhao, estranhavam seus tiques e não achavam que ele
se adequaria ao cargo de professor. Mas
sua persistência e força de vontade não
o fez desistir fácil, até que conseguiu
a oportunidade de lecionar na escola
Mountain View Elementary School, em
Cobb Country, Georgia, com alunos de
pré-escola.
Brad fez a diferença naquela escola,
recebeu o Primeiro Prêmio Professor do
Ano da Georgia, realizando uma pedagogia diferente, respeitando as diferenças,
ajudando inclusive crianças que necessitavam de atenção especial. Ele bem
sabia pelo que estas crianças passavam.
Antes do filme Brad havia lançado um
livro O Líder da classe: como a Sindrome
de Tourette me fez ser o professor que
nunca tive, publicado em 2005, ganhador
do prêmio Melhor livro educativo do ano.
A partir daí Brad passou a aparecer em
51
revista multidisciplinar de desenvolvimento humano
Síndromes
Março • Abril de 2012 • Ano 2 • Nº 2
Curso Autismo
Módulo III
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…
curso A utismo - m ó dulo I I I
Aspectos cognitivos nos
transtornos invasivos do
desenvolvimento
Diferentes comprometimentos cognitivos têm sido descritos como presentes
nos Transtornos Invasivos do Desenvolvimento. Prioritariamente, as características sintomatológicas são decorrentes da
variabilidade e da extensão dos comprometimentos, requerendo, assim, a análise pormenorizada dos déficits cognitivos
apresentados.
Neste sentido, as avaliações neuropsicológicasI possibilitam ao clínico, a partir da administração de instrumentos padronizados, entrevistas e questionários,
dimensionar o desempenho de funções
cognitivas, envolvendo principalmente
habilidades de atenção, percepção, linguagem, raciocínio, abstração, memória,
aprendizagem, habilidades acadêmicas,
processamento da informação, visuoconstrução, afeto, funções motoras e
executivas (Conselho Federal de Psicologia, 2004).
I
A Neuropsicologia é uma área de atuação focada
no estudo e na compreensão do funcionamento
cerebral como substrato do comportamento como
um todo, englobando suas funções cognitivas, motivacionais e emocionais. Sua prática encontra-se
norteada por conhecimentos teóricos angariados
pelas Neurociências e objetiva investigar a natureza
e a gravidade dos sintomas cognitivos, acompanhar
o curso de disfunções, avaliar os efeitos de tratamentos medicamentosos ou cirúrgicos e planejar
programas de reabilitação.
O conhecimento do perfil neuropsicológico, em que se pesem tanto as
habilidades quanto as dificuldades cognitivas presentes, fornece informações
significativas para realização do diagnóstico diferencial, esquadrinhamento de
possíveis comorbidades, considerações
sobre prognóstico em termos de mecanismos compensatórios e adaptativos
possíveis, prescrição de tratamentos e
planejamento de intervenções, além da
estruturação de orientações familiares e
escolares mais adequadas.
Neste artigo, discutiremos os principais aspectos cognitivos encontrados
nos Transtornos Invasivos do Desenvolvimento e apresentaremos, de maneira
sucinta, instrumentos de avaliação mais
adequados a esta população conforme
literatura atual.
II. Retardo Mental
Em função da variabilidade da capacidade intelectual, com características sintomatológicas decorrentes desse perfil de
desempenho, os TIDs podem cursar com
retardo mental. Avaliações psicométricas
do quociente intelectual e de desenvolvimento adaptativo são prioritárias ao
diagnóstico, à estimação de prognóstico
e ao planejamento terapêutico.
Em nosso meio, dispomos de uma
quantidade limitada de instrumentos que
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 3 • Maio • Junho de 2012
I. Introdução
53
…
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 3 • Maio • Junho de 2012
avaliam a inteligência. As amplamente
empregadas Escalas Wechsler de Avaliação da Inteligência - nas versões da
padronização brasileira para crianças
(WISC-III) e para adultos (WAIS-III) - permitem o estabelecimento de um quociente
de inteligência (Q.I.) verbal e não verbal
a partir da administração de diferentes
tarefas que envolvem funções cognitivas
como atenção, memória, planejamento,
abstração, coordenação visuoespacial,
sequenciamento, habilidades acadêmicas, entre outras.
Nem todos os pacientes estão aptos
a responder à escala, uma vez que déficits lingüísticos e na atenção voluntária
podem estar presentes. Uma alternativa
é administração da Escala de Comportamento Adaptativo de Vineland, que
fornece quocientes de desenvolvimento
(Q.D.) em quatro domínios: socialização,
comunicação, atividades de vida diárias
e habilidades motoras. Observa-se correlação significativa entre a capacidade
intelectual e o desempenho adaptativo,
ou seja, o rebaixamento da eficiência
intelectual responde por importantes prejuízos em habilidades de autonomia, independência, comunicação e socialização.
54
III. Funções executivas
Vinculadas às regiões cerebrais
frontais, as funções executivas compreendem uma vasta gama de processos
cognitivos responsáveis sumariamente
pela capacidade de planejamento e desenvolvimento de estratégias para resoluções de problemas. Estes processos, de
maneira integrada, permitem ao indivíduo
direcionar seu comportamento mediante
ao estabelecimento de metas, concomi-
tante com a avaliação de sua eficiência
e adequação. Mais especificamente,
propõe-se que a flexibilidade mental, a
integração de detalhes num todo coerente e o manejo de múltiplas fontes de
informação, coordenados com o uso do
conhecimento adquirido ao sujeito a seleção de comportamentos mais adaptados
ao contexto. Outros processos têm sido
atrelados ao funcionamento executivo,
como controle inibitório, memória operacional, atenção, categorização, fluência
e criatividade. Prejuízos descritos como
sintomas disexecutivos respondem por
um importante comprometimento funcional sócio-ocupacional, gerando problemas
significativos quanto à adaptação social,
à organização das atividades de vida diárias e ao controle emocional.
A hipótese de comprometimento da
função executiva, apontada por muitos
autores como um dos déficits subjacentes aos Transtornos Invasivos do
Desenvolvimento, parte da semelhança
entre o comportamento de indivíduos
com disfunção cortical pré-frontal com
aqueles que apresentam o transtorno.
Características como inflexibilidade
(presença de atividades ritualísticas e
repetitivas), perseveração e dificuldades
no relacionamento interpessoal, podem
ser explicadas pelo comprometimento no
funcionamento do lobo frontal.
As analogias descritas foram posteriormente comprovadas por meio da
análise dos resultados do desempenho
de indivíduos com autismo em testes
destinados a mensuração das funções
executivas.
O Teste Wisconsin de Classificação
de Cartas (WCST) é um instrumento
originalmente construído para exame da
…
capacidade de raciocínio abstrato e da
capacidade para alterar as estratégias
cognitivas conforme as contingências
ambientais mutáveis. Considerado uma
medida de “função executiva”, o WCST
requer a capacidade de planejamento
estratégico, exploração organizada do
meio e flexibilidade mental utilizando os
feedbacks ambientais, a fim de direcionar para um comportamento adaptado,
modulando respostas impulsivas.
No que concerne à avaliação da capacidade de planejamento prático, clínicos
e pesquisadores têm empregado a Torre
de Hanói. Derivada de um jogo criado
pelo matemático francês Edouard Lucas,
atualmente é encarada como um teste
neuropsicológico que avalia formulação
de um objetivo, antecipação, planejamento e monitoração para um desempenho
efetivo, como a Torre de Londres desenvolvida por Shallice em 1982.
Considerando-se que as funções
executivas abarcam uma série de processos cognitivos diretamente ligados a
comportamentos adaptativos, diferentes
instrumentos precisam ser administrados
em sua avaliação. Subtestes das escalas
Wechsler (descritas anteriormente), como
Cubos, Semelhanças e Arranjo de Figuras,
fornecem dados significativos acerca de
planejamento prático, categorização e
seqüenciamento. No entanto, sugere-se
sua administração seja realizada concomitantemente com instrumentos mais
específicos, como os acima citados.
IV. Teoria da Mente
A Teoria da Mente, ou metacognição,
refere-se à habilidade de inferir o que
os outros pensam (crenças, intenções
e desejos) com o objetivo de explicar
ou predizer os seus comportamentos.
Estes conceitos são estabelecidos nos
indivíduos com desenvolvimento típico
entre três e quatro anos de idade. Um
déficit nesta habilidade é apontado como
uma das possíveis causas para o pobre
desenvolvimento social, imaginário e
comunicativo em autistas. Originalmente
criado por dois psicólogos austríacos, o
teste conhecido como Sally-Anne task ajudou pesquisadores a testarem a hipótese
desse comprometimento da metacognição. Sally e Anne estão brincando juntas.
Sally tem uma bola de gude que coloca
em uma cesta antes de sair da sala. Enquanto Sally está fora, Anne move a bola
para uma caixa. Quando Sally retorna,
ela deve procurar a bola na cesta. Este
cenário é apresentado por meio de fantoches. Crianças com desenvolvimento
típico com idade igual ou superior a quatro
anos de idade sabem que Sally irá procurar a bola na cesta apesar de saberem
que a bola está na caixa, ou seja, elas
conseguem representar a “crença falsa”
de Sally assim como o estado verdadeiro
das coisas. Em amostra de 20 crianças
autistas com idade mental média de nove
anos de idade, 16 falharam. Apesar de
terem respondido várias perguntas corretamente sobre o episódio, disseram
que Sally iria procurar a bola na caixa, ou
seja, não conseguiram conceituar o fato
de Sally acreditar em uma coisa que não
fosse verdade.
Assim como este, outros experimentos foram realizados, confirmando que
os autistas apresentam um déficit em
compreender estados mentais. Nesse
sentido, Baron-Cohen e seus colaboradores, criaram o Reading the Mind in the
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 3 • Maio • Junho de 2012
curso 1 - A utismo
55
…
Eyes Test (Teste de Ler a Mente através
dos Olhos) para identificar prejuízo na
habilidade de inferir emoções e estados
mentais a partir de expressões faciais. A
versão para crianças do teste compreende 28 itens, mais um de exemplo, que
consistem na apresentação de pranchas
com uma foto da região dos olhos, e quatro alternativas de emoções, das quais
o indivíduo deve escolher aquela que ele
julgue descrever melhor a foto.
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 3 • Maio • Junho de 2012
V. Atenção compartilhada ou
conjunta
56
O modelo de Tomasello (2003) sobre
a evolução da cognição humana busca­
conciliar, em um mesmo quadro conceitual, aspectos filo­genéticos, ontogenéticos e culturais para explicar a aquisição
desenvolvimento da linguagem simbólica.
Sua hipótese central é que a aquisição e
o desenvolvimento de competências linguísticas são processos sócio-biológicos
envolvendo habilidades sócio cognitivas
de compreensão e compartilhamento
de intencionalidade e a participação em
atividades sócio-comunicativas, historicamente estabelecidas, com indivíduos
humanos linguística e simbolicamente
competentes.
Esse modelo propõe que somente a
partir dos nove meses de idade que os
bebês humanos começam a apresentar
comportamentos relacionados à vida
social, o que o autor chama de habilidades de atenção conjunta, tais como
(em ordem cronológica de aparecimento
na ontogênese): envolvimento conjunto,
acompanhamento do olhar, acompanhamento do ato de apontar, imitação de
atos instrumentais, imitação de atos
arbitrários, respostas de obstáculos sociais, uso de gestos imperativos e uso de
gestos declarativos. A atenção conjunta,
de origem ontogenética segundo o autor,
não está presente no nascimento e não
é explicada pela história de aprendizagem, mas participa dos processos de
aprendizagem cultural, incluindo os mais
complexos.
Dessa forma, as crianças começam
a apresentar evidências de atenção conjunta quando começam a compreender
que os outros são agentes com intencionalidade, que os outros são como
elas, mudança que o ocorre justamente
próxima dos nove meses. Ao perceber
isso, a cada aquisição de conhecimento
que ela obtem acerca de si e da sua
interação com o mundo, incrementa seu
conhecimento acerca do outro, melhorando o desempenho geral em tarefas e
na interação com os demais. Após os
noves meses a criança torna-se mais apta
a aprender os elementos de sua cultura
por meio da interação com os membros
de seu grupo com a intensificação do
estímulo que ocorre quando ele é apontado ou manipulado por outro indivíduo;
e com a imitação, comportamento pelo
qual o bebê pode aprender sobre ações
intencionais.
Nos experimentos citados por Tomasello, quando a criança vê o adulto e percebe os resultados de sua ação, desempenha melhor as tarefas do que imitando
apenas a ação. Tendo como alicerces a
atenção conjunta e a compreensão que
ocorre por meio da identificação com os
outros seres, a criança passa a ser inscrita no contexto cultural e ter acesso à
herança cultural, seja pela percepção que
ocorre sobre os objetivos e resultados
…
É pelo engajamento da criança em
atividades colaborativas, a partir desse
último período, que ocorrerão formas
únicas de interação social, aprendizagem
cultural, comunicação simbólica e a internalização de representações cognitivas
acerca das perspectivas de outros indivíduos, para assim, utilizá-las para mediar
sua compreensão do mundo e da cultura
humana. Entretanto, a hipótese pressupõe uma falta de motivação das crianças
autistas para compartilhar intencionalidade, o que as tornaria limitadas para criar
e participar de elementos culturais com
outros indivíduos. Desse modo, o grau
de comprometimento dessa habilidade
nesse grupo deve ser avaliado por meio
de observações clínicas e o auxílio de instrumentos como as escalas específicas.
VI. Comportamento Social
As habilidades sociais são definidas
como: um conjunto de comportamentos
emitidos por um indivíduo em contexto
interpessoal no qual expressa os sentimentos, atitudes, desejos, opiniões ou direitos de um modo adequado à situação,
respeitando tais comportamentos nos
demais e, geralmente, permite a resolução de problemas imediatos da situação
enquanto minimiza a probabilidade de
futuros problemas.
Prejuízos na interação social podem
ser observados nos TIDs, caracterizados
por uma série de comportamentos, que
incluem evitar o contato visual direto,
não responder quando chamado, não
participar de atividades em grupo, não
tomar consciência dos outros, mostrar
indiferença a afeições e ausência de
empatia social ou emocional. Três construtos sociais aceitos descrevem o desenvolvimento social: reciprocidade afetiva,
atenção compartilhada (ou conjunta) e a
Teoria da Mente.
A reciprocidade afetiva representa
a fase inicial da comunicação social e
torna-se evidente antes dos seis meses
de idade. É caracterizada pela orientação
mútua e pela troca de sinais não verbais
entre o cuidador e a criança, mas pesquisas para descrever atrasos nesta fase
são escassas e partem principalmente
de relatos paternos, muitas vezes são
inespecíficos por desconhecimento do
que é típico.
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 3 • Maio • Junho de 2012
de atos de outros indivíduos, seja pelas
potencialidades de artefatos manipulados
por outras pessoas, ou por gestos dela
(solicitando informações, por exemplo).
No caso das crianças autistas, Tomasello e cols. (2005) afirmam que, embora
elas compreendam certos aspectos da
ação intencional, e, portanto, possuam
algumas habilidades de aprendizagem
social, não há evidências de que elas sejam capazes de interagir com o mundo, do
mesmo modo que as crianças normais,
nos três níveis descritos pelo autor:
• Engajamento diádico: Por volta dos
seis meses de vida, crianças compartilham com os outros, ações e estados
emocionais;
• Engajamento triádico: Por volta dos
seus nove meses de vida, crianças
compartilham objetivos, ações e percepção uns dos outros;
• Engajamento colaborativo: Por volta
dos 14 meses de vida, crianças compartilham estados intencionais e percepções, e adotam uma ação conjunta
para atingir um objetivo compartilhado.
57
…
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 3 • Maio • Junho de 2012
58
Nesse sentido, observa-se no desenvolvimento típico de bebês, a partir dos
seis meses de idade, a capacidade de coordenar a atenção com um parceiro social
em relação a um mesmo objeto ou evento,
o que constitui elemento fundamental
para o estabelecimento da comunicação
social e da cognição social em crianças. A
atenção compartilhada refere-se aos comportamentos infantis que se revestem de
propósito declarativos, na medida em que
envolvem vocalizações, gestos e contato
ocular para dividir a experiência em relação
às propriedades dos objetos/eventos a
seu redor. Alguns estudos demonstraram
comprometimentos da atenção compartilhada em crianças autistas comparadas
às com desenvolvimento típico e retardo
mental sem autismo. Do mesmo modo, o
déficit em Teoria da Mente em autistas,
os torna incapazes de inferir pistas sociais
sutis a partir das expressões emocionais
e do comportamento de seu interlocutor,
prejudicando a interação social recíproca (Baron-Cohen e seus colaboradores,
1985), uma vez que lhes falta a habilidade
de compreender que os outros possuem
intenções mentais encobertas, e assim
não entendem o estado interior de outra
pessoa, não interpretando expressões
emocionais e comportamentos.
Sendo assim, o comprometimento
em reciprocidade afetiva, atenção compartilhada e Teoria da Mente seriam
responsáveis por déficits nas habilidades
sociais. Portanto, indivíduos com TID
apresentariam menor grau de habilidades
sociais, sendo considerados socialmente
menos competentes pelos resultados que
produzem na interação social.
A prática clínica indica para a avaliação da competência social instrumentos
que examinem o desempenho de habilidades sociais esperadas para cada faixa
etária. No Brasil, está disponível o Inventário de Habilidades Sociais (IHS) para a
avaliação de adultos. Para crianças de 7
a 12 anos está disponível o Sistema Multimídia de Habilidades Sociais-Del-Prette
(SMHSC-Del-Prette). Pode, inclusive, ser
utilizado como recurso instrucional em
programas educativos ou terapêuticos
de promoção da competência social de
crianças em faixa etária correspondente à
da primeira fase do ensino fundamental,
sendo que a avaliação pode ser manual
ou informatizada. Para indivíduos de idade superior, o Inventário de Habilidades
Sociais para Adolescentes (IHS-A) permite
avaliar dois indicadores: a freqüência e a
dificuldade com que reagem às diferentes
demandas de interação social. Os itens
do IHSA-Del-Prette foram elaborados de
modo a contemplar, junto a diferentes
interlocutores e contextos, as principais
classes de habilidades sociais requeridas
na adolescência, constituindo um recurso
interessante, inclusive, na avaliação de
jovens com Síndrome de Asperger que
necessitam de treino específico em habilidades sociais.
VII. Teoria da Coerência
Central
A Coerência Central refere-se à capacidade de processar informações de forma a integrar diversos pontos e detalhes
em um processamento global e coerente.
Não juntar naturalmente partes de informações para formar um ‘todo’ provido
de significado, é uma das características
mais marcantes no autismo, por exemplo,
no qual é freqüente a tendência em ver
…
• Coerência perceptual; indivíduos com
autismo na faixa etária de 8 a 16, com
QI de 40 a 92, foram expostos a um
texto com ilusões visuais. O objetivo foi
analisar o desempenho dos autistas
diante de ilusões que exigiam uma visão
global. Estes testes mostraram que os
autistas são menos propensos a serem
enganados por ilusões visuais em duas
dimensões do que indivíduos do grupo
controle com desenvolvimento intelectual típico ou com retardo mental. Já no
caso de ilusões em três dimensões os
autistas apresentaram um desempenho
semelhante ao outros grupos.
• Coerência na construção viso-espacial;
indivíduos com autismo demonstraram
facilidade em realizar tarefas compondo uma figura maior a partir da junção
de peças menores, como no subteste
Cubos das Escalas Wechsler para Avaliação da Inteligência. O sucesso nessas tarefas enfatiza o processamento
segmentado e focado em detalhes.
• Coerência verbo-semântico: examinaram a leitura de frases com
homógrafos (palavras com a mesma
grafia, mas com pronúncia distinta) no
qual a diferença da pronúncia gerava
significado diferente dependendo do
contexto, por exemplo, “Ela pega”
(é) e “Ela pega” (ê). Indivíduos com
o transtorno falharam nesta tarefa
quando comparados a outros grupos.
No Brasil, ainda não temos instrumentos padronizados para avaliar Coerência
perceptual e Coerência verbo-semântico,
entretanto, para avaliar a coerência na
construção viso-espacial está disponível
o subteste Cubos das Escalas Wechsler.
VIII. Funções Visuoespaciais
Envolvem uma série de habilidades
relacionadas à percepção adequada de
estímulos (precisão), ao processamento
visual (lógica), à capacidade de analisar e
integrar os estímulos mentalmente. Além
disso, envolvem a capacidade de gestalt
(compreensão de figura-fundo), a aptidão
em transformar a imagem mental em ato
motor (esquemas mentais associados à
construção gráfica ou motora), a competência em discriminação de formas e
estímulos (auditivos, táteis) e a análise
de proporcionalidade dos estímulos.
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 3 • Maio • Junho de 2012
partes, ao invés da figura inteira, e em
preferir uma seqüência aleatória, ao invés
de uma provida de significado.
Hill & Frith (2003) sugerem que os
autistas apresentam um distúrbio com
relação ao processamento de informações, sendo focado em detalhes. No
entanto, esta forma de processar acarreta um empobrecimento na capacidade
de compreensão global assim como um
déficit na contextualização dos significados. É possível observar, em indivíduos
autistas, uma preocupação com detalhes
e partes, em detrimento de informações
globais. Esta teoria foi capaz de explicar
desempenhos altos e baixos com um
postulado que prevê uma performance
relativamente boa na qual é necessária
atenção em informações locais, mas
uma performance baixa nas tarefas que
exigem um reconhecimento global ou
integral do contexto. O postulado foi confirmado por meio de estudos que Frith e
seus colaboradores realizaram focando
basicamente três níveis:
59
…
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 3 • Maio • Junho de 2012
60
Os principais processos cognitivos
associados à identificação e reconhecimento de objetos incluem os:
• Processos Visuais Primários: associados à acuidade visual, discriminação
de formas, cor, movimentos e posição.
Tais funções se relacionam às áreas
cerebrais de projeções primárias (BA
17) tanto no hemisfério esquerdo
quando no direito.
• Processos Aperceptivos: integram os
processos visuais primários em estruturas perceptivas coerentes possibilitando perceber a forma de um objeto.
Áreas visuais associativas tais como
o córtex parietal e o têmporo-occipital
no hemisfério direito estão particularmente relacionados a estas funções.
• Processos Associativos: são responsáveis pela análise semântica do objeto
ou reconhecimento do seu significado.
Estão vinculados às regiões têmporo-occipital no hemisfério esquerdo.
ção. Objetiva a investigação das funções
de visuoconstrução a partir da cópia de
uma figura e sua posterior reprodução
visuoconstrutiva gráfica (ou seja, avalia
também memória episódicaII), que envolve
as habilidades de síntese e construção.
As habilidades de praxia e visuoconstrução referem-se às habilidades
que permitem executar ações voltadas a
um fim no plano concreto, por meio da
atividade motora. Estas ações dependem
de algumas condições: percepção visual,
raciocínio espacial, habilidade para formular planos ou metas, comportamento
motor e capacidade de monitorar o próprio desempenho.
São descritos prejuízos nessas áreas
em indivíduos com autismo, especialmente vinculados a déficits de planejamento
(organização do ato motor) e na análise
de características dos processos perceptivos e associativos (coerência central).
O teste Figuras Complexas de Rey é
um instrumento indicado para esta avalia-
A Escala de Traços Autísticos (ATA)
foi inicialmente construída em Barcelona
por Ballabriga e colaboradores (1994).
Nasceu a partir da discussão dos aspectos mais significativos da síndrome,
partindo-se de diferentes instrumentos e
da experiência clínica dos autores, sendo
embasada primordialmente nos critérios
do DSM-III-R.
Sua aparição unificou uma série de
critérios, embora seja ampla e muito
pouco específica, pois envolve uma série
de quadros e mesmo de sinais que pertencem a um grupo muito maior de quadros. Na tradução brasileira foi adaptada
segundo os critérios do DSM-IV.
IX. Escalas Diagnósticas
As escalas diagnósticas permitem a
mensuração das condutas apresentadas
de maneira a se estabelecer um diagnóstico de maior confiabilidade. Podem estar
organizadas em forma de questionário, de
listas de sintomas ou de inventários. São
administradas na avaliação de aspectos
específicos do comportamento ou para
acompanhar a evolução de determinados
quadros. Poucas se encontram publicadas no Brasil e geralmente são utilizadas
em pesquisa.
Escala de Traços Autísticos (ATA)
II
Especificamente, a memória episódica visual
gráfica.
…
A Escala de Critérios Autísticos
(CARS)
A Childhood Autism Rating Scale
(CARS) oferece a possibilidade de distinção de graus de autismo, variando
entre leve, moderado e grave. Configura-se como uma escala para rastreio de
comportamentos autísticos, fornecendo
diferentes itens como relacionamento
interpessoal, imitação, resposta emocional, entre outros.
Sua pontuação é apresentada conforme a análise de características sintomatológicas presentes que podem variar de
“sem evidência de dificuldade ou anormalidade” a “anormalidade moderada”.
Sugere-se sua administração juntamente com a ATA.
X. Considerações Finais
A avaliação dos aspectos cognitivos,
conforme descrevemos neste artigo, é
parte fundamental na consideração de
um diagnóstico mais fidedigno diante da
suspeita de um Transtorno Invasivo do
Desenvolvimento.
Comprometimentos na eficiência
intelectual, no funcionamento executivo,
nas habilidades sociais e atencionais,
de coerência central, de capacidades
Visuoespaciais e de teoria da mente,
são descritos com apresentação variável em termos de gravidade e extensão,
e se encontram no cerne dos prejuízos
adaptativos observados nesta população.
Isso posto, julgamos necessário o
envolvimento de diferentes profissionais
para uma avaliação global das características sintomatológicas apresentadas no
quadro. Sob o ponto de vista das funções
cognitivas, os técnicos responsáveis podem lançar mão, conforme aqui exposto,
de diferentes instrumentos, desde que
adequados a cada caso e, delineados a
partir da queixa, antecedentes, hipóteses diagnósticas aventadas e objetivos
específicos.
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 3 • Maio • Junho de 2012
É composta por 23 subescalas, cada
uma das quais divididas em diferentes
itens. É um instrumento de fácil aplicação, acessível a profissionais que têm
contato direto com a população autista.
Sua administração baseia-se na observação tendo por base a sintomatologia
autística, após informação detalhada dos
dados clínicos e evolutivos da criança.
Atualmente, utiliza-se ponto de corte 23. Estudo de validade concluiu que
neste ponto de corte a escala mostrou-se mais precisa para rastrear sintomas
autísticos em comparação com amostra
de deficientes mentais.
61
Síndromes
Julho • Agosto de 2012 • Ano 2 • Nº 4
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EDITORIAL
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artigo do mês
Transtorno bipolar do humor
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entrevista
Transtorno Bipolar e Depressão
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desenvolvimento
Sobre a noção de tempo
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reabilitação
Escola especial: conceitos e reflexões
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inclusão
Inclusão escolar
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O programa de inclusão de pessoas com
deficiência nas empresas – o fortalecimento no
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de mãe, pra mãe
A importância da família para que tem transtorno bipolar
Por Sonia Maria Bandeira
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artigo do leitor
O programa de inclusão de pessoas com
deficiência nas empresas – o fortalecimento no
processo de fidelização do colaborador
Janaina Foleis Fernandes
Até Quando?
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reportagem
O sonho
Por Maria de Fátima de Oliveira
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editorial
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 4 • Julho • Agosto de 2012
Dr. Francisco Assumpção Junior
2
Com este, chegamos ao oitavo número desta publicação, editada de maneira
ininterrupta durante todo esse período o
que, convenhamos, não é tarefa fácil em
um país que prima pelas dificuldades editoriais, principalmente no que se refere
a um mercado tão técnico e específico.
Trazemos aqui a mesma estrutura
das edições anteriores, com o artigo de
base referindo-se ao Transtorno Bipolar,
quadro que, neste momento, encontra-se
no auge do interesse através de divulgação na mídia leiga. Aliás, a questão da
divulgação na mídia não especializada
talvez seja um tema que deva ser considerado uma vez que cabe diferenciarmos
artigos de divulgação, apresentados
em revistas específicas como esta, por
exemplo, e artigos divulgados através da
imprensa leiga.
Isso porque os primeiros, embora
destinados a um público leigo e sem um
caráter científico que prevê uma metodologia e apresentação características,
têm, como preocupação, a seriedade
nas informações, representadas através
de técnicos responsáveis pelos textos e
pela seleção dos assuntos.
As publicações gerais, ao contrário,
habitualmente interessam-se principal-
mente pela atualidade, sensacionalismo
e eventual utilidade do tema fornecendo
assim informações, muitas vezes pouco
sérias ou sem embasamento teórico
suficiente.
Esse talvez tenha que ser um cuidado
quando se lê ou cita determinadas fontes
posto que, essas nem sempre têm o
cuidado necessário para determinadas
afirmações que, quando feitas de maneira impensada, tornam-se de domínio
público causando danos à população
interessada.
Nosso princípio tem sido esse.
Nossas informações não são, na
grande maioria das vezes, novas ou
inovadoras porém tem embasamento
suficiente para terem credibilidade.
Exatamente por isso é que os artigos
têm sido, cada vez mais, selecionados
e controlados para que as informações
apresentadas tenham um caráter de
aceitação institucional.
Esse é o objetivo que perseguimos e
que, acreditamos, estejamos alcançando.
Esperamos que a leitura deste número seja agradável para todos e que as
informações aqui apresentadas sejam
úteis aos interessados na área.
Boa leitura
Francisco B. Assumpção Jr.
arti g o do m ê s
Transtorno bipolar do humor
Os transtornos do humor (depressão
e transtorno bipolar, entre outras entidades menos veiculadas) são condições
psiquiátricas que se apresentam (via de
regra) na forma de recorrentes períodos
(as chamadas “fases”) de polarização
do humor, acompanhados de outros sintomas (secundários a esta polarização).
Refutado até muito recentemente entre
crianças e adolescentes (em função de
teorias então vigentes), ainda hoje seu
diagnóstico é um desafio, dado que muitas atitudes e comportamentos criam
dificuldades no diagnóstico diferencial,
gerando muita discussão sobre o tema.
Um indivíduo pode apresentar apenas
episódios depressivos ao longo do curso
de sua doença (o denominado “transtorno
depressivo recorrente”), mas a presença
em seu histórico de um único episódio de
“mania” (mesmo na ausência de episódios depressivos) caracteriza o diagnóstico de “transtorno bipolar” (ou “episódio
maníaco”, se o quadro não se apresentou
ainda com recorrências). Uma vez que as
manifestações de uma fase depressiva
foram extensamente detalhadas em artigo prévio (Kuczynski E & Assumpção Jr
FB., 2012), buscaremos nos concentrar
nos aspectos relacionados a “mania” (em
todas as suas particularidades).
A chamada “fase maníaca” é um
quadro grave e que resulta numa queda acentuada do desempenho escolar.
Tais pacientes apresentam irritabilidade
prevalente e instabilidade do humor (o
que pode se manifestar por episódios
de choro imotivado). A agressividade
auto- (contra si mesmo) ou heterodirigida (voltada para outrem) também se
mostra muito presente. Inquietas, falam
muito mais rápido do que o normal, com
grande aumento da distratibilidade, e
muitas vezes há o relato de uma reduzida
necessidade de dormir. Pensamentos
fantasiosos e de grandeza podem se
manifestar na forma de acidentes (muitos
se veem como super-heróis, ou creem ter
poderes especiais).
Os egípcios e sumerianos, por volta
de 2.600 A. C., já buscavam estabelecer
um diferencial entre a melancolia (hoje
denominada “depressão”) e a histeria.
Já Hipócrates (460-377 A. C.) apresentou uma classificação para transtornos
mentais que incluía a melancolia e a
mania. A mania seria um transtorno
mental agudo (na ausência de febre). A
melancolia correspondia a vários tipos de
transtornos mentais que se assemelhavam pela cronicidade. De acordo com as
teorias vigentes na época, relacionou tais
quadros ao temperamento, associando
os coléricos à hostilidade, os sanguíneos
à alegria, os melancólicos à depressão,
e os fleumáticos à apatia e indiferença.
Mas entre crianças estes quadros não
foram descritos até 1621, quando Robert
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 4 • Julho • Agosto de 2012
Francisco B. Assumpção Jr.
Evelyn Kuczynski
3
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 4 • Julho • Agosto de 2012
4
Burton descreve crianças melancólicas
(portadoras de tristeza, desesperança,
ausência de prazer...), associando tal
quadro a pais de má índole, madrastas,
tutores, professores muito rigorosos e
severos, ou omissos e indulgentes, numa
tentativa de explicação psicogenética.
Em 1845, Esquirol descreve algumas
crianças com quadro maniforme, mas
Kraepelin (famoso por haver identificado
e descrito as diferenças entre a psicose maníaco-depressiva e a demência
precoce, posteriormente batizada de
“esquizofrenia”, com base em sua evolução natural) considerava muita rara a
mania em idades precoces, observando
ainda que cerca de 0,5% dos pacientes
adultos haviam tido um primeiro episódio
na infância. Bleuler também descreve
observações infantis.
Com a progressiva mudança conceitual e de critérios de diagnóstico, surge
uma visão menos restritiva, com a observação de que muitos adolescentes e
adultos jovens (até então diagnosticados
como esquizofrênicos) eram portadores
de transtornos afetivos. Entretanto, a
dificuldade diagnóstica constituía-se em
fator de importância, em função das dificuldades observadas (principalmente)
na avaliação das crianças mais jovens.
Desta forma, Weinberg (baseado
nos critérios de Feighner) elabora uma
adaptação do diagnóstico para crianças
e adolescentes, dada a necessidade de
se criar critérios e escalas adequadas,
voltadas ao diagnóstico dos transtornos
bipolares nesta faixa etária, adaptadas
aos diferentes níveis de amadurecimento. A partir deste modelo, vários autores
observaram que 50% das crianças diagnosticadas como portadoras de distúr-
bios de conduta, transtorno do déficit de
atenção-hiperatividade (TDAH), distúrbios
de conduta, transtorno do déficit de
atenção-hiperatividade ou esquizofrenia
apresentavam os critérios de diagnóstico
do DSM-III para mania. No início dos anos
90, passa a se utilizar escalas de avaliação para transtorno bipolar em crianças
e adolescentes, visando maior acurácia
diagnóstica.
O transtorno maníaco na criança é
um quadro grave, que afeta seu relacionamento familiar e sua performance
escolar. Seu diagnóstico obrigatoriamente exclui o de esquizofrenia, transtorno
esquizofreniforme, transtorno delirante ou
transtorno psicótico sem outra especificação, assim como não pode ser firmado
durante o uso associado de drogas psicoativas. Esses episódios maníacos podem
ser classificados em leves, moderados ou
graves, devendo-se especificar presença
ou ausência de sintomas psicóticos.
Já a hipomania se caracteriza pela
presença de uma elevação discreta
(mas persistente) do humor, da energia
e da atividade, associada (em geral) a
um sentimento intenso de bem-estar e
de eficácia física e psíquica. Aumenta o
nível de sociabilidade, a produção verbal,
a desinibição social e a libido, muitas
vezes associada a mesma redução da
necessidade de sono. Não são sintomas,
contudo, graves a ponto de deteriorar o
desempenho profissional ou desencadear
rejeição por parte do grupo social (fato
que dificulta o engajamento do paciente
em tratamento, já que ele se considera
“muito bem, não há nada de errado comigo”). A euforia e a sociabilidade são
por vezes substituídas por irritabilidade
constante, atitude altiva e pretensiosa
Outra classificação (não oficial) utiliza os conceitos de bipolar I e II (sendo
a última caracterizada por apenas hipomania e depressão), e o termo bipolar
III, que é utilizado para descrever aquilo
que o DSM-III chamava de ciclotimia, ou
bipolar IV (quando mania ou hipomania
são precipitadas por medicações antidepressivas). Bipolar V descreveria aqueles
indivíduos que tem somente um único episódio depressivo (com história familiar de
transtorno bipolar), e bipolar VI identifica
as manias unipolares (nunca episódios
depressivos, só fases de mania). Tal classificação tem sua importância em função
da caracterização do risco associado de
um episódio depressivo ou hipomaníaco
ser apenas o prenúncio de uma fase
maníaca franca, por vezes psicótica, com
todos os danos e riscos associados a
este tipo de quadro.
Alguns fatores importantes encontram-se associados ao transtorno bipolar.
São eles: predomínio no sexo masculino;
em meninos de 10 anos ou mais; história
familiar de transtorno bipolar; alto grau
de insatisfação conjugal entre os pais;
episódios estressantes (que podem ser
os fatores desencadeantes do episódio
maníaco, embora muitas vezes não se
consiga estabelecer uma relação direta
entre os eventos).
Em crianças e adolescentes, seu
diagnóstico é difícil, com inúmeras razões
para que esses pacientes sejam mal diagnosticados, como por exemplo:
• episódios de depressão e/ou hipomania leves sendo confundidos com
transtornos de ajustamento (quadro
comportamental associado a adaptação a situações psicossociais críticas,
como doenças, internações, separação conjugal, mudança de local de
moradia ou estilo de vida, etc.);
• episódios precoces de transtornos
de humor sendo confundidos com ansiedade de separação, fobia escolar,
anorexia ou transtornos de conduta,
incluindo o TDAH;
• episódios graves confundidos com
esquizofrenia (em função de sintomatologia), na forma de fuga de
ideias, pensamento incoerente, bem
como ideias de conteúdo paranóide,
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 4 • Julho • Agosto de 2012
ou comportamento rude. As perturbações
de humor e de comportamento não se encontram acompanhadas de alucinações,
ou de ideias delirantes.
Desta forma, podemos ainda encontrar:
• transtorno bipolar, episódio misto,
numa mistura de sintomas de mania
e depressão, constatando-se presença
de depressão ao menos por um dia,
alternado rapidamente com mania;
• transtorno bipolar, tipo depressivo,
onde o episódio atual é de natureza
depressiva (havendo relato de um ou
mais episódios anteriores de mania);
• ciclotimia, onde observamos inúmeros
episódios de hipomania que ocorrem
em períodos de, ao menos, um ano,
podendo se encontrar associados vários episódios de humor deprimido ou
perda de interesse ou prazer, que não
reúnem todos os critérios de diagnóstico para um episódio depressivo franco
ao longo do mesmo período de tempo;
• transtorno bipolar sem outra especificação (ou SOE), com características
maníacas ou hipomaníacas, que não
satisfazem os critérios para qualquer
outro transtorno bipolar específico.
5
irritabilidade, alucinações e delírios
(secundários ao humor).
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 4 • Julho • Agosto de 2012
Apesar dos achados variarem para
os diversos estudiosos do tema, algumas características tem sido sistematicamente apresentadas como distintas
na fenomenologia e curso do transtorno
bipolar pediátrico:
(1) humor expansivo ou elevado;
(2) irritabilidade proeminente;
(3) episódios prolongados caracterizados
por períodos de sintomatologia sutil;
(4) sintomas depressivos entremeados
por sintomas maníacos (ou hipomaníacos);
(5) alta prevalência das chamadas “comorbidades”, especialmente TDAH,
outros transtornos de conduta e transtornos ansiosos;
(6) elevadas taxas de transtornos por uso
de substâncias psicoativas (entre os
adolescentes mais velhos);
(7) grande prevalência de sintomas psicóticos e tentativas de suicídio (com
prejuízo funcional significativo).
6
Devido à semelhança entre os sintomas da hipomania e do TDAH (como as
queixas parentais de um falar excessivo
e de ansiedade), esses pacientes podem
apresentar também um embotamento
cognitivo, um prejuízo da concentração,
agitação, logorréia, impulsividade e
anedonia (perda do prazer associado
a atividades previamente prazerosas),
além da dificuldade das crianças com
TDAH de obter satisfação contínua em
atividades que mantêm o interesse das
crianças normais. Há que se destacar que
a criança com TDAH tem humor irritável.
No entanto, este último é um quadro du-
radouro, e o seguimento dessas crianças
não revela uma evolução na direção do
transtorno bipolar, pelo menos não na
forma clássica ou bipolar não complicada,
o que muitas vezes leva a mais confusão
no processo diagnóstico.
Nunca é demais lembrar que (da
mesma maneira que com relação à sintomatologia depressiva) algumas condições
clínicas (como o hipertireoidismo, por
exemplo) e o uso de algumas medicações
(entre elas os antidepressivos, os estimulantes e os esteroides) pode desencadear
sintomas assemelhados ao quadro maníaco em indivíduos suscetíveis, quadros
estes muitas vezes indistinguíveis de
uma fase maníaca (ou hipomaníaca) de
origem endógena. Apenas uma anamnese
apurada (associada ao exame clínico e
psíquico detalhado) pode prevenir tais
incorreções diagnósticas.
Em crianças (pré-púberes), a clássica
mania-depressão é rara, apesar de ainda
não ser claro quão rara é. Por outro lado,
sintomas maníacos e graves instabilidades das emoções são bem mais comuns
e tem causado grande preocupação. Este
grupo específico é heterogêneo, com
sintomatologia maníaca surgindo após
o início de outras condições clínicas,
neurológicas e psiquiátricas, ou que
reagem com sintomas maníacos ao uso
de drogas (ilícitas ou prescritas), além
das que apresentam atraso ou prejuízo
no desenvolvimento da regulação das
emoções.
Em crianças, poucos são os estudos
prospectivos de transtorno bipolar, embora se acredite que possam se apresentar
como transtornos comportamentais crônicos (com hostilidade, agressividade e
distratibilidade). Os estudos já realizados
100.000 em 2003. Levantamento realizado pelo National Institute for Mental Health identificou uma duplicação do número
de crianças e adolescentes atendidos por
transtorno bipolar em diversos países,
sendo que este aumento chega a 40 vezes (em algumas localidades dos EUA)!
É possível se tratar de um exagero este
boom diagnóstico da última década, o que
sugere um despreparo dos psiquiatras em
campo, que não se mostram capacitados
a identificar corretamente sintomas e
sinais do transtorno bipolar nesta faixa
etária, o que pode estar levando a que
se atribua este rótulo a todo e qualquer
caso de difícil caracterização diagnóstica
ou que se mostre refratário às opções
terapêuticas.
Estudos retrospectivos e longitudinais de evolução natural relatam que 40
a 100% das crianças e adolescentes com
transtorno bipolar se recuperam em um
período de um a dois anos, mas 60 a 70%
apresentarão recorrência do quadro (em
média 10 a 12 meses após).
Por definição, os transtornos de
humor são um complexo clínico multifatorial. Assim sua terapêutica deve
ser orientada. No caso do transtorno
bipolar, esse tratamento tem sido
menos abordado, com a maioria das
indicações terapêuticas extrapoladas
das obtidas junto a população adulta.
Desta maneira, as abordagens psicofarmacológicas são privilegiadas
(apesar de frequentemente instituídas
a partir dos resultados de estudos
abertos e relatos de caso). Exceção
seja feita à eficácia e segurança do
uso de lítio em adolescentes, assim
como do uso de divalproato extended
release (a formulação de liberação
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 4 • Julho • Agosto de 2012
sugerem que os transtornos afetivos
tendem a ser familiares. A biologia molecular tem sido usada para determinar
se as formas mais graves de transtornos
afetivos bipolares estão ligadas (ou não)
a marcadores genéticos, tais como a
ligação dos transtornos afetivos com o
cromossomo 11. Sabe-se, no entanto,
que o aparecimento precoce da depressão está associado com o aumento da
carga genética familiar.
De modo geral, os transtornos afetivos são caracterizados por um déficit
(no caso da depressão) ou excesso (no
caso da mania) de um ou mais neurotransmissores ou por seu desequilíbrio.
Duas hipóteses foram formuladas em
relação à fisiopatologia dos transtornos
afetivos. A primeira é centrada nas catecolaminas (como a noradrenalina), e a
outra, na indolamina 5-hidroxitriptamina
(ou serotonina). A hipótese da catecolamina propôs que alguns quadros de
depressão são associados à deficiência
de catecolaminas em importantes sítios
do cérebro, e que a mania é causada por
um excesso de catecolaminas. Acredita-se que o déficit de serotonina poderia
explicar melhor tais quadros, mas um
simples déficit da serotonina não poderia,
por si só, ocorrer por conta de todos os
resultados encontrados. Por outro lado,
poucos estudos biológicos das medidas
de serotonina podem ser interpretados
como consistentes, como o aumento ou
diminuição da atividade desse sistema.
Até 1994, não eram muitos os
médicos que consideravam a entidade
bipolar em crianças. De uma incidência
de 25 diagnósticos precoces para cada
100.000 crianças, os dados saltaram
para 1.003 diagnósticos para cada
7
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 4 • Julho • Agosto de 2012
prolongada). Ainda há poucos dados
quanto à eficácia e segurança de outros agentes antiepiléticos utilizados
como estabilizador do humor para
o tratamento da mania bipolar em
jovens.
8
Estudos em populações infantis não
obedecem aos mesmos modelos daqueles do adulto, justificando a cautela
em seu uso, monitoração laboratorial e
o ajuste da dose baseado na resposta
clínica, com a remissão dos sintomas
maníacos e psicóticos. Ainda se fazem
necessários estudos prospectivos e
controlados avaliando a segurança (de
longo prazo) e a eficácia das medicações
psicotrópicas, assim como o tratamento
das condições comórbidas na infância e
na adolescência.
De acordo com as diretrizes de consenso da Child and Adolescent Bipolar
Foundation (CABF), a monoterapia com
estabilizadores do humor tradicionais ou
antipsicóticos atípicos deve ser a primeira
escolha no tratamento de transtorno bipolar tipo I (maníaco ou misto) na ausência
de psicose associada. A associação de
um segundo estabilizador do humor ou
antipsicótico atípico deve suceder uma
resposta parcial à monoterapia, assim
como para casos com presença de sintomas psicóticos. O CABF não estabeleceu
nenhum algoritmo de tratamento para a
depressão bipolar, uma vez que não há
dados suficientes para embasar tal consenso na faixa etária pediátrica. As diretrizes da CABF e da American Academy of
Child and Adolescent Psychiatry (AACAP)
preconizam a terapêutica de manutenção
com a persistência das drogas e doses
utilizadas quando da estabilização do
quadro por um período de 12 a 24 meses
(ainda que não haja informação suficiente
neste sentido).
“(...) Deus não é compatível com as
máquinas, a medicina científica e a felicidade universal. Deve-se optar. Nossa
civilização escolheu a máquina, a medicina e a felicidade. Eis porque é preciso
guardar esses livros trancados no cofre.
Eles são indecentes (Huxley, 1972).”
Diante do exposto, é evidente que
ainda há um longo caminho a ser trilhado na pesquisa e desenvolvimento de
esquemas terapêuticos apropriados para
os transtornos do humor cujos sintomas
se iniciam na infância, visto que a mera
utilização de esquemas consagrados
como eficazes entre pacientes adultos
não surtem o efeito esperado em crianças
e adolescentes. Acredita-se que isto ocorra por particularidades de uma condição
clínica deflagrada tão precocemente no
curso da vida, ou por particularidades dos
mecanismos de metabolização e ação
terapêutica em organismos ainda em
desenvolvimento, hipóteses que devem
ser mais esmiuçadas. Questões éticas,
metodológicas e epidemiológicas tornam
esta busca ainda mais complexa, com
repercussões sobre as possibilidades de
oferecer aos nossos jovens uma melhor
resolução e evolução. Cabe, portanto,
dedicar a maior atenção e empenho ao
estudo deste tema para não lhes negar
um desenvolvimento satisfatório, face às
consequências que a depressão ou transtorno bipolar mal conduzidos na infância
podem acarretar.
Em suma, os transtornos do humor
na infância e adolescência não são raros,
mas extremamente importantes, não somente pela orientação terapêutica, como
também pelo diagnóstico diferencial e
Francisco B. Assumpção Jr.,
Psiquiatra da Infância e da
Adolescência. Livre Docente
em Psiquiatria pela Faculdade
de Medicina da Universidade
de São Paulo. Mestre e Doutor
em Psicologia pela Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo. Professor Associado do Departamento de Psicologia Clínica do Instituto
de Psicologia da Universidade de São Paulo. Membro da
Academia Paulista de Psicologia (cadeira 16).
pertinente). Para a prevenção de riscos
de suicídio, é preciso avaliar a real segurança de sua permanência em casa
nestas situações.
Referências bibliográficas:
1. HUXLEY, A. Admirável mundo novo. São
Paulo: Edibolso, 1972.
2. KUCZYNSKI, E.; ASSUMPÇÃO JR, F.B.
Depressão Infantil. Síndromes, p.9-11,
jan/fev 2012.
Bibliografia recomendada:
3. FU-I, BOARATI, MAIA e colaboradores
(2012). Transtornos afetivos na infância e
adolescência: diagnóstico e tratamento.
Porto Alegre: Artmed (376p.)
Evelyn Kuczynski, Pediatra.
Psiquiatra da Infância e da
Adolescência. Doutora pela
FMUSP. Pesquisadora voluntária do Projeto Distúrbios do
Desenvolvimento do Departamento de Psicologia Clínica
do IP-USP
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 4 • Julho • Agosto de 2012
consequente prognóstico. A abordagem
psicofarmacológica é de fundamental
importância, ainda que coadjuvada por
outras formas de abordagem (psicoterápicas, familiares e sociais), visando-se a
melhor solução para o problema.
O manejo da criança deve ser o mais
precoce possível, com avaliação e definição do tipo de tratamento. Deve-se fazer
a avaliação da sintomatologia depressiva
e as possíveis associações: diagnóstico,
falhas na educação, prejuízo no funcionamento/psicossocial, transtornos psiquiátricos, histórico de maus tratos. Se a
depressão for leve, realizam-se encontros
regulares, com discussões envolvendo a
criança/adolescente e seus pais, dando
suporte para aliviar o estresse e melhorar
o humor. Se a depressão for de maior
gravidade, deve-se indicar um tratamento mais direcionado (sob internação, se
9
e n tre v ista
Transtorno Bipolar
e Depressão
Dr. Miguel Angelo Boarati*
Jornalista responsável: Leandra Migotto Certeza**
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 4 • Julho • Agosto de 2012
1- Os transtornos de humor ou afetivos,
como a o bipolar e a depressão são alterações de energia, ânimo, jeito de pensar,
sentir e se comportar. Quando alguém
começa a perceber alguns dos principais
sintomas que devem ser observados para
procurar especialistas em busca de um
diagnóstico seguro?
10
A principal dica é o indivíduo perceber que está diferente do seu habitual. É
normal um dia acordarmos mais triste ou
mais feliz, sem motivo especial e sem que
isso seja uma doença. Já o portador de
algum transtorno do humor (depressão ou
transtorno bipolar) apresenta uma mudança
substancial em suas emoções, pensamentos e ações, sem que consiga modificar
esse estado e com importantes prejuízos
em sua vida prática. Em casos mais graves
há risco a integridade emocional e física,
como na tentativa de suicídio.
2- Qual a classificação dos transtornos de
humor? O que significa mania? Ela pode
surgir em pessoas com depressão ou somente com transtorno bipolar?
Os transtornos de humor classificam-se em transtorno unipolar ou simplesmente
depressão (que pode ser classificado em
leve, moderado ou grave), transtorno bipolar (tipo I, tipo II e tipo não especificado),
distimia, ciclotimia e transtorno de humor
sem outras especificações. A mania é uma
das fases ou pólos do transtorno bipolar e
só ocorre nesta doença, não surgindo em
pessoas com depressão. Ela se caracteriza
por uma felicidade extrema e exagerada
(chamada de euforia); grandiosidade, sensação de poder e bem estar, aumento de
energia e de pensamentos, menor necessidade de sono (alguns pacientes ficam dias
sem dormir e não se sentem cansados),
hiper-sexualidade, gastos excessivos,
busca intensa por atividades prazerosas e
de risco e diminuição da crítica. Em casos
extremos ocorrem delírios de poder, riqueza
ou grandeza (onde o indivíduo pode acreditar ser alguém dotado de poderes especiais
ou enviado direto de Deus). Um episódio de
mania precisa durar pelo menos uma semana ou menos se o paciente ficar psicótico.
3- O que significa a expressão bipolar? Explique porque substitui a expressão usada
antigamente ‘maníaco-depressivo’? Quais
são os principais preconceitos e estigmas
que as pessoas com esta doença passam?
Transtorno bipolar significa que a
doença tem dois pólos distintos, um de
mania (ou hipomania) e outro depressivo.
Há momentos em que o paciente pode
estar nas duas fases simultaneamente
que chamamos de fase mista. O termo
“Psicose maníaco-depressiva” caiu em
desuso porque nem sempre o paciente
4- Quais são as principais causas do transtorno bipolar? Existe cura ou é necessário
realizar tratamentos durante a vida toda?
Ele pode surgir em qualquer idade? Explique os ciclos de aparecimento da doença.
É uma doença em que fatores genéticos estão bem estabelecidos, mas não há
uma causa única. Fatores ambientais, perfil
cognitivo e traços de personalidade também
contribuem para sua gênese. É considerada uma doença crônica, assim como do
diabetes, hipertensão e o reumatismo,
mas existe tratamento que em muitos casos promovem estabilização total onde o
paciente pode levar uma vida normal, com
algumas restrições (como uso de álcool
ou privação de sono). Ela pode surgir em
qualquer idade (desde a fase pré-escolar
até a terceira idade), sendo mais comum
em adultos jovens, apesar de que muitos
bipolares que iniciaram com a doença na
fase adulta relatam o início dos sintomas
inespecíficos de mudanças do humor no
final da infância e início da adolescência.
Normalmente os casos de início precoce
(na infância e adolescência) o histórico
familiar de doenças do humor são mais
significativas.
5- Quais as principais causas e sintomas
da depressão? Existe cura? Ela pode surgir
em qualquer idade? Explique os ciclos de
aparecimento da doença.
Assim como o transtorno bipolar, a depressão (ou depressão unipolar) apresenta
muitos fatores relacionados com sua ocorrência, tanto fatores intrínsecos (genética,
traços de personalidade, vivências traumáticas na infância, modelos educacionais, perfil cognitivo) como extrínsecos (problemas
conjugais, insatisfação no trabalho, falta de
perspectiva de vida). Também pode ocorrer
em qualquer idade (da infância a velhice),
sendo mais comum também no final da
adolescência e vida adulta. Quanto maior
vulnerabilidade do individuo e os fatores de
risco maior é a chance da ocorrência dessa
doença ser mais precoce.
6- Quais as principais diferenças entre depressão e transtorno bipolar? As mesmas
características podem surgir em pessoas
diagnosticas com as duas doenças?
A doença depressão não possui a
fase de mania, hipomania ou fase mista,
portanto é também chamada de transtorno unipolar. Normalmente os quadros
depressivos no transtorno bipolar são
mais graves e pioram com o uso de antidepressivos.
7- O que é mania? Como identificar quando
uma pessoa está em estado de mania?
É a fase ou polo do transtorno bipolar
em que o indivíduo apresenta uma mudança
importante em seu humor basal com euforia
e uma extrema sensação de bem estar.
Além da euforia é preciso observar outros
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 4 • Julho • Agosto de 2012
está psicótico e em algumas situações o
paciente não apresenta mania, apenas hipomania ou fases mistas. Existem muitos
preconceitos e estigmas que pacientes e
familiares enfrentam ainda hoje apesar de
se dispor de maior facilidade de acesso a
informações. Algumas pessoas acreditam
que doenças afetivas sejam simples problemas emocionais ou religiosos e outras
pessoas menos escrupulosas falam em
problemas de caráter.
11
sintomas como irritabilidade, pressão de
fala (taquilalia), diminuição da necessidade
de sono, aumento de energia, aumento dos
pensamentos (quantidade e velocidade),
grandiosidade, arrogância, hiperatividade,
distraibilidade, prejuízo da crítica, gastos
excessivos, hipersexualidade e busca por
atividades prazerosas ou de risco. É necessária uma semana de sintomas para se
fechar o diagnóstico de mania.
8- O que é hipomania? Como ela surge em
pessoas com depressão e/ou transtorno
bipolar?
A hipomania lembra o estado de mania,
mas bem mais brando, sem euforia ou sintomas psicóticos (de grandeza ou poder). A
hipomania só ocorre em transtorno bipolar.
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 4 • Julho • Agosto de 2012
9- Qual a diferença de ter depressão e estar deprimido ou triste? Como identificar
sinais que indicam o momento de procurar
um médico psiquiatra?
12
A tristeza é um sentimento normal e
importante. Ficamos tristes quando perdemos algo ou alguém ou quando alguma
coisa não dá certo ou quando estamos
entediados. Mas isso logo se dissipa e
logo conseguimos retomar nossa vida. Na
depressão existe uma tristeza mais acentuada e permanente, que não melhora com
o apoio da família. Além disso, o individuo
apresenta alterações físicas com piora no
padrão de sono e de alimentação, cansaço
e falta de energia, dificuldade de concentração, pensamentos negativos e um intenso
sentimento de culpa e de inutilidade. É
muito comum o pensamento de morte e
tentativas de suicídio.
10- Como surge o estado misto de sintomas de depressão e mania?
O estado misto é uma das fases do
transtorno bipolar, em que ao mesmo
tempo o indivíduo apresenta sintomas de
depressão e mania.
11- O que acontece se as pessoas com
depressão e/ou transtorno bipolar não
se tratam?
Várias são as complicações dentre
elas piora progressiva dos sintomas e estado crônico dos mesmos. É comum que
pessoas que não aceitam o tratamento
comecem a apresentar perdas importantes
no padrão de vida e de relacionamento,
além de perdas cognitivas que podem ser
temporárias ou permanentes a depender
do tempo de evolução da doença e da
gravidade da mesma.
12- Quais os principais tratamentos medicamentosos para depressão e transtorno
bipolar?
Para a depressão unipolar utilizam-se
os antidepressivos. Hoje em dia existem
diferentes classes dessas medicações
com perfil de resposta clínica e tolerâncias
distintas. Já o transtorno bipolar exige o
uso de medicações chamadas estabilizadoras do humor. A mais importante é o
lítio, mas também alguns antiepilépticos
e antipsicóticos de segunda geração. Os
antidepressivos poderão ser usados na
fase depressiva da doença, mas com o
cuidado, pois há risco de virada maníaca
(o paciente sair da depressão e ir para a
mania).
O tratamento psicoterápico nas diferentes linhas psicológicas (psicanalítica,
junguiana, cognitivo-comportamental, comportamental) e nas diferentes modalidades
(individual, grupo e familiar) é essencial
no sentido de trabalhar conflitos, ajudar
o paciente elaborar perdas e desenvolver
recursos emocionais e cognitivos para lidar
com as demandas da vida e da sua doença. Também é essencial a psicoeducação,
onde o paciente e a familiar aprendem sobre a doença e como lidar com as diferentes
facetas dela.
14- Quais os perigos de tomar bebidas
alcoólicas ou fazer uso drogas ilícitas
quando se tem diagnóstico de depressão
e/ou transtorno bipolar?
Substâncias psicoativas como drogas
ilícitas e o álcool pioram a evolução clínica
da depressão e transtorno bipolar, além de
prejudicarem significativamente a resposta
dos medicamentos.
15- Quando surgiram os principais casos
de depressão e transtorno bipolar na
história da medicina? Quais os principais
avanços nos tratamentos de hoje?
Os primeiros relatos bem descritos
estão na antiguidade clássica, na Grécia.
Na época acreditava-se que as pessoas
fossem regidas por humores que eram
líquidos corporais que modulavam as emoções das pessoas. O desequilíbrio dessas
substâncias produziam as alterações
emocionais. Hoje sabemos que existem
fortes componentes biológicos na gênese
de todos os transtornos mentais, inclusive
nos transtornos do humor. Além disso, estressores psicossociais contribuem para o
desencadeamento, manutenção e piora dos
episódios da doença de humor.
16- Qual a probabilidade de mulheres, homens ou crianças terem depressão e/ou
transtorno bipolar?
A depressão é mais prevalente em
mulheres, mas com aumento significativo
em homens, girando em torno de 20-30%.
A prevalência aumenta com a idade. Já o
transtorno bipolar é mais raro, girando em
torno de 1 a 2% o tipo I (mania-depressão)
e em torno de 4% o tipo II (hipomania e
depressão). Mas quando consideramos o
espectro bipolar (que incluem pessoas que
apresentam alguns sintomas de bipolaridade sem preencherem todos os critérios
diagnósticos) a prevalência sobe para 8 a
10% da população.
17- Qual a importância do apoio da família
durante o tratamento dessas doenças? E
qual a importância das associações de portadores e familiares para a troca de experiências entre as pessoas com as doenças?
É fundamental o apoio e o engajamento da família, porque muitas vezes outros
membros podem estar doentes sem saber.
A família é ponto de apoio, junto com os
amigos, para contribuir para a melhor adesão ao tratamento e ajuda nos momentos
em que os sintomas ficam agudos. Grupos
de autoajuda também contribuem bastante
no conhecimento e na quebra dos tabus
e preconceitos que cercam as doenças
afetivas.
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 4 • Julho • Agosto de 2012
13- Qual a importância de realizar um tratamento psicológico junto com o uso de
medicamentos?
13
18- Qual a mensagem que o senhor deixa
para os leitores da Revista Síndromes sobre transtorno bipolar e depressão?
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 4 • Julho • Agosto de 2012
Os transtornos do humor são altamente prevalentes em nossa população e sua
prevalência vem aumentando assim como
muitas outras doenças que no passado
eram mais raras como a obesidade, hipertensão, diabetes e cânceres. É importante
entender que depressão e transtorno bipolar são doenças que geram um importante
sofrimento e prejuízo ao portador, com
perda da qualidade de vida e de seu funcionamento global. São doenças com alta
carga genética, onde fatores ambientais
promovem o início mais precoce e mais
grave. Também são doenças que são
14
*Miguel Angelo Boarat, 41
anos é Psiquiatra da Infância e
Adolescência, Coordenador do
ambulatório do Programa de
Transtornos Afetivos (PRATA)
do Hospital Dia Infantil (HDI),
do Serviço de Psiquiatria
da Infância e Adolescência (SEPIA), e do Instituto de
Psiquiatria (IPq) do Hospital das Clínicas de São Paulo.
Contatos: [email protected] e www.psiquiatriaboarati.com.br
Livros publicados: www.viversaude.com.br
tratadas com melhora significativa dos
sintomas e controle das crises. Porém,
infelizmente ainda hoje existem poucos
serviços públicos destinados ao tratamento
dessas pessoas, além de desinformações
e preconceitos que atrapalham a busca de
ajuda precocemente.
**Leandra Migotto Certeza
é bacharel em Comunicação
Social pela Universidade
Anhembi Morumbi, jornalista
desde 1998, e repórter especial da Revista Síndromes. Foi
editora da Revista Sentidos e
Ciranda da Inclusão, além de
escrever para diversos portais como Setor 3 do SENAC/
SP, Rede SACI/USP e Inclusive. Ela tem deficiência física
(Osteogenesis Inperfecta), é assessora de imprensa da
ABSW – Associação Brasileira de Síndrome de Williams,
consultora em inclusão (premiada em Lima e na Colômbia), e mantém o blog “Caleidoscópio – Uma janela
para refletir sobre a diversidade da vida”: http://leandramigottocerteza.blogspot.com/. Conheçam os modelos
de palestras, encontros, oficinas, cursos, treinamentos
e materiais informativos sobre Diversidade e Inclusão,
realizados em empresas, escolas, ONGs, centros
culturais e grupos de pessoas no site da Caleidoscópio
Comunicações – Consultoria em Inclusão: https://sites.
google.com/site/leandramigotto/
dese n v olv ime n to
Sobre a noção de tempo
Psicóloga e Pesquisadora do Projeto
Distúrbios do Desenvolvimento da USP,
Mestranda em Psicologia Clínica pelo
Instituto de Psicologia da Universidade
de São Paulo (IP-USP), Especialista em
Terapia Comportamental e Cognitiva pelo
Hospital Universitário da Universidade de
São Paulo (HU-USP) e Psicóloga do Setor
de Psicologia Infantil da Associação de
Assistência à Criança Deficiente (AACD).
Em 1992, no Rio de Janeiro, a
canadense Severn Suzuki de 12 anos,
na introdução de seu discurso para os
líderes mundiais, disse: “Ao vir aqui
hoje, não preciso disfarçar meu objetivo,
estou lutando pelo meu futuro.” Embora
tenha tido poucos resultados práticos,
como pudemos acompanhar durante a
Rio+20, suas palavras emocionaram
líderes e ambientalistas na ocasião e
foram relembradas por vários meios
de comunicação durante a conferência
neste ano. Deixemos de lado a política
e a economia e pensemos um pouco na
espantosa habilidade dos seres humanos
de viajar no tempo ao se lembrar do que
foi dito naquela ocasião e da capacidade
de se lançar no futuro, como Severn foi
capaz de fazer.
Frequentemente ignorada nos experimentos científicos, a noção de
tempo é um componente central tanto
de processos psicológicos da percepção, quanto de funções cognitivas mais
complexas, como aprendizagem e planejamento. No nível mais elementar, o
tempo é essencial no processamento de
estímulos que alcançam a visão, o tato
e a audição, e cada um desses sistemas
sensoriais possui substratos neuronais
especializados na organização sequencial
dos eventos percebidos, da frequência de
sua ocorrência e de sua duração.
A temporalidade faz parte das habilidades complexas em primatas, especialmente nos humanos. A capacidade de
colocar os eventos em uma linha do tempo possibilita organizar psicologicamente
o mundo exterior e interior, e nos auxilia
no planejamento das ações futuras; por
isso a noção de tempo e sequência dos
acontecimentos são intrínsecas a outras
funções altamente elaboradas, como memória e estabelecimento de metas. Como
outras habilidades, elas sofrem um incremento durante o desenvolvimento normal
da criança, até atingirem um alto grau
de complexidade na idade adulta, e são
passíveis de prejuízos nos transtornos de
desenvolvimento e perdas nas lesões e
doenças que acometem o cérebro.
Tempo e Percepção
Diferentemente de outras propriedades da percepção, como localização,
orientação e reconhecimento, por exemplo, o componente temporal começou a
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 4 • Julho • Agosto de 2012
Melanie Mendoza
15
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 4 • Julho • Agosto de 2012
16
ser estudado apenas mais recentemente
por meio do estudo da visão, muito embora se admita que suas propriedades
ocorram em todas as vias sensoriais.
Através de modelos animais, da avaliação
de pacientes com lesões e de estudos
com voluntários normais foram encontradas regiões denominadas caminho
“quando”. Localizado no lobo parietal
direito do cérebro, o caminho “quando” é formado por uma série de áreas
funcionais e anatômicas encarregadas de
processar e analisar intervalos de tempo
mais longos do que aqueles processados
por áreas do córtex cerebral responsáveis
por uma análise no nível mais elementar
das informações provenientes do meio
(denominadas áreas corticais primárias) e
mais curtas do que aqueles intervalos de
tempo que exigem julgamento cognitivo
de nível superior, dos quais falaremos
mais adiante.
Esse intervalo de tempo intermediário abrange a coreografia de eventos em
andamento, tais como transformações e
deslocamentos de um objeto no campo
perceptivo e aparecimento e desaparecimento de objetos. É fundamental para que
o indivíduo seja capaz de estabelecer a
natureza e fluxo dos eventos e, portanto,
organizar as informações que chegam através das vias sensoriais e servirão de base
para as próximas ações e para a construção de um conhecimento do mundo.
Durante toda a vida, mas em especial
no período que vai de zero a 24 meses
aproximadamente, denominado por Piaget de estágio sensório-motor, o caminho
“quando” desempenha importante função
na aprendizagem baseada na percepção
e na interação motora com os objetos e
agentes do mundo. Durante este estágio,
a noção de tempo organiza sequências
de eventos e as interações entre a ação
da criança e uma consequência no meio.
Conforme vai sendo ampliada a capacidade de manter a atenção por períodos
maiores, a criança observa sequências
mais duradouras e mais complexas de
eventos, construindo teorias, algumas
implícitas e não formais, acerca do mundo físico e das pessoas. Achados mais
recentes, não contemplados pela teoria
piagetiana, demonstram que, nos primeiros meses, bebês distinguem diferenças
melódicas e rítmicas de segmentos
musicais simples, o que exige, como
sabemos, capacidades relacionadas
à duração e sequência de eventos e,
portanto, intervalos de tempo diferentes
entre dois sons.
A perda dessas habilidades é chamada de agnosia de tempo, e se caracteriza
por uma incapacidade adquirida de perceber e reconhecer a ordem cronológica ou,
de outra forma, o que aconteceu “antes”
e o que aconteceu “depois”. Esse quadro
foi descrito por Critchley em 1953, já relacionando com lesões de lobo parietal
direito: “Mais interessante e complicada
dessas doenças do processamento espacial são aquelas que também envolvem
a concepção de tempo (...) é preciso distinguir entre um sentido de tempo primitivo da gnosia da concepção de tempo.”
Embora esses casos raramente ocorram
de maneira isolada de outras agnosias, a
sua ocorrência serve de evidência da existência de áreas cerebrais especializadas.
Tempo e memória
A linha do tempo de nossa vida organiza a memória e é ela que permite a
• Memória procedimental: contém informações que não temos consciência
de possuir, que foi adquirida de implícita e está relacionada ao caminho
“quando”, mencionado anteriormente.
Fazem parte deste tipo de aprendizagem os esquemas motores, como
dirigir e andar de bicicleta, e os dois
tipos de condicionamento, operante e
respondente.
A noção de tempo nesse tipo de memória está relacionada aos processos de
aprendizagem de novos procedimentos
e fortalecimento ou enfraquecimento de
uma resposta ou respondente. No caso
dos procedimentos motores, a noção de
tempo nos informa a sequência de ações
corretas. Por exemplo, precisamos colocar a bicicleta em movimento antes de
tirarmos os pés do chão ou precisamos
apertar o botão de canal da TV depois do
botão de ligar. No caso do fortalecimento
ou enfraquecimento de uma resposta, a
noção de tempo é fundamental na diferenciação entre causa e consequência.
Por exemplo, depois que a criança diz
“mamãe”, a mãe fala com ela. Vale mencionar que esses dois tipos de processos
ocorrem ao mesmo tempo, uma vez que
um ato motor executado adequadamente tem maior probabilidade de trazer a
consequência desejada para aquele que
o executou, aumentando a probabilidade
de que ele ocorra novamente no futuro
(condicionamento operante).
• Memória declarativa: este tipo de memória contém informações adquiridas
de maneira explícita e que somos
conscientes de possuir. Pode ser:
a) semântica: está relacionada ao armazenamento e evocação de informações
de fatos e eventos e é independente
do contexto em que foi adquirida, por
exemplo: “O Brasil foi descoberto
em 1500 e ficou independente de
Portugal em 1822.” A memória semântica é normalmente associada à
aprendizagem acadêmica e à cultura
geral. Costuma ter menos componentes emocionais e, de maneira geral,
é fortalecida através de estratégias
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 4 • Julho • Agosto de 2012
“viagem mental ao passado”. Embora a
memória e aprendizagem já tivessem sido
estudadas anteriormente, o conhecimento de sua organização e de tipos diferentes de aprendizagem deu um grande salto
através do estudo do famoso caso H.M.
pela neuropsicóloga Brenda Mulner. Esse
paciente, em virtude de uma epilepsia de
difícil controle, foi submetido a uma ampla cirurgia, que consistiu da ressecção
de porções bilaterais do lobo temporal.
Como resultado, o paciente adquiriu um
quadro muito grave de amnésia anterógrada, um déficit altamente incapacitante,
pois consiste em uma perda da habilidade
de adquirir novas aprendizagens, fazendo
com que o individuo fique “vivendo no
momento presente” e, por isso, ele fica
privado de uma linha do tempo em que os
eventos vão sendo registrados à medida
que se sucedem. Este caso trágico serviu
para, entre outros achados, esclarecer os
tipos distintos de memória, uma vez que
alguns tipos de aprendizagem permaneceram preservados, especialmente as
perceptomotoras.
O caso H.M. contribui para a descoberta de que, de acordo com a natureza
da informação, as memórias, de maneira
simplificada, podem ser:
17
de memorização, como repetição e
associação a outros conteúdos.
A linha do tempo, neste caso, está
associada à sequência de eventos, de
maneira similar à reta numérica. É codificada e decodificada com símbolos
numéricos.
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 4 • Julho • Agosto de 2012
b)episódica: contém informações de
fatos e eventos particulares de um
contexto determinado e permite a
codificação de informação relativa a
associações e eventos de caráter pessoal. O sistema de memória declarativa
episódica é formado pelo registro dos
eventos contextualizados no tempo e
no espaço; podem ser tanto eventos
de domínio público, como a “queda do
muro de Berlim”, ou memórias autobiográficas, como o “dia de nascimento do
meu filho”. A noção de tempo nestes
tipos de registros é crucial, uma vez
que organizam a história de nosso
meio sociocultural e dão a noção de
identidade para o indivíduo.
18
Quando acessamos os dados de
nossa memória, somos capazes de viajar no tempo e construir uma noção de
self. Por causa dessas características, a
organização cronológica exige habilidades
cognitivas complexas, como o desenvolvimento da linguagem de forma que ele dê
subsídios à “narrativa”; por essa razão,
ela só começa a ocorrer de maneira mais
consistente após os três anos de idade,
quando as crianças começam a ser capazes de construir uma “narrativa pessoal”,
situando e sendo capaz de comunicar os
eventos não apenas em um “onde”, mas
também em um “quando”.
A noção de tempo na memória autobiográfica está de maneira usual fortemente relacionada a conteúdos que possuem coloração afetiva própria; por isso
a noção de tempo, embora organizado
cronologicamente, nem sempre obedece
a uma divisão objetiva. Ou seja, o “quando” segue a ordem cronológica, mas nem
sempre recuperamos adequadamente o
“por quanto tempo” sem ajuda de um
sistema externo de medição.
Em crianças mais novas ou em quadros que cursam com deficiência intelectual, por exemplo, essas habilidades
estão prejudicadas e, embora a noção
de causalidade ou sequência de eventos possa estar preservada, dificilmente
é construída de maneira espontânea
uma narrativa de vida. Já, na Doença de
Alzheimer, não apenas vai havendo um
agravamento da capacidade de consolidar
novas memórias, mas as lembranças vão
sendo apagadas de acordo com a ordem
cronológica, sendo as mais remotas as
últimas a serem perdidas.
O estudo do lobo temporal, em especial o hipocampo, também revelou alguns
aspectos intrigantes do papel adaptativo
da retenção e recuperação de informações: se, em animais como roedores,
os processos de memória estão relacionados a tarefas de navegação, como
orientação geográfica em diversas formas
de labirinto, nos primatas e, sobretudo
em humanos, destacam-se memórias relacionadas a conteúdos autobiográficos.
Essa discrepância pode ser resolvida se
considerarmos que a especialização do
hipocampo para navegação espacial no
ambiente animal pode ter sido adaptada
em primatas em um espaço interno,
virtual, mental, nos dando uma pista da
Tempo e planejamento
Quanto mais complexa a tarefa, mais
interligados estão os processos cognitivos. Como vimos anteriormente, a noção
de tempo está relacionada a todos os
processos de aprendizagem, da infância à
vida adulta. No entanto, essa “viagem no
tempo” não se restringe a uma “viagem ao
passado”, mas nossa espécie é capaz de
realizar também uma “viagem ao futuro”.
Concomitantemente ao desenvolvimento
das habilidades de planejamento e operações concretas e abstratas, ocorre um incremento da capacidade de compreender
e utilizar o tempo, que neuroanatomicamente está relacionada principalmente ao
desenvolvimento do córtex pré-frontal, que
tem a fase final de seu desenvolvimento
na adolescência, correlato ao período piagetiano denominado operacional formal,
caracterizado pela emergência do raciocínio lógico abstrato, que é a capacidade
de estabelecer relações sobre fenômenos
imaginados.
Ao longo da adolescência vamos
sendo capazes de nos lançar ao futuro,
de maneira cada vez mais sistemática,
percorrendo mentalmente as possibilidades de caminhos em direção a metas e
consequências de longo prazo, até que,
ao final desse período, somos capazes
de iniciar ações cujos resultados podem
estar anos adiante. É nessa faixa etária
que pensamos em carreiras ou na sociedade em que desejamos viver: Severn,
citada no início deste artigo, aos 12
anos, estava justamente nessa etapa do
desenvolvimento.
Essas habilidades só são possíveis
porque já estão desenvolvidas noções
claras de tempo cronológico de maior
duração e o intervalo necessário para
execução de tarefas complexas, além
da capacidade de manter-se concentrado em atividades cujas consequências
desejadas não são mais imediatas. Na
idade adulta somos capazes de tomar
decisões e executar ações cujo benefício
só poderá ser percebido até mesmo décadas adiante, como deixar de fumar, fazer
exames de rotina, contratar um plano de
previdência, para citar alguns exemplos
apenas no nível individual.
Pais de crianças pequenas frequentemente queixam-se de que os filhos são
“muito ansiosos” em relação a coisas
que estão para acontecer, mesmo aqueles que possuem fortes características
positivas. Isso se deve, em parte, a uma
percepção de que a “ida ao parque”, por
exemplo, pode ocorrer a “qualquer momento”, pois nessa etapa do desenvolvimento o tempo que deve decorrer “até sábado” não é plenamente compreendido,
assim como “daqui a uma hora”. Assim
como ocorre em relação à memória
autobiográfica, nos transtornos que interferem no desenvolvimento cognitivo
das crianças, a noção de tempo futuro
também é prejudicada. No Transtorno de
Déficit de Atenção e Hiperatividade, por
exemplo, em que está preservado o nível
intelectual, é descrita uma inabilidade de
planejar não apenas todos os passos de
execução de uma tarefa, mas também
o tempo necessário para executá-la; por
causa disso, alguns autores descrevem
uma “cegueira para tempo” no TDAH.
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 4 • Julho • Agosto de 2012
importância evolutiva relacionada não
apenas aos conteúdos armazenados,
mas também à organização cronológica
para nossa espécie.
19
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 4 • Julho • Agosto de 2012
Considerações Finais
20
O avanço do conhecimento acerca
do cérebro e dos processos mentais,
subsidiado pelas ciências cognitivas,
tem permitido maiores esclarecimentos
sobre a noção de tempo, muito embora,
em relação a outras habilidades perceptivas, seus dados sejam escassos. Intrinsecamente relacionada aos processos
de aprendizagem e memória, a noção
de tempo nos fornece o fio condutor de
nossa história e, portanto, é fundamental
na construção de um “eu” com passado
e futuro. A percepção cognitiva de tempo
decorrido nos permite estabelecer relações de causalidade entre o que somos
hoje, o que nos aconteceu no passado e
o que seremos no futuro, tanto no nível
individual, quanto em termos de grupo
familiar, social ou como espécie.
As diferenças no processamento da
memória entre a nossa e as outras espécies nos dá pistas sobre a importância
evolutiva da “viagem no tempo” para
os humanos. A recuperação de dados
que podem ser utilizados como fonte
de conhecimento no tempo atual para
alcançar metas futuras, inclusive para o
tempo além de nossa própria existência,
tal como preocupações com o mundo que
deixaremos para nossos descendentes,
são indicadores da alta complexidade dos
processos mentais dos quais uma noção
de tempo faz parte.
Referências bibliográficas:
1. Battelli, L., Walsh, V., Pascual-Leone,
A., & Cavanagh, P. (2008). The “when”
parietal pathway explored by lesion
studies. Current opinion in neurobiology,
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dois e seis anos. In: C. Coll, A. Marchesi,
& J. Palácios, Psicologia Evolutiva (Vol. I
Psicologia Evolutiva, pp. 142-159). Porto
Alegre: Artmed.
reabilita ç ã o
Escola especial: conceitos e
reflexões
No século passado, o médico inglês
Jonh Longdon Down descreveu alguns
sinais físicos semelhantes num grupo
distinto de pessoas. Quanto ao comportamento dessas pessoas, o médico inglês
as qualificou como amistosas, amáveis,
mas improdutivas e incapazes para viver
socialmente. Essa foi a primeira descrição da síndrome de Down, a forma mais
comum de deficiência intelectual causada
por uma alteração genética.
De lá para cá, muito se evoluiu na
forma de pensar e entender os indivíduos
com deficiência. Muito se aprendeu sobre a capacidade de adaptação dessas
crianças que hoje são produtivas e podem
não só viver na sociedade como serem
produtivas e capazes de uma vida plena
e feliz.
Longe de propor soluções ou ditar
qualquer regra ou verdade absoluta, este
texto tem como objetivo fazer uma breve
revisão histórica da educação especial e
posteriormente da inclusão escolar, para
ao final levar o leitor a uma reflexão sobre
os caminhos para a educação no país de
forma geral e mais especificamente, das
pessoas com necessidades especiais.
Histórico
Desde a Antiguidade, com a eliminação física ou o abandono, passando
pela prática assistencialista da Idade
Média, o que também era uma forma de
exclusão, ou na Idade Moderna, em que o
Humanismo, ao exaltar o valor do homem,
tinha uma visão patológica da pessoa
que apresentava deficiência, observamos
que o deficiente independente das diversas formações sociais, sempre esteve
à margem da sociedade. A forma como
se lida com a pessoa que apresentava
deficiência reflete a estrutura econômica,
social e política do momento.
O deficiente por muitos séculos foi
tido como “problema” e segregado ao
convívio social escasso e a ausência de
oportunidades tanto acadêmicas quanto
sociais.
A história da educação especial começa a ser traçada no século XVI, com
médicos e pedagogos que, desafiando os
conceitos vigentes na época, acreditaram
nas possibilidades de indivíduos até então considerados ineducáveis. Centrados
no aspecto pedagógico, numa sociedade
em que a educação formal era direito de
poucos, esses precursores desenvolveram seus trabalhos em bases empíricas,
muitas das vezes, sendo eles próprios os
professores de seus pacientes.
Entretanto, apesar de algumas escassas experiências inovadoras desde
o século XVI, o cuidado foi meramente
assistencial, sem qualquer preocupação
em preparar o deficiente para ser independente ou adaptado.
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 4 • Julho • Agosto de 2012
dra. Alessandra Freitas Russo
Christine Luise Degen
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SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 4 • Julho • Agosto de 2012
22
A institucionalização em asilos e
manicômios foi a principal resposta social para tratamento dos considerados
diferentes. Foi uma fase de segregação,
justificada pela crença de que a pessoa
diferente seria mais bem cuidada e protegida se confinada em ambiente separado.
Essa proposta tinha ainda, outro objetivo,
que era também proteger a sociedade dos
“anormais”.
Durante a maior parte da História
da Humanidade, o deficiente foi vítima
de segregação, pois a ênfase era na
sua incapacidade, na anormalidade. Na
década de 70 surgiu o movimento da Integração, com o conceito de normalização,
expressando que ao deficiente devem ser
dadas condições as mais semelhantes às
oferecidas na sociedade em que ele vive.
Inserir o deficiente nos vários aspectos de
seu grupo e não só na escola, passou a
ser um novo modelo de olhar a educação
destes indivíduos.
Vários pesquisadores já evidenciaram que descrever a história da Educação
Especial para deficientes mentais no Brasil não é uma tarefa simples (FERREIRA,
1989; MENDES, 1995), uma vez que
não encontramos na literatura disponível
estudos sistematizados sobre o assunto.
A história da Educação Especial no
Brasil tem como marcos fundamental a
criação do “Instituto dos Meninos Cegos”
(hoje “Instituto Benjamin Constant”) em
1854, e do “Instituto dos Surdos-Mudos”
(hoje, “Instituto Nacional de Educação
de Surdos – INES”) em 1857, ambos na
cidade do Rio de Janeiro, por iniciativa do
governo Imperial.
Assim, a Educação Especial se caracterizou por ações isoladas e o atendimento se referiu mais às deficiências visuais,
auditivas e, em menor quantidade, às
deficiências físicas. Podemos dizer que
em relação à deficiência mental houve um
silêncio quase absoluto por muito tempo.
Em 1967, a Sociedade Pestalozzi do
Brasil, criada em 1945, já contava com
16 instituições por todo o país. Criada em
1954, a Associação de Pais e Amigos dos
Excepcionais já contava também com 16
instituições em 1962. Nessa época, foi
criada a Federação Nacional das APAES
(FENAPAES) que, em 1963, realizou seu
primeiro congresso.
Educação Especial
O Brasil é considerado um dos piores
países do mundo em investimentos na
área da educação. Em relação à educação
especial essa realidade não é diferente.
Entretanto, apesar do pouco investimento
e do descaso político, a educação especial foi ganhando seu espaço de forma
lenta, por meio da criação de inúmeras
instituições, geralmente filantrópicas e
nascidas a partir de movimentos da própria sociedade.
Essas instituições eram de caráter
assistencialista e cumpriam apenas sua
função de cuidado aos deficientes.
Por educação especial entende-se o
atendimento educacional de pessoas com
necessidades especiais, isto é, daqueles
que apresentam deficiências mentais,
físicas, sensoriais, múltiplas deficiências
e os superdotados. Embora a pessoa
com necessidades especiais deva ser
vista primeiramente como PESSOA, ele
é também uma pessoa diferente.
Sendo assim, o desenvolvimento
harmonioso do educando sob o aspecto
individual, individual-social e predominan-
A partir da década de 90 as discussões referentes à educação das
pessoas com necessidades especiais
começaram a adquirir alguma consistência, face às políticas anteriores. A
nova LDB 9.394/96 em seu capítulo V
coloca que a educação das pessoas com
necessidades especiais devem se dar de
preferência na rede regular de ensino, o
que traz uma nova concepção na forma
de entender a educação e integração
dessas pessoas.
Pesquisas têm confirmado que a
inclusão escolar vem se efetivando de forma inadequada, longe do ideal, revelando
o pouco interesse e investimento neste
processo. Com isto pode se dizer que
não se deve simplificar o processo, ou
seja, achar que incluir signifique apenas
mudar o aluno de endereço, ou seja, sair
da escola especial ou classe especial e ir
para a classe comum do ensino regular.
São muitos os fatores envolvidos, os
quais sem dúvida estão sendo desconsiderados ao se efetivar a inclusão escolar.
As crianças são consideradas educacionalmente “especiais” somente quando
suas necessidades exigem a alteração do
programa, ou seja, quando os desvios de
seu desenvolvimento atingem um tipo em
um grau que requerem providências pedagógicas desnecessárias para a maioria
das crianças.
O discurso acerca da inclusão de
pessoas com deficiência na escola, no
trabalho e nos espaços sociais em geral,
tem-se propagado rapidamente entre educadores, familiares, líderes e dirigentes
políticos, nas entidades, nos meios de
comunicação. Isto não quer dizer que a
inserção de todos nos diversos setores
da sociedade seja prática corrente ou
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 4 • Julho • Agosto de 2012
temente social é o que se pretende atingir
no processo educativo. A auto-realização,
a qualificação para o trabalho, o exercício
consciente da cidadania são decorrências
de uma ação educativa eficaz e eficiente,
seja ela dirigida a indivíduos portadores
de necessidades especiais ou não.
As diferenças entre a Educação
Especial e a Educação comum não se
encontram nos aspectos filosóficos, mas
sim nas estratégias de ação que lhe são
próprias e múltiplas.
A Educação Especial é definida como
a modalidade de ensino que se caracteriza por um conjunto de recursos e serviços
educacionais especiais organizados para
apoiar, suplementar e, em alguns casos,
substituir os serviços comuns, de modo
a garantir a educação formal dos educandos que apresentam necessidades
educacionais muito diferentes das da
maioria das crianças e jovens. A defesa
da cidadania e do direito à educação das
pessoas com necessidades especiais é
atitude muito recente em nossa sociedade.
Assim, a educação especial foi constituindo-se como um sistema paralelo ao
sistema educacional geral, até que, por
motivos morais, lógicos, científicos, políticos, econômicos e legais, surgiram as
bases para uma proposta de unificação.
Em meados da década de 90, no
Brasil, observando movimentos em outras
partes do mundo, já mais avançados,
começaram as discussões em torno do
novo modelo de atendimento escolar
denominado Inclusão Escolar. Esse
novo paradigma surge como uma reação
contrária ao processo de segregação, e
sua efetivação prática tem gerado muitas
controvérsias e discussões.
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SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 4 • Julho • Agosto de 2012
24
uma realidade já dada. Ou que possa
ser olhado como um processo simples
e natural. Esse olhar equivocado sobre
a inclusão do deficiente pode gerar
consequencias para o deficiente e suas
familias, expondo-os a uma realidade de
exposição e discriminação sem o adequado suporte.
As políticas públicas de atenção a
este segmento, geralmente, estão circunscritas ao tripé educação, saúde e
assistência social, sendo que os demais
aspectos costumam ser negligenciados.
Para a educação, o sujeito com deficiência é um “aluno especial”, cujas necessidades específicas demandam recursos,
equipamentos e níveis de especialização
definidos de acordo com a condição física,
sensorial ou mental. O que se observa são
ações isoladas e simbólicas ao lado de um
conjunto de leis, projetos e iniciativas insipientes e desarticuladas entre as diversas
instâncias do poder público. Em todos os
casos, percebemos uma concepção de um
processo, incompleto sem a necessária
incorporação das múltiplas dimensões da
vida humana. Observamos famílias amedrontadas frente à exposição de seus filhos
a uma realidade inóspita sem a preparação
física e profissional para recebê-los.
Hallahan e Kauffman (1994) apontam
que a proposta de “inclusão total” ainda
hoje sofre considerável resistência, com
base nos seguintes argumentos:
a) há muitos pais, professores (tanto
do ensino regular quanto do especial),
especialistas e os próprios educandos,
que estão satisfeitos com os serviços
baseados no continuum;
b) para alguns tipos de dificuldade
(como as deficiências graves, os graves
problemas comportamentais ou as desor-
dens sérias na comunicação) pode ser
mais restritiva e segregadora a sala de
aula comum do que um tipo de colocação
mais protegida e estruturada;
c) nem todos os professores e educadores do ensino regular estão dispostos
a, ou mesmo são capazes de lidar com
todos os tipos de alunos com dificuldades
especiais, principalmente com os casos
de menor incidência – mas de maior gravidade – que exigem recursos técnicos e
serviços diferenciados de apoio;
d) a afirmação de que as pessoas
deficientes compõem um grupo minoritário em luta pelos seus direitos civis,
como qualquer outra minoria oprimida
e segregada, é um argumento falacioso
para sustentar a defesa da “inclusão
total”, porque, além de grupo minoritário, eles têm dificuldades centradas
nos seus mecanismos de aprendizagem
e precisam de respostas educacionais
diferenciadas, nem sempre disponíveis
na classe comum;
e) um dos principais direitos de qualquer minoria é o seu direito de escolha,
sendo que os pais ou tutores desses
alunos devem ter liberdade para escolher
o que acham melhor para os seus filhos;
f) desconsiderar a evidência empírica
de que há eficácia em alguns tipos de resposta mais protegida, para alguns tipos
de alunos com dificuldades especiais na
escola, seria uma atitude profissionalmente irresponsável e antiética;
g) na ausência de dados que suportem a vantagem do modelo, os educadores e políticos deveriam preservar o contínuo de serviços, para que, em qualquer
momento, seja salvaguardada a escolha
daquele que se mostrar menos restritivo
para as circunstâncias.
de acesso à escola comum, não define
obrigatoriedade e até admite a possibilidade de escolarização que não seja na
escola regular.
Em resumo, ao longo dos últimos
trinta anos, tem-se assistido a um grande
debate acerca das vantagens e desvantagens da inclusão escolar. A questão
sobre qual é a melhor forma de educar
crianças e jovens com necessidades educacionais especiais não tem resposta ou
receita pronta.
Na atualidade, as propostas variam
desde a ideia da inclusão total – posição
que defende que todos os alunos devem
ser educados apenas e só na classe
da escola regular – até a ideia de que a
diversidade de características implica a
existência e manutenção de um contínuo
de serviços e de uma diversidade de
opções.
É importante que as pessoas ligadas
ao deficiente, sejam familiares, equipe de
saúde ou educação estejam atentos às
necessidades do deficiente e independente das discussões teóricas e filosóficas,
pensar a deficiência como diferentes possibilidades de adaptação e funcionalidade
deve, obrigatoriamente, nortear todas as
escolhas e decisões tomadas em relação
a essa população.
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SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 4 • Julho • Agosto de 2012
Enfim, sob a bandeira da inclusão
são encontradas, na atualidade, práticas bastante distintas, o que garante
um consenso apenas aparente e acomoda diferentes posições que podem
ser extremamente divergentes. Uma
tomada de posição consciente dentro
desse conjunto de possibilidades deve
começar pelo entendimento que se tem
acerca do princípio da inclusão escolar,
lembrando que o termo assume atualmente o significado que quem o utiliza
deseja.
Estima-se que existam no país cerca
de seis milhões de crianças e jovens com
necessidades educacionais especiais
para um contingente oficial de matrículas em torno de 500 mil alunos (Brasil,
2003), considerando o conjunto de matrículas em todos os tipos de recursos
disponíveis (desde escolas especiais
até escolas e classes comuns). Portanto, a grande maioria dos alunos com
necessidades educacionais especiais
encontra-se hoje fora de qualquer tipo
de escola, o que configura muito mais
uma exclusão generalizada da escola, o
que é uma situação muito mais grave do
que a discussão de qual escola é a mais
adequada.
A Constituição Federal de 1988 (Brasil, 1988) e as Diretrizes e Bases da Educação Nacional – Lei n. 9.394/96 (Brasil,
1996) – estabelecem que a educação é
direito de todos e que as pessoas com
necessidades educacionais especiais
devem ter atendimento educacional
“preferencialmente na rede regular de
ensino”, garantindo atendimento educacional especializado aos portadores
de deficiência. A legislação, ao mesmo
tempo em que ampara a possibilidade
25
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 4 • Julho • Agosto de 2012
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Disponível em: http://www.abrapee.psc.
br/artigo20.htm
Dra. Alessandra Freitas
Russo, Neurologia Infantil e do
Adolescente, Mestre em Medicina pela USP, Neurologista
da AACD, Pesquisadora do
Laboratório de Distúrbios do
Desenvolvimento - IP- USP
Christine Luise Degen,
Bacharel e Licenciada
em Psicologia pela UNIP,
Psicóloga da APAE -Cotia.
Coordenadora do Programa de
Apoio à Educação Inclusiva e
do Programa de Atendimento
aos Transtornos Invasivos do
Desenvolvimento da APAE-Cotia.
i n clus ã o
Inclusão escolar
A questão da inclusão de alunos com
deficiência no sistema regular de ensino
vem ganhando espaço cada vez maior em
debates e discussões que explicitam a
necessidade da escola atender a estes
alunos.
Historicamente, a proposta de integração escolar foi elaborada em 1972, na
Educação Especial, na forma do chamado
princípio da normatização, o que significa
dar à pessoa oportunidades garantindo
seu direito de ser diferente e ter suas
necessidades reconhecidas e atendidas
pela sociedade.
Essas noções de normatização e integração se difundiram rapidamente nos
Estados Unidos da América, Canadá e por
diversos países da Europa, fortalecendo-se no final dos anos 60 e inicio dos anos
70 do século XX. No Brasil a filosofia da
integração parece dominar não apenas
atitude teórica dos profissionais da área
(Aranha, 1994; Cardoso 1992; Figueiredo, 1990; Glat, 1989, Januzzi, 1992;Nunes & Santos, 1998 ; Omote, 1994, mas
também as propostas de atendimento
de diferentes tipos de instituições (Arns,
1992;Carvalho, 1989;Mantoan, 1988;
Mendes, 1994; Pereira, 1990).
Tendo como ponto de partida
os resultados positivos alcançados
com a prática da inclusão escolar
nos países desenvolvidos nas últimas
duas décadas, o sistema educacional
brasileiro tem vivenciado um momento
de transição no atendimento dos alunos
com necessidades educativas especiais.
A partir dos anos 80 o termo integração
começou a perder forças, sendo
substituído pela idéia de inclusão, uma
vez que o objetivo é incluir, sem distinção,
todas as crianças, independente de suas
habilidades. Desta forma, a palavra inclusão remete-nos a uma definição mais
ampla, indicando uma inserção total e
incondicional.
A Declaração Mundial sobre Educação para Todos (UNESCO, 1990), aprovada pela conferência mundial, realizada na
Tailândia no ano de 1990 e a Declaração
de Salamanca (UNESCO, 1994), firmada
na Espanha no mesmo ano marcaram, no
plano internacional, momentos históricos
em prol da Educação Inclusiva. No Brasil
a Constituição Federal de 1988, art.208
inciso III, Plano Decenal de Educação
para todos, 1993 – 2003 (Mec,1993)
e os Parâmetros Curriculares Nacionais
(MEC,1999) são exemplos de documentos que defendem e asseguram o direito
de todos à educação.
O principio básico da inclusão escolar, segundo esta Declaração, consiste
em que todas as escolas reconheçam as
diversas necessidades de seus alunos
e a elas respondam assegurando-lhes
uma educação de qualidade, que lhes
proporcione aprendizagem por meio de
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 4 • Julho • Agosto de 2012
Simone Cucolicchio
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SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 4 • Julho • Agosto de 2012
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currículo apropriado e promova modificações organizacionais, estratégias de
ensino e uso de recursos, dentre outros
quesitos (UNESCO apud Mendes, 2002).
Segundo Abenhaim (2005), incluir de
fato significa mais do que apenas possibilitar o acesso e permanência no mesmo
espaço físico. Para Gotti (1998), a inclusão escolar significa um novo paradigma
no marco conceitual e ideológico, o qual
precisa envolver políticas, programas, serviços, comunidade em geral e etc. Assim,
conforme a autora, incluir implica ações
que envolvam a luta pela conscientização
do direito à cidadania, como pré-requisito,
fundamental para uma reflexão crítica em
torno dos conhecimentos, informações e
sentimentos em relação às pessoas com
deficiência.
Diante do histórico da Inclusão e da
Escola que temos hoje no Brasil, alguns
questionamentos devem ser considerados e discutidos: a Escola está preparada
para receber alunos com deficiências? Os
professores estão preparados? Os alunos
estão tendo bom desempenho escolar?
Uma pesquisa, desenvolvida em algumas escolas públicas e privadas em uma
cidade do interior do Paraná, revela que
as escolas estão desenvolvendo projetos
inclusivos sem a infraestrutura adequada,
no que diz respeito tanto aos recursos
físicos quanto aos humanos. O que se
percebe é que na maioria das vezes, não
há um planejamento, um projeto para
receber e trabalhar com os alunos com
deficiência, mas à medida que tais alunos são “incluídos” vão sendo realizadas
ações conforme os recursos disponíveis e
não necessariamente conforme as suas
necessidades. Desta forma, deparamo-nos com práticas destoantes da deman-
da que se tem e de uma escola inclusiva
de qualidade.
Os resultados sugerem também
que, para a maioria dos participantes
desta pesquisa (professores de escolas
públicas e particulares) o despreparo
dos profissionais e a infraestrutura das
escolas dificultam o processo de inclusão
dos alunos com deficiência no ensino
regular. Tais dados evidenciam que os
professores participantes da pesquisa
não estão aptos a trabalhar e lidar com
a diversidade em sala de aula, o que os
leva, certamente, a se sentir inseguros,
preocupados e desamparados. Este
sentimento de frustração pode levar o
professor a acreditar que só a afetividade
que dispensa à criança já é o bastante.
Foi constatado também que a maior
parte dos professores não possui conhecimentos sobre deficiência e inclusão, a
não ser àqueles que por iniciativa própria
fizeram algum curso especializado. Outra
pesquisa realizada no Distrito Federal
(2006) concorda em relação à falta de
estrutura da escola de ensino regular e
a falta de preparo de profissionais o que
cristaliza e imobiliza as ações inclusivas
(Carvalho 2001).
Neste sentido, Glat etal. (1998) afirmam que a escola inclusiva apenas poderá se concretizar a partir de condições
muito especiais de recursos humanos,
pedagógicos e materiais. Acreditam essas autoras que o professor no contexto
inclusivo precisa de preparo para lidar
com as diferenças, com a diversidade de
todos os alunos, no entanto, os professores, de modo geral, não têm recebido
formação e capacitação suficientes para
atender as diversas formas de aprendizado dos alunos.
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set. 2010.
Simone Cucolicchio, Fonoaudióloga Clínica da APAE de
São Caetano do Sul
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 4 • Julho • Agosto de 2012
Evidente que estas não são as
únicas questões a serem discutidas e
debatidas quando o assunto é inclusão
escolar, mas são imprescindíveis. Neste
momento, concorda-se com Veiga Neto
(2005), que acredita não bastarem apenas às competências técnicas para lidar
com as questões impostas na inclusão,
mas é importante pensar em mudanças
no plano de ordem cultural, política e das
relações sociais estabelecidas.
Portanto, verifica-se que as pessoas
com deficiência até o momento, conseguiram apenas o direito de acesso à escola
regular, pois, a sua permanência está
distante de se concretizar numa escola
com ensino adequado e de qualidade.
Atualmente, verifica-se um discurso
favorável a inclusão de pessoas com
deficiência, não apenas no contexto escolar, mas em vários segmentos da nossa
sociedade, mesmo assim, tais pessoas
continuam vítimas de preconceito e estigma, por serem consideradas diferentes.
Neste aspecto uma política de educação
inclusiva não se faz sozinha, paralela e
concomitantemente ela requer uma política nacional de inclusão social.
O processo de inclusão dos alunos
com deficiência no sistema regular de
ensino precisa ser consolidado, e ainda
possui um caminho a ser trilhado. Oferecer ensino básico de qualidade para
todos, com ou sem deficiências, significa
melhorar a qualificação e dar condições
de tais crianças, quando adultas, competirem no mercado de trabalho (LOCH,
2006).
29
i n clus ã o
O programa de inclusão
de pessoas com deficiência
nas empresas – o fortalecimento
no processo de fidelização
do colaborador
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 4 • Julho • Agosto de 2012
Janaina Foleis Fernandes *
30
Por estar à frente de um programa de
inclusão de pessoas com deficiência no
mercado de trabalho e por perceber que
muitas dúvidas ainda existem sobre o
tema, considero importante a discussão
sobre esse assunto.
Ultimamente ouve-se com frequência
a expressão “adequação a lei de cotas”
como uma obrigação das empresas em
contratar pessoas com deficiência para
constituírem seu quadro de funcionários. Mas antes de pensar em adequar
a empresa de acordo com a lei de cotas
8213/91 é importante pensar na razão
dessa lei. O que se espera efetivamente
ao seu cumprimento?
A LEI Nº 8.213, DE 24 DE JULHO DE 1991
“lei de contratação de Deficientes nas Empresas. Lei 8213/91, lei de cotas para Deficientes e Pessoas com Deficiência dispõe sobre
os Planos de Benefícios da Previdência e dá
outras providências a contratação de portadores de necessidades especiais”.
Entendo que a criação dessa lei trata-se de um estímulo para uma mudança
cultural e comportamental. Apesar de ser
assegurado pela constituição federal de
1988, Art. 5º: Todos são iguais perante
a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos
estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à
igualdade, à segurança e à propriedade,
reconheço na prática profissional como
responsável pelo programa de inclusão e
integração de pessoas com deficiência no
mercado de trabalho da empresa Nepacc
e no contato direto com esses profissionais que isso não acontece.
Pessoas com deficiências tiveram,
ao longo da história, seus direitos desrespeitados, uma vez que a inclusão na
sociedade ainda é precária. Por muito
tempo, essas pessoas ficaram à margem
da sociedade, sem acesso a educação,
profissionalização, sem garantias do direito de ir e vir. E vivendo assim, fatalmente
foram banidos da atuação profissional,
fonte de renda que poderia permitir uma
melhora em suas condições de vida e
autonomia da mesma, sem que fosse
necessário um olhar assistencialista e
uma vida em situação de vulnerabilidade.
Toda legislação que vem fazer cumprir um direito já previsto pela constituição federal, me parece tentar corrigir um
seja favorável ao negócio e as relações
de trabalho. É nesse ponto que entendo
que a lei de cotas serve para favorecer
uma mudança cultural, pois a empresa,
que até então não se deparava com essa
diversidade deverá agora se adequar,
modificar, para incluir. O primeiro passo
é de compreender quem são as pessoas
com deficiência, o que são deficiências,
pois a maior barreira nesse processo é o
preconceito advindo da falta de informação sobre o assunto.
Toda a empresa que deseja cumprir
a lei de cotas deve, antes de tudo buscar informações a respeito desse tema.
Entender por exemplo, que a dificuldade
de encontrar pessoas com deficiência
devidamente qualificadas para exercício
profissional se deve a uma cultura social
que não permitiu o acesso delas a essa
formação e que, portanto, não é garantia
de incompetência, mas simplesmente
falta de oportunidade e a empresa então,
que se prepara para receber esses profissionais deve entender que seu papel
de inclusão vai além da contratação, mas
também em oferecer oportunidades de
desenvolvimento profissional.
O segundo passo é sensibilizar toda a
equipe para receber esses profissionais,
configurando-se como um estágio fundamental para a inclusão. Essa sensibilização pode acontecer através de palestras
ou grupos de apoio coordenados por
profissionais ou empresas qualificadas e
com conhecimento do tema para auxiliar
e esclarecer todas as dúvidas e incertezas sobre essa questão. Uma empresa
que consegue estruturar não apenas a
adequação do espaço físico e ofertas de
recursos de acessibilidade, mas também
preparar seus colaboradores certamente
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 4 • Julho • Agosto de 2012
engano que provocou uma situação de desigualdade social, sendo assim, a lei de
cotas também cumpre esse papel, garantir que pessoas com deficiência tenham
a oportunidade de serem inseridas no
mercado de trabalho, profissionalizando-se, recebendo uma renda que será capaz
de inseri-los na sociedade como um todo.
Pelo fato dessas contratações acontecerem por força da lei, parece que desqualifica o profissional contratado e pode
dar margens a um pensamento equivocado de favor ou de caridade e isso certamente pode comprometer o desempenho
profissional deste, bem como dificultar as
relações interpessoais no ambiente de
trabalho e consequentemente prejudicar
o processo de fidelização do colaborador
com deficiência a essa empresa, aumentando neste caso o turnover.
Muitas fantasias relacionadas às
dificuldades e comportamentos diferenciados no trato com esses colaboradores,
são criadas nas relações profissionais
tanto entre os colegas de trabalho como
com a equipe de gestores responsáveis
pelo desenvolvimento profissional de
todos os funcionários de sua equipe, incluindo os colaboradores com deficiência.
Pessoas com deficiências podem
exercer qualquer atividade profissional,
considerando apenas as limitações da
deficiência que não são maiores que a
força das limitações de acessibilidade.
Sendo oferecido um espaço e recursos
adequados, além de estimulação e valorização, podem contribuir e contribuem de
forma positiva e construtiva na atuação
profissional.
É importante, contudo, compreender
as dificuldades encontradas pela empresa para garantir que essa inclusão
31
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 4 • Julho • Agosto de 2012
32
apresentará menor dificuldade nesse processo, garantindo assim a inclusão e integração de pessoas com deficiência nas
relações profissionais de forma ampla e
diminuindo o turnover, e consequentemente gastos com processos de contratação e desligamento, característicos de
quando ocorre apenas a contratação sem
nenhum cuidado ou manejo adequado.
Devido à “adequação a lei de cotas”,
não faltam oportunidades de emprego
a esses profissionais, o que de certa
forma contribui para a alta rotatividade
considerando a falta de fidelização desse
colaborador com a companhia como um
todo. A empresa inclusiva deve oferecer
aos seus colaboradores com deficiência,
não apenas vagas, mas oportunidades de
crescimento, plano de carreira e desenvolvimento profissional.
O programa de inclusão tem como
objetivo o desenvolvimento desse novo
conceito na cultura organizacional, aprimorando habilidades sociais e interpessoais por parte de todos os envolvidos no
processo de inclusão, sejam eles com ou
sem deficiência. A empresa Nepacc Serviços de Psicologia e Psicopedagogia Ltda.
vem desenvolvendo esse serviço desde
2010, a favor do desenvolvimento de
uma cultura inclusiva tanto organizacional como social. Entendemos que estar
próximo das empresas nesse momento
é fundamental para garantir a integração
desses profissionais e aprimorar a atuação de todos os colaboradores e gestores
a favor de uma cultura inclusiva.
Referências bibliográficas:
1. A inclusão de pessoas com deficiência
no mercado de trabalho. - 2 ed. –
Brasília: MTE, SIT, 2007.
2. B R A S I L . C o n s t i t u i ç ã o ( 1 9 8 8 ) .
Constituição [da] Republica Federativa
do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal.
3. BRASIL. LEI Nº 8.213, DE 24 DE JULHO DE
1991, lei de contratação de Deficientes
nas Empresas [on line]. Brasília, DF:
Senado Federal. Disponível em: http://
www.deficienteonline.com.br/lei-821391-lei-decotas- para-deficientes-epessoas-com-deficiencia___77.html.
Acesso em: 13 maio 2012.
Janaina Foleis Fernandes,
Psicóloga, CRP 06/83693 é
sócia proprietária da NEPACC
Serviços de Psicologia e
Psicopedagogia Ltda., que
está no mercado desde 2008
e tem como missão a inclusão
social. Atua no mercado
oferecendo consultoria organizacional com foco no
desenvolvimento humano.
Contatos: [email protected]
[email protected]
Site: www.nepacc.com.br/organizacional
Telefones: (11) 3807-6656 ou (11) 3467-1649
de m ã e , pra m ã e
A importância da família para
que tem transtorno bipolar
Sou Sonia Maria Bandeira e tenho
uma irmã com transtorno bipolar. Percebemos o início das crises da Maria Braul
Bandeira através de um olhar discreto.
Ela acorda cedo, fala constantemente,
escondi (em seu quarto) objetos, correspondências, documentos, e principalmente, chaves da casa e tudo que achar
interessante. Na tentativa de pegar as
chaves e outros objetos surgem os conflitos. Este comportamento é difícil, pois
ela só devolve os objetos para alguém
que não mexe em seus pertences, mas
nem sempre esta atitude ocorre de maneira tranqüila. Houve um período que ela
ficava de prontidão no portão para pegar
as correspondências, e quando o carteiro
não deixava nada ela ia atrás dele. Ele
ficou furioso e saiu correndo, nesta ocasião descobrimos que ele era surdo, mas
ela conseguiu ser amiga dele.
Maria também tem facilidade de
convencer as pessoas de fora falando
com desenvoltura e ninguém percebe seu
transtorno, somente a família. Mas é comum ela se fazer de vitima dizendo para as
pessoas de fora que a família não presta,
que lhe nega comida entre outras coisas.
O jeito dela falar convence as pessoas
de fora que pensam que é verdade que a
família a mal trata. Recordo-me do sofrimento da minha mãe quando o resgate ou
a policia levava minha irmã para o hospital,
nesta ocasião as pessoas diziam que ela
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 4 • Julho • Agosto de 2012
Por Sonia Maria Bandeira*
33
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 4 • Julho • Agosto de 2012
34
era possuída por um espírito. Mas chegou
uma ocasião que minha mãe não aceitou
este comentário, ela dizia que Deus iria
dar forças e paciência para ela carregar
esta cruz; e passou aceitar que a Maria
era doente e que ela não iria desistir de
buscar o tratamento. Maria passou por
várias internações e era uma dificuldade
visitá-la, pois os hospitais eram distantes
Também era grande o nosso sofrimento de
vê-la desfigurada e dopada, e muitas vezes
pedindo para sair, pois dizia que recebia
choque e tinha muita fome. Mas minha
mãe achava que era fantasiava dela, pois
acreditava que o hospital é um local para
cuidar dos doentes.
Minha irmã não aceitava as medicações em casa e nem ir às consultas médicas, por isso, quando a situação dentro
de casa chegava ao extremo era caso de
internação, pois ela ficava agressiva e
sem roupa dentro de casa. Passou por
várias internações, mas o diagnóstico
transtorno bipolar só foi comunicado à
família no hospital Nossa Senhora do
Caminho. Quando ela era liberava para
passar um final de semana em casa
era sempre uma alegria. Eu me recordo
de uma musica que ela cantava que me
emocionou: “Esqueça de tudo que aconteceu, amanhã será um novo dia”. Deste
dia passei a observar mais a minha irmã.
No ano de 2002 a minha mãe faleceu,
e nesta ocasião a Maria ficou em crise; a
família toda ficou abalada e sem paciência. Nesta época decidi ser voluntaria no
hospital Nossa Senhora do Caminho após
a alta hospitalar da Maria. A administração
do hospital aceitou o meu pedido de ser
voluntária e foi ótima esta vivência com a
minha irmã, pois compreendi o sofrimento
e a história dos pacientes, e percebi que
o pior conflito da pessoa com o transtorno
bipolar é serem criticados. Entendi que escutar abre as portas da amizade. O maior
alvo da pessoa com transtorno bipolar
é a família, pois a comunicação entre
os mesmo é prejudicada. A pessoa com
transtorno bipolar quando fala pode ser
feito uma matraca atirando por todo lado
suas lembranças e muitas vezes ofensas,
por isso, é necessário manter a calma
porque a revolta é passageira. Na busca
para aprender a lidar com este transtorno,
meus irmãos ficaram contra mim dizendo
que eu devia me responsabilizar se algo
de grave acontecesse com ela. Eu dizia
que a internação dela deveria ocorrer só
em último caso, afinal não da para separar
a mãe de um filho, e precisamos aceitar
esta situação
Quando eu tive meningite, Maria cuidou de mim, e no período que sua filha
faleceu, ela passou a me proteger mesmo
estando em crise. Quando eu era criança
não gostava que ela me protegia, mas fui
percebendo que este sentimento, a fazia
feliz. E hoje aproveito isso para amenizar os
conflitos e administrar as medicações. Sou
como sua ‘filha’, irmã e conselheira, e este
vínculo faz a grande diferença e possibilita
com a pessoa com transtorno bipolar
pode ser bem estressante.
A convivência com o transtorno bipolar
da minha irmã me ajuda no exercício da
minha profissão como auxiliar de enfermagem, para saber a lidar com os pacientes
que apresentam distúrbios e rejeitam medicações. Hoje acredito que toda a pessoa
que tem um determinado distúrbio de comportamento são pessoas maravilhosas,
sensíveis, tem a sua família como referências mesmo sofrendo preconceito. Minha
irmã Maria, tem 53 anos, é aposentada,
divorciada, e vive em São Paulo junto com
a família. Gosta muito de passear com seu
filho e visitar os parentes. O significado da
família é tão forte para ela que está sempre
transmitindo alegria para todos, pois ela
acredita em sua capacidade de ser a mãe
de todos nós da família.
*Leandra Migotto Certeza é
bacharel em Comunicação
Social pela Universidade
Anhembi Morumbi, jornalista
desde 1998, e repórter especial da Revista Síndromes. Foi
editora da Revista Sentidos e
Ciranda da Inclusão, além de
escrever para diversos portais como Setor 3 do SENAC/
SP, Rede SACI/USP e Inclusive. Ela tem deficiência física
(Osteogenesis Inperfecta), é assessora de imprensa da
ABSW – Associação Brasileira de Síndrome de Williams,
consultora em inclusão (premiada em Lima e na Colômbia), e mantém o blog “Caleidoscópio – Uma janela
para refletir sobre a diversidade da vida”: http://leandramigottocerteza.blogspot.com/. Conheçam os modelos
de palestras, encontros, oficinas, cursos, treinamentos
e materiais informativos sobre Diversidade e Inclusão,
realizados em empresas, escolas, ONGs, centros
culturais e grupos de pessoas no site da Caleidoscópio
Comunicações – Consultoria em Inclusão: https://sites.
google.com/site/leandramigotto/
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 4 • Julho • Agosto de 2012
uma ponte de paz. Hoje Maria tem um filho
de 17 anos de idade que tem Síndrome
de Williams (deficiência intelectual) que a
ajuda muito, e ela ajuda ele. É muito forte
este lado família dela, eu entendo que lá
no seu íntimo ela quer ser protetora mesmo
quando está na fase do transtorno bipolar.
O tratamento medicamentoso passou
a dar certo, pois a médica que passou
acompanhá-la no atendimento psicológico
já a conhecia no atendimento do hospital.
Assim, as crises foram controladas em
casa, e o vínculo da médica com a família
permitiu excelentes resultados. Desde o
ano 2003 ela não foi interada, seguindo
acompanhamento e fazendo uso das
medicações. Porém é sempre uma luta
para convencê-la a tomar os remédios e
injeção a cada mês, muitas vezes chantageamos com a internação, mas não
funciona melhor assim. Acredito que a
melhor forma de lidar com as crises é a
família aceitar a doença e manter equilibrada para superar esta fase, afinal não
há mal que dure para sempre, e nem e a
paz impossível de ser alcançada, basta
a paciência e perseverança.
Costumo a dizer que a minha irmã é
feliz com o transtorno bipolar, pois nesta
fase apresenta iniciativa, adora passear
e consegue do jeito dela se defender,
manifesta suas emoções cantando, chorando, mas fala feito uma matraca. Estas
alterações de humor podem provocar
agressão verbal e física, mas o equilíbrio
da família associado com as medicações
ajuda a amenizar as crises, e a internação
passa ser só em último caso. O convívio
com a família e na sociedade é de grande
importância para toda pessoa. Mas toda
a família precisa de acompanhamento
psicológico para se refazer afinal conviver
35
arti g o do leitor
O programa de inclusão de
pessoas com deficiência nas
empresas – o fortalecimento no
processo de fidelização do
colaborador
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 4 • Julho • Agosto de 2012
Janaina Foleis Fernandes *
36
Por estar à frente de um programa de
inclusão de pessoas com deficiência no
mercado de trabalho e por perceber que
muitas dúvidas ainda existem sobre o
tema, considero importante a discussão
sobre esse assunto.
Ultimamente ouve-se com frequência
a expressão “adequação a lei de cotas”
como uma obrigação das empresas em
contratar pessoas com deficiência para
constituírem seu quadro de funcionários. Mas antes de pensar em adequar
a empresa de acordo com a lei de cotas
8213/91 é importante pensar na razão
dessa lei. O que se espera efetivamente
ao seu cumprimento?
A LEI Nº 8.213, DE 24 DE JULHO DE 1991
“lei de contratação de Deficientes nas Empresas. Lei 8213/91, lei de cotas para Deficientes e Pessoas com Deficiência dispõe sobre
os Planos de Benefícios da Previdência e dá
outras providências a contratação de portadores de necessidades especiais”.
Entendo que a criação dessa lei trata-se de um estímulo para uma mudança
cultural e comportamental. Apesar de ser
assegurado pela constituição federal de
1988, Art. 5º: Todos são iguais perante
a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos
estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à
igualdade, à segurança e à propriedade,
reconheço na prática profissional como
responsável pelo programa de inclusão e
integração de pessoas com deficiência no
mercado de trabalho da empresa Nepacc
e no contato direto com esses profissionais que isso não acontece.
Pessoas com deficiências tiveram, ao
longo da história, seus direitos desrespeitados, uma vez que a inclusão na sociedade ainda é precária. Por muito tempo,
essas pessoas ficaram à margem da
sociedade, sem acesso a educação, profissionalização, sem garantias do direito
de ir e vir. E vivendo 2 assim, fatalmente
foram banidos da atuação profissional,
fonte de renda que poderia permitir uma
melhora em suas condições de vida e
autonomia da mesma, sem que fosse
necessário um olhar assistencialista e
uma vida em situação de vulnerabilidade.
Toda legislação que vem fazer cumprir um direito já previsto pela constituição federal, me parece tentar corrigir um
favorável ao negócio e as relações de
trabalho. É nesse ponto que entendo que
a lei de cotas serve para favorecer uma
mudança cultural, pois a empresa, que
até então não se 3 deparava com essa
diversidade deverá agora se adequar,
modificar, para incluir.
O primeiro passo é de compreender
quem são as pessoas com deficiência,
o que são deficiências, pois a maior
barreira nesse processo é o preconceito
advindo da falta de informação sobre o
assunto.
Toda a empresa que deseja cumprir
a lei de cotas deve, antes de tudo buscar informações a respeito desse tema.
Entender por exemplo, que a dificuldade
de encontrar pessoas com deficiência
devidamente qualificadas para exercício
profissional se deve a uma cultura social
que não permitiu o acesso delas a essa
formação e que, portanto, não é garantia
de incompetência, mas simplesmente
falta de oportunidade e a empresa então,
que se prepara para receber esses profissionais deve entender que seu papel
de inclusão vai além da contratação, mas
também em oferecer oportunidades de
desenvolvimento profissional. O segundo
passo é sensibilizar toda a equipe para
receber esses profissionais, configurando-se como um estágio fundamental para
a inclusão. Essa sensibilização pode
acontecer através de palestras ou grupos
de apoio coordenados por profissionais
ou empresas qualificadas e com conhecimento do tema para auxiliar e esclarecer
todas as dúvidas e incertezas sobre essa
questão. Uma empresa que consegue
estruturar não apenas a adequação do
espaço físico e ofertas de recursos de
acessibilidade, mas também preparar
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 4 • Julho • Agosto de 2012
engano que provocou uma situação de desigualdade social, sendo assim, a lei de
cotas também cumpre esse papel, garantir que pessoas com deficiência tenham
a oportunidade de serem inseridas no
mercado de trabalho, profissionalizando-se, recebendo uma renda que será capaz
de inseri-los na sociedade como um todo.
Pelo fato dessas contratações acontecerem por força da lei, parece que desqualifica o profissional contratado e pode
dar margens a um pensamento equivocado de favor ou de caridade e isso certamente pode comprometer o desempenho
profissional deste, bem como dificultar as
relações interpessoais no ambiente de
trabalho e consequentemente prejudicar
o processo de fidelização do colaborador
com deficiência a essa empresa, aumentando neste caso o turnover.
Muitas fantasias relacionadas às
dificuldades e comportamentos diferenciados no trato com esses colaboradores,
são criadas nas relações profissionais
tanto entre os colegas de trabalho como
com a equipe de gestores responsáveis
pelo desenvolvimento profissional de
todos os funcionários de sua equipe, incluindo os colaboradores com deficiência.
Pessoas com deficiências podem
exercer qualquer atividade profissional,
considerando apenas as limitações da
deficiência que não são maiores que a
força das limitações de acessibilidade.
Sendo oferecido um espaço e recursos
adequados, além de estimulação e valorização, podem contribuir e contribuem de
forma positiva e construtiva na atuação
profissional.
É importante, contudo, compreender
as dificuldades encontradas pela empresa para garantir que essa inclusão seja
37
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 4 • Julho • Agosto de 2012
38
seus colaboradores certamente apresentará menor dificuldade nesse processo,
garantindo assim a inclusão e integração
de pessoas com deficiência nas relações
profissionais de forma ampla e diminuindo o turnover, e consequentemente
gastos com processos de contratação e
desligamento, característicos de quando
ocorre apenas a contratação sem nenhum
cuidado ou manejo adequado.
Devido à “adequação a lei de cotas”,
não faltam oportunidades de emprego
a esses profissionais, o que de certa
forma contribui para a alta rotatividade
considerando a falta de fidelização desse
colaborador com a companhia como um
todo. A empresa inclusiva deve oferecer
aos seus colaboradores com deficiência,
não apenas vagas, mas oportunidades de
crescimento, plano de carreira e desenvolvimento profissional.
O programa de inclusão tem como
objetivo o desenvolvimento desse novo
conceito na cultura organizacional, aprimorando habilidades sociais e interpessoais por parte de todos os envolvidos no
processo de inclusão, sejam eles com ou
sem deficiência. A empresa Nepacc Serviços de Psicologia e Psicopedagogia Ltda.
vem desenvolvendo esse serviço desde
2010, a favor do desenvolvimento de
uma cultura inclusiva tanto organizacional como social. Entendemos que estar
próximo das empresas nesse momento
é fundamental para garantir a integração
desses profissionais e aprimorar a atuação de todos os colaboradores e gestores
a favor de uma cultura inclusiva.
Referências bibliográficas
1. A inclusão de pessoas com deficiência
no mercado de trabalho. - 2 ed. –
Brasília: MTE, SIT, 2007.
2. B R A S I L . C o n s t i t u i ç ã o ( 1 9 8 8 ) .
Constituição [da] Republica Federativa
do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal.
3. BRASIL. LEI Nº 8.213, DE 24 DE JULHO DE
1991, lei de contratação de Deficientes
nas Empresas [on line]. Brasília, DF:
Senado Federal. Disponível em: http://
www.deficienteonline.com.br/lei-821391-lei-decotas- para-deficientes-epessoas-com-deficiencia___77.html.
Acesso em: 13 maio 2012.
*Janaina Foleis Fernandes, Psicóloga, CRP 06/83693
é sócia proprietária da NEPACC Serviços de Psicologia e
Psicopedagogia Ltda., que está no mercado desde 2008
e tem como missão a inclusão social. Atua no mercado
oferecendo consultoria organizacional com foco no
desenvolvimento humano.
Contatos: [email protected] / nepacc@nepacc.
com.br
Site: www.nepacc.com.br/organizacional
Telefones: (11) 3807-6656 ou (11) 3467-1649
arti g o do leitor
Até Quando?
Até quando veremos nossos cegos,
nossos portadores de necessidades
especiais sem acesso ao transporte
público com dignidade, sem acesso aos
locais públicos e particulares dessa vida
por conta da falta de investimentos em
adaptações mais que urgentes para essas pessoas, que assim como eu e você
são tão cidadãos quanto, que pagam
seus impostos em dia mas que quando
mais precisam do poder público ficam a
ver navios literalmente!
Até quando “os homens de terno”
farão discursos bonitos com palavras
emocionantes dignas de se aplaudir de pé
mas que não passam de meras promessas, desiludindo ainda mais aqueles que
tanto necessitam das políticas públicas
urgentes no que se refere à inclusão?
Todavia ainda que alguns deles
façam é preciso que nós, enquanto cidadãos, possamos agir como tais, com
consciência, com respeito e não por
mera obrigação da lei. É preciso que nós
brasileiros resgatemos de vez a nossa
boa e velha educação (aquela trazida de
casa) tão rara hoje em dia pelas ruas e
avenidas do país, país que se acostumou
a ter as bolsas famílias da vida, ou seja,
desacostumando o brasileiro a lutar pelo
pão, agora ele já vem prontinho.
Mas vamos focar nosso olhar na
coragem dos nossos portadores de necessidades especiais, da sua garra e
a sua vontade de viver que não só nos
serve de exemplo de motivação para não
desistirmos quando as coisas não vão tão
bem em nossas vidas mas principalmente
do quanto são capazes, capazes de nos
surpreender a cada dia!
Hoje em dia já existem por exemplos
casais com síndrome de Down que levam
uma vida normal, tem filhos que trabalham e até já cursam uma faculdade. De
fato são pessoas realmente felizes!
E o que dizer dos cegos? Que participam de atividades desportivas das
quais nem mesmo nós que possuímos a
visão conseguimos fazer tão bem como,
por exemplo, nadar, correr e até mesmo
jogar futebol. E o que dizer daqueles
seres iluminados que mesmo não tendo
os membros superiores e inferiores conseguem pintar com a boca?
E até quando iremos ignorar esses
seres fantásticos cujo a vida é incrivelmente fascinante ?
Até quando?
Alexandre Soares, Professor da Uniesp São Roque,
Orientador Educacional na cidade de Mairinque-SP,
[email protected]
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 4 • Julho • Agosto de 2012
Alexandre Soares
39
reporta g em
Centro Espírita Nosso Lar - Casas André Luiz
O sonho
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 1 • Janeiro • Fevereiro de 2012
Por Maria de Fátima de Oliveira
40
Os sonhos quando acontecem
Trazem a felicidade É muito bom sonhar
Pensar nas coisas e na vida é muito
bom
A gente leva o pensamento até
Deus e enxerga outro mundo
A gente vê um mundo tão bonito e
não sabe de onde veio, dá onde conhecemos esse lugar
Sonhar é viver outro lado da vida
É um modo de encontrar a felicidade
Os nossos sonhos podem se realizar
Celebrar como a vida é maravilhosa
Desejamos que todos os seus
sonhos se transformem em realidade
Acreditando em nós mesmos
E se ligando aos nossos pensamentos
Eu nasci no dia 17/11/1968, na
cidade de Berilo, interior de Minas
Gerais. O nome da minha mãe era Ana
Martins e de meu pai João Martins.
Não tenho muita lembrança da minha
infância, só sei que nasci sem problemas, mas por não tomar vacina de
paralisia infantil, fiquei doente. Minha
família sofreu muito, pois além da falta
de recursos financeiros, minha mãe
tinha a doença do ‘bicho barbeiro’ e
meu pai problemas de saúde. Como eu
não andava e não ficava sentada sozinha, minha mãe comprou uma cadeira
de rodas, e mesmo com dificuldades
financeiras, lembro que viajávamos
muito para outras cidades, atrás de
um hospital para que eu pudesse ter
tratamento adequado. Meu pai adoeceu
e acabou falecendo, depois que viemos
para São Paulo.
Com a ajuda de uma tia, conhecemos as Casas André Luiz, quando era
um local pequeno. Eu tinha 5 anos,
quando passei em uma triagem e consegui uma vaga. No começo, chorava
muito, pois queria ficar com a minha
mãe. Mas hoje aqui nas Casas André
Luiz, aprendi muita coisa, uma delas é
entender as minhas amigas que não
sabem falar. Eu consigo passar para
outras pessoas o que elas desejam.
Também aprendi a dançar, escrever,
a falar melhor. Hoje realizo muitas
atividades aqui e agradeço a todos
que passaram pela minha vida e me
ajudaram muito.
Maria de Fátima trabalha na farmácia de manipulação das Casas André
Luiz de segunda a sexta-feira das 9hs
às 11hs, e participa de um grupo de
dança. O que mais gosta de fazer é
escrever poesias. E nas horas vagas,
trabalha na oficina de Terapia Ocupa-
cional produzindo artesanatos. É alfabetizada, se comunica através da fala,
mas sempre estudou somente dentro
da instituição. Além da poliomielite tem
Quadriplegia Espástica (deficiência física) e variação normal de inteligência.
Trabalho: uma grande
oportunidade
que podemos confiar contando as nossas angústias e alegrias.
Para mim o trabalho é uma grande
experiência, pois só testemunha que
aprendi muito, porque mostro que sou
capaz de fazer algo especial.
O trabalho mediúnico no qual sou
dirigente tem grande importância na
minha vida, pois me dá a oportunidade
para eu exercer aquilo que aprendi nos
cursos e ajuda a mostrar a mim e aos
outros que sou capaz de fazer algo
muito importante.
Sempre procuro fazer este trabalho
da melhor forma possível, dando tudo
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 1 • Janeiro • Fevereiro de 2012
Por Maria de Fátima de Oliveira
Feliz daquele que tem a oportunidade de ter um trabalho.
Feliz daquele que respeita o trabalho.
Feliz daquele que assume a responsabilidade de cumprir o trabalho com
qualidade.
A oportunidade de trabalhar é muito
importante para ocupar a mente porque
a mente ocupada com o trabalho produz
muitas coisas boas, principalmente o
grande aprendizado que é progredir
amando o próximo.
No trabalho encontramos amigos
41
de mim, para a minha evolução que
tenho certeza que será grande.
Agradeço a todos que me deram
esta oportunidade e principalmente ao
Criador de todos nós. Outros poemas estão no BLOG
escrito pelas pessoas que vivem nas
Casas André Luiz: http://www.casasandreluiz.org.br/blog/ e as novidades,
entrevistas, dicas, receitas e diversão
estão no Jornalzinho mensal: “Mundo
André Luiz”, também escrito por eles:
http://www.casasandreluiz.org.br/pdf/
jornalzinhodospacientes2012/jornalzinhodospacientes_junho.pdf
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 1 • Janeiro • Fevereiro de 2012
Um pouco de história
42
O Centro Espírita Nosso Lar Casas
André Luiz, fundado em 1949, é uma
das mais antigas instituições brasileiras, sem fins lucrativos, que desde o
início optou pelo atendimento 100%
gratuito a pessoas com deficiência
intelectual, de todas as idades, sem
condições financeiras, em todos os
graus de comprometimento: leve, moderado, grave e profundo com ou sem
deficiência física associada. Localizada na cidade de São Paulo com 2141
profissionais espíritas, evangélicos,
católicos e ateus trabalhando; sendo
11 estagiários e 419 voluntários (1287
na unidade de longa permanência e 48
no ambulatório), a instituição atende
hoje cerca de 1600 pessoas, das quais
600 vivem na instituição, e 2 mil em
regime ambulatorial.
Todos os atendimentos médicos
realizados nas unidades são por meio
de convênios com o Sistema Único
de Saúde, em especialidades como:
Odontologia, Enfermagem, Farmácia e
Radiologia que, associado às terapias
de Fonoaudiologia, Psicologia, Fisioterapia neuromotora e cardiorrespiratória,
e às atividades interdisciplinares de
Educação Física, Terapia Ocupacional e
Serviço Social, geram qualidade de vida
as pessoas e seus familiares.
Os programas de atendimento no
ambulatório contemplam os diferentes
graus de deficiências mesmo as mais
complexas; e o tempo de permanência na unidade varia de acordo com a
necessidade específica de cada caso,
porém não há programas diários, como,
por exemplo, em uma escola regular. As
pessoas chegam no horário agendado,
1, 2 ou 3 vezes por semana (de acordo
as Casas André Luiz, ele não teria a
qualidade de vida que possui hoje”,
conta Mônica Felipe da Silva, mãe de
Jefferson.
E para as pessoas que residem
na unidade de longa permanência da
instituição, existe uma rotina de saídas
freqüentes, não somente para eventos,
mas para atividades do dia-a-dia como,
por exemplo, compras em shopping,
feiras, passeios à praia, idas ao cinema entre outras. Para os profissionais
das Casas André Luiz, este convívio
é extremamente importante, não só
para estimular as pessoas que vivem
na instituição à inclusão social, mas
também para a comunidade a conviver
com as diferenças.
Existem pessoas que são atendidas na instituição, com deficiência leve
e moderada, inseridas no mercado de
trabalho; porém em pequeno número.
Destes, somente 15 desenvolvem algum trabalho dentro da própria instituição com excelente retorno, e apenas 1
pessoa trabalha em um supermercado
fora da Instituição. Mas para ampliar
a inclusão social, os coordenadores
da instituição também participam
da criação de políticas públicas, em
Conselhos de Saúde e Secretarias de
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 1 • Janeiro • Fevereiro de 2012
com o que é necessário para o caso)
realizam as terapias ou consultas e
retornam para suas casas.
A instituição estimula a manutenção dos vínculos familiares, sempre
mencionando a sua importância na
condição biopsicossocial e qualidade
de vida das pessoas que freqüentam
as unidades. Para isso, famílias de extrema vulnerabilidade social recebem o
auxílio-transporte para que estejam presentes nas visitas, assim como orientações pontuais sobre os tratamentos
na instituição. E para as pessoas em
situações de real abandono por suas
famílias, as Casas André Luiz possuem
o Programa de Apadrinhamento, que
tem por objetivo a doação de amor e
atenção.
Com 7 meses de vida, Jefferson
da Silva Bernardo teve meningite que
o deixou com deficiência intelectual e
física. Há 10 anos recebe tratamentos
na instituição, realizados por psicólogos, fonoaudiólogos, fisioterapeutas,
terapeutas ocupacionais e de outras
especialidades que juntas já contribuíram muito para melhoraria da fala e da
locomoção dele. “Só tenho a agradecer
pelos tratamentos dos profissionais
com o meu filho; pois, se não fosse
43
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 1 • Janeiro • Fevereiro de 2012
governo, tanto estaduais quanto municipais, como São Paulo e Guarulhos,
por exemplo.
O dinheiro que sustenta a instituição vem 30% do SUS – Sistema Único
de Saúde, e 70% por meio de captação
de recursos: através: da Central de Arrecadação, que divulga os trabalhos e
busca fidelização de contribuintes para
a manutenção das despesas fixas da
Instituição; pelo Mercatudo, que recebe
doações externas de materiais em desuso (como móveis, utensílios domésticos, roupas, objetos para reciclagem
e outros) para revenda, convertendo a
arrecadação para as outras despesas;
e por meio do Programa de Empresa
Iluminada, que firma parcerias com
empresas que desejem investir na instituição, fortalecendo seu programa de
Responsabilidade Social Empresarial.
As Casas André Luiz receberam o
certificado NBR ISSO 9001 em 2008
e o Prêmio Bem Eficiente em 2005
e 2006. Mais informações no site:
http://www.casasandreluiz.org.br
44
A importância da parceria
entre as escolas inclusivas e
a instituição
Um dos destaques das Casas André Luiz é o Programa REDUC (Reabilitação e Educação pela Inclusão). A psicóloga e coordenadora Maria Rozineti
Gonçalves* do programa nos concedeu
uma entrevista exclusiva e conta em
detalhes como funciona, desde 2005,
esta importante troca de experiências
entre educadores e profissionais da
instituição.
1 - Explique como funciona o projeto.
Qual o principal objetivo dos encontros? Como surgiu a ideia do
REDUC? A demanda apareceu mais
devido às necessidades dos profissionais, familiares ou pessoas com
deficiência atendidas no Ambulatório
das Casas André Luiz? Quais são as
principais necessidades dos participantes?
Desde 1991 o ambulatório das
Casas André Luiz oferece gratuitamente
serviços especializados de atendimento
médico e terapêutico às pessoas com
deficiência intelectual e física e suas famílias. Ao longo do tempo de existência
a equipe multiprofissional se desenvolveu e hoje investe na transformação da
sociedade, a fim de combater o estigma
e o preconceito. Pois, sabe-se hoje
que a deficiência deve ser pensada e
trabalhada em sua complexidade, não
mais segregada só a uma área do saber. Nesse sentido desenvolvemos uma
alternativa para somar aos trabalhos da
área educacional, aproximar e interligar
os saberes acumulados e realizar um
programa, através da interface saúde
e educação. O programa REDUC (Reabilitação e Educação pela Inclusão),
iniciado em 2005, realiza encontros
2 - Os professores das escolas são convidados a participar de reuniões junto
com os profissionais das Casas André
Luiz, com as pessoas com deficiência
e seus familiares?
São convidados a participar dos
encontros do REDUC os professores,
coordenadores e/ou diretores de escolas particulares e públicas, além de
instituições. Até o presente momento
não realizamos um encontro conjunto
com os familiares, por preservarmos
o espaço de acolhimento das dúvidas
e angústias dos participantes, assim
como por entendermos que é um momento de troca de conhecimento sobre
os processos educacionais, com toda
sua complexidade.
3 - Por que são realizados encontros
somente uma vez por semestre? Faltava interesse de ambas as partes das
195 pessoas envolvidas no REDUC?
Inicialmente o projeto era desenvolvido bimestralmente, porém fomos
percebendo dificuldades dos participantes em dar conta de uma periodicidade
maior. Alguns professores apresentavam dificuldades em ter essa dispensa,
faltando incentivo para sua continuidade de participação. Isso nos levou
a construir o programa mais dentro da
realidade das pessoas, inclusive da
própria equipe técnica do ambulatório
da instituição, que era cobrada por parar aos atendimentos para receber um
grupo restrito de professores. Assim,
para darmos seguimento sem ônus
para nenhum lado passamos a fazê-lo
semestralmente.
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 1 • Janeiro • Fevereiro de 2012
semestrais com professores, coordenadores, diretores e demais atores do
sistema escolar.
Convidamos os profissionais das
escolas públicas e privadas, que possuem crianças que utilizam nossos
serviços, a participarem de encontros
na instituição. Por meio dessa parceria
criamos uma rede social que dê suporte
às demandas referentes ao processo
de inclusão educacional, com o objetivo
de: compartilhar dúvidas, informações
e experiências (produzindo caminhos e
alternativas; aprender com a realidade
cotidiana); levantar aspectos comuns
sobre as dificuldades da educação inclusiva no Brasil; além da possibilidade
de intervir nas questões relativas aos
preconceitos do universo das deficiências. Para isso, buscamos como método de trabalho, realizar encontros estruturados com diálogos, oficinas, debates
e palestras informativas. E sempre que
possível, também são realizadas visitas
às escolas para acompanhamento de
casos específicos.
A ideia do Programa REDUC nasceu
de uma necessidade dos profissionais
da saúde ligados ao ambulatório da
instituição encontrar resposta às demandas das escolas nas quais as pessoas atendidas na instituição estavam
inseridas. Do lugar dos representantes
escolares vinham demandas ligadas ao
diagnóstico, dúvidas sobre as deficiências, formas de atuação, intervenções
e adaptações possíveis na escola, angústias do não saber como lidar com
o desconhecido, entre outras. Assim
fomos trabalhando com o paradigma
da diversidade e criando um contexto
reflexivo para além do diagnóstico.
45
4 – Hoje são realizados relatórios sobre
os principais temas conversados? E
feitas propostas de ações coletivas ou
analisados casos específicos?
Em alguns encontros propomos temas específicos, e em outros uma dinâmica mais aberta ao diálogo a partir da
demanda do grupo que comparece ao encontro. Todos são finalizados com uma
avaliação dos participantes e sugestões
para os posteriores, e a equipe do ambulatório realiza o relatório do encontro. Já
tivemos e continuamos tendo das mais
diversas demandas, desde uma mobilização mais política com convites aos
participantes para serem representantes
na Secretaria de Educação de Guarulhos;
até discussões mais pontuais sobre
diagnósticos e atendimento realizados
pela equipe de saúde.
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 1 • Janeiro • Fevereiro de 2012
6 - Dentre as 70 escolas participantes
dos encontros, quantas implantaram
ações efetivas em sala de aula? Quais
foram elas?
46
É muito difícil precisar, pois não temos condições de analisar o programa
nesse nível de abrangência. O que existem são relatos de participantes mais
assíduos que nos deram feedbacks de
suas ações nas escolas. Destacamos
modificações nos processos de avaliação do aluno, melhor condução no
processo de alfabetização da criança,
diversificação nas estratégias de ensino, cobrança de instâncias superiores
quanto ao suporte necessário à criança
com deficiência, revisão do ciclo escolar em que a criança se encontrava,
dentre outras.
7 - Qual o papel dos 7 interlocutores
em campo? São profissionais da instituição que visitavam algumas escolas? Quantas? Em que período? O que
realizavam?
No geral uma equipe de dois a três
profissionais visitavam as escolas que
necessitavam de uma intervenção focada na demanda daquele contexto, como
por exemplo, conversar com um grupo
maior de professores que não podiam
se deslocar até o ambulatório da instituição; ou em escolas que abarcavam
um número maior de pessoas atendidas
nas Casas André Luiz para termos acesso a todos os professores envolvidos,
ou até mesmo por solicitações mais persistentes de representantes de escolas.
Realizávamos o agendamento com o
coordenador da escola e solicitávamos
a presença de professores, especialmente os ligados as pessoas com deficiência atendidas na instituição. Nesse
período realizamos 15 visitas escolares,
tendo cada uma um foco diversificado,
desde participar de hora pedagógica na
instituição e falar com um grupo de 30
professores dialogando e esclarecendo
dúvidas sobre alunos com deficiência;
até para verificarmos as adaptações
necessárias e específicas para determinada criança na escola. Atualmente
esse tipo de assessoria acontece com
menor frenquência, devido a outras
demandas institucionais.
9 - Aponte os principais problemas de
inclusão de estudantes com deficiência intelectual nas escolas regulares,
os principais resultados conseguidos
após as ações do REDUC?
10 - Cite um exemplo positivo e um que
ainda precisa ser melhorado. Aponte
os principais comentários, depoimentos e críticas feitas pelas pessoas
envolvidas, sejam profissionais da
instituição ou educadores das escolas
inclusivas.
Como exemplo, podemos citar os
pontos positivos, retirados de avaliações finais de alguns encontros de
2011: “foi uma importante troca de
experiências sobre inclusão”; “é importante compreender como a criança está
se desenvolvendo nas terapias traçando paralelos com a sala de aula”; “foi
um aprendizado de novas técnicas a
serem trabalhadas com os alunos”; “a
importância dada a inter-disciplinaride;
o domínio do conhecimento; e disponibilidade da equipe terapêutica em nos
orientar”; “a importância de ter retorno
sobre o trabalho que a escola realiza;
e levar o conhecimento para a sala de
aula, dar novas visões e possibilidades”; entre outros.
Alguns comentários dos participantes foram: “Uma oportunidade de tirar
dúvidas e aprender bastante”; “Trouxe
soluções para as minhas necessidades”; ”Estou saindo muito melhor do
que entrei. Foi ótimo!”; “Agradeço o
acolhimento e a receptividade. Parabéns pelo lindo trabalho”; “A reunião
foi de grande valia para minha formação
pessoal e profissional”; “Adorei muito,
pois mudou muito o meu ponto de vista
em relação ao meu comportamento”.
E algumas sugestões foram: maior
frequencia nos encontros; ser mais divulgado; e a necessidade de um curso
de formação para educadores.
Em relação às dificuldades verificamos que a criança com deficiência
intelectual passa por uma situação
bastante delicada ao fazer a passagem do ciclo do ensino fundamental
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 1 • Janeiro • Fevereiro de 2012
Muitos são os problemas trazidos
pelos familiares das pessoas com deficiência e pelos professores que participam dos encontros, como por exemplo,
em relação à infra-estrutura das escolas (muitas ainda não são totalmente
adaptadas as pessoas que usa cadeira
de rodas); falta de suporte em sala de
aula para as questões práticas (como
troca de fraldas, alimentação, e ida
aos espaços externos à sala de aula);
grande número de alunos por sala que
dificulta a atenção individualizada;
falta de suporte que instrumentalize
o professor a encontrar caminhos de
escolarização do aluno com deficiência;
carências na formação do educador;
falta de parâmetros para a avaliação e
promoção de alunos; e preconceitos na
relação família e escola, entre outros
problemas.
Nossa intervenção tem ocorrido
dentro das necessidades que são trazidas a cada encontro ou a cada visita
escolar; desde orientações específicas ligadas a tecnologias assistivas,
sugestões de adequações estruturais
em sala de aula, passando por esclarecimentos de quadros clínicos, discussões e reflexões sobre formas de
aprendizagem, até alívio de angustia
de professores através do acolhimento de seus sentimentos. Os relatos
de satisfações dos professores e das
mães em alguns casos são nossos
parâmetros de avaliação do programa.
47
1 para o 2, uma vez que deixa de ter
um professor generalista e passa a
ter vários professores especialistas
muito distanciados do processo de
alfabetização, fase em que a maioria
das crianças com deficiência intelectual ainda se encontra. Muito desses
alunos não apresentam condições de
acompanhar o conteúdo planejado para
as series desse segmento e passam a
ficar a margem na sala de aula, podendo refletir em comportamentos vistos
como indisciplinados, mas na realidade
refletem sua desmotivação decorrente
desse despreparo do sistema escolar.
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 1 • Janeiro • Fevereiro de 2012
11 - Quais são as principais parcerias
firmadas entre os setores de saúde e
educação inclusivas após a implantação do projeto? O REDUC vai continuar? A direção das Casas André Luiz
aprovou os resultados e incentivou o
trabalho?
48
A busca da parceria é contínua e
refletida em cada encontro e sempre
temos a certeza de trocarmos conhecimentos e dialogarmos dentro de
nossos saberes construindo caminhos
mais assertivos para a pessoa com
deficiência nos dois contextos. E para
tentar expandir nossa atuação, criarmos um curso de atualização e capacitação de educadores no ambulatório
da instituição; com uma programação
envolvendo áreas de psicologia, terapia
ocupacional, fonoaudiologia, educação
física e serviço social, visando fomentar
a reflexão do professor e instrumentalizá-lo para as questões do cotidiano
escolar da pessoa com deficiência
intelectual. Nossa proposta abordava
temas como limites e possibilidades
de um diagnóstico, preconceito e exclusão, família, reconhecimento dos
direitos da pessoa com deficiência,
tecnologia assistiva, possibilidades em
metodologias e estratégias de ensino,
entre outros. Porém, não conseguimos
colocar o curso em prática devido à falta de uma parceria. O programa REDUC
no formato que hoje está tende a continuar, tendo em vista o reconhecimento
da necessidade de darmos suporte
às escolas e por acreditarmos que a
aproximação entre saúde e educação
se faz necessária para o benefício da
pessoa com deficiência.
12 - O que representa para você, tanto
profissionalmente, como pessoalmente, a realização de um projeto em prol
da educação inclusiva e do resgate da
cidadania de pessoas com deficiência
intelectual que ainda passam por situações de discriminação e preconceito?
O que mudou em sua vida após a realização deste projeto?
Pessoalmente é um projeto no qual
acredito muito, até por atuar também
como psicóloga escolar em uma escola
particular que recebe alguns alunos com
deficiência, levando-me a ver de perto
as necessidades de formação e suporte ao professor que atua diretamente
com a pessoa com deficiência. Nos
atendimentos às mães de pacientes,
como por exemplo, no Grupo Reflexivo
realizado pela Psicologia, a demanda
mais freqüente são as insatisfações
e dificuldades com a inclusão escolar
de seus filhos, sendo quase que um
pedido explícito de darmos conta de
serem as portas vozes de seus filhos
e defensoras de seus direitos a uma
educação de qualidade. Mas temos a
certeza que com esse programa, conseguimos dar uma pequena contribuição
para uma sociedade mais justa para
essas pessoas com deficiência.
*Maria Rozineti Gonçalves, Coordenadora de Equipe
Técnica das Casas André Luiz há 17 anos, é Psicóloga
com especialização em Terapia Familiar e de Casal
e Psicologia Institucional e Social e idealizadora do
programa REDUC, juntamente com sua equipe técnica
formado por Willian Chagas, Professor de Educação
Física Adaptada; Renata Masson, Terapeuta Ocupacional; Cleide Santos, Assistente Social; Priscila Engman,
Fonoaudióloga e Maria Rozineti Gonçalves, Psicóloga e
Coordenadora da instituição.
*Leandra Migotto Certeza
é bacharel em Comunicação
Social pela Universidade
Anhembi Morumbi, jornalista
desde 1998, e repórter especial da Revista Síndromes. Foi
editora da Revista Sentidos e
Ciranda da Inclusão, além de
escrever para diversos portais como Setor 3 do SENAC/
SP, Rede SACI/USP e Inclusive. Ela tem deficiência física
(Osteogenesis Inperfecta), é assessora de imprensa da
ABSW – Associação Brasileira de Síndrome de Williams,
consultora em inclusão (premiada em Lima e na Colômbia), e mantém o blog “Caleidoscópio – Uma janela
para refletir sobre a diversidade da vida”: http://leandramigottocerteza.blogspot.com/. Conheçam os modelos
de palestras, encontros, oficinas, cursos, treinamentos
e materiais informativos sobre Diversidade e Inclusão,
realizados em empresas, escolas, ONGs, centros
culturais e grupos de pessoas no site da Caleidoscópio
Comunicações – Consultoria em Inclusão: https://sites.
google.com/site/leandramigotto/
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 1 • Janeiro • Fevereiro de 2012
resolvermos as incongruências no sistema educacional. Mas é claro que não
temos essa condição e nos limitamos
a fomentar o diálogo e a tentativa de
se buscar alternativas e caminhos para
essa construção contínua do processo
inclusivo. É preciso também fortalecer
as mães atendidas na instituição para
49
revista multidisciplinar de desenvolvimento humano
Síndromes
Março • Abril de 2012 • Ano 2 • Nº 2
Curso Autismo
Módulo IV
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…
curso A utismo - m ó dulo I V
Diagnóstico e diagnóstico
diferencial psiquiátrico no
autismo infantil
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 4 • Julho • Agosto de 2012
1. Introdução
52
Ao DSM-IV-TR (American Psychiatric
Association, 2002), o autismo infantil é
retratado como um quadro iniciado antes
dos três anos de idade, decorrente de
uma vasta gama de condições pré, peri
e pós-natais, sendo necessários um total
de seis (ou mais) itens das seções (1),
(2) e (3), com pelo menos dois itens da
seção (1), um da (2) e um da (3). Esses
itens são representados por prejuízo
qualitativo na interação social, manifestado por pelo menos dois dos seguintes
aspectos: prejuízo acentuado no uso de
múltiplos comportamentos não verbais,
tais como contato visual direto, expressão facial, postura corporal e gestos para
regular a interação social; fracasso em
desenvolver relacionamentos com seus
pares, apropriados ao nível de desenvolvimento; falta de tentativa espontânea
de compartilhar prazer, interesses ou
realizações com outras pessoas (p. e.,
não mostrar, trazer ou apontar objetos de
interesse), e falta de reciprocidade social
ou emocional. Os aspectos relativos aos
prejuízos qualitativos na comunicação
são manifestados através de atraso ou
ausência total de desenvolvimento da
linguagem falada (não acompanhado
por uma tentativa de compensar através
de modos alternativos de comunicação,
tais como gestos ou mímica); em indi-
víduos com fala adequada, observa-se
acentuado prejuízo na capacidade de
iniciar ou manter uma conversação; uso
estereotipado e repetitivo da linguagem,
ou linguagem idiossincrática; falta de
jogos ou brincadeiras de imitação social,
variados e espontâneos, apropriados ao
nível de desenvolvimento. Finalmente,
os padrões restritos e repetitivos são
manifestos através de preocupação
insistente com um ou mais padrões,
estereotipados e restritos de interesse,
anormais em intensidade ou em foco;
adesão aparentemente inflexível a rotinas
ou rituais, específicos e não funcionais;
maneirismos motores estereotipados e
repetitivos (p. e., agitar ou torcer mãos
ou dedos, ou movimentos complexos de
todo o corpo); e preocupação persistente
com partes de objetos.
Considerando-se a CID-10 (1993),
encontramos o conceito de Transtornos
Globais do Desenvolvimento descrito
como um “...grupo de transtornos caracterizados por alterações qualitativas
das interações sociais recíprocas e
modalidades de comunicação e por um
repertório de interesses e atividades
restrito, estereotipado e repetitivo. Estas
anomalias qualitativas constituem uma
característica global do funcionamento do
sujeito, em todas as ocasiões.”
Assim, estabelecem-se subgrupos
específicos para seu diagnóstico, todos
…
2. Principais quadros clínicos
de importância no diagnóstico
diferencial
• 2.a. Diagnósticos Diferenciais intra-grupo “Transtornos de Desenvolvimento”
• 2.a.1. Diagnósticos Diferenciais intra-grupo Retardo Mental
O Retardo Mental (RM) é um quadro
de extrema importância, não somente
pela sua gravidade, mas também porque as melhores estimativas mostram
sua prevalência, considerando-se um
quociente intelectual (QI) abaixo de 50,
ao redor de 3 a 4 para 1.000 pessoas,
e estimando-se que a deficiência mental
leve (QI de 50 a 70) ocorra em 2 a 3%
das pessoas, embora esses dados só
devam ser levados em consideração ao
serem observadas as características
da região estudada, bem como o meio
sócio-econômico envolvido (World Health
Organization, 1985).
A proposta de 1959, da Associação
Americana para o RM define que “...o
retardamento mental refere-se ao funcionamento intelectual geral abaixo da
média, que se origina durante o período
de desenvolvimento e está associado
a prejuízo no comportamento adaptativo”. Engloba um quadro caracterizado a partir das conseqüências que
apresenta, no âmbito da pessoa, da
família e da sociedade, decorrente de
uma deficiência em nível biológico, que
acarreta uma incapacidade em nível
funcional, que faz com que o indivíduo
não apresente o desempenho esperado de acordo com sua idade, sexo e
grupamento social.
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 4 • Julho • Agosto de 2012
eles caracterizando diferentes quadros
clínicos, evoluções e prognósticos sendo,
portanto, de fundamental importância seu
estabelecimento. Assim, esse diagnóstico diferencial dos quadros autísticos
passa a existir dentro do próprio grupo de
Transtorno Invasivos do Desenvolvimento, que engloba a Síndrome de Asperger,
a Síndrome de Rett, os Transtornos Desintegrativos e os quadros não especificados, bem como passa a ter que ser considerado fora dessa categoria. Isso porque
com o reforço da idéia do déficit cognitivo
associado, bem como a partir de seu
enfoque sob uma ótica desenvolvimentista, passa a relacioná-lo cada vez mais à
deficiência mental, uma vez que cerca de
70 a 86% deles são também deficientes
mentais. Wing (1988), reforçando essa
idéia, traz a noção de autismo como um
aspecto sintomatológico, dependente
do comprometimento cognitivo, dentro
de uma visão dimensional, reforçando a
tendência de o tratarmos não como uma
entidade única, mas como um grupo de
doenças relacionadas, primariamente, a
déficits cognitivos.
Sua idade usual de diagnóstico, ao
redor de três anos, caracteriza de forma
clara uma primeira dificuldade na sua
identificação, embora esse mesmo autor sugira que um diagnóstico já possa
ser bem estabelecido ao redor dos 18
meses de idade, estudos realizados com
grandes amostras de portadores das
chamadas “psicoses infantis” descrevem uma distribuição bimodal, com um
grupo de crianças com graves problemas
já nos primeiros anos de vida, e outro
grupo com dificuldades somente após
um período de desenvolvimento aparentemente normal.
53
…
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 4 • Julho • Agosto de 2012
54
Não corresponde, portanto, a uma
doença única, mas engloba um complexo
de síndromes que têm como única característica comum a insuficiência intelectual. Considerando-se o DSM-IV-TR (2002),
suas características fundamentais são
representadas por um funcionamento intelectual global significativamente inferior
à média, acompanhado de déficits ou prejuízos concomitantes no funcionamento
adaptativo atual, com um início anterior
aos 18 anos de idade.
Essas características, a princípio,
podem ser encontradas também nos
quadros de autismo, embora nesses,
alterações mais específicas e de cunho
qualitativo estejam associadas. Também
não fazem parte dos quadros de RM as
alterações de motilidade representadas
pelos rituais e pelas estereotipias de
movimento, as alterações lingüísticas e,
principalmente, as alterações na sociabilidade, uma vez que o isolamento intenso
com dificuldade no reconhecimento dos
padrões mentais do outro não é encontrado, obrigatoriamente, no RM.
A etiologia do Retardo Mental é
variável, superpondo-se à encontrada
no autismo, e pode, de modo geral, ser
subdividida em fatores que atuam antes
da concepção e que envolvem causas
genéticas e ambientais, consistindo
nos aspectos mais importantes na sua
gênese.
Provavelmente essa superposição de
fatores, faz com que se encontre associada ao autismo, numa proporção de 70 a
80% dos casos, com fatores genéticos.
Também fatores ambientais de cunho pré
e peri-natal aproximam os dois transtornos, embora alguns deles pareçam ter
um peso mais específico no RM.
Entretanto, considerando-se que
o Retardo Mental corresponde a um
continuum que se estende do próximo
ao normal ao francamente anormal, de
acordo com o potencial adaptativo do
indivíduo em questão, a discriminação
cognitiva passa a ter fundamental importância para o diagnóstico diferencial,
uma vez que no RM, a maior frequência
de transtornos de conduta observada
também é na área da sociabilidade, o que
reflete as dificuldades adaptativas dessa
população. Observamos, então, condutas
caracterizadas por dificuldades no relacionamento social, caracterizando timidez e
isolamento, frutos da baixa autoestima e
de percepção das reais dificuldades no relacionamento, e condutas de tipo irritável
e agressivo, decorrentes da dificuldade
de instrumentalização e controle dos impulsos, com a conseqüente inadequação
ao ambiente social. Cabe ainda considerar a presença freqüente de estereotipias
gestuais na população deficiente mental,
o que dificulta mais ainda seu diagnóstico
diferencial com os TIDs.
• 2.a.2. Alterações de Linguagem
A ausência de linguagem e, conseqüentemente, de reações aparentes
à voz do outro na criança de pequena
idade, traz à baila a questão da surdez,
que deve sempre ser investigada quando
não se percebe a reação a voz, gestos
e presença do outro. Da mesma forma,
alterações de linguagem, como disfasias
graves, podem apresentar, concomitantemente, alterações relacionais (dificuldades de imitação e interesses específicos)
e dificuldades de expressão afetiva que,
embora distintas, devem ser investigadas
de maneira cuidadosa.
• 2.a.4. Diagnósticos Diferenciais intra-grupo “Transtornos Invasivos de Desenvolvimento”
• 2.a.4.a. Síndrome de Asperger
Descrita por Asperger em 1944 e
reconhecida ao DSM IV-TR em sua quarta
edição (2002), corresponde a um quadro
de alta funcionalidade, embora seja também um transtorno de desenvolvimento,
no qual observamos alterações nas
mesmas três áreas de desenvolvimento
observadas nos quadros autísticos, a
saber, relacionamento social, linguagem
e comportamento repetitivo e/ou perseverativo, com número limitado de focos
de interesse. Assim, apenas por sua
descrição, já representa um diagnóstico
diferencial de importância, em que pese
a idéia de continuum autístico descrito
por Wing (1988).
Apresentam, habitualmente, nível
de inteligência normal ou acima da normalidade, associado a um padrão de
aquisição de linguagem em geral também
normal, embora essa mostre déficits semânticos. Paralelamente, observam-se
comprometimentos diversos, detectados
através de provas específicas.
Sua epidemiologia é descrita como
de prevalência ao redor de 20 a 25 por
10.000, com maior proporção também
entre o sexo masculino.
O diagnóstico é realizado a partir do
prejuízo qualitativo na interação social,
envolvendo o prejuízo no comportamento não-verbal. Observa-se isolamento
social, com extremo egocentrismo, falta
de habilidade em interagir com os pares,
associada à falta de desejo de interagir
e à pobre apreciação da trama social,
com respostas socialmente impróprias.
Sua socialização é menos comprometida
que aquela dos portadores de autismo,
embora seus padrões relacionais sejam
deficitários e com marcantes dificuldades
adaptativas. Interesses e preocupações
são limitados, com exclusividade de interesses e aderência repetitiva a rotinas e
rituais, que podem ser auto-impostos ou
impostos por outros.
Fala e linguagem são peculiares,
superficialmente perfeitas em sua expressão, embora com alterações de prosódia,
timbre, tom e altura, além de compreensão diferente do que lhe é dito, incluindo
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 4 • Julho • Agosto de 2012
…
• 2.a.3. Carência Afetiva
O conceito de retração prolongada é
interessante em função de seu aparecimento, tanto em patologias pediátricas
como em patologias relacionais enquanto uma forma de regulação normal da
interação, constituindo-se numa reação
de alarme, que aparece em quadros de
depressão precoce, síndromes autísticas
ou transtornos invasivos de desenvolvimento, transtornos ansiosos (como o
transtorno de estresse pós-traumático),
deficiências sensoriais, problemas nas
relações emocionais, alguns transtornos
de alimentação e problemas relacionais.
Consiste em um “apagamento” da criança, com uma resistência aos estímulos
relacionais, ausência de estímulos auto-eróticos, rigidez facial, movimentos atípicos de dedos, choro e perda de apetite.
É descrita por Marcelli (2006) a partir da
passividade e inércia associada a estereotipias de extremidades e ausência de
mímica. Embora a capacidade comunicacional possa estar preservada, pode
ser mascarada pela profunda retração e
inércia da criança afetada.
55
…
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 4 • Julho • Agosto de 2012
56
interpretações literais. Problemas na
comunicação não-verbal apresentam-se
a partir do uso limitado de gestos, linguagem corporal desajeitada, expressões
faciais limitadas ou impróprias, olhar fixo
peculiar e dificuldades à proximidade
física de outros.
Entretanto, sua maior peculiaridade
é o interesse obsessivo em uma área
específica, apresentando, algumas vezes,
habilidades como hiperlexia ou memória
para calendários.
microcefalia adquirida e, após um período
de estabilidade aparente, constata-se o
aparecimento de outras anormalidades
neurológicas, como síndromes piramidais, epilepsia, alterações vasomotoras,
etc. Ainda sob o ponto de vista diferencial, não encontramos, à semelhança do
que vemos nos autistas, os interesses
específicos e os jogos estereotipados, a
rotação dos objetos, a recusa sistemática
do contato corporal e o apego excessivo
a determinados objetos.
• 2.a.4.b. Síndrome de Rett
Encefalopatia evolutiva, ligada ao
cromossomo X, com ocorrência no sexo
feminino, sendo reconhecidos entre 5 e
30 meses de vida, apresentando marcado
déficit no desenvolvimento, com desaceleração do crescimento craniano, retardo
intelectual marcado, além de grande
associação com quadros convulsivos.
Diferentemente dos quadros autísticos,
temos aqui uma criança com desenvolvimento neurológico e psíquico normal até
ao redor dos 18 meses de idade, quando
se dá uma parada no desenvolvimento,
parada essa seguida de uma deterioração, com perda de funções anteriormente
adquiridas, processada de maneira rápida e conduzindo a um estado autístico
e demencial, em menos de 18 meses.
Observa-se a perda da manipulação voluntária dos objetos, que é substituída por
movimentos estereotipados de membros
superiores, alguns dos quais podemos
considerar característicos, como o batimento de mãos cruzadas diante do peito,
assim como o ranger de dentes.
Concomitantemente, e diferentemente dos quadros autísticos, podemos
observar ataxia de marcha e de tronco,
• 2.a.4.c. Transtornos Desintegrativos
Observados antes dos 24 meses,
com predomínio no sexo masculino,
padrões de sociabilidade e comunicação
pobres, freqüente associação a síndrome
convulsiva, além de prognóstico pobre.
Sua principal característica é sobrevir
após um período de desenvolvimento normal e ser acompanhado de um período de
regressão das aquisições, concomitante
ao aparecimento da sintomatologia que
o caracteriza e que o faz similar aos quadros autísticos. É marcante a perda das
aquisições, principalmente lingüísticas,
o que o aproxima do antigo conceito de
demência infantil. Fundamental se torna,
nestes casos, a avaliação neurológica,
visando o diagnóstico de doenças neurodegenerativas. Sua evolução é reservada,
levando a uma deterioração cognitiva
marcada e importante.
• 2.a.4.d. Transtornos Invasivos não
especificados
Quadros cuja idade de início é variável, com predomínio no sexo masculino,
comprometimento discrepante na área
da sociabilidade, bom padrão comunicacional e discreto comprometimento
…
• 2.b. Diagnósticos Diferenciais com
o grupo “Transtornos Específicos de
Desenvolvimento”
• 2.b.1. Transtornos do Desenvolvimento do Aprendizado
Pesquisadores na área estimam que 5
a 10 % seria uma estimativa razoável com
a propalada maior freqüência desta condição em meninos sendo hoje considerada
fruto de uma maior morbidade referida
do sexo, ou seja, os meninos são mais
freqüentemente encaminhados para os
estudos por sua maior probabilidade de
apresentarem comportamentos disruptivos, que geram demanda de atendimento.
Sua classificação clínica, conforme
o proposto pelo DSM-IV-TR (APA, 2002),
pode ser observada no quadro que se
segue (Quadro 1):
Quadro 1: Transtornos do Desenvolvimento do Aprendizado
Transtornos do Aprendizado
a. Transtorno da leitura
b. Transtorno da Matemática
c. Transtorno da expressão escrita
Transtornos das Habilidades Motoras
a. Transtorno do desenvolvimento da
coordenação
Transtornos da Comunicação
a. Transtorno da linguagem expressiva
b. Transtorno misto da linguagem
receptivo-expressiva
c. Transtorno fonológico
d. Tartamudez (gagueira)
É freqüente que a demanda de
atendimento desta população seja por
problemas de comportamento, e o profissional envolvido nesta avaliação deve,
ao abordar essa criança ou adolescente,
portadora de inúmeras dificuldades emocionais, sociais e familiares, associadas
às dificuldades acadêmicas, ser capaz
de diferenciar entre causa e sintoma, o
que pode ser feito inquirindo-se sobre
o histórico acadêmico e o desempenho
em cada área de habilidade, retardo de
desenvolvimento psicomotor, retardo de
aquisição de linguagem, problemas da
fala e prejuízo das habilidades cognitivas. Os resultados dessa abordagem
psicoeducacional devem estabelecer a
presença ou ausência de um transtorno
de aprendizagem.
Seu diagnóstico diferencial se dá com
os quadros de autismo de alto funcionamento e de Síndrome de Asperger, que
apresentam déficits menores no que se
refere à sociabilidade e à linguagem, sendo passíveis de participar de programação acadêmica normal. Assim, buscam-se
os comprometimentos relativos à Teoria
da Mente (presente nos portadores de
Transtornos de Aprendizado), aos prejuízos nas funções executivas e na coerência central, observando-se um melhor
desempenho em detalhes, atividades de
tipo ritualístico, bem como um prejuízo
semântico na compreensão de textos,
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 4 • Julho • Agosto de 2012
cognitivo. Seu principal diferencial dos
quadros autísticos clássicos é a ausência
de algum dos sintomas fundamentais
para o diagnóstico do autismo. Pode-se,
assim, encontrar quadros nos quais se
salienta o déficit social e comunicacional, mas não a presença de alterações
motoras. Encontram-se neste grupo os
quadros diagnosticados anteriormente
como portadores de “comportamentos
autísticos”.
57
…
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 4 • Julho • Agosto de 2012
em que pese a observação freqüente de
hiperlexia.
58
• 2.b.2. Transtornos do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH)
Enquanto diagnóstico, apesar de nomeada a partir da disfunção atencional,
faz-se necessário que estejam presentes, em mais de um ambiente, também
a impulsividade e a hiperatividade. Sua
prevalência, a partir de estudo abrangente
no qual se resumem 11 outros estudos,
apresenta um pico de aparecimento de
8% entre os 6 e 9 anos, com cifras menores para pré-escolares e adolescentes,
sendo a prevalência diferencial entre os
sexos (9% para meninos e 3.3% para
meninas) menor que a habitualmente
descrita em outros estudos.
O quadro clínico caracteriza crianças,
que desde idades precoces, mostram
irritabilidade, choro fácil, sono agitado
e despertar noturno. A partir do primeiro
ano de idade, observa-se agitação psicomotora, ocasionando quebra de objetos,
e demandando vigilância constante.
Desinteressam-se rapidamente por brinquedos ou situações lúdicas. Observa-se,
ainda, principalmente no sexo masculino,
prejuízo no desenvolvimento da fala, com
aquisição mais lenta e presença de trocas, omissões e distorções fonêmicas,
além de um ritmo acelerado (taquilalia).
Essas condições se refletem em maiores
dificuldades e alterações no processo de
alfabetização da criança. Apresentam,
ainda, prejuízo na coordenação motora
e retardo na aquisição de automatismos
tardios (como amarrar um sapato ou
utilizar um lápis). O desenvolvimento
da noção têmporo-espacial também é
mais lento, resultando em dificuldades
no desenho e uma incapacidade de diferenciar símbolos gráficos semelhantes,
que se diferenciem apenas por sua disposição espacial (como as letras b e d).
A comorbidade com outros transtornos
(transtorno de conduta, depressão, abuso
e dependência de psicotrópicos, etc.) é
freqüente, o que dificulta mais ainda seu
diagnóstico diferencial. Assim, não é rara
a confusão com quadros de autismo de
alto nível pela existência, em ambos, de
uma dificuldade atencional associada
a uma disfunção executiva. Entretanto,
nestas crianças não observamos um prejuízo marcado na Teoria da Mente, nem
as dificuldades relacionais que podemos
verificar nos Transtornos Invasivos.
• 2.b. Diagnósticos Diferenciais extra-grupo Transtornos Invasivos de Desenvolvimento
• 2.b.1. Transtornos Psicóticos: Esquizofrenia
A partir de todas essas dificuldades
que permeiam o diagnóstico dos quadros
esquizofrênicos na criança, a caracterização de sua prevalência é difícil, apesar
de, consensualmente, ser reportada
como mais rara que o autismo, considerado 1,4 vezes mais freqüente. Também
não há consenso quanto à relação entre
os sexos, sendo que, tanto uma preponderância do sexo masculino (1,5 a 2 homens para 1 mulher), quanto distribuição
igual entre os sexos, são descritas.
Seu início é insidioso, principalmente
na chamada esquizofrenia de início muito
precoce (VEOS, ou very early onset schizophrenia, de início anterior aos 13 anos
de idade), com controvérsias relativas ao
tipo de início precoce (EOS, ou early onset
…
3. Conclusões
Dentro dessa perspectiva multidisciplinar, visando o estabelecimento de um
diagnóstico, específico e diferenciado,
protocolos diagnósticos devem ser estabelecidos de maneira similar, à seguinte:
1) Anamnese meticulosa, com antecedentes gestacionais, pré-, peri- e
pós- natais;
2) Estudo neuropsiquiátrico, envolvendo
aspectos de desenvolvimento, avaliação física (na procura de estigmas disgenéticos), neurológica e psiquiátrica;
3) Aplicação de escalas e questionários
específicos;
4) Testes auditivos e de linguagem;
5) Avaliação oftalmológica;
6) Estudo genético com análise cromossômica (mapeamento) ou estudo de
DNA, visando o estudo de fenótipos
comportamentais, a partir de características comportamentais típicas de
determinadas síndromes e estudo das
patologias ligadas ao X;
7) Estudos de neuroimagem
8) Eletroencefalograma
9) Potenciais evocados auditivos de tronco cerebral; auditivos corticais.
10) Testes específicos de triagem e
diagnóstico para erros inatos do metabolismos
11) Outros exames laboratoriais
12) Psicometria
12.a. Avaliações de Desenvolvimento
12.b. Avaliações de Personalidade
12.c. Instrumentos específicos
Com a maior acurácia das pesquisas
clínicas, um grande número de sub-síndromes ligadas ao complexo “Autismo”
devem ser melhor identificadas nos próximos anos, de forma a que os conhecimentos sobre a área aumentem de modo
significativo em um futuro próximo.
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 4 • Julho • Agosto de 2012
schizophrenia , de início anterior aos 18
anos), se agudo ou insidioso (Mercadante, 1994). Observa-se maior freqüência
de alucinações auditivas (80%), parte
das quais concomitantes a alucinações
cenestésicas ou visuais. Alterações de
pensamento são freqüentes, com prejuízo na associação de idéias, bloqueio de
pensamento e delírios (principalmente de
tipo paranóide), associando-se a embotamento afetivo com ambitendência, perplexidade e menor rendimento intelectual.
Sua cronificação, principalmente nos
quadros de início muito precoce, é freqüente e sua diferenciação dos quadros
de Transtornos Invasivos é dada a partir
do início do quadro e idade de aparecimento, bem como pelos sintomas de tipo
produtivo, como delírios e alucinações.
Entretanto, pode ser confundida a partir
do embotamento afetivo e das dificuldades na sociabilidade, decorrentes da
alteração de realidade e do déficit de
pensamento e comunicacional.
59
Síndromes
Setembro • Outubro de 2012 • Ano 2 • Nº 5
revista multidisciplinar do desenvolvimento humano
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Cristina de Freitas Cirenza
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EDITORIAL
Dr. Francisco Assumpção Junior
artigo do mês
Transtorno de Déficit de Atenção / Hiperatividade (TDAH)
Dra. Evelyn Kuczynski
desenvolvimento
Fantasia e pensamento mágico
Dra. Milena de Oliveira Rossetti
reabilitação
O Método Bobath
Dra. Cristina Maria Pozzi
inclusão
Malformações Congênitas
Dra. Alessandra Freitas Russo
de mãe, pra mãe
A importância de crescer e amadurecer
ao lado dos filhos com TDAH
Por Juliana Ferreira Ribeiro*
Edição: Leandra Migotto Certeza**
artigo do leitor
O uso do instrumento “quality fm”
no pós-operatório de mmii em pacientes
com paralisia cerebral
Tatiana Beline de Beline e Eduardo Bagne
O processo de envelhecimento humano
Dra. Maria Taís de Melo
Meu Deus! Meu filho não para nunca!
José Romero Nobre de Carvalho
reportagem
Instituto de Tratamento do Câncer Infantil
do Instituto da Criança
Atendimento humanizado é destaque no ITACI
Por Leandra Migotto Certeza
O programa de inclusão de pessoas com
deficiência nasempresas – o fortalecimento no
processo de fidelização do colaborador
Janaina Foleis Fernandes *
Curso Autismo
Módulo V
A revista Síndromes é uma publicação bimestral da Atlântica Editora ltda. em parceria com Editora Robles - Ismael Robles Jr.
me (11) 4111 9460, com circulação em todo território nacional. Não é permitida a reprodução total ou parcial dos artigos,
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ed i tor i al
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 5 • Setembro • Outubro de 2012
Dr. Francisco Assumpção Junior
2
Este é mais um número de nossa
revista, o que significa que mais uma
etapa foi vencida, em que pesem as dificuldades e obstáculos que surgira. Entretanto, todos os problemas não impediram
nem a sobrevivência nem a melhoria da
publicação, tanto no que se refere à sua
qualidade editorial como gráfica.
Claro que inúmeros problemas ainda
existem e, esperamos que sejam sanados em curto espaço de tempo porém,
para uma publicação segmentada e especializada como esta e, principalmente,
sem nenhum interesse econômico por
trás de sua execução, a sobrevivência,
por si só, já se constitui numa façanha.
Continuam os abordando questões
clínico-psiquiátricas voltadas à infância
e, neste número, procuramos explorar
a questão do transtorno de déficit de
atenção e hiperatividade tão explorado
por aqueles que procuram simplificar a
questão infantil e tão acusado por seus
detratores que nele vêem a símbolo da
medicalização da população escolar.
A nosso ver, ambas as posições são
absurdas uma vez que trazem em seu
bojo uma discussão antiga e bizantina
referente a questão natureza-ambiente,
deixada para trás pela maioria dos seres
pensantes de nosso planeta uma vez que
o homem não pode negar que pertença
ao gênero Homo, espécie sapiens e que,
por sua extrema adaptabilidade, é muito
frágil e necessita do ambiente para que
possa se construir. Entretanto, essa sua
característica não abole sua natureza,
pré-estabelecida a partir de seu próprio
DNA, que lhe confere características de
espécie.
Pensar a criança, nos parece integrar
as duas vertentes, o “equipamento”
genético-constitucional ao “investimento” sócio-ambiental” como bem dizia
Ajuriaguerra.
Excluir uma das possibilidades, não
importa qual, em detrimento da outra, nos
parece mais uma opção ideológica que
científica, com objetivos mais políticos
que de real preocupação com a criança.
Dentro desse escopo é que procuramos pensar esta publicação que, esperamos seja cada vez mais interessante e,
em conseqüência seja, cada vez mais,
do agrado de todos.
Francisco B. Assumpção Jr.
Francisco B. Assumpção Jr.
art i g o do m ê s
Transtorno de Déficit de Atenção
/ Hiperatividade (TDAH)
Infelizmente, em pleno século XXI ainda há quem ouse afirmar (e são muitos)
que o transtorno de déficit de atenção
/ hiperatividade (TDAH) não passa de
uma “construção social”, fruto de uma
sociedade massificante que propõe o
uso de substâncias com efeitos sobre
o comportamento para “plastificar” as
crianças que não conseguem se adequar
aos parâmetros considerados “normais”,
e que há alguns séculos não havia espaço para tal diagnóstico, uma vez que
as crianças viviam em espaços amplos,
com possibilidade para brincar livremente
e dispersar toda a sua energia; também
ingeriam uma dieta livre de uma série de
aditivos artificiais que hoje compõem a
maioria dos produtos alimentícios.
Entretanto, é importante destacar
frente a estas correntes de pensamento
mais ortodoxas que diversos estudos
de coorte (levantamentos populacionais
que se caracterizam por acompanhar
um grande número de indivíduos por vários anos de seguimento, o que valoriza
ainda mais as evidências encontradas)
expõem a persistência de sintomatologia
incapacitante do TDAH em 70 a 85% dos
adolescentes diagnosticados na infância,
assim como a presença de quadros de
TDAH em adultos.
Viver com TDAH significa correr alto
risco de apresentar:
• baixo desempenho acadêmico;
• prejuízo significativo nas relações c/
familiares e amigos;
• ansiedade;
• depressão;
• baixa autoestima;
• problemas de conduta;
• delinquência;
• experimentação e abuso / dependência precoce de substâncias psicoativas;
• acidentes automobilísticos e multas;
• prejuízo nas relações adultas, casamento e trabalho.
Descrita há cerca de cem anos
(muitos a conheceram sob o nome de
“lesão cerebral mínima”, ou “disfunção
cerebral mínima”), há várias décadas a
criança hiperativa intriga pesquisadores
em todo o mundo. Hoje se acredita que
não seja uma única condição clínica, mas
várias síndromes que se interseccionam.
Enquanto diagnóstico, apesar da presença de prejuízo da atenção, é necessário
que também se encontre impulsividade e
hiperatividade significativa (em mais de
um ambiente). A necessidade de dados
da história da criança/adolescente fornecidos por pais e professores também
dificulta sua avaliação imparcial.
Parte da controvérsia sobre esta síndrome foi gerada pelas muitas mudanças
na terminologia que identifica este quadro, influenciada pelas tendências históricas na conceituação das várias causas
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 5 • Setembro • Outubro de 2012
Evelyn Kuczynski
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SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 5 • Setembro • Outubro de 2012
4
e aspectos fundamentais da síndrome,
o que também dificulta a análise dos
diversos estudos realizados em diferentes países e épocas, sendo chocante a
diversidade de prevalência do diagnóstico
em um estudo que comparava dados
dos Estados Unidos e da Grã-Bretanha
(20% e 0.1%, respectivamente). Apesar
da importante similaridade de origem de
ambas as populações (fruto inclusive da
colonização inglesa no Novo Mundo), a
grande variação de conceitos e critérios
de diagnóstico utilizados gerou esta disparidade impressionante.
Num dos estudos mais abrangentes
da prevalência do TDAH (o Estudo de Saúde Infantil de Ontário, Canadá), são resumidos 11 outros estudos, demonstrando
que idade, tipo e tamanho da amostra
(se populacional ou clínica), método de
diagnóstico, razão entre os sexos, vida
rural versus urbana e classe econômica
podem afetar a prevalência. Este grupo
detectou um pico de prevalência de 8%
entre os seis e os nove anos de idade,
com cifras menores para pré-escolares
e adolescentes, sendo que a prevalência diferencial entre os sexos (9% para
meninos contra 3.3%, para meninas) foi
menor que a habitualmente descrita em
outros estudos. O tamanho da amostra
e a ampla faixa etária englobada, a multiplicidade de fontes de informação utilizadas para se estabelecer o diagnóstico
e a inclusão de dados socioeconômicos,
além de vida rural ou urbana, tornaram
este estudo um marco na investigação
científica acerca do TDAH.
O poder de percepção dos pais quanto à presença do TDAH aumenta sensivelmente, dependendo do seu contato
(prévio ou atual) com crianças de mesma
idade. Se o primeiro filho de um casal sofre de TDAH, ele tende a ser encaminhado
para diagnóstico mais tardiamente, em
função da pouca experiência que estes
“pais de primeira viagem” possuem sobre
o que é “normal ou esperado” no que tange ao comportamento e desenvolvimento
infantil. Neste quesito, a escola e seus
professores tem maior probabilidade de
suspeitar mais precocemente, uma vez
que a amostra sadia a ser parâmetro de
referência se encontra a disposição, no
próprio ambiente escolar.
Desde idades precoces, os portadores de TDAH tendem a ser irritadiços, com
choro fácil, sono agitado (vários despertares noturnos). A partir do primeiro ano
de idade, apresentam intensa agitação
psicomotora, necessitam vigilância constante, quebram objetos com frequência
e se desinteressam rapidamente de
brinquedos ou situações. Os meninos
(principal, mas não exclusivamente)
apresentam prejuízos no desenvolvimento
da fala (com uma aquisição mais lenta)
e a presença de trocas, omissões e
distorções fonêmicas, além de um ritmo
do discurso mais acelerado (a chamada
taquilalia), condição esta que inclusive
propicia maiores dificuldades e alterações no processo de alfabetização da
criança, em não ocorrendo intervenção
precoce.
São características importantes do
TDAH:
• a falta de coordenação motora e o
retardo na aquisição de automatismos normalmente mais tardios (como
amarrar um sapato, ou utilizar um lápis), que podem se refletir num relativo
desajeitamento em relação a crianças
sadias de mesma faixa etária;
A coexistência de outros transtornos
associados, decorrentes ou coexistentes (como o transtorno de conduta,
a depressão, o abuso e dependência
de substâncias psicoativas) deve ser
adequadamente detectada, para que
a abordagem seja a mais eficaz possível. Creio ser importante destacar que
algumas condições clínicas (entre elas
algumas síndromes epilépticas) e o uso
de algumas medicações (entre elas anticonvulsivantes, antidepressivos e corticóides) podem desencadear sintomas
em indivíduos suscetíveis, muitas vezes
indistinguíveis de uma hiperatividade /
déficit de atenção de origem endógena.
Em 1937, Bradley foi o primeiro autor
a descrever o dramático efeito do estimulante benzedrina (uma mistura de dextro e
levoanfetamina) em um grupo de crianças
hospitalizadas e perturbadas, incluindo
algumas que apresentavam a síndrome
hiperativa. Todos os estimulantes em uso
atualmente, com décadas de experiência
(entre eles o metilfenidato, a dextroanfetamina e a pemolina) comprovadamente
melhoram a hiperatividade. Nestas últimas décadas, surgiram novos compostos
e numerosos estudos medicamentosos
bem planejados e controlados por placebos vêm estabelecendo sua eficácia.
Um aumento contínuo no uso do metilfenidato (pelo menos nos EUA) foi provavelmente fruto do otimismo provocado
pela descoberta de um medicamento eficaz para um transtorno grave, bem como
a percepção de que, para muitas crianças
hiperativas, as dificuldades continuavam
na adolescência e idade adulta. É de
difícil resolução a controvérsia entre, por
um lado, o excesso de prescrição de uma
medicação que pode induzir dependência
química e, por outro, dar a crianças com
tão grave transtorno o benefício de um
medicamento comprovadamente útil.
O tratamento não deve se restringir
apenas ao uso de medicamentos, uma
vez que a maioria destes pacientes
apresenta, como já comentado, um comprometimento mais extenso do que uma
alteração da atenção ou a hiperatividade
isolada. Deste modo, dependendo das
manifestações clínicas, podem ser necessário terapias (fonoaudiológica, corporal,
ludoterapia, ou abordagens psicopedagógicas) para aprimorar seu desempenho e
conduta.
O TDAH é uma das principais causas
de procura de ambulatórios de saúde
mental de crianças e adolescentes. Achados consistentes de pesquisa documentam que o tratamento medicamentoso
adequado é, no mínimo, fundamental no
manejo do quadro. Estimativas conservadoras documentam que cerca de 50% dos
adultos diagnosticados como tendo TDAH
na infância seguem apresentando sintomas significativos associados a prejuízo
funcional. Ao longo do desenvolvimento,
diminui a hiperatividade, restando os
déficits de atenção / concentração e a
impulsividade, especialmente de tipo cognitiva (o popular “agir antes de pensar”).
As características principais do transtorno na infância são a desatenção, a hiperatividade e a impulsividade. Além destes
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 5 • Setembro • Outubro de 2012
• o prejuízo no desenvolvimento da noção têmporo-espacial, resultando em
dificuldades com o desenho e incapacidade de diferenciar símbolos gráficos
semelhantes, que se diferenciem
apenas por sua disposição espacial
(como as letras b e d).
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SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 5 • Setembro • Outubro de 2012
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sintomas básicos, em mais de 50% dos
casos coexistem transtornos do aprendizado, transtornos do humor e de ansiedade,
transtornos de conduta e transtornos de
abuso de substância (inclusive o álcool).
Apesar do grande número de estudos
já realizados, as causas precisas do TDAH
ainda não são conhecidas. A contribuição
da hereditariedade é essencial. Assim
como na maioria dos transtornos psiquiátricos, acredita-se que vários genes de
pequeno efeito sejam responsáveis por
uma vulnerabilidade (ou susceptibilidade)
genética ao transtorno, sobre a qual agem
diferentes agentes ambientais (entre os
aventados estão o tabagismo durante a
gestação e agravos durante o período
perinatal). Desta forma, o surgimento, a
evolução e a gravidade do TDAH aparentemente dependem de quais genes de
susceptibilidade estão agindo, de quanto
cada um deles contribui para a doença (ou
seja, qual o tamanho do efeito de cada
um) e da interação destes genes entre si
e com o ambiente.
Os dados sobre o substrato neurobiológico do TDAH são derivados de estudos
neuropsicológicos, de neuroimagem e
de neurotransmissores. Embora pareça
consenso que nenhuma alteração em
um único sistema de neurotransmissores pode ser responsável por uma síndrome tão heterogênea quanto o TDAH,
os estudos indicam principalmente o
envolvimento das catecolaminas, em
especial da dopamina e noradrenalina.
Um estudo de neuroimagem estrutural
evidenciou que o aumento dos volumes
intracerebrais das crianças com TDAH
segue um curso paralelo ao das sem o
mesmo quadro, embora sempre com volumes significativamente menores, o que
sugere que os eventos que originaram o
quadro (influências genéticas ou ambientais) foram precoces e não progressivos.
As diferenças entre casos e controles
não pareceram relacionadas ao uso de
medicações psicoestimulantes.
O diagnóstico do TDAH é fundamentalmente clínico, baseando-se em
critérios operacionais clínicos claros e
bem definidos, provenientes de sistemas classificatórios como o DSM-IV ou a
CID-10 (vide Quadro 1 e 2). As diretrizes
diagnósticas desses sistemas classificatórios apresentam mais similaridades do
que diferenças, embora utilizem nomenclaturas diferentes (Transtorno de Déficit
de Atenção/Hiperatividade, no DSM-IV, e
Transtornos Hipercinéticos, na CID-10). O
DSM-IV subdivide o TDAH em três tipos,
quais sejam:
a) TDAH, com predomínio de sintomas de
desatenção;
b) TDAH, com predomínio de sintomas de
hiperatividade/impulsividade;
c) TDAH, combinado.
O tipo com predomínio da desatenção
é mais frequente nas mulheres e parece
apresentar, conjuntamente com o tipo
combinado, uma taxa mais elevada de
prejuízo acadêmico. As crianças com
TDAH com predomínio de sintomas de
hiperatividade/impulsividade são, por
outro lado, mais agressivas e impulsivas do que aquelas classificadas como
desatentas ou combinadas e tendem a
apresentar altas taxas de rejeição pelos
colegas (graças à impopularidade que
alcançam frente ao grupo). O tipo combinado apresenta um maior prejuízo no
funcionamento global, quando comparado
aos dois outros grupos.
I
Ensaio clínico multicêntrico, elegantemente
desenhado, que acompanhou 579 crianças
com TDAH do tipo combinado por 14 meses,
divididas em quatro grupos:tratamento apenas medicamentoso; apenas psicoterápico
comportamental com as crianças (e orientação para pais e professores); abordagem
combinada e tratamento comunitário.
dato) foram acompanhadas por dois anos
para três possíveis intervenções:
a) apenas metilfenidato;
b) metilfenidato mais intervenção psicossocial (aconselhamento e treinamento
parental, treinamento de habilidades
sociais, psicoterapia e acompanhamento
pedagógico às crianças;
c) metilfenidato mais intervenção psicossocial controle (apenas dar atenção
às crianças; sem qualquer componente
psicossocial específico).
Melhoras sintomáticas ocorreram
nos três grupos. Nenhuma diferença
significativa foi encontrada nas medidas de desfecho avaliadas ao final dos
dois anos entre os três grupos (melhora
dos sintomas de TDAH ou de oposição,
aquisição acadêmica, ajustamento emocional, funcionamento social, ou melhora
das práticas parentais). A interpretação
mais cautelosa possível desses dados
sugere que o tratamento medicamentoso
adequado é pelo menos fundamental no
manejo do TDAH.
Bibliografia:
1. ROHDE & BENCZIK. Transtorno de déficit
de atenção e hiperatividade: O que é?
Como ajudar?. Porto Alegre: Editora
Artmed, 1999.
Evelyn Kuczynski, Pediatra.
Psiquiatra da Infância e da
Adolescência. Doutora pela
FMUSP. Médica Assistente
do HC-FMUSP (IPq e ICr).
Pesquisadora voluntária do
Laboratório Distúrbios do
Desenvolvimento do Departamento de Psicologia Clínica
do IP-USP. Contato: [email protected]
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 5 • Setembro • Outubro de 2012
Portanto, a revelia da opinião dos
supracitados “pensadores” que renegam
a real existência de tal “rótulo”, a necessidade de intervenções terapêuticas (medicamentosas e não-medicamentosas) é
inquestionável na presença do transtorno,
sendo os objetivos primários dessas intervenções tanto o controle da sintomatologia quanto uma diminuição do impacto
dos desfechos associados ao TDAH.
A questão clínica fundamental passa
a ser: que tipo de intervenção deve ser
utilizada para alcançar esses objetivos?
Intervenções psicossociais, psicofarmacológicas (ou a associação de ambas)?
Os resultados do MTAI demonstram
claramente uma eficácia superior da
medicação nos sintomas centrais do
transtorno, quando comparada a abordagem psicoterápica e ao tratamento
comunitário. A abordagem combinada
(medicação mais abordagem psicoterápica comportamental, com as crianças, e
orientação, para pais e professores) não
resultou em eficácia maior nos sintomas
centrais do transtorno quando comparada
à abordagem apenas medicamentosa.
Dados recentes da reavaliação desse
estudo com 24 meses de seguimento
corroboram os achados iniciais.
Mais recentemente, mais de cem
crianças com TDAH do tipo combinado
(sem comorbidade com transtorno de conduta ou de aprendizado que responderam
a tratamento de curto prazo com metilfeni-
7
de s envolv i mento
Fantasia e pensamento mágico
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 5 • Setembro • Outubro de 2012
Milena de Oliveira Rossetti
8
Quando convidada a escrever sobre
fantasia e pensamento mágico, muitas
dúvidas surgiram com relação a real
contribuição que poderia oferecer as
pessoas que assim como eu os observam nas crianças e buscam avaliar sua
função, levando-se em conta sua forma
de manifestação.
Nesse sentido, penso ser necessário
conhecermos o padrão de desenvolvimento cognitivo de crianças que é constituído
da tomada de consciência de si próprio,
do seu corpo, dos seus movimentos corporais e pela ampliação das capacidades
de linguagem e comunicação.
Sendo assim, para situar o leitor,
entre tantas referências possíveis de
se consultar, apoio minha análise sobre
a teoria cognitiva proposta por Piaget
que estudou os processos do desenvolvimento do pensamento, da infância à
idade adulta. Descreveu as mudanças
qualitativas do desenvolvimento do funcionamento do pensamento infantil, em
estádios sequenciados de aquisições de
habilidades, cada vez mais elaboradas.
Em sua teoria a criança é agente ativa no
processo de seu próprio desenvolvimento
pela maturação aliada à estimulação do
meio, uma vez que, trata-se de uma visão
interacionista, no qual o organismo e o
meio interagem e produzem o desenvolvimento num paralelismo entre desenvolvimento biológico e mental, a partir
de uma epistemologia genética, sendo a
capacidade de adaptação ao meio algo
que é herdado.
Nesta concepção, o indivíduo herda a
base da constituição de suas estruturas
sensoriais e neurológicas, que servem de
base ao surgimento e desenvolvimento
das estruturas mentais, pela interação
organismo-meio. Estas estruturas são
equipamentos biológicos compostos de
estruturas inatas e físico-orgânicas e
neurológicas. Ex.: os reflexos.
A inteligência então é a forma de
equilíbrio e adaptação destas estruturas
mentais que se organizam por meio de
três processos: adaptação, assimilação
e acomodação.
A adaptação corresponde às formas
de interação com o ambiente, acompanhando mudanças da realidade externa,
adaptando ações a essa realidade. A assimilação é o processo de utilização do que
já se sabe, para resolver situações novas.
E a acomodação é o processo no qual
ocorre a modificação do que já se sabe
para poder resolver novas situações.
No entanto, é preciso também considerar os esquemas e a equilibração.
O primeiro refere-se à procedimentos
de ação na interação indivíduo meio.
Evoluem de formas arcaicas (reflexos),
àqueles elaborados mentalmente (abstratos). É um padrão de comportamento
ou ação. A equilibração é uma tendência
já usa a inteligência e o pensamento. Este
é organizado através do processo de assimilação, acomodação e adaptação. Neste
estádio a criança já é capaz de representar
as suas vivências e a sua realidade através
de diferentes significantes:
Jogo
Para Piaget o jogo mais importante
é o jogo simbólico no qual predomina a
assimilação de experiências vividas pelas
crianças em seu cotidiano (Ex. : é o jogo do
faz de conta, “brincam de serem os pais”,
“professores”, “médicos”). O jogo de construções transforma-se em jogo simbólico
com o predomínio da assimilação (Ex. :
Lego - a criança diz que a sua construção
é, por exemplo, uma casa. No entanto, para
os adultos “é tudo menos uma casa”).
Inicialmente (em torno do dois anos),
a criança fala sozinha porque o seu pensamento ainda não está organizado, só
com o decorrer deste período é que o
começa a organizar, associando os acontecimentos com a linguagem na sua ação.
A criança ao jogar está organizando
e conhecendo o mundo, por outro lado,
o jogo também funciona como “terapia”
na libertação das suas angústias. Além
disto, através do jogo também podemos
observar a relação familiar da criança ou
como ela a percebe (Ex. : Quando a criança brinca com as bonecas pode mostrar
a falta de amor por parte da mãe através
da violência com que brinca com elas).
Desenho
Até aos dois anos a criança só faz
riscos, sem qualquer sentido, porque, para
ela, o desenho não tem qualquer significado.
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 5 • Setembro • Outubro de 2012
a permanente organização-reorganização
das estruturas mentais. O equilíbrio é
igual ao ajustamento harmonioso entre
ações mentais e o ambiente.
Nesse sentido, o desenvolvimento
cognitivo se dá a partir da evolução de
quatro estádios de desenvolvimento,
ou seja, o estádio Sensório-motor (0-2
anos), o estádio Pré-operatório (2-6 anos);
o estádio das Operações-concretas (6-12
anos), e o estádio das Operações formais
(a partir dos 12 anos).
No estádio sensório-motor, a criança apreende o mundo pela percepção e
ação, nasce com esquemas reflexos, em
contato com a estimulação do meio e vai
evoluindo pelo processo de adaptação,
através da assimilação e acomodação.
Este estádio divide-se em seis
substádios: reflexos (0-1 mês), reações
circulares primárias (1-4 meses), reações
circulares secundárias (4-8 meses) coordenação de esquemas secundários (8-12
meses) reações circulares terciárias (1218 meses), início do pensamento representativo (18-24 meses). As principais
aquisições deste estádio são a permanência de objeto, o início do simbolismo
e a aquisição da linguagem.
Entretanto, para discorrer sobre o
tema fantasia e pensamento mágico,
focalizarei minha narrativa no segundo
estádio, o Pré-Operatório, com uma breve
descrição, na tentativa de pensarmos
na estrutura cognitiva que possibilita a
emissão de comportamentos verbais e
não verbais que expressam a fantasia e
o pensamento mágico em crianças nesta
fase do desenvolvimento.
Este estádio é fundamental para o desenvolvimento da criança. Apesar de ainda
não conseguir efetuar operações, a criança
9
A criança, aos três anos aproximadamente, já atribui significado ao desenho,
fazendo riscos na horizontal, na vertical,
espirais, círculos, no entanto, não dá
nome ao que desenha. Tem uma imagem mental depois de criar o desenho.
Mas aos quatro anos a criança já é mais
criativa e começa a perceber os seus desenhos e projeta neles o que sente. De
um modo geral, podemos dizer que, neste
estádio, o desenho representa a fase
mais criativa e diversificada da criança.
A criança projeta nos seus desenhos
a realidade que ela vive, não há realismo
na cor, e também não há preocupação
com os tamanhos. Nesta fase os desenhos começam a ser mais compreensíveis pelos adultos. A criança vai desenhar
as coisas à sua maneira e segundo os
seus esquemas de ação e não se preocupa com o realismo. Também aqui a
criança vai utilizar a assimilação.
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 5 • Setembro • Outubro de 2012
Linguagem
10
Durante os 2/3 anos, a criança
começa a usar sequências de três elementos sob a forma telegráfica, como
por exemplo, “nenê come pão”, nomeia
objetos familiares e cores primárias (vermelho, azul, amarelo, etc). Pelo fato de
estar desperta para a realidade exterior,
a criança começa a questionar as ações
utilizando o “Porque?”, compreendendo o
“Onde?” e o “Como?”. Consegue ainda,
nesta fase, constituir frases simples, com
verbos, preposições, adjetivos e advérbios de lugar e ainda identificar objetos
familiares e descrever o seu uso.
Entretanto a linguagem, neste período, ainda é muito egocêntrica, pouco
socializada, ou seja, está centrada na pró-
pria criança. Ela não consegue distinguir o
ponto de vista próprio, do ponto de vista
do outro e, por isso, revela certa confusão
entre o pessoal e o social, o subjetivo e o
objetivo. Este egocentrismo não significa
egoísmo moral. Para Piaget, traduz, “por
um lado, a primazia da satisfação sobre
a constatação objetiva [...] e, por outro,
a deformação do real em função da ação
e ponto de vista próprio. Nos dois casos,
não tem consciência de si mesmo, sendo,
sobretudo uma indiferenciação entre o
subjetivo e o objetivo [...]”
Isto se manifesta através dos monólogos e dos monólogos coletivos, (Ex. : às
vezes ao observarmos um grupo de crianças falando ao mesmo tempo, temos a
impressão de estarem conversando umas
com as outras, mas não, estão sim todas
falando sozinhas e ao mesmo tempo, ou
seja, cada uma está no seu monólogo e
assim manifestando o seu egocentrismo).
O termo egocentrismo, característica
descritiva do pensamento pré-operatório, foi
progressivamente sendo utilizado por Piaget,
que o substitui pelo termo descentração.
A partir dos dois anos dá-se uma
enorme evolução na linguagem, a título
de exemplo, uma criança de dois anos
compreende entre 200 a 300 palavras,
enquanto que uma de cinco anos compreende 2000. Este aumento do número de
vocábulos é favorecido pela forte motivação dos pais, ou seja, quanto mais forem
estimuladas (canções, jogos, histórias ,
etc.), melhor desenvolvem a sua linguagem. Neste estádio a criança aprende,
sobretudo, de forma intuitiva, isto é, realiza livres associações, fantasias e atribui
significados únicos e lógicos.
Se atentarmos a uma experiência
muito conhecida de Piaget em que é
Imagem e pensamento:
A imagem mental é o suporte para o
pensamento. A criança possui imagens estáticas tendo dificuldade em dar-lhe dinamismo. O pensamento existe porque há
imagem. É um pensamento egocêntrico
porque há o predomínio da assimilação,
é artificial. Na organização do mundo a
criança dá explicações pouco lógicas.
Entre os 2 e os 7 anos distinguem-se
dois subestádios: o do pensamento pré-conceitual e o do pensamento intuitivo.
No pensamento pré-conceitual domina um pensamento mágico, onde os
desejos se tornam realidade e que possui
também as seguintes características: Animismo A criança vai dar características
humanas a seres inanimados. Este animismo vai desaparecendo progressivamente, aqui se ressalta a importância do
papel do adulto, na medida que, a partir,
sensivelmente dos cinco anos, não deve
reforçar, mas sim atenuar o animismo.
Realismo A realidade é construída pela criança.
Se no animismo ela dá vida às coisas, no
realismo dá corpo, isto é, materializa as
suas fantasias. Se sonhou que o lobo está
no corredor, pode ter medo de sair do quarto.
Finalismo
Existe uma relação entre o finalismo
e a causalidade. A criança ao olhar o
mundo tenta explicar o que vê, ela diz
que se as coisas existem têm de ter
uma finalidade, no entanto, esta ainda
é muito egocêntrica. Tudo o que existe,
existe para o bem essencial dela própria.
Também aqui o adulto reforça o finalismo. Vai diminuindo progressivamente
ao longo do estádio, apesar de persistir
mais tempo que o animismo, devido às
atitudes e respostas que os adultos dão
às crianças.
Com o decorrer do tempo, os pais
terão de ensinar, à criança, novos conceitos, de modo que futuramente ela não
tenha dificuldade em aprendê-los.
Artificialismo
É a explicação de fenômenos naturais
como se fossem produzidos pelos seres
humanos para lhes servir como todos os
outros objetos: o Sol foi aceso por um
fósforo gigante; a praia tem areia para
nós brincarmos.
Para concluir a abordagem a este
subestádio é importante referir que a
criança ao se conectar com o meio de
forma ativa estará favorecendo sua aprendizagem de uma forma criativa e original.
Este estádio é fundamental, pois a
criança aprende de forma rápida e flexível,
inicia-se o pensamento simbólico, em que
as ideias dão lugar á experiência concreta. As crianças conseguem já partilhar
socialmente as aprendizagens fruto do
desenvolvimento e da sua comunicação.
Com relação ao pensamento intuitivo, este surge a partir dos quatro
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 5 • Setembro • Outubro de 2012
dado a uma criança dois copos de água
com igual quantidade de líquido, embora
um alto e estreito e outro baixo e largo,
intuitivamente a criança escolhe o copo
alto pois no seu entender este parece
conter mais água.
11
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 5 • Setembro • Outubro de 2012
12
anos, permitindo que a criança resolva
determinados problemas, mas este pensamento é irreversível, isto é, a criança
está sujeita às configurações perceptivas
sem compreender a diferença entre as
transformações reais e aparentes.
Na criança de quatro ou cinco anos
com o pensamento intuitivo, a organização mental que surge permite resolver
determinados problemas baseados na
percepção de dados sensoriais. Segundo
Piaget, a criança responde às questões
colocadas com base na aparência, ou
seja, com base nos dados imediatos
da percepção. Por exemplo: A criança,
depois de constatar que dois copos têm
a mesma quantidade de água, se diante
da criança se verter o liquido de um dos
recipientes para um copo mais alto e
mais fino, a criança responderá que este
tem maior quantidade de água.
Para demonstrar esta irreversibilidade Piaget questionou uma criança de
quatro anos de idade:
P: “Tens uma irmã?”
R: Sim.
P: “A Tua irmã tem uma irmã?”
R: Não. Ela não tem uma irmã, eu sou a
minha irmã.
Através das respostas dadas pela
criança, percebeu a grande dificuldade
que as crianças têm em compreender
a reversibilidade das relações. Logo, o
tipo de pensamento é irreversível para a
criança, isto é, a criança está sujeita às
configurações perceptivas sem compreender a diferença entre as transformações
reais e aparentes, não tem mobilidade
suficiente para compreender que quando
uma determinada ação já está realizada
podemos voltar atrás. Desta forma, po-
demos dizer que as estruturas mentais
neste estádio são amplamente intuitivas,
livres e altamente imaginativas.
Entretanto, a fantasia e o pensamento mágico podem não ser comumente
observados em indivíduos a partir do
estádio das Operações-concretas (6-12
anos), no qual o sistema cognitivo está
mais integrado e coerente, e as ações
dão lugar às operações mentais, surgindo o raciocínio lógico, o comportamento
socializado, a noção de conservação ou
invariância, seriação e classificação.
Nesta fase, a criança já é capaz de
solucionar problemas através de abstrações, compreender ideologias e valores
e principalmente, formular hipóteses e
testá-las, logo, a fantasia e o pensamento
mágico passam a ser testados empiricamente, e ao não se confirmarem objetivamente no início deste estádio, diminuem
gradativamente sua ocorrência. Portanto,
a expressão destes conteúdos em indivíduos de fases do desenvolvimento
correspondente aos estádios posteriores,
deve ser analisada com cautela, já que
podem indicar em alguns casos um atraso
cognitivo que merece ser avaliado.
Diante do exposto, cabe aos familiares e profissionais da educação e saúde
oferecer recursos apropriados a indivíduos no estádio Pré-Operatório, quer seja
para estimular nossas crianças, quer seja
para avaliar possíveis atrasos cognitivos,
levando sempre em conta esta organização mental, que tem sido confirmada em
vários aspectos ao longo dos anos após
ser descrita por Piaget.
Com relação à estimulação ou a
avaliação educacional ou clínica, jamais
devemos permitir a banalização de recursos que permitem a criança fantasiar
Bibliografia
1. PIAGET, J.. A psicologia da criança.
Tradução de Octavio Mendes Cajado.
São Paulo: Difel, 1986.
2. PIAGET, J.. O nascimento da inteligência
na criança. Tradução de Álvaro Cabral.
Rio de Janeiro: LTC, 1987.
3. PIAGET, J.. A representação do mundo
na criança: com o concurso de onze
colaboradores. Tradução de Adail
Ubirajara Sobral e Maria Stela Gonçalves.
São Paulo: Idéias & Letras, 2005.
Milena de Oliveira Rossetti,
Mestre pela Universidade de
São Paulo; Pesquisadora no
Laboratório Distúrbios do
Desenvolvimento do Instituto
de Psicologia da Universidade
de São Paulo e Professora na
Universidade Paulista.
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 5 • Setembro • Outubro de 2012
ou apresentar pensamentos mágicos,
como os contos de fadas, pois sua função cultural e terapêutica (já que facilita
a identificação com heróis que viveram
os mesmos conflitos da criança) ainda
é de extrema importância, uma vez que,
constituem ferramentas de auxílio na
promoção de saúde e aprendizado destes
indivíduos.
13
reab i l i ta ç ã o
O Método Bobath
Cristina Maria Pozzi
Uma maneira completamente nova de se pensar, observar e interpretar o que o paciente
está fazendo e, então, ajustar o que existe de
técnicas disponíveis – para ver e sentir o que
é necessário, possível para que eles conquistem. Nós não ensinamos movimentos, nós os
tornamos possíveis... (Bobath, 1981).
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 5 • Setembro • Outubro de 2012
Os fundadores do Conceito Bobath
14
Karel Bobath nasceu em Berlim em
1906 e graduou-se em medicina em
1936. Berta Ottilie Busse também nasceu
em Berlim, em 1907, e era instrutora de
ginástica, o que lhe conferiu conhecimentos acerca do movimento normal, exercício e relaxamento. Com a ascensão do
anti-semitismo, ambos deixaram Berlim
em 1938 e foram para Londres, onde se
casaram. Berta graduou-se em fisioterapia e Dr. Bobath iniciou sua carreira na
pediatria e mais tarde, especificamente
com crianças com paralisia cerebral.
Até os anos 1950, a reabilitação
neurológica convencional tinha uma
forte influência ortopédica e promovia
o uso de massagem, calor e técnicas
de movimentação passiva e ativa. Em
1943, a Sra. Bobath tratou um famoso
pintor que sofrera um acidente vascular
cerebral que lhe foi recomendado para
terapias alternativas. Apresentava-se
hemiplégico e com muita espasticidade.
Ela focou seu tratamento no lado afetado,
observou que com manobras específicas
o tônus modificava e que havia potencial
para a recuperação do movimento e uso
funcional do lado afetado.
A Sra. Bobath desenvolveu, com base
nas suas observações e técnicas, os princípios do tratamento e em parceria com
Dr. Bobath, que estudou e aplicou a base
neurofisiológica disponível na época, propuseram uma explanação racional para o
sucesso clínico do método.
Juntos criaram o Conceito Bobath,
ou Tratamento Neuroevolutivo, uma
abordagem revolucionária que continuou
se desenvolvendo e auxiliou na mudança
de direção da neuro-reabilitação (Fig. 01).
Em 1990, a Sra. Bobath descreveu
que o principal problema visto nos pacientes era a coordenação anormal dos
padrões de movimento combinado com
tônus anormal e que a força e atividade
dos músculos em si eram de importância
secundária. A avaliação e tratamento dos
padrões motores parecia ser a chave para
o uso funcional. Descartou-se a inibição
dos reflexos posturais para uma grande
ênfase no movimento e na função, com o
paciente tendo um papel ativo no seu tratamento. A melhor inibição era observada
com o paciente na sua própria atividade.
A ênfase no tratamento é normalizar o tônus e facilitar a movimentação automática e
voluntária através de manobras específicas.
ção de movimentos e posturas seletivas,
objetivando-se um aprimoramento da
qualidade de vida do paciente.
O Conceito Bobath é inclusivo e pode
ser aplicado a todos os pacientes com desordem do controle motor, independente
do grau de severidade do déficit cognitivo
ou físico.
Figura 01 - Em sua vida, Sra e o Sr Bobath, viajaram extensivamente, entre o
ensino e formação de tutores em todo o
mundo. Ambos receberam muitas honras
para seu trabalho pioneiro e inovador.
Eles morreram em 1991.
Bases do Conceito Bobath
O Conceito Bobath é baseado no
reconhecimento de dois fatores importantes:
• A interferência da maturação normal
do cérebro pela lesão, levando a um
atraso ou retenção do desenvolvimento;
• Presença de padrões anormais da
postura e do movimento resultantes
de um tônus postural anormal.
O Conceito Bobath analisa os problemas de coordenação, relacionando-os ao
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 5 • Setembro • Outubro de 2012
A Sra. Bobath preconizava não uma série
estruturada de exercícios a ser prescrita
para todos os pacientes, mas uma larga
variedade de técnicas que poderiam ser
adaptadas e flexíveis, conforme as necessidades individuais.
Em 1984, foi fundada a International
Bobath Instructors Training Association
(IBITA), uma organização que mantém os
padrões de ensino e desenvolvimento do
Conceito Bobath.
Neste meio século, aprendeu-se
muito sobre a plasticidade cerebral e o
Conceito Bobath modificou-se ao longo
do tempo, adaptando sua técnica de
tratamento à evolução da Neurociência.
Seu conceito básico manteve-se com a
mesma característica: a habilidade de
observar clinicamente e analisar com
detalhes os resultados da avaliação de
um indivíduo que são fundamentais para
traçar o plano terapêutico.
O Conceito Bobath é uma abordagem
terapêutica de reabilitação que prioriza
a solução de problemas para avaliação
e tratamento de indivíduos com distúrbios de função, movimento e de controle
postural. Trabalha com a facilitação do
movimento, ou seja, solicitam-se ajustamentos automáticos na postura, a
fim de produzir reações automáticas de
proteção, endireitamento e equilíbrio.
A facilitação, então, baseia-se nas reações de endireitamento (são reações
estático-cinéticas que estão presentes
desde o nascimento e se desenvolvem,
obedecendo a uma ordem cronológica)
e nas reações de equilíbrio, a partir dos
movimentos que produzem adaptações
posturais possíveis para mantê-lo. Dentro
da compreensão do movimento normal,
incluindo a percepção, usa-se a facilita-
15
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 5 • Setembro • Outubro de 2012
16
mecanismo de controle postural central
que fornece os pré-requisitos para a
atividade automática e voluntária. Estes
pré-requisitos são: tônus postural normal, interação recíproca normal entre os
músculos e os padrões de movimentos
automáticos, principalmente os ajustes
para o controle postural.
A interação recíproca normal entre
os músculos permite a fixação proximal
sinérgica para possibilitar melhor mobilidade distal, adaptação automática dos
músculos nas mudanças posturais e
graduação da contração e relaxamento
entre os agonistas e antagonistas. Os
ajustes posturais formam a base para
todos os nossos movimentos.
Os pacientes com lesão do Sistema
Nervoso Central (SNC) geralmente apresentam alteração nestes mecanismos,
levando a um tônus postural anormal
(espasticidade, hipotonia e tônus flutuante), distúrbio na inervação recíproca
dos músculos e atividades automáticas
necessárias para as habilidades motoras.
Nos casos de lesão do SNC que cursam
com hipertonia, há falta de inibição, o que
se tenta suprir com técnicas facilitatórias
para desenvolver movimentos funcionais
adequados, modificando e inibindo a postura e movimentação anormais.
A disfunção neurológica resulta em
distúrbios neuropsicológicos bem como
déficits no controle motor e sensitivo,
os quais podem se apresentar como
alterações de percepção, comportamento, emoção e cognição. O planejamento
terapêutico deve incluir, além de todos
os aspectos do comportamento motor,
fatores neuropsicológicos, psicossocias
e ambientais.
Objetivos do tratamento
Os objetivos desta abordagem visam
modificar padrões de tônus postural
anormal e facilitar padrões motores mais
normais, através dos quais se prepara
uma grande variedade de habilidades
funcionais. Estes padrões de atividades
mais seletivos são traduzidos em tarefas
posturais e voluntárias que sejam possíveis para a criança alcançar. O objetivo do
tratamento é preparar a criança através
de um manuseio que utiliza técnicas de
inibição, facilitação e estimulação destes
padrões mais normais de movimentos,
para prover as bases para a aquisição
de habilidades funcionais.
O processo de assistência, estabelecimento de metas e intervenção requer a
utilização de conhecimentos de controle
motor, da natureza da disfunção do movimento, da plasticidade neuromuscular,
biomecânica e aprendizado motor. As
necessidades e expectativas do paciente
também ser levadas em consideração.
O tratamento é focado na remediação, explorando o potencial individual
para aquisição ou recuperação de habilidades através da adaptação plástica
neuromuscular.
Desenvolvimento Sensório-Motor
Normal
Não é escopo deste artigo discorrer
a respeito do desenvolvimento neuropsicomotor (DNPM), no entanto, quando
se fala em criança, é preciso lembrar
que se trata de um ser em desenvolvimento e que mudanças ocorrem em
cada etapa deste desenvolvimento. Os
primeiros anos de vida são os mais
típico, conforme sua interação com o
meio e evolução das suas capacidades
de controle motor. As etapas do desenvolvimento não são estáticas e a sequência
das aquisições motoras são encadeadas,
sendo cada etapa preparatória das subsequentes. As idades nas quais os marcos do desenvolvimento são alcançados
referem-se a dados estatísticos e servem
como guia para o reconhecimento de
desvios da normalidade. Numa avaliação,
porém é importante considerar não só
as aquisições motoras, mas a qualidade
com que são realizadas.
Vários aspectos estão envolvidos no
desenvolvimento, entre eles a maturação,
fatores genéticos, sistema musculoesquelético, sistema neuromuscular, mecanismo de reações posturais, sistema
sensorial, percepção, aprendizado, experiência, mecanismos antecipatórios e
ambiente. E é a interação destes fatores
que dará o resultado final.
Diversos fatores, porém, podem
colocar em risco o curso normal do desenvolvimento de uma criança. Define-se como fator de risco uma série de
condições biológicas ou ambientais que
aumentam a probabilidade de déficits
no desenvolvimento neuropsicomotor
da criança. Dentre as principais causas
de atraso motor encontram-se: baixo
peso ao nascer, distúrbios cardiovasculares, respiratórios e neurológicos,
infecções neonatais, desnutrição,
baixas condições socioeconômicas,
nível educacional precário dos pais e
prematuridade. Quanto maior o número
de fatores de risco atuantes, maior será
a possibilidade do comprometimento do
desenvolvimento.
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 5 • Setembro • Outubro de 2012
marcantes e, especificamente no primeiro ano é onde residem as mais importantes modificações, com grandes
saltos evolutivos em curtos períodos
de tempo (Fig. 02).
O desenvolvimento motor é considerado como um processo sequencial,
contínuo e relacionado à idade cronológica, pelo qual o ser humano adquire
uma enorme quantidade de habilidades
motoras, as quais progridem de movimentos simples e desorganizados para a execução de habilidades motoras altamente
organizadas e complexas.
Sabe-se que o surgimento de movimentos e seu posterior controle ocorrem
em uma direção céfalo-caudal e próximo-distal, porém este processo não se apresenta de forma linear, incluindo períodos
de equilíbrio e desequilíbrio. Apesar
disso, costuma cumprir uma sequência
ordenada e até previsível de acordo com
a idade.
No primeiro ano, a criança passa da
posição horizontal para a vertical e aprende a mover-se contra a gravidade, para
isso, deverá haver controle motor, que
compreende o controle da postura e do
movimento. O movimento decorre da interação de múltiplos processos, incluindo
perceptual, cognitivo e motor. As ações
são executadas dentro de um ambiente
e os sistemas sensoriais-perceptuais
proveem informações sobre o corpo e ao
ambiente, influenciando na habilidade de
realizar uma ação, que não ocorre sem
uma intenção.
Nos anos subsequentes, o aprendizado motor continua ocorrendo através
da experimentação, repetição e prática
de atividades funcionais. Isto ocorre com
a criança durante seu desenvolvimento
17
Figura 02 - Marcos do desenvolvimento
no primeiro ano de vida.
O desenvolvimento da representação
interna é proveniente da experiência e
se a criança com disfunção neuromotora
não experimenta seu corpo utilizando as
vias sensoriais (como visual, tátil e proprioceptiva) ou não explora seu espaço,
seu mapa de representação interna ficará
deficitário, afetando a percepção e ação,
tanto para planejar e iniciar o movimento
como para verificar se está seguindo de
acordo com a intenção original (Gusman
& Torre, 2010).
Figura 03 - Consequências do déficit
neurológico na criança.
Criança com
déficit
neurológico
Diminuição ou
alteração da
atividade sensório
motora
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 5 • Setembro • Outubro de 2012
Distúrbios Neuromotores Infantis
18
Uma criança com déficit neurológico
pode ter atividades diminuídas, não ativando músculos que necessitam ganhar
força e permitindo que músculos se
retraiam. A falta do processo natural do
desenvolvimento associado à fraqueza e
retrações de músculos ou grupos musculares afeta a coordenação motora que é
utilizada para manter o equilíbrio, e a falta
deste também reforça os outros déficits
e alterações mencionadas. O atraso no
desenvolvimento implica um menor input
sensorial que é subsídio para controle da
postura, do movimento e do aprendizado
motor.
Se a criança com distúrbio neurológico apresenta alterações no processamento, recepção ou decodificação das
informações sensoriais, suas estratégias
para organizar e selecionar estas informações também estarão comprometidas.
Diminuição
do aporte
perceptual
e cognitivo
Fraqueza
muscular
Alteração na
coordenação
Retração
muscular
Déficit no
equilíbrio
Dentre os distúrbios neuromotores
infantis, o mais comum é a Paralisia Cerebral (PC), uma forma de Encefalopatia
Crônica Não Evolutiva (ECNE) na qual são
predominantes os distúrbios do tônus
e do movimento. Define-se ECNE como
uma afecção neurológica resultante de
perturbação funcional do SNC sequelar
a um processo patológico pré, peri ou
pós-natal, ficando implícita a noção de
que o agente causal agiu unicamente em
membros superiores têm leve ou nenhum
prejuízo, sendo perfeitamente possível a
manipulação de objetos, com certo grau
de dificuldade na coordenação motora
fina.
Nos primeiros meses de vida, as
crianças parecem normais, sendo observado, na maioria dos casos, um
atraso motor: rola pouco no leito, pouca
movimentação dos membros inferiores,
demora para sentar e o apoio plantar
é deficiente, ocorrendo com as pernas
endurecidas e com tendência a posição
em tesoura (cruzadas). Nesta fase o
exame neurológico revela espasticidade
dos membros inferiores com sinais de
liberação piramidal. A aquisição da marcha independente é demorada, raramente
atingida antes dos 30 a 36 meses, sendo
evidente o caráter espástico da marcha,
com pernas rígidas, com tendência ao
recurvatum dos joelhos.
A maioria das crianças apresenta
inteligência normal ou nos limites inferiores. Alterações de funções nervosas
superiores como orientação temporoespacial e coordenação visomotora podem
estar presentes, o que requer uma abordagem educacional específica. Epilepsia
se faz presente em cerca de 25% dos
casos.
PC Espástica forma Tetraplégica: é a
forma clínica mais grave de PC na criança.
Trata-se de grandes encefalopatas cujo
desenvolvimento psicomotor é praticamente nulo, permanecem deitados com
padrão de hipertonia em flexão dos membros superiores e extensão dos membros
inferiores. Quando muito sentam com
apoio. Necessitam cuidados permanentes. A deficiência mental é profunda,
compreensão extremamente pobre e a
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 5 • Setembro • Outubro de 2012
um determinado momento do desenvolvimento cerebral, deixando sua “cicatriz”.
Existem três formas de PC: espástica, coreoatetósica e atáxica, sendo a primeira mais freqüente, podendo assumir
três tipos distintos: (a) forma hemiplégica
(Hemiplegia Infantil), (b) forma diplégica
(Doença de Little) e (c) forma tetraplégica.
PC Espástica forma Hemiplégica: é a
forma mais frequente e só se manifesta,
na quase totalidade dos casos, a partir do
quinto mês de vida. De qualquer forma,
esta identificação das manifestações
clínicas relaciona-se à acurácia da observação dos pais ou do pediatra que percebem que a criança mexe ou utiliza menos
um membro superior. Com o passar das
semanas, torna-se nítida a assimetria dos
movimentos, sendo que a maior parte das
crianças praticamente não usa o membro
comprometido, negligenciando-o completamente. O comprometimento do membro
inferior é, geralmente, menos evidente,
sendo notado no momento da aquisição
da marcha. De maneira geral, a paralisia
tende a predominar no membro superior.
Ao exame neurológico observa-se a
clássica hemiplegia e quase sempre uma
nota atetósica é observada no membro
superior acometido. Sinais de liberação
piramidal são evidentes, com hipertonia
espástica, hiperreflexia profunda, clônus
dos pés e Babinski. Com o crescimento
corporal, evidencia-se uma assimetria em
relação aos membros não acometidos,
devido a uma redução do volume dos
membros plégicos. A inteligência é conservada na maioria dos casos. Em 1/3
dos casos pode haver Epilepsia.
PC Espástica forma Diplégica: caracteriza-se pelo comprometimento quase
exclusivo dos membros inferiores. Os
19
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 5 • Setembro • Outubro de 2012
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linguagem não é adquirida. O contato é
pobre, restrito a algumas trocas afetivas.
Mais da metade apresenta Epilepsia.
As anormalidades do tônus muscular
são pronunciadas e evoluem com deformidades fixas dos membros e do corpo,
ocasionadas pela imobilidade e espasticidade persistente.
PC Coreicoatetósica: talvez a forma
mais dramática de PC tendo em vista
a intensa incapacidade motora numa
criança com cognição preservada. Não
há intervalo livre, sendo o atraso no
desenvolvimento notado desde o início,
caracterizado por hipotonia e certo enrijecimento com tendência ao opistótono
e movimentos anormais na esfera orobucal. Observa-se atetose e distonia, com
movimentos de torção do tronco e pescoço, além do careteamento constante.
A linguagem é comprometida em virtude
do acometimento distônico da língua e
órgãos fonoarticulatórios. A manipulação
de objetos é difícil pela movimentação
involuntária associada, sendo praticamente impossível atividade que dependa
da motricidade fina. Como em todos
os quadros distônicos, os movimentos
involuntários se acentual com as emoções e cedem no sono. A marcha pode
ser adquirida na minoria dos casos e de
maneira muito penosa. A inteligência é
quase sempre conservada. A capacidade
de entendimento deste grupo de crianças,
seu desejo de comunicação e motivação
para melhorar a sua condição não devem
ser menosprezadas.
PC Atáxica: é rara a apresentação
pura da ataxia cerebelar. No início
observa-se certa hipotonia e os sinais cerebelares surgem no decorrer do segundo
ano de vida, com certo grau de prejuízo
cognitivo associado.
Por vezes a síndrome cerebelar global associa-se a PC Diplégica, com as
mesmas implicações etiopatogênicas,
sendo o comprometimento cerebelar, ou
de suas vias, resultante de alterações
hipóxico-isquêmicas.
Técnicas de Tratamento
O tratamento de crianças com PC
ou distúrbio motor preconiza a redução
do tônus e da postura anormais, preparando e possibilitando que a criança
atinja as reações de desenvolvimento
normal, de acordo com a idade e estágio
do desenvolvimento. Utiliza-se como guia
de referência os movimentos funcionais
normais, levando em conta as leis específicas dos músculos, da biomecânica,
da coordenação motora e do controle motor. Quanto mais precoce a intervenção,
melhor o prognóstico. Se não receberem
atendimento adequado desde cedo, as
alterações neuromotoras persistirão e
poderão resultar em limitação desnecessária, desconforto e deformidade.
Dentre as técnicas de tratamento,
utiliza-se a facilitação, inibição e estimulação, sendo que todas são obtidas através
dos pontos-chave de controle (regiões
do corpo que as mãos dos terapeutas
controlam ou induzem ao movimento e
mudanças nos padrões motores, influenciando outras partes do corpo).
Facilitação é tornar possível o movimento ou facilitar a criança a mover-se,
através de manuseios especiais, feitos
pelos pontos-chave, induzindo o paciente
a realizar movimentos que provocam estímulos sensoriais ativando a parte neural
e muscular.
de controle da postura e do movimento,
há necessidade de usar as técnicas básicas do Conceito como transferência e
suporte de peso, trocas posturais, colocação e manutenção, tapping e equipamentos, visando à manutenção do controle
motor adquirido.
Os equipamentos utilizados referem-se a bolas de diferentes tamanhos, rolos,
cadeiras, mesas, pranchas de equilíbrio,
andadores, órteses, aparelhos de lona,
brinquedos variados.
O tratamento sempre deve estimular
a motivação da criança, indo de encontro
aos interesses dela, conforme idade e
estágio de desenvolvimento. Devem-se
utilizar algumas estratégias para promover a atenção e o aprendizado, entre elas
intercalar atividades difíceis com mais
fáceis; escolher prioridades do trabalho
terapêutico; tempo de sessão adequado,
conforme as condições da criança; evitar
excessiva movimentação de pessoas,
barulho e outros fatores que possam tirar
a atenção; buscar um vínculo, possibilitando um bem estar emocional.
Bibliografia
1. GRAHAM, J. V., EUSTACE, C., BROCK, K.,
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Motor Control. v.15, p. 285-301, 2011.
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 5 • Setembro • Outubro de 2012
Inibição é a habilidade de refrear uma
ação em favor de outra. Pode incluir uma
resposta normal do indivíduo que inibe
uma resposta patológica. É um fator de
controle do movimento e da postura. Este
processo pode ser executado através de
inibição dos movimentos ou padrões indesejados, ou da facilitação de padrões
normais que se sobrepõe aos anormais,
ou ainda, através da indução do paciente
em inibir, por si mesmo, suas alterações,
buscando vias aferentes e eferentes para
padrões sensório-motores mais normalizados.
A estimulação origina-se no corpo
ou no ambiente e inclui várias abordagens como pensamentos, emoções,
visão, audição, toque, propriocepção,
atribuições do sistema vestibular, dor e
temperatura. Pode ser feita através do
tapping, pequenas batidas sobre segmentos corporais que podem desencadear
uma estimulação tátil ou proprioceptiva
ou cocontração (contração simultânea
dos músculos agonistas, antagonistas
e sinergistas que possibilitam movimentos com estabilidade de forma suave,
gradual e coordenada), de acordo com a
forma pela qual é executada. Tem como
objetivo capacitar a criança à manutenção
automática de uma posição desejada ou
movimento contra a gravidade, provocando um alerta muscular.
Outra forma de estimulação é a transferência de peso que provoca pressão na
região que intervém no recrutamento de
unidades motoras, desenvolvendo força
muscular, ajustamento dos movimentos
automáticos necessários para a manutenção postural contra a gravidade e para o
controle dos movimentos involuntários.
Na maioria dos casos em que há falta
21
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 5 • Setembro • Outubro de 2012
4. MIGUEL, M. C.. Exame Neurológico
Evolutivo. In: A. DIAMENT, S. CYPEL, & U.
C. REED. Neurologia Infantil. São Paulo:
Atheneu, 2010. 1868p.
5. R A I N E , S . T h e B o b a t h C o n c e p t :
Developments and Current Theoretical
Underpinning. In: S. RAINE, L. MEADOWS,
& M. LYNCH-ELLERINGTON, Bobath
Concept: Theory and Clinical Practice
in Neurological Rehabilitation. Oxford:
Wiley-Blackwell, 2009. 232p.
6. ROSEMBERG, S.. Encefalopatias Crônicas
Não Evolutivas. In: S. ROSEMBERG,
Neuropediatria. São Paulo: Sarvier,
2010. 424p.
22
Cristina Maria Pozzi, Médica
Neuropediatra, Doutoranda em
Psicologia Clínica no Instituto
de Psicologia da Universidade
de São Paulo – Laboratório
de Distúrbios do Desenvolvimento.
Síndromes
revista multidisciplinar de desenvolvimento humano
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i nclu s ã o
Malformações CongênitaS
Embora este seja um assunto amplo e variado, vamos iniciar definindo
o tema. Define-se como malformação
congênita qualquer defeito estrutural presente ao nascimento. É toda
anomalia funcional ou estrutural do
desenvolvimento do feto decorrente
de qualquer fator originado antes
do nascimento, ou seja, genético,
ambiental ou desconhecido, mesmo
quando o defeito não for aparente ao
nascimento e só se manifestar mais
tarde.
As malformações congênitas
constituem alterações de estrutura,
função ou metabolismo de qualquer
parte do corpo presentes ao nascer,
que resultam em anomalias físicas
ou mentais, podendo ser simples ou
múltiplas e de maior ou menor importância clínica.
Qualquer alteração no decorrer do
desenvolvimento embrionário pode
resultar em anomalias congênitas
que podem variar desde pequenas
assimetrias até defeitos com maiores comprometimentos estéticos e
funcionais.
As causas estão ligadas a eventos
que precedem ao nascimento, podendo ser herdada ou adquirida.
A incidência geral é muito variada,
mas em geral oscila em torno de 5%
dos nascidos vivos na maior parte
dos estudos e não parece haver diferenças significativas entre os países
desenvolvidos. As malformações congênitas pesam de modo considerável
nas estatísticas de morbidade e de
mortalidade perinatais.
A mortalidade infantil é um importante indicador de saúde de um país e
está associado a fatores como saúde
materna, qualidade e acesso a serviço
de saúde e práticas de saúde pública.
Observa-se atualmente, em várias
regiões do mundo um declínio da
mortalidade infantil por causas infecciosas, resultando assim na maior
proporção de morte por malformações
congênitas.
Outro aspecto a ser evidenciado
é que, além da mortalidade, há alta
morbidade nesses quadros, definida
como risco para desenvolvimento
de complicações clínicas, incluindo
número de internações e gravidade
das intercorrências. Importante observar ainda que parte dos quadros
malformativos requer manejo multidisciplinar, sendo importante fator de
impacto financeiro para as famílias e
para o sistema de saúde.
Importante salientar que boa parte
das malformações congênitas pode
ser evitada com medidas de planejamento gestacional, realização do pré-natal e cuidado adequado a gestante.
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 5 • Setembro • Outubro de 2012
Dra. Alessandra Freitas Russo
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SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 5 • Setembro • Outubro de 2012
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Os três níveis de prevenção dos
defeitos congênitos consistem na prevenção primária, prevenção secundária e prevenção terciária. A prevenção
primária age em pessoas sadias e
consiste em evitar a doença, reduzindo desta forma a susceptibilidade ou
a exposição ao fator de risco. Ocorre
no período pré-concepcional. Políticas
públicas de assistência e planejamento familiar são exemplos desta forma
de prevenção.
A prevenção secundária age em
pessoas doentes, evita a evolução e
sequela da doença através da detecção precoce e o tratamento oportuno.
Ocorre no período pré-natal.
A prevenção terciária age em
pessoas doentes, evitando as complicações da doença através da reabilitação e correção adequadas. Ocorre no
período pós-natal e dura toda a vida
do indivíduo.
Por esse motivo as gestações planejadas são as de menor risco para
defeitos congênitos.
Em trabalho realizado em maternidades paulistanas, Ramos e colaboradores observaram que as malformações fetais são mais frequentes em
bebês filhos de mães com mais de 35
anos. Mães adolescentes também se
mostrou um fator de risco para síndromes malformativas. A idade paterna
não mostrou relação significante com
incidência de malformações.
Em relação à paridade, os autores
não observaram diferenças significativas, embora se acredite que as
malformações em geral sejam mais
comuns no primeiro filho do que no
segundo e no terceiro.
Outro aspecto importante evidenciado pelo estudo é a história de
malformações na família, que mostrou
correlação significante com o nascimento de malformados.
Não cabe no presente artigo especificar e detalhar os mais variados
tipos de malformações congênitas.
Faremos um breve resumo das alterações mais frequentes e mais significativas.
MALFORMAÇÕES DO SISTEMA CARDIO VASCULAR
As anomalias congênitas do coração
e dos grandes vasos são as mais frequentes entre as malformações congênitas
graves e apresentam alta mortalidade no
1º ano de vida.
Requerem diagnóstico precoce e
eventualmente manejo cirúrgico. Possuem alta mortalidade quando não
tratadas e grande impacto na vida das
crianças acometidas.
O avanço tecnológico e o uso rotineiro
da ecocardiografia têm contribuído para a
melhora do diagnóstico, com isto a prevalência de algumas cardiopatias mostra-se
maior nos dias de hoje.
MALFORMAÇÕES DE MEMBROS
As malformações dos membros são
também bastante frequentes podendo
ser consideradas como maiores (aquelas
que apresentam consequências médias
ou cirúrgicas) ou menores (aquelas que
apresentam um efeito mínimo sobre a
função ou aceitabilidade social).
As malformações menores, incluindo
as posturais, podem influir na prevalência, porém, em termos práticos, apresentam bom prognóstico e, na maioria
das vezes, dispensam qualquer tipo de
tratamento.
Outra forma clínica encontrada é a
encefalocele, na qual o cérebro e as meninges herniam-se através de um defeito
na calota craniana.
As malformações do SNC podem
ocorrem em qualquer fase da gestação,
sendo classificadas de acordo com a
fase do desenvolvimento em que ocorre
a malformação.
Aproximadamente 20% das crianças
afetadas por DFTN apresentam algum
outro defeito congênito associado. E
essa situação também ocorre com as
malformações cardíacas e esqueléticas.
As malformações do SNC frequentemente são causa de quadros de paralisia
cerebral e associam-se com outras deficiências como a deficiência intelectual.
Podem ainda ser a causa de síndromes epilépticas, frequentemente de difícil
manejo clínico, requerendo tratamento
especializado e seguimento prolongado.
LÁBIO LEPORINO E FENDA PALATINA
Em torno de 35 dias de vida uterina,
o lábio normalmente está fundido. Porém
uma falha na fusão do lábio pode comprometer a fusão subsequente das prateleiras palatinas (palato primário), que não
fundem completamente até a oitava ou
nona semanas. Por isso, a fenda palatina
é uma associação frequente com o lábio
leporino. A maioria das fendas labiais e
palatinas resulta de fatores múltiplos,
genéticos e não genéticos.
As alterações de palato e de lábio podem causar alterações alimentares, chegando nos casos mais graves a comprometer a alimentação da criança. Quadros
de broncoaspiração e suas complicações
são frequentes nesses pacientes.
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 5 • Setembro • Outubro de 2012
A malformação congênita de membros mais frequente é o pé torto congênito e a forma idiopática (ortopédica) é a
mais frequente no recém-nascido. Formas
secundárias, por exemplo, a mielomeningocele ou a doenças do colágeno,
também pode ocorrer.
Já as maiores requerem equipe especializada no seu manejo tanto cirúrgico
quanto de reabilitação, necessitando por
vezes de uso de próteses ou outros recurso tecnológicos no seu manejo.
Seu diagnóstico e tratamento precoces, de preferência ainda na maternidade, são de grande importância para o
prognóstico funcional destes indivíduos.
MALFORMAÇÃO DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL
Quanto ao sistema nervoso central
(SNC), sua formação e desenvolvimento
dependem de um processo extremamente complexo sob o qual atua inúmeros
fatores ambientais e genéticos. .
Os defeitos do fechamento do tubo
neural (DFTN) são malformações congênitas frequentes que ocorrem devido a uma
falha no fechamento adequado do tubo
neural embrionário, durante o primeiro
trimestre da gestação. Apresentam um
espectro clínico variável, sendo os mais
comuns a anencefalia e a espinha bífida.
A anencefalia é a ausência completa
ou parcial do cérebro e do crânio. A espinha bífida é um defeito de fechamento
ósseo posterior da coluna vertebral. O
defeito pode ser recoberto por pele essencialmente normal (espinha bífida oculta),
ou associar-se com uma protrusão cística, podendo conter meninges anormais e
líquido cefalorraquidiano – meningocele;
ou elementos da medula espinhal e/ou
nervos – mielomeningocele.
25
As fendas orais são anomalias
craniofaciais que requerem reabilitação
que vai desde intervenção cirúrgica até
orientação nutricional, odontológica,
fonoaudiológica, médica e psicológica.
Sua ocorrência é de aproximadamente 1 em 700 recém-nascidos em todo o
mundo, podendo variar de acordo com a
área geográfica e a situação socioeconômica.
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 5 • Setembro • Outubro de 2012
Outras malformações
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outras malformações como renais, de
tubo gastro intestinal, como a atresia de
esôfago e as anomalias ano-reatais embora menos frequentes têm importante
impacto na sobrevida e na qualidade de
vida dos indivíduos afetados.
As malformações cromossômicas,
também de grande impacto na vida das
crianças acometidas e suas famílias é
capítulo a parte neste tema e não serão
abordadas neste momento.
O desenvolvimento de novas técnicas
diagnósticas com exames complementares mais acurados aumentou nos últimos
anos o reconhecimento e a precocidade
no diagnóstico de muitas malformações
congênitas. Técnicas cirúrgicas especializadas e a intervenção mais precoce
melhoraram a sobrevida e a qualidade de
vidas desses pacientes.
FATORES AMBIENTAIS COMO CAUSA
DE MALFORMAÇÕES CONGENITAS
O fato de agentes ambientais, nomeadamente fármacos, infecções maternas,
e agentes químicos ou físicos poderem
causar danos ao embrião ou feto em
desenvolvimento é um problema reconhecido principalmente a partir do século 20.
Nos países em desenvolvimento,
existem características especiais que
podem tornar esse problema mais agudo. Essas características incluem níveis
educacionais e econômicos baixos da população, alta incidência de doenças infecciosas e carênciais, escassos recursos
para saúde e pesquisa, prática frequente
e sem controle de automedicação, facilidade de obtenção de medicações que
deveriam estar submetidas à prescrição
médica.
Além disso, pode somar-se uma
qualidade ambiental precária ou mesmo
condições de trabalho insalubres durante a gravidez, abuso de álcool, drogas
e tabaco durante a gestação, violência
doméstica entre outros fatores.
Para ilustrar, este quadro leva a
situações como a existência de casos
frequentes de malformações graves de
SNC causadas pelo vírus da rubéola ou
mesmo a ocorrência de síndrome de Moebius causado pelo uso do Misoprostol
durante a gestação. Essa droga, usada
frequentemente para induzir aborto é
proscrita do arsenal médico brasileiro,
mas pode ser encontrada com facilidade
no mercado clandestino.
Algumas medidas vêm melhorando a
qualidade do suporte ao paciente malformado e ao melhor reconhecimento dos
quadros e conhecimento da prevalência.
Uma medida cujo impacto positivo
merece notificação foi a modificação
da Declaração de Recém-Nascido Vivo
(DN) – documento oficial emitido pelas
maternidades, sem o qual os pais não
podem realizar o registro civil –, a partir
de janeiro de 2000, com a introdução de
um novo campo de registro obrigatório, o
campo 34 (define a presença ou não de
malformações congênitas), permitiu que
o que a torna capaz de perceber e intervir
na dimensão biopsicossocial da criança
e da família.
Bibliografia
1. AGUIAR M.J.B., CAMPOS A.S., AGUIAR
R.A.L.P., LANA A.M.A. et al. Defeitos
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3. FERNANDES A.C., RAMOS A.C.R.,
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6. PEREIRA R.J.S., ABREU L.C., VALENTE
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7. RAMOS J.L.A., LAURINDO V.M., VAZ
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congênitas: estudo prospectivo de dois
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 5 • Setembro • Outubro de 2012
equipes de informação da saúde locadas
nas secretarias municipais de Saúde
passassem a registrar as anomalias
congênitas de forma sistemática.
Outras medidas como o teste do
pezinho que realiza o diagnóstico de três
doenças na maior parte do país, mas que
deve ter esse número aumentado em
breve, levando a instituição de tratamento
precoce para situações clínicas com grave
impacto funcional em seus portadores
também merecem destaque.
Embora os fatores preventivos sejam preponderantes nestas situações, a
literatura deixa claro que a criança com
malformação congênita necessita de
atenção especializada e de uma equipe
multidisciplinar, na qual o enfoque primordial da recuperação envolva a integração
do paciente no ambiente familiar e social.
Neste contexto, a criação de centros de reabilitação especializados, com
equipe multidisciplinar capacitada para
intervenções de curto e longo prazo, com
tecnologia assistiva disponível no tempo
ótimo para o processo de reabilitação é
de suma importância para o melhor tratamento desses pacientes.
O conhecimento sobre as questões
anátomo-fisiológicas, do tratamento clínico e cirúrgico, não basta para apoiar
uma proposta mais efetiva de assistência
integral. É necessário conhecer outros
fatores que implicam na relação afetiva
entre a criança e seus familiares, na discriminação familiar e social da criança,
na dificuldade de aceitar e de cuidar da
criança com necessidades especiais.
Assistência adequada a ser prestada
à criança com malformação demanda,
além de treinamento técnico, sensibilidade e habilidade da equipe multidisciplinar,
27
anos em três maternidades de São
Paulo. Pediatria, São Paulo, v.3, p.2028, 1981.
8. SANTOS R.S., DIAS I.M.V. Refletindo
sobre a malformação congênita. Revista
Brasileira de Enfermagem; v.58, n.5, p.
592-596, 2005.
9. SCHÜLER-FACCINI L., LEITE J.C.L.,
SANSEVERINO M.T.V., PERES R.M.
Avaliação de teratógenos na população
brasileira. Ciência e Saúde Coletiva, v.7,
n.1, p. 65-71, 2002.
10.XAVIER C.C., ROCHA V.L. & MENDONÇA
V.E.S. Síndrome de Lennox-Gastaut.
In: L.F. FONSECA, C.C. XAVIER & G.
PIANETTI. Compêndio de Neurologia
Infantil. Rio de Janeiro: Medbook, 2011.
pp. 287-292.
Dra. Alessandra Freitas
Russo, Neurologia Infantil e do
Adolescente; Mestre em Medicina pela USP; Neurologista
da AACD e Pesquisadora do
Laboratório de Distúrbios do
Desenvolvimento - IP- USP
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 5 • Setembro • Outubro de 2012
Acompanhe nosso
Curso de Autismo
28
Nessa edição Módulo V/VI
No final, teste seus
conhecimentos e receba seu
Certificado de Conclusão
do IPUSP – Instituto de
Psicologia da USP.
de m ã e , pra m ã e
A importância de crescer e
amadurecer ao lado dos filhos
com TDAH
Neste espaço, pais e pessoas com
síndromes relatam um pouco sobre suas
experiências ao viver singularmente em
uma sociedade ainda pouco inclusiva.
São exemplos de quem que já conseguiu
alcançar muitos objetivos graças à força
de vontade, mas ainda enfrentam muitos
desafios para realizarem seus sonhos;
assim como a maioria dos seres huma-
nos sem deficiências também. É uma
oportunidade para os leitores conhecerem um pouco mais sobre a diversidade.
Sergio tem 12 anos e é uma criança
como outra qualquer, curte coisas da idade dele como jogar vídeo game, assistir
TV e ouvir música. Frequenta escolinha
de futebol; gosta muito de carros; participa de rally com o pai e o tio, e também
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 5 • Setembro • Outubro de 2012
Por Juliana Ferreira Ribeiro*
Edição: Leandra Migotto Certeza**
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SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 5 • Setembro • Outubro de 2012
30
fazem trilhas. O que facilita e muito a
vida dele, que é o fato de encarar suas
dificuldades com naturalidade, e todos
ao nosso redor sabem disso. Ele conta
aos colegas, e acredito que isso o faça
mais feliz. Seu diagnóstico é comprometimento aos níveis da atenção seletiva e
sustentada, controle inibitório, dificuldades eventuais associadas à escrita, bem
como provável baixa consciência fonológica, portanto ele tem TDAH (Transtorno
de Déficit de Atenção), Impulsividade e
Dislexia.
Sergio e sua mãe
O primeiro momento após o diagnóstico é terrível porque fazer parte daquilo
que a sociedade convencionou como ‘não
normal’, por isso assusta. A sensação
de incapacidade é enorme. Até hoje me
lembro o momento do que Dra. Nayara
me disse, que minha maior arma é a
informação. E assim corri atrás dela. No
início lia tudo falava a respeito dessa
síndrome e com o tempo fui aprendendo
a selecionar. Entrei na faculdade de Pedagogia e saí no quarto semestre, porque
no obtive respostas e hoje curso terceiro
semestre de Psicologia, não para obter
as tais respostas, mas para poder fazer a
diferença na vida desses seres especiais
e poder dar apoio aos pais.
Meu filho é tudo para mim, foi quem
me fez crescer e amadurecer. Acredito
que o melhor papel que desempenho na
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 5 • Setembro • Outubro de 2012
saindo de lá por não ter o quinto ano. E
mais uma vez outra batalha porque as
maiores escolas da cidade o recusaram,
até que encontrei uma escola maravilhosa, Colégio Vilas, a qual está fazendo um
brilhante trabalho de inclusão.
Serginho tinha a leitura muito atrasada, letra espelhada e trocava fonemas.
Para melhorar fazia psicopedagogia duas
vezes por semana. Ele quase repetiu pela
segunda vez a alfabetização, mas eu com
a ajuda da psicopedagoga estudávamos
duas horas por dia, e conseguindo que
não repetisse o ano letivo. Ele é um bom
aluno, sempre avaliado nos limites das
suas dificuldades.
Em 2010, ele começou fazer psicopedagogia com Ana Magalhães, primeiro
sozinho, depois ela propôs colocá-lo em
um grupo. No início fiquei muito preocupada, mas aceitei o desafio, e a partir daí
a auto estima dele mudou muito, começou a ficar mais confiante e depois desse
grupo foi que teve coragem de ler em voz
alta pela primeira vez na sala de aula. Ele
se sobressaiu no primeiro grupo, então
Ana propôs colocá-lo em outro grupo,
onde ele não ‘brilhasse’ todas às vezes
e foi perfeito para o desenvolvimento
dele, hoje ele está muito mais confiante,
faz Terapia Cognitiva Comportamental
e Fonoaudiologia. Depois ele me pediu
para ter férias das terapias por 6 meses,
e depois retomamos. Refiz os testes
neuropsicológicos que confirmaram o
diagnóstico, mas para minha felicidade
mostrou que hoje já tem estratégias
montadas para driblar as dificuldades, e
com isso, redução do prejuízo funcional
ocasionado pela síndrome. É um menino
muito inteligente.
Créditos das fotos: Viviane Santos
vida é o de ser mãe, meu amor por ele é
incondicional. Ele é o meu amiguinho, não
temos segredos um com o outro, procuro
ao máximo manter essa relação saudável
com ele, confia em mim por saber que
estou sempre ao seu lado.
Ele começou estudar com 2 anos
e 8 meses, sempre se adaptando facilmente e socializando bem, o único
problema foi com uma professora. Ele
no meio do ano começou não se comunicar com ela, brincava muito bem com
os coleguinhas e quando a professora
intervinha de alguma forma ele bloqueava, levei numa psicopedagoga e nada
foi observado nele, portanto foi algum
problema com a professora. Mas em
2005, quando cursava a alfabetização,
fui chamada pela escola, a queixa era
que ele não conseguia acompanhar,
então procurei uma neuropediatra, Dra.
Nayara Argolo, que nos encaminhou
para fazer testes neuropsicológicos,
com a neuropsicologa Tutti Cabussú,
que foram repetidos em 2007 para
fechar o diagnostico.
A partir daí começou fazer acompanhamento psicopedagogico duas vezes
por semana e tratamento medicamentoso. O mais complicado era lidar com a
baixa auto-estima, já que a escola não
ajudava na inclusão. Em 2008 mudamos
de escola para uma que trabalhava melhor com a inclusão com crianças com
diversas dificuldades, inclusive um aluno
com deficiência visual. Só que no final
do ano veio à notícia que a escola fecharia, por isso começou a batalha por uma
escola que o aceitasse. Foram algumas
portas na cara até que foi aceito por pedido da psicopedagoga Tutti Cabussú por
uma escola a qual permaneceu três anos,
31
Eu acredito que preciso sempre ajudar aos pais com crianças com TDAH,
pois uma simples conversa com troca
de informações já é o suficiente para
que não nos sentíssemos sozinhos...
Também é muito importante que as limitações das crianças sejam respeitadas,
que não cobrem delas aquilo que elas não
podem dar. E que sejam criadas sabendo
o que tem, para evitar o preconceito. Se
a pessoa aceita o que tem, não encara
comentários de forma agressiva, simplesmente olha a pessoa curiosa como
alguém sem informações.
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 5 • Setembro • Outubro de 2012
Sergio e o seu pai, Pedro Antonio Frederico
32
*Juliana Ferreira Ribeiro tem 33 é autônoma, trabalhando com reforço escolar, inclusive para crianças com
dificuldades de aprendizado. Ela teve o Sergio com 21
anos.
**Leandra Migotto Certeza é
jornalista e repórter especial
da Revista Síndromes. Ela tem
deficiência física (Osteogenesis Inperfecta), é assessora
de imprensa da ABSW, e consultora em inclusão e mantém
o blog “Caleidoscópio – Uma
janela para refletir sobre a diversidade da vida” - http://
leandramigottocerteza.blogspot.com/. Conheçam os
modelos de palestras, oficinas, cursos e treinamentos
sobre diversidade, realizados em empresas, escolas,
ONGs, centros culturais e grupos de pessoas no site:
https://sites.google.com/site/leandramigotto/
art i g o do le i tor
O uso do instrumento
“quality fm” no pós-operatório
de mmii em pacientes com
paralisia cerebral
A Paralisia Cerebral (PC), é definida,
atualmente, como um “grupo de desordens do desenvolvimento de movimento e
postura, causando limitação na atividade,
que são atribuídos a distúrbios não-progressivos no cérebro em desenvolvimento
fetal ou infantil. Os distúrbios motores
da paralisia cerebral são frequentemente
acompanhadas por distúrbios da sensação, cognição, comunicação, percepção
e/ou comportamento.”
O paciente com PC é classificado com
relação à topografia da lesão, alteração
tônica e nível de comprometimento motor.
Com relação à topografia da lesão, ou
seja, a área corporal afetada, são classificados como diparéticos, tetraparéticos
e hemiparéticos.
Com relação ao tônus, podemos
classificar os indivíduos como espásticos, discinéticos e atáxicos. O espástico
compreende a maioria dos casos (75%),
sendo caracterizado por exacerbação dos
reflexos profundos e aumento do tônus
muscular. O tipo discinético é caracterizado pela presença de movimentação
involuntária, e compreende os seguintes
tipos clínicos: atetóide, coreico, distônico,
misto e hipotônico. O tipo atáxico apresen-
ta diminuição da coordenação muscular
usualmente causado por déficit cerebelar.
Devido ao aumento de tônus encontrado nos pacientes espásticos, durante
o desenvolvimento neuropsicomotor ocorrerão alterações adaptativas dos tecidos
moles e ósseos, levando a fraquezas e
encurtamentos musculares, e coativação
excessiva de músculos antagonistas. A
longo prazo, essas alterações podem
levar à deformidades ósseas e/ou limitações funcionais, e, devido a isso, esse
grupo de paciente são os mais submetidos a cirurgias ortopédicas.
Além da alteração tônica e topografia
que o paciente apresenta, ele também
é classificado quanto ao grau de comprometimento que apresenta através
do Sistema de Classificação da Função
Motora Grossa (GMFCS) em cinco níveis:
Nível I: as crianças deste nível serão
capazes de andar em ambiente interno
e externo, subir escadas sem restrições.
Serão capazes de realizar habilidades
motoras grossas, incluindo correr e pular,
mas a velocidade, o equilíbrio e a coordenação serão reduzidos.
Nível II: as crianças serão capazes de
andar nos espaços internos e externos e
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 5 • Setembro • Outubro de 2012
Tatiana Beline de Beline e Eduardo Bagne
33
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 5 • Setembro • Outubro de 2012
34
subir escadas segurando-se no corrimão,
mas apresentam limitações ao andar em
superfícies irregulares e inclinadas e em
espaços lotados ou restritos. As crianças,
na melhor das hipóteses, apresentarão
capacidade mínima para realizar habilidades motoras grossas como correr e pular.
Nível III: as crianças serão capazes
de andar em espaços internos e externos
sobre superfícies regulares usando aparelhos auxiliares de locomoção. As crianças
podem subir escadas segurando-se em
corrimões. Dependendo da função dos
membros superiores, as crianças poderão
manejar uma cadeira de rodas manualmente. Podem ainda ser transportadas
quando percorrem longas distâncias e
quando em espaços externos com terrenos irregulares.
Nível IV: as crianças do Nível IV
poderão sentar-se de forma funcional
(geralmente apoiadas), mas a locomoção
independente é muito limitada. Serão,
geralmente, transportadas ou usarão locomoção motorizada em casa, na escola
e na comunidade.
Nível V: as deficiências físicas restringem o controle voluntário de movimento
e a capacidade para manter posturas
antigravitacionais de cabeça e tronco.
Todas as áreas de função motora estão
limitadas. As limitações funcionais no
sentar e ficar em pé não são completamente compensadas por meio do uso de
adaptações e tecnologia assistiva. Neste
nível, as crianças não mostram sinais
de locomoção independente e são transportadas. Algumas crianças alcançam a
autolocomoção usando cadeira de rodas
motorizada com extensas adaptações.
As cirurgias ortopédicas de membros
inferiores (MMII) ocorrem, na maioria
dos casos, para melhora da qualidade
de marcha para os níveis motores I, II
e III, e para melhora do posicionamento
sentado e alívio de dor para os pacientes
dos níveis IV e V.
Sendo a qualidade de marcha o objetivo da maioria das cirurgias ortopédicas
de MMII para os pacientes dos níveis
I, II e III, seria importante quantificar a
qualidade de marcha destes pacientes
no período pós-operatório de MMII.
O “Quality FM” (QFM) é um instrumento de avaliação criado pelos pesquisadores Peter Rosenbaum e Virginia Wright do
grupo de pesquisa ‘CanChild’ (Center for
Chilhood Disability Research), validado
para pesquisa e uso clínico em 2010.
Ele se baseia em uma avaliação
observacional da qualidade da função motora grossa de pacientes com PC. Sendo
que o mesmo pode ser usado em crianças
com idade acima dos 4 anos dos níveis I,
II e III do GMFCS e seu enfoque está na
qualidade do movimentos relacionados à
marcha. Os atributos qualitativos avaliados pelo instrumento são: alinhamento
de extremidades inferiores, alinhamento
da parte superior do corpo, coordenação,
movimento dissociado, estabilidade e
transferência de peso.
Atualmente, a “Medida da Função
Motora Grossa” (GMFM) é o instrumento
utilizado na instituição nos pacientes com
Paralisia Cerebral que são submetidos à
cirurgia ortopédica, além de também ser
usado para se definir prognóstico e objetivos funcionais no período pós-operatório.
Entretanto, o GMFM avalia a quantidade
de função motora grossa que o paciente
é capaz de realizar, não importando a
performance durante o teste. Podemos
citar o mesmo item 69 (andar 10 passos),
Objetivo
Avaliar a qualidade da função motora
grossa de pacientes com PC, níveis I, II
e III do GMFCS, submetidos a cirurgias
ortopédicas de MMII.
Metodologia
Estudo descritivo realizado no setor
de fisioterapia infantil da Associação de
Assistência à Criança Deficiente – Unidade Osasco (AACD – Osasco). Participaram
do estudo cinco pacientes (11,4 ± 3,4
anos), sendo um hemiparético espástico
à E nível motor I do GMFCS e 4 diparéticos espásticos, dois nível II e dois nível
III (Tabela 1).
Tabela 1: Descrição dos pacientes
Topografia da Lesão
GMFCS Idade
15
I
1 Hemiparesia Espástica à E
11
II
2 Diparesia Espástica
07
III
3 Diparesia Espástica
10
II
4 Diparesia Espástica
14
III
5 Diparesia Espástica
Média 11,4±3,2
Todos os pacientes incluídos foram
submetidos à cirurgias ortopédicas de
MMII, liberados para ortostatismo e marcha pelo médico ortopedista responsável
e foram submetidos a essa a avaliação
no momento que iniciaram as terapias no
setor de fisioterapia infantil. É importante
ressaltar que os pais e/ou responsáveis
consentiram com a participação na pesquisa, assinando Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
Para realizar a avaliação através do
instrumento QFM, inicialmente é realizada filmagem de todos os itens das
dimensões D (Em Pé) e E (Andar, Correr e
Pular) do GMFM que o paciente foi capaz
de realizar sem órteses ou aditamento.
Sendo que cada item foi filmado em duas
tomadas diferentes, segundo descrição
do manual.
É importante ressaltar que o GMFM
já é utilizado na avaliação inicial no pós-operatório de MMII em pacientes com
paralisia cerebral nesta instituição.
Após filmagem, os vídeos foram
observados e os atributos qualitativos
específicos de cada item foram avaliados.
Os atributos qualitativos de cada item
estão relacionados com a tarefa específica deste item e/ou são importantes para
realiar a tarefa com melhor performance, como exemplo, no item 56 (em pé,
mantém braços livres, 20 segundos) é
avaliado estabilidade e no item 69 (anda
10 passos) é avaliado a transferência de
peso, entre outros atributos.
Para cada atributo é dado um escore
de 0 a 3, sendo ‘0’ muita dificuldade,
‘1’ dificuldade moderada, ‘2’ pouca
dificuldade e ‘3’ nenhuma dificuldade.
Descrições específicas da pontuação de
cada item estão descritas no manual.
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 5 • Setembro • Outubro de 2012
o paciente que deambula 10 passos em
CROUCH (marcha agachada) receberá a
mesma pontuação do paciente que deambula 10 passos com um bom padrão
de marcha.
Como, na maioria dos casos, o objetivo da cirurgia ortopédica de MMII, é o
melhor alinhamento biomecânico, para
assim promover a melhora funcional,
acreditamos que o Quality FM seja o
instrumento indicado para o uso neste
período.
35
Como o paciente é visto em duas tomadas diferentes, cada atributo do item tem
duas pontuações, e uma média destas
duas pontuações é a pontuação final
para cada item.
Após a avaliação de todos os itens,
cada atributo foi somado separadamente
para se obter o escore final. Então o paciente tem um escore para cada atributo
qualitativo.
Resultados
Os resultados obtidos no GMFM demonstram escores abaixo do esperado
para os pacientes 3, 4 e 5. (Tabela 2).
Tabela 2 - Resultados GMFM
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 5 • Setembro • Outubro de 2012
1
2
3
4
5
36
Dimensão
Dimensão
Áreas-meta D
D( %)
100
79,48
46,15
43,58
38,46
E (%)
97,23
62,5
25
8,34
12,5
e E (%)
98,61
70,99
35,57
25,96
25,48
Os resultados no QFM estão apresentados na Tabela 3. O paciente 1 apresentou pior escore no atributo “transferência
de peso”, o paciente 2 em “movimento
dissociado” e o restante apresentou
escore mais baixo no atributo “estabilidade”.
Tabela 3: Resultados QFM
1
2
3
4
5
Discussão
Os pacientes submetidos a cirurgias
ortopédicas de MMII permanecem imobilizados imediatamente após a cirurgia. Já
está descrito na literatura que o imobilismo imposto na fase pós-operatória inicial
de MMII pode levar ao aumento da fadiga
nas AVD’s, diminuindo sua capacidade
funcional. Portanto, escores abaixo do
esperado no GMFM podem ocorrer imediatamente após a cirurgia.
Os pacientes 1 e 2, que obtiveram
bons escores no GMFM apresentam
quadros motores mais leves (nível motor
I e II), e também é sabido que a fadiga
imposta pelo imobilismo é maior em
pacientes mais graves motoramente,
levando a uma dificuldade de retorno
as atividades funcionais que realizavam
antes do procedimento cirúrgico.
Com relação ao QFM, os resultados
foram bem heterogêneos, demonstrando
a individualidade de cada paciente. O
paciente 1 apresentou escores altos em
todos os atributos e o mais baixo em
“transferência de peso”, a pontuação alta
se justifica pelo nível motor que o paciente possui e o déficit em transferência de
peso se justifica pela topografia da lesão,
já que o paciente é PC hemiparético à
esquerda nível motor I.
O paciente 2 apresentou pior escore
em movimento dissociado o que pode ser
Alinhamento
Coordenação
Movimento Disso-
(%)
(%)
ciado (%)
95
77,52
32,14
13,88
19,04
86
42,52
13,44
12,06
9,67
84
28,57
12,5
8,33
3,12
Estabilidade (%)
87,93
41,95
1,12
1,72
1,12
Transferência de
peso (%)
66,67
52,17
14
10,86
7,34
Conclusão
Após a análise dos dados obtidos, é
possível observar, primeiramente, a importância da fisioterapia no pós-operatório
de MMII na paralisia cerebral, já que, para
três pacientes deste grupo, houve diminuição da quantidade de atividade motora
grossa imediatamente após a cirurgia.
Também foi possível observar que o
QFM pode ser um instrumento importante para o período pós-operatório já que
consegue chegar à real dificuldade do
paciente, levando assim, a reabilitação
focada na dificuldade do indivíduo, e assim, possivelmente, levando a melhores
resultados.
É necessário estudos posteriores,
com um maior número de pacientes e em
fases diferentes da reabilitação.
Referências Bibliográficas
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Classification and etiology. Acta Orthop
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responsiveness of a measure of quality
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Função Motora Grossa (GMFM-66 &
GMFM-88): Manual do Usuário. Mennon.
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5. P A L I S A N O , R J , C O P E L A N D , W P ,
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7. PALISANO, RJ et al (2007). The definition
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8. TIEMAN, B., PALISANO, R. J., GRACELY,
E. J., & ROSENBAUM, P. L. Variability
in mobility of children with cerebral
palsy. Pediatric Physical Therapy, v.19,
n.3, p.180-187, 2007.
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 5 • Setembro • Outubro de 2012
justificado pela diparesia espástica que
possui. Já os pacientes 3, 4 e 5 apresentaram piores escores em estabilidade,
demonstrando a real necessidade do uso
do aditamento para essas crianças.
A partir dos resultados obtidos no
QFM, foi possível traçar os objetivos
específicos para cada paciente para o
ganho do objetivo funcional comum de
retorno à marcha após cirurgia ortopédica. Como exemplo, para o paciente 1 a
terapia poderá ser baseada em treino de
marcha sem aditamento, em diferentes
terrenos e trabalho específico de transferência de peso à E com exercícios de
apoio unipodal e saltos com MIE. Já para
o paciente 5, será realizado o treino de
marcha com aditamento, enfatizando
melhora do alinhamento e tranferência
de MMII, possivelmente com ganho de
força e diminuição do receio em apoiar os
mesmos; dissociação de MMII e coordenação, possivelmente com alívio de dor
e melhora da amplitude de movimento.
37
art i g o do le i tor
O processo
de envelhecimento humano
Maria Taís de Melo, Dr
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 5 • Setembro • Outubro de 2012
Introdução
38
A Geriatria teve seu surgimento antes
da Gerontologia. No Brasil, o interesse na
Geriatria iniciou-se em 1961, com a criação da Sociedade Brasileira de Geriatria,
que posteriormente passou a ser designada Sociedade Brasileira de Geriatria e
Gerontologia (SBGG). Na década de 70,
alguns serviços de saúde, geralmente
ligados às universidades, começaram a
oferecer atendimentos a idosos doentes.
Já nos anos 80, esses serviços proliferaram e iniciaram um atendimento mais
sistemático ao idoso, oferecendo também
atividades voltadas à promoção da saúde
e à prevenção das doenças.
Atualmente, encontram-se pesquisas
que apontam para o envelhecimento enquanto um processo fluido, cambiável e
que pode ser acelerado, reduzido, parar
por algum tempo e até mesmo reverter-se. Esses estudos, realizados nas três
últimas décadas, têm comprovado que
o envelhecer é muito mais dependente
do próprio ser humano do que jamais
se imaginou em épocas passadas. Um
dos defensores desta teoria é Deepak
Chopra (1999, p. 19), segundo o qual
(...) Embora os sentidos lhe digam que
você habita um corpo sólido no tempo e
no espaço, esta é tão somente a camada
mais superficial da realidade. Esta inteligência é dedicada a observar a mudança
constante que tem lugar dentro de você.
(...). Envelhecer é uma máscara para a
perda desta inteligência. Esses estudos
são pautados na física quântica, a qual
diz que não há fim para a dança cósmica.
Penso que, esta realidade trazida pela
física quântica traz a possibilidade de,
pela primeira vez, poder-se manipular a
inteligência invisível que está como pano
de fundo do mundo visível e alterar-se o
conceito de envelhecimento.
Por tudo isso, enquanto profissionais
que atuam na área social, é urgente que
passemos a discutir pré-requisitos básicos direcionados à melhoria da qualidade
de vida do idoso, considerando sua multidimensionalidade e necessidades, entre
as quais: alimentação e saneamento
básico adequado, moradia segura, seguridade econômica, acesso aos serviços
de saúde, cidadania e outras.
2.1 O processo de envelhecimento
Todo organismo multicelular possui um tempo limitado de vida e sofre
atualidade, levando em conta a dimensão
individual e social. Defende-se o pressuposto de que o envelhecimento humano
é um processo permeado por mudanças
tísicas e psicológicas, mas também por
circunstâncias sociais e experiências
biográficas que dimensionam a forma de
lidar e encarar os problemas, bem como
a manutenção da própria saúde mental.
2.1.1 O processo de envelhecimento:
aspectos fisiológicos
O envelhecimento é causado por
alterações moleculares e celulares, que
resultam em perdas funcionais progressivas dos órgãos e do organismo como um
todo. Esse declínio se torna perceptível
ao final da fase reprodutiva, muito embora as perdas funcionais do organismo
comecem a ocorrer muito antes.
O sistema respiratório e o tecido
muscular no envelhecimento humano
começam a decair funcionalmente a partir
dos 30 anos.
O envelhecimento humano é uma
extensão biológica dos processos fisiológicos do crescimento e desenvolvimento,
começando com o nascimento e terminando com a morte. O envelhecimento
humano ocorre com o implacável passar
do tempo, mas poucas pessoas realmente morrem por causa da idade.
A maioria das pessoas morre porque
o corpo adoece pela perda da capacidade
fisiológica de se recuperar de uma agressão decorrente de estresse, agentes
patogênicos (vírus, bactérias, fungos),
agentes físicos (radiações eletromagnéticas), agentes químicos, etc.
Existem muitas teorias para tentar
explicar porque ocorre o envelhecimento
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 5 • Setembro • Outubro de 2012
mudanças fisiológicas com o passar
do tempo. A vida de um organismo
multicelular costuma ser dividida em
três fases: a fase de crescimento e
desenvolvimento, a fase reprodutiva,
e a senescência ou envelhecimento.
Durante a primeira fase, ocorre o desenvolvimento e crescimento dos órgãos
especializados, o organismo cresce
e adquire habilidades funcionais que
o tornam apto a se reproduzir. A fase
seguinte é caracterizada pela capacidade de reprodução do indivíduo, que
garante a sobrevivência, perpetuação e
evolução da própria espécie. A terceira
fase, a senescência, é caracterizada
pelo declínio da capacidade funcional
do organismo.
A representação social da velhice é
um tema frequente dos pesquisadores,
proporcionando a compreensão do peso
do envelhecimento para o sujeito e a
sua conseqüente inserção social em um
grupo de referência. As representações
são, no geral, ambivalentes, contendo
visões positivas e negativas que expressam as contradições da sociedade que,
simultaneamente, deprecia e enaltece
a velhice. De um lado, as concepções
positivas revelam-se na experiência de
estar na “melhor idade” como uma nova
e revolucionária etapa do desenvolvimento, onde ainda é possível a plena realização pessoal, integrando-se de forma
produtiva à sociedade. De outro lado, o
“ser velho” também tem uma conotação
negativa, relacionada com o declínio das
capacidades e funções, evidenciando as
modificações relacionadas às perdas e
à visão desabonadora do idoso incapaz
e solitário. Esse trabalho discute os
conflitos e ansiedades dos idosos na
39
e a morte. Todas elas focalizam o que
ocorre nas células do corpo com o passar
do tempo.
As mudanças que ocorrem no envelhecimento humano alteram a capacidade
da célula para funcionar. Quando um
número suficiente de células é alterado,
acontece o envelhecimento.
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 5 • Setembro • Outubro de 2012
Influência dos fatores externos no
envelhecimento humano
40
Com relação aos fatores externos,
os mais conhecidos por agredirem o
organismo e acelerarem o processo de
envelhecimento são: fatores ambientais
(poluição, condições climáticas, radiação
solar e outras), uso abusivo de medicamentos e drogas (álcool, fumo e outros).
É importante lembrar que menos importante do que tudo isto é entendermos
que independente da causa, o envelhecimento não está vinculado unicamente à
quantidade de anos que o sujeito viveu,
mas também à perda de suas funções
orgânicas. Precisamos estar alertas ao
fato de que a maior parte destas alterações está estreitamente relacionada ao
modo (forma) como este tempo foi vivido.
2.1.2 Bases biológicas do
envelhecimento
Segundo Hoffmann (2009), o tempo
máximo de vida é a idade mais elevada
já atingida em uma dada espécie. Em
humanos, o tempo máximo de vida já registrado até hoje é de 122 anos. Observe
os dados a seguir.
Tempo máximo de vida das espécies
(em anos)
• Homem (Homo sapiens) 122
•
•
•
•
•
Cavalo (Equus caballus) 62
Gorila (Gorilla gorilla) 39
Cão (Canis familiaris) 34
Gato (Felis catus) 28
Camundongo (Mus musculus) 3,5
Segundo a autora (2009), o conhecimento molecular das alterações funcionais que ocorrem com o avanço da idade
é fundamental para que se possa compreender o processo do envelhecimento
e definir intervenções estratégicas para
aumentar a expectativa de vida e viver
a fase da senescência com qualidade.
A ciência que estuda o envelhecimento,
sob seus múltiplos aspectos, é chamada
gerontologia (geron = velho).
2.2 A expectativa de vida humana
A expectativa de vida humana vem
se alterando rapidamente, principalmente
em decorrência dos avanços da medicina.
Com o advento da descoberta dos antibióticos e outros avanços das ciências da
saúde, os países desenvolvidos conseguiram retardar o processo do envelhecimento e aumentar a expectativa média de vida
humana ao nascer, no século passado.
Entretanto, segundo Hoffmann
(2009), mesmo com todas as melhorias
das condições de vida conquistadas, a
expectativa média de vida ao nascer não
deverá passar de 90 anos no futuro. A
questão que se coloca hoje para a pesquisa biomédica não é meramente conseguir
adiar o envelhecimento e aumentar o tempo de vida humana, mas, sim, prolongar
a duração da vida com qualidade.
No Brasil, este quadro se apresenta
em meio a um processo evolutivo caracterizado por uma progressiva queda da
2.2.1 Relógio biológico e envelhecimento
As pesquisas recentes sobre as funções da glândula pineal e de seu principal
produto, o hormônio melatonina, despertaram um grande interesse público nesta
última década, a partir da descoberta
do papel da melatonina na regulação do
sono e do ritmo biológico em humanos.
A produção de melatonina pela glândula pineal é cíclica, obedecendo um
ritmo diário de luz e escuridão, chamado
ritmo circadiano. Nos seres humanos, a
produção de melatonina se dá durante a
noite, com quantidades máximas entre
2 e 3 horas da manhã, e mínimas ao
amanhecer do dia. A glândula pineal fica
localizada no centro do cérebro, sendo conectada com os olhos através de nervos.
Estes transmitem o sinal dos olhos para a
glândula pineal, determinando a hora de
iniciar e parar a síntese da melatonina.
Além da regulação do sono, a melatonina controla o ritmo de vários outros
processos fisiológicos durante a noite:
a digestão torna-se mais lenta, a temperatura corporal cai, o ritmo cardíaco e a
pressão sanguínea diminuem e o sistema imunológico é estimulado. Costuma-se dizer, por isso, que a melatonina é
a molécula chave que controla o relógio
biológico dos animais e humanos. A
quantidade de melatonina produzida pelo
organismo decresce com o passar do
tempo, depois da puberdade, chegando
a concentrações sanguíneas irrisórias
nos idosos. Essa constatação levantou
a suspeita de que a perda gradual de
melatonina poderia precipitar o processo
do envelhecimento.
Estudos sobre os efeitos da melatonina em humanos estão em franco progresso, e mostram resultados promissores no
tratamento de distúrbios do sono, de cardiopatias, hipertensão, câncer e outros
males que afetam os idosos. Entretanto,
há muito a se investigar ainda sobre os
riscos de sua utilização por humanos a
longo prazo.
Hoffman (2009) alerta que a suplementação de melatonina para pessoas
que apresentam distúrbios de sono, como
os idosos, em particular para portadores
da doença de Alzheimer ou de depressão
sazonal, ou para pessoas expostas às
mudanças rotineiras de fuso horário, deve
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 5 • Setembro • Outubro de 2012
mortalidade em todas as faixas etárias,
e um consequente aumento da expectativa de vida da população. A expectativa
média de vida da população ao nascer é
de 69 anos para os homens e 72 para
as mulheres. A análise do crescimento
populacional de diferentes faixas etárias
mostra que o grupo de idosos, com 60
anos ou mais, é o que mais está crescendo no país. De 1980 a 2000, o grupo de
pessoas idosas cresceu 107%.
Maria Helena Hoffmann (2009) alerta
para o fato de que é grande o desafio,
para os governantes, neste início de século, em relação à promoção de políticas
públicas voltadas aos idosos.
É preciso investir na promoção da
saúde pública, para se lograr prevenir a
morte prematura e aumentar a expectativa média de vida da população, para
os patamares dos países desenvolvidos.
Torna-se também imperativo investir na
implementação de políticas públicas para
propiciar condições de vida saudável e de
qualidade para a população de idosos que
cresce progressivamente (HOFFMANN,
2009).
41
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 5 • Setembro • Outubro de 2012
ser feita com muito critério e somente sob
supervisão médica.
Considerações Finais
O envelhecimento humano é um
processo complexo, pois situa-se na interface entre ciências biológicas, sociais e
humanas. Este tema estimula pesquisas
e impulsiona a revisão de conceitos e
teorias, no sentido de acompanhar o contexto psicossocial e tecnológico, trazendo
implicações que revertam na melhoria
das condições de vida dos sujeitos. As
interações de aspectos biológicos, sociais, culturais e psicológicos, mediadas
pela própria subjetividade do sujeito, é
que qualificam o processo de envelhecimento, levando em conta as condições
genéticas e do ambiente natural e social,
que estabelecem ritmos diferentes de
sujeito para sujeito.
42
Referências
1. CHOPRA, D. Corpo sem idade, mente
sem fronteira. A alternativa quântica
para o envelhecimento. Rio de Janeiro:
Rocco, 1999.
2. HOFFMANN, Maria Helena. O processo
de envelhecimento. Comciência, 2009.
Disponível em: <http://www.comciencia.
br/reportagens/envelhecimento/env10.
htm.06/08/2009>. Acesso em: 20 set.
2009.
art i g o do le i tor
Meu Deus!
Meu filho não para nunca!
Hoje, principalmente nas escolas de
nosso país, está cada vez mais comum
em atendimento a pais e responsáveis
recebermos diagnósticos de crianças portadoras de TDAH. Tal realidade tem sido
recorrente, principalmente nos últimos
5 anos. A Escola tem contribuído para
ajudar os profissionais especializados no
diagnóstico e no acompanhando terapêutico. O Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH) é um transtorno neurobiológico, de causas genéticas, que aparece
na infância e frequentemente acompanha
o indivíduo por toda a sua vida.
O portador de TDAH (CID – 10 F90)
apresenta sintomas de desatenção, com
pouco poder de concentração e, consequentemente, déficit na retenção da
aprendizagem. É inquieto e impulsivo, o
que naturalmente impacta nas suas relações interpessoais. Por isso mesmo, a
escola é o ambiente onde os sintomas são
mais bem percebidos. Na relação com os
colegas e cumprimento de regras é que o
portador dessa síndrome apresenta mais
dificuldades. Não é possível a uma pessoa
inquieta e hiperativa passar muito tempo
concentrada e sem infringir regras.
O TDAH é reconhecido pela OMS
(Organização Mundial da Saúde) e, nos
EUA, os portadores dessa síndrome são
aparados por lei, no que tange ao direito
de receberem um tratamento diferenciado
nas escolas. Aqui, no Brasil, quando se
fala em uma educação inclusiva, aceita-se a tese de que crianças diagnosticadas e em tratamento devem também ter
uma atenção diferenciada por parte das
escolas no quesito avaliação. Os psicopedagogos e o SOE (Serviço de Orientação
Educacional) acompanham os pacientes
e orientam os professores, quanto aos
procedimentos pedagógicos.
E como há um consenso internacional
publicado pelos médicos e psicólogos
renomados, desfaz-se a ideia de que
o TDAH não existe, que é invenção da
indústria farmacêutica.
Comum em crianças e adolescentes,
o TDAH ocorre em 3% a 5% das crianças,
em várias regiões diferentes do mundo.
Em mais da metade dos casos, o transtorno acompanha o indivíduo na vida adulta.
Tal situação ajuda a entender muitos
casos de pessoas que não conseguem
se ajustar no trabalho, no relacionamento
amoroso e no planejamento de metas a
serem alcançadas na vida.
Geralmente adultos com TDAH são
muito esquecidos, são inquietos, vivem
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 5 • Setembro • Outubro de 2012
José Romero Nobre de Carvalho
43
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 5 • Setembro • Outubro de 2012
44
mudando de uma coisa para a outra e
também são impulsivos, colocando sempre “os carros à frente dos bois”. São
frequentemente considerados egoístas,
podendo ter outros problemas associados
como consumo de drogas, ansiedade e
depressão.
Estudos científicos mostram que portadores de TDAH têm alterações na região
frontal e as duas conexões com o resto
do cérebro. É exatamente a região frontal
orbital a que é responsável pela inibição
do comportamento, pela capacidade de
concentração, memória, autocontrole,
organização e planejamento. Segundo
cientistas, o que parece estar comprometido aí é o funcionamento de um sistema
de substâncias químicas chamadas neurotransmissoras que passam informação
entre as células nervosas.
Além desse lado negativo já apontado, há um outro que surpreende por se
revelar como extremamente positivo: o
portador de TDAH tem muitos talentos
criativos, demonstra ter pensamento original, tende a adotar uma forma diferente
de encarar o mundo, apresenta resiliência
e persistência. Além disso, pessoas com
TDAH são geralmente muito afetivas e de
comportamento generoso, e apresentam
muita intuição e inteligência acima da
média.
Se seu filho lhe parece muito inquieto, é hora de buscar uma avaliação com
profissionais qualificados. O diagnóstico
de TDAH é fundamentalmente clínico,
e o tratamento baseia-se em medicação como o cloridrato de metilfenidato
(Ritalina® ou Concerta®, em sua versão
mercadológica), que é a mais utilizada.
Quanto à família e à escola, um bom
relacionamento com o médico certamente
cria o tripé necessário para o resultado
positivo do tratamento e a boa adaptação
do paciente.
Referências
1. Luis Augusto Rohde (e outros). Transtorno
de déficit de atenção / hiperatividade
na infância e na adolescência –
considerações clínicas e terapêuticas.
Ver. Psiq. Clin, 2004.
2. Silva, Ana Beatriz Barbosa. Mentes
inquietas – TDAH: desatenção,
hiperatividade e impulsividade. Ed.
Fontanar. RJ, 2009.
art i g o do nepac C
O programa de inclusão
de pessoas com deficiência
nasempresas – o fortalecimento
no processo de fidelização
do colaborador
Por estar à frente de um programa de
inclusão de pessoas com deficiência no
mercado de trabalho e por perceber que
muitas dúvidas ainda existem sobre o
tema, considero importante a discussão
sobre esse assunto.
Ultimamente ouve-se com frequência
a expressão “adequação a lei de cotas”
como uma obrigação das empresas em
contratar pessoas com deficiência para
constituírem seu quadro de funcionários. Mas antes de pensar em adequar
a empresa de acordo com a lei de cotas
8213/91 é importante pensar na razão
dessa lei. O que se espera efetivamente
ao seu cumprimento?
A LEI Nº 8.213, DE 24 DE JULHO DE 1991
“lei de contratação de Deficientes nas Empresas. Lei 8213/91, lei de cotas para Deficientes e Pessoas com Deficiência dispõe sobre
os Planos de Benefícios da Previdência e dá
outras providências a contratação de portadores de necessidades especiais”.
Entendo que a criação dessa lei trata-se de um estímulo para uma mudança
cultural e comportamental. Apesar de ser
assegurado pela constituição federal de
1988, Art. 5º: Todos são iguais perante
a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos
estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à
igualdade, à segurança e à propriedade,
reconheço na prática profissional como
responsável pelo programa de inclusão e
integração de pessoas com deficiência no
mercado de trabalho da empresa Nepacc
e no contato direto com esses profissionais que isso não acontece.
Pessoas com deficiências tiveram,
ao longo da história, seus direitos desrespeitados, uma vez que a inclusão na
sociedade ainda é precária. Por muito
tempo, essas pessoas ficaram à margem
da sociedade, sem acesso a educação,
profissionalização, sem garantias do direito de ir e vir. E vivendo assim, fatalmente
foram banidos da atuação profissional,
fonte de renda que poderia permitir uma
melhora em suas condições de vida e
autonomia da mesma, sem que fosse
necessário um olhar assistencialista e
uma vida em situação de vulnerabilidade.
Toda legislação que vem fazer cum-
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 4 • Julho • Agosto de 2012
Janaina Foleis Fernandes *
45
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 5 • Setembro • OUtubro de 2012
46
prir um direito já previsto pela constituição federal, me parece tentar corrigir um
engano que provocou uma situação de desigualdade social, sendo assim, a lei de
cotas também cumpre esse papel, garantir que pessoas com deficiência tenham
a oportunidade de serem inseridas no
mercado de trabalho, profissionalizando-se, recebendo uma renda que será capaz
de inseri-los na sociedade como um todo.
Pelo fato dessas contratações acontecerem por força da lei, parece que desqualifica o profissional contratado e pode
dar margens a um pensamento equivocado de favor ou de caridade e isso certamente pode comprometer o desempenho
profissional deste, bem como dificultar as
relações interpessoais no ambiente de
trabalho e consequentemente prejudicar
o processo de fidelização do colaborador
com deficiência a essa empresa, aumentando neste caso o turnover.
Muitas fantasias relacionadas às
dificuldades e comportamentos diferenciados no trato com esses colaboradores,
são criadas nas relações profissionais
tanto entre os colegas de trabalho como
com a equipe de gestores responsáveis
pelo desenvolvimento profissional de
todos os funcionários de sua equipe, incluindo os colaboradores com deficiência.
Pessoas com deficiências podem
exercer qualquer atividade profissional,
considerando apenas as limitações da
deficiência que não são maiores que a
força das limitações de acessibilidade.
Sendo oferecido um espaço e recursos
adequados, além de estimulação e valorização, podem contribuir e contribuem de
forma positiva e construtiva na atuação
profissional.
É importante, contudo, compreender
as dificuldades encontradas pela empresa para garantir que essa inclusão
seja favorável ao negócio e as relações
de trabalho. É nesse ponto que entendo
que a lei de cotas serve para favorecer
uma mudança cultural, pois a empresa,
que até então não se deparava com essa
diversidade deverá agora se adequar,
modificar, para incluir.
O primeiro passo é de compreender
quem são as pessoas com deficiência,
o que são deficiências, pois a maior
barreira nesse processo é o preconceito
advindo da falta de informação sobre o
assunto.
Toda a empresa que deseja cumprir
a lei de cotas deve, antes de tudo buscar informações a respeito desse tema.
Entender por exemplo, que a dificuldade
de encontrar pessoas com deficiência
devidamente qualificadas para exercício
profissional se deve a uma cultura social
que não permitiu o acesso delas a essa
formação e que, portanto, não é garantia
de incompetência, mas simplesmente
falta de oportunidade e a empresa então,
que se prepara para receber esses profissionais deve entender que seu papel
de inclusão vai além da contratação, mas
também em oferecer oportunidades de
desenvolvimento profissional.
O segundo passo é sensibilizar toda a
equipe para receber esses profissionais,
configurando-se como um estágio fundamental para a inclusão. Essa sensibilização pode acontecer através de palestras
ou grupos de apoio coordenados por
profissionais ou empresas qualificadas e
com conhecimento do tema para auxiliar
e esclarecer todas as dúvidas e incertezas sobre essa questão. Uma empresa
que consegue estruturar não apenas a
A empresa Nepacc Serviços de Psicologia e Psicopedagogia Ltda. vem desenvolvendo esse serviço desde 2010, a
favor do desenvolvimento de uma cultura
inclusiva tanto organizacional como social. Entendemos que estar próximo das
empresas nesse momento é fundamental
para garantir a integração desses profissionais e aprimorar a atuação de todos
os colaboradores e gestores a favor de
uma cultura inclusiva.
Referências bibliográficas
A inclusão de pessoas com deficiência no mercado de trabalho. - 2 ed.
– Brasília: MTE, SIT, 2007.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição [da] Republica Federativa do Brasil.
Brasília, DF: Senado Federal.
BRASIL. LEI Nº 8.213, DE 24 DE
JULHO DE 1991, lei de contratação de
Deficientes nas Empresas [on line].
Brasília, DF: Senado Federal. Disponível
em: http://www.deficienteonline.com.br/
lei-8213-91-lei-decotas- para-deficientes-e-pessoas-com-deficiencia___77.html.
Acesso em: 13 maio 2012.
Autora:
* Janaina Foleis Fernandes, Psicóloga, CRP 06/83693 é sócia proprietária da NEPACC Serviços de Psicologia e Psicopedagogia Ltda., que está no mercado desde 2008 e tem como missão a inclusão social. Atua no mercado oferecendo
consultoria organizacional com foco no desenvolvimento humano.
Contatos: [email protected] / [email protected]
Site: www.nepacc.com.br/organizacional
Telefones: (11) 3807-6656 ou (11) 3467-1649
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 4 • Julho • Agosto de 2012
adequação do espaço físico e ofertas de
recursos de acessibilidade, mas também
preparar seus colaboradores certamente
apresentará menor dificuldade nesse processo, garantindo assim a inclusão e integração de pessoas com deficiência nas
relações profissionais de forma ampla e
diminuindo o turnover, e consequentemente gastos com processos de contratação e desligamento, característicos de
quando ocorre apenas a contratação sem
nenhum cuidado ou manejo adequado.
Devido à “adequação a lei de cotas”,
não faltam oportunidades de emprego
a esses profissionais, o que de certa
forma contribui para a alta rotatividade
considerando a falta de fidelização desse
colaborador com a companhia como um
todo. A empresa inclusiva deve oferecer
aos seus colaboradores com deficiência,
não apenas vagas, mas oportunidades de
crescimento, plano de carreira e desenvolvimento profissional. O programa de
inclusão tem como objetivo o desenvolvimento desse novo conceito na cultura
organizacional, aprimorando habilidades
sociais e interpessoais por parte de todos
os envolvidos no processo de inclusão,
sejam eles com ou sem deficiência.
47
reporta g em
I n s t i t u t o d e Tr a t a m e n t o d o C â n c e r I n f a n t i l
do Instituto da Criança
Atendimento humanizado é
destaque no ITACI
Por Leandra Migotto Certeza
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 5 • Setembro • Outubro de 2012
O atendimento de crianças com
doenças complexas, como o câncer,
exige muito mais do que conhecimento
acadêmico e recursos tecnológicos. São
pacientes fragilizados e familiares que
também sofrem os desgastes dessa situação. Para dar todo o apoio necessário
nesse momento delicado, o ICr – Instituto
da Criança, pauta todas as suas ações
no conceito da humanização, entendendo a criança como um ser integral, que
precisa de atendimento médico e, ao
mesmo tempo, apoio emocional, afeto e
solidariedade.
48
Essa visão holística do paciente motiva também um trabalho multidisciplinar,
com o envolvimento de profissionais das
diversas áreas e especialidades empenhados no objetivo comum de restabelecer a saúde da criança atendida.
O conceito de humanização também
inspirou a arquitetura do ICr. Seus prédios
e espaços internos foram projetados com
áreas amplas e iluminadas; e ambientes
coloridos e de adequada visualização,
para que as crianças se sintam acolhidas e familiarizadas dentro de todas as
unidades.
“A visão que o câncer infantil provoca em
todos que sobre ele refletem é plena de sentimentos díspares; para alguns, pode representar impotência diante do inexorável; para
outros, significa um grande desafio cientifico,
até inimaginável para um país com as características do nosso, explica Dr. Vicente Odoni
Filho, Coordenador Clínico do ITACI.
tadoras de doenças onco-hematológicas,
provenientes do SUS ou do sistema de
Saúde Suplementar. Só em 2011, foram
realizadas: 16.033 consultas médicas;
21.566 atendimentos multiprofissionais
(atendimentos SUS mais Convênios); 25
Transplantes de Medula Óssea, (sendo
13 autólogos e 12 alogênicos); e 4.467
Quimioterapias.
Hoje, o ITACI funciona com sua
capacidade total de leitos e atende a
3200 pacientes portadores de doenças
Onco-Hematológicas. São cerca de 1500
consultas, 550 quimioterapias e 1200
atendimentos da equipe multiprofissional, todos os meses.
A equipe multiprofissional do ITACI
é formada por psicólogos, assistentes
sociais, terapeutas ocupacionais, fisioterapeutas, nutricionistas, farmacêuticos,
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 5 • Setembro • Outubro de 2012
“Na verdade, estamos diante de uma
condição em que a maioria dos que são
afetados podem ser curados, mas ainda
com substancial número de insucessos;
tratamentos custosos e prolongados
são a regra, em geral com extrema sofisticação. Aí vem aquela que talvez, a
muitos, represente uma grande surpresa:
nosso país domina plenamente todos os
passos técnicos para que as melhores
chances de êxito sejam alcançadas no
tratamento do câncer infantil e contribui
de modo expressivo para a aquisição de
novos conhecimentos”, complementa Dr.
Vicente Odoni Filho.
Por isso, serviço de Onco-Hematologia do Instituto da Criança desempenha
hoje importante papel dentro do ICr nas
atividades assistenciais, de ensino e
de pesquisa em Oncologia Pediátrica e
Hematologia. Implantado na década de
70, desde 2002 esse Serviço ocupa um
edifício específico, o ITACI, construído
graças ao apoio da Fundação Criança e
da Ação Solidária Contra o Câncer Infantil.
Para oferecer um atendimento de excelência, o Serviço de Onco-Hematologia conta
com uma equipe altamente especializada
e dispõe dos mais odernos recursos tecnológicos para diagnóstico e tratamento.
O ITACI iniciou suas atividades com
a ativação de 12 consultórios médicos e
2 salas para procedimentos no ambulatório, além de 12 leitos de hospital/dia para
quimioterapia. Em 2003, iniciou o atendimento na área de internação, abrindo
6 dos 17 leitos instalados. Desde 2009
possui 2 leitos para realização de Transplantes de Medula Óssea Alogênicos.
As atividades de ensino, pesquisa e
assistência são desenvolvidas para crianças e adolescentes de 0 a 19 anos, por-
49
enfermeiros e auxiliares de enfermagem;
médicos especialistas; psicólogos; assistentes sociais; auxiliares de enfermagem;
equipe administrativa; equipe de apoio e
voluntários.
O Hospital é dividido em 3 andares
temáticos, com os elementos água (1º
andar), terra (2º andar), e ar (3º andar),
carinhosamente decorados de forma lúdica com o personagem Nino, o mascote
do ITACI, ambientando toda a estrutura
para acolher crianças e adolescentes,
pais e familiares.
Cirúrgico para pequenas cirurgias e 2
leitos de Recuperação pós Anestésica.
Nesta obra também foram contemplados
com ampla reforma: o Hospital Dia, com
ampliação para 20 box de quimioterapia,
bem como o Ambulatório, com 12 salas
de atendimento.
“O nosso maior desafio: estender a
todos os nossos irmãos e irmãs, em todas as áreas de nosso país, as chances
de usufruir desses grandes resultados.
A missão de todos nós, de fazer com
que as condições socioeconômicas não
sejam um obstáculo impossível de ser
transposto para alcançarmos o resultado
desejado. Missão de fazer com que um
ITACI esteja sempre ao alcance de uma
criança que dele necessite”, conclui o
Coordenador Clínico do ITACI.
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 5 • Setembro • Outubro de 2012
Principais atividades
desenvolvidas
50
Após 3 anos de Reforma e Ampliação, com um investimento de
R$10.200.000,00 pela SES e gestão da
obra pela Fundação Faculdade de Medicina, serão inaugurados no 1º semestre de
2013: 7 leitos de UTI; 6 leitos de Semi
Intensiva; 6 leitos destinados a Transplantes de Medula Alogênicos; 1 Centro
Mascote do ITACI
O ITACI desenvolve ao longo do ano
uma série de projetos de humanização,
voltados aos pacientes, pais, acompanhantes e funcionários. Para pacientes e
familiares: Dia das Crianças e Festa de
Também são desenvolvidas outras atividades para pacientes, pais e
familiares, através de voluntários capacitados, como oficinas de vagonite,
bijuteria, ponto cruz, fuxico, patchwork,
dobraduras e origami; recreação com
pintura de desenhos, recorte e colagem;
jogos e brinquedos; passatempos, gibis
e revistas; pintura artística em unhas e
manicure; Sessão Pipoca: exibição de
filmes acompanhada de pipoca e suco de
frutas; e Hora do Lanche com educação
nutricional e capacitação para elaboração
de lanches.
As atividades desenvolvidas por
voluntários são essenciais para o entretenimento de pais e familiares que
necessitam passar longos períodos no
ITACI, enquanto os pacientes recebem
o tratamento. Para ser voluntário, envie
um e-mail para [email protected].
br colocando seu nome, idade, endereço,
telefones, profissão ou ocupação e motivo pelo qual quer ser voluntário.
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 5 • Setembro • Outubro de 2012
Natal. Para profissionais, corpo clínico e
administrativo: almoço de final de ano
com sorteio de brindes
Os principais projetos de Humanização são:
• Capelania Evangélica Hospitalar:
projeto de atendimento recreativo e
espiritual
• Doutores da Alegria: a arte do palhaço
resgatando o lado saudável da criança
• Grupo Harpia: projeto de recreação
com pintura lúdica e escultura de
bexigas
• Padaria Artesanal: educação nutricional e capacitação para elaboração de
pães
• Projeto Biblioteca Viva em Hospitais:
mediação de leitura
• Projeto Carmim: educação artística
• Projeto Pet Smile: terapia mediada
por animais
• Sessão Pipoca: exibição de filmes
acompanhada de pipoca e suco de
frutas
• Hora do Lanche: educação nutricional
e capacitação para elaboração de
lanches
• Instituto Presbiteriano Mackenzie: atividades com música e instrumentos
musicais
51
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 5 • Setembro • Outubro de 2012
52
*Leandra Migotto Certeza é
jornalista e repórter especial
da Revista Síndromes. Ela tem
deficiência física (Osteogenesis Inperfecta), é assessora
de imprensa da ABSW, e consultora em inclusão e mantém
o blog “Caleidoscópio – Uma
janela para refletir sobre a diversidade da vida” - http://
leandramigottocerteza.blogspot.com/. Conheçam os
modelos de palestras, oficinas, cursos e treinamentos
sobre diversidade, realizados em empresas, escolas,
ONGs, centros culturais e grupos de pessoas no site:
https://sites.google.com/site/leandramigotto/
revista multidisciplinar de desenvolvimento humano
Síndromes
Setembro • Outubro de 2012 • Ano 2 • Nº 5
Curso Autismo
Módulo V
Alessandra Freitas
Carolina Rabello Padovani
Cristina Maria Pozzi
Francisco B. Assumpção Jr.
Marina Lemos
Melanie Mendoza
Milena Rossetti
13 anos
www.atlanticaeditora.com.br
…
cur s o A ut i s mo - m ó dulo V
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 5 • Setembro • Outubro de 2012
Abordagens terapêuticas para os
transtornos do espectro autista Farmacoterapia
54
Não há cura conhecida para o autismo. O vasto conjunto de intervenções
oferecidas como tratamento do autismo
não evidenciam, em estudos controlados de longo prazo, alterações nos
déficits centrais de comunicação social.
Há consenso hoje de que intervenções
educacionais precoces, orientadas
de modo comportamental, junto com
uma série de terapias reabilitadoras
suplementares, são os tratamentos
mais eficazes desenvolvidos até o
momento. O manejo do autismo requer
uma intervenção multidisciplinar. Essa
abordagem prevê técnicas de mudanças de comportamento, programas
educacionais ou de trabalho, terapias
de linguagem / comunicação, sendo
essencial o trabalho com psicólogos ou
educadores bem treinados em análise
comportamental funcional e em técnicas de mudança de comportamento.
A intervenção farmacológica consiste
em terapia auxiliar que pode minorar
comportamentos específicos e, se bem
sucedida, capacitar a criança a participar dos ambientes familiar a escolar e
a beneficiar-se disso. A compreensão e
o tratamento de crianças com autismo
mudaram de forma dramática desde a
descrição de Leo Kanner, em 1943, no
entanto, ainda permanecem lacunas
significativas sobre a fisiopatologia dos
Transtornos do Espectro Autista (TEA)
que limitam a possibilidade de desenvolver intervenções mais efetivas para
a criança com autismo. A escolha da
intervenção deve-se basear em evidências que documentam a prevalência da
eficácia e dos benefícios em relação
aos riscos potenciais.
O melhor tipo de intervenção para
os TEA tem como base os seguintes
objetivos, que costumam ser tratados
em conjunto: (1) auxiliar os indivíduos
com o transtorno a adquirir habilidades
funcionais e a concretizar seu potencial
adequado; e (2) reduzir a rede de comportamentos mal adaptativos que podem
interferir no funcionamento adaptativo.
Este manejo prevê:
• Intervenções comportamentais e educacionais (com a família, a criança /
adolescente e a escola):
• Estratégias para promover a aquisição
de habilidades
• Intervenções baseadas em estratégias
do desenvolvimento
Terapias ocupacional, da fala, da
linguagem e da habilidade social.
Farmacoterapia
É importante salientar que,
a abordagem farmacológica, não
substitui de forma alguma a abordagem
…
• Oscilação do humor / instabilidade
afetiva
• Inadequação social
Transtornos do sono
A decisão de medicar ou não esses
sintomas dependerá do impacto destes
na vida da criança ou do adolescente.
Para ser utilizada de forma racional, a
terapia medicamentosa deverá contemplar algumas características: iniciar com
a dose mínima eficaz, garantir o tempo
adequado de tentativa de uso (2 a 8
semanas para neurolépticos, antiepilépticos, inibidores seletivos de recaptação
de serotonina e noradrenalina), avaliar
respostas típicas e monitorar efeitos colaterais, garantir o diagnóstico apropriado
do transtorno e comorbidades, avaliar se
foram escolhidos os alvos terapêuticos
adequados, maximizar intervenções não
farmacológicas, evitar a polifarmacoterapia, revisar periodicamente o regime.
O uso de medicamentos em transtornos do desenvolvimento como o autismo
é um grande desafio. O problema maior
são os potenciais efeitos colaterais. É
inapropriado prescrever medicamentos
para controlar certos comportamentos
difíceis, sem a exploração suficiente
das causas subjacentes tratáveis ou de
cursos não farmacológicos alternativos
para o tratamento.
As principais categorias medicamentosas utilizadas no tratamento dos
sintomas-alvo dos TEA são:
• NEUROLÉPTICOS / ANTIPSICÓTICOS
Esse grupo de medicamentos sempre
desempenhou um papel proeminente
no tratamento de incapacidades do
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 5 • Setembro • Outubro de 2012
multidisciplinar, descrita em outros
capítulos. Deve ser considerada como
tratamento complementar não como
panacéia ou curativa. Embora não sendo
específica, a terapia farmacológica pode
muito ser benéfica nos quadros do espectro autista. Essa indicação deve ser
avaliada e prescrita pelo médico especialista e deve ser considerada quando o
comportamento apresenta algum perigo
evidente para a própria criança ou para
outras pessoas ou, então, quando interfere de modo significativo na habilidade
de aprender ou de socializar-se.
Além dos déficits sociais e cognitivos
específicos do transtorno, os problemas
de comportamento são uma grande preocupação, já que representam as dificuldades que mais frequentemente interferem
na integração de crianças autistas dentro
da família e da escola, e de adolescentes
e adultos na comunidade. Neste contexto,
os medicamentos serão úteis no controle
de alguns sintomas do TEA, chamados
sintomas-alvo e de comorbidades como
a Epilepsia. É preciso confirmar se há
sintomas-alvo identificáveis e possivelmente, responsivos ao medicamento e se
as outras intervenções comportamentais
falharam.
Os alvos comportamentais que podem requerer uma abordagem farmacológica são:
• Agressividade / explosividade
• Comportamentos auto agressivos
• Desatenção
• Hiperatividade / impulsividade
• Estereotipias
• Depressão
• Ansiedade
• Transtorno Obsessivo Compulsivo /
perseverações
55
…
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 5 • Setembro • Outubro de 2012
56
desenvolvimento, em especial de comportamentos aberrantes como agressão,
autoagressão, surtos explosivos, agitação, oscilação de humor e impulsividade
/ hiperatividade. Tanto os neurolépticos
tradicionais quanto a nova geração de
atípicos possuem como capacidades
farmacológicas a modulação da atividade
da dopamina, e essas mesmas propriedades são as responsáveis pelos efeitos
colaterais indesejáveis.
O haloperidol é o exemplo clássico
da geração mais antiga de neurolépticos
utilizados no autismo. Estudos clínicos
sugerem que ele pode minorar sintomas
como irritabilidade, hiperatividade, oscilação de humor, estereotipias e prejuízos
no desempenho de tarefas cognitivas.
Outros neurolépticos tradicionais como
pimozida e tioridazina são registrados
como úteis no controle e redução de
estereotipias e comportamentos mal
adaptativos.
Os neurolépticos atípicos são um
grupo de fármacos originalmente desenvolvidos para tratar psicose. O grupo inclui
compostos que foram introduzidos no
mercado nos últimos anos como alternativas mais seguras e mais bem toleradas
do que os antipsicóticos “típicos” existentes. Os medicamentos nesse grupo
incluem a clozapina, risperidona, olanzapina, quetiapina, ziprazidona e aripiprazol.
Esses medicamentos são utilizados amplamente no autismo e outros transtornos
invasivos do desenvolvimento, para tratar
graves comportamentos mal adaptativos
e substituíram em grande parte os antipsicóticos tradicionais (típicos), como o
haloperidol e a clorpromazina.
A risperidona é, dentre os neurolépticos atípicos, o fármaco melhor pesqui-
sado para uso nos TEA. Estudos diversos
registraram eficácia contra acessos de
raiva, agressão, irritabilidade e comportamentos auto agressivos, com boa
tolerância.
Apesar dos benefícios documentados
dos neurolépticos para crianças e adultos
com TEA, ênfase deve ser dada no seu
uso limitado pelos perfis desfavoráveis
dos efeitos colaterais (movimentos involuntários, reações distônicas, discinesias,
síndrome neuroléptica maligna, sedação,
ganho de peso, alteração do perfil lipídico,
indução de estado diabético, hepatotoxicidade, redução da densidade óssea,
prolongamento do intervalo QT, indução
de arritmias, entre outros). Para crianças
que necessitam neurolépticos típicos/
atípicos, a decisão deve ser condicionada por indicações específicas, o objetivo
deve ser o uso focado por curto período. A
observação e o monitoramento estrito dos
efeitos colaterais devem ser apropriados,
com reavaliações periódicas e críticas da
necessidade de prolongar o uso.
• ANTIEPILÉPTICOS
O papel das drogas antiepilépticas
(DAEs) no tratamento de convulsões no
TEA está bem estabelecido e costuma ser
direto. A epilepsia, quando presente, deve
ser tratada da mesma forma que quando
aparece sem o TEA, porém, às vezes
pode-se escolher a medicação visando
melhorar outros sintomas ou realizar
associações que ajudem em vários aspectos do quadro, para introduzir o mínimo
possível de medicamentos. A epilepsia
ocorre entre 10 e 40% dos indivíduos
com TEA. Essa grande variabilidade na
prevalência se deve às diferenças entre
as populações estudadas e quanto às
…
rigoroso, lembrando sobre seus efeitos
teratogênicos, hepatotóxicos, pancreatite, anemia, agranulocitose, erupções
cutâneas, reação de Stevens-Johnson,
tontura, dor ocular, visão turva, ataxia,
alopecia, ganho ou perda de peso, distúrbios gastrintestinais.
• SEROTONINÉRGICOS
Evidências de síntese anormal de
serotonina no cérebro de pacientes com
TEA fornecem a base teórica para o uso
dos inibidores de recaptação de serotonina (IRS) nesse quadro. Trabalhos
sugerem que os IRSs, tanto os seletivos (fluoxetina, sertralina, paroxetina,
fluvoxamina) quanto os não-seletivos
(imipramina, clomipramina, desipramina)
podem ser úteis no tratamento de comportamentos intrusivos, sobretudo os
repetitivos, bem como, podem melhorar,
inclusive aspectos do relacionamento
social, possivelmente através de mecanismos ansiolíticos.
Em geral, os IRSs são bem tolerados
em crianças. A preocupação com efeitos
adversos recorre sobre as alterações
eletrocardiográficas (QT prolongado), taquicardia, sedação, transtornos do sono
e mudanças comportamentais negativas,
além de relatos de ideação suicida em
adolescentes.
• AGONISTA ALFA-2-ADRENÉRGICO
A clonidina parece ser útil no tratamento de hiperatividade, impulsividade
e comportamento agressivo, embora
poucos estudos tenham sido feitos para
confirmar esta impressão clínica. Seu
uso deve ser cauteloso devido efeitos
colaterais cardiovasculares indesejáveis.
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 5 • Setembro • Outubro de 2012
patologias associadas. Alguns estudos
sugerem uma distribuição bimodal quanto
ao risco de epilepsia em crianças com autismo: um pico de incidência no primeiro
ano de vida e outro na adolescência, em
torno dos 17-18 anos. Este segundo pico
parece estar associado com a gravidade
do déficit cognitivo.
Para o controle de aspectos comportamentais em crianças com TEA que
não apresentam convulsões clínicas, o
papel das DAEs é controverso. Não está
claro se as anormalidades identificáveis
na linha de base do eletroencefalograma
(EEG) podem prever a responsividade
comportamental as DAEs. Além disso,
pode ser difícil analisar se é através da
supressão das convulsões clínicas ou
da atividade subclínica das espículas
que as DAEs afetam o comportamento.
E para complicar um pouco mais, o
melhor controle das convulsões ou a
melhor supressão das espículas pode
estar associada a psicose ou a piora
dos comportamentos.
Por outro lado, além dos efeitos
antiepilépticos, as DAEs têm potenciais
benefícios como estabilizadores do humor
e, nesse aspecto, exercem um efeito
positivo sobre certos comportamentos,
independentemente de seus efeitos
sobre as convulsões ou atividade epileptiforme. Acredita-se que este efeito sobre
a regulação do humor esteja relacionado
ao controle da excitação neuronal e à modulação da atividade neurotransmissora.
O ácido valpróico e divalproato têm
sido utilizados no controle de agitação,
agressão, explosões de irritação e comportamentos repetitivos.
Da mesma forma, o monitoramento
sobre os efeitos colaterais aqui deve ser
57
…
• BLOQUEADORES DOS RECEPTORES
BETA-ADRENÉRGICOS
O uso de beta bloqueadores, como
o propranolol, responsáveis pela diminuição da neurotransmissão noradrenérgica,
vem apresentando bons resultados na
redução de auto e hetero agressividade
em pacientes com TEA.
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 5 • Setembro • Outubro de 2012
• PSICOESTIMULANTES
As medicações estimulantes (metilfenidato, d-anfetamina, e d,l-anfetamina)
têm sua indicação bem estabelecida para
o transtorno de déficit de atenção com
hiperatividade (TDAH) em crianças com
desenvolvimento normal.
O metilfenidato é o psicoestimulante
mais utilizado no Brasil. Os estudos são
controversos em relação ao seu efeito
nos pacientes com TEA. Alguns autores
descrevem a possibilidade de seu uso em
autistas de alto funcionamento.
58
• ANTAGONISTA OPIÓIDE
A utilização clínica da naltrexona há
vários anos, no tratamento da dependência aos opióides e, posteriormente, no
alcoolismo, tem proporcionado reflexões
interessantes sobre o papel dos opióides
endógenos em alguns comportamentos
compulsivos, especialmente na auto
agressividade repetitiva e compulsiva.
Porém os estudos com essa droga evidenciam resultados contraditórios nos TEAs.
Alguns observaram melhora importante
dos comportamentos auto e hetero agressivos, da hiperatividade e estereotipias,
enquanto outros autores não observaram
efeitos positivos com seu uso.
• OUTROS MEDICAMENTOS
Casos únicos têm sido relatados
sobre o uso de carbonato de lítio no tratamento de agressão refratária em adultos
com autismo.
Outros tratamentos propostos incluem a administração de secretina,
vitaminas B6 e B12 e dietas isentas de
glúten ou caseína, porém sem comprovação consistente de efeitos positivos.
Tem sido relatado que piridoxina (vitamina
B6) e magnésio poderiam aumentar o
nível de alerta e reduzir comportamentos
automutilantes.
Estima-se que um terço dos autistas
recebe alguma droga psicotrópica ou alguma vitamina para o autismo propriamente
dito ou para os transtornos comportamentais associados.
Um número significativo de autistas
tem problemas relacionados com o sono,
mas há poucos estudos sobre distúrbios
do sono em autismo e sua relação com
os distúrbios comportamentais observados nos TEA ainda requer mais estudos.
A utilização da melatonina pode ser uma
boa indicação nesta situação.
• CONSIDERAÇÔES
Com frequência, crianças com TEAs
manifestam comportamentos difíceis que
interferem nas intervenções terapêuticas
e educacionais e têm impacto sobre a
vida da criança. Os determinantes do
comportamento aberrante surgem de
mecanismos de base biológica, aprendizado/condicionamento, confusões emocionais e habilidade cognitiva (Fig.1). Para
decidir sobre a abordagem apropriada é
importante definir o comportamento mal
adaptativo de forma operacional, quantificar sua ocorrência, determinar o grau de
prejuízo causado e analisar antecedentes
identificáveis.
Síndromes
Novembro • Dezembro de 2012 • Ano 2 • Nº 6
revista multidisciplinar do desenvolvimento humano
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Transtornos do Aprendizado Escolar
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Entrevistado: Antônio Eugênio Cunha
Jornalista responsável: Leandra
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24
30
34
desenvolvimento
40
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artigo do leitor
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Direção de arte
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EDITORIAL
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A Formação do Indivíduo
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reabilitação
A Família e a Criança Deficiente
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inclusão
Casamento e Deficiência Mental
Francisco B. Assumpção Jr.
de mãe, pra mãe
A importância de estimular quem tem
dificuldades de aprendizagem
Por Marisa Aparecida Gimenes da Cunha
de Andrade*
Edição de texto: Leandra Migotto Certeza**
O importante é dar o primeiro passo
Francelene Rodrigues
Entrevistadora: Leandra Migotto Certeza
reportagem
CRIA - Centro de Referência da Infância e Adolescência desenvolve pesquisa e assistência
em saúde mental
Por Leandra Migotto Certeza
Curso Autismo
Módulo VI
A revista Síndromes é uma publicação bimestral da Atlântica Editora ltda. em parceria com Editora Robles - Ismael Robles Jr.
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editorial
Dr. Francisco Assumpção Junior
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 6 • Novembro • Dezembro de 2012
Chegamos ao décimo número desta
revista.
Isto significa muito, uma vez que é
uma publicação destinada a um público
segmentado, e dedicada a uma parcela
da população que vem sendo, sistematicamente, negligenciada e mal cuidada
pelo poder público.
A despeito dos discursos pomposos
e “politicamente corretos” que pregam
igualdade e direitos, a realidade com a
qual convivemos cotidianamente é exatamente oposta predominando a carência, o
descaso, a negligência e a omissão sempre mascaradas pelo hipócrita discurso
da inexistência de diferenças.
Ao contrário, pensamos que admitir
as diferenças é o primeiro passo para que
as aceitemos; pois um mundo de iguais
é intolerante com o diferente. Assim, o
primeiro passo é identificá-las (ou, se
quisermos ser incorretos”, diagnosticá-las) para que, num segundo momento,
possamos fornecer sistemas de cuidados
e suportes adequados para que possam
viver com maior dignidade e qualidade.
2
“Não basta somente acolher.
Precisamos conhecer e cuidar.”
O momento histórico no qual vivemos
demanda mais do que simplesmente “ser
afetivo”. Ele demanda afeto sim, porém
ele demanda cuidados, proteção, siste-
mas de suporte e tratamento em todos
os níveis, médico, psicológico, social,
familiar, funcional, pedagógico, enfim, todas as possibilidades que a modernidade
(e pós modernidade inclusive) trouxeram
ao mundo.
Isso é muito mais do que falar aos
professores que “com criatividade” os
problemas serão resolvidos.
Claro que a criatividade e a boa vontade são importantes mas é indispensável
o conhecimento técnico. São indispensáveis os recursos materiais e, fundamental
ainda são os modelos populacionais que
devem permitir que esse conhecimento
técnico seja usufruído e desfrutado por
todos os que dele necessitam e não
somente por aqueles que por possuírem
melhores condições econômicas tem
acesso a ele.
Enfim, este décimo número representa uma vitória.
Vitória sobre a negligência, sobre
o obscurantismo, sobre as idéias reacionárias travestidas no ”politicamente
correto”.
Esperamos que o projeto continue e
que outras vozes se levantem, de formas
diferentes para que uma nova possibilidade seja viável.
Boa leitura!
Francisco B. Assumpção Jr.
Francisco B. Assumpção Jr.
artigo do m ê s
Transtornos do Aprendizado
Escolar
“Física e mentalmente, cada um de nós é
único. Qualquer cultura que, no interesse da
eficiência ou em nome de qualquer dogma
político ou religioso, procura estandartizar o
indivíduo humano, comete um ultraje contra a
natureza biológica do homem.”I
A alteração crítica e essencial do
processo evolutivo humano que desencadeou sua revolução “copérnica” (pelo
deslocamento de sua posição e valência
dentro da hierarquia gravitacional da
esfera etológica) foi o desenvolvimento
de estruturas cerebrais que passaram a
lhe permitir rapidamente processar todo
tipo de informações, passando o Homem
a ser capaz de resolver todo tipo de problema (independente de sua presença)
manipulando símbolos mentalmente, de
forma tal que a velocidade deste processamento passou a ser o principal fator
implicado na sua eficácia adaptativa e
de sobrevivência.
No entanto, paga-se um alto preço
por este salto. As características que
lhe proporcionaram esta fantástica maleabilidade e (consequente) adaptabilidade geraram tamanha complexidade
que, após o nascimento, durante muitos
anos o filhote humano é obrigado a viver
sob proteção, uma vez que grande é sua
I
Huxley A. Regresso ao admirável mundo novo.
Belo Horizonte: Editora Itatiaia, 2000.
dependência, bem como extrema a sua
fragilidade. É maior a sua vulnerabilidade quanto mais jovem se apresenta.
Entretanto, esse “animal” conseguiu se
adaptar ao meio ambiente biológico e,
como animal gregário e social, passa a
se agrupar em bandos cada vez maiores.
A adaptação, que inicialmente era biológica, passa cada vez mais a ser social.
Considerando a seguir alguns aspectos básicos:
• todas as espécies animais são mutáveis, o que caracteriza uma teoria
básica da evolução;
• todos os organismos descendem de
um ancestral comum, definindo-se
uma teoria de evolução ramificada;
• a evolução é gradual, sem grandes
saltos ou descontinuidades;
• as espécies tendem a se multiplicar,
origem daquilo que denominamos
diversidade;
• finalmente, os indivíduos de uma espécie estão sempre sujeitos à seleção
natural.
De acordo com estes aspectos (referentes a uma construção teórica evolucionista), temos de admitir que:
as populações são tão fecundas que
tendem a aumentar exponencialmente,
na ausência de restrições. Entretanto,
na maioria das espécies, essas restrições se encontram presentes, na forma
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 6 • Novembro • Dezembro de 2012
Francisco Baptista Assumpção Júnior
Evelyn Kuczynski
3
de ausência ou diminuição do aporte
de alimentos, aumento do número de
predadores, ou de doenças. Temos que
reconhecer que, na espécie humana,
estes fatores limitantes foram, grosso
modo, gradualmente minimizados;
o tamanho de uma população, exceto
por flutuações sazonais, tende a permanecer estável, ocasionando uma estabilidade a longo prazo. Com o controle dos
fatores acima discriminados, a espécie
humana tendeu a aumentar o número
de seus elementos de forma intensa e,
assim, considerando-se que
os recursos disponíveis para uma
espécie (e a espécie humana não é imune
a esta máxima) são sempre limitados,
podemos deduzir que
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 6 • Novembro • Dezembro de 2012
...existe uma extrema competição na forma
de luta pela sobrevivência, entre os membros
de uma mesma espécie, mesmo que essa
espécie tenha características tão marcantes
como a humana...
(apud DARWIN, 2004)
4
Assim, conclui-se que não existem
dois indivíduos iguais em uma população!
Chegamos a uma nova dedução, que
podemos expressar dizendo que
...não existem dois indivíduos em uma mesma
população que tenham as mesmas probabilidades de sobrevivência, o que caracteriza o
próprio processo de seleção.
(apud DARWIN, 2004)
Qualquer comportamento que implique numa vantagem evolutiva é reforçado
pela própria seleção de determinantes
genéticos de tal comportamento, o me-
lhor denominado “efeito Baldwin”. Certos
indivíduos tem vantagens em virtude da
presença de características distintas
em relação a outros do mesmo sexo e
espécie, refletidas no que diz respeito a
reprodução (e ao consequente processo
de seleção). Tais características dependem de vários fatores que (por analogia
a outras espécies) estão relacionadas
à conquista e manutenção de melhores
territórios (leia-se com mais recursos
alimentares), cuidado com a prole, interações com a família e a população,
entre outros.
Contudo, a espécie humana é sujeita
a uma extrema vulnerabilidade, decorrente da imaturidade apresentada ao nascimento (e dada a sua intensa plasticidade). Para que possa alterar seu ambiente
(e ser por ele alterado), o ser humano
nasce incompleto e é deveras frágil. No
que diz respeito ao comportamento pós-natal, o filhote humano só pode contar
com as informações contidas em seu
ácido desoxirribonucleico (ADN), informações estas bastante restritas, dada a sua
especificidade, e que lhe proporcionam
poucas possibilidades adaptativas. É só
lembrar quanto tempo após nascerem os
filhotes de outros mamíferos são considerados adultos e aptos a sobreviver sem
proteção, a lutar por sua sobrevivência,
a produzir prole (um cão ou um gato, a
partir dos 12 meses de vida...).
O que um filhote aprende em sua
curta vida é limitado e só se transmite
a prole naquelas espécies em que pais
mantem contato prolongado com os filhotes, como usualmente se processa (ou
se processava?...) na espécie humana.
Essas informações seriam passadas
transgeneracionalmente, de forma que
Muitos são os conceitos de transtorno de aprendizagem que podem ser pinçados da literatura. Vamos nos ater aos
que consideramos mais interessantes
no processo de compreensão do fenômeno, apresentados abaixo, em ordem
cronológica.
“Dificuldade de aprendizagem refere-se a um
retardamento, transtorno, ou desenvolvimento
lento em um ou mais processos da fala, linguagem, leitura, escrita, aritmética ou outras
áreas escolares, resultantes de um handicap
(incapacidade) causado por uma possível
disfunção cerebral e/ou alteração emocional
ou de conduta.”
(KIRK, 1963)
“...manifestam discrepância educativa significativa entre seu potencial intelectual estimado e o nível de execução relacionado com os
processos básicos de aprendizagem, que podem ou não vir acompanhados por disfunções
demonstráveis do Sistema Nervoso Central
e que não são secundárias a retardo mental,
privação cultural ou educativa, alteração emocional ou perda sensorial.”
(BATEMAN, 1965)
“...aquela com habilidade mental, processos
sensoriais e estabilidade emocional adequados, que apresenta déficits específicos nos
processos perceptivos, integrativos ou expressivos os quais alteram a eficiência da aprendizagem. Isso inclui crianças com disfunção do
Sistema Nervoso Central que se expressam
primariamente com deficiência.”
(SIEGEL; GOLD, 1982)
“...centram-se em dificuldades nos processos
implicados na linguagem e nos rendimentos
acadêmicos independentemente da idade das
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 6 • Novembro • Dezembro de 2012
a herança genética se acrescenta tudo
aquilo que se aprende na convivência
com os pais. Em função do desenvolvimento da linguagem, essa transmissão
de informações é sofisticada na espécie
humana, estabelecendo a variabilidade
cultural. Além disso, a transmissão de
informações se processa através do tempo, de forma a somar o conhecimento,
criticando-o e modificando-o.
A medida que os grupos humanos se
tornam mais complexos e sofisticados,
a questão da transmissão de conhecimentos (formais e informais) passa
a ser de fundamental importância no
processo adaptativo, o que leva a que,
atualmente, crianças e adolescentes
passem grande parte de seu tempo em
uma situação de aprendizado formal (que
caracteriza o processo de escolarização).
Entretanto, adaptada às exigências do
ambiente, e considerando-se as características adaptativas que descrevemos
acima (e que são aplicáveis a qualquer
grupamento de indivíduos), a exigência
do ensino formal vai colocar parte das
crianças na situação frequentemente
denominada “fracasso escolar”, uma
vez que apresentam dificuldades para
ler, escrever e/ou calcular, mesmo sem
comprometimento de suas capacidades
intelectuais e/ou sociais.
Como a espécie humana apresenta,
entre outras características, um padrão
de conduta antisseletivo, a preocupação
com estas dificuldades existe. Assim,
quando essas dificuldades persistem
(apesar do emprego de recursos didáticos e de um meio apoiador, o que nem
sempre é garantido a estas crianças...),
somos levados a diagnosticar um “Transtorno de Aprendizagem”.
5
pessoas e cuja causa seria uma disfunção
cerebral ou uma alteração emocional ou de
conduta.”
(SILVER, 1988)
“...grupo heterogêneo de transtornos que se
manifestam por dificuldades significativas
na aquisição e uso de escuta, fala, leitura,
escrita, raciocínio ou habilidades matemáticas. São intrínsecos ao indivíduo, supondo-se
à disfunção do Sistema Nervoso Central e
podem ocorrer ao longo do ciclo vital.”
(GARCIA, 1998)
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 6 • Novembro • Dezembro de 2012
“...funcionamento acadêmico substancialmente abaixo do esperado, tendo em vista a idade
cronológica, medidas de inteligência e educação apropriadas à idade.”
(ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAÚDE, 1993)
6
Podemos observar que os conceitos foram evoluindo de forma ampla,
embora relacionada, paulatina e marcadamente, a disfunções no aparato
neurobiológico, avaliados comparativamente à faixa etária e às oportunidades educacionais, desvinculados de
alterações ligadas especificamente aos
conceitos de inteligência global. Entretanto, duas perspectivas de abordagem
do fenômeno continuam a ter um grande
peso. Uma criança com dificuldades na
escola é uma criança desviante (ou doente), ou a estrutura escolar (inadequada à criança) seria a responsável pelas
dificuldades apresentadas. Ambas as
visões nos parecem lineares e reducionistas. Considerando os conceitos
apresentados anteriormente, temos a
ideia de que Transtorno de Aprendizado
limita-se somente à questão das dificuldades da criança enquanto conjunto
de déficits operacionais que dificultam
o processo adaptativo, naquilo que se
exige para um indivíduo no que se refere
a sua sobrevivência em um ambiente
complexo e sofisticado (como anteriormente descrito).
Assim sendo, deveríamos observar,
no processo referente à sua avaliação,
um algoritmo como o que segue (Figura
1):
Figura 1 - Rastreamento dos problemas
escolares na infância.
meio educacional
adequado
inadequado
oportunidade
educacional
adequada
inadequada
programas
compensatórios
funcionamento
sensorial
adequado
inadequado
funcionamento
cognitivo
sistemas de
suporte
inadequado
adequado
sistemas
funcionamento
educacionais
neuropsiquiátrico e
de suporte
neuropsicológico
(educação especial?)
Os eventuais problemas escolares
são avaliados a partir da verificação
da adequação (ou não) da instituição
escolar à criança considerada e, a partir
de então, estabelecem-se estratégias
diagnósticas, sempre da mais simples
a caminho da mais complexa. Somente
a partir desse rastreamento é que se
pode considerar a questão Transtorno de
Aprendizado. Concomitantemente, há que
ser lembrado de que todo o processo de
sociedade a fez se desenvolver como outro aspecto da indústria de produção de
bens, que se preocupa muito pouco com
as especificidades de populações restritas, procurando simplesmente suprir uma
demanda populacional e (principalmente)
de consumo das populações envolvidas.
Nossa escola frequentemente não respeita os ritmos próprios da criança, uma
vez que sua preocupação é mais com a
demanda social (na maior parte das vezes
com a preocupação de uma aparência
politicamente correta) e familiar (de pais
que querem um filho “vencedor”, mais do
que “educado”).
Agrupando sempre um grande número de crianças por classe, despreocupa-se
com a motivação e evolução do professor.
Também os modelos de progressão escolar são (frequentemente) manipulados
para que, estatisticamente, resultados
mais alentadores sejam apresentados
com objetivos políticos e ideológicos,
posto que a escola se configura como um
dos mais efetivos aparelhos ideológicos
do Estado (parafraseando alguns autores
clássicos, como Althusser). Assim, seus
objetivos e a competência daqueles
que nela ensinam são frequentemente
desconsiderados, ou, simplesmente,
“maquiados”.
A terapêutica dos Transtornos de
Aprendizagem é pouco influenciada pela
utilização de drogas devendo, na maior
parte das vezes, se implementar através
de abordagens ambientais ou do treino
de habilidades específicas. A estratégia
de atendimento à criança é sempre representada por uma sequência, a partir da
estruturação do diagnóstico:
1. Terapia farmacológica dirigida, com
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 6 • Novembro • Dezembro de 2012
aprendizado é extremamente complexo,
sendo dependente da própria criança,
que precisa apresentar a possibilidade de
aprender. Assim, é essencial um exame
cuidadoso de suas capacidades físicas,
cognitivas, sensoriais e psíquicas, ou
seja, todo o seu equipamento neuropsicológico. Sempre sem deixar de observar
seu desejo de aprender, que possui uma
origem individual, que se manifesta pelo
próprio prazer em aprender e que tem
uma base familiar, através de estímulo
parental (no próprio hábito de leitura...),
e uma base social, através da valorização
social do conhecimento (dificultada em
nosso meio, uma vez que hoje o dinheiro,
enquanto meio mais marcante de reforço,
não é necessariamente consequência do
processo de conhecimento ou de aprendizado).
Devemos ainda considerar que o
processo de motivação evolui com a
idade, passando de exterior à interior.
Assim, o processo que numa criança
menor vem dos pais que a estimulam
(muitas vezes o motivo de estudo da
criança), deve passar (no adolescente)
a ser de moto próprio, dependente de
um projeto existencial, e dos valores
que irão caracterizar sua existência. Por
outro lado, dinâmicas familiares que
permitem o afastamento da criança da
escola, bem como um nível cultural mais
distante dos professores, assim como
um padrão de trocas linguísticas ou uma
motivação familiar com hipo- (descaso)
ou hiperinvestimento (expectativa muito
elevada), pode ser motivo de problemas
escolares.
A questão referente à nossa escola
também é de suma importância, uma
vez que o processo capitalista de nossa
7
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 6 • Novembro • Dezembro de 2012
8
prescrição de droga específica, de forma clara e direta (utilizável em muito
poucos casos em Psiquiatria Infantil);
2. Terapia farmacológica primária, associada a psicoterapia e/ou programas
de reabilitação (o TDAH talvez possa
ser considerado o principal transtorno passível de ser abordado dessa
forma);
3. Psicoterapia e/ou programas de reabilitação primariamente associados à
terapia farmacológica (os Transtornos
Específicos são paradigmáticos desta
proposta). Teríamos, para a sua abordagem, a necessidade de:
• organização do ambiente escolar:
de fundamental importância quando
consideramos a tendência atual de
inclusão de crianças com dificuldades em ambientes sem qualquer
adaptação;
• organização das atividades em classe,
também de fundamental importância
se consideramos que nossas escolas
tem pequena organização, com professores habitualmente desmotivados e
pouco preparados;
• organização das atividades em casa,
uma vez que a abordagem da discalculia (uma reeducação psicomotora
centrada na organização do esquema
corporal e na abordagem dos transtornos de aprendizado) prevê uma abordagem global, exigindo a participação
da família de maneira intensa;
• reeducação, representada por atividades específicas (num exemplo
de discalculia, a diferenciação das
gnosias digitais com posteriores movimentos de contagem, manipulação
de seriações, agrupamento, correspondências ponto a ponto a partir
de material concreto, que permitem
gradualmente que se atinja as operações abstratas).
Considerando que a medicação é
acessória e utilizada somente em algumas situações muito específicas, não
devemos nos esquecer de comunicar à
família que (a curto prazo) os benefícios
esperados e decorrentes do uso de drogas tendem a ser somente a melhoria
do comportamento, com diminuição dos
conflitos e da agressividade e a conseqüente melhoria nas respostas sociais
e familiares, esperando-se, em decorrência, alguma melhoria no desempenho
escolar ou extra-escolar, bem como da
auto-estima. A longo prazo, deve-se
esperar uma menor exposição a complicações posteriores, com a limitação dos
riscos de “automedicação” (exposição
precoce a uso de substâncias psicoativas ilícitas).
As drogas que podem ser utilizadas
não são destinadas a todas as crianças agitadas nem tem a finalidade de
as transformarem em “estudiosas” ou
“tranqüilas”, não se constituindo em um
tratamento para dificuldades escolares
ou para que ela se torne “o primeiro da
classe” ou para que “aprendam a fazer
as lições”. Espera-se, muitas vezes, por
melhorias cognitivas referentes à manutenção da atenção (atenção seletiva e
espaçotemporal), diminuição da impulsividade, aumento do tempo de reação
e da memória de curto prazo, com a
conseqüente melhoria da aprendizagem
verbal e não-verbal.
Por fim, é preciso lembrar que algumas dessas crianças, por suas dificuldades instrumentais, não aprendem com
Francisco Baptista
Assumpção Júnior
Psiquiatra da Infância e
Adolescência. Mestre e
Doutor em Psicologia Clínica
pela Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo
(PUC-SP). Livre Docente em Psiquiatria pela Faculdade
de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP).
Professor Associado do Departamento de Psicologia
Clínica do Instituto de Psicologia da Universidade de
São Paulo, fundador e responsável pelo Laboratório
Distúrbios do Desenvolvimento (PDD-IP-USP).
manifestações podem ser agravadas por
atitudes educativas inadaptadas, e que
condições educativas habituais muitas
vezes são inadequadas para uma criança
assim. Concluindo, a abordagem dos
transtornos da aprendizagem é multifatorial, complexa, demandando grande
maleabilidade e compreensão por parte
do avaliador.
Evelyn Kuczynski
Pediatra. Psiquiatra da Infância
e Adolescência. Doutora
em Psiquiatria pela FMUSP.
Pesquisadora voluntária do
PDD-IP-USP.
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 6 • Novembro • Dezembro de 2012
seus erros, apresentando uma atenção
muito breve e memorização parcial das
instruções, com uma conseqüente maior
sensibilidade a recompensas imediatas.
Paralelamente, tem controle falho nos
comportamentos indesejáveis, sendo
hiperemotivos, hipervisuais, hiperdistraídos e hiperssensoriais. Isso nos
leva, entretanto, ao fato de que tais
9
e n trevi s ta
Dificuldades de aprendizagem
Entrevistado: Antônio Eugênio Cunha*
Jornalista responsável: Leandra Migotto Certeza**
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 6 • Novembro • Dezembro de 2012
1. Explique como ocorrem as dificuldades
de aprendizagem quando a capacidade do
cérebro em receber e processar a informação pode ser um problema?
10
São inúmeros fatores que podem acarretar as dificuldades. No caso específico de
sua pergunta a cognição ajusta-se a cada
nova informação, gerando conhecimento.
Não é um processo estável, mas ativo,
como a aprendizagem, que requer um
constante dinamismo nas funções cognitivas. Todavia, fatores emocionais, lesões
e transtornos podem prejudicar esse processo. No caso, por exemplo, do autismo,
há uma relação diferente entre o cérebro e
os sentidos e as informações nem sempre
geram conhecimento. Os objetos muitas
vezes não exercem atração em razão da
sua função, mas por causa do estímulo
que promovem. Um lápis poderá se tornar
apenas um objeto de contato sensorial,
perdendo sua função social.
Quais são as principais diferenças
entre as dificuldades de aprendizagem:
autismo, dislexia, afasia, disfunção cerebral
mínima, disostografia, discalculia entre
outras?
• Autismo: compreende um conjunto de
comportamentos agrupados numa tríade
principal: comprometimentos na comunicação, dificuldades na interação social
e atividades restrito-repetitivas. Trata-se de uma síndrome tão complexa que
pode resultar em diagnósticos médicos
abarcando quadros comportamentais
diferentes. Isto porque o autismo pode
variar em grau de intensidade e de
incidência dos sintomas. Todavia, há
algumas características mais comuns:
dificuldades para manter contato visual,
birras, não aceitar mudanças de rotina,
hiperatividade física, apego e manuseio
inapropriado de objetos, hipersensibilidade, dificuldades para simbolizar,
ecolalias e estereotipias.
• Dislexia: antes de qualquer definição,
precisamos compreender que a dislexia
abarca, também, um jeito diferente de
aprender e de ser. A dislexia é um transtorno presente em aproximadamente
10% da população mundial. Às vezes, é
confundida com déficit de atenção, problemas psicológicos, ou mesmo desinteresse. Caracteriza-se pela dificuldade
do indivíduo em decodificar símbolos,
ler, escrever, soletrar, compreender
um texto, reconhecer fonemas, exercer
tarefas relacionadas à coordenação
motora; e pelo hábito de trocar, inverter,
omitir ou acrescentar letras ou palavras
ao escrever.
• Afasia: afasia é um problema na função
da linguagem, depois de adquirida de
maneira normal. Traz alguns sintomas
semelhantes aos da dislexia, porém,
normalmente decorre de acidente vascular cerebral, acidentes com trauma-
2. Dificuldades de aprendizagem envolvem
muitas áreas de percepção. Quais são
elas?
Quando falamos de aprendizagem,
entendemos que se trata de um processo
complexo que, a partir de ocorrências e mudanças no interior do indivíduo, manifesta-se exteriormente, expressando-se por meio
de ações cognitivas, emocionais e comportamentais. Já as dificuldades de aprendizagem expressam um grupo heterogêneo
de desordens que impedem a percepção,
a compreensão e a aquisição de saberes.
Essas percepções podem estar em áreas
distintas, como a área motora, cognitiva,
sensorial, espacial e afetiva.
3. Quais são as possíveis causas das dificuldades de aprendizagem?
Podem ter, por exemplo, origem cognitiva, neurológica, motora, emocional,
social ou em razão de uma deficiência ou
transtorno no desenvolvimento do aluno.
Mas o que se percebe na escola, na maioria das vezes, são dificuldades de origem
emocional.
Uma pessoa com dificuldades de
aprendizagem não apresenta necessariamente baixo ou alto QI? Por quê? Não apresenta, porque as dificuldades
não estão ligadas obrigatoriamente ao QI.
Por exemplo, há muitos alunos com nítidas
habilidades cognitivas, mas que têm problemas emocionais severos que impedem
o pleno desenvolvimento escolar.
Uma pessoa pode ter TDAH – Transtorno de Déficit de Atenção, mas não
possuir dificuldades de aprendizagem, ou
ter dificuldades de aprendizagem, mas não
apresentar TDAH? Explique o motivo.
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 6 • Novembro • Dezembro de 2012
tismo, doenças infecciosas ou outros
motivadores externos que possam afetar
a linguagem.
• Disfunção cerebral mínima: pessoas
com disfunção cerebral mínima apresentam dificuldades de aprendizagem
motivadas por problemas nas funções
do sistema nervoso central. Podem se
originar de diversos fatores, tais como:
problemas genéticos, bioquímicos, no
parto, doenças, acidentes ocorridos no
início do desenvolvimento do sistema
nervoso. A criança tem dificuldades para
ler, para escrever, problemas na coordenação visório-motora e espacial. Às
vezes, apresenta mudanças de humor,
irritabilidade, dentre outros sintomas
comportamentais.
• Disortografia: diferentemente da disgrafia, não está ligada diretamente a
dificuldades motoras e espaciais, mas
sim ao atraso do pleno domínio da
linguagem. Dessa forma, o aprendente
confunde as letras, as sílabas ou efetua trocas ortográficas, o que ocasiona
inversões, aglutinações, omissões e
desordem na estruturação da frase em
conteúdos já trabalhados pelo professor
ou professora.
• Discalculia: trata-se de um transtorno
relacionado à identificação e classificação dos números e à realização
de cálculos mentalmente e no papel.
É uma dificuldade para compreender
e aprender matemática que não está
associada a dificuldades gerais da
aprendizagem, pois é específica. Normalmente, os estudantes com discalculia não possuem compreensão intuitiva
e não conseguem entender conceitos
numéricos simples.
11
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 6 • Novembro • Dezembro de 2012
12
O TDAH é uma dificuldade, porque traz
alguns sintomas que interferem na aprendizagem, dentre os quais a hiperatividade e a
desatenção, que dão nome ao transtorno.
Evidentemente, que nem todas as dificuldades de aprendizagem trazem os sintomas
mais marcantes do TDAH. Por exemplo, o
aluno pode ter transtorno afetivo bipolar e
não ser hiperativo.
5. Quando é necessário procurar um
médico especialista para realizar um
diagnóstico?
4. Quais as diferenças entre as dificuldades de aprendizagem e as necessidades
educativas especiais?
6. Qual a importância das políticas públicas de inclusão de alunos na rede regular
de ensino público e particular?
Primeiramente, temos que entender
o conceito que subjaz à expressão “necessidades educativas especiais”. Toda
a dificuldade na escola que demande um
atendimento diferenciado, especializado
tona-se uma necessidade educativa especial. Assim, podemos colocar debaixo
desse guarda-chuva, desde os alunos com
deficiência e com transtorno global do desenvolvimento, ao aluno com problemas
emocionais, com problemas familiares,
com dificuldades na interação social. Por
isso, deverá haver um olhar mais cuidoso,
de maior atenção e, muitas vezes, haverá
a necessidade de um especialista (psicopedagogo, por exemplo) para a superação
das dificuldades. Esta ideia coloca todos
nós dentro da perspectiva da educação inclusiva, pois todos nós temos dificuldades.
Somos todos iguais e educar verdadeiramente é incluir de fato. Todavia, o mais
comum é usar a expressão “necessidades
educativas especiais” para os alunos
da educação especial e “dificuldades de
aprendizagem” para os demais alunos que
não são da educação especial, mas que
enfrentam problemas no seu processo de
aprendizagem.
As políticas visam atender ao crescente movimento em direção à organização
dos espaços educativos para a inclusão
escolar. São importantes e indispensáveis,
pois fornecem a base para alicerçarmos
nosso trabalho. Sabemos que há muitos
progressos. Porém, as políticas não têm
sido suficientes. É preciso transpô-las
dos textos legais para as salas de aula. É
preciso preparar melhor a escola. É preciso preparar melhor o professor; é preciso
remunerar melhor o professor. É preciso dar
apoio à família do aluno da educação especial. É preciso universalizar o ingresso e a
permanência do aluno na escola. Bem, há
muitas coisas que precisamos fazer ainda,
por isso não perdemos a esperança. Todo
educador deve ser um pouco utópico, pois
ele nunca ficará parado, sempre caminhará
em busca de um alvo. Decerto, mesmo que
o alvo não seja alcançado completamente,
o educador terá aberto muitos caminhos.
As dificuldades de aprendizagem podem ser tratadas com uma variedade de
métodos. Quais são eles?
Não existe receita de bolo na educação. No entanto, há a possibilidade de uma
formação, considerando a função social e
Sempre que o aluno apresentar alguma
mudança no comportamento que prejudique o desempenho escolar. Às vezes,
basta apenas o apoio de um psicólogo ou
psicopedagogo.
7. Qual a importância dos tratamentos
psiquiátricos e psicológicos para quem
tem dificuldades de aprendizagem? Conte os principais resultados dos trabalhos
desenvolvidos pelo senhor.
Cada dia fica mais evidente que a
escola não educa sozinha. Há tempos
já sabemos disso, porém, hoje isto se
torna mais claro por causa dos avanços
na ciência. Por exemplo, eu trabalho com
crianças autistas, com síndrome de Down,
hiperativas e outros transtornos e observo
que o educando desenvolve melhor suas
*Antônio Eugênio Cunha, 52
anos é Jornalista, professor
professor do ensino superior e da educação básica,
psicopedagogo, mestre e
doutorando em educação.
Autor dos livros “Afetividade
na prática pedagógica”, “Afeto
e aprendizagem” “Autismo e inclusão”, e “Práticas
pedagógicas para inclusão e diversidade”, publicados
pela WAK Editora.
habilidades, seu potencial aprendente
quando tem um suporte multidisciplinar,
que envolve outros profissionais, tais como:
terapeutas, nutricionistas, psicólogos, neuropediatras, dentre outros. Ademais, esse
acompanhamento precisa ser estendido á
família do aluno. Então, formar-se-ia uma
tríade: a escola, a família e uma equipe de
apoio multidisciplinar.
8. Qual a mensagem que o senhor deixa
aos leitores da Revista Síndromes?
Vou deixar uma citação do meu livro
“Práticas pedagógicas para inclusão e
diversidade”:
“A educação não é uma questão institucional. É uma questão humana. Não
aprendemos pelo rigor das regras, mas por
uma condição biológica. Nascemos para
aprender. Restringir esse direito é violar a
coerência da natureza; é tentar cercear a
inteligência humana”.
*Leandra Migotto Certeza é
jornalista e repórter especial
da Revista Síndromes. Ela tem
deficiência física (Osteogenesis Inperfecta), é assessora de imprensa voluntária
da ABSW, consultora em
inclusão e mantém o blog
“Caleidoscópio – Uma janela para refletir sobre a diversidade da vida” - http://leandramigottocerteza.blogspot.
com/. Conheçam os modelos de palestras, oficinas,
cursos e treinamentos sobre diversidade, realizados em
empresas, escolas, ONGs, centros culturais e grupos de
pessoas no site: https://sites.google.com/site/leandramigotto/
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 6 • Novembro • Dezembro de 2012
construtivista da escola. Para tanto, o ensino dos conteúdos escolares não precisa
estar centrado nas funções formais e nos
limites pré-estabelecidos pelo currículo escolar. A escola necessita aprender a lidar
com a realidade do aprendente. Nessa relação, quem primeiro aprende é o professor
e quem primeiro ensina é o aluno. É a partir
do aluno, com base na formação do professor, que forjamos as práticas de ensino.
13
de s e n volvime n to
A Formação do Indivíduo
Carolina Rabello Padovani
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 6 • Novembro • Dezembro de 2012
Introdução
14
Como o indivíduo se forma ou como
ele é formado? Quais fatores estão
envolvidos? Certamente há um vasto
campo constituído por distintas linhas
de pensamento inclinadas a entender a
formação do indivíduo. Variedade esta,
cerne da própria complexidade humana,
sobre a qual nenhuma teoria consegue
efetivamente dar conta de todos os seus
aspectos, matizes e nuances.
Se pensamos, hoje, no desenvolvimento da criança ao adulto, em um percurso de relações e inter-relações, isso se
deve a mudanças importantes do ponto
de vista histórico. No bojo da psicologia
do desenvolvimento, encontramos três
grandes movimentos:
1. Maturacionismo: Ramo da ciência
que entende o desenvolvimento
como fruto da maturação biológica,
cujos efeitos, ao longo do tempo,
têm impacto no desenvolvimento
psicológico. Exemplos dessa vertente
podem ser encontrados na história
de estruturação dos primeiros testes
psicológicos, mais especificamente os
testes de inteligência, que levaram ao
estabelecimento de uma razão entre
idade mental e idade cronológica como
forma de compreender e dimensionar
as dificuldades de aprendizagem.
2. Ambientalismo (Behaviorismo): Pers-
pectiva dualista que surge como
reação à produção maturacionista.
Watson, um dos seus principais representantes (e a quem se refere a
paternidade teórica), entende o desenvolvimento como sinônimo de aprendizagem, ou seja, a aprendizagem de
comportamentos é que constitui o
desenvolvimento. Sob essa perspectiva, o ambiente é importante para o
desenvolvimento das capacidades e
habilidades de um sujeito.
3. Interacionismo: Proposta herdeira do
darwinismo, o interacionismo estabelece uma maneira não dicotômica
de pensar o desenvolvimento. Piaget,
principal expoente teórico, propõe
que o desenvolvimento depende da
interação de elementos biológicos e
ambientais. Outros campos teóricos
irão se filiar ao interacionismo e, em
certa medida, a psicanálise tal qual
proposta por Freud, pode ser encaixada dentro desta vertente.
A superação dessa dicotomia indivíduo-ambiente que marcou os primeiros
estudos da psicologia do desenvolvimento trouxe importantes contribuições
à compreensão da formação da criança
em adulto e, consequentemente, da
formação do indivíduo. Passou-se a entender que “(...) cada idade se marca
por uma maneira intelectual e afetiva de
Genética/
Aspectos
Biológicos
Meio
Ambiente
Aspectos
pessoais/
psicológicos
Grosso modo, ao entender a criança
como um ser que se desenvolve, amparada por um substrato genético, em um
determinado meio ambiente e que tem
participação ativa mediante seus aspectos pessoais, estamos dividindo a nossa
compreensão, de maneira didática, entre
três grandes áreas: biológica, ambiental
e pessoal.
Esta divisão (didática) tem sido
utilizada na compreensão dos casos
de desajustamentos. Os fenômenos
patológicos, especialmente na área da
Saúde Mental, passam, sobremaneira,
por questionamentos acerca da etiologia
das diferentes enfermidades, embora
um diagnóstico não seja a busca pela
causa. Tais questionamentos irão permear o dimensionamento das condutas
terapêuticas, da estruturação do tratamento, da estimativa do prognóstico e
da evolução do quadro. Assim, pensa-se em responder (ou tentar responder)
questões como: por que este indivíduo
está deprimido? Por que este tem autismo? Por que este tem um transtorno
de adaptação? A própria delimitação do
diagnóstico (e do diagnóstico diferencial
e suas potenciais comorbidades) passa
por importantes diferenciações: o paciente está assim ou é assim? Ele tem
dificuldade por causa do meio ou suas
dificuldades é que moldaram o meio?
Ele reage dessa maneira porque ele quer
ou porque não consegue agir de outra
forma? Sim, são perguntas aparentemente simples, mas que guardam em
si a complexidade dos comportamentos
humanos e a tentativa de compreensão
das razões pelas quais eles se desenvolvem e porque alguns não, porque uns
se mantém e outros não. Obviamente, a
própria estruturação dessas perguntas
está calcada em determinados padrões
de pensamento, conforme cada visão de
homem e de mundo.
O que temos, então, é um vasto
panorama de teorias e de autores que
lançam diferentes olhares e conjecturam variáveis compreensões acerca da
formação do indivíduo. Impossível, pois,
esgotar todas as formas de pensamento
neste artigo. Optamos por apresentar
algumas teorias utilizadas na área do
desenvolvimento infantil e alguns de seus
aspectos envolvidos.
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 6 • Novembro • Dezembro de 2012
reagir às coisas, há um desenrolar complexo e cheio de vicissitudes que leva às
competências do adulto” (Ades, Bussab,
2012).
Sob a perspectiva da Psicologia
Evolutiva, entende-se que a criança será
formada por um “equipamento” genético
constitucional, sobre o qual o “investimento” ambiental inscreverá suas características, fazendo que ela cresça não
somente mantendo um padrão de desenvolvimento característico da espécie, mas
também com características singulares
que a farão um ser único e irreprodutível
(Ajuriaguerra, 1977 apud Assumpção Jr.).
15
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 6 • Novembro • Dezembro de 2012
Evolução e comportamento social
16
As características dos organismos
decorrem de sua história evolucionária.
Com a teoria proposta por Darwin, passamos a pensar a noção de evolução a partir
da ideia de indivíduos adaptados como
aqueles cuja sobrevivência e sucesso
reprodutivo seriam decorrentes de mecanismos seletivos. Assim, entendemos
a influência da seleção natural sobre os
seres mais adaptados a determinados
ambientes. Pensando dessa maneira,
há uma relação de via-dupla: o ambiente
favorece um traço do organismo e um traço do organismo o adapta a determinado
ambiente. No caso do homem, que tem a
capacidade de alterar esse ambiente, a
interação hábitat-organismo é ainda mais
presente e indiscutível.
O homem, enquanto ser social,
vivendo em bandos, precisou construir
sistemas de regras que lhe permitissem
sobreviver como indivíduo, perpetuar a espécie e marcar, de maneira particular, seu
próprio status diante do grupo (Assumpção Jr., 2008). A possibilidade de valer-se de habilidades mentais específicas,
das quais depende seu comportamento
social, permitiu-lhe o conhecimento social
do outro (quem é amigo e quem não é) e
a capacidade de inferir estados mentais
dos outros indivíduos.
Fatores Genéticos
A própria maneira como o homem se
reproduz permite novas possibilidades de
recombinação de genes. Com a reprodução sexuada, seu genótipo será constituído pelas cargas genéticas provenientes
de ambos os genitores e, a cada nova
geração, outras e novas possibilidade
de combinação estarão disponíveis. Tais
combinações aumentam a probabilidade
de ocorrência de novas mutações (em
virtude da variabilidade e vulnerabilidade
de nosso material genético) que implicam na diversificação de características
genéticas e fenotípicas sobre as quais a
seleção irá atuar.
A epigênese, caminho do genótipo ao
fenótipo, ou seja, a modulação da ação
dos genes, é embasada pela hipótese de
que determinados genes são “ligados” ou
“desligados”, em geral por fatores ambientais (gatilhos). Essa modulação seria
responsável pela expressão de diferentes
fenótipos. “Entre o sistema genético e o
comportamento, está o próprio desenvolvimento” (Ades, Bussab, 2012).
Quando acompanhamos o desenvolvimento neurológico humano, podemos
observar que nosso desenvolvimento
neuropsicomotor reflete o desenvolvimento de nosso Sistema Nervoso
(Gherpelli, Restiffe, 2012). Obviamente,
não é nossa intenção discutir os pormenores da constituição genética humana,
do processo de maturação neuronal ou
organização morfofuncional do Sistema
Nervoso. Por ora, apenas queremos
apresentar a influência de fatores genéticos nos comportamentos humanos
e atentar para o fato de que a predisposição genética é fator indiscutível
para o aparecimento de determinadas
condições. Inclusive, do ponto de vista
clínico, vale a máxima: ninguém fica
doente porque quer, mas porque pode.
Isso, claro, graças ao seu material genético, suas interações com o meio e suas
características pessoais.
Apesar de não entrarmos com minúcia nas questões genéticas e neurológicas do desenvolvimento humano, pensar
e falar sobre os fatores internos é relativamente fácil quando nos deparamos com
a variabilidade de experiências vividas
por um indivíduo desde sua concepção.
Compreender ou descrever as formas
pelas quais o ambiente influencia uma
criança é uma das tarefas mais difíceis. O
entendimento de que o trajeto do desenvolvimento passa por fatores da natureza
do indivíduo (fatores que predispõem e
fatores que dificultam o desempenho),
mas que sempre atuam em função do
contexto presente, ao longo do tempo,
está presente em várias linhas teóricas.
Assim, coloca-se ênfase na experiência
e na aprendizagem.
Para a psicologia comportamental,
seja o condicionamento clássico de Pavlov ou o condicionamento operante de
Skinner, há a associação entre estímulos
e respostas. No caso do condicionamento
clássico, repetidas apresentações a um
estímulo, podem fazer o indivíduo associá-lo a uma resposta e emiti-la diante
desse estímulo. Seu exemplo clássico:
depois de repetidas vezes em que toca
um sinal e o cachorro recebe a comida,
ele passa a salivar quando ouve o sinal,
mesmo sem receber a comida. Segundo
o condicionamento operante de Skinner,
as relações entre estímulo e resposta
são alteradas ou mantidas em virtude
da qualidade da interação: por sua consequência gratificante ou desagradável.
Grosso modo, um comportamento pode
ser mantido por sua consequência positiva (gratificação) ou pode ser evitado (ou
extinto) por sua consequência negativa
(punição).
A psicologia do desenvolvimento, outra vertente teórica, irá entender o desenvolvimento cognitivo como uma série de
mudanças que ocorrem na organização,
lógica e pensamento da criança (Scheuer,
Stivanin, Oliveira, 2012). Piaget, expoente
dessa linha, observará, no desenvolvimento da criança, uma passagem de um
ser extremamente dependente e heterônomo a um ser independente e autônomo, por meio de uma constituição gradual
a partir de suas próprias potencialidades
(o crescimento mental indissociável do
crescimento físico) e características, bem
como das influências ambientais a qual
é submetida. Segundo Piaget (1980), “a
criança explica o homem tanto quanto o
homem explica a criança, e não raro ainda
mais, pois se o homem educa a criança
por meio de múltiplas transformações
sociais, todo o adulto, embora criador,
começou, sem embargo, sendo criança:
e isso tanto nos tempos pré-históricos
quanto hoje em dia”.
Fatores Pessoais
Acredita-se que no homem há uma
predisposição para o vínculo afetivo.
Segundo Bowlby, o apego é uma necessidade primária e estilos diferentes
de apego terão influência significativa
sobre o comportamento amoroso e as
estratégias reprodutivas na idade adulta.
Para o autor, os laços se formam por
meio de trocas interacionais ajustadas e
contingentes, não por condicionamento
(recompensas convencionais não o garantem, punições não o impedem) nem
como impulso secundário associado à
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 6 • Novembro • Dezembro de 2012
Fatores Ambientais
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SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 6 • Novembro • Dezembro de 2012
18
satisfação de outras necessidades, como
postulavam, respectivamente, as teorias
da aprendizagem e a psicanálise da época (Ades, Bussab, 2012).
Na ala psicodinâmica, Freud, precursor da psicanálise, não teve como foco
o estudo da criança, mas retomava na
infância as respostas para as patologias
no adulto.
Sobre os estados mentais primitivos,
Freud considera o Id como instância psíquica que contém tudo o que é herdado,
portanto, os instintos. Sob a influência do
mundo externo, uma porção do Id sofre
um desenvolvimento especial e temos
a formação do Ego, instância psíquica
que se interpõem entre a vida instintual
(princípio do prazer) e suas limitações
(princípio de realidade), como peça-chave
na inserção adaptada do indivíduo no
mundo. A estruturação do Superego,
diferenciando-se do ego, constitui uma
terceira força, constituída sob a influência parental e ambiental. Assim, entende
que “o id e o superego possuem algo em
comum: ambos representam as influências do passado – o id, a influência da
hereditariedade; o superego, a influência,
essencialmente, do que é retirado de
outras pessoas, enquanto que o ego é
principalmente determinado pela própria experiência do indivíduo, isto é, por
eventos acidentais e contemporâneos”
(Freud, 1980).
Os estudiosos do desenvolvimento
da personalidade consideram que a interação pessoa-ambiente teria por bases
características temperamentais e genéticas. Sob esse viés, haveria três tipos
que atuam na conservação e manutenção
de traços de personalidade ao longo do
tempo e das circunstâncias: as inte-
rações evocativas (o indivíduo suscita
reações peculiares nas outras pessoas),
as interações reativas (diferentes pessoas interpretam e reagem de maneira
diferente a uma mesma situação) e as
interações proativas (indivíduo cria ou
busca situações compatíveis com seu
estilo de personalidade e com seu estilo
interacional).
Haveria, ainda, variáveis no desenvolvimento da personalidade: temperamento
(disposição biológica), identidade (construção mental interna), gênero (expectativas comportamentais), transtornos
evolutivos do desenvolvimento (déficits
no funcionamento cognitivo e emocional),
afeto (reações emocionais) e mecanismos de defesa (modo de enfrentamento
e adaptação).
Considerações Finais
Iniciamos este texto com as seguintes perguntas: como o indivíduo se forma
ou como ele é formado? Quais fatores
estão envolvidos? Exploramos, assim,
uma variabilidade de vertentes teóricas,
desde as maturacionistas, as ambientalistas até as interacionistas (que se
alguns poderiam dizer como as teorias
“em cima do murro”, nem cá, nem lá).
Estamos, no panorama atual, inclinados
a uma compreensão interacionista, que
abarca aspectos biológicos, ambientais
e pessoais. Assim, nem cá, nem lá, mas
tudo junto e misturado. Sabemos, hoje,
que as características dos organismos
decorrem de sua história evolucionária
e que nosso comportamento social é
fruto de habilidades mentais específicas
que nos permitem interagir com o outro.
Frente à nossa existência em bandos,
coloca o quão pertinente é considerar que
a compreensão da formação do indivíduo
só irá alcançar um entendimento mais
adequado quando estudamos a pessoa
em sua totalidade. Tarefa árdua, não?
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Carolina Rabello Padovani
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 6 • Novembro • Dezembro de 2012
a sobrevivência do bicho-homem está
diretamente ligada à estruturação de
sistemas de regras e de determinados
padrões de relação.
Sem termos entrado com minúcias
nas questões biológicas do desenvolvimento humano, pensar e falar sobre elas
se mostra relativamente fácil quando nos
deparamos com a variabilidade de fatores
externos que irão influenciar um indivíduo
desde a sua concepção. Indiscutivelmente, alteramos o ambiente e somos alterados por ele, mas também fatores internos
(pessoais) estão envolvidos.
Não menosprezamos as vertentes
filosóficas e humanistas. Tivemos que
fazer um recorte e acabamos limitados
(como todo recorte) pelo caminho que
estipulamos para nossa perambulação
por entre algumas linhas de pensamento
sem claro, esgotar todas as possibilidades. Mas esperamos suscitar a dúvida
e a busca por diferentes caminhos e
conhecimentos.
O que queremos mostrar, sem dúvida, é que diversas teorias estão disponíveis, cada qual embasada sob diferentes
visões de homem e de mundo. Isso nos
19
reabilita ç ã o
A Família e a Criança Deficiente
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 6 • Novembro • Dezembro de 2012
Jemima Giron
20
Quando pensamos no ser humano e
em suas características mais especificas
e únicas, certamente não podemos deixar
de pensar na família, que é, sem duvida, a
estrutura mais especificamente humana
e insubstituível que podemos mencionar
(LUKAS, 1983, apud DUARTE, 2001). Ela,
enquanto grupo social é uma formação
humana universal dentro da qual cada
membro tem uma função repleta de sentido (SOUZA, 1996).
Ao longo dos últimos 30 anos, a
literatura vem mostrando as grandes
mudanças que a família, em sua estrutura, vem enfrentando. Com o distanciamento do modelo nuclear original,
pai/mãe/filhos, cada vez mais fazem
parte da nossa realidade diferentes
arranjos familiares, como as famílias
recasadas ou reconstituídas. No entanto, independente de sua configuração,
a sua funcionalidade e a qualidade do
relacionamento que seus membros
estabelecem entre si, devem ser mantidas. (Féres-Carneiro, 1992)
Muito se tem falado a respeito da
grande importância que os aspectos ambientais têm para o desenvolvimento das
crianças, e principalmente, como ressalta
Fiamenghi Jr e Mesa (2007), o papel da
família é fundamental, pois ela é o primeiro grupo no qual o indivíduo é inserido;
sendo, portanto uma força social que
tem influência direta na determinação do
comportamento humano e na formação
da personalidade (BUSCAGLIA, 1997).
Segundo Minuchin (1990), cabem às
famílias as funções de proteção e socialização de seus membros mais novos, bem
como a transmissão da cultura na qual
estão inseridos. Desta forma, a família
também tem papel fundamental na constituição do individuo, uma vez que, segundo
Prata & Santos (2007), é ela quem dá o
suporte para o desenvolvimento e amadurecimento de seus membros nas esferas
biológica, psicológica e social.
Neste sentido, o tipo de funcionamento familiar é um aspecto extremamente
importante, e que exerce influência direta
sobre as crianças e adolescentes inseridos nela, nos fazendo pensar então o
quanto a qualidade do relacionamento
familiar é importante para a formação de
seus membros, tenham eles deficiências
ou não.
Pensando então em casos mais
específicos, nas famílias onde há a presença de um ou mais filhos deficientes, a
influência das relações familiares, nessas
famílias, é de certa forma diferenciada,
pois se trata de uma experiência inesperada, de mudança de planos e expectativas dos pais.
Segundo Fiamenghi Jr e Mesa (2007),
quando uma criança nasce, toda a rede
de relacionamentos familiares é modificada, pois o lugar que a criança ocupa na
vínculo com o bebê real (Amaral, 1995).
De uma maneira geral, o nascimento
de uma criança com deficiência provoca
uma crise que atinge toda a família,
abalando sua identidade, estrutura e
funcionamento. A vida familiar sofre
alterações frente às exigências emocionais e à convivência com a criança
deficiente, gerando conflitos e levando
a instabilidade emocional, alteração no
relacionamento do casal e distanciamento entre seus membros (Pereira-Silva,
Dessen, 2001).
Nessa experiência, há famílias que
conseguem elaborar saídas para este
novo desafio, enquanto outras têm maior
dificuldade e não conseguem se reorganizar. A família da criança deficiente vivencia uma sobrecarga adicional em todos
os níveis: social, psicológico, financeiro,
e com relação à demanda de cuidados e
reabilitação da criança, necessitando por
isso acessar as redes de suporte social
disponíveis na comunidade (Oliveira e
cols, 2008).
Ocorrências de alterações na dinâmica da família com deficiente é decorrente
das situações indutoras de estresse e
tensão familiar devido à sobrecarga de
cuidados especiais, tarefas e exigências
decorrente da deficiência desta criança;
efeitos estes, sentidos diretamente sobre
os cuidadores diretos e sobre o funcionamento família. Trazendo à esta família,
sobrecarga emocional, física e financeira
(FÁVERO e SANTOS, 2005).
Pensando ainda nos efeitos que
a presença desta criança tem sobre o
funcionamento familiar, é importante
ressaltar, que não só os cuidadores
principais são afetados, mas sim, como
nos mostram vários estudos, os irmãos
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 6 • Novembro • Dezembro de 2012
família é determinado pelas expectativas
que os progenitores têm sobre ela, e
sendo ela deficiente estas expectativas
precisam ser reformuladas para comportar agora as limitações desta criança
recém-nascida.
O nascimento desta criança com
deficiência, sendo esta deficiência de
qualquer tipo ou nível, podendo ser física, mental, ou ambas; confronta toda a
expectativa dos pais, e a família é acometida por uma situação inesperada. Como
ressalta Buscaglia (2007), a presença
de uma criança deficiente exige que o
sistema se organize para atender suas
necessidades excepcionais.
Pensando na chegada dessa criança,
ou quando a família fica sabendo do seu
diagnostico, segundo Casarin (1999), é
neste momento que é desencadeado um
processo semelhante ao luto. Trata-se de
um luto pela perda da fantasia do filho
perfeito, da criança sadia, que seguiria
um desenvolvimento normal e que em
algum tempo traria grandes realizações
aos seus pais, mas que agora vai exigir
deles uma reorganização dos seus papéis, valores, objetivos e expectativas
de vida, para este filho, e para todos os
membros da família.
Observa-se, portanto grandes dificuldades em aceitar o diagnóstico, bem
como os pais apresentam um comportamento de constante busca pela cura
da deficiência. Para Brunhara, e Petean
(1999), os pais experimentam a perda
das expectativas e dos sonhos que
haviam construído em relação ao futuro
descendente. Os pais ao perderem o filho
desejado, permanecem imersos em seu
sofrimento e não elaboram o luto, permanecendo impedidos de estabelecerem um
21
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 6 • Novembro • Dezembro de 2012
22
são diretamente afetados por esta nova
situação a qual precisam lidar.
Nos estudos realizados por Mesa e
Fiamenghi Jr (2010), foi concluído que,
em famílias onde há a presença de um filho deficiente, os irmãos mais velhos servem de modelo aos outros, compensando
muitas vezes, a ausência e distância dos
pais; eles apresentam a responsabilidade
aumentada pelos cuidados com o irmão
afetado e com a casa em geral.
Além desses aspectos familiares,
também é possível notar diversos outros
aspectos que influenciam esses irmãos,
pois muitos deles apresentam solidão e
ressentimento por se sentirem negligenciados por pais e médicos em função da
atenção requerida pelo irmão afetado;
medo de não mais terem a atenção dos
pais, de contraírem a doença ou de que
o irmão morra. Apresentam também
ciúmes por perceberem que os irmãos
estão sendo favorecidos com maior
atenção e presentes; culpa pela doença
ou deficiência, por não serem afetados
ou por terem desejado que algo de ruim
acontecesse com o irmão; tristeza pela
possibilidade de morte do irmão e de não
compartilharem experiências do futuro
(MESSA, FIAMENGHI JR, 2010)
No entanto, apesar de tantos aspectos negativos e preocupantes percebidos
em irmãos de crianças deficientes, foi
possível concluir que eles também conseguiram desenvolver aspectos importantes
como lições aprendidas em relação à
vida, pois nas pesquisas realizadas por
Mesa e Fiamenghi Jr (2010), as crianças
relataram se tornar mais pacientes, compreensivas e caridosas; terem adquirido
independência e autonomia pelo aumento
das responsabilidades à eles atribuidas;
altruísmo demonstrado como preocupação predominante por outras pessoas,
além de se tornarem mais empáticos e
tolerantes a sentimentos de preocupação, tornando-se mais habilidosos em
estabelecer relacionamentos.
Outros estudos sobre o mesmo tema
também foram realizados por Nixon e
Cummings (1999), um estudo comparativo de irmãos de crianças deficientes e
irmãos de crianças não deficientes para
analisar a reação dessas crianças ao
stress diário de conflitos relacionados
à família. Os resultados revelaram que
crianças com irmãos deficientes apresentam maior preocupação com conflitos
familiares e experimentam mais afetos
negativos em resposta a esses conflitos.
Essas crianças assumem mais
responsabilidade, esperam maior envolvimento e percebem mais ameaça em
resposta a todos os tipos de conflitos
familiares, além de demonstraram também mais problemas de ajustamento. No
entanto, como também apontou o estudo
anterior, esses irmãos não são acometidos somente por aspectos negativos,
como aspectos positivos desta convivência, os irmãos demonstram aumento na
maturidade, responsabilidade, altruísmo,
tolerância, preocupações humanitárias,
senso de proximidade na família, autoconfiança e independência (Fiamenghi
Jr e Mesa, 2007).
No entanto, apesar de tantos aspectos negativos, é preciso considerar que
a presença de uma criança deficiente
na família não indica necessariamente
um estressor para os irmãos. Outros
fatores têm grande influencia e devem
ser considerados, como por exemplo a
qualidade das relações familiares, co-
Com este mesmo pensamento, os
autores Fávero e Santos (2005), acreditam que se o evento estressor é continuo
e o individuo não possui estratégias adequadas para lidar com isso, o organismo
exaure suas reversas de energia, e entra
em estresse crônico; então é preciso intervir de forma terapêutica com os pais
para afim de que possam elaborar tais
estratégias adequadas, pois o fator estressor, que é a criança com deficiência,
não desaparecerá.
Os recursos de enfrentamento de
cada um em lidar com a deficiência irão
determinar o significado da experiência
e de todas as vivências dos familiares.
Mas, além disso, a diminuição da ansiedade dos pais também acontece com
o aumento do conhecimento que eles
adquirem sobre a deficiência, a doença
ou a condição crônica de sua criança.
Pensando nessas possibilidades, a ideia
de que essas famílias sejam necessariamente abaladas em sua qualidade
de vida deve ser revista. Fiamenghi Jr e
Mesa (2007), concluem que os conflitos
familiares não surgem em resultado direto da deficiência, mas em função das
possibilidades de a família de se adaptar
ou não a essa situação.
Assim, a visão do senso comum de
que uma criança deficiente irá, necessariamente, produzir conflitos na família,
não tem comprovação em pesquisas.
Famílias com crianças deficientes são
uma população de risco, mas isso não
significa que esse risco irá concretizar-se
em todos os casos. A eficácia de um programa de intervenção precoce em famílias
com um filho deficiente é constatada, e
fica claro que esse tipo de programa pode
auxiliar significantemente a adaptação
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 6 • Novembro • Dezembro de 2012
municação, rede de apoio e cuidados,
características individuais, estratégias
de enfrentamento e características da
deficiência. É certo de que essas famílias representam uma população de
risco, no entanto, como ressalta, Fávero
e Santos (2005), estes aspectos estressores não são exclusivamente causas
diretas da presença do deficiente, pois
isso dependerá também dos recursos
e possibilidades de adaptação que os
membros dessa família possuem.
Desta forma, o suporte social é um
fator mediador do stress e das condições
negativas causadas pela presença da deficiência, e, portanto favorece um melhor
ajustamento familiar. Brunhara, e Petean
(1999), tem enfatizado a necessidade de
que esses pais recebam o maior número
possível de informações; por perceberem
que a maioria das pessoas possuem dificuldade em compreender os mecanismos
causadores da deficiência, os autores
sugerem que esses pais tenham suas
dúvidas esclarecidas para que possam
decidir com maior segurança os recursos e condutas primordiais para o bom
desenvolvimento de seu filho.
Outro aspecto importante no trabalho
de prevenção e acompanhamento dos
membros das famílias com crianças deficientes deve estar, segundo Fiamenghi Jr
e Mesa (2007), direcionado à busca pela
qualidade das relações familiares e por
uma comunicação satisfatória desenvolvida pelos membros. Segundo os autores
é através de uma rede de apoio satisfatória, além de características individuais,
que estratégias de enfrentamento serão
desenvolvidas e os desafios específicos
do transtorno alcançarão soluções possíveis, viáveis e adequadas.
23
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 6 • Novembro • Dezembro de 2012
24
dos pais nos primeiros dezoito meses da
vida da criança (Fiamenghi Jr e Mesa,
2007).
Portanto, considerando os resultados
de pesquisas e estudos, é possível acreditar também que treinamento comportamental com pais, treinamento parental
a fim de que os pais invistam mais na
interação com a criança, suporte social,
assistência profissional, bons programas
educacionais, acesso à disponibilidade
de ajudantes, como baba, enfermeiros
ou acompanhantes terapêuticos, estilo
de vida parental favorável à busca de
orientações e apoio, são estratégias
eficazes contra os altos riscos que estes membros estão expostos (FÁVERO e
SANTOS, 2005).
Deste modo, podemos também analisar os benefícios que a instituição trás
à estes membros, pois lá é um local em
que a família encontra outras famílias que
vivenciam situações semelhantes, o que
permite que compartilhem sentimentos e
experiências, e que por sua vez, cumpre
com o papel informativo, auxiliando-os no
enfrentando e na elaboração de estratégias eficazes.
No entanto estes recursos são precários, ficando evidente o quanto as famílias
de crianças com deficiência encontram
dificuldades quanto à integralidade e
acessibilidade a serviços e ações de
saúde. Esta precariedade se dá tanto
em instituições privadas e principalmente
àquelas disponibilizados pelo Sistema
Único de Saúde (SUS).
Portanto, como concordam os diversos autores apresentados, é no suporte
social que encontramos melhores condições para lidar com este fator de risco
à qual estas famílias estão expostas.
Levando em conta que neste caso a
concepção de normalidade não será
possível, é a intervenção terapêutica
na qual um dos aspectos de melhor
ressultado é trabalhar para que os membros elaborem outros significados, ou
seja, alcancem a ressiginificação dos
papeies de cada um, diante da presença
deste membro com deficiência; além de
tornarem-se mais realistas em relação
às possibilidades de limites de suas
crianças. Desta forma, será possível
alcançarmos a diminuição da tensão e
consequentemente o stress parental,
evidenciando que o aconselhamento
informativo, bem como o trabalho terapêutico com os membros dessas famílias, é um bom recurso para trabalhar
em prol da boa funcionalidade familiar.
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i n clu s ã o
Casamento e Deficiência Mental
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SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 6 • Novembro • Dezembro de 2012
- O homem é consciente do mundo de sua
existência(...). O ser do homem(...) é um ser
em aberto, dinâmico, é força que se projeta
para além de sua condição de ente. Não está
fechado em si. É acontecimento. É manifestação. Ele revela-se nesse complexo aos
entes. O homem está em constante relação
com o homem, é um acontecimento histórico.
(Sidekum, 1979:21)
26
Pensar algumas das características
culturais e civilizatórias significa pensar
o homem naquilo que ele tem de mais
característico enquanto espécie, ou seja,
sua capacidade de dar significado aos
seus atos, personalizando-os e dando-lhes um valor específico.
Dentro dessa ótica, o casamento
mais do que simplesmente considerar
aspectos biológicos destinados a preservação da espécie e cuidado para com a
prole, envolve aspectos que estabelecem
um mundo próprio, de valores individualizados, a partir dos quais se estabelece a
relação interpessoal, intersubjetiva, uma
verdadeira história humana, fundada na
sua liberdade e nas suas peculiaridades.
Dessa maneira, conforme referem Guimarães (1995) e Chauí (1984), a própria
sexualidade, na espécie, é construída social, histórica e culturalmente e, exatamente por isso, o casamento é um ato social
e familiar, gerido por sistemas público e
privado, sofrendo ingerências das dimensões econômica, político-social, religiosa,
educacional e legal, historicamente definidas, bem como a expectativa e condutas
de vida dos enamorados e dos cônjuges,
as quais vão se tornando oficializadas pela
cultura, estabelecendo um processo recursivo circular (Munhoz, 2000).
Em nossa cultura pós moderna, marido e mulher compartilham responsabilidades iguais, com uma teórica passagem
de um ideal hierárquico para um ideal
igualitário que se reflete em valores e
condutas familiares, conseqüentes a
escolhas individuais.
Isso porque, a própria escolha dos
parceiros baseia-se, habitualmente, em
universos comuns, caracterizados por
nível social, intelectual e faixa etária uma
vez que esses valores igualitários tornam
a escolha mais flexível pela própria valorização pessoal. Munhoz, 2000).
Bower (1977) refere que os indivíduos tendem a se atrair pelo nível de
diferenciação de si mesmos em que se
encontram, procurando alguém com nível
semelhante quanto a capacidade de discriminar e identificar emoções e objetivar
ações e decisões.
Temos então aqui um dos núcleos da
questão que este texto se dispõe a pensar
pois, mais do que meras repetições “politicamente corretas”, procuramos refletir
sobre a questão do casamento (enquanto
instituição) e seu significado no que se
refere à pessoa com retardo mentalI e aqui
I
Utilizamos aqui o termo retardo mental uma vez
que, mesmo sendo considerado “políticamente
incorreto”ainda é o termo oficialmente adotado
pelos mecanismos legais que se baseiam na CID
10ª. Avalizada pelo governo brasileiro no que se
refere a classificação diagnóstica.
déficits físicos ou sensoriais, todos
passíveis de serem minoradas a partir
de estruturas de suporte físicos. Isso
não existe quando falamos de retardo
mental, razão pela qual seus índices
de absorção pelo mercado de trabalho
são muito menores e limitados àqueles menos comprometidos.
• satisfação afetiva através dos próprios
relacionamentos. Esses relacionamentos são dinâmicos, com mudanças
freqüentes que demandam trocas
de papeis e de liderança visando a
solução de problemas emergentes
com percepção do feed-back ambiental e flexibilidade para a obtenção de
estratégias eficazes. Ora, se consideramos que uma das características
do retardo mental é exatamente o
comprometimento de função executiva que propicia a percepção desse
feed-back ambientaL, bem como a flexibilidade e a capacidade de planejar
soluções eficazes e rápidas, teremos
aí a dificuldade na manutenção dos
próprios relacionamentos conforme
pudemos observar em alguns casais
de indivíduos com deficiência mental
que acompanhamos no decorrer do
tempo (Assumpção, 2005).
• satisfação das necessidades sexuais,
entre elas perpetuar a espécie. Talvez
esta seja a característica mais facilmente executável uma vez que o ato
procriativo é comprometido somente
em muito poucas síndromes genéticas
nada havendo que impeça a procriação.
• socialização dos filhos, a fim de satisfazer às necessidades da sociedade a
qual pertencem. O papel familiar envolve a questão da educação propiciando
o amadurecimento da personalidade e
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 6 • Novembro • Dezembro de 2012
já encontramos um dos temas sobre os
quais se fazem necessário refletir pois se
consideramos retardo mental como “uma
incapacidade caracterizada por importantes limitações, tanto no funcionamento
intelectual quanto no comportamento
adaptativo,estando expressa nas habilidades conceituais, sociais e práticas e essa
incapacidade tendo início antes dos 18
anos de idade”(APA; 2002) e se pensarmos
inteligência como a “capacidade de realizar
atividades caracterizadas por serem difíceis, complexas, abstratas, econômicas,
adaptáveis a um objetivo, de valor social,
carente de modelos, e para mantê-las em
circunstâncias que requeiram concentração de energias e resistência às forças
afetivas” (Stoddar; 1943 apud Assumpção,
2005), somos obrigado a pensar que, um
organismo complexo, valorativo, que busca
a homeostase e que tem funções muito
específicas para desempenhar, tem, obrigatoriamente dificuldades em se manter,
de maneira expontânea, nessas condições
senão vejamos:
Para Howels (apud Gomes, 1987)
uma família tem funções específicas
caracterizadas por
• responsabilidade econômica uma vez
que visa manter e prover suas próprias
necessidades. Ora, a despeito de
todos os discursos que escutamos
em nosso cotidiano, vivemos em
uma cultura que privilegia a especialização e a eficácia, desvalorizando
com isso, inúmeras categorias por
suas idades, falta de preparo técnico
e outras questões menores. Assim,
mesmo com toda a legislação de proteção, vemos cotidianamente que as
pessoas deficientes absorvidas pelo
mercado de trabalho são aquelas com
27
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 6 • Novembro • Dezembro de 2012
a integração gradual dos filhos ao mundo, funcionando os genitores como
sistemas de suporte para os filhos em
crescimento. Isso demanda capacidade de prever o futuro (imagens mentais
antecipatórias bem estruturadas) e
projetos existenciais definidos (uma
vez que para que se criem filhos se
abre mão de necessidades próprias
em prol de um objetivo maior), ambos
característicos de pensamento abstrato muito bem desenvolvido e elaborado
a partir de valores pessoais construídos no decorrer da própria existência.
28
Entretanto, o discurso politicamente
correto traz a baila duas questões que
não podemos deixar de considerar. Uma
delas, a questão da livre expressão da
sexualidade, consideramos extremamente oportuna e justificável embora
não pensemos que o casamento deva
servir de solução para um problema tão
básico uma vez que, conforme falamos
anteriormente, ele se constitui numa
estrutura social extremamente complexa
que envolve muitos mais elementos que
a mera expressão da sexualidade, comportamento mais elementar e simples.
A outra, tangencia uma questão afetiva
esquecendo que a idéia de amor associado
a casamento é bastante recente e portanto, não podemos considerá-la indissolúvel
posto que as relações de afeto, conforme
já dissemos anteriormente, a nosso ver,não
demandam a ligação específica com uma
estrutura social de tal maneira complexa
uma vez que um contrato matrimonial estabelece divisão de trabalho doméstico, uso
de espaço habitacional, responsabilidade
de cada cônjuge na educação e socialização dos filhos, disposição sobre bens,
dedicação a trabalho e outras coisas mais
(Sussman, 1970).
Assim, partindo de uma premissa
heideggeriana, consideramos que o casamento em sifaz parte de um mundo
de significados onde o homem, após a
compreensão de seu “ser-no-mundo”
escolhe e executa projetos segundo suas
reais possibilidades. O déficit cognitivo dificulta esse dimensionamento do projeto
existencial bem como o reconhecimento
das próprias limitações. Foi exatamente
essa a questão aventada, pouco tempo
atrás, quando uma religião impediu o casamento religioso de duas pessoas com
deficiência mental argumentando que,
sob o ponto de vista religioso, o ato em
si demandava total conhecimento do ato
naquilo que se referia a direitos e deveres
sendo fruto de uma atitude consciente.
Entretanto, apresentarmos as dificuldades da estrutura social casamento não
significa que tenhamos que esquecer que
essa população, como qualquer grupamento humano, apresenta vontades e desejos
que reclamam satisfação embora, nem
sempre esses aspectos sejam elaborados
de maneira socialmente aceitável.
Assim, torna-se interessante pensarmos que ao mesmo tempo em que advogamos o “direito ao trabalho” (castigo
divino se nos lembrarmos da Gênesis que
refere “ganharás o pão com o suor do teu
rosto”) nem sequer discutimos os direitos
do deficiente mental de ter uma vida com
possibilidades sexuais e eróticas como
se isso fosse muito bem resolvido e estabelecido por nossa sociedade.
Fingir igualdade é algo extremamente
artificial. Como diziam Balthazar e Stevens (1975), “uma sociedade ideal seria
aquela aberta, na qual aprenderíamos a
Doutor, boa tarde
Estou lhe dizendo que não consegui
nada com o médico da cidade. Na primeira
disseram que ele não estava e na segunda
disseram que ele estava de férias.
Pelo amor de Deus me ajude para ver se
consigo operar essa menina. Não vou aí com
ela porque não posso levar as duas crianças
dela e mais uma nora que ficam comigo pra
que ela trabalhe.
Abraço.
Agradece
J (carta de avó de criança de dois anos
com deficiência mental profunda, com irmã
de 4 anos com deficiência mental leve e mãe
com 28 anos também com deficiência mental
leve. Assumpção, 1987)
Referências Bibliográficas
1. ASSUMPÇÃO JR. FB.; SPROVIERI, MH.
Sexualidade e deficiência mental. São
Paulo, Moraes, 1987
2. ASSUMPÇÃO, FB.; SPROVIERI, MH.
Deficiência Mental: sexualidade e
família. São Paulo; Manole; 2005
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emotionally disturbed mentally retarded.
Nova York; Prentice Hall, 1975
4. BOWER, M. Family therapy in clinical
pratice. Nova York, Janson Aronson,
1977
5. CHAUÍ, M. Repressão sexual: essa nossa
(des)conhecida. São Paulo, Brasiliense,
1984,
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Petrópolis, Vozes, 1987
7. GUIMARÃES, I. Educação sexual na
escola:mito e realidade. Campinas,
Mercado de Letras, 1995
8. MUNHOZ, MLP. Casamento:ruptura ou
continuidade dos modelos familiares?
São Paulo, Cabral Ed. Universitária,
2000.
9. SUSSMAN, MB. Changing families in a
changing society. Forum 14 – Report to
the president: White House Conference
Children. Washington, US Government
Printing Office. 1970
Francisco B. Assumpção Jr.,
Livre Docente pela FMUSP.
Professor Associado do IP-USP, membro da Academia
Paulista de Psicologia (cadeira
17) e Medicina (cadeira 103).
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 6 • Novembro • Dezembro de 2012
tolerar e viver com indivíduos diferentes
de nós quanto a capacidade intelectual,
à estrutura emocional, entre outras coisas. A aceitação dos indivíduos pode ter
um significado terapêutico importante
em certos aspectos do ensino e da instrução; pode bem ser o principal papel
das ciências sociais reforçar e fornecer
a base para aceitar os outros e estabelecer maior tolerância em uma sociedade
aberta. Uma sociedade que fosse bem-sucedida em tais esforços não seria
utópica mas ideal.”
Esse talvez seja o maior paradoxo
com o qual nos defrontamos.
Como aceitar o diverso em uma cultura que privilegia o homogêneo, como
aceitar o deficitário em uma sociedade
que opta pela eficácia, como permitir
expressões existenciais diferentes em
um modelo onde todos devem ser iguais?
Pensar essas questões, através da
temática casamento ou através de muitas
outras, talvez seja um caminho que possa
ser trilhado para que tenhamos algumas
soluções, práticas e não teóricas, existenciais e não filosóficas.
29
de m ã e , pra m ã e
A importância de estimular
quem tem dificuldades
de aprendizagem
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 6 • Novembro • Dezembro de 2012
Por Marisa Aparecida Gimenes da Cunha de Andrade*
Edição de texto: Leandra Migotto Certeza**
Fotos: arquivo pessoal
30
Leonardo (à direita) com sua família: mãe, pai e irmão
Neste espaço, pais e pessoas com
síndromes relatam um pouco sobre suas
experiências ao viver singularmente em
uma sociedade ainda pouco inclusiva.
São exemplos de quem que já conseguiu
alcançar muitos objetivos graças à força
de vontade, mas ainda enfrentam muitos
desafios para realizarem seus sonhos;
assim como a maioria dos seres humanos sem deficiências também. É uma
oportunidade para os leitores conhecerem um pouco mais sobre a diversidade.
conhecerem o que é esta síndrome são
pessoas insensíveis à dor alheia.
Também tivemos muita dificuldade
em acreditar que nosso menino era uma
criança com necessidades específicas,
pela dificuldade de encontrar profissionais habilitados a um preço acessível, e
que soubessem trabalhar com ele. O tratamento indicado na época foi estímulo,
terapia comportamental e processo de
inclusão. Hoje os avanços dele tem sido
ótimo. Mas sofremos muito preconceito por parte dos familiares, na escola,
na igreja, e na sociedade. Por ser uma
síndrome em que o indivíduo apresenta
muitas dificuldades comportamentais e
inflexibilidade diante das rotinas diárias,
às vezes, ainda ouço pessoas que desconhecem as características do autismo
fazerem críticas considerando-os pessoas
sem educação ou sem limites.
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 6 • Novembro • Dezembro de 2012
Meu filho Leonardo, de 13 anos,
tem TEA - Transtorno do Espectro do
Autismo e Dificuldades de Aprendizagem. Soubermos do seu diagnóstico
quando ele tinha por volta de 3 anos
de idade. Ele teve atraso de fala, dificuldade na interação social, estereotipias, problemas comportamentais e
principalmente, problemas no processo
de alfabetização. Recebemos de forma
muito cruel e fria o diagnóstico: seu
filho tem deficiência, dificilmente virá a
falar e na adolescência provavelmente
terão que mantê-lo em instituição por
causa do comportamento difícil. Foi
muito triste ouvir isso de um médico,
pois nesta situação os pais necessitam
e desejam ser acolhidos, encaminhados
para algum especialista que os oriente
que rumo tomar. Hoje percebo que a
maioria dos profissionais além de des-
Estudando no computador
31
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 6 • Novembro • Dezembro de 2012
32
Ele começou a frequentar a pré-escola, por volta dos 3 anos de idade,
por indicação de uma fonoaudióloga. A
experiência da primeira escola foi ruim
para todos nós. Ele sofreu muito, pois
ainda não tinha um diagnóstico e apenas
atraso de fala. A queixa da escola era que
ele não acompanhava as outras crianças
nas atividades, não sabia desenhar, não
falava e apresentava muitas crises de
choro, birra e agressão quando contrariado. Como eu e meu marido trabalhávamos
fora de casa, o Leonardo ficava sob os
cuidados dos avós maternos. Por conta
disso, a psicóloga da escola afirmou
que nós não sabíamos educar o menino,
e que os avós o deixavam sem limites.
Foi muito doloroso e confuso ouvir isso
naquela época, pois era nosso primeiro
filho e não tínhamos um referencial.
Mas apesar da dificuldade de encontrar uma escola adequada que o
aceitasse, ele sempre frequentou escola
regular no processo de inclusão onde
teve oportunidade de ser estimulado.
Ele freqüentou também uma escola especializada no contra-turno da regular,
a Associação dos Amigos das Pessoas
com Autismo. Lá além da estimulação
que ele recebeu, eu pude fazer cursos
para entender e auxiliá-lo nessa árdua
e abençoada tarefa de ser mãe de uma
pessoa com deficiência intelectual.
Desde o início do diagnóstico ele
apresentou muita evolução no aspecto
intelectual, emocional e principalmente
na interação com o outro. Hoje ele está
alfabetizado e freqüenta o 6º ano do ensino fundamental em uma escola da rede
regular de ensino privada. Ele apresenta
dificuldade nas atividades mais abstratas
como matemática, interpretação de tex-
to e filosofia, e nas demais atividades,
ciências, geografia e inglês ele assimila
melhor. Mas necessita de uma tutora que
o acompanha diariamente nas rotinas
escolares, auxiliando-o na parte pedagógica e nas questões comportamental.
Ele tem um bom relacionamento com os
profissionais da escola e com os colegas,
é uma pessoa muito querida pelo seu jeito simples, despojado e inocente de ser.
O Léo é um desenhista de mão
cheia, começou a desenhar aos 5 anos
de idade e a partir de então teve grande
avanço sem nunca ter frequentado escola
específica. Apesar das características
muito peculiares da deficiência, ele está
incluso em tudo que uma família pode
fazer como: passeios, shoppings, cinema,
teatro, igreja, escola, visitas na casa de
familiares, amigos, atividades escolares
inclusive baladas. Apenas necessita de
alguém com um olhar mais atento, em
função da ausência de malícia e medo do
perigo real. E hoje nosso maior desafio
é em relação às questões comportamentais, pois ele está mais agitado e impulsivo por causa da adolescência.
Eu gostaria que ele terminasse o ensino médio, e ingressasse em uma faculdade voltada para sua área de interesse
o desenho. Porém, o futuro a Deus pertence, e sei que preciso investir também
em atividades de vida prática e diária,
para que ele consiga ter maior autonomia e independência, por isso também
realizamos projetos de convivência social.
Em casa suas atividades principais são:
TV, vídeo game, computador e desenhar.
Gosta muito de passear e na casa de
familiares ou amigos. Faz natação e caminhada. Todas essas atividades são muito
importantes, pois atuam como estímulos.
A TV e o computador ajudaram no processo de alfabetização, e o conjunto de todas
essas atividades auxilia na quebra de
rotina, inflexibilidade, interação social. O
inglês ele aprendeu praticamente só com
o auxílio do computador e da TV através
dos desenhos e vídeos.
Pela experiência, digo que convivência com uma pessoa com TEA e
Problemas de Aprendizagem não é uma
tarefa fácil, exige muito de todos, e principalmente, dos irmãos. Há momentos e
fases angustiantes, pois a instabilidade
de humor e a inflexibilidade diante das
menores coisas deixam os familiares
fragilizados, cansados, estressados,
deprimidos e ás vezes em pé de guerra.
Mas há também os momentos fantásti-
cos e muito gratificantes, pois tudo que
ele consegue produzir e fazer é festejado
como um obstáculo vencido e mais uma
vitória. Assim a família precisa ter muita
estrutura, equilíbrio e fé em Deus para
suportar com amor, humildade, paciência, tolerância e muita resignação todas
essas provações e conseguir manter-se
unidos.
Tenho dois filhos, o Léo e o Felipe
de 7 anos que não tem deficiência. A
relação do Felipe com seu irmão às
vezes é um pouco complicada, pois ele
sente bastante o excesso de atenção que
dispensamos ao Léo por causa de suas
necessidades e peculiaridades. Algumas
vezes há necessidade de terapias para
que ele possa entender e aceitar as situ-
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 6 • Novembro • Dezembro de 2012
Desenho de Léo
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SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 6 • Novembro • Dezembro de 2012
Convivendo com a família na casa da avó Alice
34
ações conflitantes com seu irmão, devido
à deficiência dele. Meus filhos e minha
família são meu tudo. Eu os amos, sei
que são presentes que Deus colocou na
minha vida. E através destes presentes,
Deus tem me dado a oportunidade de
evoluir muito em todos os sentidos da
minha vida: eu estou aprendendo a amar,
a respeitar, a olhar para o meu semelhante sem julgá-lo pela sua aparência
ou atitude, estou aprendendo a ser uma
pessoa melhor e valorizar mais o ser humano. Foi através do Léo que direcionei
minha vida profissional, além de entender
esse mundo tão complexo e tão simples
ao mesmo tempo e poder auxiliar pais e
profissionais.
Hoje estou à frente de um projeto a
fim de oportunizar a convivência de pessoas com deficiência intelectual junto à
sociedade. Pois, além de ser mãe sou
pedagoga e psicopedagoga e durante 3
anos atuei em clinica e como consulto-
ra no processo de inclusão escolar. E,
infelizmente, vejo que ainda hoje, existe
um despreparo e um preconceito muito
grande, por parte dos profissionais da
área educacional, em relação ao TEA,
pois esta deficiência possui características muito peculiares; e poucos são
os profissionais que tem interesse em
aprender e aprofundar-se no assunto,
muitos acreditam que é falta de limites
ou educação dos pais. Também acompanho através das redes sociais e procuro
estar sempre atualizada com as notícias
em busca de respostas para o autismo
ou em conquistas aos nossos direitos e
benefícios.
Nessa jornada fiz grandes amigos, e
percebi que existem muitas pessoas com
bastante conhecimento se movimentando
para melhorar nossa política pública de
inclusão. Mas o grande problema é que
ao invés de se unirem em um único ideal, alguns ficam disputando espaço para
Brincando ao lado do seu irmão Felipe
mule seu filho, proporcionando o máximo
de autonomia e independência. Ignore as
pessoas preconceituosas, pois muitas
vezes será necessário engolir alguns
sapos para evitar desgastes emocionais.
Mas acima de tudo ame o e aceite para
que vocês possam ser felizes!
Leandra Migotto Certeza é
jornalista e repórter especial
da Revista Síndromes. Ela tem
deficiência física (Osteogenesis Inperfecta), é assessora
de imprensa da ABSW, e consultora em inclusão e mantém
o blog “Caleidoscópio – Uma
janela para refletir sobre a diversidade da vida” - http://
leandramigottocerteza.blogspot.com/. Conheçam os
modelos de palestras, oficinas, cursos e treinamentos
sobre diversidade, realizados em empresas, escolas,
ONGs, centros culturais e grupos de pessoas no site:
https://sites.google.com/site/leandramigotto/
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 6 • Novembro • Dezembro de 2012
terem seus nomes na calçada da fama e
esquecem que há milhões de familiares
e indivíduos com autismo sofrendo, sem
recursos, e esperando desesperadamente por atendimento e melhor qualidade de
vida. Por isso, aconselho a todos que é
preciso ter muita paciência, tolerância, dividir suas angústias e temores com seus
familiares e outras pessoas que tenham
filhos com a mesma síndrome. Nunca
acredite em um profissional que limite ou
subestime a capacidade de seu filho. Esti-
35
artigo do leitor
O importante é dar
o primeiro passo
Francelene Rodrigues
Entrevistadora: Leandra Migotto Certeza – jornalista*
Fotos: arquivo pessoal
Bacharel em Serviço Social, Francelene Rodrigues fala sobre
a importância da participação na criação do Interconselho da
Coordenadoria Regional de Saúde Leste de SP
pelo caminho até eu terminar o curso este
em dezembro de 2012. Sei que eles precisam ser sempre ultrapassados.
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 6 • Novembro • Dezembro de 2012
Passou por preconceitos e discriminações?
36
Conte um pouco como foi o seu processo
de inclusão educacional. Quais foram os
maiores desafios e conquistas?
Amo estudar. O processo educacional
foi tranqüilo, até adquirir a deficiência física. Sempre estudei em escolas públicas e
conclui o magistério. Complicado foi quando
decidi voltar aos estudos, pois a minha
matricula no ensino médio supletivo foi recusada. Precisei adquirir outros conteúdos
para prestar vestibular. Mas insisti e venci,
e logo depois ingressei na faculdade, com
algumas barreiras que ao decorrer do curso
universitário foram superadas a cada dia.
Mas muitos outros obstáculos apareceram
Uma barreira inquebrantável sempre
será o preconceito, que ainda existem em
relação às pessoas com quaisquer tipos
de deficiência no mundo, não só na faculdade. Esse sentimento, muitas vezes, vem
da família; e é indiscutível que esse tema
ainda seja uma barreira para muita gente.
O maior preconceito foi em entender que eu
mesma era preconceituosa com as pessoas
e não elas comigo.
Sempre quis ser assistente social? Qual a
importância dessa profissão em sua vida?
Decidi pela profissão, devido ao envolvimento dentro de minha própria comunidade na qual sou líder, e Conselheira
de Saúde desde 2001. Sempre trabalhei
em prol de melhorias para o bairro onde
vivo. Amo a profissão que escolhi, e sei
que mercado de trabalho está aberto, pela
Qual a importância da participação popular
nos Movimentos Sociais, nos Conselhos
Gestores das Unidades Básicas de Saúde (UBS); e nos Conselhos Gestores de
Supervisões Técnicas de Saúde (STS) da
zona leste de SP, interligados direta ou indiretamente às decisões regionalizadas do
Sistema Único de Saúde (SUS), de acordo
com suas especificidades?
A importância desta participação
popular atribui-se hoje ao envolvimento e
articulação de forma organizada, que atualmente é representado pelos Movimentos
Sociais e Conselhos de Direito como mecanismos de gestão das políticas públicas
na intervenção e mediação paritária junto
ao Estado e ao próprio controle social, de
acordo com suas especificidades e necessidades locais, ou seja, nas UBS´s, distritais
STS´s - Conselhos Gestores de Supervisões
Técnicas de Saúde Regionais (norte, sul,
sudeste e centro-oeste).
Esta participação vem ocorrendo com que
freqüência?
Esta participação acontece de acordo
com as diretrizes do SUS – Sistema Único
de Saúde, mensalmente em cada instância
com datas e pautas já pré-agendadas junto
aos representantes por segmentos.
Quais os principais problemas enfrentados
pela população em geral da zona lesta
para conseguir participar ativamente das
reuniões e ações dos Conselhos Gestores?
Neste caso não vejo problemas, porque
a participação local acontece nas UBS´s,
que geralmente estão localizadas próximas
à residência das pessoas e das STS`s. E o
transporte é garantido para todos os Conselheiros e seus representantes, através de
passes livres ou de carro. Suas ações são
realmente discutidas da melhor maneira, e
os problemas resolvidos na medida do possível em cada instância, seja local, distrital
ou regional. E sempre ocorre de comum
acordo com os seus representantes.
Quais foram às principais especificidades
e necessidades encontradas na zona leste
da cidade de São Paulo que culminaram
com a criação do Interconselho da Coordenadoria Regional de Saúde Leste de SP
em 2006?
O Interconselho Coordenadoria Regional de Saúde Leste de SP teve suas
discussões preliminares no Conselho
Gestor de Saúde de Itaquera. Durante
alguns meses, esse coletivo discutiu a
importância do controle social democrático nas coordenadorias, entendendo que
a criação desse espaço seria necessário
devido à constatação que as decisões e
o poder político estariam nessa instância.
Além disso, a cada mandato, o Conselho
deparava-se com novas políticas e ações,
naquele momento PT e PSDB, ou seja, com
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 6 • Novembro • Dezembro de 2012
amplitude em conhecimentos, desafios e
competências, que a área possui. Ser assistente social para mim é primeiramente
ser cidadã, capaz de garantir direitos ao
próximo e a si mesmo. Logo que cheguei
à faculdade, foram feitas adaptações para
garantir a acessibilidade em quase todos
os espaços. Mas hoje as pessoas com
deficiência podem se sentir livre para se
locomoverem, pois fizeram rampas e instalaram dois elevadores. Fiquei muito feliz
pelas mudanças.
37
troca de gestões e novos comandos, aos
quais teriam que se adaptar. Como forma
de interação e inter-relação, o grupo resolveu criar um mecanismo por meio do qual
passou a ter acesso direto e interligado à
Coordenadoria Regional de Saúde Leste
em suas decisões regionais. Assim nasce
o Interconselho de Saúde.
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 6 • Novembro • Dezembro de 2012
Faça um breve resumo do atual diagnóstico encontrado nos Conselhos Gestores
de Saúde da zona leste de SP. Quais são
os principais desafios a serem vencidos?
38
Foi constado ausência das pessoas
nas reuniões do Conselho Popular e apatia
na participação; além da necessidade de
ter um regimento interno efetivo e criar
e/ou melhorar os canais de comunicação
divulgação das informações. Por isso,
verificamos que é preciso divulgar para a
população e seus Conselhos, as leis e os
decretos, garantir a convocação dos seus
membros através de meios de comunicação; além da participação do trabalhador,
gestor e usuários, tanto nas reuniões
quanto nos eventos. Também é preciso
acompanhar os demais Conselhos (locais
e supervisão) através das atas e visitas;
calendários anuais das reuniões de todos
os conselhos; e a garantia do curso de
capacitação para conselheiros gestores.
O principal desafio no momento ainda é
a capacitação desses conselheiros para
que se apropriem das leis, decretos e
possam disseminar um bom trabalho em
cada segmento.
E as conquistas alcançadas?
As conquistas que alcançamos foram
em relação à conscientização da importân-
cia desta participação popular organizada
para que realmente o trabalho árduo dos
conselheiros seja bem elaborado e posto
em prática para melhorias de cada região.
Uma das propostas do seu Trabalho de
Conclusão de Curso é servir de reflexão
sobre a implantação de novas ações coletivas e decisivas num determinado grupo
que respondam às necessidades de uma
região, além de ser um registro histórico
sobre a suma importância da participação
popular no controle social. Explique como
os estudantes e/ou bacharéis em Serviço
Social irão utilizar os resultados apresentados em seu trabalho.
Ressalto que em nosso código de
ética profissional, defendemos o aprofundamento da democracia, enquanto
socialização da participação política e da
riqueza socialmente produzida; além de nos
posicionarmos em favor da equidade e da
justiça social, que assegure universalidade
de acesso aos bens e serviços relativos aos
programas e políticas sociais. Com isso,
espero, que os estudantes e/ou bacharéis
em Serviço Social, através deste Trabalho
de Conclusão de Curso possam se apropriar de novos mecanismos de gestão, e
até mesmo contribuir para criar outros os
quais não se limitam às regras já existentes; levando-os a pensar, discutir, mediar e
ir além das questões sociais postas neste
trabalho.
O meu objetivo foi mostrar que o
profissional do Serviço Social também é
importante neste contexto e pode contribuir
muito em novas políticas e ações capazes
de articular o controle democrático e o projeto ético-político do Serviço Social, que na
verdade consolida a cidadania; a garantia
Conte um pouco sobre sua atuação nos
movimentos sociais em prol dos Direitos
Humanos das Pessoas com Deficiência
com ênfase na área da saúde. Quando
você começou?
Bom, minha atuação começou em
2001 por necessidades próprias, três anos
após eu ter adquirido a deficiência física.
Depois pude constatar que não existia só
eu neste mundo com deficiência física,
e muitas outras pessoas que eu nunca
imaginava, principalmente, na região em
que moro até hoje. No início a batalha foi
árdua; recebi muitos “nãos” pela frente,
mas nunca desisti de lutar em prol dos
direitos das pessoas com deficiências.
No início, foi por mim mesma, mas devido
a minha garra, o que aprendi serviu para
ajudar mais de cinco mil pessoas na região
onde vivo. Isso me fortalece a cada dia que
me lembro de como tudo começou; minhas
participações nas reuniões de pais nas escolas de minhas filhas, depois no conselho
gestor da UBS Jd. Campos; e no Orçamento
Participativo onde dei o pontapé inicial de
toda minha trajetória.
Em quantos órgãos públicos atuou? Quais
foram os cargos que ocupou?
Naquele momento fiz minha primeira
reivindicação pública solicitando a aprovação da acessibilidade nas escolas do
distrito do Itaim Paulista / Curuçá. Quando
não vi aprovado e posto em prática esta
necessidade, não parei de cobrar o gestor
local. E logo depois já estava eleita como
Conselheira de Saúde na UBS Jd. Campo;
e depois no próprio CMPD – Conselho
Municipal da Pessoa com Deficiência e no
CIC - Centro de Integração e Cidadania em
Defesa da Cidadania e Abertura de Espaço
às Pessoas com Deficiência da zona Lesta.
Também atuei no CTA Sérgio Arouca em
relação à prevenção das DSTs e da AIDS,
abordando a sexualidade da pessoa com
deficiência, e participando de uma pesquisa pelo Instituto Amankai. Fui contratada
pela Secretaria de Saúde como Agente de
Prevenção para orientar as pessoas com deficiências físicas, auditivos e visuais sobre
o uso dos preservativos a conscientização
da saúde sexual.
Logo após já estava defendendo os
direitos humanos, enquanto usuária dos
serviços de saúde prestados a população,
em Brasília como Delegada Eleita pelo segmento de pessoa com deficiência. Assumi
o título de Conselheira Gestora, representante do segmento usuário local, distrital e
regional de saúde, nas UBS´s Jd.Campos/
AMA, CTA Sergio Arouca, STS do Itaim /
Curuçá e na Coordenadoria Regional de
Saúde para a criação e atuação na região
Leste do Interconselho.
Quais foram às principais dificuldades
enfrentadas e as conquistas alcançadas?
Foram muitas as dificuldades pelas
quais passei, porque a princípio, me locomovia em cadeira de rodas comum e
precisava sempre de acompanhante. Mas
logo tudo foi se ajeitando, e a Supervisão,
a Coordenadoria e a própria Prefeitura, já
fornecia o transporte quando eu ia representá-los. Logo após, comecei a estudar
e já utilizava o transporte do Atende da
Prefeitura de SP (que leva de porta a porta
as pessoas com deficiência), depois obtive
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 6 • Novembro • Dezembro de 2012
dos direitos civis, sociais e políticos das
classes trabalhadoras.
39
o triciclo motorizado e comecei a sair mais
sozinha para todos os locais. Bom, por
dificuldades todos nós passamos todos
os dias enquanto pessoas com deficiência,
mas tudo tem jeito, tudo passa e se resolve; basta só ter força, garra e determinação
em alcançar nossos objetivos. Isso eu
tenho como lição de vida e sempre sigo à
risca este meu pensamento. Sou determinada em tudo o que faço e dificilmente me
arrependo do que fiz.
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 6 • Novembro • Dezembro de 2012
Sua história de vida pessoal também foi
marcada por diversos obstáculos, dificuldades, desafios e até graves problemas
familiares. Conte um pouco dessa história.
40
Bom, acabei relatando um pouco de
minha história na pergunta anterior; mas
tenho paraplegia há 15 anos, devido à
violência doméstica. Sofri um ferimento de
arma de fogo pelo meu ex-marido e hoje uso
uma cadeira de rodas. Este acontecimento
foi muito triste a princípio, mas foi de onde
tirei forças para chegar aonde cheguei hoje,
com a conclusão de meu curso em Bacharel
em Serviço Social. E também acredito que
devido a todas as minhas dificuldades em
particular, pude conquistar vários benefícios em prol de muitas pessoas com deficiências; e a maioria delas, foi em relação
à saúde, onde atuo com muito orgulho até
hoje, sempre em defesa deste segmento
e suas necessidades básicas, além de defender também a violência contra mulheres
ao qual também fui vítima.
E em que momento da sua vida, você percebeu que era chegada a hora de começar
à lutar também por outras pessoas com
deficiência que passaram por situações
iguais ou parecidas com as que você vi-
veu? E quando você sentiu a necessidade
de ampliar seu ativismo social de forma
mais ampla?
Com tantas participações sociais acabei reconhecendo que poderia ir mais longe,
como cursar uma faculdade, a qual, concluo
com muito orgulho agora e agrego a teoria
do meu aprendizado à prática com toda
esta minha bagagem enquanto liderança
comunitária, representante da ONG ACADF
e Ex-Conselheira nos Conselhos Gestores
de Saúde nas UBS´s, na STS, na CRS - Leste, no CMPD, dentre outros locais os quais
atuei com muito empenho e determinação
obtendo êxito em minhas defesas em prol
dos usuários dos serviços prestados não
só pela saúde, mas por outros também
em relação ao transporte, lazer, educação,
segurança e habitação. Sinto-me realizada
em tudo o que faço, porque faço com propriedade do assunto e com muito orgulho
de poder contribuir para melhorias em prol
de tal segmento.
Como está a educação inclusiva no Brasil?
O que precisa ser incentivado e o que é
necessário mudar?
Em linhas gerais, no Brasil, a educação
inclusiva ainda deixa muito a desejar; primeiro porque os professores da rede pública, e mesmo da particular necessitam com
urgência de capacitação, oferecida pelos
seus próprios órgãos competentes. Os professores precisam também ter dedicação,
paciência, consciência, competência; e o
mais importante: ter aptidão e envolvimento
não só porque a inclusão está na moda, e
sim porque é urgentemente necessária em
pleno século XXI. Mas ainda há barreiras e
resistência desses profissionais. Acredito
que só se faz educação se educando, e ela
começa em casa.
Qual a mensagem que você deixa aos
leitores?
Deixo a mensagem que as pessoas
devem jamais desistir de seus sonhos, pois
eles podem sim se tornar realidade. Desde
que cada um procure se especializar no que
melhor possa desempenhar. Que procurem
algo que agrade primeiro a si próprio e
tome gosto por tudo o que fizer, fazendo
direito e com muita garra, força, vontade e
determinação no objetivo desejado. E que
nada é impossível para aquele que crê no
seu próprio potencial enquanto ser humano,
por que na verdade somos todos iguais
em nossa diversidade inata. E como bem
disse Vinícius de Moraes: “Por mais longe
que seja a caminhada, o mais importante
é dar o primeiro passo”.
Conheça mais sobre Fracelene: http://
www.facebook.com/francelene.rodrigues
Francelene Rodrigues, 39
anos, nasceu e sempre morou
na comunidade do bairro Itaim
Paulista, na zona lesta cidade
de São Paulo. Tem quatro
filhas e netos. Sua deficiência física, a paraplegia, foi
adquirida após uma violência
doméstica do meu ex-marido, em 1998.
Atualmente, atua como líder comunitária onde vive e
concluiu o curso de Bacharel em Serviço Social pela
Universidade Camilo Castelo Branco do campus de
Itaquera. A publicação de 110 páginas do seu Trabalho
de Conclusão de Curso - TCC: “A Criação do Interconselho de Saúde na Coordenadoria Regional da Zona
Leste” (defendido dia 05 de dezembro de 2012) pode
ser adquirido no Clube dos Autores (ver link abaixo),
e serve de grande incentivo a todos os estudantes, e
principalmente, aos com alguma deficiência que lutam
por realizarem seus sonhos.
Francelene também palestra sobre inclusão social em
organizações não-governamentais, se diverte, cuida da
casa e dos filhos, e namora quando se identifica com
alguém. “Não me curvo frente aos erros, nem admito
sentimentos de pena. Hoje sou feliz assim como sou.
Cresço com minhas experiências e sou um instrumento
de inclusão!”.
https://www.clubedeautores.com.br/
book/137342--A_CRIACAO_DO_INTERCONSELHO_DE_SAUDE_NA_COORDENADORIA_REGIONAL_DE_SAUDE_LESTE
*Leandra Migotto Certeza é
jornalista e repórter voluntária
da Revista Síndromes. Ela tem
deficiência física (Osteogenesis Inperfecta), é assessora
de imprensa voluntária da
ABSW, e mantém o blog
“Caleidoscópio – Uma janela
para refletir sobre a diversidade da vida” - http://leandramigottocerteza.blogspot.com/. Conheçam os modelos
de palestras, oficinas, cursos e treinamentos sem fins
lucrativos sobre diversidade, realizados em empresas,
escolas, ONGs, centros culturais e grupos de pessoas
no site: https://sites.google.com/site/leandramigotto/
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 6 • Novembro • Dezembro de 2012
Link para comprar a publicação do TCC:
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reportagem
CRIA - Centro de Referência
da Infância e Adolescência
desenvolve pesquisa e
assistência em saúde mental
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 5 • Setembro • Outubro de 2012
Por Leandra Migotto Certeza
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Este serviço criado em 2002 pelo
Departamento de Psiquiatria da Unifesp –
Universidade Federal de São Paulo, conta
com uma equipe multiprofissional de médicos psiquiatras, psicólogos, assistentes
sociais, enfermeiros, terapeutas ocupacionais, psicopedagogos, arte-terapeutas,
musicoterapeutas e fonoaudiólogos; para
garantir o exercício de um olhar amplo e
abrangente sobre os problemas humanos
ligados à esfera da saúde mental de crianças, adolescentes e suas famílias.
“A super especialização das práticas e
dos conhecimentos nos dias atuais, bem
como sua fácil divulgação, muitas vezes
sem critérios, tem gerado expectativas
e também confusão no nosso campo de
trabalho. Por isso, prestamos serviços
informativos e promovemos debates para
o grande público a partir das experiências
que temos tido ao longo dos anos em lidar
com a população infanto– juvenil e suas
famílias e que possamos fazê-lo com ética
e qualidade clínica, conforme as possibilidades de nossa equipe técnica”, esclarece
o Dr. Raul Gorayeb, psiquiatra, coordenador
e idealizador do centro de referência.
As atividades de pesquisa no CRIA
se desenvolvem principalmente a partir
da prática clínica. São utilizadas diversas
metodologias, dentre elas os métodos
qualitativos, as técnicas psicanalíticas de
pesquisa, e outras. A equipe participa das
atividades dos cursos de graduação em
Medicina - UNIFESP/EPM, Terapia Ocupacional e Fonoaudiologia da UNIFESP; Psicologia da PUC/SP, através de estágios
clínicos e da administração de aulas do
currículo destes cursos. Também oferece
estágio, supervisão e ministra aulas sobre a Clínica da Infância e Adolescência
para os cursos de formação profissional
de Enfermagem em Saúde Mental e Enfermagem Psiquiátrica, ambos do Departamento de Enfermagem/UNIFESP; e Especialização de Terapia Ocupacional em
Saúde Mental e em Psicologia da Saúde,
ambos do Departamento de Psiquiatria do
Departamento de Psiquiatria/UNIFESP.
Este Centro de Referência da Infância e
Adolescência participa do programa de Residência Médica da UNIFESP, e realiza atividades de ensino e supervisão clínica para
residentes de segundo ano de Psiquiatria,
contribuindo para sua formação geral em
psiquiatria através da experiência clínica de
atendimentos com a infância, adolescência
e familiares. Oferece ainda um programa de
formação de especialistas em psiquiatria
da infância e adolescência para residentes
de quarto ano de Psiquiatria.
Também realiza semanalmente
reuniões de discussão clínica de casos
atendidos em seus diversos programas,
tiveram oportunidade de colaborar e participar diretamente de ações governamentais
para implementar políticas públicas de assistência na área bem como na formação
e aprimoramento dos profissionais que
trabalham nos serviços públicos. Também
participaram na elaboração de um documento que estabeleceu as Diretrizes para
a Política de Saúde Mental da Infância e
Adolescência no Estado de São Paulo em
2001. Esta iniciativa da Secretaria Estadual
da Saúde, contou com a participação de
profissionais de outras universidades e
membros daquela secretaria. Naquela ocasião, este documento também propunha
como deveria ser organizada uma unidade
assistencial ambulatorial que conseguisse
atender eficazmente as complexas necessidades de atendimento da população infantojuvenil. Foi feito um acordo de cooperação
entre a Secretaria e a Universidade que
possibilitou ao setor melhores condições
de espaço físico e custeio, e que resultou
na inauguração do CRIA.
“A partir de então, com uma equipe técnica numericamente ampliada e
melhores condições de trabalho, temos
trilhado uma trajetória de constante desenvolvimento do nosso trabalho, tanto
na parte assistencial como no ensino e
na pesquisa. Mantemos nossa fidelidade
ao modelo inicial de exercer um olhar
abrangente e integrado aos problemas
mentais, com uma equipe que expande
sua ação, intervindo também nos setores
que possuem uma interface importante
com o nosso trabalho, tais como: Educação, Assistência Social, o Sistema Judiciário, e todos os outros territórios sociais
onde possamos contribuir com nossa
experiência para o bem estar da população infantojuvenil”, conclui o psiquiatra.
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 5 • Setembro • Outubro de 2012
que conta com a participação da equipe,
dos alunos dos programas de estágio do
CRIA e, ocasionalmente, profissionais
são convidados para a discussão de
temas relacionados à clínica da infância
e adolescência. Além disso, o centro de
pesquisa oferece periodicamente cursos
de formação profissional na área de saúde mental da infância e adolescência.
E há seis anos, realiza anualmente um
simpósio, escolhendo temas de interesse atual e convidando colegas de outras
instituições para a troca de experiências
e atualização dos profissionais da área.
“O setor de atendimento de crianças
e adolescentes no nosso departamento
existe desde 1975. Com a chegada do Dr.
Raul Gorayeb em 1976 e, logo em seguida,
do Dr. Osvaldo Dante Milton Di Loreto em
1978, pudemos estruturar melhor nossas
atividades, criar o Setor de Psiquiatria Infanto – Juvenil e os estágios neste serviço
passaram a fazer parte da grade curricular
da Residência em Psiquiatria. Desde então, fomos nos organizando como uma
equipe multiprofissional, pois sempre foi
uma preocupação de seus iniciadores que
o olhar clínico sobre as questões mentais
da infância e da adolescência não ficasse
restrito a uma única área de conhecimento
ou a um único aspecto do existir humano.
A complexidade da vida humana se revela
tanto nas suas manifestações normais e
corriqueiras como nas suas perturbações
e desvios. Por isso uma das características
do nosso grupo de trabalho sempre foi a de
imprimir este olhar plural tanto nas atividades assistenciais como nos programas de
ensino e formação de novos profissionais”,
explica o Dr. Dr. Raul Gorayeb.
Os profissionais foram desenvolvendo
nossas atividades e, por diversas vezes
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Para agendar uma triagem no CRIA,
é necessário trazer pessoalmente um
encaminhamento em nome da criança
e ou adolescente que pode ser feito
por qualquer instituição, profissional de
saúde, professores, entre outros. Após a
entrega um dos profissionais da equipe
entrará em contato com a família para
o agendamento da triagem. No Cria são
atendidas crianças de 0 a 18 anos.
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 5 • Setembro • Outubro de 2012
Como funciona o Ambulatório de
Saúde Mental e os programas
de atendimento do CRIA
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A estrutura e o funcionamento do Ambulatório de Saúde Mental operacionaliza as
diretrizes filosóficas do CRIA, a partir de um
trabalho multidisciplinar, e compreende um
serviço de recepção da clientela, triagem,
diagnóstico e por fim, encaminhamentos
aos diferentes dispositivos terapêuticos,
individuais e/ou grupais, quais sejam:
Psicoterapia; Acompanhamento; Psiquiátrico; Psicopedagogia; Fonoaudiologia; Terapia
ocupacional; Arte-terapia; Acompanhamento
Familiar; e Musicoterapia
Há um trabalho efetivo de mapeamento e encaminhamento para os diversos equipamentos de saúde, visando
um melhor aproveitamento dos serviços
de Saúde Mental próximos dos locais
de residência dos clientes. A equipe se
reúne semanalmente a fim de promover
a discussão clínica dos casos atendidos,
bem como articular nossa experiência clínica ao conhecimento já produzido acerca
da clínica da infância e da adolescência.
O Programa de Atendimento a Crianças com Transtornos Globais do Desenvolvimento promove experiências que
ampliam o repertório de relações da criança
com o ambiente, privilegiando intervenções
nos primeiros anos de vida. E os projetos
terapêuticos são construídos de acordo
com a singularidade de cada criança,
nos diferentes momentos do tratamento,
por meio de atendimentos individuais ou
grupais. O programa também conta com
equipe multidisciplinar em saúde mental.
Já o Programa de Tratamento Intensivo
destinado a Adolescentes em Situação de
Gravidade que necessitam de vários atendimentos semanais, conta com equipe multidisciplinar em saúde mental e o tratamento
é planejado conforme as necessidades de
cada caso. São oferecidas diversas atividades em grupo para os pacientes, tais como:
grupo verbal, grupo de terapia ocupacional,
oficina de atividades e saídas para a comunidade. Os adolescentes também possuem
um atendimento psiquiátrico e psicológico
individuais, sempre que indicados. Além
disso, o programa dispõe de atendimentos
familiares que podem ocorrer tanto em grupo
como individualmente. A gravidade não se
refere apenas ao diagnóstico, mas também
está relacionada às dificuldades de manejo
clínico, dinâmicas familiares complexas e
risco de atuações. Para participar é preciso
ter disponibilidade para vir ao CRIA pelo menos três vezes por semana, assiduidade e
participação da família no tratamento.
Leandra Migotto Certeza é jornalista e repórter especial da Revista
Síndromes. Ela tem deficiência
física (Osteogenesis Inperfecta),
é assessora de imprensa da
ABSW, e consultora em inclusão
e mantém o blog “Caleidoscópio
– Uma janela para refletir sobre
a diversidade da vida” - http://leandramigottocerteza.blogspot.
com/. Conheçam os modelos de palestras, oficinas, cursos
e treinamentos sobre diversidade, realizados em empresas,
escolas, ONGs, centros culturais e grupos de pessoas no site:
https://sites.google.com/site/leandramigotto/
revista multidisciplinar de desenvolvimento humano
Síndromes
Novembro • Dezembro de 2012 • Ano 2 • Nº 6
Curso Autismo
Módulo VI
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cur s o A uti s mo - m ó dulo V I
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 6 • Novembro • Dezembro de 2012
Tratamento em Autismo:
Análise Aplicada do
Comportamento (ABA)
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O método ABA (do inglês Applied
Behavior Analysis – em português Análise
do Comportamento Aplicada) é a ciência
devotada à compreensão e modificação
do comportamento, visando à melhoria na
qualidade de vida do indivíduo e seu meio
utilizando os princípios fundamentais da
Análise do Comportamento (AC). Este tipo
de intervenção tem recebido bastante
atenção por seus resultados promissores
no tratamento dos Transtornos do Espectro do Autismo (TEA), pois estabelece
condições propícias para produção de
modificações comportamentais socialmente relevantes. O ABA tem recebido
bastante atenção por seus resultados em
intervenção precoce, aumento funcional
da linguagem e socialização e redução de
comportamentos disruptivos.
Para a análise do comportamento
a relação essencial ocorre entre o indivíduo e o ambiente (comportamento). A
resposta é uma parte do comportamento
do organismo que interage com seu ambiente e que produz uma modificação em
pelo menos um dos aspectos deste ambiente. Essa modificação retroage sobre
o organismo modificando a probabilidade
de ocorrência futura daquela resposta, se
esta probabilidade aumenta a frequência
da resposta chamamos esta modificação
de reforço.
Uma descrição do comportamento
deve sempre especificar a ocasião em
que a resposta ocorre, a própria resposta
e as conseqüências. Ao modificar os antecedentes e conseqüentes de uma resposta podemos modificar a freqüência e
ocasião em que ela ocorre. Esse modelo
é particularmente benéfico nos TEA, pois
os indivíduos do espectro apresentam
dificuldades em apresentar respostas
adaptativas nos contextos adequados
(discriminar e generalizar respostas) e
perceber as conseqüências sociais positivas e negativas de suas ações, pois
não são tão sensíveis aos estímulos do
ambiente como são as crianças com
desenvolvimento típico.
Uma das práticas comuns em ABA,
por exemplo, é o elogio pareado com
estímulos tangíveis (vídeos, brinquedos,
comida) para que um “Muito bem!” ou”
Que lindo!” ganhem propriedades de reforçadoras para aqueles indivíduos que
não são sensíveis a eles. Desta forma
não só aumentamos a freqüência de uma
resposta selecionada, como também modificamos a propriedade de um estímulo,
antes neutro, para reforçador. Na escola
é mais provável que os adultos lhe digam
“Parabéns” do que lhe dêem uma bala!
A Avaliação
O treino ABA é altamente estruturado e individualizado. O planejamento do
programa terapêutico é feito a partir de
uma avaliação denominada Linha de Base
que visa determinar quais os repertórios
…
I
Habilidade de apresentar a mesma classe de
resposta em ambientes e com pessoas diferentes.
As dificuldades de generalização são um dos
problemas mais freqüentes do espectro.
Milestones Assessment and Placement
Program (VBMAPP), a Assessment of
Basic Learning Abilities (ABLA) e a Assessment of Basic Language and Learning
Skills (ABLLS)- nenhuma delas com traduções validadas para o português.
Comportamentos Socialmente
Relevantes
Um dos problemas cruciais em intervenção dos TEA é a eleição dos comportamentos que serão ensinados à criança,
potencializando as oportunidades oferecidas pelas janelas de desenvolvimento
neurológico e mudanças ambientais com
potencial para gerar reforçadores em
ambiente natural.
Em 1997, Rosalez-Ruiz e Baer cunharam o termo behavioral cusps, que seriam
mudanças comportamentais análogas
aos marcos do DNPM: quando a criança
aprende a andar, por exemplo, o ganho
vai muito além de mover-se no espaço.
Andando ela pode aproximar-se dos irmãos e brincar com eles, pode explorar
novos objetos.
Os cusps - assim como a aquisição
da marcha para o DNPM - são aqueles
comportamentos, simples ou complexos,
que estão na base de mudanças futuras
que não precisam ser formalmente programadas, e que são importantes por seu
alcance e para a adaptação do indivíduo
e sua espécie. São comportamentos que
dão acesso, por exemplo, a uma série de
outras habilidades como comunicação,
interação social e aprendizagem em grupo. Possíveis exemplos de cusps: contato
visual com pessoas e objetos, responder
sob demanda, manter-se sentado; etc.
Cabe ao terapeuta responsável
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 6 • Novembro • Dezembro de 2012
Iniciais da criança em diversos domínios
– linguagem, socialização, contato visual,
habilidades de aprendizagem em grupo,
entre outros. Nesta avaliação observa-se
não apenas a reposta em si, mas também
quais as condições são necessárias para
que ela ocorra – os antecedentes e o nível
de ajuda. Por exemplo, um dos problemas
mais comuns entre os indivíduos com
autismo são as dificuldades de contato
visual com pessoas e objetos. Alguns,
no entanto, mantêm contato visual com
objetos reforçadores, outros não, outros
não olham para pessoas, ou olham quando são chamados, e assim por diante.
Saber qual o nível de ajuda que a criança
precisa ou qual a fluência e generalizaçãoI
de seus repertórios determinará o tipo de
treino que ela precisará em cada domínio.
Além do planejamento da intervenção, a
avaliação cuidadosa permite aos pais e
ao terapeuta avaliar tanto o progresso da
criança, quanto os próprios programas.
Se a criança demora a adquirir a habilidades de um determinado nível é preciso
rever a validade do programa e/ou a sua
forma de aplicação.
Comumente os terapeutas constroem as próprias baterias de avaliação
baseados em marcos do desenvolvimento
neuropsicomotor (DNPM), e na sequência
de aquisição das habilidades cognitiva,
lingüística e social. Até onde se sabe,
no momento não existem avaliações validadas no modelo ABA para população
brasileira, sendo utilizadas, apenas em
pesquisas, baterias traduzidas do inglês,
sendo as mais notáveis a Verbal Behavior
47
…
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 6 • Novembro • Dezembro de 2012
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pelo Programa de Ensino Individualizado
determinar quais os comportamentos a
ser ensinados levando em consideração
como proposto por Bosch e Fuqua (2001)
cinco critérios como um conjunto preliminar de orientações para a identificação
a priori de mudanças comportamentais
importantes, são elas: (a) acesso a novos reforçadores, contingências (relação
entre organismos e ambiente) e ambientes; (b) validade social (ambos propostos
por Rosales-Ruiz e Baer); (c) eficácia; (d)
competição com respostas inapropriadas
e (e) número e relativa importância das
pessoas afetadas.
Uma vez determinados os comportamentos, que serão transformados em
programas de ensino para diversos domínios, os passos a serem seguidos a fim
de que a criança seja capaz de utilizar o
aprendizado da terapia em ambiente natural são: aquisição, fluência, manutenção
e generalização.
Na aquisição de um determinado
comportamento utiliza-se mais comumente o Método de Ensino por Tentativas
Discretas (DTT do inglês Discrete Trial Teaching) que consiste em dividir o ensino
de uma resposta complexa em pequenos
passos com diferentes níveis de ajuda
para que o objetivo seja alcançado e utilização de reforço positivo contingente à
resposta correta de acordo com o critério
estabelecido em todas as etapas. O nível
de ajuda pode ser de total a nenhum quando a reposta já é emitida pela criança
de maneira independente. A ajuda pode
ser tanto motora para respostas deste
tipo quanto ecóica – um terapeuta diz a
frase que a criança deve repetir para que
receba o reforçador – tangível ou natural.
Na presença de um quebra cabeças,
com valor reforçador para determinada
criança, o terapeuta diz “Quero montar o
quebra-cabeça” a criança repete “Quero
montar o quebra cabeça” e ela recebe a
caixa com o quebra-cabeça, sendo este
um exemplo de ensino de mandoII através
de ajuda ecóica.
Na etapa de fluência - depois que a
reposta já é emitida de maneira independente - aumenta-se a razão de respostas
para obtenção de reforço e a apresentação do estímulo torna-se mais rápida
visando uma alta taxa de respostas por
intervalo de tempo, sendo este um fator
determinante para a utilização do que foi
aprendido em ambiente natural.
Na manutenção e generalização deve-se, respectivamente, garantir que a resposta continue sendo parte do repertório
da criança (podendo esta ser pré-requisito
para outros aprendizados) e que seja
apresentada em diferentes contextos.
Por estas características este método obtém resultados que tem sido
considerado pela comunidade científica
eficaz para indivíduos com transtornos
de desenvolvimento, e mais recentemente com destaque para intervenção
precoce – crianças menores de 36
meses em que se tenha a hipótese
diagnóstica de TEA.
Comportamentos disruptivos
A terapia ABA também tem se mostrado eficaz na diminuição de comportamentos cuja presença traz prejuízos para
o indivíduo e seu meio, tais como auto
II
Ecóico e mando são exemplos classificação de
acordo com a função de comportamentos verbais
e são descritos pela primeira vez por Skinner na
obra “Verbal Behavior” em 1957.
…
Considerações Finais
Uma das grandes limitações do método - especialmente em países como o
Brasil que não possui uma política efetiva
em saúde mental infantil - é a prescrição
de muitas horas de treino por semana,
o que causa uma sobrecarga, em todos
os aspectos, dos pais ou um comprometimento dos resultados e consequentemente no nível adaptativo da criança.
Uma vez que os resultados do período trabalhado em orientação e com
a criança devem ser aproveitados ao
máximo, torna-se crucial a competência
do terapeuta. O sólido conhecimento
dos princípios da AC é fundamental para
aqueles que desejam planejar e executar
as intervenções com o método ABA. No
Brasil não existe credenciamento para
terapeutas ABA e poucos cursos específicos para este tipo de intervenção, além
de pouquíssimas publicações em português. Os terapeutas, além da formação
em sua área de formação superior, precisam buscar aperfeiçoamento constante
através leitura cotidiana de publicações
da área, supervisão e troca de experiências com outros profissionais ABA e
de outras especialidades afins, além de
entendimento atualizado sobre os TEA e
desenvolvimento típico (aspectos cognitivos, social, lingüístico, acadêmico).
Para finalizar desejamos destacar
que toda criança autista é capaz de
aprender desde que receba um programa
individualizado adequado de intervenções
uniformes na escola, no lar e na sociedade.
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e hetero-agressividade, recusa alimentar, estereotipias, esquiva de demanda,
entre outros. Isto ocorre porque ao ser
identificada a função de uma determinada
resposta, uma criança se joga no chão
porque quer pirulito, por exemplo, esta
resposta tem função de mando/pedido,
podemos assim alterar estruturadamente
esta resposta ensinando a criança na
presença do pirulito dizer “pirulito”, em
seguido “quero pirulito” e só receber o
pirulito mediante o pedido e não mais ao
se jogar no chão, com isso alteramos a
resposta da criança (pedir pelo pirulito),
a conseqüência emitida pelo ambiente
(só receber o pirulito mediante o pedido
adequado) e geramos uma resposta
socialmente relevante e com maior probabilidade de ser reforçada. Crianças do
espectro do autismo frequentemente causam mudanças ambientais que possuem
propriedades reforçadoras com repostas
inadequadas. Tomemos uma situação
típica: no momento em que apresentam
estereotipias vocais na escola são levadas pelo Acompanhante Terapêutico pra
fora da sala de aula. Nesta situação a
estereotipia foi reforçada com um passeio
pela escola, aumentando a probabilidade
de que ela ocorra novamente em sala
de aula quando a criança quiser sair da
classe.
Importante salientar que as intervenções nos comportamentos disruptivos
devem ocorrer concomitantemente à
aquisição de comportamentos adaptativos dentro de um programa de ensino,
pois a simples suspensão do reforço não
gera aprendizagem e causa um aumento
inicial na frequência e variabilidade de
respostas disruptivas.
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…
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 6 • Novembro • Dezembro de 2012
cur s o A uti s mo - q ue s t õ e s
50
1. Qual dos seguintes quadros clínicos
não pode ser considerado diagnóstico
diferencial dos quadros autísticos?
a. Transtornos Desintegrativos
b. Carência Afetiva
c. Esquizofrenia na infância
d. Síndrome de Rett
e. Mania na infância
5. Qual das drogas abaixo é a primeira
escolha no tratamento do autismo?
a. Haloperidol
b. Risperidona
c. Clorpromazina
d. Antidepressivos tricíclicos
e. Não há drogas de primeira escolha
para o tratamento do autismo
2. Qual a principal limitação do método
ABA?
a. Não há limitação para o método
b. A prescrição de muitas horas de
treino por semana, o que causa uma
sobrecarga tanto para os pais quanto
para a criança
c. As dificuldades cognitivas da criança
que dificultam a aprendizagem
d. Não tratar os aspectos emocionais da
criança e da família
e. Não planejar em longo prazo os passos do tratamento
6. Comportamentos auto e hetero-agresivos, recusa alimentar, esquiva
de demanda, estereotipias são observados em pacientes com TEA e são
considerados:
a. Compatíveis com o quadro
b. Pontas autísticas
c. Transtorno do comportamento comórbido ao autismo
d. Comportamentos disruptivos
e. Adequados dependendo da idade do
paciente
3. A análise do cariótipo e estudo para
X-Frágil está indicada na avaliação
de pacientes com AI, exceto:
a. Presença de desvios fenotípicos
b. História familiar de X-Frágil
c. Pacientes com retardo mental
d. Autismo de alto funcionamento
e. Antecedente familiar de retardo mental
4. Como se justifica a utilização do
teste Figuras Complexas de Rey em
indivíduos autistas?
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7. A confusão com quadros de autismo
de alto nível pela existência, em
ambos, de uma dificuldade atencional associada a uma disfunção
executiva se que se observe um
prejuízo marcado na Teoria da Mente
caracteriza um
a. Esquizofrenia na infância
b. Carência afetiva
c. TDAH
d. Mania
e. Síndrome de Rett
8. Várias são as condições clínicas
associadas ao autismo, sobre este
aspecto é incorreto afirmar:
a. Em até 15% dos pacientes diagnosticados com autismo pode-se
identificar uma síndrome genética ou
alteração cromossômica
b. A ressonância magnética faz o diagnóstico, uma vez que estudos comprovam alterações no sistema límbico
e cerebelo
c. Exame audiométrico, via de regra,
está alterado, visto que grande parte dos pacientes com autismo tem
atraso de fala
d. A velocidade de crescimento inicial do
cérebro de autistas é menor que no
grupo controle
e. O registro de atividade epileptiforme
é mais comum em pacientes com
autismo do que na população geral.
9. Dentre os sintomas-alvo que requerem tratamento medicamentoso,
podemos listar, exceto:
a. Hiperatividade
b. Agressividade
c. Estereotipias
d. Comportamentos auto agressivos
e. Epilepsia
12.A epidemiologia da Síndrome de Asperger pode ser considerada como
sendo:
a. 4:10.000
b. 20 a 25 por 10.000
c. 1:110
d. 1:500
e. 1:1000
10.Apresente sucintamente os prejuízos
encontrados nos Transtornos Invasivos do Desenvolvimento e justifique
a necessidade de diferentes profissionais na avaliação desses quadros.
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13.A lterações de pensamento com
prejuízo na associação de idéias,
bloqueio de pensamento e delírios
(principalmente de tipo paranóide),
associando-se a embotamento afetivo com ambitendência, perplexidade e menor rendimento intelectual
caracteriza:
a. Transtornos Desintegrativos
b. Carência Afetiva
c. Esquizofrenia na infância
d. Síndrome de Rett
e. Mania na infância
11.S obre características neurobiológicas no autismo é correto afirmar
hoje:
a. Os achados de neuroimagem são
específicos e constituem-se de
alterações morfológicas de giros e
de padrões de mielinização
14.Dividir o ensino de uma resposta
complexa em pequenos passos com
diferentes níveis de ajuda para que o
objetivo seja alcançado e utilização
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 6 • Novembro • Dezembro de 2012
…
b. Todas as condições clínicas associadas, quando identificadas, são
responsáveis pelo fenótipo autista
c. A Síndrome do X-Frágil é uma condição frequentemente associada ao
Autismo e deve ser encaminhada para
aconselhamento genético
d. A Síndrome de Rett manifesta-se em
meninas, apresenta um perfil autístico, porém sua etiologia está implicada
com alterações no gene MECP2
e. O grau de severidade do autismo não
está relacionado à presença ou não
de outras patologias neurológicas
51
…
a.
b.
c.
d.
e.
de reforço positivo contingente à
resposta correta de acordo com o
critério estabelecido em todas as
etapas é a melhor definição para:
Terapia ABA
Terapia Cognitivo Comportamental
Psicanálise
Análise Funcional do Comportamento
Método de Ensino por Tentativas
Discretas
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15.O comprometimento em reciprocidade afetiva, atenção compartilhada e
Teoria da Mente em indivíduos do
espectro autista seriam os responsáveis por déficits em habilidades
sociais (comportamento social) definidas como?
-------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
52
16.Estudos de neuroimagem funcional
avaliam áreas de processamento
social no autismo e normalmente
revelam:
a. Ativação do córtex temporal em resposta a exposição de figuras de faces
b. Ativação do giro fusiforme em resposta a exposição de figuras de faces
c. Ativação do córtex frontal e occipital
em resposta a exposição de figuras
de faces
d. Ativação do córtex temporal em
resposta a estímulos sociais (direção do olhar, expressões faciais e
gestuais)
e. Todas as alternativas estão corretas
17.Observe as afirmações a seguir:
I. No que se refere à atenção compartilhada, há evidências de que crianças
autistas sejam capazes de interagir
com o mundo, do mesmo modo que as
crianças normais, com engajamento
diádico, triádico e colaborativo.
II. Um déficit em Teoria da Mente é apontado como uma das possíveis causas
para o pobre desenvolvimento social,
imaginário e comunicativo em autistas.
III.Hill & Frith (2003) sugerem que os
autistas apresentam um distúrbio com
relação ao processamento de informações, sendo focado em detalhes.
No entanto, esta forma de processar
acarreta um empobrecimento na capacidade de compreensão global assim
como um déficit na contextualização
dos significados.
Agora assinale a alternativa incorreta:
a. Alternativa I.
b. Alternativa II.
c. Alternativa III.
18.Um quadro que apresenta nível de
inteligência normal ou acima da
normalidade, associado a um padrão
de aquisição de linguagem em geral
também normal, embora com déficits
semânticos, caracteriza
a. Síndrome de Asperger
b. Síndrome de Landau-Kleffner
c. Síndrome de Williams
d. Síndrome de Prader-Willi
e. Síndrome do X frágil
19.Paciente de cinco anos, masculino,
com diagnóstico de TEA e descargas epilépticas evidenciadas no
eletroencefalograma. A queixa principal da família é a agressividade,
…
b.
c.
d.
e.
20.Quadro cuja principal característica
é sobrevir após um período de desenvolvimento normal e ser acompanhado de um período de regressão das
aquisições, concomitante ao aparecimento da sintomatologia caracteriza
a. Transtornos Desintegrativos
b. Carência Afetiva
c. Esquizofrenia na infância
d. Síndrome de Rett
e. Mania na infância
21.Quais são as principais escalas diagnósticas para avaliação de critérios
de autismo?
------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------22.As condições clínicas mais comumente relacionadas ao autismo são:
a. Síndrome do X-Frágil, esclerose tuberosa, síndrome de Rett
b. Distrofia muscular progressiva, síndrome de Noonan, epilepsia
c. Síndrome de Down, fenilcetonúria,
síndrome alcoólica fetal
d. Síndrome de Hurler, Síndrome de
Rett, síndrome de Williams
e. Sequência de Moebius, retardo mental, infecções congênitas
23.O objetivo da avaliação neurológica
no Autismo Infantil é:
a. Solicitar uma bateria de testes de
rotina para o diagnóstico
b. Encaminhar para avaliação multidisciplinar
c. Indicar exames neurofisiológicos, de
neuroimagem ou citogenéticos, de
acordo com os achados de história
e exame
d. Indicar sempre o teste metabólico
e. Identificação tardia do autismo
24.Paciente de quatro anos, masculino,
apresentou crise de birra durante o
atendimento psicológico. Baseado
nos preceitos comportamentais,
como poderia ser a reação da terapeuta ABA?
a. Chamar os pais e mandar o menino
para casa, encerrando aquele atendimento
b. Colocá-la de castigo para pensar no
que fez.
c. Aguardar uma reposta adequada e
fornecer um elogio pareado com estímulos tangíveis
d. Conversar olhando nos olhos e explicando que esse comportamento é
inadequado
e. Deixar a criança fazer birra até que
ela cesse espontaneamente
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 6 • Novembro • Dezembro de 2012
a.
com importante impacto na vida da
criança. Qual a melhor abordagem
farmacológica?
Abordagem visando à melhora da
agressividade, já que não há crises
clínicas
Antidepressivos tricíclicos que melhoram as alterações comportamentais
sem risco de crises epilépticas
Não há indicação de tratamento farmacológico
Tratar primeiro a epilepsia e depois
as questões comportamentais
Valproato ou divalproato para tratar
a alteração eletrográfica e comportamental
53
…
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 6 • Novembro • Dezembro de 2012
25. Quanto ao tratamento do autismo,
podemos afirmar, exceto:
a. O melhor uso dos medicamentos
consiste em focar os sintomas específicos por períodos curtos, a fim de
abrir “janelas de oportunidade” para
intervenções educacionais e comportamentais
b. Comportamentos difíceis são frequentes nos casos de TEAs e interferem
nas intervenções terapêuticas e educacionais
c. Não necessariamente a criança
precisará de todas as intervenções
disponíveis
d. As abordagens terapêuticas devem
ser individualizadas, multimodais e
interdisciplinares
e. A melhor abordagem é a farmacoterapia em esquema de politerapia
54
26.O que é a Linha de Base do programa
ABA?
a. É o primeiro dia do tratamento
b. É uma avaliação qualitativa dos aspectos emocionais e do constructo
do autismo naquela família
c. É uma avaliação que observa somente
a reposta aos estímulos
d. É uma avaliação multidisciplinar para
montar uma proposta terapêutica
individualizada
e. É uma avaliação para determinar
quais os repertórios da criança em
diversos domínios
27. Quanto ao metilfenidato, podemos
afirmar:
a. É contraindicado nos TEA por conta
dos efeitos paradoxais observados
b. É a m e l h o r i n d i c a ç ã o p a r a a
hiperatividade observada nos TEA
c. Tem indicação bem estabelecida para
o transtorno de déficit de atenção
com hiperatividade (TDAH), porém os
estudos são controversos em relação
ao seu efeito nos pacientes com TEA
d. Tem indicação bem estabelecida
tanto para TDAH, quanto para TEA e
autistas de alto funcionamento
e. Não está indicado para transtornos
do desenvolvimento
28. Para montar uma avaliação de uma
criança autista baseado no método
ABA, o terapeuta deve levar em
consideração os seguintes aspectos:
a. Usar somente escalas traduzidas do
inglês, como a Verbal Behavior Milestones Assessment and Placement
Program (VBMAPP)
b. Não utilizar escalas fixas, somente a
observação livre da criança
c. Utilizar uma bateria que leve em consideração os marcos do desenvolvimento neuropsicomotor e a sequência de
aquisição das habilidades cognitiva,
linguística e social
d. Realizar uma anamnese aprofundada
e solicitar relatório médico com o
diagnóstico
e. Usar baterias validadas no Brasil,
baseando-se nos marcos do desenvolvimento neuropsicomotor
29. Como são apresentadas as habilidades de atenção conjunta (compartilhada) a partir do nove meses
de idade da criança? Cite em ordem
cronológica de aparecimento.
-------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
…
31. A que se refere à Teoria da Mente?
E em qual fase do desenvolvimento
é estabelecida?
------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------32.Quadro reconhecido entre cinco e 30
meses de vida, apresentando marcado déficit no desenvolvimento, com
desaceleração do crescimento craniano e retardo intelectual marcado
caracteriza:
a. Síndrome de Asperger
b. Síndrome de Landau-Kleffner
c. Síndrome de Williams
d. Síndrome de Prader-Willy
e. Síndrome do X frágil
33. As questões éticas envolvidas
na indicação do estudo genético-
a.
b.
c.
d.
e.
34. Paciente do sexo feminino, sete
anos, com autismo infantil, crises de
birra e queixa de distúrbio do sono.
A melhor abordagem terapêutica é:
a. Terapia multidisciplinar associado à
antipsicóticos atípicos
b. Indutores do sono
c. Terapia multidisciplinar com foco em
psicoterapia comportamental associado a vitaminas e dieta isenta de glúten
d. Terapia multidisciplinar com foco em
psicoterapia comportamental, podendo se considerar o uso de melatonina
para o distúrbio do sono
e. Não é necessário tratar essa paciente
35. Quanto aos behavioral cusps, não
podemos afirmar:
a. São mudanças comportamentais análogas aos marcos do DNPM
b. São comportamentos, simples ou
complexos, que estão na base de
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 6 • Novembro • Dezembro de 2012
30.Com relação aos aspectos genéticos
no AI, é incorreto afirmar:
a. Não há comprovação para o caráter
hereditário do quadro, sendo mais
provável que causas de origem afetivo-emocionais estejam implicadas na
gênese do autismo
b. Há forte tendência de autismo entre
grupos familiares, com risco de recorrência de até 15%
c. São descritos déficits sociais e lingüísticos em menor grau nos parentes
de indivíduos afetados
d. Há uma evidente preponderância no
sexo masculino
e. Observa-se uma alta concordância de
autismo entre gêmeos monozigóticos
-metabólico se fazem presentes nas
seguintes situações, exceto:
Identificação de síndromes ou aberrações cromossômicas que possam
ter sua recorrência diminuída com o
aconselhamento genético
Doenças metabólicas potencialmente
tratáveis
Todos os pacientes diagnosticados
com autismo têm indicação destes
estudos
O diagnóstico precoce de um transtorno genético-metabólico pode evitar
a realização de testes extensos ou
invasivos no futuro
Sempre que houver suspeita clínica
de alteração genético-metabólica os
testes estão indicados
55
…
mudanças futuras que não precisam
ser formalmente programadas
c. São comportamentos que dão
acesso a uma série de outras habilidades
d. São comportamentos disruptivos que
devem ser trabalhados na terapia
e. Alguns exemplos de cusps são:
contato visual, manter-se sentado.
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 6 • Novembro • Dezembro de 2012
36. O maior objetivo na intervenção
terapêutica dos TEAs é:
a. Reduzir a rede de comportamentos
mal adaptativos que podem interferir
no funcionamento adaptativo
b. Curar o autismo
c. Melhorar as crises de birra
d. Reduzir as crises de alucinações visuais e auditivas
e. Eliminar as crises epilépticas
56
37.Um complexo de síndromes que têm
como única característica comum a
insuficiência intelectual e que apresenta, como características fundamentais o funcionamento intelectual
global significativamente inferior à
média, acompanhado de déficits ou
prejuízos concomitantes no funcionamento adaptativo atual, com um
início anterior aos 18 anos de idade
caracteriza o :
a. Autismo
b. Síndrome de Asperger
c. Síndrome de Rett
d. Retardo mental
e. TDAH
38. Por que a avaliação da eficiência
intelectual é importante diante da
suspeita de um Transtorno Invasivo
do Desenvolvimento?
------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------39.Que variáveis devem ser levadas em
conta para o terapeuta determinar os
comportamentos a serem ensinados?
a. A Linha de Base, a idade da criança,
seu meio, seus recursos e benefícios
de longo prazo
b. A queixa da família e da escola
c. Comportamentos de agitação e falta
de atenção
d. Os dados da literatura a respeito dos
problemas mais frequentes nesta
população
e. Os comportamentos de menor impacto, logo mais fácil de serem modificados
40.Ao avaliar uma criança supostamente autista é importante considerar
as seguintes comorbidades, exceto:
a. Retardo mental
b. Dislexia
c. Transtorno do sono
d. Transtorno do déficit de atenção e
hiperatividade
e. Epilepsia
41. Uma forma de regulação normal
da interação que se constitui numa
reação de alarme que consiste em
um “apagamento” da criança, com
uma resistência aos estímulos relacionais, ausência de estímulos auto-eróticos, rigidez facial, movimentos
atípicos de dedos, choro e perda de
apetite é chamada de:
a. Coerência Central
…
Stress agudo
Depressão reativa
Retração precoce
Reação adaptativa
42. A respeito da etiologia do autismo
é correto afirmar:
a. Alteração no cromossomo 15 é um
achado praticamente constante e sua
investigação é mandatória em todos
os casos
b. O autismo ocorre devido pouca estimulação ambiental e pobre vínculo
materno
c. Toda criança com cegueira congênita
desenvolve autismo pela falta de
contato visual
d. A relação entre genética e eventos
não genéticos precisa ser mais bem
estudada
e. Antecedente perinatal de asfixia é
indicativa de autismo
43. Qual a relevância do exame das
funções executivas em indivíduos
com autismo?
------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------44.Sobre a abordagem medicamentosa
nos TEA, podemos afirmar:
a. Deve ser a primeira opção terapêutica
b. A associação da terapêutica farmacológica com a psicológica é opcional
c. Deve ser considerada como tratamento complementar não como curativa
d. Deve ser introduzido logo após o
diagnóstico, o mais precocemente
possível
e. A maior possibilidade de sucesso
está no uso de drogas corretas para
cada sintoma
45.Quadros cuja idade de início é variável, com predomínio no sexo masculino, comprometimento discrepante na
área da sociabilidade, bom padrão comunicacional e discreto comprometimento cognitivo salientando-se ainda
o déficit social e comunicacional,
mas não a presença de alterações
motoras caracteriza o:
a. Transtornos de Asperger
b. Transtornos desintegrativo
c. Autismo SOE
d. Síndrome de Rett
e. TDAH
46.Paciente de três anos, frequentando
escola regular na educação infantil,
com acompanhante terapêutico,
apresenta episódio de autoagressão
ao se recusar a fazer uma tarefa e é
retirado da sala de aula. Essa ação
tem como consequência:
a. Acalmar a criança e ensiná-la a não
se auto agredir
b. Fazer a criança ficar mais irritada ante
a frustração de sair da companhia de
seus pares de idade
c. Aliviar o sintoma e livrá-la das críticas
dos amigos de classe
d. Ajudar a professora a lidar com a
criança
e. Reforçada um comportamento disruptivo com um passeio, aumentando
a probabilidade de que ela ocorra
novamente quando a criança quiser
sair da classe
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 6 • Novembro • Dezembro de 2012
b.
c.
d.
e.
57
…
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 6 • Novembro • Dezembro de 2012
47.47) Quais as principais características de uma terapia medicamentosa
racional?
a. Iniciar com dose pelo peso da criança,
monitorar efeitos colaterais e ajustar
até a dose máxima tolerada
b. Iniciar com dose máxima tolerada, garantir o tempo adequado de tentativa
de uso e observar efeitos colaterais
c. Iniciar com a dose mínima eficaz,
iniciar politerapia racional e verificar
tolerância
d. Iniciar com a dose mínima eficaz, maximizar intervenções não farmacológicas e revisar periodicamente o regime
e. Iniciar com doses ascendentes, verificar efeitos colaterais, ajustar doses
periodicamente
58
48.Quanto ao tratamento dos TEA, podemos afirmar:
a. O método ABA não é indicado para o
tratamento
b. O método ABA tem resultados promissores no tratamento dos TEA, pois
modifica comportamentos socialmente relevantes
c. Não há tratamento para os TEA
d. Métodos de manejo comportamental
pioram comportamentos-alvo, quando
usados sem medicação associada
e. O melhor tratamento é deixar o autista descobrir suas potencialidades
livremente
49.A que se refere à Coerência Central?
------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------50.Quanto aos neurolépticos, não podemos afirmar:
a. Desempenha papel proeminente no
tratamento de alguns sintomas-alvo
b. É sempre a melhor indicação para
tratar os TEAs de modo geral
c. Os neurolépticos possuem como capacidade farmacológica a modulação
da atividade da dopamina
d. O haloperidol é o exemplo clássico da
geração mais antiga de neurolépticos
utilizados no autismo
e. Sintomas como irritabilidade, hiperatividade e oscilação de humor podem
ser tratados com neurolépticos
…
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As abordagens terapêuticas devem
ser individualizadas, multimodais e
interdisciplinares, com base nos conhecimentos da neurologia e psiquiatria
pediátricas, neuropsicologia, psicologia
comportamental, fonoterapia, terapia
ocupacional, fisioterapia e educação. Não
necessariamente a criança precisará de
todas as intervenções disponíveis e uma
discussão acerca da relação custo-benefício deve ser levantada, considerando-se
as limitações dos sistemas de saúde, das
equipes multidisciplinares e também dos
conhecimentos sobre o autismo.
SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 5 • Setembro • Outubro de 2012
O melhor uso dos medicamentos
consiste em focar os sintomas específicos por períodos curtos, a fim de abrir
“janelas de oportunidade” para intervenções educacionais e comportamentais.
É importante que o plano de tratamento
seja construído sobre uma base firme e
justificável. Avaliação neurológica completa é necessária para identificar comorbidades, transtornos clínicos subjacentes
e possíveis etiologias, que possam ser
o alvo do tratamento. A avaliação pormenorizada das habilidades cognitivas e
sociocomunicativas bem como a análise
funcional dos comportamentos aberrantes permitem a formulação de um plano
de terapia eficaz e abrangente.
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