revista multidisciplinar do desenvolvimento humano Síndromes Janeiro • Fevereiro de 2012 • Ano 2 • Nº 1 • R$ 19,00 ISSN 2237-8677 Síndromes - Ano 2 - Número 1 - Janeiro/Fevereiro de 2012 N Cu est rs a e o d Mó Au iç du ti ão lo sm I o Depressão infantil Dra. Evelyn Kuczynski e Dr. Francisco B. Assumpção Jr. Mitos, histórias e heróis: os quadrinhos e a inspiração infantil Um debate necessário: a inclusão social dos portadores de deficiência Dr. Adriano Marangoni Dr. Antonio Celso Baeta Minhoto Brinquedoteca: a valorização do brincar Valorizar olhares, gestos e sorrisos Leandra Migotto Certeza Dra. Marília Penna Bernal Entrevista Michele Moreira Nunes 13 anos www.atlanticaeditora.com.br r e v i s t a m u l t i d i s c i p l i n a r d o d e s e n v o l v i m e n t o h u ma n o Síndromes Março • Abril de 2012 • Ano 2 • Nº 2 • R$ 19,00 ISSN 2237-8677 Síndromes - Ano 2 - Número 2 - Março/Abril de 2012 EXTENSÃO COMUNITÁRIA N Cu est rs a e o d Mó Au iç du ti ão lo sm II o Mucopolissacaridoses e Comportamento por Tatiana Malheiros Assumpção Sistemas de Suporte Próteses/Órteses por Dra. Alessandra Freitas Russo Deficiência Estética e Inclusão A coragem de viver com Mucopolissacaridose Edição de texto: Leandra Migotto Certeza* Por Regina Próspero por Carmen S. Alcântara Oliveira Muito além da visão Escovando os dentes de seu filho no espectro autista Por Leandra Migotto Certeza por Dra. Adriana Gledys Zink 13 anos www.revistasindromes.com revista multidisciplinar do desenvolvimento humano Síndromes Maio • Junho de 2012 • Ano 2 • Nº 3 • R$ 25,00 ISSN 2237-8677 Síndromes - Ano 2 - Número 3 - Maio/Junho de 2012 EXTENSÃO COMUNITÁRIA N Cu est rso a e Mó Au diç du ti ão lo sm III o Síndrome de Tourette Evelyn Kuczynski O que é a epilepsia? Quando e por quem foi descoberta? Maria Sigride Thomé de Souza O desenvolvimento moral Inclusão da pessoa com deficiência no trabalho Julianna Di Matteo A terapia do abraço Cristina de Freitas Cirenza Carolina Rabello Padovani Sexualidade e deficiência intelectual Alessandra Freitas Russo 13 anos www.atlanticaeditora.com.br ● Álcool e drogas na adolescência ● Bullying ● Enurese ● Problemas de aprendizagem ● Resiliência ● TDAH ● Transtorno de conduta ● Transtornos alimentares na adolescência ● Transtornos de ansiedade ● Transtornos de humor ● Treinamento de pais ● Violência doméstica Palestrantes confirmados: ALMIR DEL PRETTE/SP ● ADRIANA BINSFELD/RS ● ADRIANA MELCHIADES/DF ● ADRIANA SELENE ZANONATO/RS ALINE HENRIQUES REIS/PR ● ANGELA ALFANO CAMPOS/RJ ● ANERON CANALS/RS ● BENOMY SILBERFARB/RS CHRISTIAN HAAG KRISTENSEN/RS ● CARMEM BEATRIZ NEUFELD/RS ● CAROLINA SARAIVA DE MACEDO LISBOA/RS DANIELA SCHNEIDER BAKOS/RS ● DANIELA BRAGA/RS ● EDUARDO BUNGE/ARG ● FABIANA GAUY/GO FERNANDO GARCIA/ARG ● ILEANA CAPUTTO/URU ● INÊS CAPUTTO/URU ● ISABELA DIAS FONTENELLE/RJ LISEANE CARRARO LYSZKOWSKI/RS ● LUCIANA NAGALLI GROPO/PE ● LUCIANA TISSER/RS ● LUIZ PRADO/RS MARIA AUGUSTA MANSUR/RS ● MARINA GUSMÃO CAMINHA/RS ● MAYCON TEODORO/MG ● NEIVA TEIN/RS NEWRA ROTTA/RS ● RENATA BRASIL/RS ● RENATO CAMINHA/RS ● TÂNIA RUDNICK/RS ● VALQUIRIA TRICOLI/SP VINICIUS GUIMARÃES DORNELLES/RS ● ZILDA APARECIDA PEREIRA DEL PRETTE/RS Cursos: T.R.I – TERAPIA DE RECICLAGEM INFANTIL Marina Caminha e Renato Caminha - RS AVALIAÇÃO E PROMOÇÃO DE HABILIDADES SOCIAIS NO PROCESSO TERAPÊUTICO Zilda Del Prette e Almir Del Prette - SP UMA INTERVENÇÃO PREVENTIVA EM TCC COM ADOLESCENTES Carmem Beatriz Neufeld - SP TRATAMENTO DA DESMOTIVAÇÃO DO ADOLESCENTE USUÁRIO DE DROGAS Renata Brasil - RS TERAPIA DE LOS TRASTORNOS DE ANSIEDAD EN LA NIÑEZ Y ADOLESCÊNCIA Fernando Garcia - ARG PADRES DISFUNCIONALES: EL MANEJO Y LA INCLUSION EM LA TERAPIA DE LOS PADRES COM TRANSTORNOS GRAVES DE PERSONALIDAD Ileana Caputto - URU HIPNOTERAPIA COGNITIVA COM CRIANÇAS Benomy Silberfarb - RS Organização: Promoção: Apoio: revista multidisciplinar do desenvolvimento humano Eixos temáticos: Síndromes www.concriad.com.br Julho • Agosto de 2012 • Ano 2 • Nº 4 • R$ 25,00 Informações e inscrições: ISSN 2237-8677 Centro de Eventos Plaza São Rafael Porto Alegre/RS Síndromes - Ano 2 - Número 4 - Julho/Agosto de 2012 1 a 3 de novembro de 2012 N Cu est rso a e Mó Au diç du ti ã lo sm o IV o Transtorno bipolar do humor Francisco B. Assumpção Jr. Evelyn Kuczynski Transtorno Bipolar e Depressão Dr. Miguel Angelo Boarati Leandra Migotto Certeza Sobre a noção de tempo Melanie Mendoza A importância da família para que tem transtorno bipolar Por Sonia Maria Bandeira O sonho Por Maria de Fátima de Oliveira Escola especial: conceitos e reflexões dra. Alessandra Freitas Russo Christine Luise Degen Inclusão escolar Simone Cucolicchio 13 anos www.atlanticaeditora.com.br revista multidisciplinar do desenvolvimento humano Síndromes Setembro • Outubro de 2012 • Ano 2 • Nº 5 • R$ 25,00 ISSN 2237-8677 Síndromes - Ano 2 - Número 5 - Setembro/Outubro de 2012 N Cu est rso a e Mó Au diç du ti ão lo sm V o Transtorno de Déficit de Atenção / Hiperatividade (TDAH) Evelyn Kuczynski A importância de crescer e amadurecer ao lado dos filhos com TDAH Por Juliana Ferreira Ribeiro Edição: Leandra Migotto Certeza O Método Bobath Dra. Cristina Maria Pozzi Fantasia e pensamento mágico Dra. Milena de Oliveira Rossetti Atendimento humanizado é destaque no ITACI Por Leandra Migotto Certeza Malformações Congênitas Dra. Alessandra Freitas Russo 13 anos www.atlanticaeditora.com.br revista multidisciplinar do desenvolvimento humano Síndromes Novembro • Dezembro de 2012 • Ano 2 • Nº 6 • R$ 25,00 ISSN 2237-8677 Síndromes - Ano 2 - Número 5 - Setembro/Outubro de 2012 N Cu est rso a e Mó Au diç du ti ã lo sm o VI o Transtornos do Aprendizado Escolar Francisco Baptista Assumpção Júnior Evelyn Kuczynski Dificuldades de aprendizagem A Formação do Indivíduo Entrevistado: Antônio Eugênio Cunha Jornalista responsável: Leandra Migotto Certeza Carolina Rabello Padovani A Família e a Criança Deficiente Jemima Giron Casamento e Deficiência Mental A importância de estimular quem tem dificuldades de aprendizagem Por Marisa Aparecida Gimenes da Cunha de Andrade* Edição de texto: Leandra Migotto Certeza** Francisco B. Assumpção Jr. 13 anos www.atlanticaeditora.com.br Síndromes Janeiro • Fevereiro de 2012 • Ano 2 • Nº 1 revista multidisciplinar do desenvolvimento humano 3 4 7 12 14 17 21 28 38 49 EDITORIAL Dr. Francisco Assumpção Junior (Coordenador Editorial) artigo do mês Depressão Infantil por Dra. Evelyn Kuczynski e Dr. Francisco B. Assumpção Jr. entrevista Depressão Infantil Edição: Leandra Migotto Certeza* Entrevistada: Michele Moreira Nunes – doutora em psicologia* desenvolvimento Mitos, histórias e heróis: os quadrinhos e a inspiração infantil por Dr. Adriano Marangoni reabilitação Brinquedoteca: a valorização do brincar por Dra. Marília Penna Bernal inclusão Um debate necessário: a inclusão social dos portadores de deficiência por Dr. Antonio Celso Baeta Minhoto reportagem Associação cruz verde Valorizar olhares, gestos e sorrisos por Leandra Migotto Certeza reportagem A sexualidade da pessoa com deficiência por Leandra Migotto Certeza - Cartuns de Ricardo Ferraz artigo do leitor O educador, as síndromes e as dificuldades de aprendizagem por Prof. José Romero curso autismo - módulo I por Alessandra Freitas, Carolina Rabello Padovani, Cristina Maria Pozzi, Francisco B. Assumpção Jr., Marina Lemos, Melanie Mendoza e Milena Rossetti Síndromes Janeiro • Fevereiro de 2012 • Ano 2 • Nº 1 revista multidisciplinar do desenvolvimento humano Diretoria Ismael Robles Junior [email protected] [email protected] Antonio Carlos Mello Coordenador Editorial Dr. Francisco B. Assumpção Jr. Colaboraram com essa edição Dr. Adriano Marangoni Dr. Antonio Celso Baeta Minhoto Dra. Evelyn Kuczynski Dr. Francisco B. Assumpção Jr. Dr. José Romero Leandra Migotto Certeza Dra. Marília Penna Bernal Dra. Michele Moreira Nunes Ricardo Ferraz vendas corporativas Antônio Octaviano [email protected] Envio de artigos para: E-mail: [email protected] E-mail: [email protected] www.atlanticaeditora.com.br Administração e vendas Antonio Carlos Mello [email protected] Editor executivo Dr. Jean-Louis Peytavin [email protected] Atlântica Editora Praça Ramos de Azevedo, 206/1910 Centro 01037-010 São Paulo SP Editor assistente Guillermina Arias [email protected] Atendimento (11) 3361 5595 [email protected] Direção de arte Cristiana Ribas [email protected] Atlântica Editora edita as revistas Fisioterapia Brasil, Fisiologia do Exercício, Enfermagem Brasil, Neurociências e Nutrição Brasil I.P. (Informação publicitária): As informações são de responsabilidade dos anunciantes. A revista Síndromes é uma publicação bimestral da Atlântica Editora Ltda, com circulação em todo território nacional. 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Mais do que meros questionamentos filosóficos apartados de uma realidade pragmática, tecnológica e consumista, isso significa nossas perspectivas de sobrevivência e de projeto existencial. Significa pensarmos sobre o que estamos construindo para que aquilo que possuímos de mais precioso, nossos filhos, esteja sendo submetido a fatores estressores de tal monta para que se desencadeiem sintomas dessa ordem. Dessa maneira, conhecer o fenômeno em seu aspecto mais básico, descritivo, para que o identifiquemos, é de fundamental importância para que minimizemos os prejuízos por ele causados e, principalmente, para que repensemos o caminho que estamos trilhando rumo ao futuro. Boa leitura! SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 1 • Janeiro • Fevereiro de 2012 O tema deste número é bem representativo de nossa modernidade. A depressão não só é um quadro de extrema importância como, para a Organização Mundial de Saúde, deve ser a maior responsável pela abstinência laboral e escolar em meados de 2020. Assim, independentemente das bases biológicas, indiscutíveis, do quadro em questão, temos que nos questionar sobre os gatilhos ambientais decorrentes e derivados do mundo no qual vivemos e que optamos por construir. Considerando-se a criança, objeto desta publicação, esse questionamento é ainda mais importante uma vez que ela representa o vir-a-ser, a expectativa e o projeto de futuro que definimos para nossa espécie. O que queremos de nós mesmos? Quais as expectativas que temos sobre a nossa, ainda tão jovem, espécie? 3 en t revi s ta Depressão Infantil Edição: Leandra Migotto Certeza* Entrevistada: Michele Moreira Nunes – doutora em psicologia* SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 1 • Janeiro • Fevereiro de 2012 1. A depressão infantil ainda é um tema pouco pesquisado? Por quê? Quais são as principais diferenças da doença em adultos e crianças? 4 A depressão é um dos mais significativos problemas no mundo atual, e a sua incidência tem aumentado exponencialmente. Ela reflete o desequilíbrio não só das pessoas em si, mas também de nossa sociedade e de nosso meio ambiente. Atualmente a depressão, tornou-se comum em crianças. É uma doença séria e pode contribuir para várias alterações como o isolamento delas, baixo rendimento escolar, baixa-estima e até mesmo uso de drogas como tentativa de sentirem-se melhor. Provavelmente, por estarem em desenvolvimento, as crianças não têm capacidade para compreender o que acontece internamente e, com freqüência, apresentam comportamentos agressivos. Apesar da depressão (tanto no adulto quanto na criança) ter como modelo de diagnóstico a conhecida constelação de sintomas (decorrentes da tríade: sofrimento moral, a inibição psíquica global e no estreitamento do campo vivencial), as diferentes características pessoais e situações vivenciais entre o adulto e a criança, fazem com que os sintomas secundários decorrentes dos sintomas básicos sejam bem distintos. O sofrimento moral, por exemplo, responsável pela baixa auto-estima, no adulto pode se apresentar como um sentimento de culpa e, na criança, como ciúme patológico do irmão mais novo. 2. O diagnóstico da depressão é mais complicado em qual idade? Os bebês também podem apresentar quadros depressivos? Como identificar? O diagnóstico da depressão é mais difícil nas crianças, pois os sintomas podem ser confundidos com birra ou falta de educação, mau humor e agressividade. Nos bebês a depressão se espelha no seu estado de ânimo: capacidade de reagir, letargia, ausência de capacidade de chamar a atenção ou falha em expressar emoções previsíveis. O bebê também pode apresentar atrasos no desenvolvimento por ex: na fala, nos primeiros passos, distúrbios do sono, alimentação insuficiente e uma maior incidência de enfermidades infecto-contagiosas, já que as defesas ficam mais reduzidas. Para que supere este estado deve dedicar-lhe toda a atenção possível, criar proximidade, num ambiente de afeto, confiança e tranqüilidade. 3. Qual a diferença entre estar triste e ter depressão? As crianças possuem uma variação de humor maior do que os adultos? Explique o motivo. Tristeza é uma manifestação natural do corpo e da mente assim como outros sentimentos, como felicidade, ansiedade, raiva. 4. Quais são as principais características da depressão infantil? O que os pais precisam observar no cotidiano para saber quando procurar um médico para evitar o agravamento da depressão? A depressão infantil é caracterizada pela presença dos seguintes sinais e sintomas, os quais podem se apresentar de forma mascarada: baixo desempenho escolar, pouca capacidade para se divertir (anedonia), sonolência ou insônia, mudança no padrão alimentar, fadiga excessiva, queixas físicas, irritabilidade, sentimentos de culpa, de desvalia e depressivos, ideação e atos suicida, choro, afeto deprimido, sinais faciais depressivos, hiperatividade (mais atividade do que o padrão) ou hipoatividade (menos atividade do que o padrão). Os pais precisam observar no cotidiano alguns comportamentos como: perda de interesse pelas atividades habitualmente interessantes (como uma espécie de aborrecimento constante diante dos jogos, brincadeiras, esportes, sair com os amigos, etc); além dessa apatia, preguiça e redução significativa da atividade, e às vezes pode haver tristeza, mas essa não é a regra geral. Por isso, tanto os pais como educadores deverão ficar atentos a estas mudanças de comportamento e procurar ajuda dos especialistas assim que se manifestarem. 5. Crianças com pais separados ficam mais depressivas? Quais são principais fatores de risco da depressão? A literatura é consistente em demonstrar que a depressão parental (que surge nos pais, comumente durante ou após a separação), é um fator de risco nas perturbações de internalização (por exemplo, ansiedade e depressão) e de externalização (por exemplo, oposição de sentimentos) da criança e do adolescente. A existência de depressão dos pais aumenta a probabilidade de diminuição da qualidade de prestação de cuidados materiais e emocionais nas crianças. As mães com sintomas de depressão exibem mais afeto negativo, mais comportamentos negligentes e comportamentos hostis, menor consistência educativa, cuidados com a saúde das crianças e disponibilidade emocional; além de menos comportamentos parentais positivos, e mais comportamentos parentais de risco. Como resultado, as crianças de pais separados deprimidos ou ansiosos apresentam maior probabilidade de desenvolver transtornos de depressão e ansiedade, maiores comportamentos oposicionais, menor autoestima, menor comportamento social, pior rendimento acadêmico, maiores déficits de atenção e maiores dificuldades de relacionamento interpessoal Os quadros depressivos maternos têm também efeitos indiretos na falta de adaptação das crianças; chegando a situação de inversão de papéis no seio familiar, passando, os filhos, a providenciar suporte emocional ao pai deprimido. A reorganização da família (após a dissolução conjugal), pode colocar os filhos no papel de aprovisionamento emocional, assumido previamente pelo ex-conjuge e, desta for- SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 1 • Janeiro • Fevereiro de 2012 Já a depressão é uma doença e, esta sim, precisa de tratamento para ser combatida. No caso da depressão a pessoa se sente sem energia, interesse e sem vontade de fazer coisas comuns de sua rotina mesmo que não haja nenhum problema. Pode também ter mais dificuldade de concentração, pode ter insônia ou dormir excessivamente. Também sente mais cansaço e menos apetite. 5 ma, compartilhar ativamente, a sua aflição emocional com a criança, o que amplifica os problemas de adaptação, perturbações de ansiedade, reatividade psicofisiológica e comportamentos de oposição da criança. Quanto aos fatores de risco para depressão em crianças e adolescentes, o mais importante é a presença de depressão em um dos pais; sendo que a existência de história familiar para depressão aumenta o risco em pelo menos três vezes, seguidos por estressores ambientais, como abuso físico e sexual e perda de um dos pais, irmão ou amigo íntimo. SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 1 • Janeiro • Fevereiro de 2012 6. Brigas com pais e parentes podem levar a quadros depressivos? Ciúme e inveja entre os irmãos deixam as crianças com baixa auto-estima e deprimidas? Irmãos gêmeos têm depressão juntos? 6 Todo tipo de agressão ou briga dentro de um ambiente familiar gera um conflito emocional nas crianças/adolescentes podendo resultar em depressão. O ciúme e a inveja entre os irmãos ocorrem em algum momento do desenvolvimento infantil, porém cabe aos pais e cuidadores (profissionais especializados em acompanhar as crianças) orientar os filhos da melhor maneira possível. E quando os irmãos geneticamente idênticos têm mais possibilidades de desenvolverem depressão juntos. Já quando são gêmeos fraternos, a possibilidade disso ocorrer é em grau bem menor. 7. Os conhecidos traumas de infância (quedas do berço ou sustos, por exemplo) podem levar a casos de depressão? Vários transtornos psiquiátricos em adultos têm sido relacionados a algum trauma na infância. A magnitude do problema é variável, sendo que alguns estudos apontam para a ocorrência de traumas na infância em aproximadamente 50% dos adultos com psicopatologias. Acredita-se que depressão maior, transtorno afetivo bipolar e distimias estejam associados a traumas na infância, porém ainda são escassos no Brasil, ou na América Latina os estudos de associação de trauma na infância com psicopatologias na vida adulta. 8. A depressão infantil é uma das principais conseqüências após violência doméstica e abuso sexual? Sim, o abuso sexual é uma das principais conseqüências relacionadas aos transtornos dissociativos da depressão infantil. 9. A adolescência é a fase mais complexa da vida em que a depressão é mais freqüente? Quais os principais motivos que levam um jovem a ficar depressivo? Durante muitos anos acreditou-se que os adolescentes, assim como as crianças, não eram afetadas pela depressão, já que, supostamente, esse grupo etário não tinha problemas vivenciais. Atualmente sabemos que os adolescentes são tão suscetíveis à depressão quanto os adultos, sendo ela um distúrbio que deve ser encarado seriamente em todas as faixas etárias. A depressão pode interferir de maneira significativa na vida diária, nas relações sociais e no bem-estar geral do adolescente, podendo até levar ao suicídio. A puberdade tem um aspecto biológico e universal, caracterizada pelas modificações visíveis, como por exemplo, o crescimento de pêlos pubianos, auxiliares ou torácicos, o aumento da mas- 10. Qual a diferença de um quadro depressivo infantil e uma doença crônica e genética em crianças? A biologia tenta buscar a origem da depressão tanto nas pessoas, quanto nos ascendentes biológicos, ou seja, na fisiopatologia e na genética. O último relatório da Organização Mundial de Saúde (OMS) enfatiza que, a depressão pode ser devida a variações nas respostas dos circuitos neurais e estas, por sua vez, podem refletir alterações quase imperceptíveis na estrutura, na localização ou nos níveis de proteínas críticas para a função psíquica normal. 11. Crianças têm uma capacidade maior de resiliência (capacidade de administrar positivamente bem os problemas) e recuperação de quadros depressivos leves do que adolescentes, jovens ou adultos? Por quê? A resiliência é um fenômeno que representa adaptação positiva. Não é um atributo pessoal da criança, nem é permanente. Para alcançar e sustentar a adaptação resiliente, a criança deve receber apoio dos adultos em todos os contextos, o que implica a garantia dos seus cuidados. 12. Qual o ambiente familiar mais saudável para evitar a depressão infantil? É importante que os familiares possam fornecer à criança/adolescente um ambiente carinhoso e de apoio. É natural que se espere que os sintomas da depressão desapareçam rapidamente, mas é preciso reconhecer que o doente irá progredir ao seu próprio ritmo. Encoraje a pessoa com depressão. Finalmente, procure ser sensível. 13. Estudos apontam diferenças na depressão infantil dependendo da região onde vivem, da classe social, idade, sexo ou etnia? Quais são? Alguns estudos apontam que o nível socioeconômico baixo pode estar associado a problemas de saúde mental. A combinação de baixa renda, analfabetismo, desemprego, más condições de moradia e acesso limitado à saúde e à educação aumentam esse risco. Também salientam que a pobreza parece estar associada a inúmeras condições adversas e à maior exposição a fatores de estresse. 14. A alimentação influencia na propensão a quadros depressivos? O uso de medicamentos sem indicação médica, as crendices e os maus hábitos podem levar às crianças a ficarem deprimidas? Sim, a alimentação pode influenciar em quadros depressivos, sendo que um estudo recente indica que os ácidos graxos como o ômega-3 podem ajudar a reduzir os sintomas da depressão. Portanto, a alimentação equilibrada ajuda é um complemento muito eficaz para o tratamento, sendo o acompanhamento SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 1 • Janeiro • Fevereiro de 2012 sa corporal, desenvolvimento das mamas, evolução do pênis, menstruação, etc. Estas mudanças físicas costumam caracterizar a puberdade, que neste caso seria um ato biológico ou da natureza, fato esse que merece um olhar (cuidado) especial por parte dos responsáveis por este grupo para que este simples ato de desenvolvimento não leve a casos de depressão ou outros tipos de transtornos. 7 médico imprescindível. E o uso de medicamentos sem prescrição médica adequada pode oferecer diversos riscos a saúde e um destes riscos pode estar associado a um quadro que leve a depressão. Já um tratamento adequado pode oferecer alívio para a maioria das pessoas, mas toda medicação deve ser devidamente orientada pelo profissional da saúde. Em relação aos maus hábitos e crendices, em minha visão de especialista, creio que possam ser fatores desencadeantes de futuros casos depressivos. 15. A depressão tem cura ou só a indicação de tratamentos para manter uma melhor qualidade de vida com ela? SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 1 • Janeiro • Fevereiro de 2012 Ao contrário do que algumas pessoas pensam, a depressão tem cura. É importante que ao perceber os sintomas, a pessoa procure atendimento médico, pois quanto antes for iniciado o tratamento mais rápido o doente voltará à sua vida normal. O tratamento pode ser realizado com o uso de antidepressivos, psicoterapia ou com a associação dos dois. É fundamental o apoio e a participação de familiares e amigos no sucesso do tratamento. 8 16. Como evitar quadros depressivos mais comuns após traumas infantis ou acidentes como de carro ou quedas? Embora não exista uma receita para evitar quadros depressivos e os aspectos genéticos ainda não possam ser modificados no sentido de prevenir a depressão, alguns cuidados após os fatos citados devem ser tomados como acompanhamento médico/ psicológico bem como um acompanhamento familiar cuidado podem evitar futuros quadros depressivos na criança. 17. Quais são as probabilidades de desenvolver depressão infantil quando existem familiares adultos com a doença? Existem vários estados psicopatológicos com inegáveis componentes hereditários e/ ou familiares. A transmissão genética diz respeito à probabilidade e não às certezas. Assim sendo, a pessoa pode ser portadora de uma probabilidade maior de desenvolver um transtorno ansioso, ou do humor, embora não haja certeza de que terá esses quadros. Quanto maior o número de antecedentes deprimidos entre familiares, maior será a probabilidade de desenvolver uma depressão de natureza constitucional. Há uma significativa porcentagem de filhos de pais deprimidos que desenvolve a doença e, mais marcante ainda, uma expressiva porcentagem quando os dois pais são deprimidos, mesmo que o filho tenha sido criado por outra família não-deprimida. Suicídios em membros da família também devem ser investigados, tendo em vista a maior probabilidade dessa atitude se repetir em descendentes. Michele Moreira Nunes, Especialista em Terapia Cognitiva Comportamental e Avaliação Neuropsicológica e Doutora pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Leandra Migotto Certeza, é jornalista e repórter especial da Revista Síndromes. Ela tem deficiência, é consultora em inclusão e mantém o blog “Caleidoscópio – Uma janela para refletir sobre a diversidade da vida” - http://leandramigottocerteza.blogspot.com/ art i g o do m ê s Depressão Infantil Evelyn Kuczynski Os transtornos do humor são condições psiquiátricas que se manifestam basicamente através de recorrentes períodos de polarização do humor, acompanhados de outros sintomas (secundários a esta polarização). A criança e o adolescente se encontram em pleno processo de desenvolvimento e inúmeras atitudes e comportamentos (muitos deles normais) podem gerar grandes dificuldades para o diagnóstico. O termo depressão não se refere a uma patologia caracterizada obrigatoriamente por humor deprimido, mas a uma síndrome. Como no adulto, ela vem sido descrita na criança (e no adolescente) desde o século XVII. É clássica a “depressão anaclítica” de Spitz (1946), fruto da separação de crianças institucionalizadas de suas mães. A partir dos anos 70, finalmente se percebe a importância da depressão na psicopatologia da infância e da adolescência. Ao exame, a criança nem sempre relata sintomas que descrevam seu estado interno. Com frequência, destaca somente a tristeza ou a solidão, de modo vago e inespecífico. Em muitos casos, observamos somente maior sensibilidade, choro fácil e irritabilidade. As súbitas mudanças de conduta da criança são de extrema importância pelo caráter episódico, tendo que ser consideradas, principalmente, quando são abruptas, e se ocorrem de modo inexplicável. Antes adequadas e adaptadas socialmente, passam a apresentar irritabilidade e agressividade, com violação de regras sociais (anteriormente aceitas). Esse comportamento pode ser decorrente de alterações de humor e aparenta ser um dos sinais mais importantes para o diagnóstico, uma vez que a criança é levada ao psiquiatra infantil muito mais por suas condutas do que por seu próprio sofrimento. Estudos revelam uma incidência de depressão de 1% a 2% entre os pré-púberes e de 3% a 8% entre adolescentes, com uma prevalência ao longo da vida de cerca de 20% ao final da adolescência. Adolescentes do sexo feminino apresentam maior prevalência em relação ao sexo masculino. A distimia é definida como um humor deprimido persistente (também irritável, no caso de crianças e adolescentes), presente por um período longo (período mínimo de dois anos, em adultos, e um ano, em crianças e adolescentes), associado a sintomas como alterações do apetite e/ou do sono, baixa de energia (ou fadiga), baixa auto-estima, prejuízo da concentração e dificuldade em tomar decisões, com sentimentos de desesperança. A falta de interesse pelas atividades rotineiras também é muito presente, embora esse quadro dependa da intensidade da depressão. Queda no rendimento SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 1 • Janeiro • Fevereiro de 2012 Francisco B. Assumpção Jr. 9 SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 1 • Janeiro • Fevereiro de 2012 10 escolar pode refletir essa diminuição da motivação, assim como da atenção. Surgem, ainda, preocupações sérias a respeito dos pais e outras pessoas próximas, presentes como um medo da separação e da morte, sempre acompanhados de grande ansiedade. A falta de expectativa ou expectativas negativas são também encontradas no pré-pubere, embora muitos questionem na criança a sua própria condição de expressar os aspectos negativos de sua vida ou de seu mundo, para que se possa caracterizar a doença. Poderíamos (grosso modo) verificar, nas crianças em fase pré-puberal, a preponderância de sintomatologia caracterizada por aspecto deprimido, agitação e queixas físicas, ao passo que, entre os adolescentes, observamos a sensação de infelicidade, mudanças de peso e sonolência excessiva, sem nos esquecermos da maior freqüência de ideação suicida. Idéias suicidas não são raras, embora dificilmente ocorram antes dos 10 anos de idade, em função do próprio desenvolvimento cognitivo que, nessas idades, ainda gera um instrumental muito pobre para o planejamento e avaliação dos próprios atos. Nem toda ideação ou comportamento suicida é diretamente atribuível à depressão. No adolescente, a relação depressão-suicídio é significativa. A grande maioria dos adolescentes suicidas (94%) apresenta problemas psiquiátricos, sendo a depressão o mais importante deles (51%). Inicialmente, a criança não apresenta noção de morte; em consequência, não tem medo dela. As idéias de morte, provenientes do ambiente que a circunda, lhe serão transmitidas progressivamente e, assim, constituirão a base de sua ideação. Entretanto, é somente com o pensamento formal (a partir da adolescência) que se estabelece a morte e o morrer como o apanágio do homem que, dentre todos os animais, é o único que pode conceber seu próprio fim, dando-lhe um significado. Na criança, entretanto, a morte vai corresponder somente à separação e mudança de uma vida não agradável na busca de uma existência melhorada. A abordagem da depressão na criança e no adolescente é múltipla, visando uma compreensão do quadro e uma intervenção sob o ponto de vista biológico, psicológico e social. O plano de tratamento será, então, determinado pelas condições do paciente que, em presença de risco de suicídio, deverá ser submetido à hospitalização. Imprescindível o histórico clínico e psiquiátrico minucioso, além de investigação laboratorial rotineira, com o intuito de identificar doenças clínicas concomitantes, e avaliar os parâmetros físicos, que podem ser alterados pela medicação. Um teste de gravidez nas pacientes do sexo feminino é recomendável antes do início da medicação, além de controle da pressão arterial e freqüência cardíaca, prévio ao início e durante o seguimento com medicação. Há evidências de que uma considerável parcela das crianças e adolescentes diagnosticados apresentará (dentro de cinco anos) recaída após um primeiro episódio depressivo, além de mais da metade dos casos de início na infância persistirem na adultícia. Contudo, ainda não há dados suficientes para se esta- Evelyn Kuczynski, Pediatra. Psiquiatra da Infância e da Adolescência. Doutora pela FMUSP. Pesquisadora voluntária do Projeto Distúrbios do Desenvolvimento do Departamento de Psicologia Clínica do IP-USP. E-mail: [email protected]. mas necessária como componente do tratamento. No entanto, alguns preconizam iniciar a terapêutica com psicoterapia por quatro a seis semanas, seguido de associação com medicação, caso não haja melhora do humor após este período, além da presença de fatores de risco, como ideação suicida. Em suma, os transtornos do humor na infância e adolescência não são raros, mas extremamente importantes, não somente pela orientação terapêutica, como também pelo diagnóstico diferencial e conseqüente prognóstico. A abordagem psicofarmacológica é de fundamental importância, ainda que coadjuvada por outras formas de abordagem (psicoterápicas, familiares e sociais), visando-se a melhor solução para o problema. Referencia Bibliográfica 1. FU-I, BOARATI, MAIA e colaboradores (2012). Transtornos afetivos na infância e adolescência: diagnóstico e tratamento. Porto Alegre: Artmed (376 p.). Francisco B. Assumpção Jr., Psiquiatra da Infância e da Adolescência. Livre Docente em Psiquiatria pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP). Mestre e Doutor em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Professor Associado do Departamento de Psicologia Clínica SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 1 • Janeiro • Fevereiro de 2012 belecer um consenso na condução de um tratamento de manutenção nesta população específica. São documentadas, nas depressões infantis, alterações no relacionamento da criança com seus familiares e amigos, durante e após o período depressivo. Dessa maneira, a atuação sobre os distúrbios da interação social é de extrema importância, assim como um suporte no nível educacional e social, visando readaptar a criança ao seu meio. As intervenções psicoterápicas, das mais diversas correntes teóricas, também favorecem a melhoria do quadro e a adaptação da criança e do adolescente, que deve ser visualizado como uma totalidade, inserido dentro de seu contexto familiar e social. De acordo com os parâmetros estabelecidos para a abordagem de quadros depressivos, a primeira indicação para depressões de leve intensidade e não-complicadas é a instituição de atendimento psicoeducacional e psicoterapia de apoio. No entanto, há que se levar em consideração que a psicoterapia em adolescentes deprimidos é insuficiente, 11 de s envolvimen t o Mitos, histórias e heróis: os quadrinhos e a inspiração infantil SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 1 • Janeiro • Fevereiro de 2012 por Adriano Marangoni 12 Não importa quando, não importa onde, somos ávidos por histórias. Histórias que fascinam e angustiam. Histórias que confortam, que aproximam, que dão sentido. Histórias dão nome ao amorfo; as palavras transformam. Histórias são o lugar do improvável. Histórias são as terras do mito e da fantasia. E a fantasia é a terra dos heróis. Ser jovem é ser o herói de sua própria história. Crescer e amadurecer se confundem com qualquer narrativa épica. As características de cada um são muito semelhantes: o abandono de casa, do conforto, da família; o ato de se despojar, de cair e se levantar; fortalecer-se; superar obstáculos; realizar façanhas impossíveis; enfrentar rivais e vencer um vilão. O resultado é a remissão dos agravos, a restauração do equilíbrio e da justiça na comunidade. No caso de um “final feliz”, a coroação da jornada é o amor, erótico e compensatório, entre herói e a bela mocinha, devota e fiel. Essa estrutura básica, despida das variações que acompanham épocas e lugares diferentes, é o ciclo do herói, matéria arquetípica em forma bruta, aqui descrita sob uma orientação mais usual. Os historiadores, embora cataloguem e analisem essas versões, em sua maioria abriram mão da sua narração; narrar epopéias foi apropriado e consolidado a partir do século XX pela imprensa, pelo cinema, e de modo bastante fluído, pelas Histórias em Quadrinhos (ou HQs). As histórias e personagens de quadrinhos, embora carreguem traços de uma mitologia atemporal, são também frutos de conteúdos morais e ideológicos próprios do contexto em que são produzidos. Ora, o Capitão América não é apenas o cume da força humana, o perfeito guerreiro, como foi o semi-deus Aquiles em Tróia: o Capitão é um soldado na guerra contra os nazistas. Sua força vem da ciência (um soro bioengendrado transformou o franzino Steve Rogers no atlético Capitão); sua determinação é fruto da fé na democracia americana. Exemplos como o do Capitão América são inúmeros: a variedade de personagens entre 1936 (ano de publicação do Fantasma, de Lee Falk) até hoje, excede o mais comprometido estudo. Há, porém, certos modelos pra lá de consagrados. Mais do que paradigmas, eles se tornaram símbolos, não por acaso, os “três grandes” da editora DC: Batman (criado em 1939), a Mulher-Maravilha (1940), Super-Homem (1938). Bruce Wayne, ainda criança, viu seus pais serem assassinados friamente num beco escuro. Traumatizado, dedicou sua adolescência ao aperfeiçoamento físico e mental até os limites humanos e assim se tornou Batman, o símbolo da justiça de Gotham City. Amparado pela fortuna da entre crianças e adolescentes é, no máximo, correspondente aos valores de seus pais. Nenhum destes heróis “é” o leitor. Frutos da ciência e da razão, estes heróis carecem da fantasia, do mito, da história. A eles falta a pureza da infância. A eles faltam palavras mágicas. Nenhum deles será tão humano quanto o herói que grita Shazam! O Capitão Marvel, garboso herói de vermelho criado em 1939 por C.C. Beck, não é adulto, não é fruto da ciência, do esforço, muito menos infalível. É apenas o alter-ego de Billy Batson, um garoto de 14 anos que defendeu um morador de rua de assaltantes. Comovido com a bondade do jovem, o mendigo, o mago Shazam disfarçado, deu a Batson seus poderes, oriundos dos heróis da mitologia (Shazam é um acróstico de Salomão, Hércules, Atlas, Zeus, Aquiles e Mercúrio). Ao proferir a palavra mágica que o transforma, mais do que qualquer outro, o Capitão Marvel é a personificação da linguagem, da fantasia e da história. Nenhum outro personagem nos quadrinhos representa melhor a vontade de um jovem se tornar um herói. Afinal, como um exemplo para qualquer adulto, ele nunca deixou de ser uma criança. Adriano Marangoni, Mestre em História Social, licenciado e graduado em História pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Atualmente é professor efetivo do Governo do Estado de São Paulo. Tem experiência na área de História, com ênfase em História Moderna e Contemporânea, atuando principalmente nos seguintes temas: heróis, quadrinhos, cultura, política, Estados Unidos e Brasil. SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 1 • Janeiro • Fevereiro de 2012 Fundação Wayne, Batman transformou a dor em motivação, o medo em ferramenta de trabalho, com a missão de impedir que outros passem por aquilo que sentiu na infância. Diana é a princesa da Ilha Paraíso, Themyscira. O lugar, habitado exclusivamente por mulheres, é um reino dedicado à sabedoria, às artes e à guerra. Eleita entre as amazonas para abrir diálogo com o “mundo do patriarcado”, Diana veste o uniforme da Mulher-Maravilha, com a missão de ensinar as lições da compaixão e do respeito mútuo (amiúde, através dos punhos). Emancipada de vários modos, a Mulher Maravilha é a representação passional da segurança e força, agente da verdade e igualdade. Kal-El, último filho do planeta Krypton, foi enviado num foguete por seu pai, um brilhante cientista, para a Terra. Aqui, Kal-El foi adotado por um amoroso casal do Kansas, Jonathan e Martha Kent e rebatizado de Clark. Alimentado pelas energias de nosso Sol, Kal-El, o Super-Homem é dotado da habilidade de voar, invulnerabilidade, super força e velocidade, visão de calor e de raios-X. Um deus entre os homens, o benevolente Super-Homem luta para amenizar os agravos da humanidade, ainda tão jovem e cheia de potencial, assim como seu planeta natal foi um dia. Embora inspirem e fascinem, os três estão além de uma linha que o leitor jovem, por mais que deseje, não é capaz de ultrapassar: Batman, Mulher-Maravilha e Super-Homem são inequivocamente adultos. Suas motivações e ações são essencialmente paternalistas, protetoras, conservadoras. A admiração, quiçá mimetização dos valores desses heróis 13 reabili ta ç ã o Brinquedoteca: a valorização do brincar SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 1 • Janeiro • Fevereiro de 2012 por Marília Penna Bernal 14 Brincar é importante para a saúde física, emocional e intelectual, é brincando que a criança se reequilibra, recicla suas emoções, desenvolve a atenção, concentração e várias outras habilidades, disponibilizando o aprendizado e o desenvolvimento infantil (Cunha, 1992). A brincadeira é a forma de a criança estar em seu mundo, falar de si e se desenvolver. Quando se trata de saúde, o brincar está presente no cotidiano, do mesmo modo que as outras atividades que acontecem no dia-a-dia da criança, para o seu desenvolvimento (Takatori; Oshiro; Otashima, 2004). O brincar é um fenômeno complexo, com uma vasta bibliografia e, de difícil definição, no entanto, alguns conceitos estão presentes nas definições, como: presença de motivação interna; transcende e reflete a realidade; é controlado pela criança; envolve mais atenção no processo do que no produto; é seguro, divertido, agradável e imprevisível; espontâneo e não obrigatória. Para Ferland (2006), “o brincar é uma atitude subjetiva em que o prazer, a curiosidade, o senso de humor e a espontaneidade se tocam; tal atitude se traduz por uma conduta escolhida livremente, da qual não se espera nenhum rendimento especifico” (p. 18). O prazer é o componente essencial do brincar, sem o prazer, o brincar não existe. Objetivando o resgate do brincar espontâneo, como elemento essencial para o desenvolvimento integral da criança, de sua criatividade, aprendizagem e socialização é que surgem as brinquedotecas (Magalhães; Pontes, 2002). A brinquedoteca é um espaço que foi criado para favorecer a brincadeira, de forma que as crianças possam brincar livremente, com todo estímulo à manifestação de suas potencialidades e necessidades lúdicas (Cunha, 2007). Existem diversos tipos de brinquedotecas, como: hospitalar, comunitária, universitárias, dentre outras. Assim, os objetivos específicos das brinquedotecas variam conforme o contexto em que se situam. Em Cunha (2007) encontramos alguns itens referentes às brinquedotecas, dentre eles: proporcionar espaço para que a criança brinque tranquila, sem cobranças; estimular o desenvolvimento de uma vida interior rica e capacidade de concentrar a atenção; favorecer o equilíbrio emocional; criar oportunidades para expansão das potencialidades; desenvolver a inteligência, criatividade e sociabilidade; proporcionar acesso a um número maior de brinquedos, experiências e descobertas. A brinquedoteca é um espaço estruturado para estimular a criança a brincar, possibilitando o acesso a uma grande variedade de brinquedos, dentro de um ambiente especialmente lúdico. É preparada de forma que seus espaços to profissional especializado, vinculado à área de educação, psicologia ou da saúde, é aquele que aprendeu a apreciar as possibilidades educativas e clínicas das brincadeiras nas situações lúdicas cotidianas dos espaços das brinquedotecas. Tal profissional é aquele que, ao mediar o imaginário infantil, oferece proteção e liberdade de expressão, favorece a oportunidade da situação de descoberta, o desenvolvimento da inventividade, e colabora na importante construção do futuro de pessoas adultas saudáveis, capazes e felizes. Ao brincar, a criança tem contato com o ambiente, colocando em funcionamento seu mecanismo cognitivo, muscular, sensações e emoções, além de interação com os outros. Assim, o brincar é uma atividade que solicita a criança em sua globalidade (Ferland, 2006). A brinquedoteca é um espaço de convivência de crianças que vem se tornando um importante local de prática da valorização do lúdico a serviço da promoção da educação e da saúde. Brinquedos e brincadeiras no espaço da brinquedoteca servem para expressão do imaginário e permitem a transmissão de costumes sociais, desenvolvimento de atitudes e estimulam a formação de aspectos da identidade (Sakamoto; Bomtempo, 2010) Assim, torna-se clara a importância de brinquedotecas em ambientes relacionados à saúde e educação, visto o beneficio que tal recurso pode gerar para o desenvolvimento infantil, possibilitando à criança um espaço lúdico, onde possa realizar de maneira espontânea o brincar, atividade inerente à criança. SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 1 • Janeiro • Fevereiro de 2012 incentivem a brincadeira de faz de conta, a dramatização, a construção, a solução e problemas, a socialização e o desejo de inventar. Desta forma, a brinquedoteca é capaz de propiciar brincadeiras que, em outros contextos, não surgiriam (Macarini; Vieira, 2006). Kudo e Pierri (apud Kudo, 1997) referem que o brincar é um dos aspectos mais autênticos do desenvolvimento infantil, é através das relações com os brinquedos e brincadeiras que a criança entra em contato com o mundo, toma conhecimento da realidade externa, explora suas funções, desenvolve o auto-conhecimento, experimenta desafios, investiga e conhece o mundo de modo espontâneo. O brinquedo é um convite ao brincar, desenvolve a capacidade motora e cognitiva. Cabe ressaltar, a importância de que os brinquedos sejam adequados às necessidades e capacidades da etapa do desenvolvimento em que a criança se encontra. A brinquedoteca traz, em seu interior, uma concepção de infância, que determina a sua organização, o seu uso, a distribuição do tempo e as atividades por ela proporcionadas, possibilitando dessa forma que a criança aprenda brincando (Azevedo, 2003). O espaço da brinquedoteca é também ocupado pelos adultos que acompanham as crianças, professores ou responsáveis. É importante que o adulto participe das brincadeiras, como a figura de um bom mediador, auxiliando as crianças a brincar e respeitando a fantasia (Vectore; Kishimoto, 2001). Em Sakamoto e Bomtempo (2010) encontramos que o brinquedista, enquan- 15 Referencias Bibliográficas SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 1 • Janeiro • Fevereiro de 2012 1. A Z E V E D O , A . C . P . B r i n q u e d o t e c a psicopedagógica: uma reflexão sobre as dificuldades escolares. Rev. Ciências da Educação, ano8(5), 2003, pp.89-101. 2. CUNHA N. H. S. Brincando com crianças excepcionais. In: FRIEDMANN, A. O direito de brincar: a brinquedoteca. 2 ed. São Paulo: Scritta, 1992. P. 117-121. 3. CUNHA, N.H.S. Brinquedoteca: Um mergulho no brincar. 4ed. São Paulo: Aquariana, 2007. 4. FERLAND, F. [ tradução Sant´Anna, M.M.M]. O modelo lúdico: O brincar, a criança com deficiência física e a Terapia Ocupacional, São Paulo: Roca, 2006. 5. KUDO, A.M.; Fisioterapia, Fonoaudiologia e Terapia Ocupacional em Pediatria. 2 ed., Sarvier, São Paulo, SP, 1997. 6. MACARINI, S. M; VIEIRA, M.L. O brincar de crianças escolares na brinquedoteca. Rev. Bras. Crescimento Desenvolv. Humano. 2006; 16 (1): 49-60. 14 7. MAGALHAES, C.M.C; PONTES, F.A.R. Criação e Manutenção de Brinquedotecas: Reflexões acerca do desenvolvimento de parcerias. Psicologia: Reflexão e Crítica, 2002, 15 (1), pp. 235-242. 8. S A K A M O T O , C . K ; B O M T E M P O , E . Brinquedista – reflexões sobre sua função mediadora na abordagem do imaginário infantil. Bol. Acad. Paulista de Psicologia, São Paulo, v.30 (79), 2010, pp.415-423. 9. TAKATORI, M; OSHIRO, M; OTASHIMA, C. O hospital e a assistência em terapia ocupacional com a população infantil. In: DE CARLO, M.M.R.D; LUZO, M.C.M (Orgs) Terapia Ocupacional: reabilitação física e contextos hospitalares. São Paulo: ROCA. 2004. P. 256-275. 10.VECTORE, C; KISHIMOTO, T.M. Por trás do imaginário infantil: explorando a brinquedoteca. Psicol. Escolar e Educacional, 2001, vol.5(2), pp.59-65. Marília Penna Bernal, Terapeuta Ocupacional, Mestre em Psicologia Clínica – IP USP, Especialista em Saúde Mental na Infancia e Adolescencia – FACIS IBEHE inclu s ã o Um debate necessário: a inclusão social dos portadores de deficiência A idéia de inclusão social parece ter ocupado um status de debate relevante no momento contemporâneo, e isso nos mais variados segmentos. Assim, antes adstrito ao ambiente acadêmico, o tema em questão ocupa agora um espaço mais amplo, menos restritivo e mais plural, especialmente quanto às visões que sobre ele incidem. Mas quem deve ser incluído socialmente? A lógica nos conduz a uma constatação bastante óbvia neste ponto: só pode ser incluído quem se encontra excluído. Os excluídos, por sua vez, são integrantes ou oriundos das chamadas minorias, uma terminologia em si mesma polêmica (quem é de fato minoria?) e que gera muitos mal-entendidos. Matematicamente, minoria é um conjunto numericamente inferior quando comparado a outro conjunto ou conjuntos maiores ou em maior quantidade quanto aos seus elementos integrantes. Mas no campo social isso nem sempre é verdade. Ciganos, moradores de rua ou portadores de HIV se apresentam em menor número em nossa sociedade quando vistos no conjunto total de indivíduos, mas os negros sul-africanos, quando vigorante o regime do apartheid, eram, sempre foram e continuam sendo em maior número que os brancos ali residentes, no entanto, havia uma dominação e subjugação desses negros pelos brancos. É a típica situação em que ser de um grupo maior, não significa ter maior autonomia, poder ou liberdade. Quanto ao seu conteúdo, o termo minoria é claramente polissêmico e de apreensão conceitual tormentosa, fruto, especialmente, de sua aplicação e mesmo natureza extremamente variada em face dos diversos grupos classificados como minoritários. Mas, convém inserir aqui uma idéia conceitual, mesmo que aproximada, do que seja uma minoria do ponto de vista social. Minoria é um segmento social, cultural ou econômico vulnerável, incapaz de gerir e articular sua própria proteção e a proteção de seus interesses, objeto de pré-conceituações e pré-qualificações de cunho moral em decorrência de seu distanciamento do padrão social e cultural hegemônico, vitimados de algum modo e em graus variados de opressão social e, por tudo isso, demandantes de especial proteção por parte do Estado. Neste contexto, os portadores de deficiência se inserem como uma minoria que precisa desta proteção especial. Muito embora exista uma espécie de senso comum no sentido de que os portadores de deficiência não sofreriam discriminação propriamente dita, mas somente dificuldades de acesso ante a ausência de políticas públicas, a verdade é que esta discriminação – fundada em preconceitos os mais diversos – existe sim. SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 1 • Janeiro • Fevereiro de 2012 Dr. Antonio Celso Baeta Minhoto 17 SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 1 • Janeiro • Fevereiro de 2012 18 A gama de conceitos fechados e preconceituosos é bastante matizada, caminhando de um extremo a outro. Assim, há quem diga que contratar portadores de deficiência “dá azar” ou que convém não interferir, pois se tratam de pessoas “castigadas por Deus”, como também há, no outro extremo, aqueles que discriminam pessoas em tal condição por mero comodismo ou desejo de não envolvimento com a questão, pura e simplesmente. Custo de adaptação dos locais, públicos ou não, também ocupa espaço próprio neste campo. E, o que é mais pernicioso, tudo isso se dá, muitas vezes, de modo velado, sub-reptício e não declarado. Surge do quadro acima, desse modo, a necessidade de se dar voz e oportunidade a tais pessoas, afinal, como nos lembra o estudioso Muniz Sodré, esses indivíduos querem o “reconhecimento societário de seu discurso”. No caso do portador de deficiência, não há, como no caso dos negros, um rechaçamento por sua origem ou, ainda, como no caso dos homossexuais, que sofrem discriminação por seu comportamento. Os deficientes enfrentam outro tipo de discriminação, bem mais velada como se disse: aquela que se volta para a inadequação, para a fuga do modelo tido como normal, desejável, aceitável. Isso tende a manter os deficientes numa situação de aleijamento social, de não acesso aos bens (materiais ou imateriais) produzidos pela sociedade. Ainda em 1975, a ONU elaborou um documento nominado Declaração dos Direitos das Pessoas Deficientes, cujo artigo 3º diz que “as pessoas deficientes têm direito inerente de respeito por sua dignidade humana (...) têm os mesmos direitos fundamentais que seus concidadãos da mesma idade, o que implica, antes de tudo, o direito de desfrutar uma vida decente, tão normal e plena quanto possível” No Brasil, vimos surgir nos anos 80 leis e previsões constitucionais protetivas do deficiente. Na Constituição Federal temos o art. 7º, vedando discriminação de salários e critério de admissão à portadores de deficiência; art. 23, II, criando a obrigação formal às pessoas de direito público interno de proteção às pessoas portadoras de deficiência; art. 37, VII, criação de reserva de vagas em concursos públicos aos portadores de deficiência; art. 208, III, que impõe ao Estado o dever de dar atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência. Na sequência da Constituição, que é de 1988, algumas leis tomaram espaço. Citamos quatro destas leis: Lei 7853/89, prevê a criação da Coordenadoria Nacional para Integração das Pessoas Portadoras de Deficiência (CORDE); Lei 8212/91, que regulamentou a criação de vagas (20%) em concursos públicos em sistema de reserva para portadores de deficiência; Lei 8213/91, criadora da reserva de vagas nas empresas da iniciativa privada, com mais de 100 (cem) funcionários; Lei 8998/95, garantidora de isenção de IPI para aquisição de automóveis por portadores de deficiência. Mais adiante, já em 2001, é acolhida no Brasil a Convenção Interamericana para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Pessoas Portadoras de Deficiência que inclusive conceitua a idéia de deficiência: “O termo ‘deficiência’ significa uma restrição está o problema ali tratado resolvido ou encaminhado. Um exemplo ilustra bem o nosso comentário. Recentemente, ainda em 2010, foi alterado o artigo 6º da Constituição Federal para inserir ali, como direito fundamental, o direito à alimentação, aliás, ao lado dos direitos à moradia, trabalho, lazer e segurança. Significa isso que o problema da má alimentação, da desnutrição, da subnutrição e mesmo da fome, está resolvido? A resposta é um intuitivo não. Mas a previsão de tal direito na Constituição, e ainda como direito fundamental, parece dar a sensação de que muito se avançou ou de que, finalmente, conseguimos alcançar tal ponto, mesmo sem sabermos que ponto é este afinal. O deficiente precisa ser ouvido, precisa ser incluído e os não deficientes precisam igualmente se expor. Devemos debater não só se falta vontade política, mas se falta também vontade social de incluir o portador de deficiência. Em cidades grandes como Rio de Janeiro, São Paulo ou Belo Horizonte, prédio privados e até mesmo públicos, ainda que novos, são edificados sem qualquer obrigatoriedade de acesso e permanência com conforto do deficiente. Quanto às adaptações dos espaços públicos, caminham lentas e de modo incompleto, invariavelmente. A par disso, há ainda a parte de conteúdo para a qual só há um caminho: o diálogo e a troca de idéias constantes. Preconceito se dissipa e se afasta com conceitos objetivos, racionais, na boa-fé próprias das trocas de impressões, e estes conceitos são gerados ou obtidos com o aclaramento das questões, dos temas, das situações, das peculiaridades. Não há outro meio. E nem há qualquer SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 1 • Janeiro • Fevereiro de 2012 física, mental ou sensorial, de natureza permanente ou transitória, que limita a capacidade de exercer uma ou mais atividades essenciais da vida diária, causada ou agravada pelo ambiente econômico e social. O artigo 5º do Decreto 5296, de 2004, é minucioso ao indicar quem pode ser caracterizado como deficiente e que possíveis situações se enquadram em tal conceito, mas queremos aqui ir além e destacar uma lei anterior, de 1999, a Lei 9867, cujo artigo 3º amplia o rol de deficientes, incluindo “(...) I – os deficientes físicos e sensoriais; II – os deficientes psíquicos e mentais, as pessoas dependentes de acompanhamento psiquiátrico permanente, e os egressos de hospitais psiquiátricos; III – os dependentes químicos; IV – os egressos de prisões; V – vetado; VI – os condenados a penas alternativas à detenção; VII – os adolescentes em idade adequada ao trabalho e situação familiar difícil do ponto de vista econômico, social ou afetivo” Seja como for, o que se nota é que avançamos bastante no tocante a prever de modo formal e com força de lei, sob imposição de sanções, portanto, os direitos dos portadores de deficiência. Mas este avanço, na vida prática destes deficientes, é ainda em boa parte um simples rol de boas intenções. Falta o que se usou chamar de concretude ou densidade a tais previsões. O caminhar social – exceção feita às rupturas violentas, como é o caso das revoluções – é normalmente mais lento, muitas vezes ciclotímico, ao menos no Brasil. E ainda temos como fator prejudicial um certo vezo formalista. Imagina-se que uma vez previsto certo direito em lei, 19 SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 1 • Janeiro • Fevereiro de 2012 corta-caminho ou atalho que nos livre de tal processo de clarificação do assunto em questão. Nem superproteção e nem desproteção total. O deficiente precisa ser visto como realmente é, ou seja, um indivíduo que possui anseios, sonhos, projetos, desejos, sofrimentos, inseguranças, belezas, pontos claros e escuros como quaisquer outros indivíduos ditos normais, até porque, deficientes somos 20 todos nós. Estas deficiências, em alguns de nós, esta mais visível, noutros há que se “vasculhar” um pouco mais. Mas a normalidade como concebida de modo geral em nossa sociedade, é um conceito fugidio, vago e que precisa ser questionado frente a um projeto maior, qual seja o de um convívio humano civilizado, avançado e pleno como se pretenda seja o do homem nos arbores do século XXI. Antonio Celso Baeta Minhoto, Advogado e Doutor em Direitos Fundamentais, é também Professor Universitário. [email protected] reporta g em A s s o c i a ç ã o C r u z Ve r d e Valorizar olhares, gestos e sorrisos Na Associação Cruz Verde o mínimo é máximo, pois as pequenas conquistas podem ser muito significativas para quem tem incapacidade motora cerebral, principalmente, com um grau de comprometimento motor maior. “Tenho sentimentos iguais aos de qualquer pessoa. Sinto amor, carinho, tristeza, saudade, alegria e desejos. Acredito que amor é um sentimento importante nas nossas vidas, pois é um dos componentes essenciais que nos complementam e ajudam a realizar nossos sonhos. Como um bom capricorniano, adoro amar e ser amado”, escreveu, Carlos Eduardo dos Anjos Souza (o Dudu) em Carlos Eduardo dos Anjos Souza (o Dudu) publicou um livro. Arquivo da Cruz Verde seu livro: “Minha Casa Verde”, editado em parceria com Carla Patrícia Frigério Flório, fonoaudióloga da associação. Para ela, Dudu tem um carisma e uma força de vontade admirável e valoriza cada atitude relacionada ao próximo. “Ele conduz a uma reflexão sobre os valores humanos e de como as pessoas enfrentam as situações cotidianas”, acrescenta. Dudu tem 43 anos e sempre viveu somente dentro da associação, que desde 1958, auxilia pessoas que possuem comprometimentos motores e/ou cognitivos de maior ou menor complexidade, que vivem internas nos leitos da Cruz Verde e/ou incluídos na sociedade. Hoje, sua equipe multidisciplinar realiza mais 1.800 atendimentos por mês, principalmente para quem não tem condições de pagar pelos serviços. Criada pelo neurologista Dr. Antonio Branco Lefevre, professor da Universidade de São Paulo que atendia muitos pacientes Fachada da associação em São Paulo Arquivo da Cruz Verde SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 1 • Janeiro • Fevereiro de 2012 Leandra Migotto Certeza 21 com incapacidade motora cerebral, em seu consultório, e também no Hospital das Clínicas, a Associação Cruz Verde, conta com mais de 270 profissionais trabalhando em diversas áreas como fisioterapia, psicologia, terapia ocupacional, neurologia, pediatria, fonoaudiologia, odontologia; além de médicos e enfermeiros especializados em atender pessoas com vários comprometimentos motores, com ou sem outras deficiências associadas, como por exemplo: intelectual, visual ou auditiva. SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 1 • Janeiro • Fevereiro de 2012 Existem três unidades de atendimento na Associação Cruz Verde: 22 • Hospital: que atende 202 pessoas somente com incapacidade motora cerebral de alto comprometimento que residem na associação e são assistidos por toda equipe. Estas pessoas são encaminhadas por hospitais, abrigos ou por via judicial, decorrentes de abandono familiar após o nascimento por famílias não têm condições financeiras para arcar com as despesas dos tratamentos intensivos necessários. Não há limite de outra condição, como Arquivo da Cruz Verde uma deficiência associada à física para viver na associação; • Ambulatório: atende crianças de até 12 anos com comprometimentos menores, que vivem com suas famílias. A associação oferece serviços de reabilitação há 150 pessoas por mês através de consultas pré-agendadas, como odontologia; • Hospital Dia: crianças de até 12 anos com comprometimentos variados recebem reabilitação mais intensificada e passam o dia na associação, voltando ao convívio familiar. São atendidas 25 pessoas por mês. “Nós também montamos um centro cirúrgico porque uma parte das pessoas da associação não é possível de atender na odontologia de forma convencional, na cadeira. Então eles precisam receber uma anestesia geral e num único momento todo procedimento que é necessário”, explica Marilena Pacios, superintendente da associação. Gustavo Bispo da Silva, 10 anos teve um problema migração neuronal e está em atendimento na associação desde maio de 2005. Vive com a mãe na casa dos seus avós. Ele freqüenta enfoque busca-se o fortalecimento dos laços afetivos e a manutenção do quadro emocional”, conclui Karina. A maior parte das famílias das pessoas atendidas na Cruz Verde tem como renda familiar um salário mínimo, referente ao benefício de prestação continuada assegurado pela Lei Orgânica de Assistência Social – LOAS. Os 98% dos leitos são conveniados pelo Ministério da Saúde pelo SUS, que infelizmente, há mais de 8 anos não reajusta a tabela, então é feito um trabalho diário de captação de recursos. A Cruz Verde também têm convênio com o FUMCAD – Fundo Municipal da Criança e do Adolescente – onde o contribuinte poderá destinar parte do seu imposto de renda para financiar nossos projetos. Se for pessoa física, até 6% do imposto poderá ser destinado, e pessoa jurídica até 1%. Para obter mais informações sobre as formas de contribuição, entrar em contato pelo telefone (11) 5579-7335, site: http://www.cruzverde. org.br ou pelo e-mail [email protected], falar com Juliana. Maria Silvério, assistente social da Cruz Verde salienta que é uma preocu- Desafios da Associação Cruz Verde Arquivo da Cruz Verde Desafios da Associação Cruz Verde Arquivo da Cruz Verde SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 1 • Janeiro • Fevereiro de 2012 a Cruz Verde duas vezes na semana, para fazer fisioterapia, fonoaudiologia, terapia ocupacional, hidroterapia e ter acompanhamento psicológico. Segundo a neuro-psicóloga da associação, Karina Fernanda Thomaz, os médicos disseram que ele não iria realizar nenhuma das atividades como comer, andar, falar e estudar; porém hoje ele já caminha com auxilio, fala com dificuldade e freqüenta o quarto ano do ensino fundamental na escola regular pública. “Gustavo está em processo de alfabetização e acreditamos que conseguirá. Já lê algumas palavras e escreve seu nome”, relata. A neuro-psicóloga também explica que as melhoras de cada pessoa com deficiência são significativas para os terapeutas que conhecem suas limitações e dificuldades, porém para a sociedade essas melhoras ainda não são significativas. “Consideramos melhora um sorriso, um gesto ou um olhar; diferente da sociedade que só dá importância para o andar e o falar. Além disso, os profissionais do setor de psicologia sempre respeitam a vontade tanto do paciente, quanto dos familiares. Como principal 23 SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 1 • Janeiro • Fevereiro de 2012 pação constante do Serviço Social da associação o abandono familiar. “Desta forma, dentro de um programa de humanização, que busca o bem estar das pessoas atendidas, desenvolvemos uma rotina para reintegrar os familiares aos internos, promovendo sociabilizar e resgatar os seus laços afetivos. Também ressaltamos a importância e necessidade dos familiares e responsáveis em visitarem com freqüência as pessoas que vivem na associação, para a manutenção do vínculo familiar. Esse é um grande desafio dia após dia”. Segundo a superintendente da associação a necessidade ter uma UTI no hospital é cada vez mais presente, devido à existência de pessoas com incapacidade motora cerebral com agravos clínicos associados que fazem uso de traqueostomia, gastrostomia, e são dependentes de oxigênio 24 horas por dia. “Ás vezes eles entram num agravo tão importante que, como nós não temos UTI, buscamos na 24 rede pública e nem sempre encontramos vaga”, alerta. Filho de Maria Joana, Dudu tem 14 irmãos, gosta de ler histórias românticas, assistir ao jogo do São Paulo (o seu time do coração), comer feijoada, ir ao shopping e “tirar barato de todo mundo” dentro e fora da Associação Cruz Verde, onde faz terapia ocupacional, hidroterapia e fisioterapia. Sua alegria é contagiante, mas já passou por momentos bem difíceis na vida como conta em seu primeiro livro: “Quando eu era pequeno, tinha vergonha de brincar com as crianças porque sabia que era diferente e pensava que por isso os vizinhos não iriam querer ficar junto comigo. Mas eu estava errado, pois tive muitos amigos e amigas durante minha infância. E me lembro de um dia bastante marcante: na hora do almoço, perguntei para minha avó qual era realmente a minha doença e porque eu não podia andar. Ela olhou para o meu pai e meu avô como se estivesse pedindo autorização para falar. Com a cara um pouco assustada falou – Dado (meu apelido), você não é a única pessoa que tem essa deficiência, existem muitas crianças que também têm”, e acrescentou: - Você vai conseguir fazer poucas coisas sozinho. É muito triste, mas nós adoramos você, e vamos te dar todo carinho e amor”. Como surgiu a idéia de escrever um livro? Você já escrevia um diário, por exemplo, ou começou a contar sua história de vida pela primeira vez? Minha casa verde Eu queria fazer um livro contando a história da minha vida e foi tudo pela primeira vez. O texto todo já estava na minha cabeça! Eu convidei a Carla, fonoaudióloga da Cruz Verde, para ajudar e nos reuníamos toda segunda-feira. Você escreve com o apoio de sua co-autora, a Carla. Como foi a sua relação com ela para o livro ser fiel as suas idéias? Conte um pouco sobre o processo. Você falava e ela escrevia no computador? Quanto tempo levou para a obra ser concluída? Quais as dificuldades encontradas e quais as maiores vitórias? Ela escrevia à mão, à caneta, enquanto eu falava. Nós somos muito amigos, e ela foi fiel às minhas idéias. O livro demorou dois anos para ser concluído. A maior dificuldade foi lembrar sobre a minha história quando eu era muito pequeno. E a maior vitória foi poder contar a história da minha avó para todo mundo. Qual a sensação que você tinha ao escrever cada frase? Você se emocionava? Sentia alegria? Qual a importância desse processo em sua vida? O que mais foi difícil de lembrar sobre sua vida para escrever? E o que foi mais divertido contar aos leitores? Eu ficava alegre em escrever a minha história. Eu me lembro desse processo com muito carinho e muita saudade. O mais difícil foi me lembrar da época que eu morava na cidade de Santos. Eu gostei de contar o capítulo “Bagunças escondidas”. Qual o objetivo de contar sua história de vida ao mundo? Você acredita na importância das pessoas com deficiência contarem suas vidas para serem ouvidas, principalmente, aquelas que têm muitos comprometimentos graves como a paralisia cerebral, por exemplo? A minha idéia era escrever sobre a Cruz Verde para toda a pessoa que tem um filho que usa cadeira de rodas, e mostrar como é a vida de um cadeirante. Eu acho isso muito importante, por causa do grande preconceito, naquela época não tinha nada para cadeirante, agora tem, como: carro, casa, elevador, calçada com rampa, banheiro, ônibus, taxi, shopping, teatro e cinema. Conte resumidamente um pequeno episódio do livro que você mais gosta, só para deixar os futuros leitores com vontade de comprar o seu livro. O Dr. Hélio falou: “eu sou são-paulino” e eu falei “eu também sou!”, e ele ia dar uma camisa do São Paulo pra mim. Aí, um dia, o Dr. Hélio chegou e falou com a Dona Marilena que o jogador do São Paulo, o Rogério ia vir aqui! Ai a gente organizou uma festa para ele que ia vir meio-dia, mas perdeu a hora. Achei que ele não iria vir mais, mas aí ele chegou! Você pretende escrever outras obras? Quando? Quais são seus projetos de trabalho? Eu tenho outro projeto, para outro ano. Eu não sei se este projeto vai ficar bom, mas eu tenho a idéia! O título do outro projeto também é a Minha Casa Verde. SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 1 • Janeiro • Fevereiro de 2012 Conte um pouco sobre o processo de criação da obra. O texto já estava na sua cabeça ou você teve mais idéias durante a elaboração do livro? 25 O que você sentiu ao receber os comentários dos seus leitores? O livro está sendo bem divulgado? Você acha que a mídia não fala muito de escritores com deficiência? O que precisa ser feito para o trabalho deles ser reconhecido? O livro está sendo bem divulgado em escolas, e eu fico bem contente com os comentários. Eu acho que as palestras e feiras de livros nos colégios são bem legais para divulgar o meu livro. Mas a mídia fala muito pouco sobre escritores com deficiência. SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 1 • Janeiro • Fevereiro de 2012 Qual a importância do seu livro para aquelas pessoas com incapacidade motora cerebral que também tem o sonho de contar suas histórias? Você conhece outros autores com a mesma deficiência que a sua? Você acha que ainda existe muito preconceito? As pessoas não acreditam que essas pessoas possam escrever um livro? 26 Meu livro ensina a erguer a cabeça e ir em frente seguindo seu sonho. Algumas pessoas não acreditam que eu escrevi um livro, aí eu mostro o livro! Eu ainda não conheço ninguém com a mesma deficiência que eu que escreveu um livro. Qual mensagem você quer deixar para os leitores da Revista Síndromes sobre a inclusão de pessoas com deficiência na sociedade? As pessoas com deficiência podem realizar seus sonhos, mesmo com as dificuldades, o importante é sempre ser alegre e estar contente com a vida. Toda porta abre para quem é sempre feliz! Amigos são muito importantes e valiosos, como se fossem irmãos. É com eles que compartilhamos os momentos de tristeza e alegria, e são eles quem torcem por nós e pela nossa felicidade. Eles são parceiros que muitas vezes adivinham o que nós pensamos, sentimos e queremos. Acredito que toda pessoa deve ter laços de amizade, pois a solidão é algo triste. Amigo para mim pode ser pessoa com ou sem deficiência, não importa a idade nem o sexo, mas a humildade, sinceridade, simplicidade e a alegria de viver. O vídeo do Dudu agradecendo o sucesso do livro já está na internet: http://www.youtube. com/watch?feature=player_ embedded&v=4wXnJc8j3uY O que é incapacidade motora cerebral ? Segundo Suely H. Satow*, doutora em Psicologia Social e Comunicação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, a incapacidade motora cerebral ainda é a mais des­conhecida entre as deficiências físicas, até por muitos médicos. Ocorre quando há falta de oxigenação no cérebro, e pode, em alguns casos, prejudicar a trans­missão de informações entre os neurônios. A deficiência não é hereditária ou contagiosa, porque não é doença, e sim consequência de problemas no parto. Oitenta e oito por cento dos casos acontece por pré-maturidade, motivo pelo qual é obrigatória, segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente, a presença de um neonatologista ou pediatra na sala onde a mãe irá dar à luz; pois, até hoje, de 30 mil a 40 mil pessoas apresentam a deficiência anualmente. cuidado para diagnosticar a deficiência. Com muita fisioterapia, terapia ocupacional, fonoaudiologia e psicoterapia, essas pessoas podem conseguir uma melhora em sua qualidade de vida. E, quanto mais cedo forem diagnosticadas e estimuladas, menos se­quelas terão no futuro. *Suely tem incapacidade motora cerebral e também é especialista em Inclusão Social das Pessoas com Deficiência pela Uni­versidade de Salamanca (Espanha); autora do livro: Paralisado Cerebral: Construção da Iden­tidade na Exclusão (2. ed. Taubaté: Cabral Edi­tora Universitária, 2000); e diretora executiva do Cedipod – Centro de Documentação e In­formação do Portador de Deficiência – www.cedipod.org.br/. Leandra Migotto Certeza, é jornalista e repórter especial da Revista Síndromes. Ela tem deficiência, é consultora em inclusão e mantém o blog “Caleidoscópio – Uma janela para refletir sobre a diversidade da vida” – http://leandramigottocerteza.blogspot.com/ SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 1 • Janeiro • Fevereiro de 2012 As características que os alunos com a deficiência podem ter são: espasmos, movimentos involuntários, lentidão (pois as mensagens que o cérebro manda para o corpo não correspondem à velocidade dele, que é muito mais rápido do que os movimentos para a execução da ação), falta de equilíbrio e, algumas vezes, convulsões. Todas podem ser consequências de uma lesão leve, moderada e/ou com grande comprometimento. E em muitos casos, a deficiência também é acompanhada por dificuldade de fala e coordenação motora; e/ou deficiência visual ou auditiva, conforme o lugar do cérebro em que ocorreu a alteração. Poucas pessoas com incapacidade motora cerebral podem apresen­tar deficiência intelectual. Por isso, deve-se ter muito 27 reporta g em A sexualidade da pessoa com deficiência SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 1 • Janeiro • Fevereiro de 2012 Por Leandra Migotto Certeza* - Cartuns de Ricardo Ferraz* 28 A sexualidade faz parte da vida de qualquer ser humano, seja uma pessoa com deficiência ou não. Ela vai além do sexo, que é apenas seu componente biológico. “É muito mais do que simplesmente ter um corpo desenvolvido ou em desenvolvimento, apto para procriar e apresentar desejos sexuais”, afirma a orientadora sexual Maria Helena Brandão Gherpelli no livro “Diferente, mas não Desigual” (Editora Gente)(1). Segundo a doutora em psicologia clínica e mestre em psicologia social, Ana Rita de Paula a sexualidade está associada ao desenvolvimento da afetividade, à capacidade de entrar em contato consigo mesmo e com o outro, elementos fundamentais para a construção da auto-estima. Para a também co-autora do livro: “Sexualidade e Deficiência: Rompendo o Silêncio” (Expressão & Arte Editora), nossa cultura tende a reduzir a sexualidade à função reprodutiva e genital, sem levar em conta a importância dos sentimentos e emoções decorrentes do processo educacional e de vida do indivíduo. E que cada um pode viver muito bem – e plenamente – sua sexualidade, de acordo com o que suas circunstâncias lhe permitem(2). Ana Rita (que tem deficiência física) afirma em seu livro, a beleza é, na verdade, uma condição biológica (e não estética). “Considera-se belo o que é simétrico, e pelas leis da natureza, o simétrico tem mais chances de ser saudável, portanto é mais capaz de propagar os seus genes. A aparência física é o principal quesito para a atração, na fase inicial das relações inter-pessoais, enquanto que a inteligência e a personalidade têm uma importância secundária nesse mecanismo”(3). Marcela Cálamo Vaz Silva, 42 anos, professora e mãe de dois meninos, não acha que sexualidade seja uma questão a ser resolvida através de modelos pré-estabelecidos pela mídia. Aos seis anos, tornou-se paraplégica, devido a uma infecção na medula. “Desde que o mundo é mundo, o ‘belo’ sempre atrai mais, mas isso não significa que na hora de se relacionar com alguém, esse ‘belo’ seja o escolhido. Existem outros fatores importantes, que não são necessariamente ligados à estética. Se não fosse assim, não existiriam tantas pessoas bonitas solitárias. E isso tem sido cada vez mais comum de se encontrar nos dias atuais”. O psicólogo Fabiano Phulmann (4), discorda de Marcela, e alerta que em nossa sociedade, a beleza física e a perfeição ainda são muito valorizadas, e maciçamente divulgadas pela mídia, fazendo-nos, erroneamente, atribuir ou restringir a sexualidade ao aspecto físico. Para o também membro da Sociedade Histórias de amor Segundo a assistente social, Nina Regem e, a doutora em psicologia clínica Ana Rita de Paula, a sexualidade se desenvolve a partir do modo como nos enxergamos e percebemos que as pessoas nos enxergam. Embora as sensações de prazer se dêem no corpo material; a sexualidade se constrói e se expressa no corpo simbólico, ou seja, no corpo que temos em mente, na imagem que fazemos dele, nas fantasias que temos com ele. “Nós conhecemos nosso corpo ao andar, ao fazer amor, aos nos lavar, do mesmo modo que o conhecemos por meio da dor, da doença e das emoções. Esta bagagem inclui experiências físicas e psicológicas, imaginárias e reais, do presente e do passado” (7). Para estas especialistas, muitas pessoas com deficiência só tiveram experiências distantes do prazer. “Durante anos, seu corpo foi (ou é) alvo de intervenções médicas, fisioterápicas ou corretivas que não contribuem para despertar o erotismo. Ao contrário, apontam o que há de errado, diferente, que precisa ser ‘consertado’, ‘normatizado’, caso contrário será sempre um corpo doente. Como se isso não bastasse, o espelho para o mundo é um padrão de corpo perfeito. Como SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 1 • Janeiro • Fevereiro de 2012 Brasileira de Sexologia Humana: “diante de tudo isso não é de se estranhar que as pessoas com deficiência, geralmente, venham ser consideradas ‘doentes’ e assexuadas. E que quem não tem deficiência possa sentir mal-estar na presença de quem tem uma deficiência”. Segundo Fabiano, que é tetraparético (pessoa com paralisia parcial das pernas e dos braços), a deficiência pode mobilizar sentimentos ambíguos: de atração e repulsa, diretamente relacionados, ao medo que as pessoas sem deficiência têm de adquirir alguma deficiência (5). O grande problema, que a bióloga e especialista em sexualidade humana, Arletty Cecília Pinel aponta, é que, infelizmente, as pessoas com deficiência ainda são idealizadas como seres frágeis, que possuem incapacidades múltiplas, pobres coitados de quem devemos ocultar tudo o que possa machucar. A equipe do Instituto de Estudos e Pesquisas, Amamkay, responsável pela pesquisa: “Pessoas com deficiência e HIV/aids: interfaces e perspectivas: uma pesquisa exploratória” alerta para os mitos de fragilidade e invisibilidade que a sociedade ainda tem em relação à sexualidade das pessoas com deficiência. Um dos principais resultados divulgados pelo instituto em 2009, foi ainda é bastante arraigado, tanto entre familiares quanto entre profissionais e educadores, o mito de que a sexualidade das pessoas com deficiência é, por natureza, intrinsecamente problemática e até patológica. Dificilmente imaginam que essa pessoa possa, sequer, sentir desejo ou que seja capaz de se relacionar amorosa e sexualmente, casar e formar a sua família”(6). 29 SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 1 • Janeiro • Fevereiro de 2012 fica, então, a auto-estima da pessoa com deficiência? A tendência é não se achar atraente, duvidar que possa ser alvo do desejo dos outros” (8). O psicólogo Fabiano Puhlmann, conta ser freqüente, as pessoas verem um homem com deficiência junto com uma mulher bonita que não tem deficiência e logo pensarem: ou é compaixão ou ele é rico. Ninguém imagina que essas pessoas tenham uma vida sexual ativa. “Uma cliente minha, que nasceu com uma deficiência, estava grávida. Ao pegar um táxi, o motorista perguntou quem foi que lhe tinha feito aquilo. Como se ela tivesse sido estuprada e não tivesse escolhido a gravidez como todo mundo, ou como se não tivesse sexualidade e não fosse fértil”. 30 Em pleno século XXI, ainda acredita-se que a mulher e o homem com deficiência não têm sexualidade. Eles tendem a serem vistos de forma infantilizada, a serem protegidos e cuidados – (esta postura ainda é bastante comum, especialmente com adolescentes com deficiência intelectual). Esse estigma também traz outros grandes equívocos. Por exemplo: mulheres com deficiência física, em cadeira de rodas, não podem ter filhos ou praticar o ato sexual; ou mulheres e/ou os homens cegos possuem um toque mais sensível, o que tornaria o ato sexual muito mais prazeroso. Também paira o mito de que as pessoas com deficiência intelectual são sem-vergonhas, inconvenientes, e masturbadores compulsivos, por terem uma suposta sexualidade exacerbada e sem governo. Enfim, são muitos os equívocos que precisam ser desfeitos! A mulher com deficiência física ou motora, pode ou não ter filhos, pois não há relação nenhuma entre deficiência (seja ela qual for) e fertilidade, a não ser que a infertilidade seja ocasionada por fator externo à deficiência, assim como ocorre com mulheres sem deficiência. A mulher ou o homem com deficiência visual pode exercer sua sexualidade usando ou não o tato; assim como escolher se querem ter filhos ou não. Pessoas com deficiência intelectual podem exercer sua sexualidade, respeitando as convenções do que pode ser feito em público ou não. É importante levar esta informação às pessoas, pois quem nunca teve a oportunidade de conviver com uma mulher ou homem com deficiência, provavelmente carrega estes falsos conceitos consigo. Também é fundamental que o adolescente com deficiência possa reconhecer sua sexualidade. É justamente em decorrência deste auto-reconhecimento que o outro passará a enxergá-la com este atributo e como uma possibilidade amorosa. “Uma pergunta que sempre me fazem é se meu marido também tem alguma deficiência. Achavam natural, que uma pessoa com deficiência procurasse se unir a outro, cuja deficiência fosse igual ou parecida com a sua, pois assim seriam compreendidos completamente e, conseqüentemente, mais felizes. Não tenho nada contra quem se une a alguém ‘igual’ mas, o que não entendo é pensar que com o ‘igual’, a chance de ser feliz será maior. Crescemos convivendo com pessoas cujas crenças, pensamentos, cultura, limitações são diferentes das nossas. Conviver com diferenças sempre nos faz crescer, sejam elas quais forem, e a ação contrária gera discriminação, grupos fechados e guetos. Então, por que algumas pessoas com deficiência acreditam que só serão aceitas e felizes unindo-se a outras pessoas com deficiência?, questiona Marcela em seu BLOG: http:// www.tchela.blogspot.com/”. “Quando Ricardinho nasceu, minha família toda ficou festejou. Não era apenas mais uma criança na família, mas sim, ‘o filho da Marcela’. A mesma Marcela que, desde criança, despertava dúvidas sobre o futuro. Se alguém ainda se preocupava em saber se minha paraplegia faria diferença em minha vida, capacidade reprodutiva e felicidade, depois da chegada de Ricardinho isso ficou definitivamente esquecido. As dúvidas deram lugar às certezas”. “Comecei a namorar tarde. Achava que ninguém ia me aceitar. PC se apaixona também, fica boba, e se sente mais rejeitada ainda. Vê que seus horizontes são mais impossíveis ainda. E tem muitas dificuldades em relação ao sexo. Tem algumas coisas que são difíceis mesmo. Posições e músculos que não funcionam SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 1 • Janeiro • Fevereiro de 2012 Para Marcela: “as pessoas que têm oportunidades de terem contato com outras, têm muito mais chance de se relacionarem. No caso das com deficiência, há uma série de fatores que interferem nisso, como barreiras arquitetônicas, (que dificulta o acesso aos lugares), e os pré-conceitos daqueles que os enxergam como seres imaculados, etc. Quem não sai de casa, dificilmente conseguirá namorar ou ‘ficar’ com alguém. Mas nas comunidades do Orkut na Internet dá para sentir que as pessoas com deficiência estão buscando as mesmas coisas que as sem deficiência, inclusive relacionamentos que envolvam amor e sexo. Ninguém está à procura de cuidados, mas sim de troca, e de um companheiro (a) para viver um relacionamento em que haja, sobretudo, reciprocidade”. A jornalista e doutora em Comunicação e Semiótica e professora do curso de Comunicação e Turismo da Universidade Federal da Paraíba, Joana Belarmino (que tem deficiência visual total), concorda com Marcela. Para Joana: “a sociedade evoluiu, material e culturalmente, e ampliou os espaços de atuação dos seus grupos. Entretanto, no cotidiano das suas práticas e costumes, aferra-se aos arquétipos primeiros da criação do sujeito humano, os quais fundamentaram ao estigma e o preconceito, fazendo com que persistissem para nós mulheres: cegas, surdas, com limitações físicas ou outras, o traço da desvantagem, da desqualificação, da desconsideração, ou da consideração de nós mesmas, a partir da supervalorização da nossa deficiência, como a falha mais visível. Isso inviabiliza uma percepção de nós mesmos, como sujeitos humanos globais”. 31 SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 1 • Janeiro • Fevereiro de 2012 como deveriam, outros que funcionam mais do que deveriam. Você vai fazer sexo com um apoio no braço e não consegue. Não é igual todo mundo faz. Tudo depende de uma adaptação. Tem que ter uma colaboração muito grande do parceiro, principalmente, quando se tem espasticidade, que é incontrolável. Eu não conheço outro PC casado. Eu conheço pessoas com hemiplegia e paraplegia casados, mas PC não”, desabafou Maria (nome fictício) entrevistada para o livro “Paralisado Cerebral – Construção da Identidade na Exclusão” (Cabral Editora Universitária), escrito por, Suely Harumi Satow, mestre e doutora em psicologia social, e bacharel em filosofia e comunicação social(9). 32 Para Suely que possui incapacidade motora cerebral (IMC, erroneamente popularizada como PC – paralisia cerebral), as pessoas com IMC, podem passar por dificuldades maiores do que as demais pessoas com deficiência, principalmente em relação à sua sexualidade(10). “Eu sei que a PC não é hereditária, mas eu tenho muito medo de ter um filho deficiente. Acho que não tenho força para ter um parto normal. Ainda sinto muita vergonha de mim mesma, e isso é o que é o difícil da aceitação pessoal”, contou Maria à Suely. Para a professora e doutora em psicologia, Bader Burihan Sawaia, é preciso compreender que exclusão não é um estado que uns possuem, outros não. Não há exclusão em contraposição à inclusão. Ambos fazem parte de um mesmo processo – “o de inclusão pela exclusão” – face moderna do processo de exploração e dominação. O excluído não está à margem da sociedade, ele participa dela, e mais, a repõe e a sustenta, mas sofre muito, pois é incluído até pela humilhação e pela negação de humanidade, mesmo que partilhe de direitos sociais no plano legal. Segundo a doutora Bader: “a inclusão pela humilhação objetiva-se das mais variadas formas, desde a inclusão pelo “exótico” até a inclusão pela “piedade” (personagem coitadinho), e não tem uma única causa. O estigma de ter uma deficiência interpenetra-se com outras determinações sociais como classe, gênero, etnia e capacidade de auto-diferenciação dos indivíduos, configurando variadas estratégias de objetivação da reificação das diferenças” (11). É por isso, ainda existe muito preconceito entre a união de uma pessoa com deficiência e outra sem. Sidney T. Souza e Débora K. Souza, casados há mais de 21 anos, têm dois filhos adolescentes. Débora, 43 anos é representante Já para o casal Claudia Sofia Pereira e Carlos J. Rodrigues, o preconceito que enfrentaram, no primeiro momento, partiu de alguns membros da família de Carlos, que ficaram preocupados por os dois serem surdocegos (deficiência única que apresenta as deficiências auditivas e visuais concomitantemente em diferentes graus) (13). “Pensaram que não tínhamos condições de ter uma autonomia de vida há dois. Namoramos três anos, e nos conhecemos em 1994 por correspondências em Braille. Estamos casados, há 2 anos e 6 meses, e somos muito felizes. Ainda não temos filhos, mas pretendemos ter conforme Deus quiser, no máximo dois”, conta Claudia. Carlos, 48 anos, diretor de esportes do Grupo Brasil é surdo total e tem baixa visão. Já Claudia, 39 anos, é surdocega total e coordenadora da Associação Brasileira de Surdocegos. Eles têm esperança que os surdoscegos tenham um futuro melhor em relação à sexualidade, pois sabem que eles ainda sofrem muitas discriminações. Para Claudia também é muito importante que a sociedade saiba que as pessoas com deficiência têm capacidade de ter um relacionamento amoroso feliz! (14) A felicidade também está presente na vida de Rita de Cássia N. Pokk, 27 anos. Em 2003, casou-se com Ariel J. Goldenberg, 27 anos, também com deficiência intelectual. Ariel sempre diz que todas as pessoas com síndrome de Down têm direito de sonhar, trabalhar, casar, e se desejarem, morarem sozinhos depois de casados. “O casamento para mim representa duas pessoas que se amam muito e que tem respeito um pelo outro. Não é só amor, sexo e cama. Um casal tem que ceder em algumas coisas. Dar carinho, amor, afeto e compreensão. No casamento não deve ter brigas e nem discussão. Tem que ter é paz, harmonia e amor. Quando eu estava entrando com meu pai para casar, e vi o Ariel lá na frente, (de terno cinza muito lindo) eu senti muita emoção, porque daquele momento em diante; eu ia ficar para sempre com o homem que eu amo”, conta Rita. “Quando eu vi a Rita entrar vestida de SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 1 • Janeiro • Fevereiro de 2012 comercial e não tem deficiência. Sidney, 43 anos, cego total, é bacharel em Administração de Empresas, e analista de sistemas. “Era comum perguntarem quando nos viam juntos se éramos irmãos. Sou moreno de olhos castanhos e minha esposa é bem clara e tem olhos verdes. Não há nada que nos faça parecer irmãos. Quando falávamos que éramos namorados alguns diziam: Parabéns! Mas no fundo questionavam preconceituosamente: Como um cego conseguiu arrumar uma namorada? Ou como uma jovem, apesar de bonita, se dispôs a NAMORAR um CEGO? Além disso, uma colega da minha esposa, felizmente de pouca influência e nada persuasiva, fez um comentário depreciativo ao saber que ela estava namorando comigo. O comentário foi: você está matando cachorro a grito?”(12). 33 SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 1 • Janeiro • Fevereiro de 2012 34 noiva de braço dado com o pai dela eu me emocionei tanto, que derramei algumas lágrimas. Agradeci a Deus, pois o meu grande sonho estava se realizando, eu ia casar com a mulher que eu amo”, confessa Ariel (15). O publicitário, Hélio da Silva Pottes, e a enfermeira, Kênia M. Hubner Pottes, ambos com 52 anos, também são felizes há 18 anos. Do casamento de duas pessoas com nanismo acondroplásico, nasceu Maria Rita, 16 anos, estudante anã. “Considero a nossa sexualidade dentro dos parâmetros de normalidade. O único receio que tivemos era engravidar fora de hora, pois éramos estudantes. Então, resolvi fazer uso de contraceptivo por um tempo. Depois nos cuidávamos porque não pude continuar tomando-os por ter engordado muito. Mas alguns familiares se preocupavam com o risco de eu engravidar e gerar problemas de saúde tanto para mãe como para o bebê”, conta Kênia. Para ela, por falta de conhecimento e cultura, nossa sociedade considera muitas vezes a pessoa com deficiência ‘assexuada’. “É pura ignorância e individualismo, além de ser mais cômodo do que entender e respeitar que as pessoas, embora diferentes no seu estado físico, são muito semelhantes nos instintos e nas emoções”, conclui Kênia (16). A psicóloga Ana Rita explica que no início dos anos oitenta a sexualidade, finalmente, começou a ser timidamente abordada dentro de outros contextos, como por exemplo: a adolescência; o desempenho de papéis sexuais; a gravidez; e o planejamento familiar para casais com deficiência. Para ela, estes estudos já revelam uma tendência, embora tênue, de elaborar uma análise mais psicossocial do que meramente orgânica e genital. No entanto, como o enfoque do estudo da sexualidade das pessoas com deficiência ainda é desenvolver técnicas de intervenção clínica e de aconselhamento visando ao ajustamento social, ainda persiste o viés de ‘patologizar’ a sexualidade e a deficiência. Só mais recentemente a abordagem psicossocial começou a assumir timidamente lugar de destaque. Então, a ênfase passou a ser colocada no direito a exercer uma vida sexual satisfatória e na possibilidade de conquistar afeto e autonomia por meio de vivências afetivo-sexuais (17). Os especialistas afirmam que o verdadeiro processo de inclusão social eficaz deve ampliar essas visões estereotipadas ao favorecer o resgate da sexualidade e da eroticidade das pessoas com deficiência. “Ser erótico é possuir a vida, a liberdade, o movimento, o calor compartilhado. A pessoa com deficiência precisa ser um homem ou mulher em busca de prazer, com responsabilidade e equilíbrio, seguros de sua capacidade de envolver o ser amado e de se apaixonar”, explica o psicólogo Fabiano (18). SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 1 • Janeiro • Fevereiro de 2012 “Depois de paraplégico, sem forças nas pernas para me manter ativo por cima de uma mulher numa relação sexual, o único jeito era ficar por baixo dela. Posição privilegiada que proporciona ao homem contemplar, reparar, ver muito mais essa pretensa captura dos interiores femininos, e concluir, de uma vez por todas, que o grande capturado é ele (…). Antes, na afoiteza de atingir a ejaculação, permanecia por cima com a cabeça afundada na cama – e o pior, de olhos fechados. Sem pernas para essa cavalgada, descobri os dois mais extensos órgãos sexuais de meu corpo: meus olhos. Apreciar o coito e admirá-lo nas minúcias da fêmea em pleno erotismo, tal cálice consagrando-se ao deixar-se penetrar: a triangular eminência do púbis exaltada pela abertura das coxas, a cintura volátil, os braços diluindo-se em gestos orgásticos e, de vez em quando, os seios abençoando-me os lábios”, relatou o pintor João Carlos Pecci,(19). João ficou paraplégico (sem os movimentos dos braços e das pernas) após um acidente de carro em 1968, e é autor do livro “Velejando a Vida” (editora Saraiva), obra que narra sua trajetória para engravidar sua amada, que deu a luz a uma linda menina, após muito carrinho e ótimos tratamentos. E hoje ele seduz a vida em todos os sentidos. Um dos aspectos mais importantes da sexualidade da pessoa com deficiência, segundo Fabiano, é a sedução. “Para seduzir você precisa saber quais são as suas forças. Se alguém acha que não tem nenhum poder de sedução porque tem deficiência, ou se a cadeira de rodas é um peso enorme, o outro sempre vai vê-lo no papel de amigo. Desta forma fica difícil para a pessoa que não tem deficiência se envolver, pois é um horizonte novo. Ela tem ansiedades, medo, resistências. Se quem tem deficiência sabe disso, ele consegue facilitar para o outro. Se ela consegue se relacionar no meio social, passeia, tem amigos, a chance de conseguir ter um parceiro é muito grande”. O psicólogo esclarece que pensando em uma pessoa que ficou com uma deficiência é preciso redescobrir o corpo como um todo. Para ele há várias formas. “A principal é se tocar de novo, ver as áreas sensíveis e erógenas. Explorar a sensibilidade como um todo. Imagine uma pessoa que sentia seu corpo inteiro e de repente pára de sentir. Também é preciso usar recursos para flexibilizar os valores porque, às vezes, é preciso inverter o jeito que se observava as coisas. Caso a pessoa com deficiência seja muito ‘quadrada’, é preciso torná-la mais maleável, com cursos de dança inclusiva – nos quais as pessoas são tocadas e desenvolvem a sensibilidade – ou com a ida a sex shops. A pessoa com deficiência vai a uma loja dessas e vê o que as pessoas compram como brinquedos de masturbação, camisinhas com extensão de pênis e etc. Isso faz com que ela comece a ver o sexo de forma mais solta, com mais humor”, conclui Fabiano. Fabiano explica que nosso crescimento pessoal não depende só do outro, mas de nós mesmos. Lutando, aprendendo, estabelecendo relações e nos lapidando, cada um de nós pode desenhar o seu mapa do 35 SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 1 • Janeiro • Fevereiro de 2012 36 amor. A educação tem muito a ganhar com o trabalho de pessoas guiadas por mapas do amor. Educação é acolhimento, disponibilidade, prazer. Requer competência interna, para organizar a si próprio e externamente, para ir ao encontro do outro. Além de coragem para se despir de preconceitos, sobretudo na hora de lidar com pessoas, que estão fora do que é erroneamente considerado padrão em uma sociedade. Atributos como esses são fundamentais para desmistificar a sexualidade das pessoas com deficiência, e entender o que o pintor João Carlos Pecci disse: “…a junção sexual que inclui um homem paraplégico não permite somente um maestro e uma única batuta a marcar o compasso e o andamento eróticos. Induz a uma regência diversificada: mãos que falam, lábios que percorrem, braços que inventam pernas. Multiplicar os dedos em profundas estratégias onde a rigidez de um pênis não consegue se manter com a necessária demora de um pesquisador. Dotar o toque de uma pressão quase científica, que não seja constrangedora e muito menos imperceptível (aconselha-se um treinamento numa pétala de rosas…), lastrear a boca com a avidez de um recém-nascido e a habilidade de um pistonista e deixá-la sem rédeas por onde os lábios se encaixarem com maior competência. Entro no funil do orgasmo quando me largo em êxtase, num enlevo incontido ao percorrer-me inteiro (corpo + espírito) envolvido no gozo da mulher, mesmo sem sentir o corpo dela sobre o meu”. 1. Editora Gente – Brasil. 2. DE PAULA, Ana Rita; REGEN, Mina; LOPES, Penha. “Sexualidade e Deficiência: Rompendo o Silêncio”. Expressão & Arte Editora, 2005. 3. DE PAULA, Ana Rita; REGEN, Mina; LOPES, Penha. “Sexualidade e Deficiência: Rompendo o Silêncio”. Expressão & Arte Editora, 2005. 4. F a b i a n o P u h l m a n n é m e m b r o d a Sociedade Brasileira de Sexologia Humana. Terapeuta sexual há mais 16 anos se formou no Instituto H. Ellis, e completou os estudos na Sociedade Brasileira de Sexualidade. Contatos: [email protected] ou Tel: (11) 5049-0075. 5. DE PAULA, Ana Rita; REGEN, Mina; LOPES, Penha. “Sexualidade e Deficiência: Rompendo o Silêncio”. Expressão & Arte Editora, 2005. 6. Trechos da pesquisa “Pessoas com deficiência e HIV/aids: interfaces e perspectivas: uma pesquisa exploratória”, desenvolvida pela equipe do Amankay Instituto de Estudos e Pesquisas, e divulgada em 2009. 7. DE PAULA, Ana Rita; REGEN, Mina; LOPES, Penha. “Sexualidade e Deficiência: Rompendo o Silêncio”. Expressão & Arte Editora, 2005. 8. DE PAULA, Ana Rita; REGEN, Mina; LOPES, Penha. “Sexualidade e Deficiência: Rompendo o Silêncio”. Expressão & Arte Editora, 2005. 9. Trecho da obra: “Paralisado Cerebral – Construção da Identidade na Exclusão” (Cabral Editora Universitária – 2000), escrita por Suely Harumi Satow. 10.Suely tem a fala e os movimentos do corpo diferentes da maioria das pessoas, e muitas vezes já passou por situações constrangedoras e preconceituosas, quando as pessoas supõem que ela também tenha algum *Ricardo Ferraz é desenhista, cartunista, e professor com deficiência física e autor do livro: “Visão e Revisão - Conceito e Pré-Conceito.” (3ª edição lançada em agosto de 2000, durante o XIX Congresso Mundial da Reabilitação Internacional – Rio de Janeiro). Teve seus desenhos selecionados no concurso nacional para vinhetas do “PLIN- PLIM” nos intervalos da TV Globo, de março de 2001 à fevereiro de 2002; e de abril de 2005 à junho de 2007. Dos sete concursos realizados pela Rede Globo, venceu quatro. Site: http://www.cadetudo. com.br/ricardoferraz/ surda, podem existir resíduos visuais (baixa visão) e resíduos auditivos funcionais, suficientes para escutar uma conversação, especialmente quando contam com uma ajuda auditiva como um aparelho. 14.Informações sobre o Grupo Brasil de Apoio ao Surdocego e ao Múltiplo Deficiente Sensorial – Brasil: Tel: 55 (11) 5579-5438 e ABRASC: Tel: 55 (11) 3342-2108. 15.Contatos com Ariel e Rita: www. grandesencontros.com.br. 16.Contatos com Hélio e Kênia: www.ser. anao.nom.br. 17.DE PAULA, Ana Rita; REGEN, Mina; LOPES, Penha. “Sexualidade e Deficiência: Rompendo o Silêncio”. Expressão & Arte Editora, 2005. 18.DE PAULA, Ana Rita; REGEN, Mina; LOPES, Penha. “Sexualidade e Deficiência: Rompendo o Silêncio”. Expressão & Arte Editora, 2005. 19.19- DE PAULA, Ana Rita; REGEN, Mina; LOPES, Penha. “Sexualidade e Deficiência: Rompendo o Silêncio”. Expressão & Arte Editora, 2005. *Leandra Migotto Certeza é jornalista e repórter especial da Revista Síndromes. Ela tem deficiência, assessora de imprensa da ABSW, é consultora em inclusão e mantém o blog “Caleidoscópio – Uma janela para refletir sobre a diversidade da vida” – http://leandramigottocerteza.blogspot.com/. Conheçam os modelos de palestras, oficinas, cursos e treinamentos sobre diversidade, realizados em empresas, escolas, ONGs, centros culturais e grupos de pessoas no site: https://sites.google.com/site/leandramigotto/ SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 1 • Janeiro • Fevereiro de 2012 comprometimento intelectual. Quem tem incapacidade motora cerebral, geralmente, apresenta dificuldade de comunicação, descordenação motora, movimentos involuntários, tônus muscular bem diferente, conforme a região do cérebro afetada. Em grande parte dos casos não possui nenhum comprometimento intelectual. 11.Trecho da obra: “Paralisado Cerebral – Construção da Identidade na Exclusão” (Cabral Editora Universitária – 2000), escrita por Suely Harumi Satow. 12.Informações sobre o Sidney no e-mail: [email protected]. 13.A surdocegueira é uma deficiência única que apresenta as deficiências auditiva e visual, concomitantemente em diferentes graus, levando a pessoa surdocega à desenvolver diferentes formas de comunicação para entender e interagir com as pessoas e o meio ambiente, possibilitando-a a ter acesso a informações, uma vida social com qualidade, orientação e mobilidade, educação e trabalho necessitando de um guia-intérprete para conquistar a comunicação com os demais e também para deslocar-se. A surdocegueira não necessariamente significa que a pessoa seja totalmente cega ou 37 art i g o do lei t or O educador, as síndromes e as dificuldades de aprendizagem SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 1 • Janeiro • Fevereiro de 2012 Prof. José Romero 38 Nas salas de aula de nossas escolas, é bastante comum encontramos alunos com dificuldade de enxergar o que está escrito no quadro. Alunos míopes certamente encontraremos em várias classes e, embora a professora não seja oftalmologista, é ela quem consegue observar que o aluno está apresentando dificuldades com a visão. Isso, é apenas um exemplo do que constitui a responsabilidade do professor. Se é assim com alunos míopes, certamente tem que ser assim com alunos que apresentam qualquer deficiência de aprendizagem ou síndrome. Aplica-se também, é claro, nos casos de alunos que apresentam, por exemplo, o transtorno de atenção com déficit, em todas as suas manifestações e variações. Estatísticas internacionais apontam que de 3% a 5% das crianças, principalmente do sexo masculino, devem ser trabalhadas do ponto de vista clínico e psicopedagógico, a partir da indicação de educadores, que buscam orientar as famílias, com base na observação de sintomas apresentados pela criança em sala de aula. Não é o educador quem faz o diagnóstico e o tratamento, mas é ele comumente quem identifica a necessidade de avaliação por profissionais da área. A proposta de me levar a escrever este artigo, com toda limitação de um educador no que tange ao conhecimento específico da neurologia e psiquiatria, é somente a de alertar educadores, familiares e profissionais especializados na área de saúde sobre a importância de mantermos o tripé família-escola-especialista, para o diagnóstico e tratamento de crianças com a síndrome de TDA (Transtorno do Déficit de Atenção) e suas variantes. Só o médico com a família não conseguirá reunir importantes informações capazes de serem fundamentais no diagnóstico e tratamento de tais pacientes. Ouvir a escola, o educador é muito importante para o sucesso do tratamento clínico. Na década de 80, a evolução tecnológica permitiu à medicina avançar em seus diagnósticos através de análises comparativas de cérebros de pessoas portadoras de características evidentes de desatenção e agitação extrema com outros de comportamento normal. A partir de então, diagnósticos mais precisos revelaram a ocorrência e a involuntariedade de certas situações de falta de atenção e hiperatividade, o que significam um grande avanço também para a escola, que, de posse de um diagnóstico, consegue, através do SOE (Serviço de Orientação Educacional), traçar estratégias facilitadoras na aprendizagem de crianças portadoras dessa síndrome. Com diagnóstico fechado e acompanhamento clínico, a escola, por sua vez, promove ações que acomodam o paciente às exigências naturais para que belde, um indisciplinado que atrapalha as aulas e cria problemas com os colegas. É fato que só teremos acerto no sentido de um tratamento clínico de qualidade e adaptação da criança portadora de DDA (Deficiência de Déficit de Atenção) e suas variáveis, se escola, família e profissionais clínicos atuarem juntos. Prof. José Romero Nobre de Carvalho é Diretor Geral do SEB COC Maceió. Pai de três filhos, é educador com 29 anos de experiência, sendo 10 em gestão educacional. É Mestre em Educação, Pós Graduado em História, Membro da Associação Brasileira de Psicopedagogia e da Associação Brasileira de Dislexia. Tem artigos publicados em revistas especializadas em educação (CONECTADA, DIRECIONAL EDUCADOR e REVISTA SÍNDROMES). É autor de material didático do Sistema COC e também de livro de literatura infantil. SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 1 • Janeiro • Fevereiro de 2012 tenha uma boa aprendizagem e um saudável relacionamento com o meio social. Qualquer que seja a síndrome, a escola necessita (e muito!) de estar em sintonia com o profissional clínico que acompanha a criança. Se isso não ocorre, esse aluno pode parecer,com a manifestação de seus sintomas, apenas um re- 39 II Congresso Internacional Transdisciplinar sobre a criança e o adolescente: a linguagem, o corpo e a escrita Nosso segundo congresso sobre a criança e o adolescente aborda como temática central: o corpo, a linguagem e a escrita, três temas cuja articulação, possível, mas não necessária, deverá proporcionar um amplo debate entre conferencistas e estudiosos. A produção sobre estes temas possibilita o encontro e a troca entre os profissionais da clínica, da educação e da pesquisa, e o encontro destes favorece a construção do saber sem fronteiras, transdisciplinar. Conferências Confirmados Thaïs CRISTOFARO SILVA (UFMG - Brasil - MG) Escrita e ortografia na infância e na adolescência: reflexão sobre a educação Alfredo JERUSALINSKY (APPOA - Brasil - RS) Chaves psicanalíticas para compreender a criança Marie Christine LAZNIK (ALI - França) A articulação do simbólico com o real e o imaginário do corpo Sônia MOTTA (ABENEPI - Brasil - RJ) Interpretando o “corpo” na primeira infância Franck RAMUS (LSCP - França) Dislexia: das causas à intervenção Ana Lucia SILVA e SOUZA (UFBA - Brasil - BA) Letramento na adolescencia através da arte Mesas redondas Cursos Cursos pré-congresso Apresentação de trabalhos científicos Local Santa Cruz de Cabrália - Bahia Período 25 a 28 de Julho de 2012 Temática: Adoção Aquisição de linguagem Assistência social Clínica ampliada Clínica Corpo Drogadicção Educação Escrita Etnia Família Gênero Inclusão Instituições Inserção Cultural Legislação Linguagem Políticas públicas Prevenção e Intervenção Promoção de saúde Psicose Redes Sociais Saúde mental Violência e vitimização Site oficial www.institutolangage.com.br/congresso L AN G AG E S P R AC HE LA NG AG E A L A GIO T GE Ã L A G UA G NG G UA MB SP R A G E L A N E L I E LIN LI NG L OG L A N GAG A J N GU A UA G E ML E N L IN GU A E L A N G AG E Instituto Langage Informações [email protected] fone/fax: 11 3473-5458 / 11 6365-5095 Acompanhe nosso Curso de Autismo Nessa edição Módulo I/VI No final, teste seus conhecimentos e receba seu Certificado de Conclusão. Síndromes revista multidisciplinar de desenvolvimento humano Assine já! Tel: (11) 3361-5595 ou [email protected] revista multidisciplinar de desenvolvimento humano Síndromes Janeiro • Fevereiro de 2012 • Ano 2 • Nº 1 Curso Autismo Módulo I Alessandra Freitas Carolina Rabello Padovani Cristina Maria Pozzi Francisco B. Assumpção Jr. Marina Lemos Melanie Mendoza Milena Rossetti 13 anos www.atlanticaeditora.com.br cur s o A u t i s mo - m ó dulo I SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 1 • Janeiro • Fevereiro de 2012 APRESENTAÇÃO 50 O Laboratório de Distúrbios do desenvolvimento pertence ao departamento de Psicologia Clínica do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo tendo como coordenador o professor associado Francisco B. Assumpção Jr. que responde também pela coordenação do projeto distúrbios do desenvolvimento a ele incorporado. Esse projeto, denominado “Projeto Distúrbios do Desenvolvimento” cumpre três funções básicas: a) Atendimento clínico de crianças com Transtornos do Desenvolvimento visando, não somente uma interface e um serviço à comunidade como também ter acesso a população necessária para realização de projetos de pesquisa; b) Ensino, uma vez que alguns alunos interessados e, após avaliação pelo responsável, possam participar do atendimento, sob supervisão do professor responsável auxiliado por seus orientandos; c) Pesquisa, uma vez que a área clínica requer amostras populacionais específicas, difíceis de serem localizadas. Assim sendo, e decorrente de todo um trabalho até agora desenvolvido, a idéia deste curso a distância, em coo- peração com a revista “Síndromes” nos parece de extrema importância uma vez que nos permite levar algum conhecimento a um maior número de pessoas interessadas, cumprindo assim uma de suas finalidades. Assim, embora esta seja uma primeira experiência, esperamos que seja bem sucedida e que permita a diferentes pessoas, iniciarem-se no estudo dos Transtornos de Desenvolvimento, fundamentais no se pensar a psicopatologia infantil. Participaram na elaboração deste curso a distância, vários membros do Laboratório, especificados a seguir, todos escrevendo, cooperando e discutindo para que o trabalho fosse fruto de todo o grupo e não somente a somatória de características individuais. O curso é apresentado a partir de aulas teóricas, com uma bibliografia auxiliar que pode ser procurada pelos interessados no aprofundamento do tema. Ao seu final, será publicada uma avaliação que, depois de preenchida, deverá ser enviada à editora para correção com a finalidade de verificação do aproveitamento para que o certificado de conclusão possa ser emitido. Esperamos que todos gostem e aproveitem a idéia. • Carolina Rabello Padovani Psicóloga, especialista em Neuropsicologia pelo HCFMUSP, mestre em Psicologia Clínica pelo IPUSP, pesquisadora do Laboratório de distúrbios do desenvolvimento do IPUSP. • Cristina Maria Pozzi Médica neuropediatra, mestre em Medicina pela Santa Casa de São Paulo, doutoranda pelo Instituto de psicologia da Universidade de São Paulo, pesquisadora do Laboratório de distúrbios do desenvolvimento do IPUSP. • Francisco B. Assumpção Jr. Médico psiquiatra, professor livre-docente pela Faculdade de Medicina da USP, professor associado do IPUSP. • Marina Lemos Psicóloga, com especialização em Terapia Comportamental e Cognitiva HU-USP. • Melanie Mendoza Psicóloga, mestranda em Psicologia Clínica IP USP, com especialização em Terapia Comportamental e Cognitiva HU-USP, pesquisadora do Laboratório de distúrbios do desenvolvimento do IPUSP. • Milena Rossetti Psicóloga, mestranda em Psicologia Clínica pelo IPUSP, pesquisadora do Laboratório de distúrbios do desenvolvimento do IPUSP. SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 1 • Janeiro • Fevereiro de 2012 • Alessandra Freitas Médica neuropediatra, mestre em Medicina pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, pesquisadora do Laboratório de distúrbios do desenvolvimento do IPUSP. 51 cur s o 1 - A u t i s mo HISTÓRICO E EPIDEMIOLOGIA DOS TRANSTORNOS DO ESPECTRO AUTISTA SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 1 • Janeiro • Fevereiro de 2012 Histórico 52 A palavra “autismo” deriva do grego “autos”, que significa “voltar-se para si mesmo”. A primeira pessoa a utilizá-la foi o psiquiatra austríaco Eugen Bleuler em 1911 para se referir a um dos critérios adotados em sua época para a realização de um diagnóstico de Esquizofrenia. Estes critérios ficaram conhecidos como “os quatro ‘A’s de Bleuler”: alucinações, afeto desorganizado, incongruência e autismo. A palavra autismo referia-se a tendência do esquizofrênico de “ensimesmar-se”, tornando-se alheio ao mundo social – fechando-se em seu mundo, como até hoje se acredita sobre o comportamento autista. Em 1943 o psiquiatra infantil norte americano Leo Kanner estudou com mais atenção 11 pacientes com diagnóstico de esquizofrenia. Observou neles o autismo como a característica mais marcante e usou a expressão “Distúrbio Autístico do Contato Afetivo” para descrever o quadro, que se caracterizava por isolamento extremo, comportamento obsessivo e estereotipias. Algumas destas crianças apresentavam um talento incomum, especialmente na memória. Outros eram obcecados por rituais, brinquedos eletrônicos ou objetos mecânicos. O psiquiatra chegou a dizer que as crianças autistas já nasciam assim, dado o fato de que o aparecimento da síndrome era muito precoce. Em 1944, Asperger propôs em seu estudo a definição de um distúrbio que ele denominou Psicopatia Autística, manifestada por transtorno grave na interação social, uso pedante da fala, desajeitamento motor e incidência apenas no sexo masculino. O autor utilizou a descrição de alguns casos clínicos, caracterizando a história familiar, aspectos físicos e comportamentais, desempenho nos testes de inteligência, além de enfatizar a preocupação com a abordagem educacional destes indivíduos. Ambos os trabalhos tiveram impacto na literatura mundial; no entanto, em momentos distintos. A abordagem etiológica do Autismo Infantil proposta por Kanner salientava a existência de uma distorção do modelo familiar, que ocasionaria alterações no desenvolvimento psico-afetivo da criança, decorrente do caráter altamente intelectual dos seus pais. Apesar desta proposição, o autor não deixou de assinalar que algum fator biológico, existente na criança, poderia estar envolvido. Em 1949, Kanner cunhou o termo “Mãe geladeira” para descrever as mães de crianças autistas. Neste momento acreditava-se que elas poderiam ser a “psicose”, referindo que todos os exames clínicos e laboratoriais foram incapazes de fornecer dados consistentes no que se relacionava à sua etiologia, diferenciando-o dos quadros deficitários sensoriais, como a afasia congênita, e dos quadros ligados às oligofrenias, novamente considerando-o uma verdadeira psicose. Já na década de 60 o psicólogo Ivar Lovaas e seu método analítico-comportamental começaram a ganhar espaço no tratamento da síndrome. Seus resultados apresentavam-se de maneira mais efetiva do que as tradicionais terapias psicodinâmicas. E já naquela época as psicologias comportamentais sofriam forte preconceito por parte dos psicólogos de outras abordagens. Durante as décadas de 60 e 70 os psicólogos comportamentais eram consultados quase que apenas depois que todas as outras possibilidades haviam se esgotado e o comportamento do autista tornava-se insuportável para os pais e muito danoso para a criança. Nos anos 1970, uma série de pesquisas comprovou que o autismo é um quadro neurobiológico, que acomete os mecanismos cerebrais básicos de sociabilidade. Hoje, sabe-se que o autismo tem diversas causas, ou etiologias, sendo as genéticas as principais. A aproximação diagnóstica entre os quadros clínicos descritos por Kanner e Asperger foi realizada inicialmente, no inicio da década de 70, com a proposta de identificação da Psicopatia Autística, como uma entidade nosológica e delineamento de estudo comparativo entre esta condição e o quadro de Autismo Infantil. Em 1976 Ritvo relaciona pela primeira vez o autismo a um déficit cognitivo, passando a considera-lo não mais psicose, SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 1 • Janeiro • Fevereiro de 2012 causa do autismo de seus filhos, por serem afetivamente frias. A teoria postulava que com seu jeito frio e distante de se relacionar com os filhos, essas mães promoveram neles uma hostilidade inconsciente a qual seria direcionada para situações de demanda social. As hipóteses de Kanner tiveram forte influência no referencial psicanalítico da síndrome que pressupunha uma causa emocional ou psicológica para o fenômeno, a qual teve como seus principais precursores os psicanalistas Bruno Bettelheim e Francis Tustin. Coube a Bettelheim a popularização do termo e da teoria. Em seus artigos nos anos 1950 e 1960, e mais explicitamente no seu livro “The empty fortress” (“A fortaleza vazia”, em português), Bettleheim popularizou a ideia de que o autismo seria causado pela indiferença da mãe em relação à criança. Bettelheim, em sua terapêutica, incitava as crianças a baterem, falarem mal e morderem uma estátua que, pelo menos para ele, simbolizava a mãe delas. Tustin, por outro lado, acreditava em uma fase autística do desenvolvimento normal, na qual a criança ainda não tinha aprendido comportamentos sociais e era chamada por ela de fase do afeto materno, funcionando como uma ponte entre este estado e a vida social. Se a mãe fosse fria e suprimisse este afeto, a criança não conseguiria atravessar esta ponte e entrar na vida social normal, ficando presa na fase autística do desenvolvimento. Kanner posteriormente se disse mal compreendido e tentou se retratar no seu livro “Em defesa das mães”. Em trabalho de 1956, Kanner continua descrevendo o quadro como uma 53 SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 1 • Janeiro • Fevereiro de 2012 54 mas sim distúrbio do desenvolvimento. A partir deste momento a inter-relação autismo-deficiência mental passa a ser fortemente considerada. Há, então, uma situação díspar entre as classificações francesa, americana e a da Organização Mundial da Saúde. Assim, se as duas últimas enquadram o autismo dentro da categoria «distúrbios abrangentes de desenvolvimento», enfatizando a relação autismo-cognição, de acordo com os trabalhos de Baron-Cohen (1988,1991). Em oposição flagrante à CID-9; a primeira remete-nos ao conceito de «defeito de organização ou desorganização da personalidade», caracterizando o conceito de «psicose» em sua expressão tradicional. A partir de 1980 foram surgindo novas tecnologias de estudo, as quais permitiam investigação mais minuciosa do funcionamento do cérebro com exames como tomografia por emissão de pósitrons ou ressonância magnética. Doenças que anteriormente eram estudadas apenas a partir de uma perspectiva psicodinâmica passaram a ser estudadas de maneiras mais cuidadosas com exames de neuroimagem e de neurofisiologia. Burack, em 1992, reforça a ideia do déficit cognitivo, frisando que o autismo tem sido, nos últimos anos, enfocado sob uma ótica desenvolvimentista, sendo relacionado à deficiência mental, uma vez que cerca de 70-86% dos autistas são deficientes mentais. Na década de 90, Gillberg assume que o autismo não é um problema com os pais e sim uma alteração orgânica. Sua definição é de uma síndrome comportamental de etologias múltiplas em consequência de um distúrbio do desen- volvimento. Gilbert diz que “é altamente improvável que existam casos de autismo não orgânico”, e que “o autismo é uma disfunção orgânica e não um problema dos pais - isso não é matéria para discussão. O novo modo de ver o autismo é biológico”. Considerando-se não a visão do autismo como “um dos maiores mistérios e desafios da psiquiatria infantil contemporânea”, conforme se dizia em meados dos anos 60, mas sim uma síndrome comportamental definida, com etiologias orgânicas também definidas, é que se estruturam atualmente os trabalhos sobre os Transtornos do Espectro Autista (TEA). As características sintomatológicas, as etiologias e o diagnóstico diferencial, bem como os aspectos terapêuticos desses transtornos são hoje melhores conhecidos e abordados. Epidemiologia A epidemiologia dos TEA corresponde a aproximadamente 1 a 5 casos em cada 10.000 crianças, numa proporção de 2 a 3 homens para cada mulher. Observa-se assim, uma predominância do sexo masculino, conforme citado por Frith (1989) ou pelo próprio DSM IV, embora quando analisamos as etiologias prováveis, não encontramos grande número de patologias vinculadas especificamente ao cromossoma X, o que justificaria essa diversidade. Entretanto, ao se considerar a proporção por sexo de acordo com o nível de QI, observa-se uma redução da razão masculino/feminino à medida que o QI decresce. Ou seja, nas crianças com QI<50 a proporção por sexo fica próxima de 1:1. precocemente, associada a uma melhor e mais ampla definição dos critérios diagnósticos. Gillberg refere uma estimativa de prevalência de 0,2% da população para autismo típico e 0,8% com sinais mais brandos do distúrbio. Isso significa que 1% das pessoas desenvolve alguma forma de TEA. Baron-Cohen (1992) ressalta que a idade média para a detecção do quadro é ao redor dos três anos, embora o autor sugira que o diagnóstico já possa ser bem estabelecido ao redor dos 18 meses de idade. A idade usual de atendimento caracteriza de forma clara, a dificuldade no diagnóstico precoce. Hoje ainda não se pode prevenir o autismo, mas o diagnóstico precoce e uma intervenção comportamental intensiva são capazes de melhorar os resultados funcionais de muitas crianças. SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 1 • Janeiro • Fevereiro de 2012 Costa e Nunesmaia analisando uma população no nordeste brasileiro, encontraram também um predomínio no sexo masculino, sendo a razão 3,5:1. Os achados epidemiológicos e genético-familiais da amostra são compatíveis com os dados da literatura internacional. Os resultados deste estudo foram sugestivos de um modelo de herança multifatorial com limiar diferencial para sexo no Autismo Infantil. Há dados limitados na prevalência dos TEA por raça, sem haver nítido predomínio em nenhuma raça específica. Alguns estudos apontam ainda, para um risco maior de TEA em filhos de mulheres com idade acima de 35 anos. Em uma revisão da prevalência dos TEA, Lenoir e colaboradores em 2009, referem uma prevalência de 0,7% na população. Essa prevalência vem aumentando nas últimas décadas, especialmente pela realização de diagnósticos mais 55 Síndromes Março • Abril de 2012 • Ano 2 • Nº 2 revista multidisciplinar do desenvolvimento humano 3 4 12 15 18 22 25 30 35 45 49 52 EDITORIAL Dr. Francisco Assumpção Junior (Coordenador Editorial) entrevista Por Dra. Chong Ae Kim Edição de texto: Leandra Migotto Certeza desenvolvimento O brincar e o desenvolvimento infantil por Vera Barros de Oliveira A Importância do Brincar e a Terapia Ocupacional por Flavia M. O. Li Volsi reabilitação Sistemas de Suporte - Próteses/Órteses por Dra. Alessandra Freitas Russo inclusão Deficiência Estética e Inclusão por Carmen S. Alcântara Oliveira ARTIGO DO MÊS Mucopolissacaridoses e Comportamento por Tatiana Malheiros Assumpção de mãe, pra mãe A coragem de viver com Mucopolissacaridose Por Regina Próspero reportagem Fundação Doria Muito além da visão Por Leandra Migotto Certeza ARTIGO DO leitor Escovando os dentes de seu filho no espectro autista por Dra. Adriana Gledys Zink O que é uma doença rara? por François Faurisson curso autismo - módulo II por Alessandra Freitas, Carolina Rabello Padovani, Cristina Maria Pozzi, Francisco B. Assumpção Jr., Marina Lemos, Melanie Mendoza e Milena Rossetti Síndromes Janeiro • Fevereiro de 2012 • Ano 2 • Nº 1 revista multidisciplinar do desenvolvimento humano Diretoria Ismael Robles Junior [email protected] [email protected] Antonio Carlos Mello [email protected] Coordenador Editorial Dr. Francisco B. Assumpção Jr. Colaboraram com essa edição Adriana Gledys Zink Alessandra Freitas Russo Carmen S. Alcântara Oliveira Carolina Rabello Padovani Chong Ae Kim Cristina Maria Pozzi Francisco B. Assumpção Jr. Leandra Migotto Certeza Marina Lemos, Melanie Mendoza Milena Rossetti Regina Próspero Tatiana Malheiros Assumpção vendas corporativas Antônio Octaviano [email protected] Envio de artigos para: E-mail: [email protected] E-mail: [email protected] www.atlanticaeditora.com.br Administração e vendas Antonio Carlos Mello [email protected] Editor executivo Dr. Jean-Louis Peytavin [email protected] Atlântica Editora Praça Ramos de Azevedo, 206/1910 Centro 01037-010 São Paulo SP Editor assistente Guillermina Arias [email protected] Atendimento (11) 3361 5595 [email protected] Direção de arte Cristiana Ribas [email protected] Atlântica Editora edita as revistas Fisioterapia Brasil, Fisiologia do Exercício, Enfermagem Brasil, Neurociências e Nutrição Brasil I.P. (Informação publicitária): As informações são de responsabilidade dos anunciantes. A revista Síndromes é uma publicação bimestral da Atlântica Editora ltda., com circulação em todo território nacional. Não é permitida a reprodução total ou parcial dos artigos, reportagens e anúncios publicados sem prévia autorização, sujeitando os infratores às penalidades legais. As opiniões emitidas em artigos assinados são de total responsabilidade de seus autores e não expressam, necessariamente, a opinião da revista Síndromes. Mandem artigos com no máximo 400-500 palavras, consistindo somente em uma opinião embasada em pequena bibliografia (3 ou 4 citações no máximo), podem estar na mesma página ou em páginas diferentes. Praça Ramos de Azevedo, 206 sl. 1910 - Centro - 01037-010 São Paulo - SP Atendimento (11) 3361-5595 - [email protected] Assinaturas - E-mail: [email protected] editorial Dr. Francisco Assumpção Junior turação e de crescimento, tropeçando ainda, como qualquer ser em desenvolvimento, em seus próprios passos. Nessa tentativa de encontrar um caminho próprio e sua autonomia, este número marca uma mudança em sua direção uma vez que, a partir do próximo os artigos tradicionalmente apresentados serão de responsabilidade de autores fixos, ligados ao Projeto Distúrbios do Desenvolvimento do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo mantendo-se as entrevistas com técnicos de importância na área e as reportagens com instituições diversas. Isso deve proporcionar maior homogeneidade editorial e maior uniformidade de opinião levando a revista a um novo caminho. Esperamos que seja do agrado de todos. Francisco B. Assumpção Jr. SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 2 • Março • Abril de 2012 Chegamos ao sexto número de nossa revista e isto significa um ano de vida posto que ela tem publicação bimestral. Em nosso meio isso corresponde a uma façanha uma vez que poucas são as publicações que, sem grande investimentos e grandes esquemas publicitários conseguem manter-se vivas, principalmente quando abordam temática tão pouco atraente como a que apresenta pois não traz nem problemas nem resoluções ou experiências midiáticas ou “politicamente corretas”. Traz em seu bojo, entretanto, o desejo de seus realizadores de divulgar quadros pouco conhecidos e prestigiados pela mídia bem como as dificuldades existentes no que se refere ao seu atendimento. Exatamente por tudo isso, sua idade e as dificuldades inerentes a proposta, ela ainda se encontra em fase de estru- 3 e n trevista Por Dra. Chong Ae Kim* Edição de texto: Leandra Migotto Certeza* SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 2 • Março • Abril de 2012 1. A principal causa da MPS - Mucopolissacaridose (síndrome metabólica hereditária) é a falta de enzimas nos lisossomos que digerem os glicosaminoglicanos. O que são os lisossomos e os glicosaminoglicanos? Explique como as enzimas de quem tem mucopolissacaridose trabalham de forma errada ou não agem no organismo. 4 As mucopolissacaridoses são consideradas doenças lisossômicas de depósito, e constituem um grupo heterogêneo de doenças metabólicas hereditárias de caráter crônico, progressivo e sistêmico. Os mucopolissacarídeos são longas cadeias de moléculas de açúcar usadas na construção dos tecidos do corpo. E são os polissacarídeos que dão consistência à água para unir as células e lubrificar as juntas. “Muco” refere-se à consistência gelatinosa das moléculas. “Poli” significa muito. “Sacarídeo” é um termo genérico para molécula de açúcar (como a sacarina). No corpo humano há um processo contínuo de substituição dos materiais usados e sua quebra para serem descartados. Pessoas com MPS apresentam o acúmulo de GAGs (glicosaminoglicanos) que causam o quadro clínico da doença. A síntese dos GAGs (tipo de açúcares) é efetuada no complexo de Golgi, e a degradação, por ação de enzimas específicas, nos lisossomos que são organelas que ficam no citoplasma da célula. A deficiência das enzimas lisossomais específicas resulta na falha da degradação destes açúcares que são acumulados, de forma gradativa, no interior das células e conseqüentemente, acarretam disfunções celular, tecidual e orgânica. O excesso de GAGs acumulados é excretado pela urina. Existem 7 tipos de MPS, e cada um tem seus sub-tipos e características específicas. 2. O diagnóstico da MPS é feito hoje somente através de exame de sangue? Existem outras formas de comprovar a síndrome por meio de exames, como por exemplo: triagem urinária para erros inatos do metabolismo, raio X do esqueleto, polissonografia? Explique como são estes exames. Ou somente um diagnóstico clínico com base nos seus vários sintomas classifica a síndrome? Embora, em alguns tipos, a distinção clínica possa ser evidenciada, o diagnóstico para definir o tipo de MPS, obrigatoriamente, é laboratorial. Diante da suspeita clínica, a dosagem e cromatografia do tipo de açúcares GAGs urinários devem ser realizadas. Os testes quantitativos (dosagem de GAGs) são considerados mais precisos, porém isoladamente não auxiliam no esclarecimento do tipo de MPS; por isso, é importante a sua associação com testes 3. Dentre os sete tipos de MPS encontrados até agora, quais são os tipos mais comuns, os mais complexos, e os mais fortes? Os sintomas podem aparecer juntos em um mesmo tipo? A MPS tipo I é subdividida pela gravidade clínica em três tipos: Hurler, Hurler-Scheie e Scheie. A Síndrome Hurler é a mais grave. As pessoas não apresentam sintomas ao nascimento, porém, hérnias inguinais e/ ou umbilical podem ser detectadas, além de macrocefalia e limitação da abdução do quadril. O diagnóstico pode ser realizado entre 6 meses e 2 anos de idade. A mudança da face inicia entre 3 e 6 meses, e, usualmente, é o primeiro sinal notado, pela presença de ponte nasal deprimida, narinas alargadas, lábios grossos, protrusão da língua entre outras características. A opacidade das córneas também ocorre no primeiro ano de vida, gerando com freqüência, glaucoma. A cardiopatia é comum em todas as pessoas com este tipo, podendo ser identificada precocemente nos primeiros anos de vida. O aumento abdominal inicia-se no segundo ano de vida, como conseqüência da deformidade torácica e frouxidão da parede abdominal. A hérnia umbilical, normalmente, presente ao nascimento tende a aumentar progressivamente de tamanho, atingindo grandes proporções. Embora haja aumento do fígado e baço, suas funções, usualmente, estão preser- vadas. A cifo-escoliose torácica lombar pode ser um achado clínico inicial, porém, normalmente, é reconhecida no momento em que a criança começa a sentar. Próximo aos 2 anos de idade, os dedos das mãos ficam enrijecidos. A rigidez articular, em membros, com limitação dos movimentos, também é notada neste período; e em geral, as pessoas adquirem a postura de andar nas pontas dos dedos, principalmente após um período de repouso. A pele, geralmente, é grossa, os cabelos espessos e secos. Quanto ao crescimento, há possibilidade de aceleração no primeiro ano de vida, porém a desaceleração inicia-se entre os 6 e 8 anos de idade, atingindo estatura final de 110 centímetros. O desenvolvimento neuro-psicomotor pode não apresentar problemas durante o primeiro ano de vida, porém, a diminuição do processo intelectual, geralmente, ocorre entre 1 ano e 2 meses e 2 anos de idade; evoluindo com progressiva deterioração neurológica até aproximadamente 4 anos. As pessoas geralmente podem falecer, durante a primeira década de vida, por obstrução da via aérea superior, complicações cardíacas e infecção respiratória. A síndrome Hurler Scheie é de nível intermediário com quadros clínicos semelhantes à forma Hurler, como: baixa estatura, face diferenciada, opacidade das córneas, cardiopatia, hérnia inguinal e/ou umbilical entre outros. No entanto, os sintomas são mais leves e iniciam mais tardiamente, em geral entre 3 e 8 anos. A função intelectual é preservada, porém, freqüentemente, há declínio com o passar da idade. Os sintomas psicóticos podem se manifestar na idade adulta. E normalmente, podem falecer aos 25 anos, por complicações cardíacas e obstrução das vias aéreas superiores. SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 2 • Março • Abril de 2012 qualitativos (cromatografia de GAGs). O padrão da cromatografia de GAGs associado aos achados clínicos direcionam o médico no momento da solicitação da dosagem enzimática. O tipo de MPS é definido pela dosagem enzimática específica. 5 SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 2 • Março • Abril de 2012 6 A síndrome de Scheie exibe sinais clínicos mais leves e observados após 5 anos de idade. A face tem ausência de características diferenciadas; mas possuem narinas alargadas, bochechas proeminentes, entre outras características. Os pacientes apresentam estatura e inteligência sem alterações, opacidade de córneas e acometimento cardíaco. O diagnóstico é realizado, freqüentemente, entre 10 e 20 anos e as pessoas, geralmente, podem sobreviver até a meia-idade. A mucopolissacaridose tipo II é muito semelhante a MPS I, exceto em relação às córneas, que são transparentes. A forma grave é mais freqüente que a leve, o inicio da doença ocorre entre 2 a 4 anos de idade, e observa-se uma rápida progressão dos sintomas. Caracteriza-se pela presença da baixa estatura, cardiopatia, problemas esqueléticos, rigidez articular e comprometimento intelectual. As pessoas podem falecer por volta dos 15 anos de idade, por comprometimento cardíaco e obstrução de vias áreas superiores. Na forma leve a inteligência não é comprometida, e as características somáticas são similares à forma grave, com aparecimento mais tardio. A expectativa de vida é maior, geralmente até 50 e 60 anos de idade, havendo casos de sobrevida aos 87 anos, falecendo geralmente, por obstrução se vias aéreas e falência cardíaca. A mucopolissacaridose III, conhecida como síndrome de Sanfilippo, na dependência da deficiência enzimática, divide-se em quatro subtipos. O quadro inicia-se entre 2 e 6 anos, observa-se, como principais manifestações: hiperatividade, agressividade, atraso no desenvolvimento neuropsicomotor, cabelos secos e espessos, distúrbios do sono e discreto aumento de baço e fígado. A face diferenciada não é muito evidente, se comparado com outros tipos de MPS, podendo até não ser observada; o envolvimento esquelético é mínimo, com: rigidez leve de cotovelos e joelhos e a estatura pode não ter comprometimento nenhum. A degeneração neurológica manifesta-se entre 6 e 10 anos, acompanhada de rápida deterioração social e adaptativa. O comprometimento intelectual é profundo; junto com problemas de comportamento, como agitação e agressividade, mas são de difícil tratamento. A convulsão ocorre mais tardiamente, sendo de fácil controle medicamentoso. As pessoas com a forma grave podem falecer na segunda década de vida, já quem tem a forma leve possuem uma sobrevida maior, 40 anos. A mucopolissacaridose IV, conhecida como síndrome de Morquio, divide-se, bioquimicamente, em dois subtipos: A e B. Ao nascimento, as pessoas com MPS tipo IV A não apresentam características diferenciadas, porém no segundo e terceiro ano de vida alguns sinais como atraso no crescimento, andar em gingado, alargamento articular tornam-se evidentes e alertam para a doença. A aparência facial costuma não apresentar tantos problemas, podendo, entretanto, observar-se nariz pequeno, lábios grossos, maxila proeminente e espaçamento dentário. Os sintomas extra-esqueléticos também são detectados: córneas opacas e cardiopatia. O comprometimento aórtico é a manifestação cardíaca mais comum. A opacidade das córneas não é identificada, sem auxílio técnico, antes do 10 anos de vida. A hipermobilidade articular, secundária a frouxidão dos ligamentos, está presente na MPS IV, porém ausente nas grandes articulações: quadril, joelhos e cotovelos. A inteligência é preservada. Na forma grave, 4. O que é a Síndrome de Maroteaux-Lamy, a mucopolissacaridose tipo VI? É um erro inato do metabolismo causado pelas deficiências de arylsulfatase impedindo o correto processamento dos mucopolissacarídeos que se acumulam nos tecidos macios causando obstrução e compressão dos vasos sanguíneos, traquéia, nervos periféricos e a interrupção do desenvolvimento ósseo normal. As características físicas são similares à MPS I, mas geralmente a inteligência não é comprometida e problemas intelectuais aparecem em poucos casos isolados. Este é o tipo do Luis Eduardo Garcia Próspero (Dudu), que está cursando Direito na UNIFIG/UNIMESP em Guarulhos (SP), além de ser fundador da Associação Paulista de Mucopolissacaridoses. 5. Quais são os sintomas mais complicados de receberem tratamentos adequados? Quais são os mais indicados? As infecções respiratórias são comuns em pacientes com MPS e devem ser precocemente tratadas e acompanhadas, pois, aumentam o risco de insuficiência respiratória e obstrução das vias aéreas. A secreção espessa deve ser lubrificada e umedecida, se necessário, o uso do antibiótico deve ser empregado. A traqueostomia e a adenoamigda-lectomia podem ser necessárias, no intuído de melhorar a obstrução das vias aéreas, e, conseqüentemente, a síndrome de apnéia obstrutiva do sono e o esforço respiratório. Quanto a apnéia obstrutiva do sono, o uso do CPAP com suplementação de oxigênio, tem sido uma excelente proposta aos pacientes com MPS sem condição cirúrgica. O acompanhamento cardiológico é fundamental, uma vez que, os sintomas costumam ser “silenciosos”, mesmo diante de um acometimento cardíaco grave. O estreitamento da artéria coronária, considerado grave na MPS I e na MPS II, embora extenso, usualmente é assintomático. Em relação aos olhos, a opacidade de córneas corresponde à complicação mais comum, porém há possibilidade de glaucoma, retinopatia degenerativa e atrofia óptica. O transplante de córnea pode ser necessário, SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 2 • Março • Abril de 2012 poucas pessoas atingem estatura final de 100 centímetros. As pessoas que possuem a forma em geral sobrevivem até a segunda e terceira década. E o diagnóstico geralmente é realizado entre 3 e 15 anos. Já na MPS tipo IV B a evolução, nesta forma da doença, é lenta; os comprometimentos esqueléticos são pouco graves; a inteligência e a estatura não apresentam diferenciação. Os comprometimentos dentários (dentes pequenos e espaçados, cúspides pontiagudas ou côncavas, esmalte fino, opaco e acinzentado e suscetibilidade à fratura), permitem diferenciar a MPS IV A e MPS IV B, uma vez que, não são detectadas na MPS IV B. A mucopolissacaridose VII, conhecida como síndrome de Sly é a mais rara de todas as MPS, e divide-se clinicamente em três formas: forma neonatal, infantil e forma juvenil. A forma neonatal caracterizase trata-se uma forma grave e as pessoas podem falecer nos primeiros meses de vida. Na forma juvenil, o curso da doença são semelhantes a MPS I, cujos sintomas iniciam na adolescência. Os pacientes apresentam baixa estatura, cifo-escoliose e problemas intelectuais. A sobrevida é pouco conhecida. 7 SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 2 • Março • Abril de 2012 8 mesmo diante de uma possível recorrência de depósito dos açucares GAGs, e alguns estudos demonstram que após cinco anos do transplante, 60% dos pacientes conservaram córneas transparentes e boa acuidade visual. A hidrocefalia é secundária ao espessamento das meninges e à disfunção do vilo aracnóide. Muenzer e Watts analisaram tomografias computadorizadas de crânio de 12 pacientes com MPS, em várias faixas etárias, e, detectaram o desenvolvimento e as complicações evolutivas da hidrocefalia. Segundo esses autores, a derivação do liquido cérebro espinhal é pouco indicada, no sentido de melhorar a qualidade de vida desses pacientes. Embora o estudo seja limitado pelo falta de grupo controle não-tratado perceberam melhora na socialização e redução da agressividade em seis pacientes MPS III após a derivação do liquido cérebro espinhal, mesmo com ausência de hidrocefalia. 25% nas futuras gestações. Na herança recessiva ligada ao cromossomo X, os filhos são sempre meninos e as meninas podem ser portadoras, mas não desenvolvem a doença exceto em raros casos. Se a mãe tiver mais de um filho com por MPS II, existe um risco de 50% de que seu filho do sexo masculino tenha doença, e 50% de que sua filha seja portadora. Se a mãe for portadora é necessária uma avaliação de todos familiares do lado materno. 6. Explique como ocorre a transmissão hereditária da síndrome? É autossômica ou recessiva? Qual a probabilidade de pais com a MPS passarem os genes para seus filhos? E qual a probabilidade de terem filhos com a síndrome? Todos os casos de MPS são mutações genéticas? 8. Quais são as pesquisas em desenvolvimento para tentar evitar o aparecimento da MPS? Isso é possível hoje? No futuro, existe alguma pesquisa com células-tronco ou outras apropriadas para a produção destas enzimas? Em todos os tipos de MPS, o padrão de herança é autossômico recessivo, exceto na MPS II, na qual a herança é ligada ao cromossomo X. Na herança autossômica recessiva, aparecem em pessoas tanto do sexo masculino quanto do sexo feminino. O pai e a mãe são portadores assintomáticos, apesar de carregarem um gene com problemas, não apresentam doença. O risco de terem outro filho com a MPS é de 7. A AMPS é uma doença rara. Qual a incidência no mundo e no Brasil? A incidência conjunta é estimada em 1 em cada 29.000 nascidos vivos, considerando-se a MPS I e a MPS III as mais freqüentes e a MPS VII, a mais rara. No Brasil, detectaram o predomínio das MPS I, MPS II e MPS VI, sendo 32% dos erros inatos do metabolismo e a 54% das doenças lisossomais de depósito. Na terapia de reposição enzimática (TRE), o organismo recebe semanalmente, por via endovenosa a enzima fabricada por engenharia genética. Esse tratamento não é a cura para a doença, e sim, uma tentativa de reduzir os sintomas e melhorar a qualidade de vida. Atualmente é considerada a principal forma de tratamento. No Brasil, as diretrizes foram elaboradas para a TRE nas MPS tipo I, II e VI, com o objetivo de padronizar o tratamento com reposição enzimática 9. Quais são os tratamentos mais adequados para os pacientes que possuem diversos sintomas da MPS? Existe uma variação grande de tratamento acordo com cada tido de MPS? Diante de uma doença crônica, sistêmica e progressiva, as pessoas necessitam de um acompanhamento cauteloso, por meio de uma equipe multidisciplinar, com o objetivo de se estabelecer um manejo adequado das complicações clínicas. O tratamento sintomático deve oferecer alívio dos sintomas, na tentativa de melhorar a qualidade de vida das pessoas com MPS e de suas famílias. Para melhorar o prognóstico das pessoas com pelas MPS o diagnóstico da doença deve ser feito o mais cedo possível e deve ser acompanhado por uma equipe multidisciplinar para manejo adequado das manifestações multissistêmicas com as medidas de suporte e a TRE terapia de reposição de enzimas específica. A detecção precoce dos casos, eventualmente através de triagem neonatal, pode vir a contribuir para um melhor prognóstico. Uma cura definitiva talvez seja possível através de terapia gênica no futuro em breve, mas ainda não é aplicável. No momento, a TRE precoce é a melhor opção para o tratamento específico para os pacientes com MPS tipo I, II e VI. A fisioterapia para pessoas com MPS pode aprimorar as limitações motoras, aumentar a capacidade respiratória, manter a limpeza brônquica e contribuir para o desenvolvimento neuropsicomotor, aumentando a socialização e a integração nas atividades diárias. Em geral, os pacientes com MPS necessitam de várias cirurgias, porém, é necessário avaliar os fatores de risco e benefício, uma vez que, o procedimento anestésico é complexo e arriscado. 10. Explique a importância do medicamento de alto custo que o Ministério da Saúde ainda não fornece aos pacientes no SUS? A possibilidade de maior qualidade de vida ao utilizar este medicamento é eficaz por comprovações científicas? Infelizmente, dispomos de poucos geneticistas no Brasil, apenas 150, o que corresponde um geneticista para cada 1,5 milhões de habitantes, e eles estão concentrados nas regiões sudeste e sul, portanto urge a formação de maior número de geneticistas. SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 2 • Março • Abril de 2012 e o seguimento clínico dos pacientes com MPS. De forma objetiva, a TRE está indicada para pacientes com MPS I, II ou VI de qualquer idade, que tenham o diagnóstico confirmado, e que apresentem pelo menos uma manifestação clínica que responda ao tratamento com TER. Estas manifestações podem ser: doenças respiratórias, comprometimento cardíaco, comprometimento osteoarticular, apnéia do sono, saturação de oxigênio noturno baixo, ou com difícil entubação. Em 2003, após estudos clínicos fase I/II e fase III, a enzima laronidase foi aprovada como tratamento para MPS I nos Estados Unidos e na Europa, e a ANVISA a aprovou no Brasil em 2005. Já a TRE para MPS I está indicada para pacientes de qualquer idade, que tenham o diagnóstico. E a enzima idursulfase foi aprovada nos Estados Unidos em 2006, na Europa em 2007 e no Brasil em 2008. Também já é medicação aprovada no Canadá, Japão e México. Por último, em maio de 2005, a enzima galsulfase foi aprovada nos Estados Unidos, em 2006 na Europa e em 2009 no Brasil. 9 11. Qual a importância do médico geneticista para diagnosticar a acompanhar um paciente com a MPS? Existe muita dificuldade de conseguir ser encaminhado a um geneticista no SUS? O papel de geneticista é fundamental para o reconhecimento da doença, na coordenação de condutas terapêuticas e aconselhamento genético adequado. Infelizmente, o atendimento de pacientes com doenças genéticas pelo SUS é muito limitado pela falta de contratação de geneticista pelo concurso público e dificuldades na realização de exames específicos. Nota da edição: informamos que em virtude do espaço disponível na publicação, as informações técnicas referentes às respostas desta entrevista foram resumidas, sem qualquer perda do conteúdo básico do tema. Aos especialistas, recomendamos consultar a ampla referência bibliográfica fornecida pela entrevistada. SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 2 • Março • Abril de 2012 Referências: 10 1. Casanova FH, Adan CB, Allemann N, da Freitas D. Findings in the anterior segment on ultrasound biomicroscopy in Maroteaux-Lamy syndrome. Cornea. 2001;20:333-8. 2. Champe, P.C.; Harvey, R.A. Bioquímica ilustrada. Porto Alegre: Artes médicas; 1997. p.153-60:Glicosaminoglicanos. 3. Dangel JH. Cardiovascular changes in children with mucopolysaccharide storage diseases and related disorders - clinical and echocardiographic findings in 64 patients. Eur J Pediatr. 1998;157:534-8. 4. Gabarra AFJ. Fisioterapia respiratória e hidroterapia na mucopolissacaridose [apostila]. In: 1o Congresso Nacional de portadores e familiares de MPS; Campinas. 2003. p.1-15. 5. Ginzburg AS, Önal E, Aronson RM, Schild JÁ, Mafee MF, Lopata M. Successful use of nasal-CPAP for obstructive sleep apnea in Hunter syndrome with diffuse airway involvement. Chest. 1990;6:1496-8. 6. 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Tem títulos de Especialista em Genética e Pediatria; além de experiência na área de Genética Humana e Médica, com ênfase em Genética Clínica. Também implantou o programa de Residência Médica em Genética Médica no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo em 2009. E suas principais linhas de pesquisa são sobre síndrome de Williams-Beuren, síndrome de Noonan e Noonan-like e Mucopolissacaridoses. Atualmente é bolsista de Produtividade em Pesquisa IC pelo CNPq desde 2010, e trabalha no Instituto da Criança-HC FMUSP. Contatos: [email protected] Leandra Migotto Certeza é jornalista e repórter especial da Revista Síndromes. Ela tem deficiência física (Osteogenesis Inperfecta), é assessora de imprensa da ABSW, e consultora em inclusão e mantém o blog “Caleidoscópio – Uma janela para refletir sobre a diversidade da vida” - http:// leandramigottocerteza.blogspot.com/. Conheçam os modelos de palestras, oficinas, cursos e treinamentos sobre diversidade, realizados em empresas, escolas, ONGs, centros culturais e grupos de pessoas no site: https://sites.google.com/site/leandramigotto/ SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 2 • Março • Abril de 2012 15.Riganti D, Segni G. Cardiac structural involvement in mucopolysaccharidoses. Cardiology. 2002;98:18-20. 16.Robertson SP, Klug GL, Rogers JG. Cerebrospinal fluid shunts in the management of behavioral problems in Sanfilippo syndrome (MPSIII). Eur J Pediatr. 1998;157:653-5. 17.Schwartz IV, Matte U, Artigalas O, Broillo F, Burin MG, Giugliani R. MPS no Brasil: Estudos clínicos e dados epidemiológicos. 2001. Disponível em: http://www.mpsbrasil.org.br/textos/ caneladez01_draida.htm. 18.Semenza GL, Pyeritz RE. Respiratory complications of mucopolysaccharide storage disorders. Medicine. 1988;67:209-19. 19.Shih SL, Lee YJ, Lin SP, Sheu CY, Blickman JG. Airway changes in children with mucopolysaccharidoses. 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Arch Dis Child. 1995;72:263-7. 11 dese n volvime n to O brincar e o desenvolvimento infantil SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 2 • Março • Abril de 2012 Vera Barros de Oliveira * 12 Brincar, por ser uma atividade auto-motivada e espontânea, na qual predominam o prazer e a descontração, pode e deve ser visto como um dos comportamentos indispensáveis ao desenvolvimento infantil. Presente na escala filogenética já com os mamíferos, supõe uma evolução biológica que permite a ampliação das redes neurais via interação social. Em suas grandes linhas, a curva ascendente lúdica inicia-se com o brincar sensório-motor, o qual possibilita via ação do corpo no meio, sobre os objetos/pessoas, a formação da primeira consciência que possuímos, a consciência corporal, que vai ser a base de toda a ampliação do campo de ação consciente. A criancinha aprende por meio do que faz efetivamente e do que sente, via toque, cheiros, sons etc, a coordenar seus movimentos e sensações e a formar sua primeira distinção entre fins e meios, isto é, a construir seus primeiros comportamentos inteligentes propriamente ditos. A intencionalidade e a objetividade começam a despontar no gesto inteligente, tão motivado pelas brincadeiras, que aprimoram sua postura, sua agilidade e coordenação motora em seus diversos níveis. A consciência corporal, que atua no aqui e agora, vai ser o alicerce e a condição básica da formação progressiva da sua consciência simbólica, que supõe aprender a lidar com símbolos, com imagens não percebidas via campo sensorial, ou seja, a desenvolver a internalização do pensamento. Esta construção se dá em seu dia-a-dia, desde que se dê à criança condições mínimas de agir por si, de escolha e decisão. Sua consciência simbólica lhe dará condições de usar sua linguagem, receptiva e expressiva, de desenvolver sua memória evocativa alicerçada pela de reconhecimento, de planejar o que vai fazer. A criança começa a navegar no tempo passado e futuro, via processos mentais, lembrando-se do que fez e pensando no que vai fazer. Viaja também no espaço, lembrando-se do brincou na praia ou fez na casa da vovó, recriando de forma imagética os contextos que conheceu. A consciência corporal, sempre presente, atua como suporte da simbólica, a qual, por sua vez, contribui de forma significativa para a reorganização corporal (Damásio, 2000). As formas de brincar evidenciam essa conquista. A brincadeira passa a ser simbólica, também chamada de Faz-de-conta ou de Jogo dramático, quando a criança dá vida e voz a diversos personagens, o que supõe já um grande desenvolvimento mental. A brincadeira simbólica em seu início é individual, pois a criança ainda não tem condições de brincar efetivamente com o outro e a cerca. Daí a relevância de se observar a criança brincando livre e espontaneamente, só ou em grupo, para podermos avaliar melhor o que ela pode ou não pode fazer, e para, inclusive inferirmos o que deve e o que não deve ser feito em seu tratamento, como bem acentua Antunha (2010). A criança portadora de uma síndrome é, antes de mais nada, uma criança, e como tal deve ter seu direito de brincar respeitado. Se enfocarmos, segundo Neufeld e Muenzer (2001), a Mucopolissacaridose ou MPS, temos que é uma doença metabólica causada por deficiência de enzimas, cuja incidência, em suas diversas modalidades é de 1: 22.500 nascidos vivos, incidência esta provavelmente subestimada, devido ao reduzido número de estudos a respeito. Suas manifestações clínicas normalmente afetam diversos órgãos e são muito variáveis, de formas leves a muito graves de retardamento mental, atraso de desenvolvimento, baixa estatura, displasia esquelética, disfunção motora, hiperatividade severa, comprometimentos cardíacos e hepáticos, entre outros. Observa-se portanto, neste complexo sindrômico, a possível incidência isolada ou combinada de comprometimentos sensório-motores, intelectuais e emocional-relacionais, os quais dependem para sua melhor evolução de um diagnóstico precoce e do acompanhamento terapêutico de uma equipe multiprofissional. Ao salientar neste texto a importância do Brincar para o desenvolvimento infantil, ressalta-se sua relevância para as crianças que, por um comprometimento genético venham a ter já seu desenvolvimento ameaçado, sendo portanto, SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 2 • Março • Abril de 2012 desenvolve uma forma paralela de ação. Aos poucos, aprende a compor uma brincadeira com outras crianças, aceitando a definição de papeis e funções, como o ser a mamãe ou a filhinha. Sua consciência social se amplia e ela começa a aprender que, para ser aceita no grupo, precisa às vezes ceder, a negociar, a limitar o que deseja. A brincadeira desta forma, em sua evolução contribui para seu desenvolvimento cognitivo, associado ao emocional e relacional, uma vez que o brincar suscita emoções. A respeito das emoções, a leitura atual da neurologia, pode nos fazer entender um pouco melhor sua imensa complexidade. A maior parte dos objetos e pessoas que nos rodeiam, como explica Damásio, acaba por ser capaz de desencadear emoções, fortes ou fracas, boas ou más, conscientes ou não. Em seu desenvolvimento, o brincar caminha para o processo de sociabilização e introduz o jogo de regras, que supõe o conhecimento e o respeito das mesmas, o uso de estratégias inteligentes de ação, o saber se expressar, o saber esperar sua vez, o saber perder, o aprender a lidar com suas emoções. Ora, se privamos a criança de agir, de brincar, portanto, estamos pondo em risco seu desenvolvimento. É por meio da ação, da experiência, que se dá o desenvolvimento do sistema nervoso, que depende em sua maturação, do processo de mielinização, o qual avança em direção à corticalidade. Este processo, que em síntese vem a ser o da organização de nossa subjetividade e objetividade, supõe a formação e ampliação do nível da consciência da criança, não só sobre si mesma, suas conquistas e dificuldades, mas também do meio que 13 SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 2 • Março • Abril de 2012 14 talvez as que mais precisem brincar para compensar esta situação. Lembrando que o desenvolvimento se apóia num início rítmico e repetitivo, apoiado numa demarcação espacial da casa e temporal, das rotinas, espaço e tempo conhecidos e confiáveis, nos quais a criança se sente mais segura e confiante para poder relaxar e brincar, ressalta-se aqui a importância de se respeitar e mesmo incentivar atividades livres e lúdicas da criança, em ambiente no qual ela se sinta à vontade. A importância do brincar em ambiente hospitalar, visando sua humanização, foi reconhecida por meio da exigência legal da criação de brinquedotecas hospitalares, o que tem contribuído inclusive para a adesão ao tratamento das crianças e familiares (Oliveira, 2007). A Psicologia da Saúde contemporânea, segundo Lyons e Chamberlain (2006) procura compreender os aspectos potencialmente saudáveis dos seres humanos em oposição à Psicologia tradicional e sua ênfase nos aspectos patológicos. Nesse sentido, em movimento de abertura e flexibilidade, as ciências da saúde voltam-se para pesquisar e propor dinâmicas terapêuticas que produzem resultados positivos, apoiadas na crença da capacidade humana de auto-regulação e superação de desafios, desde que se forneçam ao organismo condições de ação motivada e interação social. - Antunha, E.L.G. (2008) Avaliação neuropsicológica na infância (0 a 6 anos). In: Oliveira, V.B.(org.) Avaliação psicopedagógica da criança de 0 a 6 anos. Petrópolis: Vozes, 15ª.ed. - Damásio, A.R. (2000) O mistério da consciência: do corpo e das emoções ao conhecimento de si. São Paulo: Companhia das Letras. - Lyons, A.C. & Chamberlain, K. (2006). Health Psychology: a critical introduction. Cambridge: Cambridge University Press. - Neufeld, E.F. & Muenzer J. (2001) In: The Metabolic and Molecular Bases of Inherited Disease , p: 3421–3452 - Oliveira, V.B. (2007) O brincar no hospital e a aderência ao tratamento. In Siqueira, M.M.M., Jesus S.N.de & Oliveira, V.B. (orgs.) Psicologia da Saúde – Teoria e Pesquisa. São Bernardo do Campo: Un. Metodista de São Paulo. - Oliveira, V.B. (2010) Rituais e brincadeiras na brinquedoteca- Vetores de crescimento pessoal, social e cultural. In Oliveira, V.B.(org) Brinquedoteca uma visão internacional . Petrópolis: Vozes. * Vera Barros de Oliveira é Livre-docente em Psicologia pela USP; Professora Titular da Un. Metodista, membro da Academia Paulista de Psicologia, Presidente da As. Brasileira de Brinquedotecas, autora de vários livros e artigos sobre o Brincar. E-mail: [email protected] dese n volvime n to A Importância do Brincar e a Terapia Ocupacional Para os adultos, brincar representa descontração, divertimento, lazer. É a forma que encontra de se entreter com coisas amenas procurando esquecer os problemas que fazem parte do seu cotidiano (trabalho, família, etc). O significado do brincar para a criança é diferente do que representa para o adulto. É através do brincar que a criança inicia o seu processo de autoconhecimento, toma contato com a realidade externa e passa a interagir com o mundo de maneira natural e espontânea. Brincando, ela tem a oportunidade de exercitar suas potencialidades, experimentar desafios e expressar seus sentimentos. Este artigo pretende colaborar com a discussão e reflexão sobre a importância do brincar e da brincadeira no desenvolvimento da criança. Segundo Piaget (1976), a atividade lúdica é o berço obrigatório das atividades intelectuais da criança. Estas não são apenas uma forma de entretenimento para gastar energia das crianças, mas meios que contribuem e enriquecem o desenvolvimento intelectual. O brincar também tem suas diferentes formas e etapas do desenvolvimento infantil. A primeira etapa é o brincar desocupado onde a criança/bebê começa a brincar sozinha, brincando com seu próprio corpo (movimentos, sons e noção de espaço), esta fase é fundamental para iniciar o processo de autoconhecimento da criança. A segunda etapa é o brincar solitário, onde as crianças começam a manipular os objetos/brinquedos, é uma fase em que a criança brinca sozinha, é importante para que exercite a capacidade de focar atenção, inventar e principalmente permanecer concentrada em uma atividade. A terceira etapa é o brincar observador onde a criança observa outra criança brincando, sem interagir em sua brincadeira. A quarta etapa é o brincar paralelo, onde procurará companheiros para as brincadeiras, mas não interação entre elas, cada criança com seu brinquedo. A quinta etapa é o brincar associativo é onde se inicia o brincar em grupo com interesses e atividades em comum. E a sexta etapa é o brincar cooperativo onde o brincar é organizado pelo grupo para atingir um mesmo objetivo. A brincadeira de faz-de-conta é uma das formas de brincar fundamental para o desenvolvimento infantil saudável, é onde a criança traz o mundo dos adultos para a brincadeira, essas situações imaginárias estimulam a inteligência e desenvolvem a criatividade. E por fim, o brincar com outras pessoas (crianças/adultos), em que a criança aprende a viver socialmente, respeitar regras, esperar a sua vez de brincar, ou seja, quando começa a interagir de forma mais organizada. A partir da quinta etapa do brincar, a SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 2 • Março • Abril de 2012 Flavia M. O. Li Volsi 15 SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 2 • Março • Abril de 2012 16 brincadeira contribui para a socialização das crianças, oferecendo-lhes oportunidades de realizar atividades coletivas livremente, além de ter efeitos positivos para o processo de aprendizagem e estimular o desenvolvimento de habilidades básicas e aquisição de novos conhecimentos. Brincar é um ato espontâneo, uma das principais formas de comunicação nos primeiros anos de vida. Os brinquedos são convites ao brincar desde que provoquem vontade de interagir, assim tornam-se os instrumentos de exploração e desenvolvimento da capacidade motora e cognitiva da criança. Para que os brinquedos realmente representem desafios para a criança, devem estar adequados ao interesse, às necessidades e capacidades da etapa de desenvolvimento em que cada criança se encontra. Para a escolha dos brinquedos, o responsável pela criança pode ficar atento a algumas indicações, como interesse (é o brinquedo que convida a criança a brincar, que desafia o pensamento), adequação (onde deve atender a etapa de desenvolvimento em que a criança se encontra: suas necessidades emocionais, sócio-culturais, físicas e intelectuais), apelo à imaginação (onde o brinquedo deve estimular a criança e não limitá-la), versatilidade (onde o brinquedo pode ser usado de diferentes maneiras), cores e formas (o colorido, texturas e formas diferentes, estimulam sensorialmente a criança), tamanho (deve ser compatível com a sua motricidade, quanto menor a criança, maior deve ser as peças do brinquedo) e segurança do brinquedo para a criança. Então, vimos que o brincar é uma atividade essencial ao desenvolvimento global do ser humano, assim sendo, importante que todas as crianças brinquem. Mas, para que o brincar possa acontecer de forma plena e nutritiva, as características da criança e suas necessidades especiais, precisam ser consideradas e atendidas. Acredito ser importante ressaltar algumas considerações sobre o brincar da criança com necessidades especiais, pois todas as crianças precisam de estímulos, mas a criança com necessidades especiais depende da estimulação que recebe para se desenvolver. Não existem brinquedos especiais para as crianças portadoras de deficiências, mas alguns aspectos devem ser observados, como: o nível de desenvolvimento requerido, ou seja, habilidades manuais, intelectuais e sensoriais; as adaptações necessárias na forma física do brinquedo ou jogo; e as alternativas possíveis na variação da forma de brincar ou jogar para que haja maior aproveitamento na brincadeira da criança. Nestes casos, vejo a importância da Terapia Ocupacional para auxiliar o desenvolvimento da criança. Sendo a Terapia Ocupacional uma profissão da área da saúde, que utiliza como recurso terapêutico as atividades para avaliar, estimular e reabilitar crianças com disfunções de origem física, psicológica, social ou ocupacional. É através da atividade que o Terapeuta Ocupacional consegue identificar as dificuldades da criança, e a atividade utilizada pelos Terapeutas Ocupacionais para avaliação das crianças é a do brincar. Assim, a realização de atividades se apresenta através de brincadeiras, oferecendo estímulos para que procedimentos educativos entrem na relação triádica (criança, terapeuta e atividade), o assimilar novos conhecimentos, auxiliando em seu processo de desenvolvimento e aprendizagem. ¨Se as estimulações estiverem adequadas às necessidades do estágio de desenvolvimento em que a criança se encontra as descobertas alcançadas, através das experiências vividas, contruir-se-ão em aprendizagens ricas e duradouras.” (Nylse Cunha) Referências: CUNHA, Nylse. Brinquedoteca, Um Mergulho no Brincar. São Paulo: Editora Aquariana, 2010. FRIEDMANN, Adriana. A Arte de Brincar. Petropolis: Velozes, 2004. BENJAMIN, Walter. Reflexões Sobre a Criança, o Brinquedo e a Educação. São Paulo: Editora 34, 2002. PIAGET, Jean. A Psicologia da Criança. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1998. DRUMMOND, Adriana e REZENDE, Márcia. Intervenções da Terapia Ocupacional, Belo Horizonte: Editora UFMG, 2008. PARHAM, Diana e FAZIO, Linda. A Recreação na Terapia Ocupacional Pediátrica. São Paulo: Livraria Santos Editora, 2002. Flavia M. O. Li Volsi é Terapeuta Ocupacional graduada pelo Centro Universitário São Camilo. Atua como Terapeuta Ocupacional e Coordenadora do Programa de Estimulação Precoce da APAE de Cotia. SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 2 • Março • Abril de 2012 Terapeuta Ocupacional observa a relação da criança com o brinquedo e/ou brincadeira e pode perceber como ela utiliza para transformar ou recriar o mundo em que vive. O Terapeuta Ocupacional também pode adaptar a atividade, que é o processo de modificar as tarefas ou objetos para promover ou facilitar a função independente. No caso, de déficits físicos (motores e/ou sensoriais) ou cognitivos no desempenho do brincar, o Terapeuta Ocupacional pode usar os recursos de adaptação das atividades lúdicas, propondo novas formas de fazer em uma ou mais etapas da atividade a ser realizada, estes podem envolver em simplificações cognitivas, redução da resistência física, redução de barreiras físicas ou sociais ou mesmo com o uso de equipamentos de adaptação de objetos lúdicos e brinquedos e ainda pode realizar modificações estruturais no espaço do brincar. Fazendo assim com que todas as crianças sejam capazes de participar e interagir socialmente e aproveitem os estímulos das atividades lúdicas. Desta forma, usando como recurso o brinquedo e o brincar, a Terapia Ocupacional contribui para estimular as habilidades da criança, promovendo seu desenvolvimento, melhorando o convívio no meio em que está inserida, tornando-a mais independente e capaz de adquirir e 17 reabilita ç ã o Sistemas de Suporte Próteses/Órteses SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 2 • Março • Abril de 2012 Dra. Alessandra Freitas Russo 18 Os avanços na área da saúde, especialmente na tecnologia voltada à saúde foram muito evidentes nos últimos tempos. Hoje, mais que reduzir a mortalidade e a morbidade, a medicina procura melhorar a qualidade de vida das pessoas. Quando voltamos nosso olhar à deficiência, essa característica se torna ainda mais marcante. Técnicas de reabilitação, tecnologia assistiva, arquitetura global e sistemas de suporte melhoram a cada dia, no intuito de permitir maior independência e funcionalidade à pessoa com deficiência. Classificações como a CIF (Classificação Internacional de Funcionalidade), publicada pela Organização Mundial de Saúde em 2001, com o propósito de uniformizar a conceituação e terminologia dos processos de funcionalidade e incapacidade, bem como servir de parâmetro para organização de evidências, são a prova desta mudança de paradigma no âmbito da saúde. Ou seja, passamos a olhar a funcionalidade da pessoa com deficiência, mensurá-la através de parâmetros objetivos e indicar mediadas de suporte com o objetivo de incrementar essa funcionalidade. Neste contexto, o advento e a constante modernização de órteses e próteses, que são dispositivos utilizados para essa melhora funcional, tornaram- -se parte importante do tratamento de reabilitação de pessoas com deficiência física ou mobilidade reduzida. De acordo com o Censo 2000, o número de pessoas com necessidades especiais no Brasil chega a 24,5 milhões, isso representa cerca de 14,5% da população. A organização atual da assistência à saúde obedece a um modelo que se caracteriza pelos recursos materiais e pelos profissionais necessários para seu diagnóstico e tratamento. Além disso, as incapacidades produzidas por lesões do sistema nervoso, pelas amputações, pelas más formações congênitas, pelas doenças reumáticas, dentre outras são exemplos de doenças que causam grande impacto sobre os indivíduos, afetando assim, a sua qualidade de vida. Portanto, seus tratamentos devem ser desenvolvidos em centros de tratamento especializados. Na terminologia médica atual, considera-se prótese a peça ou dispositivo artificial utilizado para substituir um membro, um órgão, ou parte dele, como, por exemplo, prótese dentária, ocular, articular, cardíaca ou vascular, entre outros. Mais recentemente, além do conceito anatômico, nota-se a tendência de considerar como prótese também os aparelhos ou dispositivos de uso externo, destinados a corrigir a função deficiente de um órgão, como no caso da audição. Prótese A arte da confecção de próteses nasceu por necessidade e sua evolução está essencialmente ligada a momentos difíceis da humanidade, especialmente às guerras. A evolução técnica vista nesta área é enorme e deve continuar aumentando nos próximos anos. Aqui trataremos somente das próteses utilizadas na reabilitação da deficiência física, especificamente nos casos de amputações. Marcadas pela falta de um membro ou segmento corporal, as pessoas amputadas trazem inscritos em seus corpos sinais que as identificam como sendo diferentes, não raras vezes, sendo identificadas também como seres imperfeitos e incapazes. Neste contexto, a prescrição de próteses melhora não só a capacidade funcional, mas também o emocional destes indivíduos, contribuindo sobremaneira para a melhora na qualidade de vida e inclusão na sociedade. No Brasil não há estatística precisa sobre o número de amputações realizadas anualmente, porém aproximadamente 85% delas ocorrem em membros inferiores. A causa mais frequente de amputações é a doença vascular periférica, combinada ou não com diabetes. Mais de 90% das 60.000 amputações realizadas nos Estados Unidos a cada ano são decorrentes de isquemia ou infecção com gangrena. Fatores de risco, como idade avançada, tabagismo, diabetes, hipertensão, hipercolesterolemia, influenciam o aparecimento de doenças vasculares, por exemplo, aumentando a incidência de aterosclerose e acelerando o progresso de degeneração do membro. Outra causa muito comum para amputação é a traumática, sendo que nos adultos com menos de 50 anos de idade acontece sua maior incidência, prevalecendo no sexo masculino. A prescrição de uma prótese deve considerar: resistência, durabilidade, conforto, custo e estética. Uma protetização bem sucedida dependerá de boas condições do coto, de um bom conhecimento técnico desses aparelhos e da capacidade da equipe de reabilitação de antever o potencial motor do paciente amputado. O seguimento do processo por equipe experiente e capacitada é peça importante no êxito deste. Sabemos que a realidade atual da saúde no Brasil não contempla a assistência integral necessária ao indivíduo amputado, visto que há uma grande incidência de amputações, provenientes principalmente de doenças vasculares e/ ou infecciosas, causas essas que podem ser prevenidas através da educação e conscientização, o que deve estimular os profissionais da saúde, a atuarem sob novas circunstâncias, buscando ações válidas e eficazes de prevenção. A partir do reconhecimento das amputações como um problema coletivo, SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 2 • Março • Abril de 2012 Órtese tem um significado mais restrito e refere-se unicamente aos aparelhos ou dispositivos ortopédicos de uso externo, destinados a alinhar, prevenir ou corrigir deformidades, ou melhorar a função das partes móveis do corpo. 19 sem preconceitos e /ou julgamentos, poderemos alcançar resultados mais eficazes na assistência para a promoção da saúde e melhora na qualidade de vidas dessas pessoas. SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 2 • Março • Abril de 2012 Órtese 20 As órteses são dispositivos para suporte de músculos paralisados ou com importante redução de força. Previnem incapacidades e deformidades, melhorando a ação do membro acometido. Largamente utilizadas na reabilitação ortopédica, reumatológica e neurológica, especialmente na paralisia cerebral, mielomeningocele, nas paralisias flácidas e nas doenças neuromusculares, esses acessórios tem papel importante na terapia de reabilitação desses pacientes. Podem ser usadas para sustentar, imobilizar ou restringir uma ou mais partes do corpo, evitando deformidades; auxiliar um movimento inadequado pela redução de força muscular, ou servir como base de fixação de outros dispositivos de ajuda. As órteses podem ser utilizadas em um ou mais membros e classificam-se em estáticas ou dinâmicas. Estáticas são órteses que estabilizam um seguimento, deixando em uma posição funcionalmente melhor. Esta classe se subdivide em órteses de repouso, que não permitem a funcionalidade do membro, só estabilizando-o numa posição anatômica para prevenir deformidades e funcionais, quando permitem a função do membro. As órteses dinâmicas, através de materiais como elásticos, dão função e alguma mobilidade ao segmento. Podem ainda, ser usadas continuamente ou em intervalos regulares, de acordo com a prescrição da equipe de reabilitação. Órteses para membros superiores ou inferiores (também conhecidas popularmente como “goteiras”), órteses para ortostatismo e meios auxiliadores para a marcha como andadores e muletas, são as órteses mais comumente utilizadas na reabilitação. Conclusão Diante do que foi brevemente exposto neste capítulo, a utilização de recursos como as órteses e próteses têm papel importante no prognóstico funcional de pacientes com deficiência física e devem ser prescritas por profissional capacitado e o mais precocemente possível, a fim de evitar deformidades ou piora funcional irreversível, que vão levar o paciente à procedimentos cirúrgicos de risco, que poderiam ser evitados com o uso destes dispositivos. Contribuem ainda para a maior independência, e consequentemente, maior adaptabilidade e melhora da qualidade de vida do deficiente. Bibliografia 1. Agne, JE; Cassol, CM; Bataglion, D; Ferreira, FV. (2004) Identificação das causas de amputações de membros no Hospital Universitário de Santa Maria. Limbs amputation causes identification in the University Hospital of Santa Maria. Saúde, Vol. 30 (1-2): 84-89. 2. Cury, VCR; Mancini, MC; Melo, AP; Fonseca, ST; Sampaio, RF; Tirado, MGA. (2006) Efeitos do uso de órtese na mobilidade funcional de crianças com paralisia cerebral. Rev. bras. fisioter. Vol. 10, No. 1, 67-74. 3. Maciel, SC; Souza, DR; Makita, LM. Órteses. In Fernandes AC, Ramos, ACR, Casalis, MEP. AACD Medicina e Reabilitação: Princípios e Práticas. Cap 34 p. 645-70. 4. Okasamoto, AM; Salles, ICD; Ingham, SJM; Miyazaki, SMK. In Fernandes AC, Ramos, ACR, Casalis, MEP. AACD Medicina e Reabilitação: Princípios e Práticas. Cap 36 p. 707-28. 5. P a i v a , L L ; G o e l l n e r , S V . ( 2 0 0 8 ) Reinventando a vida: um estudo qualitativo sobre os significados culturais atribuídos à reconstrução corporal de amputados mediante a protetização. Interface - Comunic., Saúde, Educ., jul./ set. V.12, n.26, p.485-97. 6. Rezende, JF. (2006) Prótese, Próstese, Órtese. Linguagem médica. jan.-abr. Vol. 35 (1): 71-72. 7. World Health Organization. International Classification of Functioning, Disability and Health (ICF). Geneva: World Health Organization; 2001. Dra. Alessandra Freitas Russo – Médica neuropediatra, mestre em Medicina pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, pesquisadora do Laboratório de distúrbios do desenvolvimento do IP-USP. Neuropediatra da AACD - Osasco. SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 2 • Março • Abril de 2012 Síndromes revista multidisciplinar de desenvolvimento humano Assine já! Tel: (11) 3361-5595 ou [email protected] 21 i n clus ã o Deficiência Estética e Inclusão SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 2 • Março • Abril de 2012 Carmen S. Alcântara Oliveira 22 Refletir sobre a aparência nos remete ao conceito de narcisismo, constituído pela interposição da imagem corporal com o esquema corporal. O esquema corporal está ligado à localização das sensações e especifica ao sujeito suas características físicas constitucionais. Quando se toca na ponta do dedo, por exemplo, o esquema corporal indica a ponta do dedo como lugar de contato. É um processo neurológico, portanto que informa o lugar da recepção das sensações, Nasio (2001). A imagem corporal por sua vez, é sempre subjetiva e não corresponde necessariamente à imagem do espelho. O corpo psíquico ou imagem corporal é formado antes mesmo da concepção, através dos desejos maternos e paternos, e irá compor-se junto com o olhar do outro, com seus aspectos culturais associados e que irão mostrar seu lugar no mundo. Segundo Nasio (2001), “A imagem do corpo não existe para uma única pessoa. Só se constrói e só existe na relação com alguém”. Quando ocorre falha na estrutura do corpo, pode haver dissonância entre esses desejos e estes olhares e uma ferida é instaurada no narcisismo do sujeito e de seus pais. A forma como este sujeito e seus pais irão lidar com a dor desta ferida narcísica e o luto pelo corpo idealizado estão estreitamente relacionados com as condições psíquicas de cada um e as condições de suporte familiar e social. A sociedade atual valoriza as imagens, acredita nos ganhos que estas podem trazer; o narcisismo parece ser alimentado pela valorização dos ideais midiáticos. Schilder, 1980, contribuiu para a compreensão do conceito de beleza e da sociedade: “Ao estudarmos os desejos e as pulsões instintivas compreenderemos as alterações reais que as diferentes sociedades promovem no corpo. O ideal e o padrão de beleza serão sempre a expressão libidinal da sociedade. Esta situação é necessariamente mutável.”. Assumpção (2008), no capítulo sobre filogênese, descreve a evolução da sexualidade humana e de como o erótico repercutiu culturalmente na questão da beleza que permeou e permeia a idéia de mulher no transcorrer dos tempos e culturas. “Na mulher, o padrão estético de beleza está associado, na maioria das culturas à irrealidade das formas e ao esquecimento da maternidade, embora do ponto de vista adaptativo, esse padrão deva ter sido inicial.” Ao homem, segundo o mesmo autor, mais do que beleza, caberia o papel de competência da produção, sob o ponto cidos de forma rígida e impositiva, como os desvios, as alterações corporais, são tidos como patologias, fragilidades e a efemeridade do existir humano. A deficiência depara-se essencialmente com uma sociedade excludente e estigmatizadora. Goffman (1988), em seu livro Estigma, afirma que a sociedade de uma maneira geral exige do indivíduo estigmatizado que ele se comporte de forma a não demonstrar que sua carga é pesada e nem que carregá-la o torna diferente das outras pessoas. Ele é aconselhado a agir e aceitar com naturalidade a si mesmo e aos outros. Desta forma, há uma permissão para que uma “aceitação-fantasma” forneça base para uma “normalidade-fantasma”. É necessário, portanto, ultrapassar a estranheza que nos causam aqueles que não se encaixam nos padrões estéticos convencionais e trabalhar na criação de um “ETHOS” social que permita a inclusão plena, significando a tolerância pelas dificuldades e limitações que estas pessoas possuem, sem, contudo as subestimar. Que esta inclusão plena, possa se viabilizar não só no âmbito escolar, mas que se faça presente em outras instâncias do convívio social e em todos os meios de transmissão de conhecimento, inclusive na arte. Deste modo, seria possível antever um convívio efetivo com a deficiência, seja ela física, mental, estética e outras, geradora de novas representações sobre o corpo, assim como novos significados acerca das potencialidades conferidas ao biológico e ao psíquico. SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 2 • Março • Abril de 2012 de vista capitalista ou “bom caçador” na horda primitiva. Segundo o psicanalista Joel Birman (2011), a construção do modelo neoliberal da economia internacional em conjunção com seu processo de globalização, vem provocando nos jovens da atualidade, a falta de reconhecimento social e simbólico pela grave crise econômica instaurada. Desta forma, despossuidos de seu lugar produtivo na sociedade, restaria a eles, a exuberância dos corpos e a força física. Seria possível entender desta forma, a emergência e a multiplicação de várias formas de violência no mundo entre os jovens, algumas vezes contra outros excluídos (negros, índios, homossexuais) em uma contra identificação. Outra questão relativa à sociedade contemporânea, diz respeito a passagem do tempo impressa no corpo. O envelhecimento é desqualificado e a juventude eterna e seus modismos são buscados através de cirurgias plásticas e da medicina estética. Tal busca se dá a qualquer custo e muitas vezes de forma inescrupulosa. O caso atual das próteses de silicone francesas adulteradas e que prejudicaram milhares de mulheres no mundo é um bom exemplo. Na ficção, no último filme de Almodóvar, “A pele que habito”, o cirurgião plástico Richard Legrand, interpretado por Antônio Bandeiras, expressa entre outras coisas, estes desejos onipotentes pela beleza ideal e juventude eterna. Haveria basicamente duas qualidades subjetivas que são cruciais para se fazer valer na sociedade atual: é necessário ser desejável e invejável, Calligaris (2000). Em contraponto, todo aquele que é diferente dos padrões estéticos estabele- 23 Referências bibliográficas SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 2 • Março • Abril de 2012 1. Assumpção FB. Psicopatologia Evolutiva. São Paulo: Artmed; 2008. 2. Birman J. Ser ou não ser. Revista Cult no 157, Maio, 2011. 3. Calligaris C. A Adolescência. São Paulo: PubliFolha; 2000. 4. Goffman E. Estigma, notas sobre a manipulação da identidade deteriorada. Rio de Janeiro: LTC; 1988. 5. Nasio JD. Um caso de criança: a imagem inconsciente do corpo, de F. Dolto in Os grandes casos de psicoses. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed.; 2001. 6. Schilder PA. A imagem do corpo. São Paulo: Martins Fontes; 1980. 24 Carmen Sylvia de Alcântara Oliveira, 49 anos, Mestre pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, Especialista em Psicologia Médica e Hospitalar, Membro do Grupo de Pesquisa Avançada em Medicina do Sono – HCFMUSP Email: [email protected] artigo do m ê s Mucopolissacaridoses e Comportamento As mucopolissacaridoses (MPS) são um grupo de doenças metabólicas hereditárias causadas pela deficiência de enzimas lisossomais específicas, classificando-se dentro do grupo das doenças de depósito lisossômico. A primeira descrição de uma MPS foi realizada por Hunter em 1917. Segundo estudos internacionais, sua incidência varia de 1,9 a 4,5 casos para cada 100.000 nascimentos. A incidência real da condição em nosso país é desconhecida, devido à carência de estudos na área. No Brasil, a Universidade Federal do Rio Grande do Sul coordena a Rede MPS Brasil, uma rede de centros de pesquisa e atendimento em MPS composta por 15 unidades, sendo 1 na região norte, 4 na região nordeste, 1 na região centro-oeste, 8 na região sudeste e 1 na região sul. Além dos serviços de pesquisa, diagnóstico, acompanhamento e tratamento dos pacientes com MPS, a rede disponibiliza em seu site na internet diversas cartilhas dirigidas a pacientes, familiares e interessados com informações sobre a doença, além de links para outros sites relacionados ao tema. Uma estimativa realizada pela rede e citada em artigo publicado no ano de 2008 relatava o conhecimento de 249 pessoas vivas portadoras de um dos tipos da doença no Brasil, porém é possível que tal número seja subestimado, uma vez que o diagnóstico é amplamente desconhecido dos médicos em geral, especialmente fora dos grandes centros. A deficiência enzimática resulta em alterações na função dos órgãos e tecidos devido ao acúmulo excessivo de substâncias parcialmente degradadas no interior das células. No caso das MPS, as substâncias acumuladas são os chamados glicosaminoglicanos (GAGS), que também são eliminados na urina dos pacientes afetados. A ampla distribuição dos GAGS nos tecidos corporais leva a manifestações clínicas diversas, que podem se mostrar em uma ou mais das seguintes formas: dismorfismo corporal, displasia óssea e alterações de inteligência e comportamento. Embora a suspeita do diagnóstico seja sempre clínica, ou seja, levantada durante uma consulta e após anamnese e exame médicos, com a solicitação de exames complementares como radiografias, ecocardiograma e avaliação oftalmológica, sua confirmação é feita pela dosagem de enzimas no sangue, que também realiza a distinção entre os diversos tipos. Atualmente, é possível identificar as mutações genéticas relacionadas à MPS, sendo que o padrão de herança para todas as MPS SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 2 • Março • Abril de 2012 Tatiana Malheiros Assumpção 25 é autossômico recessivo, excetuando-se a MPSII, cujo padrão de herança é recessivo ligado ao X. Existem vários tipos tipos de MPS, cada tipo correspondendo à deficiência de uma enzima que metaboliza um glicosaminoglicano específico. Os tipos de MPS, a enzima deficiente e o glicosaminoglicano envolvido são: Classificação das Mucopolissacarodoses MPS MPS MPS MPS MPS MPS MPS Tipo IH IS IH/S II IIIA IIIB IIIC S. S. S. S. S. Epônimo Hurler Scheie Hurler-Scheie Hunter Sanfilippo Material acumulado* DS, HS DS, HS DS, HS DS, HS HS HS HS MPS IIID MPS IVA S. Morquio QS MPS IVB MPS VI S.Maroteaux-Lamy QS DS MPS VII MPS IX S. Sly S. Natowicz que geralmente as CS, DS, HSgressivo, sendo β-Glucuronidase crianças nascem sem sinais indicatiCS Hialuronidase *DH: dermatan sulfato; HS: heparan sulfato; QS: queratan sulfato; CS: condroitin sulfato. SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 2 • Março • Abril de 2012 O curso das MPS é crônico e pro- 26 Deficiência Enzimática Iduronidase Iduronidase Iduronidase Iduronato-sulfato-sulfatase Heparan-N-sulfatase N-Acetilglicosaminidase Acetil-CoA-glicosaminidase acetiltransferase N-Acetilglicosamina-6-sulfatase Galactosamina-6-sulfatase β-Galactosidase N-Acetilgalctosamina-4-sulfatase vos da doença e vão apresentá-los ao longo de seus primeiros anos de vida. Embora os quadros clínicos sejam variáveis, há manifestações que podem ser encontradas em todos os tipos de MPS, em maior ou menor grau. Elas incluem dismorfismos faciais, aumento dos órgãos internos e alterações ósseas. Principais características clínicas da MPS Tipos de MPS MPS I Face Esqueleto Órgão Internos Comportamento Dismorfismo facial Baixa estatura, Aumento de baço D e f i c i ê n c i a i n acentuado, turva- rigidez articular, e fígado, insu- telectual ção de córnea complicações or- ficiência de valtopédicas vas cardíacas, problemas respiratórios Dismorfismo facial Baixa estatura acentuado MPS III Dismorfismo facial Espasticidade e leve rigidez articular discreta MPS IV Dismorfismo facial Baixa estatura, leve, turvação de displasia óssea córnea grave, deformidades de coluna Dismorfismo facial Rigidez articular E s t r e i t a m e n t o Desenvolvimento acentuado difuso e progressi- normal vo das vias aéreas Dismorfismo facial Baixa estatura Hérnias inguinal D e f i c i ê n c i a i n acentuado e umbilical, au- telectual mento de baço e fígado, problemas respiratórios Apenas um caso descrito até o momento, com baixa estatura e nódulos periarticulares proeminentes e o desenvolvimento da múltiplos MPS VI MPS VII MPS VIII A ocorrência de complicações clínicas é comum, sendo que as que envolvem as vias aéreas, como infecções e a obstrução decorrente do próprio dismorfismo, e as afecções cardíacas são as principais causas de óbito. É importante ressaltar que, quanto maior o grau de acometimento clínico, menor é a expectativa de sobrevida desses pacientes. No que se refere ao perfil cognitivo, dificuldades de aprendizagem com deterioração mental progressiva são características comuns às síndromes de Hurler, Hunter e Sanfilippo. Capacidade atencional limitada e distraibilidade são Diarréias freqüen- D e f i c i ê n c i a i n tes, problemas telectual respiratórios Deficência intelectual associada a problemas de comportamento Problemas respi- Desenvolvimento ratórios normal fala é particularmente atrasado quando comparado a outras características. Algumas crianças nunca chegam a desenvolvê-la. Outras têm seu desenvolvimento atrasado e perdem as habilidades conforme a doença progride. Em contraste com essas manifestações mais graves, pacientes com síndrome de Scheie, alguns casos mais leves de síndrome de Hunter e pacientes com síndromes de Morquio e Maroteaux-Lamy apresentam-se geralmente com inteligência normal ou dificuldades de aprendizado moderadas. Crianças com MPS também apresentam altas taxas de problemas de comportamento, extremamente variados em suas características. Ao menos SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 2 • Março • Abril de 2012 MPS II 27 SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 2 • Março • Abril de 2012 28 em parte, eles podem ser concomitantes com os baixos níveis cognitivos e com os aspectos degenerativos das doenças. Por outro lado, eles também ocorrem em indivíduos afetados com desenvolvimento normal, sugerindo outros possíveis fatores causais e/ou desencadeantes envolvidos. Crianças com síndromes de Hunter, Hurler e Sanfilippo apresentam elevados índices de problemas de sono. Apesar disso, e de a literatura científica frequentemente citar a ocorrência de problemas de comportamento em tais crianças, é raro encontrar referência ao tipo de problema que elas apresentam e, mais ainda, é raro que tais problemas sejam detectados e tratados. Mais comumente, vê-se o relato de um “atraso” que é considerado parte da doença e não mais investigado ou incluído nas considerações a respeito de manejo e tratamento do quadro. Em trabalho atualmente em andamento, está sendo realizada, por nós, a avaliação psiquiátrica e de desenvolvimento de crianças e adolescentes portadores de MPS. Embora não haja dados definitivos, os achados preliminares mostram que esses indivíduos são bastante vulneráveis a condições como quadros ansiosos, como transtorno de ansiedade de separação e transtornos de ajustamento, além de outros menos freqüentes, como transtorno oposicional desafiador, depressão e autismo infantil. A questão escolar também se coloca como de extrema importância, uma vez que muitas dessas crianças sofrem com o cotidiano acadêmico, seja por não conseguirem freqüentar as aulas em decorrência dos problemas clínicos, seja por dificuldades de aprendizado relacionadas ao prejuízo cognitivo, seja pelo despreparo dos estabelecimentos para receber pessoas com dificuldades motoras e comportamentais graves, seja pela atitude hostil de colegas a que frequentemente são submetidas, em função dos dismorfismos apresentados. O tratamento envolve o manejo das complicações e, atualmente, já existe a reposição da enzima deficiente para as MPS tipos I, II e VI, melhorando sobremaneira a qualidade e a expectativa de vida desses indivíduos. Pesquisas intensivas têm sido realizadas com o objetivo de se desenvolverem terapias de reposição enzimática para os outros tipos de MPS. Agradecimento Sou muito grata às dras. Chong Ae Kim e Ana Carolina de Paula, do Serviço de Genética Médica do Instituto da Criança da FMUSP, por sua gentileza em colaborar com o trabalho sobre a prevalência de transtornos psiquiátricos em pacientes com mucopolissacaridoses, tema de minha dissertação de mestrado. Referências 1. Paula, AC; Kim, CA; Albano, LMJ; Doenças de depósito lisossômico in Kim, CA; Albano, LMJ; Bertola, DR; Genética na prática pediátrica; Manole, São Paulo, 2010. 2. Vieira T, Schwartz I, Mun˜oz V, Pinto L, Steiner C, Ribeiro M, Boy R, Ferraz V, de Paula A, Kim C, Acosta A, Giugliani R. 2008. Mucopolysaccharidoses in Brazil: What happens from birth to biochemical diagnosis? Am J Med Genet Part A 146A:1741–1747. 3. Rede MPS Brasil: http://www6.ufrgs. br/redempsbrasil/ 4. Coutinho, MF; Lacerda, L; Alves, S; Glycosaminoglycan storage disorders: a review; Biochem Res Int (2012): 1-16. Tatiana Malheiros Assumpção, 32 anos, psiquiatra da infância e adolescência. Graduação pela Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo; Residência em psiquiatria pelo Instituto de Psiquiatria do HCFMUSP; Residência em psiquiatria da infância e adolescência pela UNIFESP; Especialização em saúde mental na infância e adolescência pela FACIS-IBEHE; pós-graduanda em psicologia clínica pelo Instituto de Psicologia da USP. E-mail: [email protected] Nessa edição Módulo II/VI No final, teste seus conhecimentos e receba seu Certificado de Conclusão do IPUSP – Instituto de Psicologia da USP. SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 2 • Março • Abril de 2012 Acompanhe nosso Curso de Autismo 29 de m ã e , pra m ã e A coragem de viver com Mucopolissacaridose Edição de texto: Leandra Migotto Certeza* Por Regina Próspero SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 2 • Março • Abril de 2012 Neste espaço pais e pessoas com a síndrome relatam um pouco sobre suas experiências de viver com suas singularidades em uma sociedade ainda pouco inclusiva. São exemplos de pessoas que já conseguiram alcançar muitos objetivos graças à força de vontade, mas ainda enfrentam muitos desafios para realizarem seus sonhos; assim como a maioria dos seres humanos sem deficiências. É uma oportunidade para os leitores conhecerem um pouco mais sobre a diversidade. 30 Nosso filho é especial, especialmente maravilhoso, iluminado, engrandecido e ÚNICO. Sou formada em instrumentação cirúrgica e cursando o 5º ano de direito na UNIFIG/UNIMESP em Guarulhos/SP, presidente da Associação Paulista de Mucopolissacaridoses, e da Aliança Brasil MPS. Também sou casada, mãe de 3 meninos, sendo que Niltinho o primeiro filho, portador de MPS VI veio a falecer com 6 anos de idade. Acredito que o momento mais feliz da vida de uma mulher é ser mãe. Comigo não foi diferente. Aos 22 anos eu fiquei grávida pela primeira vez. A gravidez foi tranqüila, e em 1988 nasceu o Niltinho. Mas, quando ele tinha 6 meses meu marido e eu tivemos a pior notícia de nossa vida: nosso filho tão amado, esperado e querido era portador de uma doença rara, desconhecida e praticamente sem nenhum tratamento. O nome era assustador, tudo era assustador. A Mucopolissacaridose (MPS) é uma doença progressiva, degenerativa e fatal. Ficamos desesperados, pois o sentimento de impotência em um pai é um dos mais avassaladores de todos. É triste ver algo de tão ruim acontecer com aquele que é tão amado e não poder fazer o que ele nos pede: “me salve”. É terrível saber tanto de uma doença e tão igualmente não saber como tratá-la. Então, trata-se o que ela polpa, o que ela não agride tanto. quando ele nasce, mas acredito que tão maravilhoso quanto. Nosso filho tem potencial, mas depende de nós para construí-lo. Sei que existe uma mente brilhante e um ser maravilhoso, vivendo em um corpo frágil, debilitado, o que o torna incapaz de realizar muitas tarefas sem a nossa ajuda; mas ele vai conquistar seus sonhos. E no que depender de nós, pais e amigos, iremos ajudá-lo. O Dudu é um exemplo de que viver a vida é o que interessa. Não importa quanto tempo, mas sim importa viver da melhor maneira possível. Tudo o que ele quer é viver e viver bem. Hoje não nos interessa tempo, o que importa é dar-lhe qualidade de vida. Já há muito tempo, percebi que ele não precisava de mim para acompanhá-lo em tudo, consegui orientá-lo e ensiná-lo a ter a sua independência relativa. Já o Leonardo, o nosso filho mais jovem, hoje com 13 anos, não é portador da síndrome, tendo uma saúde invejável e um coração de ouro, já consciente de que neste mundo, o diferente é igual aos olhos de quem vê. O irmão do Dudu está preparado para enxergar o mundo como ele é. Nossa batalha na sociedade – minha e do meu marido Nilton - começou quando descobrimos que nosso filho Niltinho era portador de uma síndrome rara, e na época (1989) infelizmente não havia muita coisa a ser feita para que pudesse dar a ele uma qualidade de vida razoável. Nunca me conformei com esta situação e comecei a busca incessante por qualquer tipo de informação que pudesse transformar angustia em esperança, sofrimento em alívio e desespero em forças para lutar. E neste longo caminho que ainda estamos percorrendo, tivemos muitas SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 2 • Março • Abril de 2012 Na época do diagnóstico do Niltinho, tive a notícia de que estava grávida do Luis Eduardo Garcia Próspero, o Dudu. Quando ele nasceu senti novamente da felicidade extrema de ser mãe para o momento terrível de saber que também o nosso Dudu era portador de Mucopolissacaridose - MPS tipo VI. Gostaríamos que todos os médicos estivessem errados, mas muitos deles de alguma forma acertaram, o único que errou foi o com quem eu mais briguei e o meu instinto materno não se enganou. Um neurologista disse que o meu filho tinha um problema intelectual, e eu provei que nem sempre uma literatura médica está certa. Outro médico acertou, disse que meu filho não chegaria aos 10 anos, e a doença levou o Niltinho aos 6 anos, mas poupou o Dudu que sempre conseguiu mostrar a garra que tem. Meu segundo filho, também portador de MPS VI, está hoje com 21 anos e cursando o último ano de direito. Para ajudá-lo em seus estudos como universitário voltei a estudar, uma vez que ele perdeu a visão aos 10 anos devido à doença. Em meio a exames dolorosos, diagnósticos tristes, o Dudu está sempre pronto a levantar, sacudir a poeira e dar a volta por cima, mesmo sem enxergar as cores; sem ouvir os sons maravilhosos da juventude; sem poder correr atrás daquela menininha linda que ele gostaria de paquerar; sem ter fôlego suficiente para dançar na festinha dos amigos que ele não deixa de ir se convidado e sem se importar com as perguntinhas indiscretas que teimam em sair de bocas mal informadas, e ele quer mais. Ele quer construir um futuro, talvez diferente daquele futuro que todo pai projeta para seu filho 31 derrotas, mas também muitas conquistas. Muito se aprendeu, principalmente a lidar com o desconhecido, com o descaso, com as incertezas e com o medo do amanhã. Mas, sempre fui uma pessoa de muita fé e guiada por um DEUS que nunca me abandonou. SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 2 • Março • Abril de 2012 Dudu com sua família, mãe, pai e irmão 32 Lutei muito para conseguir obter o máximo de conhecimento sobre as Mucopolissacaridoses, e também sobre os direitos de um cidadão com esta síndrome rara. E a partir do momento que percebi que poderia trazer benefícios para o meu filho, comecei a compartilhar com outras famílias as informações que tinha adquirido, e também, disseminar solidariedade e força para os mais necessitados. Então, comecei a ser voluntária na Associação Paulista de Mucopolissacaridoses em 2001. Hoje, minha luta se estendeu às outras síndromes raras, por acreditar que a luta é única e o benefício de todos. Acredito também que somente brigando por nossos direitos, podemos estender aos que tem mais dificuldade de lutar. Tem dado certo. Muitos benefícios se mostram evidentes, muitas vidas estão sendo poupadas. Muitas famílias voltaram a ter esperança no futuro. Nossos assistidos estão vivendo, e vivendo melhor e com qualidade. É a gratificação da minha vida. O Brasil possui hoje aproximadamente 535 pacientes, sendo que a maior parte destes pacientes está sob nossos cuidados. Neste momento, a nossa principal meta é conseguir junto ao Ministério da Saúde, a inclusão dos medicamentos já aprovados pela ANVISA, na lista de drogas excepcionais (alto custo) o mais rápido possível. E também cobrar maior agilidade no andamento da portaria 81 (aprovada em Janeiro/2009) que institui a Política Nacional de Genética Clínica. O governo Brasileiro acena com a implantação da genética clínica entre os atendimentos disponibilizados pelo Sistema Único de Saúde (SUS), com isso, dados mais confiáveis surgirão nos próximos anos. O Ministério da Saúde, apesar de não ter incorporado nossos medicamentos na lista de medicamentos excepcionais, já sabe que nossos portadores existem e que merecem atenção, é um trabalho de persistência e determinação (formiguinha), mas tirou-os do anonimato. Campanhas são feitas para mostrar nossa realidade à sociedade, governo e classe médica devido a falta de cumprimento às leis que consagram o Direito à saúde e à vida. E por falar nisso, o Dudu escolheu o curso de Direito por entender que somente conhecendo de forma mais profunda a Constituição Federal e tudo o que ela compreende, ele poderia exigir e fazer cumprir o seu direito de cidadão, criou também um blog, que presta informações sobre doenças raras: www.blogdudueamigos.com.br. neos no campo da saúde, promovendo e organizando plataformas e coalizões à escala nacional e internacional e envolvendo-se ativamente em áreas antes reservadas a especialistas e profissionais, como a pesquisa. Minha preocupação avançou a fronteira e me desespera a situação de países irmãos. E para encerrar, vamos continuar trabalhando, e tenho certeza que conseguiremos os resultados esperados, mesmo que seja a longo prazo! Conheçam nossos projetos: www.apmps.org.br e www.aliancabrasildemps.org.br Por Dudu Próspero Estou escrevendo para contar um pouco de minha vida e para transmitir muita paz e esperança para todos aqueles que tenham algum tipo de deficiência. Quando minha mãe ficou sabendo que meu irmão mais velho (Niltinho – já falecido) tinha uma deficiência genética, ela já estava grávida de mim. Diferente de muitas notícias que eu escuto nos jornais de pais que maltratam seus filhos eu sempre tive o carinho, a força e a amizade de minha família. “Eu tenho muita criatividade, energia positiva, e também muita força de vontade de vencer na vida” SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 2 • Março • Abril de 2012 Infelizmente, o que mais nos deixa angustiados como pais, é não ter a opção de chegar a uma farmácia e pedir ao balconista frascos do medicamento que hoje é sinônimo de vida para nossos filhos. Nossos medicamentos são de alto custo e são concedidos pelo Ministério da Saúde ou Secretarias de Estado de Saúde somente por ação judicial, sem esta ação, nossos portadores sucumbem até a morte, que é muito dolorosa e angustiante. Hoje temos algumas campanhas de abaixo-assinado que correm o Brasil, um deles inclusive com o Instituto Eu Quero Viver www.euqueroviver.org.br, para colocarmos nossos medicamentos na tal lista tão almejada. Em quase todos os países, as pessoas portadoras de uma doença rara encontram problemas de exclusão social, falta de informação sobre sua doença, falta de tratamento, perda da qualidade de vida, autonomia e dificuldade de reintegração no ambiente social e familiar. Tenho também como objetivo de trabalho, reunir Governos, a Sociedade Civil, as Universidades e as Empresas Farmacêuticas, para discutir a melhora do bem estar de pacientes com doenças raras e suas famílias, apoiando a pesquisa, discutindo políticas públicas e cooperação internacional; e usando os meios de comunicação para divulgação e conscientização da população em geral. Também entendemos que as associações e as organizações de pacientes emergiram em diferentes partes do mundo como atores centrais na abertura de novos espaços de participação e deliberação no campo da saúde; desenvolvendo formas de intervenção inovadoras, atuando como mediadoras entre participantes heterogê- 33 SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 2 • Março • Abril de 2012 Sei como é difícil ser tratado com desprezo, como é difícil ser humilhado na frente de outras pessoas, pois uma vez eu estava na escola e um menino ficou me olhando e rindo com outros colegas, como se eu fosse uma aberração, nunca me senti tão mal assim. Apenas quero ser respeitado pelo que sou, e pelo que faço e não pela minha aparência. Hoje estou cursando o último ano de direito na UNIFIG/UNIMESP em Guarulhos (SP), estou também no último ano de Inglês. Vou à universidade todos os dias e tenho boas notas, sempre procuro me esforçar para não deixar que o desâ- 34 nimo e a dureza da vida tomem conta de mim, pois eu pretendo ainda estudar muito para um dia ser um escritor, ou um advogado, quem sabe até um professor. Tenho como meta, terminar a faculdade e conquistar meu lugar no mercado de trabalho. Hoje eu falo sobre os assuntos atuais de viver com a síndrome no meu blog www.blodudueamigos.com.br e no Twitter: @duduprospero. Cuido também da divulgação da síndrome e ajudo nos trabalhos na APMPS. Quanto ao tratamento, me proporciona não só a vida em si, mas também uma melhor qualidade da mesma. Não o encaro como um compromisso, e sim, como uma oportunidade de obter saúde e vida e não mais apenas como sobrevida. Eu tenho muita criatividade, energia positiva, e também muita força de vontade de vencer na vida, e espero que um dia alguém me dê uma oportunidade de provar para muita gente que tem deficiência é uma pessoa igual à outra que não tem. *Leandra Migotto Certeza é jornalista e repórter especial da Revista Síndromes. Ela tem deficiência física (Osteogenesis Inperfecta), é assessora de imprensa da ABSW, e consultora em inclusão e mantém o blog “Caleidoscópio – Uma janela para refletir sobre a diversidade da vida” - http:// leandramigottocerteza.blogspot.com/. Conheçam os modelos de palestras, oficinas, cursos e treinamentos sobre diversidade, realizados em empresas, escolas, ONGs, centros culturais e grupos de pessoas no site: https://sites.google.com/site/leandramigotto/ reportagem Fundação Doria Muito além da visão Por Leandra Migotto Certeza* - Fotos: arquivo Pessoas com deficiência visual por região Norte Nordeste Sudeste Sul Centro-Oeste Total 574.823 2.192.455 2.508.587 866.086 443.357 % população local 3,6 4,1 3,1 3,2 3,2 Segundo dados World Report on Disability 2010 e Vision 2020, a cada 5 segundos 1 pessoa fica com cegueira no mundo. Cerca de 40 milhões a 45 milhões de pessoas no mundo são cegas; os outros 135 milhões sofrem limitações severas de visão. Do total de casos, 90% ocorrem nos países em desenvolvimento e subdesenvolvidos. E até 2020 o número de pessoas com deficiência visual poderá dobrar no mundo. Segundo a Organização Mundial da Saúde, se houvesse um número maior de ações efetivas de prevenção e/ou tratamento, 80% dos casos de cegueira poderiam ser evitados. Glaucoma, retinopatia diabética, atrofia do nervo ótico, retinose pigmentar e degeneração macular relacionada à idade (DMRI) são as principais causas da cegueira na população adulta. Entre as crianças, as principais causas são glaucoma congênito, retinopatia da prematuridade e toxoplasmose ocular congênita. A deficiência visual é definida como a perda total ou parcial, conSÍNDROMES • Ano 2 • Nº 1 • Janeiro • Fevereiro de 2012 Enxergar a capacidade que o ser humano tem de ler o mundo com todos os sentidos faz parte da diversidade da vida Segundo dados do IBGE de 2010, no Brasil, mais de 6,5 milhões de pessoas têm alguma deficiência visual. Desse total: 528.624 pessoas são incapazes de enxergar (com cegueira); 6.056.654 pessoas possuem grande dificuldade permanente de enxergar (baixa visão ou visão subnormal). Outros 29 milhões de pessoas declararam possuir alguma dificuldade permanente de enxergar, usando óculos ou lentes. 35 SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 1 • Janeiro • Fevereiro de 2012 36 gênita ou adquirida, da visão. O nível de acuidade visual pode variar, o que determina dois grupos de deficiência: a cegueira, quando há perda total da visão ou pouquíssima capacidade de enxergar, o que leva a pessoa a necessitar do Sistema Braille como meio de leitura e escrita; e a baixa visão, caracterizada pelo comprometimento do funcionamento visual dos olhos, mesmo após tratamento ou correção. As pessoas com baixa visão podem ler textos impressos em formato ampliados ou com uso de recursos óticos especiais. Os direitos destas pessoas estão assegurados segundo o artigo 9 (relativo à acessibilidade) da Convenção da ONU sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência. Diversos países assinaram o documento em que está escrito: “A fim de possibilitar às pessoas com deficiência viver de forma independente e participar plenamente de todos os aspectos da vida, os Estados Partes tomarão as medidas apropriadas para assegurar o acesso, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, ao meio físico, ao transporte, à in­formação e comunicação; inclusive, aos sistemas e tecnologias da informação e comunicação, bem como a outros serviços e instalações abertos ao público ou de uso público, tanto na zona urbana como na rural”. Porém, as políticas públicas brasileiras, infelizmente, ainda estão engatinhando em relação ao pleno e amplo exercício de todos esses direitos. E todas as conquistas só foram possíveis devido à forte atuação dos movimentos sociais organizados de pessoas com deficiência, como as ações de Dona Dorina Nowill entre muitas outras pessoas, (infelizmente, pouco lembradas hoje), que criou em 1946, a Fundação para o Livro do Cego no Brasil. Nesta época tem início a transcrição de livros para o sistema Braille, proporcionando o primeiro acesso aos estudantes com cegueira no país. Hoje, com o avanço da tecnologia digital, o processo de ampla inclusão social, e a democratização do conhecimento, as grandes instituições de todo o Brasil, voltadas às pessoas com deficiência visual, não podem mais deter o poder absoluto da produção de informação acessível. Todas as editoras e o sistema de ensino brasileiro têm a obrigação de garantir acesso à leitura e educação inclusiva na rede pública regular, a todas as pessoas com deficiência visual do país, em materiais didáticos digitalizados, além do sistema Braille. A história da Fundação Dorina Nowill Em 1953, Hellen Keller (mulher com surdocegueira pioneira no aprendizado do sistema Braille juntamente com outras forma de comunicação) vem ao Brasil como hóspede oficial do governo e conhece a Fundação para o Livro do Cego. Em 1953 passa a vigorar a lei que instituiu as antigas Classes Braille e o Ensino itinerante no Estado de São Paulo. Depois o primeiro Centro de Reabilitação de Cegos do País é criado em 1962, propiciando as pessoas com deficiência visual, o ensino de técnicas de locomoção e outras atividades do cotidiano. nos formatos braille, áudio e Daisy em 2011. E em 2011 produziu: 270 novos títulos Braille; 326 falados; e 280 digitais acessíveis. Seu acervo conta com mais de 3.000 obras acessíveis nos três formatos. Todos os serviços especializados são gratuitos às pessoas SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 1 • Janeiro • Fevereiro de 2012 Em 1972 são realizadas as primeiras gravações de livros falados, e criada a biblioteca da Fundação. Em 1989, o seu sistema informatizado da produção de livros em Braille é aperfeiçoado com a instalação de estereótipos eletrônicos. Apenas em 1991, em homenagem a sua idealizadora, a Fundação passou a chamar-se Fundação Dorina Nowill para Cegos – FDN, que após seu cinquentenário passa por uma grande reforma, que possibilitou estruturar os serviços especializados e a produção de novos formatos para livros acessíveis. E em 2000 tem início o processo de profissionalização da FDN, com empresários ajudando na direção, que de 2006 a 2007 passa a investir no desenvolvimento de livros digitais e lançam o Livro Digital Acessível – LIDA. E em 2008, a FDN pioneira na produção em língua portuguesa, do Livro Digital Acessível Daisy, formato internacional de acessibilidade de leitura. Hoje, a instituição atende anualmente mais de 1.500 pessoas com deficiência visual nos seus programas de clínica para orientação avaliação e diagnóstico sobre a baixa visão, educação especializada, reabilitação e empregabilidade. Possui 166 funcionários dedicados e outros 271 voluntários atuantes. Os livros acessíveis são distribuídos diretamente para pessoas com deficiência visual; além de 1.943 organizações cadastradas, e 5.000 bibliotecas públicas municipais do País. A FDN também foi responsável pela distribuição de 180 mil livros e revistas 37 cegas e com baixa visão, e extensivo a sua família. A Imprensa Braille da FDN é uma das maiores do mundo em capacidade produtiva, com produção em larga escala, equipamentos de grande porte, recursos humanos especializados e matéria-prima especial. Além dos avanços tecnológicos para produção dos livros em Braille, a instituição sempre procurou acompanhar e também cumprir as recomendações da UNESCO no que diz respeito à composição de livros para crianças. “Temos a missão de continuar o legado de Dorina, orientando nossa gestão sob a perspectiva da continuidade, renovação, credibilidade e sustentação”, afirmou Adermir Ramos da Silva Filho, atual diretor-presidente voluntário da FDN. E em comemoração aos nossos 65 anos de trabalho em prol das pessoas com cegueira e baixa visão, foi inaugurado o “Memorial Dorina”, um reconhecimento ao legado deixado da fundadora. SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 1 • Janeiro • Fevereiro de 2012 Ler com todos os sentidos 38 Em parceria com Associação de Escritores e Ilustradores de Literatura Infantil e Juvenil - AEILIJ, a FDN produziu uma coleção de 10 títulos infantis acessíveis, impressa em braille e letras ampliadas. Os autores e os ilustradores criaram histórias e desenhos que pudessem ser reproduzidos com letras ampliadas, textos em Braille e imagens em relevo, para possibilitar que crianças com cegueira e baixa visão lessem o livro em companhia da família e dos colegas de aula. A primeira tiragem foi patrocinada pela Fundação Itaú Social e Bradesco, sendo mais de 35 mil exemplares distribuídos para 5 mil bibliotecas, escolas e organizações de todo o Brasil. No ano de 2011, foram gravados, nos estúdios ds FDN, livros e revistas em áudio no formato MP3, 334 novos títulos, totalizando mais de 73 mil páginas lidas. Desses, 226 foram incluídos no acervo da Biblioteca Circulante de Livros Falados E distribuídos cerca de 60 mil títulos nesse formato para organizações de todo o país. Hoje existem mais de 1.917 obras faladas no acervo. Em 2011, em parceria com a Secretaria dos Direitos da Pessoa com Deficiência do Estado de São Paulo, a FDN produziu e distribuiu o 1º dicionário bilíngue (português-inglês e inglês-português) em formato DAISY no mundo. A produção desse dicionário abre espaço para o ensino e aperfeiçoamento do estudo de línguas estrangeiras para pessoas com deficiência visual de todo o País. Além disso, semanalmente a revista Veja é gravada e distribuída para cerca de 900 pessoas atendidas pela FDN, totalizando 40 mil exemplares em 2011. O Centro de Memória da FDN também faz a conservação, documentação, exposição e empréstimo de imagens e informações do acervo histórico com cerca de 4.000 peças entre equipamentos, fotos, películas, material auditivo e publicações. Por meio do projeto “Nós também gostamos de ler”, aprovado junto à Lei Rouanet, a FDN começou a produção de 71.000 livros acessíveis. São 20.000 livros de literatura infantil em formato braille, para crianças em idade de alfabetização; 50.000 livros de literatura, Histórias de inclusão Rodrigo Alves de Souza aos 9 anos de idade foi diagnosticado com catarata. Os médicos recomendaram alguns tratamentos, mas, mesmo com muita luta, aos 16 anos ele perdeu totalmente a visão. Um adolescente tímido, sem amigos, que dependia das pessoas para quase todas as tarefas, que havia parado de estudar e dispunha de poucos recursos financeiros. Esse era Rodrigo, que passava os dias ouvindo rádio e TV, imaginando quando as coisas seriam diferentes. A esperança veio quando uma pessoa recomendou a sua mãe que o levasse à FDN. E foi na instituição que o rapaz, assustado e precisando de ajuda, como ele mesmo se define, encontrou o que precisava. Rodrigo e sua família receberam na Fundação o apoio e os recursos necessários para a sua inclusão escolar e autonomia. Aulas de Braille, orientação e mobilidade, atividades da vida diária e terapia foram fundamentais para ‘o despertar’ do jovem. Ele acredita que sua evolução se deu principalmente pelo apoio psicológico que encontrou na Fundação, e SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 1 • Janeiro • Fevereiro de 2012 incluindo best sellers e clássicos pré-vestibular, em áudio para adolescentes e jovens; 1.000 livros de artes, filosofia e humanas, em formato digital acessível DAISY, para pesquisa e consulta de universitários e profissionais. O projeto está sendo executado em duas fases. A primeira, com a distribuição de 35 mil exemplares dos livros acessíveis, aconteceu entre setembro e outubro de 2011. Já a segunda fase prevê a distribuição de mais 36 mil exemplares durante o primeiro semestre de 2012. A distribuição dos livros será feita para cerca de 5 mil instituições como escolas, universidades, organizações sociais e todas as bibliotecas públicas municipais do País, em 4.763 municípios. Em 2011, a Fundação também encaminhou para o mercado de trabalho 105 pessoas; realizaram 36 oficinas de empregabilidade com os temas: “Direitos e deveres da pessoa com deficiência no mercado de trabalho”, “Minhas escolhas profissionais”, “Construindo meu currículo”, “Entrevista e dinâmicas de grupo”, entre outros. Outro curso lançado pela FDN foi o de “Avaliação Olfativa”. O objetivo é capacitar jovens com cegueira e baixa visão para atuar na indústria de perfumaria. Inovador e pioneiro no Brasil, pretende incrementar a inclusão de pessoas com deficiência visual nessa área específica, formando avaliadores olfativos. 39 SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 1 • Janeiro • Fevereiro de 2012 40 descobriu um novo universo com muitas referências positivas. Freqüenta a FDN desde 2007, e hoje, aos 23 anos, Rodrigo está terminando o supletivo de ensino fundamental, faz curso de informática e participa de diversos espaços sociais, nos quais encontra muitos amigos. Além da independência adquirida ao longo desses anos de reabilitação, a leitura se tornou uma referência importante em sua vida. Rodrigo descobriu o talento de compor músicas e escrever poesias. “Antes de ler em braille eu me achava uma pessoa sem perspectivas, e hoje me sinto alguém batalhador, uma pessoa que valoriza a vida.” Rodrigo é, sim, um rapaz tímido. Mas agora sabe da sua capacidade e sonha se tornar um escritor. Ao terminar o seu depoimento Rodrigo faz questão de agradecer a Fundação Dorina Nowill para Cegos pelo trabalho que realiza em prol das pessoas com deficiência visual. Sem o atendimento especializado ele acredita que não teria conseguido dar o primeiro passo em busca da sua independência e autonomia, o primeiro passo de uma longa caminhada pela vida. Mais informações sobre a FDN: Site: WWW.fundacaodorina.org.br Blog: http://www.fundacaodorina.org.br/ blog/ Crônica de uma jornalista saudosa Tecendo a vida “Vencer na vida é manter-se de pé quando tudo parece estar abalado. É lutar quando tudo parece adverso. É aceitar o irrecuperável. É buscar um caminho novo com energia, confiança e fé.” Dorina de Gouvêa Nowill “Quando surge uma oportunidade eu recomendo: garra, confiança, em si mesma e na sociedade, vontade, capacidade de doação, muita fé e determinação para conseguir o possível e aceitar o que não pode ser feito. O mundo tem mais frustrações do que coisas que você vence, mas é possível ser feliz. Vencemos com o que temos dentro de nós mesmos”, afirmou Dona Dorina de Gouvêa Nowill, em 2002, quando eu tive a grande honra de entrevistá-la para uma revista especializada. Naquela tarde, a emoção bateu mais forte em meu coração. Finalmente, consegui agendar uma entrevista com uma grande mulher. Ouvia falar muito bem a seu respeito em vários eventos na área da inclusão, além das histórias cheias de boas recordações senhora confiante, firme, caminhando completamente independente que guiou meus passos até uma sala de espera. Mas antes ela me cumprimentou se curvando para conseguir alcançar os meus 96 cm de altura. É claro que seu radar interno, logo alertou que minha voz vinha de baixo, como ela mesma disse no final de nossa entrevista. Eu confesso que estava bem nervosa. Acredito que tenha sido uma mistura de fortes sentimentos: receio por ser uma das minhas primeiras entrevistas, a grande oportunidade de falar com uma mulher tão importante, e principalmente, o respeito e admiração por conversar com uma senhora com mais de 60 anos de experiência do que eu. É claro que havia feito um roteiro de perguntas, e o gravador estava ligado, mas me atrapalhei um pouco, tamanha foi a emoção que senti ao ser recebida com tanto respeito, dedicação, carinho, ternura e simplicidade por uma mulher tão doce e forte ao mesmo tempo. Dona Dorina, gostava muito de conversar, e nesta tarde dedicou mais de duas horas a uma jornalista como eu, acredito que por compreender melhor do que ninguém, a importância de uma pessoa com deficiência, como eu, chegar onde sempre sonhou: trabalhar na profissão que escolheu e a luta por uma causa. É claro que ela estava anos a minha frente, e desbravou o mundo e o Brasil, em uma época em que falar da cegueira era considerado um enorme tabu na sociedade. Mas eu também já tinha vencido obstáculos até conquistar meu espaço no jornalismo. Recordando cada palavra, som, e imagem daquela entrevista, penso que SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 1 • Janeiro • Fevereiro de 2012 da minha doce e saudosa tia-avó (que teve o privilégio que ter estudado no mesmo colégio que Dona Dorina); mas ser recebida em sua casa foi um dos momentos mais especiais da minha carreira. Peguei um táxi apressada para não chegar atrasada. No caminho fiquei imaginando como seria falar com uma pessoa com cegueira. Minha experiência ainda era pequena, pois convivia mais com pessoas com deficiência física. Mas como jornalismo para mim sempre foi o relato da verdade, dito por quem viveu os fatos; segui confiante que iria conhecer uma história muito importante de quem dedicou grande parte de sua vida a uma causa social, após passar por uma virada de 360 graus do destino. Toquei a campainha de uma bonita casa localizada em uma rua cheia de árvores frondosas. Fui recebida por uma moça muito simpática que pediu que eu entrasse e aguardasse alguns minutos que a dona da casa. Como sou curiosa por natureza (uma das maiores virtudes de uma boa jornalista), ‘filmei’ rapidamente a casa, que estava muito bem arrumada, e me encantei com um grande tear e muitas lãs coloridas e grossas espalhadas pelo chão. Um belo tapete estava sendo formado, fio por fio. Imaginei que fosse feito por Dona Dorina, pois tinha assistido e lido várias entrevistas suas na TV e nos jornais, e sabia que ela era uma pessoa muito ativa, na altura de seus mais de 80 anos de idade. Nem consegui acabar de observar os lindos quadros, belos móveis antigos, quando, logo apareceu uma 41 SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 1 • Janeiro • Fevereiro de 2012 42 a doce senhora foi de uma gentileza e paciência enormes. No início de minha carreira, eu estava tão nervosa, que me atrapalhei com a linha cronológica dos fatos; sobre a rica e pioneira história de vida de Dona Dorina na luta pela cidadania das pessoas com deficiência visual no Brasil. Dona Dorina, em meio sua grande generosidade, me contou detalhadamente toda sua árdua trajetória, desde o dia D em que sua vista ficou turva, uma bola de sangue invadiu seus olhos ao atravessar uma rua, e ela nunca mais enxergou as cores da natureza, com apenas 17 anos. “Eu vivi, respirei e pratiquei a inclusão, e espero até morrer, vê-la ser cada vez mais bem sucedida. Não se pode separar os homens e as mulheres porque tem uma deficiência física ou sensorial”, relatou emocionada, porém com uma voz forte. Nascida na cidade de São Paulo, no dia 28 de maio de 1919, Dona Dorina foi a primeira aluna cega a forma-se professora juntamente com alunos ‘videntes’. Viajou com uma bolsa de estudos para os Estados Unidos, onde freqüentou um curso de especialização na Universidade da Columbia, na área da deficiência visual e realizou estágios nas principais organizações de serviços para pessoas com cegueira. Ao constatar que naquela época havia poucos livros em Braille para estudantes com cegueira, reuniu um grupo de voluntários e criou em 1946, a Fundação para o Livro do Cego no Brasil. Em 1948, a Fundação recebeu da Kellog’s Foundation e da American Foundation for Overseas Blind uma imprensa braille completa com maquinários, papel e outros materiais. Em 1991 a organização recebeu o seu nome pelo reconhecimento ao trabalho em prol da educação, reabilitação e profissionalização de pessoas com cegueira e/ou com baixa visão. Com seu jeito doce e íntegro de ser, determinada quebrou paradigmas e ingressou no mercado de trabalho. No período de 1953 a 1970, dirigiu o primeiro órgão nacional de educação para pessoas com cegueira no Brasil. Dentre as inúmeras conquistas, destacou-se por ser a única mulher eleita para assumir a presidência do Conselho Mundial para o Bem-Estar dos Cegos, hoje União dos Cegos. Além da educação, outra preocupação de Dorina sempre foi a prevenção da cegueira, tendo conseguido em 1954 que o Conselho Mundial para o Bem-Estar do Cego se reunisse no Brasil, em conjunto com o Conselho Brasileiro de Oftalmologia e a Associação Panamericana de Saúde. Em uma época em que era comum na sociedade, a maioria das mulheres deixarem de estudar e/ou trabalhar para cuidar da família, Dona Dorina, foi um exemplo de uma mulher ousada, que soube conquistar seu espaço, afirmando ter plantado a semente da inclusão social. “Foi uma oportunidade única poder mostrar que as pessoas cegas existem, e que seus direitos e necessidades precisam ser levados em consideração por serem elas também membros da comunidade”. Como contou minha tia-avó Dona Dorina foi a primeira aluna cega a frequentar um curso regular na Escola Normal Caetano de Campos, tendo conseguido, posteriormente, a integração de outra Mergulhei junto com as recordações dessa doce senhora. Viajei em suas histórias, ‘assistindo’ o filme de uma vida muito rica e cheia de conquistas, que para mim serviram de incentivo a continuar trilhando o caminho da inclusão, com honestidade, integridade, ética, coragem, determinação, e paixão pelas pessoas. Uma das maiores lições que Dona Dorina me ensinou foi ter jogo de cintura, ser diplomática e flexível, sem perder a elegância da firmeza e fé em seus ideais e valores. Confesso que na altura dos meus vinte e poucos anos, com o sangue fervendo e a louca vontade de ‘mudar o mundo’, não consegui compreender como aquela senhora conseguira enfrentar tantas dificuldades, sem perder a leveza, tendo conquistado tantas vitórias, em uma época que as mulheres eram vistas apenas como servidoras de seus maridos e filhos. Durante nossa conversa, vi que Dona Dorina, sempre esteve à frente de seu tempo e soube evoluir, sem passar por cima de ninguém. Principalmente, de sua família que cuidou como toda mãe zelosa, com muito carinho. O seu diferencial, na minha humilde opinião, foi ensinar seus cinco filhos a serem independentes acreditando em si mesmos. Em um momento de descontração, depois de tantas explicações detalhadas sobre sua trajetória, ela me contou que nunca deixou que a sua deficiência a impedisse de ser uma mãe enérgica quando precisava, e que seus filhos sempre a respeitavam, sem nunca ter pena dela, por não enxergar com os olhos; pois ela enxergava muito além da visão. Com um farto sorriso no rosto SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 1 • Janeiro • Fevereiro de 2012 menina cega num curso regular da mesma escola. Sua atuação pela inclusão social foi ampla. Colaborou para a elaboração da lei de integração escolar, regulamentada em 1956; e de 1961 a 1973 dirigiu a Campanha Nacional de Educação de Cegos do Ministério da Educação e Cultura (MEC). Em sua gestão também foram criados os serviços de educação de cegos em todas as Unidades da Federação. Em 1982 lutou pela abertura de vagas e encaminhamento das pessoas com deficiência para o mercado de trabalho. E durante a Conferência da OIT, em Genebra, conseguiu que a Recomendação 99 fosse discutida. E no congresso de 1983, os representantes do governo brasileiro, dos empresários e dos trabalhadores; votaram a favor da proposta do Conselho Mundial para o Bem-Estar do Cego para aprovação da Convenção 159 e da Recomendação 168, que convocaram os Estados membros a cumprir o acordo, oferecendo programas de reabilitação, treinamento e emprego para as pessoas com deficiência. Dona Dorina também escreveu o livro “... E eu venci assim mesmo”, lançado em 1996, que foi traduzido para o espanhol e apresentado em reunião da União Mundial de Cegos na África do Sul, em dezembro de 2004, com distribuição para toda a Europa e América Latina. Além disto, foi a inspiradora da obra “Para Ver Além”, lançado em 2002, que reúne frases de sua autoria, sob a organização de Marina Gonzalez. Naquela tarde que marcou minha vida, as horas passaram rápidas e os minutos demoraram uma ‘eternidade’. 43 SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 1 • Janeiro • Fevereiro de 2012 me contou que sempre sabia onde os filhos pequenos estavam escondidos (atrás do sofá entre outros lugares), e dava a bronca na hora certa. Fez o mesmo com a criação dos seus 12 netos, mas confessou ter sido uma avó bem tradicional, deixando eles mais a vontade para aprontar suas estripulias. Antes de me despedir de Dona Dorina naquela tarde de 2002, ela fez questão de contar que: fazia exercícios físicos em sua esteira todos os dias; lia as revistas faladas da Fundação; ouvia as notícias no rádio; além de mostrar seus lindos tapetes enormes e multi-colororidos que tecia com alegria e maestria, assim como fez durante 44 toda sua linda vida ao partir aos 91 anos em 2010. Em 2004 eu tive a honra de conversar com ela mais uma vez, apenas pelo telefone, mas foi tão emocionante quanto no dia da entrevista, pois ela se recordou de mim e foi muito carinhosa. Hoje depois de sua saudosa partida, apenas sinto não ter contato a ela a importância que teve em minha vida... Fui jornalista responsável por quatro edições de um boletim da sua Fundação, e me senti muito honrada de ter compreendido a importância de tecer a vida com tanta alegria, pois a maestria são tesouros guardados somente para pessoas tão especiais como ela. *Leandra Migotto Certeza é jornalista e repórter especial da Revista Síndromes. Ela tem deficiência física (Osteogenesis Inperfecta), é assessora de imprensa da ABSW, e consultora em inclusão e mantém o blog “Caleidoscópio – Uma janela para refletir sobre a diversidade da vida” - http:// leandramigottocerteza.blogspot.com/. Conheçam os modelos de palestras, oficinas, cursos e treinamentos sobre diversidade, realizados em empresas, escolas, ONGs, centros culturais e grupos de pessoas no site: https://sites.google.com/site/leandramigotto/ artigo do leitor Escovando os dentes de seu filho no espectro autista • Respeite o tempo que seu filho permite para escovar os dentes, aumente esse tempo aos poucos, acredite que ele pode aumentar sua capacidade e suas habilidades, se fixarmos uma idéia de limitação ele pode não evoluir mais, o seu pensamento positivo pode ajudá-lo • Tenha iniciativa, faça o que é preciso sem ter a necessidade que alguém lhe mande • Deixe que ele assista você escovando os dentes, muitas crianças nunca viram os pais com a escova na boca e não entendem porque tem que escovar. Coloque uma escova na mão dele e fique com a outra. Fácil, não é? Eu sei que não é fácil mas precisa tentar, tentar e tentar. • Brinque de escovar, cante, comemore, bata palmas. Não tenha vergonha de ser feliz e fazer seu filho feliz. Liberte-se de preconceitos. • Pode fazer isso sentado no chão em frente a um espelho, as vezes seu filhoirá notá-lo através da imagem refletida . • Divida a escovação em 4 momentos : cada lado de uma vez, direito, esquerdo, superior e inferior. Dessa maneira ele e você não ficarão tão estressados. É simples, se ele agüenta ficar com a escova na boca por 3 segundos, então escove bem apenas 1 dente e em outro momento aproveite aqueles 3 segundos para escovar muito bem um outro dente e assim sucessivamente. Pode acreditar que aos poucos ele irá acostumar com o processo e esse tempo de escovação vai aumentar. Não tenha pressa, cada criança tem um ritmo, o queimporta é escovar. • Escove o brinquedo ou personagem que ele mais gosta, abuse do lúdico. • Cante músicas infantis enquanto brinca de escovar, ou você pode fazer melhor, crie seu próprio repertório para essa atividade e também para outras atividades diárias, assim todos os momentos ficarão mais felizes em sua casa. Mostre ao seu filho que é feliz em ajudá-lo. • Use escova macia, faça movimentos circulares e sempre pasta sem flúor, pois o flúor é neurotóxico e pode comprometer sua criança se engolido. SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 2 • Março • Abril de 2012 Dra. Adriana Gledys Zink CROSP 52600 45 • Acredite: vocês já conseguiram coisas mais difíceis, já passaram por cada situação, porque não conseguiriam escovar os dentes? Força e pensamento positivo! • a prevenção é o melhor caminho • leve bem cedo seu filho ao dentista • celebre com seu filho cada conquista • reúna a família para que todos escovem os dentes juntos • não force • brinque • a visita ao dentista tem que fazer parte da rotina de seu filho • filme seu filho escovando os dentes e depois coloque para assistirem, muitas crianças adoram ver e rever sua própria imagem, e aproveite para comemorar sempre • “a saúde começa pela boca!” • Nosso único limite é aquele que fixamos na nossa mente Orientando os pais SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 2 • Março • Abril de 2012 Qual a importância de levar meu filho autista ao dentista? 46 A prevenção é sempre o melhor caminho, então os pais devem incluir na rotina de seus filhos a visita ao dentista, afinal ele já está acostumado à consultas com fonoaudiólogas, psicólogas, terapeutas, etc. O profissional irá ensiná-lo a fazer a prevenção de cáries e doenças periodontais, além de técnicas facilitadoras para conquistar a boa higiene oral. Meu filho(a) será atendido amarrado? A contenção mecânica é uma forma de estabilizar o paciente para o trata- mento odontológico. O paciente não é machucado ele é apenas estabilizado. Esse processo só é realizado com autorização do responsável. Em muitos casos a contenção só é usada 1 ou 2 vezes, até que o paciente confie no profissional e sinta que não sofre durante o tratamento. Para evitar esse procedimento é que indicamos o condicionamento para facilitar o tratamento odontológico. Como é o condicionamento? O condicionamento é realizado por profissionais treinados e que de forma lúdica apresentam o tratamento odontológico. O método falar-mostrar-fazer é empregado nessa fase. Também são utilizados fantoches, brinquedos, bolinhas de sabão e tudo mais que o paciente goste. Essas informações são conseguidas durante a entrevista com os pais, antes de iniciar as sessões de condicionamento. E se meu filho não sentar na cadeira do dentista? Não tem problema, nesse caso o condicionamento é realizado no chão sobre um tapete de E.V.A..A medida que o profissional conquistar a confiança do paciente, ele será transferido de forma espontânea para a cadeira odontológica. Quantas sessões de condicionamento serão necessárias? O número de sessões é individual porque cada paciente é único. Não podemos criar expectativas para os pais. Nesse momento temos que explicar que é uma tentativa, que vamos fazer o possível e 47 SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 2 • Março • Abril de 2012 quetemos que acreditar que é possível. Nesses anos todos percebo que alguns pacientes surpreendem até os pais e logo estão familiarizados com a rotina da odontologia. Não seria melhor a anestesia geral e fazer tudo de uma vez? Todosprocedimentos tem sua indicação, inclusive a anestesia geral. Até pouco tempo todos pacientes autistas que necessitassem de uma intervenção mais invasiva eram levados ao centro cirúrgico e submetidos à anestesia geral. Hoje sabemos que é possível tratá-los em ambulatório utilizando as técnicas de condicionamento propostas. Tudo depende da motivação dos pais em tentar e da formação do profissional. Meu filho terá que ser condicionado para sempre? Quando o paciente conhece um procedimento e o aceita, em sessão seguinte não será necessário retomar o condicionamento porque ele já aprendeu ou seja já adquiriu essa nova habilidade. Quando o paciente se mostrar estressado na 2ª sessão devemos retomar o condicionamento anterior e ter certeza que ele confiou e aprendeu. O tratamento é diferente? SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 2 • Março • Abril de 2012 Não. O tratamento para pacientes autista é o mesmo o que muda é a necessidade de facilitar esse tratamento usando para isso o condicionamento. 48 Dra.Adriana Gledys Zink CROSP 52600 Cirurgiã-dentista especialista em pacientes especiais Vencedora do VI Prêmio orgulho autista Brasil www.adrianazink.blogspot.com WWW.Special-dentistry.blogspot.com artigo do leitor O que é uma doença rara? François Faurisson Semelhanças e diferenças nas doenças raras Semelhanças • o doenças crônicas sérias, degenerativas e que normalmente colocam a vida em risco; • doenças incapacitantes, onde a qua- lidade de vida é comprometida devido à falta de autonomia; • o doenças onde o nível da dor e do sofrimento do indivíduo e da sua família é elevado; • o doenças para as quais não existe uma cura efetiva, mas os sintomas podem ser tratados para melhorar a qualidade e a esperança de vida. Diferenças 80% das doenças raras têm origem genética identificada. Estas representam entre 3% e 4% dos nascimentos. Outras doenças raras são causadas por infecções (bacterianas ou virais) e alergias, ou, são devidas a causas degenerativas que se proliferam. Os sintomas de algumas doenças raras podem aparecer ao nascer ou na infância. Muitas outras,só aparecem na idade adulta. As doenças raras caracterizam-se pela ampla diversidade de distúrbios e sintomas que apresentam e variam não só de doença para doença, mas também de doente para doente que sofrem da mesma doença. Doenças raras: um novo conceito em saúde pública O fenômeno das doenças raras é recente. Até há pouco tempo, os sistemas de saúde e as políticas públicas ignora- SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 2 • Março • Abril de 2012 Estima-se que no mundo existam entre 5.000 a 8.000 doenças raras. A doença para ser considerada rara deve ter uma freqüência de 01 portador para cada 2.000 pessoas. Apesar deste número ser pequeno, as doenças raras afetam de 6 a 8% da população mundial. Para os portadores de doenças raras, esta raridade tem muitas conseqüências desfavoráveis, tanto médicas como sociais. • Médicas: existem poucos estudos sobre as doenças raras. Por isso, o diagnóstico quando possível é feito tardiamente, colocando muitas vezes a vida dos pacientes em risco. • Sociais: a falta de tratamento eficaz deve-se tanto à falta de investimento em pesquisa quanto ao pouco interesse por parte das indústrias em produzir estes medicamentos, devido à pouca demanda por este tipo de medicamento, tornando sua produção pouco lucrativa. 49 vam-nas largamente. Algumas doenças raras específicas são muito conhecidas. Nos casos em que está disponível um tratamento preventivo simples e eficaz, foram tratadas como parte da política de saúde pública. Doenças raras: falta de conhecimento e de sensibilização do público O conhecimento médico e científico acerca de doenças raras é escasso. A aquisição e a difusão do conhecimento científico é a base vital para a identificação das doenças e, ainda mais importante, para a investigação de novos procedimentos de diagnóstico e terapêutico. Normalmente são as associações e os grupos profissionais que fazem a conscientização do público. O progresso feito no tratamento destas doenças permite que seus portadores possam viver melhor e por mais tempo, tendo como resultado maior sensibilização da opinião pública acerca da doença. SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 2 • Março • Abril de 2012 Doenças raras: fatores de exclusão 50 Quase todas as pessoas com uma doença rara encontram os mesmos problemas: atraso e falha no diagnóstico, falta de informação acerca da doença, falta de referências para profissionais qualificados, falta de disponibilidade de cuidados com qualidade e de acesso a benefícios sociais, fraca coordenação dos cuidados de internamento e de consulta externa, autonomia reduzida e dificuldade na reintegração à vida social, profissional e familiar. Doenças raras: sistemas públicos de saúde e cuidados de saúde inadequados Todos aqueles que sofrem de doenças raras e respectivas famílias falam das lutas para serem ouvidos, informados e dirigidos a corpos médicos competentes, quando estes existem, a fim de serem corretamente diagnosticados. Como resultado, há atrasos sem sentido, múltiplas consultas médicas e prescrição de medicamentos e tratamento impróprios ou mesmo perigosos para a saúde. Estes novos métodos pré-natal e rastreio em fase assintomática para as doenças raras permitem que seja feita uma cobertura médica efetiva mais cedo, melhorando significativamente a qualidade e o tempo de vida. Outros programas de rastreamento devem ser introduzidos, embora existam poucos testes confiaveis e tratamentos eficazes. O progresso qualitativo e quantitativo no prognóstico e no tratamento clínico levanta novas questões de saúde pública acerca das políticas de rastreio generalizado e direcionado de algumas doenças. Autor: François Faurisson – EURORDIS Editor: Julia Fitzgerald Tradutora: Marta Jacinto. Marcos Teixeira Coordenação do Voluntariado do GEDR http://estudandoraras.blogspot.com www.institutocanguru.org.br [email protected] age n da Relação Cursos e Eventos Março e Abril Terapia Comportamental Cognitiva Introdução aos Conceitos Carga Horária: 24 horas Datas: 28/04, 12/05, 26/05, 9/06 e 23/06 Horário: 9h às 13h Taxa de Inscrição: R$ 60,00 Investimento: R$ 480,00 (parcelamos em até 3x e oferecemos 5% no pagamento a vista) Terceiro Setor – Conceitos Fundamentais para Atuação Período: de 3/3/2012 a 12/2012 Horário: 8h30 as 15h30 Carga Horária: 120 horas Taxa de Inscrição: R$ 50,00 Investimento: R$ 210,00 (180,00 para mensalidades pagas até o dia 5) Curso de Capacitação Violência Intrafamiliar – Principais Aspectos Carga Horária: 16 horas Datas: 14 e 22/3 Horário: 8h30 as 17h30 Investimento: 300,00 Curso de Capacitação Entendendo Sexualidade Humana Carga Horária: 16 horas Datas: 19 e 25/04 Horário: 8h30 as 17h30 Investimento: 300,00 Curso de Capacitação Diagnósticos Psiquiátricos em Crianças – Aspectos Comportamentais Carga Horária: 8 horas Data: 12/4 Horário: 8h30 as 17h30 Investimento: 240,00 Outros Serviços Grupos de Apoio a Famílias de dependentes químicos Maiores informações pelo telefone 11 38076656 ou pelo e-mail [email protected] Sobre a Nepacc No mercado desde 2008, Nepacc Serviços de Psicologia e Psicopedagogia Ltda é uma empresa privada que atua na área clínica e na comunidade, atuando nas áreas social, educacional e organizacional. O Nepacc realiza ainda atendimento e avaliação clínica para crianças, adolescentes e adultos, casais e famílias; avaliação e atendimento psicopedagógico à crianças e adolescentes; atendimento psicológico para pessoas com dependência química; orientação vocacional para alunos do ensino médio e pré-vestibulares. Grupo de apoio para pais e interessados no tema “adoção”, grupos de estudos na abordagem cognitiva e comportamental; supervisão clínica e instituional. Para os profissionais o Nepacc oferece oficinas, palestras, cursos de capacitação com o objetivo de capacitar e qualificar para a atuação nos diversos setores relacionados ao desenvolvimento humano. SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 1 • Janeiro • Fevereiro de 2012 Cursos de Extensão: 51 revista multidisciplinar de desenvolvimento humano Síndromes Março • Abril de 2012 • Ano 2 • Nº 2 Curso Autismo Módulo II Alessandra Freitas Carolina Rabello Padovani Cristina Maria Pozzi Francisco B. Assumpção Jr. Marina Lemos Melanie Mendoza Milena Rossetti 13 anos www.atlanticaeditora.com.br … curso A utismo - módulo I I SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 2 • Março • Abril de 2012 Autismo – Aspectos Genéticos e Neurobiológicos 54 A década de 1990, conhecida como a Década do Cérebro, trouxe uma explosão de informações nas Neurociências e uniu disciplinas clínicas, processo que continua acontecendo neste século. Essa eclosão de novas informações aliada ao desenvolvimento de pesquisas e tecnologias clínicas para o estudo do cérebro, o intercâmbio entre pesquisadores e clínicos, além de outros profissionais que atendem crianças com distúrbios do desenvolvimento, estreitou a distância entre a Psiquiatria e a Neurologia. O refinamento do estudo por neuroimagem funcional, novas metodologias de estudo molecular, o progresso nas áreas de neurofarmacologia e neuroendocrinologia e a facilidade e rapidez no acesso a estas informações, estão tornando cada vez mais conhecidas as bases neurobiológicas do Autismo Infantil (AI) e, apesar de ainda não bem compreendidas, têm propiciado importantes conhecimentos para desvendar as possíveis etapas anormais do desenvolvimento cerebral, tornando esta entidade um dos mais instigantes assuntos na atualidade. As manifestações comportamentais que definem o autismo incluem déficits qualitativos na interação social e na comunicação, padrões repetitivos e estereotipados de comportamento e um repertório restrito de interesses e atividades. A grande variabilidade no grau de habilidades sociais e de comunicação e nos padrões de comportamento que ocorrem em autistas tornou o uso do termo Transtorno Invasivo do Desenvolvimento (TID) mais apropriado. Não obstante, há uma necessidade de identificação de subgrupos homogêneos de indivíduos autistas para finalidades práticas bem como de pesquisa, entre estes, reconhecem-se o Autismo, Síndrome de Rett, Transtorno Desintegrativo da Infância, Transtorno Invasivo do Desenvolvimento Não Especificado e Síndrome de Asperger. Ao longo deste texto, o termo AI será utilizado para se referir ao grande grupo dos TIDs. Apesar de não haver, ainda, um consenso, o AI se acompanha, com grande frequência de indícios de algum desvio biológico. Estes indícios são variáveis, podem estar presentes em um grupo de autistas e faltar em outros, podem estar presentes em várias formas de associação e não se identificou nenhum que possa ser considerado como patognômico da condição não havendo, portanto, até hoje um marcador biológico que possa ser considerado específico. Busca-se desenvolver uma validação da tipologia relacionada aos critérios comportamentais, baseada na hipótese de que a disfunção de uma região particular do cérebro ou rede neural pode produzir déficits comportamentais previsíveis. No AI, esta disfunção poderia potencialmente tes de rotina para o autismo, exceto no contexto de um protocolo formal de pesquisa. A identificação precoce de crianças com AI é essencial para incrementar a eficácia da intervenção inicial, no momento em que o cérebro é mais plástico. Um parâmetro prático foi publicado sob a orientação da Child Neurology Society e da American Academy of Neurology: a análise do cariótipo e do DNA para o X-Frágil é recomendada na avaliação de pacientes com AI quando há retardo mental (ou se o retardo mental não for excluído) e história familiar de X-Frágil ou retardo mental não diagnosticado ou, ainda, aspectos dismórficos. É improvável que estes estudos sejam positivos na presença de autismo com alto funcionamento. O teste metabólico seletivo deve ser indicado quando houver descobertas clínicas e físicas sugestivas: letargia, vômitos cíclicos ou convulsões iniciais, presença de aspectos dismórficos ou faciais comuns, evidências de retardo mental ou impossibilidade de excluir retardo mental ou quando há dúvida sobre a determinação da avaliação adequada do recém-nascido. Algumas questões éticas obrigam àsolicitação do teste genético em casos de: (a) identificação de etiologias raras, embora tratáveis, que se não tratadas podem ser deletérias ao indivíduo, como a Fenilcetonúria; (b) diagnóstico de um transtorno que pode levar ao aconselhamento genético de membros da família, risco de recorrência, diagnóstico e prognóstico pré-natal; (c) identificação de um transtorno suspeito que, se confirmado, pode evitar a necessidade de testes diagnósticos extensos no futuro. SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 2 • Março • Abril de 2012 … resultar de fatores genéticos e ambientais, expressa morfologicamente como alterações no desenvolvimento cerebral precoce. Outro aspecto que dificulta a valorização destas alterações neurobiológicas éa de que elas podem estar presentes em indivíduos que não apresentam autismo ou mesmo em indivíduos considerados normais, em geral, porém, em proporção significativamente menor. Finalmente é importante lembrar que, mesmo naqueles casos em que anormalidades biológicas estão presentes, o estabelecimento de uma relação causal direta entre estas e o quadro do AI não pode ser afirmada na maioria dos casos. Pesquisas sustentam a visão do AI como expressão de um desenvolvimento cerebral atípico, que resulta em disfunções mais ou menos disseminadas (e não, necessariamente, com etiologia específica) na rede neural complexa e amplamente distribuída. Essa visão fisiopatológica dos transtornos do desenvolvimento é a antítese de doença no sentido de uma única condição genética ou não genética ou de um dano cerebral como causa freqüente do autismo. O diagnóstico de uma condição médica ou neurológica associada em um indivíduo autista define os sintomas clínicos em um nível neurobiológico, mas não exclui o diagnóstico de autismo, que édefinido em um nível comportamental. O objetivo da avaliação neurológica é contribuir na investigação etiológica do AI, indicando testes como investigações neurofisiológicas ou por neuroimagem ou estudos citogenéticos, de acordo com os achados de história e exame. É preciso salientar que não há uma bateria de tes- 55 … SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 2 • Março • Abril de 2012 curso 1 - A utismo 56 Na prática, os testes para síndromes genético-metabólicas específicas devem ser solicitados com base em suspeitas clínicas de um transtorno. Em virtude da extensão do tema, serão abordados apenas alguns dos aspectos mais consistentes nos estudos, com a finalidade de introduzir o leitor no assunto. Para aprofundar a leitura, recomenda-se consultar a bibliografia indicada. ASPECTOS GENÉTICOS Várias linhas de evidências convergem para sugerir que o AI éum das condições neuropsiquiátricas de maior caráter hereditário. Estudo de família e de gêmeos, conhecidas anormalidades cromossômicas, estudos de ligação e associação genética fornecem pistas de que vários genes em interação podem contribuir para este transtorno. Estudos de famílias e de gêmeos indicam uma forte tendência de autismo entre grupos familiares. Há um risco particularmente forte de TIDs entre irmãos de indivíduos afetados mais gravemente pelo transtorno. A estimativa de risco relativo fica na faixa de 2 a 6%, em comparação com a taxa de AI aceita para a população – 4 a 6 por 10 mil, segundo alguns trabalhos. O risco geral de recorrência na família parece variar de 7 a 15%. A ampliação do fenótipo leva a taxas de identificação de prejuízos leves no desenvolvimento (graus variados de indiferença social, falta de amizades, prejuízos nos jogos, etc.) mais elevadas em pais e irmãos do que nas famílias-controle. Vários relatórios descrevem um subconjunto de parentes de indivíduos com autismo e déficits sociais e lingüísticos qualitativamente similares aos do probando autista, porém de menor gravidade. Em geral, traços encontrados com mais freqüência nos pais dos sujeitos controle incluem pouco envolvimento social, dificuldades de comunicação (linguagem pragmática), preferência pela rotina e resistência a mudanças. Estes traços, via de regra, não prejudicam o funcionamento (por padrões clínicos), mas podem ser um marcador de probabilidade genética no autismo. Atraso de fala e dificuldades de leitura são mais comuns em membros da família do que em famílias-controle. Estudos de gêmeos revelaram diferenças substanciais na concordância do autismo entre pares de gêmeos dizigóticos (DZ) e monozigóticos (MZ); em alguns trabalhos, as taxas de concordância entre gêmeos MZ chegaram a 96%. A longa preponderância masculina, contudo, permanece sem explicação. A contribuição genética ao autismo é atribuída a efeitos combinados de vários loci contributórios. Os dados sobre gêmeos são compatíveis com herança oligogênica, combinada com um importante componente epigenético de novo. Fatores genéticos podem produzir déficits sociais e cognitivos incluídos no amplo fenótipo autista e uma interação entre esses outros fatores deletérios desconhecidos pode dar um “segundo golpe”, que, ao final, produz um fenótipo autista mais específico. A relação entre fatores genéticos na expressão de um TID e o papel de eventos não genéticos em determinar a severidade desse distúrbio ainda requer muita investigação. Autismo éum transtorno genético complexo e, com base nos baixos escores obtidos nos estudos colaborativos de genoma, sugere-se que entre 5 a 100 loci possam estar envol- autístico à presença ou não de outras patologias neurológicas associadas. A heterogeneidade desses distúrbios pode ser devida a etiologias distintas ou a uma combinação de fatores, tais como etiologia, predisposição genética e fatores ambientais. Quadro 1 –Condições clínicas associadas ao AI AMAUROSE DE LEBERSÍNDROME ALCOÓLICA FETAL DEFICIÊNCIAS AUDITIVASSÍNDROME DE ANGELMANN DESORDEM MARFAN-LIKESÍNDROME DE CORNÉLIA DE LANGE DISTROFIA MIOTÔNICASÍNDROME DE DOWN DISTROFIA MUSCULAR PROGRESSIVA DE DUCHENNESÍNDROME DE GOLDENHAR EPILEPSIASÍNDROME DE HURLER ESCLEROSE TUBEROSASÍNDROME DE JOUBERT FENILCETONÚRIA NÃO TRATADASÍNDROME DE LAURENCE-MOON-BIEDL HIPOMELANOSE DE ITOSÍNDROME DE NOONAN HISTIDINEMIASÍNDROME DE RETT INFECÇÕES CONGÊNITASSÍNDROME DO X-FRÁGIL NEUROFIBROMATOSESÍNDROME DE WILLIAMS RETARDO MENTALOUTRAS CROMOSSOMOPATIAS SEQÜÊNCIA DE MOEBIUS ASPECTOS NEUROBIOLÓGICOS Apesar de a neurobiologia do AI ainda não ser bem compreendida, vários aspectos e comportamentos neurológicos observados em crianças com AI parecem refletir transtornos nos programas do SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 2 • Março • Abril de 2012 … vidos na suscetibilidade para AI. Embora múltiplos cromossomas tenham sido implicados, nenhuma resposta definitiva foi encontrada. Condições clínicas associadas ao AI A lista das condições em que já foram registrados casos de associação com o AI é bastante extensa (Quadro 1). Obviamente, algumas destas associações são eventuais e podem ter ocorrido por acaso, porém em alguns dos exemplos que seguem, a frequência com que os dois quadros estão presentes num mesmo indivíduo indica que deve haver algum fator comum a ambas as condições ou que a presença de uma delas facilita o desenvolvimento da outra. Cerca de 10 a 15% dos indivíduos com AI tem uma aberração cromossômica identificável ou uma síndrome genética. O AI é mais representado como uma parte do fenótipo comportamental de vários transtornos, incluindo Síndrome do X-Frágil, Esclerose Tuberosa, Fenilcetonúria, Síndrome de Rett e duplicações envolvendo o cromossomo 15q. Quando conseguimos identificar uma dessas condições, como a síndrome do X-Frágil, Fenilcetonúria não tratada, Rubéola congênita, etc., dados relevantes para o tratamento podem ser definidos e abre-se a possibilidade de um aconselhamento genético aos familiares, uma vez que várias das condições acima listadas são geneticamente determinadas podendo afetar outros filhos do mesmo casal. É preciso lembrar que mesmo quando uma determinada condição clínica for identificada, nem sempre será possível estabelecer-se uma relação direta entre esta e o quadro de autismo e, tampouco relacionar o grau de severidade do quadro 57 … SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 2 • Março • Abril de 2012 58 desenvolvimento dos neurônios e das sinapses no cérebro imaturo. Prejuízos no desenvolvimento social e da linguagem sugerem desordenamento no circuito das áreas neocorticais e límbicas específicas do córtex cerebral, enquanto alterações na reatividade a estímulos sensório-motores, comportamentos estereotipados e outras anormalidades motoras sugerem problemas nas conexões do tronco cerebral, cerebelo, tálamo e gânglios da base. Padrão de crescimento cerebral: a mais replicada descoberta singular no AI tem sido a tendência incomum a cérebros grandes. Isso não quer dizer, porém, que cérebros grandes são uma biomarca do autismo, pois a vasta maioria das pessoas com cabeças e volumes cerebrais grandes não é autista e nem se enquadra no espectro. Vários estudos relatam uma aceleração do crescimento inicial do cérebro em crianças com AI quando comparados ao grupo-controle. Ao nascimento, o perímetro cefálico é normal, durante o período de poucos meses após o nascimento até 2 a 5 anos de idade, observa-se um crescimento cerebral incrementado, sendo que por volta dos 2 – 4 anos, 90% das crianças com AI apresentam um perímetro cefálico maior que a média. Este achado, porém, não ocorre em crianças maiores. Esse excesso de crescimento inicial do cérebro parece ser determinado de forma significativa, embora não inteiramente, por um aumento no volume da substância branca. A proporção alterada parece ser um aspecto neuroanatômico que persiste, apesar de mudanças nas proporções ao longo do tempo. O ritmo de crescimento acelerado no autismo durante essa janela de de- senvolvimento sugere que a proliferação incrementada de sinapses e/ou poda reduzida durante esse período podem ser responsáveis pela macrocefalia nessa condição. A maior mielinização também poderia contribuir para esse processo, embora seja inferior à sinaptogênese e continue por muitos anos após o nascimento. A hipótese de que em crianças com AI, a dinâmica da formação e da poda das sinapses é rompida no início do período pós-natal é bem atraente, levando-se em consideração informações recentes sobre o excesso de crescimento cerebral no autismo. Os achados de neuroimagem e neuropatológicos demonstram relações atípicas entre o lobo frontal e o cerebelo. Os estudos de imagem funcional e morfométricos, mostram evidência de que a disfunção cerebral no AI está associada a padrões anormais de desenvolvimento que afetam circuitos envolvendo córtex pré-frontal, sistema límbico e cerebelo. Estas alterações ocorrem num continuum e envolvem organização durante desenvolvimento cerebral fetal e pós-natal. As células do sistema límbico (hipocampo, amígdala, corpos mamilares, giro anterior do cíngulo e núcleos do septo) são pequenas no tamanho e aumentadas em número, por unidade de volume, em comparação a controles. Nos cerebelos estudados, foi encontrado um número diminuído de células de Purkinje. Estes achados têm sido documentados de forma proeminente, mas não uniforme. Mudanças na organização minicolunar cerebral foram também observadas. Minicolunas são estruturas radiais muito finas que representam o menor nível de organização colunar vertical. Nos indivídu- tonina. Inibidores da recaptação de serotonina costumam ser usados para tratar movimentos estereotipados e ansiedade em crianças com autismo, e a depleção do triptofano leva ao agravamento dos sintomas do autismo. A real prevalência da pouca serotonina no cérebro de crianças com AI é desconhecida e o mecanismo dessa anormalidade, quando ocorre, também não está claro. No entanto, uma hipótese sugere que a redução da serotonina no cérebro pode ser causada pelo feedback negativo sobre os neurônios da serotonina, secundário aos altos níveis de serotonina no sangue. Eletrofisiologia: recomenda-se que todas as crianças com atrasos no desenvolvimento, em especial nas áreas social e da linguagem passem por uma avaliação audiológica formal, incluindo medições audiológicas comportamentais, avaliação da função do ouvido médio e testagem eletrofisiológica de crianças que não falam fluentemente. Quanto ao estudo eletroencefalográfico (EEG), atividade epileptiforme é mais comum tanto em crianças quanto em adultos com AI do que na população geral. Entre 8 e 20% das crianças com autismo sem causa identificada e sem epilepsia têm atividade epileptiforme. Em crianças com autismo e epilepsia essa taxa é quase o dobro. Fatores técnicos como a duração do estudo do EEG e o horário de registro do sono são importantes. Também é provável que a genética desempenhe um papel primário no desenvolvimento de atividade epileptiforme e da epilepsia no autismo, tendo como exemplo o Complexo Esclerose Tuberosa, a Síndrome do X-Frágil e a Síndrome SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 2 • Março • Abril de 2012 … os com AI um número maior de minicolunas, menores e menos compactas do que o esperado tem sido descrito. Esses achados sugerem que anormalidades na proliferação de células neuronais precursoras ou alterações na arquitetura minicolunar por causas diversas poderiam estar relacionadas com a neuropatologia do autismo e de outros distúrbios do desenvolvimento. Estudos de ressonância magnética funcional (RNMf) têm sido utilizados para avaliar áreas de processamento social no AI. Normalmente, há uma acentuada ativação do giro fusiforme (área facial fusiforme) em resposta a figuras de faces, que está marcadamente diminuída em autistas, nos quais outras regiões são ativadas (frontais e occipitais). Três estudos independentes encontraram anormalidades da anatomia e do funcionamento em repouso do lobo temporal de indivíduos autistas, de forma bilateral no sulco temporal superior (STS). O STS é uma região crítica para a percepção de estímulos sociais essenciais, tais como movimento biológico, direção do olhar, expressões gestuais e faciais de emoção e estão altamente conectados com outras partes do “cérebro social”, tais como o giro fusiforme e amígdala. Todas essas áreas são hipoativas no autismo durante a execução de tarefas que requerem cognição social, sugerindo um funcionamento anormal de toda a rede de pensamento do cérebro social. Com relação àneuroquímica, a elevação nos níveis de serotonina nas plaquetas é o achado mais consistente no AI. Além disso, vários estudos sugerem mudanças nos níveis sanguíneos do aminoácido triptofano, precursor da sero- 59 … de Rett. Os efeitos neurocognitivos da atividade epileptiforme e das convulsões podem derivar da etiologia subjacente e da síndrome da epilepsia, do efeito direto das próprias convulsões ou dos efeitos transitórios da atividade epileptiforme. Em suma, a compreensão acerca dos transtornos do desenvolvimento cerebral que contribuem para o AI ainda não responde a todas as perguntas. Estes conhecimentos atuais complementam e refinam, mas não alteram de modo fun- damental, a descrição feita por Kanner e Asperger há seis décadas. O impulso tomado nos últimos vinte anos exigiu um avanço multidisciplinar considerável jamais imaginado. O AI tornou-se uma ferramenta clínica e científica poderosa para a investigação e o esclarecimento das complexas relações cérebro-comportamento. Por outro lado, ilustra a grande dificuldade em se mapear comportamentos complexos em sistemas cerebrais específicos. SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 2 • Março • Abril de 2012 Acompanhe no próximo módulo Avaliação Psicologica Curso de Autismo 60 Síndromes Maio • Junho de 2012 • Ano 2 • Nº 3 revista multidisciplinar do desenvolvimento humano Diretoria Ismael Robles Junior [email protected] [email protected] (11) 4111 9468 Antonio Carlos Mello [email protected] Coordenador Editorial Dr. Francisco B. Assumpção Jr. Colaboraram com essa edição Alessandra Freitas Russo Carolina Rabello Padovani Cristina de Freitas Cirenza Evelyn Kuczynski Julianna Di Matteo Dr. Francisco Assumpção Junior Leandra Migotto Certeza Maria Sigride Thomé de Souza Simaia Sampaio Simone Nascimento Fagundes Zein Mohamed Sammour Administração e vendas Antonio Carlos Mello [email protected] Vendas Corporativas Antônio Octaviano [email protected] Marketing e Publicidade Rainner Penteado [email protected] Editor executivo Dr. Jean-Louis Peytavin [email protected] Editor assistente Guillermina Arias [email protected] Direção de arte Cristiana Ribas [email protected] Atlântica Editora Praça Ramos de Azevedo, 206/1910 Centro 01037-010 São Paulo SP Atendimento (11) 3361 5595 [email protected] Envio de artigos para: [email protected] [email protected] www.atlanticaeditora.com.br 2 3 12 18 24 29 38 46 49 EDITORIAL Dr. Francisco Assumpção Junior artigo do mês Síndrome de Tourette Evelyn Kuczynski entrevista O que é a epilepsia? Quando e por quem foi descoberta? Maria Sigride Thomé de Souza Por Leandra Migotto Certeza desenvolvimento O desenvolvimento moral Carolina Rabello Padovani reabilitação Sexualidade e deficiência intelectual Dra. Alessandra Freitas Russo inclusão Inclusão da pessoa com deficiência no trabalho Julianna Di Matteo de mãe, pra mãe A terapia do abraço Cristina de Freitas Cirenza Por Leandra Migotto Certeza artigo do leitor Problemas urinários Zein Mohamed Sammour, Simone Nascimento Fagundes Sobre o filme: O primeiro da classe (Transtorno de Tourette) Simaia Sampaio A revista Síndromes é uma publicação bimestral da Atlântica Editora ltda. em parceria com Editora Robles - Ismael Robles Jr. me, com circulação em todo território nacional. Não é permitida a reprodução total ou parcial dos artigos, reportagens e anúncios publicados sem prévia autorização, sujeitando os infratores às penalidades legais. As opiniões emitidas em artigos assinados são de total responsabilidade de seus autores e não expressam, necessariamente, a opinião da revista Síndromes. Mandem artigos com no máximo 400-500 palavras, consistindo somente em uma opinião embasada em pequena bibliografia (3 ou 4 citações no máximo), podem estar na mesma página ou em páginas diferentes. Praça Ramos de Azevedo, 206 sl. 1910 - Centro - 01037-010 São Paulo - SP Atendimento (11) 3361-5595 - [email protected] - Assinaturas - E-mail: [email protected] editorial Dr. Francisco Assumpção Junior SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 3 • Maio • Junho de 2012 Neste número iniciamos uma nova maneira de estruturar esta publicação, uma vez que a maioria dos artigos nela publicados passará a ser da responsabilidade de participantes do Laboratório de Distúrbios do Desenvolvimento do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo. Isso permitirá, enquanto vantagem, uma maior uniformidade nas informações que eventualmente serão disponibilizadas, bem como permitirá uma maior homogeneidade de pensamento e de critérios. Por outro lado, serão mantidos os artigos escritos por leitores após sua avaliação pelos editores, o que manterá a possibilidade de divulgação de novas ideais e propostas, como também é o escopo da revista, na tentativa de impedir a cristalização e a limitação de ideias. Também serão mantidas as entrevistas com profissionais que se destacam nessa área de atuação, para que venham a ser mais conhecidos pelos leitores, bem 2 como as reportagens sobre instituições importantes no atendimento, fundamentais na estruturação da própria área e responsáveis pela maior parte do que se faz e pensa hoje no Brasil, uma vez que o interesse governamental nos temas específicos é praticamente nulo. Claro que esta não será uma forma definitiva da revista, uma vez que acreditamos que nada é estático devendo, para seu crescimento, sempre estar em permanente mudança, porém essas mudanças devem (e serão) realizadas a partir de experiências corrigidas e melhoradas. Isso porque pretendemos que esta publicação tenha uma vida longa e profícua, embora saibamos das dificuldades que existem, principalmente em uma área tão pouco prestigiada e valorizada. Esperamos que as alterações de estruturas e de caminhos aqui apresentadas sejam do agrado de todos os leitores e que possam significar mais um passo no seu processo de evolução. Boa leitura arti g o do m ê s Síndrome de Tourette “...Ter a Tourette é uma loucura, é como estar bêbado o tempo todo. Estar sob o efeito do haloperidol é monótono, faz a gente ficar sóbrio e quadrado, e nenhum dos dois estados é realmente livre. Vocês, ‘normais’, que têm os transmissores certos nos lugares certos, nas horas certas, em seus cérebros, têm todos os sentimentos, todos os estilos disponíveis o tempo todo – seriedade, leviandade, o que for adequado. Nós que temos a Tourette, não, somos forçados à leviandade pela síndrome e forçados à seriedade quando tomamos o remédio. Vocês são livres, têm um equilíbrio natural: nós temos de nos contentar com um equilíbrio artificial...”I A Síndrome de Tourette (ST) é primeiramente citada em 1489, no mais importante tratado já publicado para identificação de bruxos e feiticeiras, o Malleus maleficarum (“Martelo do Mal”). Nesta obra, é descrito o caso de um padre, cujos tiques seriam supostamente relacionados à possessão demoníaca. Cabe lembrar que há alguns séculos estigmas físicos, assim como certas manifestações comportamentais, foram identificados pelos movimentos religiosos como sinais da ligação de um indivíduo com o Diabo. I Sacks OW. O homem que confundiu sua mulher com um chapéu e outras histórias clínicas (Trad. Laura Teixeira Motta). São Paulo: Companhia das Letras, 1997, p.117-8. O primeiro caso de ST foi identificado por Jean Itard, em 1825. O médico francês descreve os sintomas da Marquesa de Dampierre, uma aristocrata francesa que se notabilizou por proferir palavras obscenas publicamente, no meio de conversações. Já ao final do século XIX, Jean-Martin Charcot (célebre diretor da Salpêtrière) confia pacientes ao novato Georges Gilles de la Tourette, visando definir uma doença distinta da histeria e da coreia (entre cujas características também figuram movimentos involuntários). Em 1885, Tourette publica um relato sobre nove pacientes (Étude sur une affection nerveuse), e conclui que de fato se mostra necessário definir uma nova categoria clínica (maladie des tics convulsifs avec coprolalie, ou “doença dos tiques convulsivos com coprolalia”), batizada por Charcot “doença de Gilles de la Tourette”. Sem explicação ou tratamento para os tiques que caracterizavam a síndrome, a abordagem psiquiátrica só passa a ser privilegiada a partir do século passado. Só se aventou uma origem orgânica para as perturbações motoras da ST a partir da década de 20, quando uma epidemia de encefalite desencadeia um aumento importante na incidência de casos de tiques e outros distúrbios motores. A descoberta de que o haloperidol (um antipsicótico clássico) permitia a atenu- SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 3 • Maio • Junho de 2012 Evelyn Kuczynski* 3 SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 3 • Maio • Junho de 2012 4 ação dos tiques contestou a abordagem psicanalítica que se popularizou nos anos 60-70. Em 1965, um artigo de Shapiro critica a psicanálise destes casos, após tratamento bem-sucedido de um portador de ST com haloperidol. A partir da década de 90, finalmente a doença é considerada fruto da combinação de vulnerabilidade biológica com fatores ambientais. Em 2000, a Associação Americana de Psiquiatria modifica o texto referente a ST do DSM-IV ao publicar o DSM-IV-TR (sua versão mais atualizada, vigente até o momento). São também realizadas importantes descobertas no campo da genética, neurofisiologia e neuroimagem, mas muitas questões permanecem ainda em aberto, desde sua caracterização a sua proximidade de outros transtornos dos movimentos e transtornos psiquiátricos. A ST era considerada (até recentemente) rara, com baixíssima incidência na população mundial. Nos últimos anos, esta incidência vem crescendo em todo o mundo. Isto se deve provavelmente a maior disponibilidade de informações e conhecimento desta condição pelos profissionais de saúde. Estudos mais recentes mostram prevalência variando de 1% a 3%. Contudo, este dado depende, em parte, dos critérios e métodos utilizados e do tipo de estudo epidemiológico realizado. A ST é universal e independe de classe social ou de etnia, acometendo três a quatro vezes mais indivíduos do sexo masculino. Entre crianças e adolescentes, a prevalência de ST é dez vezes maior que entre os adultos. Isto caracteriza a gradual redução na sintomatologia a medida que os indivíduos envelhecem. Tiques são movimentos involuntários, rápidos, recorrentes e arrítmicos (também chamados de tiques motores, o popular “cacoete”). Podem se manifestar sob a forma de produções vocais, de início súbito e sem propósito aparente (os denominados tiques vocais). Habitualmente, envolvem pequenos e circunscritos grupos musculares. Em relação ao tempo de duração, os tiques podem ser classificados como transitórios (duram menos de um ano) ou crônicos (duram mais de um ano). Ambos os tiques (motores ou vocais) podem ser classificados como simples ou complexos. Geralmente, os pacientes com ST se apresentam inicialmente com tiques simples, evoluindo para movimentos mais complexos. Contudo, há que se ressaltar que o quadro clínico é muito variável. Os tiques podem ser leves e transitórios, ou se apresentar graves e potencialmente incapacitantes, como na ST. São exemplos do primeiro grupo: piscar olhos, contrações bruscas dos ombros e “caretas” (contrações dos músculos que compõem a mímica facial). Já os tiques motores complexos envolvem uma quantidade maior de músculos (e, consequentemente, movimentos de maior complexidade): pular, saltar, “cheirar” objetos, bater em si mesmo e imitar movimentos feitos por outra pessoa são bons exemplos. Um observador leigo e não orientado pode inclusive confundir os tiques complexos com atos propositais. Por outro lado, os tiques vocais (ou fônicos) ocorrem pelo movimento do ar pelas vias aéreas (nariz, boca e garganta), na forma de “pigarros”, sibilos e fungadas (classificados como tiques vocais simples). A repetição de palavras ou frases corpo (barriga, nádegas, pernas, braços etc.), mas eles surgem mais frequentemente envolvendo o rosto e a cabeça (como destacado previamente). Esses tiques motores e vocais mudam constantemente de intensidade e acredita-se não existam duas pessoas no mundo com os mesmos sintomas. O início da síndrome geralmente se manifesta na infância ou juventude, eventualmente atingindo estágios classificados como crônicos. Não raro no decorrer da vida adulta os sintomas gradativamente são amenizados e diminuem na frequência e intensidade do comprometimento. Ainda assim, ignoram-se as reais causas e, consequentemente, uma cura para a ST. Diante da ausência de condutas terapêuticas consagradas, o consenso entre os profissionais da área é que os tratamentos precisam ser individualizados por causa das possíveis reações adversas as drogas. A associação ao transtorno de déficit de atenção e hiperatividade é descrita de forma heterogênea na literatura (21% a 90%). Muitas das crianças afetadas pela ST e portadoras do transtorno de déficit de atenção e hiperatividade podem apresentar também deficiências de aprendizagem. A principal condição psiquiátrica associada (comorbidade) a ST é o TOC, presente em cerca de 50% dos portadores de ST. As manifestações obsessivo-compulsivas estão intimamente ligadas, tanto do ponto de vista genético quanto do ponto de vista fenomenológico. Outros comprometimentos frequentes são distúrbios de sono, ansiedade e depressão. Pesquisas aventam a possibilidade de que essas alterações façam parte dos próprios subtipos da ST. SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 3 • Maio • Junho de 2012 descontextualizadas (denominadas coprolalia, quando revestidas de caráter obsceno), a repetição de suas próprias palavras ou sons (palilalia) e a ecolalia (repetição de palavras e frases que ouviu de outros) são bons exemplos de tiques complexos. Também são freqüentemente observados compulsões e movimentos de balismo (simulando um arremesso), simétricos ou não (passíveis de ter natureza violenta, com eventual arremesso de objetos que estejam portando no momento do ato). Considero nunca ser demais ressaltar que a simples detecção de tiques não leva ao diagnóstico de ST, dado que vários estudos comprovaram que cerca de 10% das crianças da população em geral vão apresentar tiques em algum momento do seu desenvolvimento. Estes têm início em torno dos 5 a 10 anos de idade, com manifestação mais pronunciada dos 10 aos 13 anos. A boa notícia é que praticamente 90% dos casos de ST entram em remissão dos sintomas e mais de 40% não mais os apresentarão ao fim da adolescência. Não raro pacientes descrevem fenômenos sensoriais desagradáveis que precedem os tiques. Denominados “urgência premonitória” (ou “tiques sensoriais”), são sensações nas articulações, nos ossos, nos músculos ou em outras partes do corpo que evocam atos motores (com alívio do distúrbio sensorial). A natureza e significado desses sintomas ainda seguem incertos, gerando controvérsia. Alguns autores associam este tipo de manifestação a um subtipo de início precoce do transtorno obsessivo-compulsivo (TOC). Os tiques podem se manifestar em qualquer parte ou conjunto de partes do 5 SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 3 • Maio • Junho de 2012 6 Merece ênfase o fato de que os sintomas ocorrem involuntariamente. Raramente uma pessoa que sofre da síndrome consegue controlar ao mínimo seus tiques; jamais por períodos prolongados de tempo. Infelizmente a reação de muitas pessoas desinformadas ante as manifestações da ST é se esquivar do diferente, ou reprovar as atitudes, principalmente quando o afetado pela ST manifesta a coprolalia, vendo-se obrigado a repetir palavras obscenas e/ou insultos. Desnecessário destacar as consequências desse tipo de comportamento, que resulta em grave desvantagem no âmbito social. A ST é hoje considerada um distúrbio genético, de natureza neuropsiquiátrica, caracterizado por fenômenos compulsivos que, muitas vezes, resultam em uma série repentina de múltiplos tiques motores e um ou mais tiques vocais, durante pelo menos um ano, tendo início antes dos 18 anos de idade. São critérios de diagnóstico do DSM-IV-TR: • múltiplos tiques motores e um ou mais tiques vocais em algum momento durante a doença, embora não necessariamente ao mesmo tempo (um tique é um movimento ou vocalização súbita, rápida, recorrente, não rítmica e estereotipada); • os tiques ocorrem muitas vezes ao dia (geralmente em ataques), quase todos os dias ou intermitentemente, durante um período de mais de um ano, sendo que durante esse período jamais existe uma fase livre de tiques superior a três meses consecutivos; • a perturbação causa acentuado sofrimento ou prejuízo significativo no funcionamento social, ocupacional ou em outras áreas importantes da vida do indivíduo; • o início se dá antes dos 18 anos de idade; • a perturbação não se deve aos efeitos fisiológicos diretos de uma substância (por exemplo, estimulantes, como o metilfenidato e a cocaína) ou a uma condição médica geral (por exemplo, doença de Huntington ou encefalite pós-viral). Assim sendo, o diagnóstico da ST baseia-se na presença de sinais e sintomas característicos e na anamnese clínica. Atenção: atualmente, nenhum teste laboratorial confirma o diagnóstico da ST. Exames complementares se prestam a auxiliar no diagnóstico diferencial da ST, na exclusão de outros distúrbios passíveis de manifestações correlatas. Devido ao fato da ST ser uma síndrome (um conjunto de sinais e sintomas), são evidentes as dificuldades de diagnóstico diferencial: doença de Wilson, doença de Huntington, coréia de Sydenham, doença de Hallervorden-Spatz e outros tiques simples e múltiplos (vide Quadro 1). O processo diagnóstico pode se alongar, com muitos sintomas erroneamente atribuídos a outros transtornos psiquiátricos. Consequentemente, os pacientes podem ser submetidos a exames e tratamentos desnecessários e dispendiosos. Contudo, algumas peculiaridades do quadro clínico podem auxiliar no diagnóstico, principalmente: • múltiplos tiques motores e vocais; • início antes dos 18 anos de idade; • sintomas diariamente e por mais de um ano; Durante a última década, significativo progresso na investigação genética das causas da ST vem sendo observado. Há evidências de que a ST seja um distúrbio genético de caráter autossômico dominante, dada a freqüência de casos de tiques e manifestações obsessivo-compulsivas entre familiares dos portadores. No entanto, até o presente momento não se identificou um marcador genético definitivo. Destacam-se os estudos de neuroimagem, que vem viabilizando uma maior compreensão das bases neurais da ST. Do ponto de vista neuroquímico, diversas hipóteses sugerem o envolvimento do sistema dopaminérgico na patogênese da ST, uma vez que antipsicóticos (antagonistas da dopamina) são eficazes no tratamento desta doença, promovendo grande redução na freqüência dos tiques. Já os estimulantes (como o metilfenidato, a cocaína, a pemolina e a L-dopa) causam piora do quadro. Estes dados sugerem alguns mecanismos de envolvimento do sistema dopaminérgico: anormalidades na liberação de dopamina, hiperinervação dopaminérgica e hipersensibilidade dos receptores dopaminérgicos. Anormalidades no reflexo de piscar os olhos também sugerem aumento na atividade central dopaminérgica. Estuda-se o papel de outros neurotransmissores, visto que não se pode excluir ser esta uma síndrome multicausal. Uma vez diagnosticada a ST em um indivíduo, aspectos diretamente relacionados aos sintomas, como a localização, freqüência, intensidade, complexidade e interferência na vida diária dos pacientes, devem ser cuidadosamente avaliados antes de se iniciar qualquer conduta terapêutica. O diagnóstico e tratamento precoces são essenciais, a fim de reduzir ou evitar possíveis conseqüências psicológicas para o paciente. A escolha do tipo de tratamento deve ser apropriada para cada portador da ST, podendo incluir abordagem farmacológica e psicológica. Esta última, além do tratamento psicoterápico do paciente, orienta pais, familiares e pessoas próximas sobre as características da doença e o modo de lidar com o indivíduo afetado. A natureza intencional dos tiques permite uma abordagem terapêutica comportamental, com o objetivo de reduzir sua freqüência através da interrupção da seqüência estímulo-resposta. A reversão de hábito tem se mostrado eficaz para o tratamento dos tiques na ST. Os tratamentos farmacológicos disponíveis nem sempre são eficazes e bem tolerados pelo organismo. O uso de medicamentos ou outras técnicas podem trazer tanto benefícios quanto efeitos colaterais e, portanto, a abordagem farmacológica deve ser considerada somente quando os benefícios da intervenção forem superiores aos efeitos adversos. Além disso, fatores psicológicos e sociais podem influenciar na evolução da resposta terapêutica em pacientes com ST. Até o momento a ST não tem cura - o tratamento farmacológico é utilizado para o alívio e controle dos sintomas apresentados. O medicamento é administrado em pequenas doses, com aumentos graduais até que se atinja o má- SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 3 • Maio • Junho de 2012 • manifestações não sugerem uma reação adversa (por exemplo, após uso de estimulantes, como os utilizados para o tratamento da hiperatividade e déficit de atenção); • comprometimento social, ocupacional e/ou emocional. 7 ximo de supressão dos sintomas (com o mínimo de efeitos colaterais). A posologia varia para cada paciente, com necessidade de avaliação acurada do médico. Um programa terapêutico multidisciplinar deve ser estabelecido, em colaboração com familiares e o paciente, visando o apoio psicológico e a reintegração social do mesmo. A educação de pais, professores e colegas é fundamental para o sucesso do tratamento. Coleguinhas de classe podem ser orientados e treinados para dar apoio aos indivíduos com ST. Saber do caráter involuntário dos tiques e que não se tratam de uma maneira fugidia de atenção são informações importantes para um bom acolhimento na escola. Informações sobre a variação já conhecida na intensidade e gravidade dos sintomas, sua capacidade de suprimir os tiques por um determinado tempo, que é totalmente inadequado sinalizar a presença dos tiques, exigir que os suprimam, enfim, Patolo- são todas informações muito úteis aos que cercam os portadores de ST. Leia também: 1. Hounie AG, Miguel-Filho EC. Tiques, cacoetes e síndrome de Tourette: um manual para pacientes, seus familiares, educadores e profissionais de saúde (2ª. Edição). Porto Alegre: Artmed, 2012. 2. Loureiro NIV et al. (2005) Tourette: por dentro da síndrome. Rev Psiq Clín 32(4): 218-30. http://www.hcnet.usp.br/ipq/ revista/vol32/n4/218.html 3. Extraído de Loureiro NIV et al. (2005) Tourette: por dentro da síndrome. Rev Psiq Clín 32(4): 218-30. http:// www.hcnet.usp.br/ipq/revista/vol32/ n4/218.html 4. Extraído de Loureiro NIV et al. (2005) Tourette: por dentro da síndrome. Rev Psiq Clín 32(4): 218-30. http:// www.hcnet.usp.br/ipq/revista/vol32/ n4/218.html Definição Quadro clínico Diagnóstico diferencial Tratamento Distúrbio genético de natureza neuropsiquiátrica, caracterizada por tiques e por várias manifestações comportamentais. Presença de uma série repentina de múltiplos tiques motores e um ou mais tiques vocais durante pelo menos um ano, tendo início antes dos 18 anos que podem incluir distúrbio obsessivo-compulsivo e problemas relacionados com a atenção e a aprendizagem. Sinais e sintomas característicos do surgimento desses sintomas e exames complementares (EEG, tomografia ou análise sanguineas). A tranquilização e a terapia comportamental em casos leves. O uso de fármacos, como os antagonistas dos receptores de dopamina, como o haloperidol, para diminuição dos tiques que provocam desconforto físico ou embaraço social. gia SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 3 • Maio • Junho de 2012 Síndrome de Tourette 8 Patolo- Definição Quadro clínico Diagnóstico diferencial Tratamento Um movimento ou vocalização súbita, rápida, recorrente, não rítmica e estereotipada. Movimentos involuntários, abruptos, súbitos, isolados e breves (tiques motores simples ou complexos); sons produzidos pelo nariz, pela boca ou pela garganta (tiques vocais/fônicos); ou sensações (tiques sensoriais). Caracterísitcas peculiares como a supressibilidade dos tiques, seu aumento com a presença de estresse e excitação, diminuição com a distração e a concentração, sugestibilidade, aparecimento, desaparecimento ou persistência durante o sono. Clonazepam, clonidina, haloperidol, flufenazina ou pimozida. Doença Distúrbio de Wilson hereditário do metabolismo do cobre em indivíduos com dois genes mutantes ATPTB. Discinesia e tiques, comprometimento hepático e renal, anéis de Kayser-Fleischer nas córneas, níveis séricos de cobre e de ceruloplasmina reduzidos, com aumento da excreção urinária de cobre em 24 horas. Acúmulo tóxico do metal no fígado, cérebro e outros órgãos, manifestações clínicas, geralmente na metada da adolescência. Pacientes com menos de 40 anos com: um distúrbio inexplicado do sistema nervoso central, sintomas de hepatite, hepatite crônica ativa, elevações inexplicadas de aminotrasferases séricas, anemia hemolítica na presença de hepatite ou cirrose inexplicada e em pacientes com parentes com doença de Wilson. Confirmação por dosagem no sangue de ceruloplasmina (< 20 mg/dL) e anéis de Kayser-Fleischer ou de ceruloplasmina (20 mg/dL) e cobre (> 250 u/g) em uma amostra de biopsia hepática. Remoção e desintoxicação dos depósitos de cobre com uso de penicilamina ou trientina. Tiques SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 3 • Maio • Junho de 2012 gia 9 Patolo- Definição Quadro clínico Diagnóstico diferencial Tratamento Doença de Huntington Distúrbio cerebral genético degenerativo autossômico dominante. Coréia e distúrbio do comportamento, distúrbio do movimento levando à incapacitação, abalos e movimentos frequentes, irregulares e bruscos de todos os membros ou do tronco, caretas, gemidos e articulação deficiente da fala, marcha desarticulada e incoordenada com características dançante (coréica), depressão, apatia e irritabilidade, alterações cognitivas (perda de memória recente e alteração do julgamento). Ocorre entre os 40 e 50 anos de idade, com ampla faixa de variação na idade de início (infância até mais de 75 anos). Combinação de Coréia, distúrbios emocionais, demência progressiva e história familiar sugestiva de herança autossônica dominante. Testes genéticos. Tratamento com fenitiazina, haloperidol, benzodiazepínico ou olanzapina. Coréia de Sydenham Manifestação neurológica da febre reumática de base auto-imune, manifestando-se frequentemente me consequência de infecção por estreptococos. Febre reumática ou poliartrite, compromentimento cardíaco, movimentos involuntários, rápidos, irregulares e sem finalidade dos músculos dos membros, face e troncoç diminuição da força muscular, hiporonia muscular e instabilidade emocional. Ocorre na infância. Diagnóstico por exclusção, baseado na presença de movimentos coréicos típicos. Profilaxia secundária para a prevenção do episódio recorrentes de febre reumática. Repouso e proteção da cabeça e extremidades contra traumatismos quando ocorrer os movimentos involuntários intensos. Tratamento sintomático capaz de controlar os movimentos anormais. Clorpromacina, haloperidol ou carbamacepina. SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 3 • Maio • Junho de 2012 gia 10 Patolo- Definição Quadro clínico Diagnóstico diferencial Tratamento Doença de herança autossômica recessiva. Demência progressiva na infância ou idade adulta, bradicinesia, rigidez e espasticidade combinados de modo variável com distonia, coreoatetose, ataxia, convulsões, amiotrofia e retinite pigmentar, deterioração cognitiva progressiva. O diagnóstico definitivo baseia-se em necropsia observando-se marcada hipo-intensidade do globo pálido e da substância negra, devido ao acúmulo de ferro nessas estruturas. Terapia com baclofeno intratecal pode trazer benfício para alguns pacientes com distonia generalizada. *Evelyn Kuczynski, Pediatra. Psiquiatra da Infância e da Adolescência. Doutora pela FMUSP. Médica Assistente do HC-FMUSP. Pesquisadora voluntária do Laboratório Distúrbios do Desenvolvimento do Departamento de Psicologia Clínica do IP-USP. Contato: [email protected] SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 3 • Maio • Junho de 2012 gia Doença de Hallervorden-Spatz 11 entre v ista O que é a epilepsia? Quando e por quem foi descoberta? SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 3 • Maio • Junho de 2012 Maria Sigride Thomé de Souza* - neurologista Por Leandra Migotto Certeza** 12 A ILAE (International League Against Epilepsy) e o IBE (International Bureau for Epilepsy) definem epilepsia como uma condição neurológica que se caracteriza por predisposição contínua a gerar crises epilépticas com consequências neurobiológica, cognitiva, psicossocial e social. A definição de epilepsia requer a recorrência de pelo menos uma crise epiléptica ou a possibilidade de recorrência. Desta forma, não se trata de uma condição patológica única, mas de uma variedade de síndromes que refletem disfunção cerebral de base resultante de diferentes causas. A crise epiléptica, per se, é definida como a ocorrência transitória de sinais e/ou sintomas devido à atividade neuronal anormal síncrona e excessiva. Dentro deste contexto, há elementos que são importantes para a definição da epilepsia, sendo eles: a) modo de início e término das crises; b) manifestações clínicas e; c) intensificação da sincronização anormal. Existem também elementos primordiais da definição, que são: a) história de pelo menos uma crise; b) alterações persistentes no cérebro que aumentam a probabilidade de futuras crises e; c) associação de transtornos neurobiológicos, cognitivos, sociais e psicossociais. A história da epilepsia é, provavelmente, tão antiga quanto da espécie humana. Os povos antigos acreditavam que os epilépticos eram tomados, possuídos, por maus espíritos e de- mônios, o que explica a etimologia do nome epilepsia, do grego epilambanein, que significa tomar, capturar e possuir. Tem-se notícia que, entre 400 aC. e 200 dC, Hipócrates, acompanhado por Arateus, Celsus e Plínius, centraram seus estudos na identificação da epilepsia como uma doença do cérebro e não de uma origem divina, sagrada ou demoníaca. Data, portanto, dessa época a definição da condição epiléptica como de natureza clínica. Avanços significativos apareceram ao longo do tempo até a segunda metade do século XVIII, quando o médico suíço Samuel Auguste Tissot apontou a epilepsia como fenômeno decorrente de lesões cerebrais, como tumores, AVCs e traumatismos, e que o estudo destas lesões seria fundamental para a compreensão da doença. Qual a origem da síndrome? É genética e hereditária? Qual a maior incidência em homens ou mulheres? Por quê? Pode surgir em qualquer idade? A epilepsia pode ser de origem genética, sintomática (secundária a algum insulto cerebral, por exemplo: anóxia, tumores, traumatismos, alterações metabólicas, malformações cerebrais, acidente vascular cerebral ou fazer parte de uma doença sistêmica) ou provavelmente sintomática quando suspeitamos de uma lesão cerebral, mas não observamos essas alterações com os exames que temos disponíveis atualmente. quando se comparou a epilepsia ativa e inativa, houve diferença, sendo que a taxa de epilepsia ativa é mais alta nas classes econômicas mais baixas. Quais os principais sinais físicos que podem caracterizar a síndrome? Os sinais nem sempre são somente físicos, pois as crises epilépticas podem apresentar diversas manifestações clínicas, sendo estas: a) Sinais motores (versão forçada da cabeça, movimentos involuntários ou posturais dos braços ou pernas, sons fonatórios, andar sem direção etc); b) Sintomas sensoriais (alucinações auditivas, visuais, olfatória, gustativa e vertigens); c) Sinais e sintomas autonômicos (palidez, sensação epigástrica, sudorese, pilo ereção, dilatação pupilar, enrubescimento etc); d) Sintomas psíquicos (afetivos: como medo ou raiva, estados de sonho, distorções do tempo, sensação que já esteve em algum lugar previamente ou não, etc). Quais as diferenças e semelhanças entre os tipos de epilepsia e suas características? Explique cada tipo e dê exemplos de o que ocorrem em cada caso. As epilepsias podem ser parciais (focais) ou generalizadas, e se subdividem em idiopáticas (genéticas), criptogênicas (provavelmente sintomáticas) e sintomáticas (estruturais/ metabólicas). As epilepsias generalizadas idiopáticas são em geral geneticamente determinadas, como por exemplo, na mutação no canal de potássio, SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 3 • Maio • Junho de 2012 A epilepsia é uma condição neurológica séria que está entre as mais comuns no mundo. Na população em geral, 3% das pessoas serão portadoras de epilepsia em algum momento de suas vidas. No estudo de Rochester - Minnesota (EUA), de 1935 a 1984 foi observada incidência de 44 casos por 100.000 ao ano, com maior incidência entre homens. Nesse estudo, foram observados dois picos distintos, no primeiro ano de vida; e um segundo ainda maior, nas pessoas com idade igual ou superior aos 75 anos. Sendo assim, a incidência de crises epilépticas é maior na infância e na adolescência quando comparada com aquela que ocorre na vida adulta. A predisposição à expressão clínica da epilepsia difere com a idade. Assim sendo, as crianças e adolescentes, principalmente no primeiro ano de vida, são mais vulneráveis, com decréscimo na vida adulta e incremento na terceira idade. A incidência de epilepsia na população varia de 0,5 a 1,5%, sendo superior nos países em desenvolvimento. Em estudo realizado no Brasil, nas cidades de Campinas e São José do Rio Preto, observou-se prevalência de epilepsia ao longo da vida de 9,2/1000 e de epilepsia ativa em 5,4/1000 indivíduos. Na população economicamente produtiva (20 a 58 anos), mais que um terço dos portadores de epilepsia ativa, não tinha tratamento adequado e quando se extrapola tais dados à população brasileira (170 milhões) sugere-se que em um milhão de pessoas portadoras de epilepsia, aproximadamente 380.000 estão desprovidos de tratamento adequado. Outra observação importante foi com relação ao intervalo entre o início da epilepsia e o tratamento, onde não se observou diferença entre classes sócio-econômicas, mas 13 SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 3 • Maio • Junho de 2012 14 canal de sódio ou de canais de cloro, assim como dos canais ligantes de acetilcolina e receptores GABAA (ácido gaba amino butírico, subunidade A). A clínica das síndromes muitas vezes tem múltiplas possibilidades genéticas, assim como mutação em um gene levando a várias síndromes epilépticas diferentes. Nas epilepsias secundárias ou generalizadas sintomáticas, podem ocorrer lesões macro ou microscópicas, com distribuição difusa entre os hemisférios cerebrais. Nas epilepsias focais, as crises epilépticas se originam em uma determinada região cortical, determinando assim o foco epiléptico, com provável alteração estrutural macro ou microscópica, com etiologias variadas. Esta alteração estrutural interfere com o controle da atividade elétrica cerebral e induz os grupos neuronais envolvidos a gerarem atividade elétrica de intensidade excessiva, de forma sincrônica e mantida no tempo, provocando, assim, crises epilépticas. As crises se iniciam de forma localizada e podem se espraiar recrutando outras áreas cerebrais, sendo a clínica determinada de acordo com a área de início da crise epiléptica. Nas epilepsias focais, observa-se alteração funcional, no período entre as crises, devido a alterações patológicas focais (por exemplo, tumor) ou mais raramente em virtude de mutação genética (por exemplo, epilepsia autossômica dominante do lobo frontal). desse exame, algumas vezes é possível orientar o pedido de ressonância magnética, pois no local da atividade epileptiforme pode existir uma lesão cerebral. Nesse exame é possível observar lesões na estrutura do cérebro com mais acurasse, como por exemplo, malformação cerebral pequena. Temos outros exames disponíveis, principalmente quando estamos frente a um quadro de epilepsia de difícil controle e existe a possibilidade de intervenção cirúrgica, são estes: SPECT (Tomografia Computadorizada por Emissão de Fóton Único) e PET (Tomografia por Emissão de Pósitrons) para observar anormalidades da perfusão cerebral em pacientes com epilepsia focal; Vídeo-eletroencefalograma – Exame para análise da localização cerebral do início das crises, melhor caracterização dos sinais e sintomas do tipo de crise que o paciente apresenta e diagnóstico diferencial com outras doenças que podem mimetizar crises epilépticas, como por exemplo: síncope. O diagnóstico é realizado pela história clínica e exames complementares citados anteriormente. Os exames de eletroencefalograma e vídeo-eletroencefagrama são realizados por especialistas em neurofisiologia clínica. Como é feito o diagnóstico? Quais são os critérios básicos? Por qual especialista? Sim, na vida adulta as cormorbidades psiquiátricas mais observadas são depressão - 30%, ansiedade - 10 a 25%, psicose – 2 a 7% e transtorno de personalidade – 1 a 2%. Na infância e adolescência as comorbidades são TDAH (Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade) – 14 a 38%, O exame primordial para o diagnóstico de epilepsia é o eletroencefalograma, pois o mesmo analisa a atividade elétrica cerebral e identifica suas anormalidades. A partir Existe ligação entre a epilepsia e outras patologias? Como a síndrome afeta a vida das pessoas? Quais as maiores dificuldades na sociedade, na escola, trabalho e demais ambientes? Muito mais do que definir a epilepsia como a possibilidade de recorrência ou potencial recorrência de crises, para muitos pacientes a epilepsia se trata de uma condição que envolve transtornos de comportamento e problemas cognitivos interictais (entre as crises) e pós-ictais (após as crises). Essas pessoas podem sofrer estigma, exclusão, restrição, superproteção e isolamento, como parte da condição. A possibilidade de recorrência e a imprevisibilidade das crises podem ter impacto psicológico nos familiares e pacientes. Quais são os tratamentos indicados para amenizar os sintomas da síndrome? Existe cura? Tratamento medicamentoso com drogas anti-epilépticas, é usado na maioria dos casos de epilepsia. A dieta cetogênica, que consiste em utilizar os corpos cetônicos como fonte de energia, geralmente também é usada em epilepsias que não responderam somente ao tratamento medicamentoso. O estimulador do nervo vagal, uma espécie de marca passo, colocado sob a pele na axila esquerda e um fio subcutâneo que o conecta ao nervo vago esquerdo, emitindo impulsos elétricos com o objetivo de interromper as crises epilépticas, também pode ser utilizado. O implante cerebral profundo, ainda é pouco utilizado em alguns centros de epilepsia e em alguns tipos específicos de epilepsia. Já a cirurgia, somente quando temos uma lesão bem definida que é responsável pelas crises do paciente, além de não estar localizada numa área motora ou de linguagem. A cura depende do tipo de crise do paciente e da resposta satisfatória ao tratamento utilizado (medicamentoso ou cirúrgico). Quando é indicado tratamento com medicamentos? Quais são os principais ministrados? Quais os resultados obtidos? Quais os remédios que estão sendo testados no Brasil? Os primeiros 5 anos no tratamento das crises epilépticas são fundamentais, pois aproximadamente 65% dos pacientes com epilepsia de início recente apresentam uma boa resposta ao tratamento medicamentoso. As crises recorrem em 5% desses indivíduos e 35% evoluem com controle ineficaz das crises epilépticas. No Brasil temos disponíveis uma gama de drogas anti-epilépticas sendo estas, o fenobarbital, fenitoína, primidona, carbamazepina, oxcarbazepina, valproato de sódio, etossuximida, benzodiazepínicos, gabapentina, topiramato, vigabatrina, lamotrigina, e algumas ainda não disponíveis no Brasil (sulthiame, rufinamida, zonizamida, pregabalina, fosfofenitoína, levetiracetam, eliscarbazepina, lacosamida e estirepentol). Vinte a 30% dos pacientes com epilepsia não terão suas SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 3 • Maio • Junho de 2012 Transtornos de humor e ansioso – 16 a 31%, e psicose, rara em crianças – 10%. É importante ressaltar que existe uma prevalência de depressão de 20 a 55% em pacientes com epilepsia de difícil controle. Quando abordamos as taxas de suicídio observamos um índice 3 a 5 vezes maior quando comparado a população em geral, sendo 25 vezes maior em pacientes com epilepsia do lobo temporal. 15 crises adequadamente controladas por drogas antiepilépticas (DAE), caracterizando as epilepsias refratárias. Quando é indicado o acompanhamento psicológico e o psiquiátrico? Aliado ou não ao tratamento medicamentoso? Quando qualquer sinal de alerta for observado pelo profissional de saúde que acompanha esse indivíduo, principalmente pelo impacto na sua qualidade de vida ou suspeita de comorbidades que possam estar associadas, aliado ou não ao tratamento medicamentoso, quando este se fizer necessário. SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 3 • Maio • Junho de 2012 Qual a evolução nos diagnósticos e tratamentos da síndrome no Brasil e no mundo? Falta campo para pesquisas nesta área? Quais as universidades se dedicam ao tema no país? O que precisa ser feito ampliar o interesse dos jovens para estas pesquisas? 16 Existem diversos estudos conduzidos em todo o mundo, assim como no Brasil; onde temos excelentes profissionais e centros de pesquisa com estudos clínicos e experimentais, avanços em novas abordagens cirúrgicas, estudos medicamentosos, técnicas de imagem, estudos genéticos e tratamentos alternativos. Não acredito que falte campo para pesquisa e sim maior investimento e auxílio material aos profissionais que fazem pesquisa, na verdade um melhor reconhecimento a quem faz pesquisa no Brasil. Várias universidades brasileiras se dedicam ao estudo de epilepsia, com alguns dosa maiores centros em São Paulo, como o Hospital das Clínicas – HCFMUSP, UNIFESP, Universidade de Ribeirão Preto e Universidade de Campinas, assim como outros centros em no Rio Grande do Sul e Goiânia, e provavelmente outros que conduzem tais pesquisas. Para ampliarmos o interesse dos jovens nesse campo é preciso uma maior divulgação do que é epilepsia e os vários campos de pesquisa existentes. Quais especialistas e tratamentos estão à disposição no SUS – Serviço Único de Saúde? Temos disponíveis neuroclínicos, neurocirurgiões, neurologistas infantis e psiquiatras. Os tratamentos disponíveis são os medicamentosos (drogas antiepilépticos), cirúrgicos e os exames (eletroencefalograma, vídeo-eletroencefalograma, ressonância magnética de encéfalo e SPECT) Em que área a senhora atua no diagnóstico e/ou tratamento de pacientes com a epilepsia? Em quais locais? Desde quando? Mencione um caso de um paciente (sem citar nome, mas informando a idade e característica principais do diagnóstico) que conseguiu adquirir maior qualidade de vida após tratamento. Sou neurologista infantil, neurofisiologista clínica e epileptóloga. Atualmente sou médica supervisora do Laboratório de Neurofisiologia Clínica do Departamento de Psiquiatria do Hospital das Clínicas FMUSP e também trabalho na prefeitura de Cotia no ambulatório de neurologia infantil. No Hospital das Clínicas estou desde 1999 quando fiz a residência e posteriormente contratada. É difícil citar um caso, pois temos várias pessoas que tiveram uma impressionante melhora na sua qualidade de vida. Faço um ambulatório de epilepsia de difícil controle e acredito que um dos casos que mais me emocionou foi de uma criança de 6 anos, que veio da Bolívia. A mãe viajou de ônibus trazendo a criança no colo tendo várias crises epilépticas, pois havia sido desenganada na sua cidade natal. Na primeira consulta me deparei com uma criança em cadeira de rodas, com olhar vago e usando babador devido à intensa salivação. Ao eletroencefalograma e ressonância magnética observamos que um lado do cérebro estava totalmente comprometido e outro lado ainda se encontrava preservado, mas apresentava crises epilépticas contínuas. Inicialmente tentamos tratamento medicamentoso, sem resposta satisfatória, quando então propusemos a cirurgia, uma hemisferectomia, ou seja, o desligamento e retirada parcial de um lado do cérebro. Apesar de todos os riscos, a criança foi submetida a esta cirurgia delicada e prolongada (12 horas). Após três meses essa criança entrou no meu consultório e me disse: “Olá Doutora”... Eu simplesmente fiquei paralisada e extremamente feliz. Atualmente ele é independente apesar de leve dificuldade motora e cognitiva. *Maria Sigride Thomé de Souza concluiu o Mestrado e o Doutorado pelo Hospital das Clínicas – FMUSP, é Especialista em Neurofisiologia Clínica e Infantil, além de Pediatria. Também é Médica pesquisadora do Projeto CINAPCE (Cooperação Interinstitucional de Apoio a Pesquisas sobre o Cérebro), e Médica Supervisora do Laboratório de Neurofisiologia Clínica do Departamento de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. **Leandra Migotto Certeza é jornalista e repórter especial da Revista Síndromes. Ela tem deficiência física (Osteogenesis Inperfecta), é assessora de imprensa da ABSW e consultora em inclusão no blog “Caleidoscópio – Uma janela para refletir sobre a diversidade da vida” - http:// leandramigottocerteza.blogspot.com/. Conheçam os modelos de palestras, oficinas, cursos e treinamentos sobre diversidade, realizados em empresas, escolas, ONGs, centros culturais e grupos de pessoas no site: https://sites.google.com/site/leandramigotto/ Qual mensagem a senhora deixa para os profissionais de saúde, pesquisadores, estudantes, pessoas com a síndrome e seus familiares? SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 3 • Maio • Junho de 2012 A epilepsia é uma condição que tem impacto na qualidade de vida, mas com diagnóstico correto e precoce, além de informações e conhecimento da sua evolução, podemos mudar a vida não só do paciente, mas da família e do seu meio social. É preciso maior divulgação e conhecimento do manejo da mesma para que possamos acabar com o preconceito e desinformação que talvez seja o pior lado dessa condição neurológica. 17 desen v olv imento O desenvolvimento moral SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 3 • Maio • Junho de 2012 carolina Rabello Padovani* 18 “João está mentindo na escola e estamos assustados com esse tipo de comportamento”, “Maria tem sido agressiva, batido em colegas e roubado coisas”. Essas são algumas das queixas e preocupações de pais e educadores trazidas aos consultórios de profissionais da área de saúde infantil. Diversas questões podem ser levantadas na compreensão de um comportamento, seja na tentativa de entender o motivo pelo qual ele ocorre ou a razão pela qual ele se mantém. Além disso, queixas semelhantes podem ser configuradas em diferentes diagnósticos, prognósticos e tratamentos. Por exemplo, tomemos uma criança que agride seus colegas. Será que ela os agride porque não consegue inibir comportamentos, sendo uma criança impulsiva? Ou será que o ambiente é que não está sendo suficientemente adequado em responder a estes comportamentos? Outro exemplo, uma criança está mentindo na escola. Ela está tentando escapar de uma punição ou conseguir algo? No geral, nossas questões principais são: seria o caso de uma dificuldade na relação interpessoal, expressão de um sofrimento psíquico ou uma alteração cognitiva? Frequentemente a pergunta latente dos pais e dos agentes da equipe escolar parece ser esta: já cruzamos a linha que delimita o normal e o patológico? Atualmente, bullying é a palavra da vez. Certamente as alterações comportamentais observadas nas crianças correspondem às principais razões pelas quais são levadas a psicólogos e psiquiatras da infância. Em parte, elas aparecem porque, grosso modo, a criança passa a ser foco de atenção quando atrapalha. Em outras palavras, a criança é encaminhada a um profissional quando ela incomoda tanto o ambiente escolar quanto o familiar. Mas será que estamos hoje mais preocupados com a moral e os bons comportamentos? O que nos torna seres morais e por quais motivos parecemos não ser? Obviamente, não estamos aqui para discutir o que é certo ou errado. Não iremos legislar e teorizar ao mesmo tempo. A questão é que discutir determinados comportamentos humanos implica pensarmos o fenômeno em suas diferentes facetas. Uma delas seria caminharmos para a questão moralidade e como é seu desenvolvimento. Antes vamos a alguns balizamentos. Por que começamos falando de crianças? A ideia de que o comportamento se desenvolve, ou seja, que há um aumento da complexidade, uma evolução da criança para o adulto é mais recente do que se possa imaginar. Somente a partir do século XIX que a criança deixa o status de adulto em miniatura e começa a ter valor próprio. Mais claramente a partir do A psicologia da criança estuda o crescimento mental ou, o que vem a dar no mesmo, o desenvolvimento das condutas, (isto é, dos comportamentos, incluindo a consciência), até a fase de transição constituída pela adolescência, que marca a inserção do indivíduo na sociedade adulta. (Piaget, 1980). Dessa forma, entendemos que o comportamento se desenvolve. Sendo mais específicos, podemos dizer que tomamos a criança como um ser constituído de um “equipamento” genético constitucional, sobre o qual o “investimento” ambiental inscreverá suas características, fazendo com que ela cresça não somente mantendo um padrão de desenvolvimento característico da espécie, mas também com características singulares que a farão um ser único e irreprodutível (Assumpção-Junior, 2008). Certamente temos claro que a ideia de desenvolvimento pode e deve abarcar uma série de situações humanas sem esquecer que as condutas estão ligadas tanto à maturação dos sistemas cerebrais quanto às relações estabelecidas com o ambiente. Por isso, precisam ser observados os aspectos biológicos e os estágios do desenvolvimento da aprendizagem. Neste momento, cabe uma distinção, pois faremos um recorte: estaremos falando sobre o desenvolvimento da moral. Então podemos perguntar: como a moral se desenvolve? Ou ainda, como é a gênese da moralidade na criança? E se tentamos responder de forma sucinta o que é desenvolvimento, o que seria a moral? A “ciência dos costumes” proposta no início do século XX representou um esforço intelectual para pensar as ações humanas na busca por compreender os comportamentos por meio de determinados modelos. O pensamento filosófico e as morais teóricas se debruçaram principalmente sobre o que “deve ser”, “o que é certo ou errado”, “o bem e o mal”. Nossa questão é simplesmente de outra ordem. Como dissemos anteriormente, não iremos teorizar e legislar ao mesmo tempo. Até porque, como afirma Levy-Bruhl (1902), “não há nem pode haver uma moral teórica”. Representante de um dos fundamentos da abordagem científica da moralidade humana, Levy-Bruhl escreve que “uma moral, mesmo quando quer ser teórica, é sempre normativa e, justamente, porque é normativa, nunca é realmente teórica”. Ademais, vale lembrar que a moral pode ser questionada e definida conforme o contexto sócio-histórico. Consequentemente o que é hoje uma questão moral e ética pode nem sempre ter sido assim. Por exemplo, na antiguidade, os deficientes eram abandonados ou exterminados sem que isso se configurasse como uma questão moral. A ideia predominante era que eles representavam um ônus social e financeiro uma vez que não poderiam trabalhar ou gerar riquezas. Outro ponto importante a ser esclarecido é que diferentes autores também se debruçaram sobre a questão da gênese SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 3 • Maio • Junho de 2012 século XX, passamos a desenhar uma psicologia da criança como um campo autônomo de conhecimento, especialmente edificada pelos estudos de Piaget, calcado em um modelo de pensamento oriundo da biologia e fortemente influenciado pelo modelo darwiniano. 19 da moralidade infantil. Tomemos o exemplo de Werger: SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 3 • Maio • Junho de 2012 “Pensemos num menino pequeno, Pedrinho, que frequentemente puxa o cabelo da irmã. Podemos estudar suas emoções para descobrir se ele sente-se arrependido posteriormente e usar a culpa como uma medida de moralidade; podemos estudar seu comportamento, usando o critério de resistência à tentação como medida de moralidade; podemos estudar a estrutura cognitiva de Pedrinho e usar a maturidade de seu raciocínio sobre a moralidade como um critério; ou podemos estudar a situação interpessoal, usando, como critério moral, sua habilidade em interagir com outros com sucesso.” (Werger, 1978). 20 Do ponto de vista da psicanálise, uma das maiores contribuições de Freud ao estudo da subjetividade humana, representou uma alteração na compreensão da criança. A abordagem psicanalítica trouxe a gênese da consciência moral a partir da internalização da instância superegóica. Nos estudos sobre o funcionamento psíquico, Freud (1940) emplacou a ideia de que temos três instâncias psíquicas: o id, o ego e o superego. O id corresponde a tudo o que é herdado, presente no nascimento e, portanto, os instintos. Com a influência do mundo externo, uma parte do id sofre um desenvolvimento especial. Surge o ego, com a finalidade de auto-preservação, cuja missão é descobrir o jeito mais favorável para satisfazer um desejo levando em conta o meio externo. A influência parental permite a estruturação do superego, como uma força que implica em uma limitação das satisfações, uma terceira força que o ego precisa levar em conta. Freud irá ressaltar que a instância superegóica é a herdeira do complexo de Édipo, fase em que a criança identifica-se com uma das figuras parentais e a outra passa a ser objeto de desejo. Simplificadamente, como não é possível ter a mãe ou o pai, a dramática edipiana abarca a renúncia da realização dos desejos infantis e as restrições sociais. Eis, para a psicanálise, a essência conflitiva do desenvolvimento moral. Para Piaget (1932), em sua interação com o meio, a criança adquire um modelo interno preciso da realidade em estágios sucessivos. Por mais que encontremos separações desses estágios por idades, na verdade, há uma continuidade sem interrupção, em que um determinado esquema é substituído por outro conforme as aquisições da criança. A diferença no estudo de Piaget sobre o julgamento moral é o estudo do aspecto intelectual da moralidade e não do aspecto emocional como para Freud ou comportamental como o é para a área da aprendizagem social. Dessa forma, a teoria do desenvolvimento cognitivo enfatiza o raciocínio moral da criança: razões que estão por trás dos julgamentos sobre o certo e o errado. Piaget levanta questões como: o que vem a ser o respeito à regra, pela própria criança? Segundo o autor, “toda moral consiste num sistema de regras, e a essência de toda moralidade deve ser procurada no respeito que o indivíduo adquire por essas regras”. O que a criança aprende a respeitar, ou seja, as regras morais são transmitidas pela maioria dos adultos, estando já elaboradas. O valor das regras é modificado conforme a idade da criança. Prática Caracte- Descrição da regra rística Primeiro Motor e estágio individual Segundo estágio Terceiro estágio Quarto estágio A criança manipula conforme seus desejos hábitos motores (regras motoras e não propriamente coletivas) Egocêntrico Entre os dois e cinco anos, a criança recebe do exterior o exemplo de regras codificadas. Jogam cada uma para si (todas podem ganhar ao mesmo tempo) e sem cuidar da codificação das regras. CooperaEntre os sete ou ção oito anos, o jogador pretende vencer os companheiros e surge a necessidade de controle mútuo e de unificação das regras. Codificação Aos onze/doze anos, das regras código de regras a seguir, com notável concordância entre os participantes. Consciência Característica da regra Primeiro estágio A regra ainda não é coercitiva, mas puramente motora. Segundo estágio A regra é considerada como sagrada e intangível. Modificar é igual a transgredir. Terceiro estágio A regra é considerada uma lei imposta pelo consentimento mútuo, mas pode ser transformada desde que por consenso geral. Piaget, ainda, argumenta que o desenvolvimento da moral abrange três fases, denominadas: • Anomia (crianças até 5 anos): É a consciência centrada no eu. Geralmente a moral não se coloca, com as normas de conduta sendo determinadas pelas necessidades básicas. Porém, quando as regras são obedecidas, são seguidas pelo hábito e não por uma consciência do que se é certo ou errado. Um bebê que chora até que seja alimentado é um exemplo dessa fase. • Heteronomia (crianças até 9, 10 anos de idade): A consciência é tomada emprestada do outro. Toda consciência da obrigação ou do caráter necessário de uma regra supõe um sentimento de respeito à autoridade do outro. O certo é o cumprimento da regra e qualquer interpretação diferente desta não corresponde a uma atitude correta. Um homem pobre que roubou um remédio da farmácia para salvar a vida de sua esposa está tão errado quanto outro que assassinou a esposa, seguindo o raciocínio heteronômico. • Autonomia: legitimação das regras. O respeito a regras é gerado por meio de acordos mútuos. É a última fase do desenvolvimento da moral. O pensamento autônomo e lógico desenvolve-se SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 3 • Maio • Junho de 2012 Consequentemente, os pequenos tendem a respeitar as regras dirigidas pelos maiores e os maiores podem modificar as regras ao seu critério. Com onze a treze anos, a criança entende que existem diferentes regras em diferentes locais para um mesmo jogo. Quando Piaget pensa nos jogos, revela dois fenômenos: a prática da regra e a consciência da regra. Os quadros a seguir apresentam esses fenômenos. 21 SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 3 • Maio • Junho de 2012 22 paralelo ao surgimento da capacidade de estabelecer relações cooperativas. Para Piaget, ser autônomo significa estar apto a cooperativamente construir o sistema de regras morais e operatórias necessárias à manutenção de relações estabelecidas pelo respeito mútuo. Como dissemos anteriormente, outros autores também se detiveram sobre a questão do desenvolvimento da moralidade. A teoria Kohlberg (1969) refere que uma compreensão genuína da ideia de uma obrigação moral tem sua origem em uma ideia de convenção ou de consenso. Sua teoria propõe três níveis na construção da compreensão moral. O nível mais baixo, por assim dizer, “pré-convencional”, descreve que crianças de tenra idade definem o significado de “certo” e “errado” em termos de seus sentimentos subjetivos. O que é certo evita a punição ou traz recompensas. O egoísmo reina. No nível intermediário, “convencional”, a criança mais velha e o adulto continuam a definir o significado de “certo” e “errado” pela referência subjetiva dos sentimentos, mas agora são os sentimentos coletivos dos outros que importam. O que é correto e virtuoso é o que é aceito pelas figuras de autoridade (pais, o papel esperado pela sociedade, as leis jurídicas). Se alguém do grupo de referência gosta, então está certo. Con- Nível 1 Nível 2 Nível 3 Pré-convencional convencional Pós- convencional Preferência pessoal convenção moralidade formismo e consenso reinam. No terceiro e mais alto nível, o “pós-convencional”, “certo” e “errado” são definidos pela referência dos princípios objetivos desprendidos da subjetividade e da perspective de si mesmo no grupo. O que é correto e virtuoso é definido em termos de padrões universais, construções reflexivas do individual, justo, direitos naturais e respeito humano por todas as pessoas, a despeito de sexo, idade, etnia, raça ou religião. Assim, temos que para a teoria do desenvolvimento cognitivo, o desenvolvimento de uma ideia de obrigação moral está relacionado ao desenvolvimento de habilidades gerais de pensamento e raciocínio. Estas habilidades incluem lógica dedutiva e a capacidade de distanciar-se do que é pessoal, egocentrado e baseado no consenso. Em virtude da diversidade de modelos teóricos sobre o desenvolvimento moral foi necessário fazer algumas escolhas. Obviamente não conseguiríamos esgotar todos os autores que tecem considerações acerca da gênese da moralidade. Acreditamos que seja preciso entender a moralidade como uma das dimensões da subjetividade humana, que envolve a interação de fatores socioculturais, afetivos e cognitivos. Por isso, devemos levar em conta que o desenvolvimento depende de aspectos biológicos que possibilitam a constituição de estruturas emoção egocentrada Lei positiva Lei natural Consenso princípio Eu gosto disso O grupo aprova Está certo subjetividade Coletividade subjetividade Transcendência objetividade Pré-operacional Operações concretas Operações formais Para saber mais: 1. Piaget, J. (1980). A Psicologia da Criança. 2. A s s u m p ç ã o - J u n i o r , F . B . ( 2 0 0 8 ) . Psicopatologia Evolutiva. *Carolina Rabello Padovani, Neuropsicóloga, Doutoranda em Psicologia Clínica pelo IPUSP, Pesquisadora do Laboratório Projeto Distúrbios do Desenvolvimento PDD-IPUSP Síndromes revista multidisciplinar de desenvolvimento humano Assine já! Tel: (11) 3361-5595 ou [email protected] SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 3 • Maio • Junho de 2012 de funcionamento, construídas por meio do exercício e da experiência. Além disso, há um terceiro fator fundamental: o papel das interações e transmissões sociais. Assim, estudar a psicologia da criança, como refere Piaget (1980), “nos permite seguir passo a passo, não no sentido abstrato, mas na dialética viva e vivida dos sujeitos que se acham às voltas, em cada geração, com problemas incessantemente renovados para redundar às vezes, afinal de contas, em soluções que podem ser um pouquinho melhores do que as das gerações precedentes”. 23 reabilita ç ã o Sexualidade e deficiência intelectual SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 3 • Maio • Junho de 2012 Dra. Alessandra Freitas Russo* 24 A sexualidade é inerente a todo ser humano e sua manifestação independe da presença ou ausência de deficiências. Longe da intenção de esgotar um assunto tão amplo e complexo, este artigo tem como objetivo iniciar uma discussão sobre a sexualidade na pessoa com deficiência, entendendo as possíveis limitações, observando a necessidade de discutir o tema e ampliando a discussão sobre a inclusão do deficiente em todas as esferas da sociedade. A sexualidade é um componente fundamental de todo ser humano e parte importante de sua vivência física e psicológica. Vincula-se diretamente à afetividade, ao envolvimento, ao desenvolvimento da criatividade e logicamente do prazer em seu sentido mais amplo. Está presente em todas as fases da vida humana, desde a concepção até a morte, sem distinção de raça, cor, sexo, deficiências; não estando limitada aos órgãos genitais, abrange o corpo todo. No sentido da totalidade, a pessoa com deficiência, é um ser bio-psico-sócio-espiritual em constante evolução. Como qualquer ser humano, tem a necessidade de expressar seus sentimentos de um modo particular e intransferível, dentro de suas possibilidades e limites reais. A opinião popular estende a deficiência para a sexualidade do indivíduo, tratando o deficiente como um ser de sexualidade incompleta, vendo-o como eterna criança, o que gera a estigmatização da sexualidade desses indivíduos. Se falar de sexualidade na adolescência suscita dúvidas e receios, falar de sexualidade nas pessoas com deficiência tem acrescido ainda, o preconceito. Como se a deficiência fosse maior do que as necessidades emocionais e biológicas do individuo. Entende-se por orientação sexual o processo de intervenção sistemática na área da sexualidade humana, que se propõe a fornecer informações sobre sexualidade e a organizar um espaço de reflexões e questionamento sobre a importância da prevenção de doenças e gestação, mudanças corporais, identidade, postura, relações interpessoais, autoestima, relações de gênero, tabus, crenças e valores a respeito de relacionamentos e comportamentos sexuais. Essa orientação deve ser ampla e estendida a todos os indivíduos, com ou sem deficiência. Concluir que educação sexual pode provocar um despertar para o assunto que não aconteceria naturalmente é falso e tira a chance do adolescente receber informação adequada. Mais importante do que falar ou não sobre sexo com adolescentes deficientes é pensar o modo e os agentes que abordarão o assunto. Portanto falar de sexualidade na deficiência, situação onde, em sua maioria, as pessoas já acumulam sentimentos de rejeição, frustração e desaprovação, torna-se mais complexo. Mas a realização e a saúde pessoal passam necessariamente pela vivência sexual, pela possibilidade de desejar e ser desejado, de escolher ou não ser pai ou mãe, enfim, de viver todas as implicações positivas da sexualidade. As pessoas com deficiência têm a possibilidade e o direito de serem saudáveis e felizes em todas as esferas de sua vida. Falar ainda, de sexualidade e deficiência de forma generalizada é incorrer no erro de massificar uma população bastante heterogênea e de características muito particulares. Deficiência física tem limitações diferentes que deficiência intelectual ou visual e a abordagem deve ser também, individualizada, respeitando as restrições de cada grupo, mas observando-se suas potencialidades. Moura & Pedro (2006) estudando a sexualidade em pacientes com deficiência visual, observaram que apesar de não poderem enxergar as mudanças em seus corpos, os adolescentes com deficientes percebem que estão crescendo e que seu corpo se modifica. Notam estruturas que antes não possuíam como os seios para as meninas ou a barba para os meninos. Esse fato é compreensível, pois as modificações biológicas que caracterizam esse processo propiciam a experiência de uma série de eventos psicológicos que culminam naquilo que se denomina aquisição de identidade sexual. Além disso, estão inseridos na sociedade, ouvem comentários de outras pessoas e dão-se conta de mudanças no SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 3 • Maio • Junho de 2012 Observa-se um desânimo em muitos pais e profissionais que lidam com esta população, pois há uma exacerbada expectativa em encontrar respostas prontas para os problemas enfrentados durante o desenvolvimento da sexualidade dos filhos e/ ou alunos, buscando soluções para problemas que lhes causam angústia e preocupação. Mas o desenvolvimento pleno da sexualidade no deficiente não é necessariamente um problema a ser resolvido por terceiros, como se a pessoa com deficiência não fosse capaz de tomar suas próprias decisões. Não é pouco comum que, diante da ansiedade que costumam experimentar em relação ao assunto, tendam a buscar “fórmulas mágicas”, “receitas prontas” de atuação, na expectativa de conseguirem conduzir seu comportamento de maneira que os pais ou professores entendam como mais adequada. Como se apenas o saber como atuar pudesse garantir livrarem-se da ansiedade e caminharem com tranquilidade orientando sexualmente seus filhos e/ou alunos. A dificuldade de orientação sexual transcende a deficiência. Ela é experimentada com todos os adolescentes e seus pais ou professores. Importante salientar, que o conceito de sexualidade vai além do instinto sexual e de atividades que dependam do funcionamento do aparelho genital. Paula (1993) define que o canal de expressão da sexualidade é o sentimento, o sentido, a mente, a corporeidade. É a união de tudo isso. Se não orientarmos o deficiente a respeito das questões relativas à sexualidade, alguns, por si só não conseguirão entendê-las. 25 SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 3 • Maio • Junho de 2012 26 comportamento dos outros em relação a eles. O indivíduo com deficiência visual tem cerceado seu acesso a informações sobre a educação para a saúde, visto que essas, em sua maioria, utilizam a visão como estratégia de comunicação. Portanto pensar na educação desta população com materiais específicos em braile é função tanto da escola, quanto da família e da sociedade como um todo na inclusão global deste grupo de pessoas. Privá-los de informação acessível é aumentar o risco de obtenção de informações equivocadas com os amigos e até potenciais abusadores. Quando pensamos na deficiência física, esta não é sinônimo de dependência emocional, da mesma forma que, independência motora não garante um comportamento sexual adequado. O equilíbrio afetivo sexual se baseia na construção da identidade sexual e no desempenho dos papéis sexuais. Questões relativas à estética, função sexual (impotência) e reprodutiva e a pouca discussão da sexualidade entre pessoas com deficiência física foram as queixas observadas por Soares e colaboradores (2008) em um estudo que avaliou o comportamento sexual em pacientes com espinha bífida. Quando abordamos a deficiência intelectual, o assunto fica mais complicado e controverso ainda. Essa população é uma das maiores vítimas do preconceito e da falta de respeito e informação a respeito de sua sexualidade. Propostas antigas sugeriam inclusive a esterilização compulsória deste grupo, coisa completamente fora de contexto na atualidade. Esse grupo também é um dos que mais sofre com os abusos sexuais, portanto a informação além de esclarecer os aspectos da vida sexual saudável, tem ainda o objetivo de orientar a proteção especialmente dos mais acometidos, quanto ao abuso sexual. Se não os orientarmos a respeito das questões relativas à sexualidade, eles por si só, podem não conseguir entendê-las. Suas limitações referem-se ao baixo nível de leitura (quando são alfabetizados), a dificuldade na compreensão de terminologias e no conhecimento biológico. Os amigos com quem poderiam trocar informações geralmente não são, também, bem informados; há menor capacidade de compreender e identificar as mensagens de sexo na vivência cotidiana e, às vezes, os modelos tomados (TV, filmes) são irreais e inadequados para o dia-a-dia. Pode ainda, haver uma dificuldade em entender de forma crítica e pertinente as situações observadas em programas de televisão. Assim, os deficientes intelectuais são pessoas com necessidades sexuais idênticas às pessoas de inteligência normal e salvo raras exceções de síndromes específicas, terão um desenvolvimento normal das características sexuais, tanto físicas quanto psicológicas. Terão, como qualquer adolescente, aumento no interesse pelo sexo e pela sexualidade. Por outro lado, possuem conhecimentos precários a respeito de sua sexualidade, pouca informação estruturada, experiências limitadas e, na maioria das vezes, controladas por pais e profissionais. Pinel (1993) postula que a visão dos deficientes intelectuais como eternas crianças é uma atitude característica da repressão e negação da sexualidade desenvolvimento de suas capacidades afetivas e biológicas. Grande parte dos trabalhos científicos está mais direcionada para investigar o pensamento de pais e profissionais e seu modo de proceder do que enfocar o deficiente em si, o que ele conhece, quais são suas experiências, necessidades e sentimentos diante da sexualidade. Estudos voltados à percepção e a vivência sexual e afetiva da pessoa com deficiência são raros porém de suma importância para o melhor entendimento e abordagem do assunto. A educação para a saúde não é uma hipótese abstrata, é uma realidade que responde às necessidades de saúde e à possibilidade objetiva de adquirir comportamentos positivos. Acredita-se que as pessoas, mesmo aquelas com necessidades especiais, devem poder tomar suas próprias decisões e ter conhecimento sobre sua saúde, dentro das possibilidades de cada um, exercendo assim seus direitos e deveres para o pleno exercício de sua cidadania. Apesar de nossas ilusões onipotentes, a repressão pura e simples das manifestações sexuais do deficiente não é a solução, podendo contribuir para a diminuição de seu equilíbrio interno, aumentando a agressividade e os problemas de comportamento, favorecendo o isolamento e reduzindo suas possibilidades como ser integral. A educação sexual deve ser incluída na educação geral, integradas à estimulação sensório-motora, intelectual e das capacidades adaptativas ao meio social, de modo natural. O ministério da Saúde lançou em 2009 uma cartilha com os direitos se- SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 3 • Maio • Junho de 2012 impostas a estas pessoas. No entanto, muitos dos pais e profissionais que lidam com esta população não têm consciência de estarem atuando dessa forma. A tendência em se reivindicar para os deficientes um estilo de vida o mais integrado possível à comunidade, implica na necessidade de desenvolver um amplo repertório de habilidades sociais e, nesse sentido, a área dos comportamentos afetivo-sexuais deveria também estar presente nos programas de inclusão escolar, com as condutas nesta área devendo integrar os currículos para esta população. Pode-se acrescentar ainda, que outros fatores podem dificultar o aprendizado das condutas sexuais, fatores estes não presentes apenas entre os indivíduos com deficiência mental, mas compartilhados por todos os tipos de deficiências. Entre esses podemos citar: mobilidade limitada, falta de privacidade, superproteção familiar, entre outros. Sexualidade é um atributo de todo ser humano, não é algo que a pessoa tenha, é algo que se é, que o ser humano constrói ao longo de sua vida envolvendo uma série de manifestações. As manifestações da sexualidade são aceitas para a população em geral, mas quando se fala em indivíduos com deficiência, especialmente intelectual, estas manifestações encontram resistências, tornando-se incompatíveis, pois para muitas pessoas estes não possuem sexualidade e para outras esta é primitiva, selvagem e incompleta. Estes estereótipos não só atrapalham o desenvolvimento normal da pessoa e sua sexualidade, como também trazem privações de informações, estímulos e vivências adequadas para o pleno 27 xuais e reprodutivos na integralidade da atenção à saúde de pessoas com deficiência, que pode ser acessada na íntegra no endereço http://www.saude.gov.br. Pais e profissionais da área de saúde e educação precisam lembrar que a vivência sexual do deficiente, quando bem conduzida, complementa o desenvolvimento afetivo, a capacidade de estabelecer contatos interpessoais, fortalecendo a autoestima, o bem-estar, o amor-próprio e a inclusão na comunidade. SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 3 • Maio • Junho de 2012 Bibliografia 28 1. B a s t o s , O . M . ; D e s l a n d e s , S . F . Sexualidade e o adolescente com deficiência mental: uma revisão bibliográfica. Ciência & Saúde Coletiva, 10(2), p. 389-97, 2005. 2. Brêtas, J.R.S.; Rua, D.V.; Querino, I.D.; Cintra, C.C.; Ferreira, D.; Correa, D.S. - Compreendendo o interesse de adolescentes do sexo masculino e feminino sobre corpo e sexualidade. Temas sobre Desenvolvimento, v.11, n.64, p.20-9, 2002. 3. Direitos sexuais e reprodutivos na integralidade da atenção à saúde de pessoas com deficiência. Brasília: Ministério da Saúde, 96p. 2009. 4. Fróes, M.A.V. – Sexualidade e deficiência. Temas sobre Desenvolvimento, v.8, n.48, p.24-9, 2000. 5. Gherpelli, M. H. B. V. Diferente, mas não desigual - a sexualidade do deficiente mental. São Paulo: Gente, 1995. 6. Glat, R. A sexualidade da pessoa com deficiência mental. Revista Brasileira de educação especial. São Carlos,1(1), p.65-74, 1992. 7. Maia, A.C.B. Reflexões sobre a educação sexual da pessoa com deficiência. Revista Brasileira de Educação Especial, v.7, n.1, 2001. 8. Moura, G.R.; Pedro, E.N.R. Adolescentes portadores de deficiência visual: percepções sobre sexualidade. Rev Latino-am Enfermagem, março-abril; 14(2):220-6, 2006. 9. Paula, A.R. Corpo e deficiência: espaços de desejo: reflexões sob(re) a perspectiva feminina. Dissertação (Mestrado) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 1993. 10.Pinel, A. C. A restauração da Vênus de Milo: dos mitos à realidade sexual da pessoa deficiente. In: Ribeiro, M. (Org.) Educação sexual: novas ideias, novas conquistas. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, p. 307-325, 1993. 11.Pinheiro, S.N.S. Sexualidade e deficiência mental: revisando pesquisas. Psicologia Escolar e Educacional, 8 (2), p. 199-206, 2004. 12.Ribeiro, H.C.F. Sexualidade e os portadores de deficiência mental. Revista Brasileira de Educação Especial, v.7, n.2, 2001. 13.Soares, A.H.R.; Moreira, M.C.N.; Monteiro, L.M.C. Jovens portadores de deficiência: Sexualidade e Estigma. Ciência & Saúde Coletiva, 13(1), p. 18594, 2008. *Dra. Alessandra Freitas Russo, Neurologia Infantil e do Adolescente, Neurologista da AACD e APAE - Cotia, Coordenadora clínica APAE – Cotia, Pesquisadora do Laboratório de Distúrbios do Desenvolvimento - IP- USP inclus ã o Inclusão da pessoa com deficiência no trabalho Introdução Segundo a Classificação Internacional de funcionalidade - CIF da Organização Mundial de Saúde1, as deficiências correspondem a um desvio dos padrões populacionais geralmente aceitos no estado biomédico do corpo e das suas funções. Podem ser temporárias ou permanentes, progressivas, regressivas ou estáveis, intermitentes ou contínuas1. Deficiência é o termo usado para definir a ausência ou a disfunção de uma estrutura psíquica, fisiológica ou anatômica2. De acordo com a Associação Psiquiátrica Americana, o conceito de deficiência está ligado a incapacidade, limitação, falta, falha, carência e imperfeição. As deficiências podem ser físicas, sensoriais, mentais e múltiplas (associação de duas deficiências) 3. As funções corporais são entendidas como funções fisiológicas dos sistemas corporais e as estruturas corporais são partes anatômicas do corpo humano. Portanto, as deficiências são problemas nas funções ou estruturas corporais, como exemplo, desvios significativos ou perdas1. As deficiências podem ser parte de uma condição de saúde, mas não indicam necessariamente a presença de uma doença4. Fatores ambientais interagem com os componentes das funções e estruturas do corpo e de atividades de participação. As incapacidades são consequências da deficiência em termos de desempenho de uma prática do indivíduo e são caracterizadas como o resultado de uma relação complexa entre o estado ou condição de saúde do indivíduo e dos fatores pessoais externos, que representam as circunstâncias nas quais ele vive5. Internacionalmente, os conceitos de deficiência (impairment) e incapacidade (disability) estão sendo associados ao de desvantagem (handicap), que diz respeito aos danos resultantes da deficiência e da incapacidade de uma pessoa em relação à outra e/ou ao meio no qual vive6. A Deficiência Intelectual é uma incapacidade caracterizada por importantes limitações, tanto no funcionamento intelectual, quanto no comportamento adaptativo. Esse conceito porém, é de difícil precisão, pois pode variar de acordo com as influências que esse indivíduo sofre do meio no qual se estruturou 4. Está relacionado assim ao funcionamento adaptativo, que se refere a como o indivíduo enfrenta com eficiência, as exigências cotidianas assim como o grau em que atinge os critérios de independência pessoal esperados quando comparados aos demais de sua idade, bagagem sócio-cultural e contexto comunitário. Objetivamente o caracterizamos através de um quociente SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 3 • Maio • Junho de 2012 Julianna Di Matteo* 29 SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 3 • Maio • Junho de 2012 30 intelectual significativamente inferior a média, com manifestações antes dos dezoito anos 7,8. O quociente de inteligência (QI) abaixo da média não necessariamente deve ser considerado um critério definitivo para que alguém possa ser diagnosticado como uma pessoa com deficiência mental, pois, é preciso que essa limitação esteja acompanhada de alterações em pelo menos duas das chamadas áreas de habilidades adaptativas: comunicação, cuidado pessoal, vida doméstica, habilidades sociais, utilização de recursos da comunidade, autodirecionamento, saúde, segurança, desempenho acadêmico, trabalho e lazer. Portanto, não basta a constatação de um QI abaixo da média, é preciso que se analise cada sujeito em particular, em relação ao seu contexto de vida, suas experiências e às exigências de seu meio social9. O termo transtorno mental descreve qualquer anormalidade, sofrimento ou comprometimento de ordem psicólogica e/ou mental. Os transtornos mentais são um campo de investigação interdisciplinar que envolve áreas como a psicologia, a filosofia, a psiquiatria e a neurologia. O conceito de transtorno, implica um comportamento diferente, desviante, “anormal”, ou seja, fora da norma. O Autismo é uma síndrome comportamental, também conhecido como um Transtorno do Espectro Autista, que apresenta etiologias múltiplas e distúrbios do desenvolvimento, caracterizados por déficits na interação social, observados através da inabilidade em relacionar-se com o outro, usualmente combinado a prejuízos na linguagem e no relacionamento, com repertório de comportamentos restritos e esteriotipados 7,8,10,11. Características do Autismo também são encontradas em outros transtornos do desenvolvimento. Em decorrência disso, foi descrito como um continum autístico que varia de acordo com o grau de comprometimento cognitivo 7,8,10,11 estando associado à deficiência mental em 80 % dos casos 7,8,10,11. Os casos de autismo que não apresentam uma associação com a deficiência mental, são chamados de Síndrome de Asperger. A grande maioria das pessoas com esse diagnóstico que tem condições mínimas para o trabalho, pensando no mercado formal, são aquelas com Síndrome de Asperger ou as pessoas com Autismo que têm um grau de deficiência mental associado muito leve. Podemos assim entender que, o maior problema social enfrentado por pessoas com deficiência, com transtorno mental e autismo pode ser o significado que essas definições representam para o projeto de vida do indivíduo. Em nossa sociedade espera-se de todo ser humano normal que cumpra com êxito os papéis pré-determinados socialmente. Podemos citar como exemplo desses papéis, esperados pelo senso comum, um lugar de destaque na profissão, um bom casamento e uma família feliz e organizada. A questão é que esse mesmo senso comum veta ou diminui muito as chances deste “sucesso” para as pessoas com deficiências, transtornos e com autismo, ao defini-los como coitados, incapazes, complexados, fracassados, enfim, àqueles que não con- Da Integração à Inclusão A palavra integração é muitas vezes utilizada como sinônimo de coesão, unidade, equilíbrio, ajustamento e harmonia. Mas não é sinônimo de homogeneidade na sociedade e na cultura, já que a diferenciação é uma qualidade essencial das relações sociais. A integração social não apaga as diferenças, antes as coordena e orienta. Integrar-se é um caminho de mão única: cabe à pessoa com deficiência, transtorno e autismo modificar-se para poder dar conta das exigências pré-estabelecidas pela sociedade na qual vive. A palavra Inclusão, muito utilizada nos dias de hoje, deriva do verbo incluir, originada do latim incluire, correspondendo a inserir, introduzir, acrescentar ou abranger. O termo se refere à conduta de inserir alguém ou alguma coisa em algum lugar. Diferente da integração, a inclusão é um processo pelo qual a sociedade se adapta para permitir a participação das pessoas em todos os seus setores, inclusive daquelas pessoas com deficiências (PcD’s), e estas, por sua vez, se preparam para assumir seus papéis na sociedade12. Essa diferenciação terminológica entre integração e inclusão demonstra-se útil para que possamos compreender as mudanças propostas no que se refere ao tratamento dado às pessoas com deficiência e/ou outras dificuldades no mercado de trabalho. Uma vez que o acesso destas ao mundo do trabalho é um dos aspectos do processo de inclusão social, importante por proporcionar às pessoas condições para a satisfação de suas necessidades básicas, a valorização de si mesmas e o desenvolvimento de suas potencialidades. O conceito de inclusão social se faz representativo com a existência de uma sociedade inclusiva, ou seja, a sociedade precisa adequar-se a todos os indivíduos que fazem parte dela, respeitando as diferenças e limitações de cada um13. Nesta afirmação pode-se encontrar uma das dificuldades a ser enfrentada por uma pessoa com deficiência, a discriminação. A existência da discriminação impede qualquer tipo de igualitariedade, seja ela acometida por preconceito, desconhecimento, desinteresse e negligência governamental e privada, ou ainda, a passividade de algumas pessoas com deficiência, e que acabam por torná-las incapazes de enxergarem-se como sujeitos de transformação da sua própria realidade. Vive-se em um tempo em que a inspiração pela eqüidade de direitos exerce o papel de justiça social14, assim, qualquer ação que insinue a busca por equiparidade é bem vista. Desse modo, deparar-se com medidas paliativas, que refletem apenas a aparência de benevolência, é comum. A inclusão profissional da pessoa com deficiência já é garantida legalmente, vale ressaltar que isso ocorre não só no Brasil como também em muitos outros países, há uma série de leis que determinam o direito de adesão ao mercado de trabalho por pessoas com deficiência, o que vem a ser um passo muito importante para a inclusão social. É indispensável citar a lei nº 8.213, de 1991, conhecida como Lei de Cotas, na qual determina, de SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 3 • Maio • Junho de 2012 seguem atingir os objetivos propostos pela cultura estabelecida pela maioria. 29 SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 3 • Maio • Junho de 2012 30 acordo com o artigo 93, uma porcentagem mínima de pessoas com deficiência que devem ser contratadas por uma empresa, referente ao número total de seus colaboradores (a lei é aplicada somente a empresas que excedam o número de 100 colaboradores, e a porcentagem varia 12 de 2 a 5% do total de colaboradores) . Há também a lei nº 10.098, de 2000, que define as normas e critérios básicos para a promoção de acessibilidade das 12 pessoas com deficiência . Regulamentando a lei de cotas, existem os decretos 5.296 de 2004 e 3.298 de 1999, que definem o que é deficiência de acordo com a legislação brasileira. Nessas definições, encontramos algumas incongruências do que clinicamente é considerado deficiência quando comparado com a legislação. Para citar um exemplo, deficiência auditiva leve não é considerada deficiência pela legislação brasileira. Os transtornos mentais e autismo também não são considerados como deficiência, a menos que a pessoa que tenha um desses diagnósticos tenha associado alguma deficiência de acordo com as definições legais. No caso específico do autismo, 80% dos casos diagnosticados podem ser considerados também como deficiência de acordo com a lei em decorrência com a correlação com a deficiência mental. Contudo, a legislação não terá papel efetivo se não vier acompanhada pela mudança do comportamento social. Para ilustrar a importância do comportamento social no processo inclusivo, basta observar a inclusão fundamentada apenas no cumprimento legal, na qual a pessoa com deficiência é empregada como único intuito de adequar a empresa à legislação; já que a função que será exercida pela pessoa com deficiência não é avaliada quanto às suas potencialidades, pois, muitas vezes, acaba, simplesmente, ocupando um lugar na empresa e nada mais. Além disso, é preciso que os colegas de trabalho tenham a consciência das capacidades profissionais da pessoa com deficiência, e não entendam que a sua presença entre os mesmos deve-se apenas ao cumprimento da lei – “os colaboradores das empresas precisam saber que as pessoas com deficiências não estão ali, simplesmente, para que as instituições se adaptem à legislação. Não são vasos de samambaia, que se coloca 15 . onde quer” Outro processo inclusivo errôneo é o que assume papel de caridade, nesse exemplo, tem-se uma “super-proteção” à pessoa com deficiência. Vale lembrar, que ao se falar em equipariedade de valores, aborda-se todos os aspectos, inclusive o de julgar como bom ou ruim o trabalho executado pela pessoa com deficiência, dando a empresa o direito de empregá-lo ou não – “a lei é fundamental, sim, mas as pessoas com deficiências devem ser recebidas por sua qualificação, em condição de igualdade com as outras. Tem que haver equiparação profissional, caso contrário, a pessoa fica numa em15 presa só por pena.” Como se nota, a inclusão profissional é um processo que depende não apenas da aprovação de leis. Vai muito além, há a necessidade de cursos profissionalizantes, voltados para a capacitação de pessoas com deficiência, empresas interessadas e comprometidas com a adesão dessa mão de obra, projetos e Trabalho e Identidade O trabalho é parte integrante da vida das pessoas, seja este remunerado ou não, pois vivemos em uma sociedade em que o trabalho possibilita a construção de uma identidade, não apenas profissional, como também pessoal, além de ser meio de reconhecimento e valorização social 17,18 . Pense na questão “como as pessoas se apresentam para quem não as conhece?”. É bem provável que a maioria das pessoas diga a profissão, ou o local de trabalho. Pode ser até que ela faça isso antes de dizer se é parente de alguma pessoa importante e/ou conhecida, de dizer sua religião ou sua cidade. Na grande maioria das vezes as pessoas se apresentam dizendo qual sua profissão ou o que faz no trabalho antes de dizer que é casada ou que tem filhos. Isso se dá pela conjuntura social atual. Nossa carreira tem ocupado lugar de destaque em relação ao nosso desejo de reconhecimento: como impressionar alguém que não me conhece? Dizendo quantos filhos tenho ou dizendo no que sou formado? Devemos entender que o trabalho faz parte da vida, já que o que faz uma pessoa trabalhar são fatores como necessidade econômica, necessidade de financiar lar, família, educação e lazer, e, principalmente a necessidade da elaboração de uma identidade, dando ao sujeito sentimento de objetivo e estrutura. Aquele que trabalha passa a ser integrante daquilo que chamamos “vida adulta”, pois nossa realidade define uma concepção do que é ser membro de uma sociedade adulta: para ser parte da sociedade, é preciso ser membro produtivo dela e isso quer dizer trabalhar, produzir riqueza, pagar impostos, consumir. Aquele que, por um motivo qualquer, não se encaixa nesse esquema produção-consumo, é relegado à condição de marginalidade18. SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 3 • Maio • Junho de 2012 verbas públicas e privadas, para que o direito de todo e qualquer cidadão, possa ser efetivamente cumprido; pois cada cidadão, independente de suas particularidades, é antes de tudo um ser humano. Não se esquecendo que nada disso será possível senão houver antes, a conscientização tanto da sociedade quanto da própria pessoa com deficiência – “Existe uma dificuldade de ver as pessoas com deficiências como detentoras de quaisquer direitos, como sujeitos de todos os direitos. Quando se enxerga isso, facilita a percepção de que elas também têm o 12 direito ao trabalho, como eu e você” . Há que se olhar além da deficiência e próximo do respeito. O trabalho é reconhecidamente importante veículo de inclusão social e exercício de cidadania16, por ter um papel na identidade de cada pessoa. Da mesma forma como acontece com as pessoas com deficiência, poucas oportunidades são oferecidas àqueles com transtornos mentais e autismo. É evidente que, o trabalho fornece não somente a recompensa monetária, mas, também, benefícios não financeiros, que incluem o sentimento de identidade e o desenvolvimento de oportunidades, além de uma sociedade mais consciente. Desta forma, é difícil, dentro de uma estrutura social existente, falar em inclusão social sem falar em trabalho. 29 SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 3 • Maio • Junho de 2012 30 A concepção do trabalho, o sentido a ele atribuído sofreu, porém, várias modificações ao longo da história. Para os romanos, a palavra trabalho significava dor, sofrimento. Deriva do latim, tripalium, que era um instrumento de tortura. Na Grécia, da mesma forma, o trabalho não era valorizado. Era associado à satisfação das necessidades básicas do homem (vestir-se, alimentar-se, produzir, comerciar) e por esse motivo era relegado aos escravos19. Na Idade Média, o trabalho continuou sendo considerado uma atividade pouco nobre, uma vez que os realmente nobres não deveriam trabalhar. O século XVIII, entretanto, assistiu a uma mudança essencial na concepção do trabalho. Esta relação homem-trabalho, a dimensão transformadora do trabalho em relação à natureza e ao próprio homem, foi apreendida por Karl Marx, que afirmou ser o trabalho, em primeiro lugar, um processo em que ambos, o homem e a natureza, participam, e no qual o homem, de sua livre vontade, inicia, regula e controla as relações materiais entre si próprio e a natureza [...] logo, ao atuar no mundo externo e ao modificá-lo ele muda, ao mesmo tempo, a sua própria natureza. Desenvolve as suas forças adormecidas e compele-as a agir em obediência ao seu poder19. Ao afirmar que o trabalho cria o homem, e, por força da dialética, que o homem cria a si mesmo pelo trabalho, Marx provoca uma reavaliação do trabalho, que até então fora uma atividade desprezada, conferindo-lhe nova dignidade20. Com a mudança conceitual do significado do trabalho, este passa a exercer um papel de identificação para as pessoas que fazem parte de uma sociedade. A identidade está intimamente ligada à saúde e ao sofrimento mental. Isso se dá pelo nosso desejo de sermos reconhecidos pelos grupos a que pertencemos como iguais e, ao mesmo tempo, como únicos, e o não-reconhecimento desses desejos muitas vezes pode ser determinante de um sofrimento mental. Por isso, sentimo-nos tão mal quando somos reduzidos a apenas um dos grupos – caso do preconceito, por exemplo. Essa redução nos leva a uma sensação de massificação, de que somos apenas mais uma sombra na multidão, uma estatística. Por isso, a identidade é um conceito central para a saúde mental e vários estudos indicam que perder a identidade, de qualquer uma das duas formas explicitadas acima, pode levar a um quadro psicopatológico severo. Conforme dito anteriormente, a categoria trabalho se tornou um grande foco de nossa sociedade, ocupando um lugar simbólico dificilmente desprezado. A data histórica desse foco é a Revolução Industrial e todos os paradigmas sociais que foram construídos a partir de então. Em decorrência disso, a partir do século XX, começaram a aparecer estudos relacionando o trabalho com a saúde mental. Desde 1927 é possível levantar bibliografias sobre psiquiatria ocupacional. Além do vínculo com a identidade, o trabalho também se relaciona com questões como a segurança e a estabilidade. A pessoa com deficiência, transtorno mental e/ou autismo, além de ser estigmatizada pelas suas próprias característi- Considerações A Inclusão Profissional é apenas um dos aspectos da Inclusão Social, que abarca uma cadeia de comportamentos, situações e condutas muito complexas e que dependem não só de uma ou de um conjunto de pessoas, mas sim de um movimento maior em sociedade. Inclusão é uma atitude, uma convicção. Não é uma ação ou conjunto delas. É um modo de vida fundado na convicção de que cada indivíduo é único e pertence a um grupo20. Historicamente, nossa sociedade foi privada de conviver e conhecer os potenciais que podem ter tanto as pessoas com alguma deficiência, bem como pessoas com transtornos mentais e /ou autismo. Todas essas pessoas vivenciaram processos de exclusão, advindos num primeiro momento do próprio núcleo familiar, pois muitas vezes a família exerce um papel super protetor, evitando o convívio social, com receio da exposição ao preconceito. Nas últimas décadas, temos vivenciado o início de uma grande mudança de comportamento social, onde toda a sociedade é levada a refletir sobre o conceito de inclusão, responsabilidade social e respeito à diversidade. Esse início de mudança surgiu acompanhado de medidas legais onde através da imposição, um dos exemplos é a lei de cotas, o segundo setor teve que ceder e abrir suas portas para a contratação de pessoas com deficiência. Com esse movimento, foi possível observar exemplos de superação e o início de quebra de paradigmas. Porém, o caminho é longo e conforme dito anteriormente, a Inclusão Profissional é apenas um dos aspectos da Inclusão Social. Antes de pensarmos em incluir uma pessoa com deficiência em um trabalho, é necessário saber o que essa pessoa quer, qual o significado de trabalho para ela, e o que, para ela, significa Inclusão, ou estar de fato incluída. Hoje no estado de São Paulo, existem mais de 100 mil pessoas com alguma deficiência, trabalhando registradas em alguma empresa. Dessas pessoas, 43% tem deficiência física, 36% deficiência auditiva, 10% são reabilitados do INSS, 6% tem deficiência visual, 4% com diagnóstico de deficiência intelectual e 1% com deficiência múltipla. Não existem dados parametrizados sobre a colocação de pessoas com autismo e transtornos mentais porque essas não estão previstas em lei de cotas. O mercado de trabalho é exigente quanto a resultados e por isso, acaba absorvendo mais em seu quadro de colaboradores àquelas pessoas cujas deficiências não afetem diretamente seu desempenho cognitivo, nem tão pouco seu relacionamento interpessoal, ou seja, pessoas com deficiências físicas, auditivas e visuais, têm maior chance no SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 3 • Maio • Junho de 2012 cas, acaba sendo isolada do meio social em que vive por não ser considerada como um adulto produtivo em potencial. A necessidade de se criar mecanismos de acesso das pessoas com deficiências, com autismo ou transtornos ao mercado de trabalho se fundamenta no principio do reconhecimento da diversidade na vida em sociedade, o que garantiria o acesso de todos os indivíduos às oportunidades independentemente de suas peculiaridades. 29 SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 3 • Maio • Junho de 2012 30 mercado de trabalho do que uma pessoa com deficiência intelectual, autismo ou com transtorno mental. As barreiras arquitetônicas são muitas e de conhecimento público, porém as barreiras atitudinais são ainda maiores. Como forma de desenvolver o potencial laborativo das pessoas com dificuldades em conseguir um trabalho remunerado, Organizações não Governamentais e Entidades Filantrópicas oferecem programas de Habilitação e Reabilitação Profissional, bem como Capacitação Profissional. Em decorrência da fiscalização da lei de cotas nas empresas, muitas pessoas com deficiências já estão contratadas mas muitas vagas encontram-se ainda abertas e a justificativa das empresas é a falta de qualificação do profissional com deficiência. Por isso existe hoje um grande investimento das empresas em capacitação profissional. A capacitação profissional visa desenvolver habilidades específicas, técnicas e profissionalizantes básicas para as pessoas com deficiência. Há ainda uma modalidade de alternativa de trabalho prevista no decreto 3298, o trabalho apoiado, pouco praticado no Brasil, mas que se configura como uma saída interessante para uma inclusão mais assertiva, principalmente para pessoas com deficiência intelectual, transtornos mentais e autismo. Bibliografia 1. O r g a n i z a ç ã o M u n d i a l d e S a ú d e (OMS). Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF). Lisboa: Direcção - Geral da saúde; 2004. 2. Ackerman, N. Diagnóstico e tratamento das relações familiares. Porto Alegre, Artes Médicas, 1986. 3. Classificação de Transtornos Mentais e de Comportamento (CID 10). Descrições Clínicas e diretrizes diagnósticas, Trad. Dorival Caetano. Porto Alegre, Artes Médicas, 1993. 4. Assumpção F.B.Jr., Kuczynski, E. Deficiência mental. In: Assumpção F.B.Jr., Kuczynski, E. Tratado de psiquiatria da infância e da adolescência. São Paulo: Atheneu; 2003. p.247-63. 5. Buscaglia, L.F. Os deficientes e seus pais; Tradução Raquel Medeiros. Rio de Janeiro: Record, 1993. 6. Lervolino, S. A. Estudo das percepções, sentimentos e concepções para entender o luto de familiares de portadores da Síndrome de Down da cidade de Sobral – Ceará. Tese apresentada ao Programa de Pós-graduação em Saúde Pública da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo. Doutorado, 2005. 7. Di Matteo, J., Cucolicchio, S., Paicheco, R., et al. Childhood Autism Rating Scale (CARS): Um estude de Validade. Ver. Med. Reabil. 2009; 28 (2): 34-37. 8. Assumpção Jr., F.B., Gonçalves, J.D.M., Cucolicchio, S., et al. Escala de Avaliação de Traços Autísticos (ATA): segundo estudo de validade. Rev. Med. De Reabil. 2008; 27 (2): 41-4. 9. Bartalotti, C. C. Inclusão Social das pessoas com deficiência: utopia ou possibilidades? São Paulo; Paulus, 2006. 10.Paicheco, R., Di Matteo, J., Cucolicchio, S., et al. Inventário de Avaliação Pediátrica de Incapacidade (PEDI): aplicabilidade no diagnóstico de transtorno invasivo do desenvolvimento e retardo mental. Ver. Med. Reabil. 2010. 29(1). 11.Cucolicchio, S., Di Matteo, J., Paicheco, 17.Stolz, P.V.; Vaz, M.R.C., A compreensão dos separadores de resíduos sólidos em relação ao seu trabalho, saúde e ambiente. Ver. Baiana, v.33, n3,p.490492, 2009. 18.Oliveira, M. A.; Goulart Júnior, E.; Fernandes, J.M. Pessoas com deficiência no mercado de trabalho: Considerações sobre políticas públicas nos Estados Unidos, União Européia e Brasil. Rev. Bras. Ed. Esp., Marília, v.15, n.2, p.219232, Mai.-Ago. 2009. 19.Bendassalli, P.F., Trabalho e identidade em tempos sombrios. Insegurança ontológica na experiência atual com o trabalho. Ed. Idéias e Letras. São Paulo, 2007. 20.Peterson, P.J. Inclusão nos Estados Unidos: Filosofia, Implementação e capacitação de professores. Rev. Bras. Ed. Esp. Marília, 2006. vol.12, n 1, p.3-10. *Julianna Di Matteo, Psicóloga Clínica, graduada em Psicologia pela Universidade São Judas Tadeu. Especialista em Terapia Cognitivo Comportamental pela Universidade de São Paulo. Atua na área, com experiência na Reabilitação Clínica e Profissional, bem como na Capacitação, Inclusão e Aprendizagem de Pessoas com Deficiência. SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 3 • Maio • Junho de 2012 R., et al. Correlação entre as escalas CARS e ATA no diagnóstico de autismo. Ver. Med. Reabil. 2010. 29(1). 12.Araujo, J.P.; Schimidt, A. A inclusão de pessoas com necessidades especiais no trabalho: a visão de empresas e de instituições educacionais especiais na cidade de Curitiba. Rev. Bras. Ed. Esp., Marília, Mai.-Ago. 2006, v.12, n.2, p.241-254. 13.Pires, A.B.M.; Bonfim, D.; Bianchi, L.C.A.P. Inclusão social da pessoa com Síndrome de Down: uma questão de profissionalização. Arq Ciênc Saúde 2007 out-dez;14(4):203-10 14.Marques, E.P., Educação, Saúde, Meio Ambiente e Políticas Públicas: o que pensam os professores?[dissertação de mestrado]. São Paulo: Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo; 2007. 15.The WHO World Mental Health Survey Consortium. Prevalence, severity, and unmet need for treatment of mental disorders in the World Health Organization World Mental Health Surveys. JAMA. 2004; 291:2581-90. 16.Delevati, D.M., Palazzo, L.S., Atitudes de empresários do Sul do Brasil em relação aos portadores de doenças mentais. Jornal Bras. Psiquiatria. 2008; 57 (4): 240-246. 29 de m ã e , pra m ã e A terapia do abraço Cristina de Freitas Cirenza* Por Leandra Migotto Certeza** SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 2 • Março • Abril de 2012 Neste espaço pais e pessoas com a síndrome relatam um pouco sobre suas experiências de viver com suas singularidades em uma sociedade ainda pouco inclusiva. São exemplos de pessoas que já conseguiram alcançar muitos objetivos graças à força de vontade, mas ainda enfrentam muitos desafios para realizarem seus sonhos; assim como a maioria dos seres humanos sem deficiências. É uma oportunidade para os leitores conhecerem um pouco mais sobre a diversidade. 38 Muitas vezes sinto que “a terapia do abraço”, uma boa conversa nos momentos mais críticos, onde mais se ouve do que se fala, faz mais efeito do que qualquer outra terapia. Meu filho mais novo se chama Luca Cirenza, tem 12 anos de idade, está no 8º ano do Ensino Fundamental e o que gosta mesmo de fazer é praticar esportes. O seu preferido é o tênis, embora goste de futebol, handball e de jogar ping-pong. Ele sempre foi uma criança amorosa, sensível, preocupada com os sentimentos dos outros. O fato de ter a Síndrome de Quando certa vez meu filho me perguntou por que Deus não o fez como os demais meninos, eu lhe respondi: “Porque você dá conta!”. E é nisso em que acredito. Quando certa vez meu filho me perguntou por que Deus não o fez como os demais meninos, eu lhe respondi: “Porque você dá conta!”. E é nisso em que acredito. Ele vai dar conta. Ele vai ser o que quiser na vida, e não há síndrome ou transtorno que vá impedi-lo! E eu vou estar ao seu lado, para aplaudir. Tenho feito tudo o que está ao meu alcance para tentar aplacar a dor diária do meu filho. Muitas vezes ouço dele a seguinte frase: “não sei o que seria de mim sem você”. Acho que isto sinaliza que estou no caminho certo. Mas na verdade, não tenho certeza do seu futuro e do quão mais difícil as coisas possam ficar. Em especial quando a adolescência chegar, e com ela, aos problemas já tão difíceis para o jovem lidar, somarem-se estes que ele tem devido à síndrome. Como será quando ele se apaixonar? Necessitar revelar aos amigos e conhecidos a sua condição? Enfrentar as pressões do vestibular e do trabalho? E quando se casar seus filhos terão a síndrome? Enfim, estas são pre- ocupações de mãe que deseja ver o filho encontrar o seu caminho e ser feliz. Uma coisa eu sei: ele poderá sempre contar comigo; estarei sempre pronta para ouvir, acalentar, amparar e apoiar, para que sofra o menos possível. O momento da descoberta e a convivência com a síndrome Quando cursava o 5º ano, aos 9 anos, ele passou a apresentar sintomas de T.O.C – Transtorno Obsessivo Compulsivo. A primeira psiquiatra que o examinou logo diagnosticou o transtorno, e iniciou o tratamento à base de remédios e terapia. O tratamento dele sempre foi realizado na rede particular de saúde, mas creio que de início nem foi uma vantagem. Isso porque não houve nem a suspeita da existência deste outro distúrbio, que hoje sabemos se chamar S.T – Síndrome de Tourette, uma co-morbidade freqüente para quem tem T.O.C; e cujos efeitos do remédio a ele administrados foram maléficos em razão de um diagnóstico incompleto. Como ele não melhorava, ao contrário, (passou a desenvolver tiques mais acentuados e a dormir muito mal), resolvi buscar na internet informações sobre o T.O.C., o que me levou a existência do PROTOC, um projeto do Hospital das Clínicas (serviço público), e à atual psiquiatra que o acompanha. Já na primeira consulta ela apontou para a possibilidade da Tourette, o que seria confirmado após menos um ano de sintomas constantes, ainda que com algumas interrupções. O diagnóstico foi confirmado após doze meses, e hoje ele toma medicamentos para o T.O.C. que não pioram o quadro da S.T. SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 2 • Março • Abril de 2012 Tourette e desenvolver o TOC – Transtorno Obsessivo Compulsivo, em um primeiro momento causou uma angústia sem fim e me tirou o chão. Mas ele tem me ensinado que as pequenas conquistas são as mais valiosas, e que ser diferente não significa ter uma espada na cabeça que determine a sua infelicidade. Ao longo do tempo ele nos fez seres humanos mais generosos, solidários e participativos. 39 SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 2 • Março • Abril de 2012 40 O grau da S.T. dele é bem leve. Isso não quer dizer, que seja fácil conviver com ela. Imagine você tendo soluços todos os dias de sua vida. Nas horas mais impróprias ou indesejadas. De maneira que você não possa controlá-los, quando começam ou quando terminam. É mais ou menos assim que um portador desta síndrome se sente. Devido ao grau leve da síndrome, ele tem tiques pouco perceptíveis aos outros, embora em determinados momentos não seja assim, vindo a incomodar também aos que dele se cercam. Piscar os olhos, virar a cabeça, levantar o ombro, engolir em seco, estalar a língua, fungar, pigarrear, fazer caretas, são os mais comuns e os que passam mais despercebidos. No final de um “dia ruim” como ele chama, o pescoço dói tanto que já foi preciso administrar um relaxante muscular para aplacar a dor. O nariz chega a sangrar. Então, não é agradável passar por isso, ainda que se reconheça que as formas mais graves trazem prejuízos ainda maiores, sobretudo do ponto de vista do convívio na sociedade, porque a pessoa emite um som ‘esquisito’, que pode se assemelhar ao de um animal; também repete palavras, pula, gira, levanta os braços ou pernas, balança o tronco para frente, e faz gestos fora de contexto. Luca ainda não revelou a qualquer amigo ou colega que tem a síndrome ou que tem T.O.C. As crianças nesta idade costumam ser muito cruéis. Ele também não quer, como qualquer outro pré-adolescente, ser diferente do seu bando. Então ele disfarça, fala que está ansioso; pede para ir ao banheiro (quando está em sala de aula), e em determinados momentos não consegue esconder os tiques, sendo alvo de comentários do tipo “você é louco”. Para justificar que faz prova fora da sala de aula, ele diz que tem déficit de atenção, o que para os colegas da escola é facilmente compreendido e aceitável hoje em dia. Em relação a garotas, somente agora está começando a se interessar. Já faz muito sucesso com as meninas, porque é um garoto bonito, alto, magro, de olhos claros e temperamento tranqüilo; mas ainda está ligado mais à bola, seja a de tênis ou a do futebol! Desafios dos tratamentos, medicamentos e terapias A S.T. tem períodos cíclicos, de melhoras e pioras. Já usamos muitos medicamentos que mais trouxeram malefícios do que benefícios. Como ele joga tênis com freqüência, inclusive disputando campeonatos estaduais, os remédios têm grande impacto no seu rendimento físico. Muitos causam sono, moleza, e dor de cabeça. Já tentamos todos os remédios nacionais e até um importado (Guanfacina, que não é fabricada no Brasil), mas sem sucesso. Então, simplesmente, abandonamos os medicamentos para a Síndrome de Tourette. E em momentos mais tensos, há medidas paliativas que melhoram os sintomas/tiques. Massagens, controle da respiração, fuga de situações de estresse intenso, lazer prazeroso, tudo isso vem tendo um impacto positivo. Mas há que se ter muita paciência até achar o medicamento que mais convém, diante do quadro de cada um (como disse, muito comumente a S.T. vem acompanhada de co-morbidades, como TOC, déficit de atenção, transtorno bipolar maior problema é a falta de informação e formação da área médica de recursos para o tratamento ideal. A área de saúde pública não está, definitivamente, preparada para lidar com os portadores desta síndrome. Não conhecem, não oferecem tratamentos, e há poucos remédios que se sabem ser eficazes na contenção dos tiques, além de serem muito caros. A importância do apoio familiar Desde o início eu nunca escondi da família o que o Luca tem. Falo abertamente, porque o preconceito começa em casa e se combate com informação. Como resultado de aceitar nosso filho como ele é só recebemos manifestações de carinho e compreensão. Aos adultos, amigos ou colegas de trabalho, a reação foi sempre a mesma: apoio incondicional. A família o vê como qualquer outro integrante, nem mais nem menos complacente. E acho isso ótimo! Não quero ninguém com pena do meu filho! Como resultado de aceitar nosso filho como ele é só recebemos manifestações de carinho e compreensão. Na minha vida não há nada, nada mesmo, mais importante do que os meus dois filhos. Eles são o meu maior projeto de vida. Meu maior orgulho. Mas sempre penso em quão não preparados os pais estão para lidar com um filho que tenha algum tipo de dificuldade, seja motora, psicológica ou neurológica. E o quão difícil é a descoberta, a aceitação e o enfrentamento. Porque tudo o que um pai e/ou mãe quer para o seu filho é que ele seja feliz. Ajudá-lo a perceber que esta dificuldade não o impedirá de buscar e alcançar os seus sonhos é o nosso maior desafio. SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 2 • Março • Abril de 2012 entre outros), além da dose adequada. É preciso sempre ter paciência; não só porque o remédio demora a fazer efeito, (no caso do nosso filho cerca de 6 a 8 semanas), mas também porque sempre vem acompanhado de algum efeito colateral. Então, não dá para trocar “seis por meia dúzia”; o ideal é mesmo ir modificando o remédio sempre que necessário. Atualmente meu filho toma o antidepressivo Lexapro, e um remédio para pressão (o Inderal), que evita a dor de cabeça provocada pelo Lexapro. Embora, seja um antidepressivo, não é usado porque ele tenha depressão, mas para o T.O.C. Ela também não está fazendo uso de remédios para os tiques, que estão bem controlados no momento. E o esporte é fundamental para esta melhora porque traz a endorfina natural ao corpo, relaxa a musculatura na hora de dormir, e põe para fora todas as tensões. Agradeço a Deus ao fato dele gostar tanto de esporte, que tem um papel de coadjuvante no tratamento do meu filho. Faz bem para o corpo, para a cabeça, e aumenta a auto-estima. Fica aqui um conselho aos familiares que passam por situação semelhante: introduzam as modalidades esportivas aos seus filhos com a síndrome e invistam naquela de que ele mais gosta: vai ajudar muito! A área de saúde pública não está, definitivamente, preparada para lidar com os portadores desta síndrome. Há pouquíssimos médicos especializados na síndrome de Tourette no Brasil. Isto é outra dificuldade, porque muitos que não são da área da psiquiatria sequer ouviram falar do transtorno. Então, são incapazes de diagnosticar e encaminhar para tratamento adequado. O 41 SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 2 • Março • Abril de 2012 42 Como ele ainda é uma criança, não tem os recursos emocionais para enxergar a situação desta maneira; daí a importância da aceitação dos pais, do apoio incondicional, do conforto emocional que isso proporciona, e do suporte da terapia. O pai do Luca é muito presente, amigo, e muito pai também! Não deixa de dar bronca, colocar de castigo e punir se ele erra. Não é porque nosso filho tem dificuldades extras que pode fazer o que bem entender. No começo meu marido sofreu muito, tenho certeza. Mas, como eu, tenho falado a respeito da síndrome com amigos e familiares e recebido apoio, a dor dele diminui. Ele sempre vai às consultas do Luca com a médica, participa da terapia quando chamado; e freqüenta um grupo de apoio a familiares promovido pela ASTOC; e na medida da sua capacidade tem mudado o seu jeito de ser para com o filho. Antes o Luca se ressentia muito da sua maneira dura de ser. Hoje, meu marido é mais compreensivo, mais aberto para falar de seus sentimentos, e apóia o filho em todas as situações. Também o estimula a não ver a S.T. como um empecilho em sua vida e se mostra otimista em relação ao seu futuro. Como ‘driblar’ o preconceito e a discriminação Meu filho tem uma irmã mais velha, que não apresenta nenhuma síndrome. A diferença de idade entre os dois é bem grande, cerca de 7 anos. Eles brigam bastante, como qualquer família, mais ainda porque um tem muito ciúme do outro. Eu procuro deixar a S.T. de lado, ao administrar o conflito dos dois, raramente falo nisso, para não colocá-lo numa posição superprotegida e lhe dar um “passaporte” de condescendência. Houve momentos em que tive que conversar com a minha filha mais velha de 19 anos; e dizer para ela pegar leve, para relevar, que a situação não estava boa e que ela podia sim aliviar. Gosto muito de um ditado que diz: “Quem ama sociedade, as pessoas ainda geralmente julgam mal o portador da síndrome, por um lado achando que em razão de ter consciência do que está fazendo só usa para chamar a atenção; (muito freqüente com crianças); e por outro lado, por vê-la como “louca” em razão de comportamentos tão bizarros. Acredito que todo o portador da ST sofre muito, porque ao contrário da esquizofrenia e outras doenças mentais, ele tem total consciência que seus comportamentos são de fato bizarros, mas não consegue controlá-los. Inclusão escolar é a base para a qualidade de vida O meu filho sempre estudou em escola regular e quando foi descoberto que era portador da Síndrome de Tourette também. Hoje ele está cursando uma das melhores escolas de São Paulo, e embora conte com um auxílio extra-aula, (na forma de reforço), acompanha normalmente a sua turma. Ele gosta muito da SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 2 • Março • Abril de 2012 alivia”. Então, se não quero que vejam meu filnho como coitadinho, nem que se esconda atrás de seu transtorno, como um passe livre para tudo o que fizer de errado. Eu sei por outro lado, que há coisas que acontecem em razão de ele não estar suportando a pressão. Conosco, pessoas sem a síndrome, não é diferente. Quantas vezes não estouramos com a pessoa errada, falamos o que não queremos, simplesmente porque estamos muito estressados? Então, procuro fazer minha filha entender e relevar. Mas sempre falo isso longe dele, numa conversa particular que tem dado resultado. Mas na escola o Luca já vivenciou problemas de discriminação, (a ponto de sair da primeira em que estudou, quando de início ele apresentou sintomas do T.O.C., com a realização de rituais), não por parte dos professores, mas dos colegas. E na escola atual os episódios foram esporádicos, com colegas que não o conhecem direito, de outras classes, o que já o chateou bastante. Porém, na 43 SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 2 • Março • Abril de 2012 44 escola. Toda a equipe desde que soube que ele tem a ST continua fazendo todos os esforços para que ele se sinta bem, tanto do ponto de vista do aprendizado, como do convívio com os demais alunos e professores. As suas dificuldades de aprendizagem ocorrem por conta da dispersão na sala de aula, no momento em ele desvia a sua atenção para a contenção dos tiques, motores ou vocais. Além disso, o transtorno obsessivo compulsivo (que se manifesta na forma de pensamentos ruins), também tira a atenção, ainda que momentaneamente, da aula que está sendo dada. Isso deixa alguns “vazios de conteúdo”, que em aula particular são retomados. Mas tive muita sorte, com os professores particulares que o auxiliam, um dos quais indicados pela própria escola. São seres humanos especiais que fazem toda a diferença para o sucesso dele. Outra dificuldade o Luca enfrenta é na hora da prova, pois muitas vezes, por conta da ansiedade e nervosismo, (comum a qualquer aluno que faça um teste), os tiques e pensamentos intrusivos aumentam, e ele leva mais tempo para terminá-las. Por este motivo, ele faz as provas mais longas em separado, assim não tem a preocupação extra de esconder dos colegas os tiques e tampouco a pressão de terminar a prova em tempo pré-determinado. O que é curioso, muitas vezes é que ele termina a prova no mesmo tempo que os colegas. É muito importante contar com esta preciosa colaboração da escola, que enxerga a situação como ela é, não concedendo um privilégio, mas sim, oferecendo ao meu filho as mesmas condições que qualquer aluno para mostrar o conheci- mento que adquiriu. Reconhecer que ele tem que ter esse conforto é colocá-lo em igualdade de condições, e não ao contrário, como pode acontecer à primeira vista. É importante ressaltar que se a escola em quem os filhos com síndromes estudam não oferece este suporte, não vale à pena insistir para que o faça; e é melhor procurar outra escola, que esteja interessada em entender e apoiar. É importante ressaltar que se a escola em quem os filhos com síndromes estudam não oferece este suporte, não vale à pena insistir para que o faça; e é melhor procurar outra escola, que esteja interessada em entender e apoiar. Porém, para mim foi uma grata surpresa ouvir da coordenadora que esta escola estava preparada; que havia outros alunos com características semelhantes (embora não iguais), e que isso não seria um problema para eles. Teria sido mais fácil dizer que eu deveria procurar outro lugar, afinal é uma escola que tem uma longa lista de espera de alunos interessados em nela ingressar e que obtém sempre os primeiros lugares na avaliação anual conhecida por ENEM. Mas não foi isso o que aconteceu, o que nos faz admirar a direção da escola ainda mais. União e a troca de experiências são fundamentais Foi um alívio poder falar do que estava sentindo e ouvir o relato de outros pais e portadores, em situação semelhante, pior ou melhor do que a nossa. Na fase mais aguda do transtorno, aquela em que só de lembrar eu começava a chorar (e parecia não conseguir deixar de lembrar o dia todo), eu precisava encontrar *Cristina de Freitas Cirenza é Formada em Direito pela PUC SP (1986); Mestre em direito processual pela USP (1993) e Procuradora do Estado – Procuradoria Geral do Estado desde 1990. Na PGE trabalhou na Procuradoria de Assistência Judiciária e na Procuradoria Judicial, além da Consultoria Jurídica, onde esta atualmente lotada. Foi eleita Secretária Geral da APESP (Associação dos Procuradores do Estado de São Paulo) no biênio 2008/2010 e Diretora Financeira no biênio 2010/2012. Também foi bolsista do Instituto Humphrey nos EUA em parceria com a comissão Fulbright, em 1998/99. É associada da ASTOC desde 2011. Mensagem aos leitores Para quem não sabe se o filho é portador, o primeiro conselho que dou é procurar um ou mais especialistas para um diagnóstico preciso. Quanto antes os tratamentos se iniciam, menos se sofre e há maiores condições de remissão (desaparecimento dos tiques). Os familiares precisam prestar atenção a qualquer sinal (ainda que só um piscar de olho insistente, como foi com o meu filho, aos 4 anos de idade); ouvir os especialistas; e fazer um tratamento psicoterápico e medicamentoso que é muito importante. Mas, acima de tudo, ouça o seu coração. Mais do que os médicos, cada mãe sabe tudo que o seu filho precisa. Muitas vezes sinto que “a terapia do abraço”, uma boa conversa nos momentos mais críticos, (onde mais se ouve do que se fala), faz mais efeito do que qualquer outra terapia. Só isso acalma, faz a angústia passar e o otimismo voltar. **Leandra Migotto Certeza é jornalista e repórter especial da Revista Síndromes. Ela tem deficiência física (Osteogenesis Inperfecta), é assessora de imprensa da ABSW, consultora em inclusão e mantém o blog “Caleidoscópio – Uma janela para refletir sobre a diversidade da vida” - http:// leandramigottocerteza.blogspot.com/. Conheçam os modelos de palestras, oficinas, cursos e treinamentos sobre diversidade, realizados em empresas, escolas, ONGs, centros culturais e grupos de pessoas no site: https://sites.google.com/site/leandramigotto/ SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 2 • Março • Abril de 2012 um lugar com pessoas que estivessem passando pela mesma situação que eu. A médica do meu filho nos recomendou procurar a ASTOC – Associação dos Portadores do Transtorno Obsessivo-Compulsivo e da Síndrome de Tourette. Foi um alívio poder falar do que estava sentindo e ouvir o relato de outros pais e portadores, em situação semelhante, pior ou melhor do que a nossa. Isso nos mostrou que havia luz no fim do túnel, nos confortou, nos orientou e continua a nos ajudar. Por meio da associação temos tido condições de apoiar ainda mais o nosso filho, por meio das informações que recebemos, a orientação dos psicólogos voluntários, e até pelo conselho dos portadores que comparecem à reunião. Penetrar neste mundo de quem vive com a síndrome não é fácil. Pois, nem mesmo o nosso filho às vezes se sente confortável para falar tudo, expor todos os sentimentos. E temos tido esta noção por meio do relato dos que lá comparecem. Isso nos ajuda a nos prepararmos para lidar com ele e com as situações diversas que se apresentam. 45 arti g o do leitor Problemas urinários na Síndrome de Williams Beuren SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 3 • Maio • Junho de 2012 Zein Mohamed Sammour* E Simone Nascimento Fagundes** 46 A síndrome de Williams-Beuren é uma condição genética resultante de uma anormalidade, denominada deleção, localizada no cromossomo 7 (Ewart et al., 1993, Osborne, 1999). Caracteriza-se por um conjunto de alterações físicas, incluindo fácies típico, anomalias cardiovasculares congênitas, atraso mental e manifestações gênito urinárias. Trata-se de uma doença rara, com ocorrência de 1:20.000 até 1: 50.000 nascidos vivos (Borg et al 1995). Na grande maioria das vezes, as crianças com esta doença são geradas por pais saudáveis. O gene responsável pela produção da proteína elastina presente em grande parte das células corpo humano, esta comprometido nas pessoas com Síndrome de Williams (Lowery et al, 1995). Assim, todos os órgãos que possuem elastina podem ser envolvidos nesta doença. Para saber se uma criança é afetada pela síndrome de Williams, é necessária uma consulta com médico pediatra ou geneticista. Em alguns casos, as anormalidades são tão evidentes que somente uma consulta já é o suficiente para confirmar a doença. Em casos duvidosos, alguns exames de sangue poderão auxiliar e estabelecer o diagnóstico. A síndrome de Williams apresenta-se com uma variedade muito grande de sintomas e entre as características mais marcantes além das descritas acima, podemos citar personalidade amigável, baixa estatura, doenças renais, miopia e outras alterações oculares, contraturas musculares, comprometimento da marcha e principalmente incontinência urinária (Lowery et al, 1995) Os problemas urinários são muito comuns nas crianças com esta síndrome. Os sinais mais freqüentes são o uso de fraldas por um período além do habitual, sensação de urgência e aumento da freqüência urinária, enurese (urinar na cama durante a noite) e infecções urinárias. Estes sintomas ocorrem em 75% das crianças com Síndrome de Williams (Sammour et al 2006). As causas dos problemas urinários nessa doença ainda não são completamente conhecidas. A deficiência da proteína elastina que é um componente importante na constituição do aparelho urinário, propicia alterações nas paredes da bexiga que perde a sua capacidade de armazenar a urina. O déficit cognitivo das crianças afetadas, que demonstram problemas no aprendizado e dificuldades para executar as tarefas mais comuns como utilizar o toalete, também pode explicar os sintomas. Estes problemas podem ser tratados obtendo-se alta taxa de sucesso. O uso de medicamentos por via oral, o emprego de algumas medidas higiênicas, dentistas, terapeutas ocupacionais, fonoaudiólogos, psicólogos e fisioterapeutas. Existem em diversos locais da Europa, EUA, México e em outros países, os denominados grupos de suporte. Estes grupos são compostos pelos familiares dos pacientes com síndrome de Williams, profissionais das áreas de saúde, educação e também por voluntários que se comprometem a trabalhar e apoiar de alguma maneira os afetados por esta doença. Normalmente são realizadas convenções e eventos sociais onde são apresentadas novas informações sobre a doença, além de ser uma boa oportunidade para que as pessoas troquem experiências e se auxiliem mutuamente. No Brasil, foi criada em fevereiro de 2001, a Associação Brasileira da Síndrome de Williams (www.swbrasil.org. br) com o objetivo de auxiliar e apoiar os pacientes com síndrome de Williams e seus familiares. Muitas pessoas podem obter e transmitir experiências valorosas que ajudarão os novos participantes, sempre buscando a melhora da qualidade de vida de todos. Referências Bibliográficas 1. Ewart, A.K.; Morris, C.A.; Atkinson, D.; Jin W.; Sternes, K; Spallone, P.; Stock, A.D.; Leppert, M.; Keating, M.T. Hemizygosity at the elastin locus in a developmental disorder, Williams syndrome. Nat. Genet., v. 5, p. 11-6, 1993. 2. O s b o r n e L R . W i l l i a m s - B e u r e n syndrome: unraveling the mysteries of a microdeletion disorder. Mol Genet Metab. 1999; 67(1):1-10. 3. Borg, I., Delhanty, J. D. and Baraitser, M.: Detection of hemizygosity at the elastin locus by FISH analysis as a diagnostic SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 3 • Maio • Junho de 2012 dietéticas e o treinamento das crianças são medidas muito úteis no tratamento. Por outro lado, os distúrbios urinários podem causar complicações graves se não forem abordados de maneira conveniente. A incontinência urinária associada a episódios de infecções urinárias recorrentes podem provocar comprometimento funcional dos rins levando a insuficiência renal, que é uma das complicações mais temidas desta doença. Defeitos congênitos no aparelho urinário também podem acometer as pessoas com Síndrome de Williams. As alterações mais frequentemente descritas são os divertículos da bexiga, hidronefrose (rins dilatados), agenesia renal unilateral (quando a criança nasce sem um dos rins), rins ectópicos (quando os rins nascem fora da região lombar). Estas alterações também podem causar infecções e comprometimento funcional dos rins (Schulman et al 1996, Sammour et al 2006) Portanto, todas as crianças afetadas por esta síndrome devem ser assistidas por equipes multidisciplinares envolvendo geneticistas, nefrologistas e urologistas. A realização de consultas e a execução dos exames apropriados representam a forma mais correta e segura de avaliar as crianças com Síndrome de Williams. A detecção e o tratamento dos problemas urinários em sua fase inicial podem evitar seqüelas e danos graves nos órgãos do aparelho urinário destas crianças. Ressaltamos que além da avaliação com urologista, crianças com Síndrome de Williams demandam cuidados diferenciados incluindo consultas periódicas com diversos especialistas, médicos, 47 4. 5. 6. SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 3 • Maio • Junho de 2012 7. 8. 48 test in both classical and atypical cases of Williams syndrome. J Med Genet, 32: 692, 1995 Lowery, M. C., Morris, C. A., Ewart, A. et al.: Strong correlation of elastin deletions, detected by FISH, with Williams syndrome: evaluation of 235 patients. Am J Hum Genet, 57: 49, 1995 Sammour ZM, Gomes CM, Duarte RJ, Trigo-Rocha FE, Srougi M. 2006. Voiding dysfunction and the Williams–Beuren syndrome: A clinical and urodynamic investigation. J Urol 175:1472–1476. 9. Schulman SL, Zderic S, Kaplan P. 1996. Increased prevalence of urinary symptoms and voiding dysfunction in Williams syndrome. J Pediatr 129:466– 469. *Zein Mohamed Sammour. Médico Urologista, Mestre e Doutor em Ciências pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. **Simone Nascimento Fagundes. Médica Nefrologista Pediátrica, Mestre em Ciências pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Clínica analítico-comportamental aspectos teóricos e práticos Nicodemos Batista Borges Fernando Albregard Cassas e colaboradores arti g o do leitor Sobre o filme: O primeiro da Classe (Transtorno de Tourette) Simaia Sampaio* Jimmy Wolk, ator que interpretou Brad, e Brad Cohen (à direita). SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 3 • Maio • Junho de 2012 Certamente, todos nós, já nos deparamos com alguém que apresenta algum tipo de tique, vulgarmente conhecido como tique nervoso. Mas é do conhecimento de poucos que pode tratar-se de uma doença neurológica conhecida como o Transtorno de Tourette, e não apenas uma manifestação de ordem emocional como pensavam os psicanalistas até meados do século XX, período em que foram feitos estudos com o medicamento haloperidol que conseguia atenuar os tiques, deixando claro que o problema seria de ordem neurológica. Se os adultos sofrem com a síndrome, as crianças sofrem ainda mais principalmente no âmbito escolar onde são criticadas por colegas, mas não raramente também são criticados pelos membros da sua família. Esta experiência foi vivenciada por Brad Cohen, portador da Síndrome de Tourette, ou SGT ou ainda ST, como é conhecida. Brad, após anos sofrendo de um “mal” desconhecido, e evoluindo para um final feliz com a sua “amiga” como ele chamava sua síndrome, resolveu contar sua história no filme O primeiro da Classe, um filme emocionante, um exemplo de superação e que vale a pena ser visto. O filme, inspirado em fatos reais, gira em torno da vida de Brad Cohen e de sua doença, que lhe trouxe uma série de complicações na sua vida escolar, período em que sofreu humilhações pelos colegas e professores, devido aos seus tiques motores, próprios do Transtorno de Tou- 49 SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 3 • Maio • Junho de 2012 rette. O transtorno pode se manifestar em qualquer parte do corpo (pernas, barriga, braços, etc), mas em Brad ela se concentrava na região da cabeça e rosto cuja manifestação da doença é mais comum, caracterizada por movimentos bruscos, repetidos e tiques vocálicos. Em sala de aula ele não conseguia se controlar, pois os movimentos da síndrome são involuntários e era obrigado, pela professora, a se desculpar diante da turma e prometer que não repetiria os altos sons vocálicos que tanto incomodavam a professora e fazia as outras crianças rirem dele. Foi encaminhado ao serviço de psicologia, sem sucesso, pois o terapeuta não conhecia a doença e atribuia seus tiques a questões emocionais. Mas Brad teve um anjo em sua vida, sua mãe, que, inconformada com a falta de resposta para estas manifestações, resolveu realizar uma busca nos livros da biblioteca até que encontrou a explicação 50 Em casa, Brad também era pouco compreendido por seu pai, que sentia-se envergonhado com seus sons repetidos, e chegava a agredi-lo verbalmente o que afetava ainda mais sua auto-estima. para o problema de seu filho: Transtorno de Tourette. Tudo se encaixava! Finalmente ela havia encontrado a resposta para suas dúvidas e surgiu uma ponta de esperança na tentativa de ajudar Brad antes que ele fosse massacrado por uma sociedade que não repeitava as diferenças. O que esta descoberta modificou em sua vida? Tudo! A partir daí ele tomou conhecimento que se tratava de um distúrbio neurológico, que ele não fazia propositalmente, como julgava seu pai, e que ele poderia se defender dizendo às pessoas porque fazia aqueles sons “engraçados” como ele dizia. Foi assim que, diante de mais uma humilhação em sala de aula, o diretor da escola, sensibilizado com sua situação, resolveu pedir que Brad declasse em público num grande auditório, porque fazia aqueles sons e qual era o nome do seu problema. A partir daí ele passou a ser melhor entendido e sua vida escolar ficou mais fácil. Mas seus problemas ainda não haviam acabado, até porque o Transtorno de Tourette não desaparece. Brad teria agora que enfrentar uma nova etapa de sua vida para conseguir alcançar o sonho de ser professor e para tanto precisava entrar numa universidade. Felizmente, ele já tinha diagnóstico, e foi apoiado por lei para realizar a prova em local isolado, de maneira a não atrapalhar seus colegas e ele não se sentir constrangido. Ao concluir sua faculdade Brad precisaria enfrentar mais um e importante desafio que seria determinante em sua vida: conseguir um emprego como professor. Seu desejo era poder fazer uma educação diferente daquele que havia recebido, shows, dando entrevistas em programas como Oprah, motivando aos portadores a nunca desistirem de seus sonhos, fundando, inclusive, a Fundação Brad Cohen, uma organização sem fins lucrativos que ajuda a arrecadar fundos para grupos que mantém programas que cuidam de crianças com a síndrome. O livro virou filme que tem emocionado milhões de pessoas e é um exemplo de superação inclusive para as pessoas que não possuem a síndrome, pois se beneficiam da mensagem de nunca desistirem diante das dificuldades. *Simaia Sampaio, Psicopedagoga clínica SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 3 • Maio • Junho de 2012 pois havia sido muito mal compreendido por seus professores. Apesar de seu histórico escolar invejável, com notas excelentes, foi rejeitado por muitas instituições, que ao recebê-lo para a entrevista de trabalhao, estranhavam seus tiques e não achavam que ele se adequaria ao cargo de professor. Mas sua persistência e força de vontade não o fez desistir fácil, até que conseguiu a oportunidade de lecionar na escola Mountain View Elementary School, em Cobb Country, Georgia, com alunos de pré-escola. Brad fez a diferença naquela escola, recebeu o Primeiro Prêmio Professor do Ano da Georgia, realizando uma pedagogia diferente, respeitando as diferenças, ajudando inclusive crianças que necessitavam de atenção especial. Ele bem sabia pelo que estas crianças passavam. Antes do filme Brad havia lançado um livro O Líder da classe: como a Sindrome de Tourette me fez ser o professor que nunca tive, publicado em 2005, ganhador do prêmio Melhor livro educativo do ano. A partir daí Brad passou a aparecer em 51 revista multidisciplinar de desenvolvimento humano Síndromes Março • Abril de 2012 • Ano 2 • Nº 2 Curso Autismo Módulo III Alessandra Freitas Carolina Rabello Padovani Cristina Maria Pozzi Francisco B. Assumpção Jr. Marina Lemos Melanie Mendoza Milena Rossetti 13 anos www.atlanticaeditora.com.br … curso A utismo - m ó dulo I I I Aspectos cognitivos nos transtornos invasivos do desenvolvimento Diferentes comprometimentos cognitivos têm sido descritos como presentes nos Transtornos Invasivos do Desenvolvimento. Prioritariamente, as características sintomatológicas são decorrentes da variabilidade e da extensão dos comprometimentos, requerendo, assim, a análise pormenorizada dos déficits cognitivos apresentados. Neste sentido, as avaliações neuropsicológicasI possibilitam ao clínico, a partir da administração de instrumentos padronizados, entrevistas e questionários, dimensionar o desempenho de funções cognitivas, envolvendo principalmente habilidades de atenção, percepção, linguagem, raciocínio, abstração, memória, aprendizagem, habilidades acadêmicas, processamento da informação, visuoconstrução, afeto, funções motoras e executivas (Conselho Federal de Psicologia, 2004). I A Neuropsicologia é uma área de atuação focada no estudo e na compreensão do funcionamento cerebral como substrato do comportamento como um todo, englobando suas funções cognitivas, motivacionais e emocionais. Sua prática encontra-se norteada por conhecimentos teóricos angariados pelas Neurociências e objetiva investigar a natureza e a gravidade dos sintomas cognitivos, acompanhar o curso de disfunções, avaliar os efeitos de tratamentos medicamentosos ou cirúrgicos e planejar programas de reabilitação. O conhecimento do perfil neuropsicológico, em que se pesem tanto as habilidades quanto as dificuldades cognitivas presentes, fornece informações significativas para realização do diagnóstico diferencial, esquadrinhamento de possíveis comorbidades, considerações sobre prognóstico em termos de mecanismos compensatórios e adaptativos possíveis, prescrição de tratamentos e planejamento de intervenções, além da estruturação de orientações familiares e escolares mais adequadas. Neste artigo, discutiremos os principais aspectos cognitivos encontrados nos Transtornos Invasivos do Desenvolvimento e apresentaremos, de maneira sucinta, instrumentos de avaliação mais adequados a esta população conforme literatura atual. II. Retardo Mental Em função da variabilidade da capacidade intelectual, com características sintomatológicas decorrentes desse perfil de desempenho, os TIDs podem cursar com retardo mental. Avaliações psicométricas do quociente intelectual e de desenvolvimento adaptativo são prioritárias ao diagnóstico, à estimação de prognóstico e ao planejamento terapêutico. Em nosso meio, dispomos de uma quantidade limitada de instrumentos que SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 3 • Maio • Junho de 2012 I. Introdução 53 … SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 3 • Maio • Junho de 2012 avaliam a inteligência. As amplamente empregadas Escalas Wechsler de Avaliação da Inteligência - nas versões da padronização brasileira para crianças (WISC-III) e para adultos (WAIS-III) - permitem o estabelecimento de um quociente de inteligência (Q.I.) verbal e não verbal a partir da administração de diferentes tarefas que envolvem funções cognitivas como atenção, memória, planejamento, abstração, coordenação visuoespacial, sequenciamento, habilidades acadêmicas, entre outras. Nem todos os pacientes estão aptos a responder à escala, uma vez que déficits lingüísticos e na atenção voluntária podem estar presentes. Uma alternativa é administração da Escala de Comportamento Adaptativo de Vineland, que fornece quocientes de desenvolvimento (Q.D.) em quatro domínios: socialização, comunicação, atividades de vida diárias e habilidades motoras. Observa-se correlação significativa entre a capacidade intelectual e o desempenho adaptativo, ou seja, o rebaixamento da eficiência intelectual responde por importantes prejuízos em habilidades de autonomia, independência, comunicação e socialização. 54 III. Funções executivas Vinculadas às regiões cerebrais frontais, as funções executivas compreendem uma vasta gama de processos cognitivos responsáveis sumariamente pela capacidade de planejamento e desenvolvimento de estratégias para resoluções de problemas. Estes processos, de maneira integrada, permitem ao indivíduo direcionar seu comportamento mediante ao estabelecimento de metas, concomi- tante com a avaliação de sua eficiência e adequação. Mais especificamente, propõe-se que a flexibilidade mental, a integração de detalhes num todo coerente e o manejo de múltiplas fontes de informação, coordenados com o uso do conhecimento adquirido ao sujeito a seleção de comportamentos mais adaptados ao contexto. Outros processos têm sido atrelados ao funcionamento executivo, como controle inibitório, memória operacional, atenção, categorização, fluência e criatividade. Prejuízos descritos como sintomas disexecutivos respondem por um importante comprometimento funcional sócio-ocupacional, gerando problemas significativos quanto à adaptação social, à organização das atividades de vida diárias e ao controle emocional. A hipótese de comprometimento da função executiva, apontada por muitos autores como um dos déficits subjacentes aos Transtornos Invasivos do Desenvolvimento, parte da semelhança entre o comportamento de indivíduos com disfunção cortical pré-frontal com aqueles que apresentam o transtorno. Características como inflexibilidade (presença de atividades ritualísticas e repetitivas), perseveração e dificuldades no relacionamento interpessoal, podem ser explicadas pelo comprometimento no funcionamento do lobo frontal. As analogias descritas foram posteriormente comprovadas por meio da análise dos resultados do desempenho de indivíduos com autismo em testes destinados a mensuração das funções executivas. O Teste Wisconsin de Classificação de Cartas (WCST) é um instrumento originalmente construído para exame da … capacidade de raciocínio abstrato e da capacidade para alterar as estratégias cognitivas conforme as contingências ambientais mutáveis. Considerado uma medida de “função executiva”, o WCST requer a capacidade de planejamento estratégico, exploração organizada do meio e flexibilidade mental utilizando os feedbacks ambientais, a fim de direcionar para um comportamento adaptado, modulando respostas impulsivas. No que concerne à avaliação da capacidade de planejamento prático, clínicos e pesquisadores têm empregado a Torre de Hanói. Derivada de um jogo criado pelo matemático francês Edouard Lucas, atualmente é encarada como um teste neuropsicológico que avalia formulação de um objetivo, antecipação, planejamento e monitoração para um desempenho efetivo, como a Torre de Londres desenvolvida por Shallice em 1982. Considerando-se que as funções executivas abarcam uma série de processos cognitivos diretamente ligados a comportamentos adaptativos, diferentes instrumentos precisam ser administrados em sua avaliação. Subtestes das escalas Wechsler (descritas anteriormente), como Cubos, Semelhanças e Arranjo de Figuras, fornecem dados significativos acerca de planejamento prático, categorização e seqüenciamento. No entanto, sugere-se sua administração seja realizada concomitantemente com instrumentos mais específicos, como os acima citados. IV. Teoria da Mente A Teoria da Mente, ou metacognição, refere-se à habilidade de inferir o que os outros pensam (crenças, intenções e desejos) com o objetivo de explicar ou predizer os seus comportamentos. Estes conceitos são estabelecidos nos indivíduos com desenvolvimento típico entre três e quatro anos de idade. Um déficit nesta habilidade é apontado como uma das possíveis causas para o pobre desenvolvimento social, imaginário e comunicativo em autistas. Originalmente criado por dois psicólogos austríacos, o teste conhecido como Sally-Anne task ajudou pesquisadores a testarem a hipótese desse comprometimento da metacognição. Sally e Anne estão brincando juntas. Sally tem uma bola de gude que coloca em uma cesta antes de sair da sala. Enquanto Sally está fora, Anne move a bola para uma caixa. Quando Sally retorna, ela deve procurar a bola na cesta. Este cenário é apresentado por meio de fantoches. Crianças com desenvolvimento típico com idade igual ou superior a quatro anos de idade sabem que Sally irá procurar a bola na cesta apesar de saberem que a bola está na caixa, ou seja, elas conseguem representar a “crença falsa” de Sally assim como o estado verdadeiro das coisas. Em amostra de 20 crianças autistas com idade mental média de nove anos de idade, 16 falharam. Apesar de terem respondido várias perguntas corretamente sobre o episódio, disseram que Sally iria procurar a bola na caixa, ou seja, não conseguiram conceituar o fato de Sally acreditar em uma coisa que não fosse verdade. Assim como este, outros experimentos foram realizados, confirmando que os autistas apresentam um déficit em compreender estados mentais. Nesse sentido, Baron-Cohen e seus colaboradores, criaram o Reading the Mind in the SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 3 • Maio • Junho de 2012 curso 1 - A utismo 55 … Eyes Test (Teste de Ler a Mente através dos Olhos) para identificar prejuízo na habilidade de inferir emoções e estados mentais a partir de expressões faciais. A versão para crianças do teste compreende 28 itens, mais um de exemplo, que consistem na apresentação de pranchas com uma foto da região dos olhos, e quatro alternativas de emoções, das quais o indivíduo deve escolher aquela que ele julgue descrever melhor a foto. SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 3 • Maio • Junho de 2012 V. Atenção compartilhada ou conjunta 56 O modelo de Tomasello (2003) sobre a evolução da cognição humana busca­ conciliar, em um mesmo quadro conceitual, aspectos filo­genéticos, ontogenéticos e culturais para explicar a aquisição desenvolvimento da linguagem simbólica. Sua hipótese central é que a aquisição e o desenvolvimento de competências linguísticas são processos sócio-biológicos envolvendo habilidades sócio cognitivas de compreensão e compartilhamento de intencionalidade e a participação em atividades sócio-comunicativas, historicamente estabelecidas, com indivíduos humanos linguística e simbolicamente competentes. Esse modelo propõe que somente a partir dos nove meses de idade que os bebês humanos começam a apresentar comportamentos relacionados à vida social, o que o autor chama de habilidades de atenção conjunta, tais como (em ordem cronológica de aparecimento na ontogênese): envolvimento conjunto, acompanhamento do olhar, acompanhamento do ato de apontar, imitação de atos instrumentais, imitação de atos arbitrários, respostas de obstáculos sociais, uso de gestos imperativos e uso de gestos declarativos. A atenção conjunta, de origem ontogenética segundo o autor, não está presente no nascimento e não é explicada pela história de aprendizagem, mas participa dos processos de aprendizagem cultural, incluindo os mais complexos. Dessa forma, as crianças começam a apresentar evidências de atenção conjunta quando começam a compreender que os outros são agentes com intencionalidade, que os outros são como elas, mudança que o ocorre justamente próxima dos nove meses. Ao perceber isso, a cada aquisição de conhecimento que ela obtem acerca de si e da sua interação com o mundo, incrementa seu conhecimento acerca do outro, melhorando o desempenho geral em tarefas e na interação com os demais. Após os noves meses a criança torna-se mais apta a aprender os elementos de sua cultura por meio da interação com os membros de seu grupo com a intensificação do estímulo que ocorre quando ele é apontado ou manipulado por outro indivíduo; e com a imitação, comportamento pelo qual o bebê pode aprender sobre ações intencionais. Nos experimentos citados por Tomasello, quando a criança vê o adulto e percebe os resultados de sua ação, desempenha melhor as tarefas do que imitando apenas a ação. Tendo como alicerces a atenção conjunta e a compreensão que ocorre por meio da identificação com os outros seres, a criança passa a ser inscrita no contexto cultural e ter acesso à herança cultural, seja pela percepção que ocorre sobre os objetivos e resultados … É pelo engajamento da criança em atividades colaborativas, a partir desse último período, que ocorrerão formas únicas de interação social, aprendizagem cultural, comunicação simbólica e a internalização de representações cognitivas acerca das perspectivas de outros indivíduos, para assim, utilizá-las para mediar sua compreensão do mundo e da cultura humana. Entretanto, a hipótese pressupõe uma falta de motivação das crianças autistas para compartilhar intencionalidade, o que as tornaria limitadas para criar e participar de elementos culturais com outros indivíduos. Desse modo, o grau de comprometimento dessa habilidade nesse grupo deve ser avaliado por meio de observações clínicas e o auxílio de instrumentos como as escalas específicas. VI. Comportamento Social As habilidades sociais são definidas como: um conjunto de comportamentos emitidos por um indivíduo em contexto interpessoal no qual expressa os sentimentos, atitudes, desejos, opiniões ou direitos de um modo adequado à situação, respeitando tais comportamentos nos demais e, geralmente, permite a resolução de problemas imediatos da situação enquanto minimiza a probabilidade de futuros problemas. Prejuízos na interação social podem ser observados nos TIDs, caracterizados por uma série de comportamentos, que incluem evitar o contato visual direto, não responder quando chamado, não participar de atividades em grupo, não tomar consciência dos outros, mostrar indiferença a afeições e ausência de empatia social ou emocional. Três construtos sociais aceitos descrevem o desenvolvimento social: reciprocidade afetiva, atenção compartilhada (ou conjunta) e a Teoria da Mente. A reciprocidade afetiva representa a fase inicial da comunicação social e torna-se evidente antes dos seis meses de idade. É caracterizada pela orientação mútua e pela troca de sinais não verbais entre o cuidador e a criança, mas pesquisas para descrever atrasos nesta fase são escassas e partem principalmente de relatos paternos, muitas vezes são inespecíficos por desconhecimento do que é típico. SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 3 • Maio • Junho de 2012 de atos de outros indivíduos, seja pelas potencialidades de artefatos manipulados por outras pessoas, ou por gestos dela (solicitando informações, por exemplo). No caso das crianças autistas, Tomasello e cols. (2005) afirmam que, embora elas compreendam certos aspectos da ação intencional, e, portanto, possuam algumas habilidades de aprendizagem social, não há evidências de que elas sejam capazes de interagir com o mundo, do mesmo modo que as crianças normais, nos três níveis descritos pelo autor: • Engajamento diádico: Por volta dos seis meses de vida, crianças compartilham com os outros, ações e estados emocionais; • Engajamento triádico: Por volta dos seus nove meses de vida, crianças compartilham objetivos, ações e percepção uns dos outros; • Engajamento colaborativo: Por volta dos 14 meses de vida, crianças compartilham estados intencionais e percepções, e adotam uma ação conjunta para atingir um objetivo compartilhado. 57 … SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 3 • Maio • Junho de 2012 58 Nesse sentido, observa-se no desenvolvimento típico de bebês, a partir dos seis meses de idade, a capacidade de coordenar a atenção com um parceiro social em relação a um mesmo objeto ou evento, o que constitui elemento fundamental para o estabelecimento da comunicação social e da cognição social em crianças. A atenção compartilhada refere-se aos comportamentos infantis que se revestem de propósito declarativos, na medida em que envolvem vocalizações, gestos e contato ocular para dividir a experiência em relação às propriedades dos objetos/eventos a seu redor. Alguns estudos demonstraram comprometimentos da atenção compartilhada em crianças autistas comparadas às com desenvolvimento típico e retardo mental sem autismo. Do mesmo modo, o déficit em Teoria da Mente em autistas, os torna incapazes de inferir pistas sociais sutis a partir das expressões emocionais e do comportamento de seu interlocutor, prejudicando a interação social recíproca (Baron-Cohen e seus colaboradores, 1985), uma vez que lhes falta a habilidade de compreender que os outros possuem intenções mentais encobertas, e assim não entendem o estado interior de outra pessoa, não interpretando expressões emocionais e comportamentos. Sendo assim, o comprometimento em reciprocidade afetiva, atenção compartilhada e Teoria da Mente seriam responsáveis por déficits nas habilidades sociais. Portanto, indivíduos com TID apresentariam menor grau de habilidades sociais, sendo considerados socialmente menos competentes pelos resultados que produzem na interação social. A prática clínica indica para a avaliação da competência social instrumentos que examinem o desempenho de habilidades sociais esperadas para cada faixa etária. No Brasil, está disponível o Inventário de Habilidades Sociais (IHS) para a avaliação de adultos. Para crianças de 7 a 12 anos está disponível o Sistema Multimídia de Habilidades Sociais-Del-Prette (SMHSC-Del-Prette). Pode, inclusive, ser utilizado como recurso instrucional em programas educativos ou terapêuticos de promoção da competência social de crianças em faixa etária correspondente à da primeira fase do ensino fundamental, sendo que a avaliação pode ser manual ou informatizada. Para indivíduos de idade superior, o Inventário de Habilidades Sociais para Adolescentes (IHS-A) permite avaliar dois indicadores: a freqüência e a dificuldade com que reagem às diferentes demandas de interação social. Os itens do IHSA-Del-Prette foram elaborados de modo a contemplar, junto a diferentes interlocutores e contextos, as principais classes de habilidades sociais requeridas na adolescência, constituindo um recurso interessante, inclusive, na avaliação de jovens com Síndrome de Asperger que necessitam de treino específico em habilidades sociais. VII. Teoria da Coerência Central A Coerência Central refere-se à capacidade de processar informações de forma a integrar diversos pontos e detalhes em um processamento global e coerente. Não juntar naturalmente partes de informações para formar um ‘todo’ provido de significado, é uma das características mais marcantes no autismo, por exemplo, no qual é freqüente a tendência em ver … • Coerência perceptual; indivíduos com autismo na faixa etária de 8 a 16, com QI de 40 a 92, foram expostos a um texto com ilusões visuais. O objetivo foi analisar o desempenho dos autistas diante de ilusões que exigiam uma visão global. Estes testes mostraram que os autistas são menos propensos a serem enganados por ilusões visuais em duas dimensões do que indivíduos do grupo controle com desenvolvimento intelectual típico ou com retardo mental. Já no caso de ilusões em três dimensões os autistas apresentaram um desempenho semelhante ao outros grupos. • Coerência na construção viso-espacial; indivíduos com autismo demonstraram facilidade em realizar tarefas compondo uma figura maior a partir da junção de peças menores, como no subteste Cubos das Escalas Wechsler para Avaliação da Inteligência. O sucesso nessas tarefas enfatiza o processamento segmentado e focado em detalhes. • Coerência verbo-semântico: examinaram a leitura de frases com homógrafos (palavras com a mesma grafia, mas com pronúncia distinta) no qual a diferença da pronúncia gerava significado diferente dependendo do contexto, por exemplo, “Ela pega” (é) e “Ela pega” (ê). Indivíduos com o transtorno falharam nesta tarefa quando comparados a outros grupos. No Brasil, ainda não temos instrumentos padronizados para avaliar Coerência perceptual e Coerência verbo-semântico, entretanto, para avaliar a coerência na construção viso-espacial está disponível o subteste Cubos das Escalas Wechsler. VIII. Funções Visuoespaciais Envolvem uma série de habilidades relacionadas à percepção adequada de estímulos (precisão), ao processamento visual (lógica), à capacidade de analisar e integrar os estímulos mentalmente. Além disso, envolvem a capacidade de gestalt (compreensão de figura-fundo), a aptidão em transformar a imagem mental em ato motor (esquemas mentais associados à construção gráfica ou motora), a competência em discriminação de formas e estímulos (auditivos, táteis) e a análise de proporcionalidade dos estímulos. SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 3 • Maio • Junho de 2012 partes, ao invés da figura inteira, e em preferir uma seqüência aleatória, ao invés de uma provida de significado. Hill & Frith (2003) sugerem que os autistas apresentam um distúrbio com relação ao processamento de informações, sendo focado em detalhes. No entanto, esta forma de processar acarreta um empobrecimento na capacidade de compreensão global assim como um déficit na contextualização dos significados. É possível observar, em indivíduos autistas, uma preocupação com detalhes e partes, em detrimento de informações globais. Esta teoria foi capaz de explicar desempenhos altos e baixos com um postulado que prevê uma performance relativamente boa na qual é necessária atenção em informações locais, mas uma performance baixa nas tarefas que exigem um reconhecimento global ou integral do contexto. O postulado foi confirmado por meio de estudos que Frith e seus colaboradores realizaram focando basicamente três níveis: 59 … SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 3 • Maio • Junho de 2012 60 Os principais processos cognitivos associados à identificação e reconhecimento de objetos incluem os: • Processos Visuais Primários: associados à acuidade visual, discriminação de formas, cor, movimentos e posição. Tais funções se relacionam às áreas cerebrais de projeções primárias (BA 17) tanto no hemisfério esquerdo quando no direito. • Processos Aperceptivos: integram os processos visuais primários em estruturas perceptivas coerentes possibilitando perceber a forma de um objeto. Áreas visuais associativas tais como o córtex parietal e o têmporo-occipital no hemisfério direito estão particularmente relacionados a estas funções. • Processos Associativos: são responsáveis pela análise semântica do objeto ou reconhecimento do seu significado. Estão vinculados às regiões têmporo-occipital no hemisfério esquerdo. ção. Objetiva a investigação das funções de visuoconstrução a partir da cópia de uma figura e sua posterior reprodução visuoconstrutiva gráfica (ou seja, avalia também memória episódicaII), que envolve as habilidades de síntese e construção. As habilidades de praxia e visuoconstrução referem-se às habilidades que permitem executar ações voltadas a um fim no plano concreto, por meio da atividade motora. Estas ações dependem de algumas condições: percepção visual, raciocínio espacial, habilidade para formular planos ou metas, comportamento motor e capacidade de monitorar o próprio desempenho. São descritos prejuízos nessas áreas em indivíduos com autismo, especialmente vinculados a déficits de planejamento (organização do ato motor) e na análise de características dos processos perceptivos e associativos (coerência central). O teste Figuras Complexas de Rey é um instrumento indicado para esta avalia- A Escala de Traços Autísticos (ATA) foi inicialmente construída em Barcelona por Ballabriga e colaboradores (1994). Nasceu a partir da discussão dos aspectos mais significativos da síndrome, partindo-se de diferentes instrumentos e da experiência clínica dos autores, sendo embasada primordialmente nos critérios do DSM-III-R. Sua aparição unificou uma série de critérios, embora seja ampla e muito pouco específica, pois envolve uma série de quadros e mesmo de sinais que pertencem a um grupo muito maior de quadros. Na tradução brasileira foi adaptada segundo os critérios do DSM-IV. IX. Escalas Diagnósticas As escalas diagnósticas permitem a mensuração das condutas apresentadas de maneira a se estabelecer um diagnóstico de maior confiabilidade. Podem estar organizadas em forma de questionário, de listas de sintomas ou de inventários. São administradas na avaliação de aspectos específicos do comportamento ou para acompanhar a evolução de determinados quadros. Poucas se encontram publicadas no Brasil e geralmente são utilizadas em pesquisa. Escala de Traços Autísticos (ATA) II Especificamente, a memória episódica visual gráfica. … A Escala de Critérios Autísticos (CARS) A Childhood Autism Rating Scale (CARS) oferece a possibilidade de distinção de graus de autismo, variando entre leve, moderado e grave. Configura-se como uma escala para rastreio de comportamentos autísticos, fornecendo diferentes itens como relacionamento interpessoal, imitação, resposta emocional, entre outros. Sua pontuação é apresentada conforme a análise de características sintomatológicas presentes que podem variar de “sem evidência de dificuldade ou anormalidade” a “anormalidade moderada”. Sugere-se sua administração juntamente com a ATA. X. Considerações Finais A avaliação dos aspectos cognitivos, conforme descrevemos neste artigo, é parte fundamental na consideração de um diagnóstico mais fidedigno diante da suspeita de um Transtorno Invasivo do Desenvolvimento. Comprometimentos na eficiência intelectual, no funcionamento executivo, nas habilidades sociais e atencionais, de coerência central, de capacidades Visuoespaciais e de teoria da mente, são descritos com apresentação variável em termos de gravidade e extensão, e se encontram no cerne dos prejuízos adaptativos observados nesta população. Isso posto, julgamos necessário o envolvimento de diferentes profissionais para uma avaliação global das características sintomatológicas apresentadas no quadro. Sob o ponto de vista das funções cognitivas, os técnicos responsáveis podem lançar mão, conforme aqui exposto, de diferentes instrumentos, desde que adequados a cada caso e, delineados a partir da queixa, antecedentes, hipóteses diagnósticas aventadas e objetivos específicos. SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 3 • Maio • Junho de 2012 É composta por 23 subescalas, cada uma das quais divididas em diferentes itens. É um instrumento de fácil aplicação, acessível a profissionais que têm contato direto com a população autista. Sua administração baseia-se na observação tendo por base a sintomatologia autística, após informação detalhada dos dados clínicos e evolutivos da criança. Atualmente, utiliza-se ponto de corte 23. Estudo de validade concluiu que neste ponto de corte a escala mostrou-se mais precisa para rastrear sintomas autísticos em comparação com amostra de deficientes mentais. 61 Síndromes Julho • Agosto de 2012 • Ano 2 • Nº 4 revista multidisciplinar do desenvolvimento humano Diretoria Ismael Robles Junior [email protected] [email protected] (11) 4111 9460 Antonio Carlos Mello [email protected] Coordenador Editorial Dr. Francisco B. Assumpção Jr. Colaboraram com essa edição Alessandra Freitas Russo Carolina Rabello Padovani Cristina de Freitas Cirenza Evelyn Kuczynski Julianna Di Matteo Dr. Francisco Assumpção Junior Leandra Migotto Certeza Maria Sigride Thomé de Souza Simaia Sampaio Simone Nascimento Fagundes Zein Mohamed Sammour Administração e vendas Antonio Carlos Mello [email protected] Vendas Corporativas Antônio Octaviano [email protected] Marketing e Publicidade Rainner Penteado [email protected] Editor executivo Dr. Jean-Louis Peytavin [email protected] Editor assistente Guillermina Arias [email protected] Direção de arte Cristiana Ribas 2 3 10 15 21 27 30 33 [email protected] Atlântica Editora Praça Ramos de Azevedo, 206/1910 Centro 01037-010 São Paulo SP Atendimento (11) 3361 5595 [email protected] Envio de artigos para: [email protected] [email protected] www.atlanticaeditora.com.br 36 39 40 EDITORIAL Dr. Francisco Assumpção Junior artigo do mês Transtorno bipolar do humor Francisco B. Assumpção Jr. Evelyn Kuczynski entrevista Transtorno Bipolar e Depressão Dr. Miguel Angelo Boarati Leandra Migotto Certeza desenvolvimento Sobre a noção de tempo Melanie Mendoza reabilitação Escola especial: conceitos e reflexões dra. Alessandra Freitas Russo Christine Luise Degen inclusão Inclusão escolar Simone Cucolicchio O programa de inclusão de pessoas com deficiência nas empresas – o fortalecimento no processo de fidelização do colaborador Janaina Foleis Fernandes * de mãe, pra mãe A importância da família para que tem transtorno bipolar Por Sonia Maria Bandeira Leandra Migotto Certeza artigo do leitor O programa de inclusão de pessoas com deficiência nas empresas – o fortalecimento no processo de fidelização do colaborador Janaina Foleis Fernandes Até Quando? Alexandre Soares reportagem O sonho Por Maria de Fátima de Oliveira Leandra Migotto Certeza A revista Síndromes é uma publicação bimestral da Atlântica Editora ltda. em parceria com Editora Robles - Ismael Robles Jr. me, com circulação em todo território nacional. Não é permitida a reprodução total ou parcial dos artigos, reportagens e anúncios publicados sem prévia autorização, sujeitando os infratores às penalidades legais. As opiniões emitidas em artigos assinados são de total responsabilidade de seus autores e não expressam, necessariamente, a opinião da revista Síndromes. Mandem artigos com no máximo 400-500 palavras, consistindo somente em uma opinião embasada em pequena bibliografia (3 ou 4 citações no máximo), podem estar na mesma página ou em páginas diferentes. Praça Ramos de Azevedo, 206 sl. 1910 - Centro - 01037-010 São Paulo - SP Atendimento (11) 3361-5595 - [email protected] - Assinaturas - E-mail: [email protected] editorial SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 4 • Julho • Agosto de 2012 Dr. Francisco Assumpção Junior 2 Com este, chegamos ao oitavo número desta publicação, editada de maneira ininterrupta durante todo esse período o que, convenhamos, não é tarefa fácil em um país que prima pelas dificuldades editoriais, principalmente no que se refere a um mercado tão técnico e específico. Trazemos aqui a mesma estrutura das edições anteriores, com o artigo de base referindo-se ao Transtorno Bipolar, quadro que, neste momento, encontra-se no auge do interesse através de divulgação na mídia leiga. Aliás, a questão da divulgação na mídia não especializada talvez seja um tema que deva ser considerado uma vez que cabe diferenciarmos artigos de divulgação, apresentados em revistas específicas como esta, por exemplo, e artigos divulgados através da imprensa leiga. Isso porque os primeiros, embora destinados a um público leigo e sem um caráter científico que prevê uma metodologia e apresentação características, têm, como preocupação, a seriedade nas informações, representadas através de técnicos responsáveis pelos textos e pela seleção dos assuntos. As publicações gerais, ao contrário, habitualmente interessam-se principal- mente pela atualidade, sensacionalismo e eventual utilidade do tema fornecendo assim informações, muitas vezes pouco sérias ou sem embasamento teórico suficiente. Esse talvez tenha que ser um cuidado quando se lê ou cita determinadas fontes posto que, essas nem sempre têm o cuidado necessário para determinadas afirmações que, quando feitas de maneira impensada, tornam-se de domínio público causando danos à população interessada. Nosso princípio tem sido esse. Nossas informações não são, na grande maioria das vezes, novas ou inovadoras porém tem embasamento suficiente para terem credibilidade. Exatamente por isso é que os artigos têm sido, cada vez mais, selecionados e controlados para que as informações apresentadas tenham um caráter de aceitação institucional. Esse é o objetivo que perseguimos e que, acreditamos, estejamos alcançando. Esperamos que a leitura deste número seja agradável para todos e que as informações aqui apresentadas sejam úteis aos interessados na área. Boa leitura Francisco B. Assumpção Jr. arti g o do m ê s Transtorno bipolar do humor Os transtornos do humor (depressão e transtorno bipolar, entre outras entidades menos veiculadas) são condições psiquiátricas que se apresentam (via de regra) na forma de recorrentes períodos (as chamadas “fases”) de polarização do humor, acompanhados de outros sintomas (secundários a esta polarização). Refutado até muito recentemente entre crianças e adolescentes (em função de teorias então vigentes), ainda hoje seu diagnóstico é um desafio, dado que muitas atitudes e comportamentos criam dificuldades no diagnóstico diferencial, gerando muita discussão sobre o tema. Um indivíduo pode apresentar apenas episódios depressivos ao longo do curso de sua doença (o denominado “transtorno depressivo recorrente”), mas a presença em seu histórico de um único episódio de “mania” (mesmo na ausência de episódios depressivos) caracteriza o diagnóstico de “transtorno bipolar” (ou “episódio maníaco”, se o quadro não se apresentou ainda com recorrências). Uma vez que as manifestações de uma fase depressiva foram extensamente detalhadas em artigo prévio (Kuczynski E & Assumpção Jr FB., 2012), buscaremos nos concentrar nos aspectos relacionados a “mania” (em todas as suas particularidades). A chamada “fase maníaca” é um quadro grave e que resulta numa queda acentuada do desempenho escolar. Tais pacientes apresentam irritabilidade prevalente e instabilidade do humor (o que pode se manifestar por episódios de choro imotivado). A agressividade auto- (contra si mesmo) ou heterodirigida (voltada para outrem) também se mostra muito presente. Inquietas, falam muito mais rápido do que o normal, com grande aumento da distratibilidade, e muitas vezes há o relato de uma reduzida necessidade de dormir. Pensamentos fantasiosos e de grandeza podem se manifestar na forma de acidentes (muitos se veem como super-heróis, ou creem ter poderes especiais). Os egípcios e sumerianos, por volta de 2.600 A. C., já buscavam estabelecer um diferencial entre a melancolia (hoje denominada “depressão”) e a histeria. Já Hipócrates (460-377 A. C.) apresentou uma classificação para transtornos mentais que incluía a melancolia e a mania. A mania seria um transtorno mental agudo (na ausência de febre). A melancolia correspondia a vários tipos de transtornos mentais que se assemelhavam pela cronicidade. De acordo com as teorias vigentes na época, relacionou tais quadros ao temperamento, associando os coléricos à hostilidade, os sanguíneos à alegria, os melancólicos à depressão, e os fleumáticos à apatia e indiferença. Mas entre crianças estes quadros não foram descritos até 1621, quando Robert SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 4 • Julho • Agosto de 2012 Francisco B. Assumpção Jr. Evelyn Kuczynski 3 SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 4 • Julho • Agosto de 2012 4 Burton descreve crianças melancólicas (portadoras de tristeza, desesperança, ausência de prazer...), associando tal quadro a pais de má índole, madrastas, tutores, professores muito rigorosos e severos, ou omissos e indulgentes, numa tentativa de explicação psicogenética. Em 1845, Esquirol descreve algumas crianças com quadro maniforme, mas Kraepelin (famoso por haver identificado e descrito as diferenças entre a psicose maníaco-depressiva e a demência precoce, posteriormente batizada de “esquizofrenia”, com base em sua evolução natural) considerava muita rara a mania em idades precoces, observando ainda que cerca de 0,5% dos pacientes adultos haviam tido um primeiro episódio na infância. Bleuler também descreve observações infantis. Com a progressiva mudança conceitual e de critérios de diagnóstico, surge uma visão menos restritiva, com a observação de que muitos adolescentes e adultos jovens (até então diagnosticados como esquizofrênicos) eram portadores de transtornos afetivos. Entretanto, a dificuldade diagnóstica constituía-se em fator de importância, em função das dificuldades observadas (principalmente) na avaliação das crianças mais jovens. Desta forma, Weinberg (baseado nos critérios de Feighner) elabora uma adaptação do diagnóstico para crianças e adolescentes, dada a necessidade de se criar critérios e escalas adequadas, voltadas ao diagnóstico dos transtornos bipolares nesta faixa etária, adaptadas aos diferentes níveis de amadurecimento. A partir deste modelo, vários autores observaram que 50% das crianças diagnosticadas como portadoras de distúr- bios de conduta, transtorno do déficit de atenção-hiperatividade (TDAH), distúrbios de conduta, transtorno do déficit de atenção-hiperatividade ou esquizofrenia apresentavam os critérios de diagnóstico do DSM-III para mania. No início dos anos 90, passa a se utilizar escalas de avaliação para transtorno bipolar em crianças e adolescentes, visando maior acurácia diagnóstica. O transtorno maníaco na criança é um quadro grave, que afeta seu relacionamento familiar e sua performance escolar. Seu diagnóstico obrigatoriamente exclui o de esquizofrenia, transtorno esquizofreniforme, transtorno delirante ou transtorno psicótico sem outra especificação, assim como não pode ser firmado durante o uso associado de drogas psicoativas. Esses episódios maníacos podem ser classificados em leves, moderados ou graves, devendo-se especificar presença ou ausência de sintomas psicóticos. Já a hipomania se caracteriza pela presença de uma elevação discreta (mas persistente) do humor, da energia e da atividade, associada (em geral) a um sentimento intenso de bem-estar e de eficácia física e psíquica. Aumenta o nível de sociabilidade, a produção verbal, a desinibição social e a libido, muitas vezes associada a mesma redução da necessidade de sono. Não são sintomas, contudo, graves a ponto de deteriorar o desempenho profissional ou desencadear rejeição por parte do grupo social (fato que dificulta o engajamento do paciente em tratamento, já que ele se considera “muito bem, não há nada de errado comigo”). A euforia e a sociabilidade são por vezes substituídas por irritabilidade constante, atitude altiva e pretensiosa Outra classificação (não oficial) utiliza os conceitos de bipolar I e II (sendo a última caracterizada por apenas hipomania e depressão), e o termo bipolar III, que é utilizado para descrever aquilo que o DSM-III chamava de ciclotimia, ou bipolar IV (quando mania ou hipomania são precipitadas por medicações antidepressivas). Bipolar V descreveria aqueles indivíduos que tem somente um único episódio depressivo (com história familiar de transtorno bipolar), e bipolar VI identifica as manias unipolares (nunca episódios depressivos, só fases de mania). Tal classificação tem sua importância em função da caracterização do risco associado de um episódio depressivo ou hipomaníaco ser apenas o prenúncio de uma fase maníaca franca, por vezes psicótica, com todos os danos e riscos associados a este tipo de quadro. Alguns fatores importantes encontram-se associados ao transtorno bipolar. São eles: predomínio no sexo masculino; em meninos de 10 anos ou mais; história familiar de transtorno bipolar; alto grau de insatisfação conjugal entre os pais; episódios estressantes (que podem ser os fatores desencadeantes do episódio maníaco, embora muitas vezes não se consiga estabelecer uma relação direta entre os eventos). Em crianças e adolescentes, seu diagnóstico é difícil, com inúmeras razões para que esses pacientes sejam mal diagnosticados, como por exemplo: • episódios de depressão e/ou hipomania leves sendo confundidos com transtornos de ajustamento (quadro comportamental associado a adaptação a situações psicossociais críticas, como doenças, internações, separação conjugal, mudança de local de moradia ou estilo de vida, etc.); • episódios precoces de transtornos de humor sendo confundidos com ansiedade de separação, fobia escolar, anorexia ou transtornos de conduta, incluindo o TDAH; • episódios graves confundidos com esquizofrenia (em função de sintomatologia), na forma de fuga de ideias, pensamento incoerente, bem como ideias de conteúdo paranóide, SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 4 • Julho • Agosto de 2012 ou comportamento rude. As perturbações de humor e de comportamento não se encontram acompanhadas de alucinações, ou de ideias delirantes. Desta forma, podemos ainda encontrar: • transtorno bipolar, episódio misto, numa mistura de sintomas de mania e depressão, constatando-se presença de depressão ao menos por um dia, alternado rapidamente com mania; • transtorno bipolar, tipo depressivo, onde o episódio atual é de natureza depressiva (havendo relato de um ou mais episódios anteriores de mania); • ciclotimia, onde observamos inúmeros episódios de hipomania que ocorrem em períodos de, ao menos, um ano, podendo se encontrar associados vários episódios de humor deprimido ou perda de interesse ou prazer, que não reúnem todos os critérios de diagnóstico para um episódio depressivo franco ao longo do mesmo período de tempo; • transtorno bipolar sem outra especificação (ou SOE), com características maníacas ou hipomaníacas, que não satisfazem os critérios para qualquer outro transtorno bipolar específico. 5 irritabilidade, alucinações e delírios (secundários ao humor). SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 4 • Julho • Agosto de 2012 Apesar dos achados variarem para os diversos estudiosos do tema, algumas características tem sido sistematicamente apresentadas como distintas na fenomenologia e curso do transtorno bipolar pediátrico: (1) humor expansivo ou elevado; (2) irritabilidade proeminente; (3) episódios prolongados caracterizados por períodos de sintomatologia sutil; (4) sintomas depressivos entremeados por sintomas maníacos (ou hipomaníacos); (5) alta prevalência das chamadas “comorbidades”, especialmente TDAH, outros transtornos de conduta e transtornos ansiosos; (6) elevadas taxas de transtornos por uso de substâncias psicoativas (entre os adolescentes mais velhos); (7) grande prevalência de sintomas psicóticos e tentativas de suicídio (com prejuízo funcional significativo). 6 Devido à semelhança entre os sintomas da hipomania e do TDAH (como as queixas parentais de um falar excessivo e de ansiedade), esses pacientes podem apresentar também um embotamento cognitivo, um prejuízo da concentração, agitação, logorréia, impulsividade e anedonia (perda do prazer associado a atividades previamente prazerosas), além da dificuldade das crianças com TDAH de obter satisfação contínua em atividades que mantêm o interesse das crianças normais. Há que se destacar que a criança com TDAH tem humor irritável. No entanto, este último é um quadro du- radouro, e o seguimento dessas crianças não revela uma evolução na direção do transtorno bipolar, pelo menos não na forma clássica ou bipolar não complicada, o que muitas vezes leva a mais confusão no processo diagnóstico. Nunca é demais lembrar que (da mesma maneira que com relação à sintomatologia depressiva) algumas condições clínicas (como o hipertireoidismo, por exemplo) e o uso de algumas medicações (entre elas os antidepressivos, os estimulantes e os esteroides) pode desencadear sintomas assemelhados ao quadro maníaco em indivíduos suscetíveis, quadros estes muitas vezes indistinguíveis de uma fase maníaca (ou hipomaníaca) de origem endógena. Apenas uma anamnese apurada (associada ao exame clínico e psíquico detalhado) pode prevenir tais incorreções diagnósticas. Em crianças (pré-púberes), a clássica mania-depressão é rara, apesar de ainda não ser claro quão rara é. Por outro lado, sintomas maníacos e graves instabilidades das emoções são bem mais comuns e tem causado grande preocupação. Este grupo específico é heterogêneo, com sintomatologia maníaca surgindo após o início de outras condições clínicas, neurológicas e psiquiátricas, ou que reagem com sintomas maníacos ao uso de drogas (ilícitas ou prescritas), além das que apresentam atraso ou prejuízo no desenvolvimento da regulação das emoções. Em crianças, poucos são os estudos prospectivos de transtorno bipolar, embora se acredite que possam se apresentar como transtornos comportamentais crônicos (com hostilidade, agressividade e distratibilidade). Os estudos já realizados 100.000 em 2003. Levantamento realizado pelo National Institute for Mental Health identificou uma duplicação do número de crianças e adolescentes atendidos por transtorno bipolar em diversos países, sendo que este aumento chega a 40 vezes (em algumas localidades dos EUA)! É possível se tratar de um exagero este boom diagnóstico da última década, o que sugere um despreparo dos psiquiatras em campo, que não se mostram capacitados a identificar corretamente sintomas e sinais do transtorno bipolar nesta faixa etária, o que pode estar levando a que se atribua este rótulo a todo e qualquer caso de difícil caracterização diagnóstica ou que se mostre refratário às opções terapêuticas. Estudos retrospectivos e longitudinais de evolução natural relatam que 40 a 100% das crianças e adolescentes com transtorno bipolar se recuperam em um período de um a dois anos, mas 60 a 70% apresentarão recorrência do quadro (em média 10 a 12 meses após). Por definição, os transtornos de humor são um complexo clínico multifatorial. Assim sua terapêutica deve ser orientada. No caso do transtorno bipolar, esse tratamento tem sido menos abordado, com a maioria das indicações terapêuticas extrapoladas das obtidas junto a população adulta. Desta maneira, as abordagens psicofarmacológicas são privilegiadas (apesar de frequentemente instituídas a partir dos resultados de estudos abertos e relatos de caso). Exceção seja feita à eficácia e segurança do uso de lítio em adolescentes, assim como do uso de divalproato extended release (a formulação de liberação SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 4 • Julho • Agosto de 2012 sugerem que os transtornos afetivos tendem a ser familiares. A biologia molecular tem sido usada para determinar se as formas mais graves de transtornos afetivos bipolares estão ligadas (ou não) a marcadores genéticos, tais como a ligação dos transtornos afetivos com o cromossomo 11. Sabe-se, no entanto, que o aparecimento precoce da depressão está associado com o aumento da carga genética familiar. De modo geral, os transtornos afetivos são caracterizados por um déficit (no caso da depressão) ou excesso (no caso da mania) de um ou mais neurotransmissores ou por seu desequilíbrio. Duas hipóteses foram formuladas em relação à fisiopatologia dos transtornos afetivos. A primeira é centrada nas catecolaminas (como a noradrenalina), e a outra, na indolamina 5-hidroxitriptamina (ou serotonina). A hipótese da catecolamina propôs que alguns quadros de depressão são associados à deficiência de catecolaminas em importantes sítios do cérebro, e que a mania é causada por um excesso de catecolaminas. Acredita-se que o déficit de serotonina poderia explicar melhor tais quadros, mas um simples déficit da serotonina não poderia, por si só, ocorrer por conta de todos os resultados encontrados. Por outro lado, poucos estudos biológicos das medidas de serotonina podem ser interpretados como consistentes, como o aumento ou diminuição da atividade desse sistema. Até 1994, não eram muitos os médicos que consideravam a entidade bipolar em crianças. De uma incidência de 25 diagnósticos precoces para cada 100.000 crianças, os dados saltaram para 1.003 diagnósticos para cada 7 SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 4 • Julho • Agosto de 2012 prolongada). Ainda há poucos dados quanto à eficácia e segurança de outros agentes antiepiléticos utilizados como estabilizador do humor para o tratamento da mania bipolar em jovens. 8 Estudos em populações infantis não obedecem aos mesmos modelos daqueles do adulto, justificando a cautela em seu uso, monitoração laboratorial e o ajuste da dose baseado na resposta clínica, com a remissão dos sintomas maníacos e psicóticos. Ainda se fazem necessários estudos prospectivos e controlados avaliando a segurança (de longo prazo) e a eficácia das medicações psicotrópicas, assim como o tratamento das condições comórbidas na infância e na adolescência. De acordo com as diretrizes de consenso da Child and Adolescent Bipolar Foundation (CABF), a monoterapia com estabilizadores do humor tradicionais ou antipsicóticos atípicos deve ser a primeira escolha no tratamento de transtorno bipolar tipo I (maníaco ou misto) na ausência de psicose associada. A associação de um segundo estabilizador do humor ou antipsicótico atípico deve suceder uma resposta parcial à monoterapia, assim como para casos com presença de sintomas psicóticos. O CABF não estabeleceu nenhum algoritmo de tratamento para a depressão bipolar, uma vez que não há dados suficientes para embasar tal consenso na faixa etária pediátrica. As diretrizes da CABF e da American Academy of Child and Adolescent Psychiatry (AACAP) preconizam a terapêutica de manutenção com a persistência das drogas e doses utilizadas quando da estabilização do quadro por um período de 12 a 24 meses (ainda que não haja informação suficiente neste sentido). “(...) Deus não é compatível com as máquinas, a medicina científica e a felicidade universal. Deve-se optar. Nossa civilização escolheu a máquina, a medicina e a felicidade. Eis porque é preciso guardar esses livros trancados no cofre. Eles são indecentes (Huxley, 1972).” Diante do exposto, é evidente que ainda há um longo caminho a ser trilhado na pesquisa e desenvolvimento de esquemas terapêuticos apropriados para os transtornos do humor cujos sintomas se iniciam na infância, visto que a mera utilização de esquemas consagrados como eficazes entre pacientes adultos não surtem o efeito esperado em crianças e adolescentes. Acredita-se que isto ocorra por particularidades de uma condição clínica deflagrada tão precocemente no curso da vida, ou por particularidades dos mecanismos de metabolização e ação terapêutica em organismos ainda em desenvolvimento, hipóteses que devem ser mais esmiuçadas. Questões éticas, metodológicas e epidemiológicas tornam esta busca ainda mais complexa, com repercussões sobre as possibilidades de oferecer aos nossos jovens uma melhor resolução e evolução. Cabe, portanto, dedicar a maior atenção e empenho ao estudo deste tema para não lhes negar um desenvolvimento satisfatório, face às consequências que a depressão ou transtorno bipolar mal conduzidos na infância podem acarretar. Em suma, os transtornos do humor na infância e adolescência não são raros, mas extremamente importantes, não somente pela orientação terapêutica, como também pelo diagnóstico diferencial e Francisco B. Assumpção Jr., Psiquiatra da Infância e da Adolescência. Livre Docente em Psiquiatria pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Mestre e Doutor em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Professor Associado do Departamento de Psicologia Clínica do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo. Membro da Academia Paulista de Psicologia (cadeira 16). pertinente). Para a prevenção de riscos de suicídio, é preciso avaliar a real segurança de sua permanência em casa nestas situações. Referências bibliográficas: 1. HUXLEY, A. Admirável mundo novo. São Paulo: Edibolso, 1972. 2. KUCZYNSKI, E.; ASSUMPÇÃO JR, F.B. Depressão Infantil. Síndromes, p.9-11, jan/fev 2012. Bibliografia recomendada: 3. FU-I, BOARATI, MAIA e colaboradores (2012). Transtornos afetivos na infância e adolescência: diagnóstico e tratamento. Porto Alegre: Artmed (376p.) Evelyn Kuczynski, Pediatra. Psiquiatra da Infância e da Adolescência. Doutora pela FMUSP. Pesquisadora voluntária do Projeto Distúrbios do Desenvolvimento do Departamento de Psicologia Clínica do IP-USP SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 4 • Julho • Agosto de 2012 consequente prognóstico. A abordagem psicofarmacológica é de fundamental importância, ainda que coadjuvada por outras formas de abordagem (psicoterápicas, familiares e sociais), visando-se a melhor solução para o problema. O manejo da criança deve ser o mais precoce possível, com avaliação e definição do tipo de tratamento. Deve-se fazer a avaliação da sintomatologia depressiva e as possíveis associações: diagnóstico, falhas na educação, prejuízo no funcionamento/psicossocial, transtornos psiquiátricos, histórico de maus tratos. Se a depressão for leve, realizam-se encontros regulares, com discussões envolvendo a criança/adolescente e seus pais, dando suporte para aliviar o estresse e melhorar o humor. Se a depressão for de maior gravidade, deve-se indicar um tratamento mais direcionado (sob internação, se 9 e n tre v ista Transtorno Bipolar e Depressão Dr. Miguel Angelo Boarati* Jornalista responsável: Leandra Migotto Certeza** SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 4 • Julho • Agosto de 2012 1- Os transtornos de humor ou afetivos, como a o bipolar e a depressão são alterações de energia, ânimo, jeito de pensar, sentir e se comportar. Quando alguém começa a perceber alguns dos principais sintomas que devem ser observados para procurar especialistas em busca de um diagnóstico seguro? 10 A principal dica é o indivíduo perceber que está diferente do seu habitual. É normal um dia acordarmos mais triste ou mais feliz, sem motivo especial e sem que isso seja uma doença. Já o portador de algum transtorno do humor (depressão ou transtorno bipolar) apresenta uma mudança substancial em suas emoções, pensamentos e ações, sem que consiga modificar esse estado e com importantes prejuízos em sua vida prática. Em casos mais graves há risco a integridade emocional e física, como na tentativa de suicídio. 2- Qual a classificação dos transtornos de humor? O que significa mania? Ela pode surgir em pessoas com depressão ou somente com transtorno bipolar? Os transtornos de humor classificam-se em transtorno unipolar ou simplesmente depressão (que pode ser classificado em leve, moderado ou grave), transtorno bipolar (tipo I, tipo II e tipo não especificado), distimia, ciclotimia e transtorno de humor sem outras especificações. A mania é uma das fases ou pólos do transtorno bipolar e só ocorre nesta doença, não surgindo em pessoas com depressão. Ela se caracteriza por uma felicidade extrema e exagerada (chamada de euforia); grandiosidade, sensação de poder e bem estar, aumento de energia e de pensamentos, menor necessidade de sono (alguns pacientes ficam dias sem dormir e não se sentem cansados), hiper-sexualidade, gastos excessivos, busca intensa por atividades prazerosas e de risco e diminuição da crítica. Em casos extremos ocorrem delírios de poder, riqueza ou grandeza (onde o indivíduo pode acreditar ser alguém dotado de poderes especiais ou enviado direto de Deus). Um episódio de mania precisa durar pelo menos uma semana ou menos se o paciente ficar psicótico. 3- O que significa a expressão bipolar? Explique porque substitui a expressão usada antigamente ‘maníaco-depressivo’? Quais são os principais preconceitos e estigmas que as pessoas com esta doença passam? Transtorno bipolar significa que a doença tem dois pólos distintos, um de mania (ou hipomania) e outro depressivo. Há momentos em que o paciente pode estar nas duas fases simultaneamente que chamamos de fase mista. O termo “Psicose maníaco-depressiva” caiu em desuso porque nem sempre o paciente 4- Quais são as principais causas do transtorno bipolar? Existe cura ou é necessário realizar tratamentos durante a vida toda? Ele pode surgir em qualquer idade? Explique os ciclos de aparecimento da doença. É uma doença em que fatores genéticos estão bem estabelecidos, mas não há uma causa única. Fatores ambientais, perfil cognitivo e traços de personalidade também contribuem para sua gênese. É considerada uma doença crônica, assim como do diabetes, hipertensão e o reumatismo, mas existe tratamento que em muitos casos promovem estabilização total onde o paciente pode levar uma vida normal, com algumas restrições (como uso de álcool ou privação de sono). Ela pode surgir em qualquer idade (desde a fase pré-escolar até a terceira idade), sendo mais comum em adultos jovens, apesar de que muitos bipolares que iniciaram com a doença na fase adulta relatam o início dos sintomas inespecíficos de mudanças do humor no final da infância e início da adolescência. Normalmente os casos de início precoce (na infância e adolescência) o histórico familiar de doenças do humor são mais significativas. 5- Quais as principais causas e sintomas da depressão? Existe cura? Ela pode surgir em qualquer idade? Explique os ciclos de aparecimento da doença. Assim como o transtorno bipolar, a depressão (ou depressão unipolar) apresenta muitos fatores relacionados com sua ocorrência, tanto fatores intrínsecos (genética, traços de personalidade, vivências traumáticas na infância, modelos educacionais, perfil cognitivo) como extrínsecos (problemas conjugais, insatisfação no trabalho, falta de perspectiva de vida). Também pode ocorrer em qualquer idade (da infância a velhice), sendo mais comum também no final da adolescência e vida adulta. Quanto maior vulnerabilidade do individuo e os fatores de risco maior é a chance da ocorrência dessa doença ser mais precoce. 6- Quais as principais diferenças entre depressão e transtorno bipolar? As mesmas características podem surgir em pessoas diagnosticas com as duas doenças? A doença depressão não possui a fase de mania, hipomania ou fase mista, portanto é também chamada de transtorno unipolar. Normalmente os quadros depressivos no transtorno bipolar são mais graves e pioram com o uso de antidepressivos. 7- O que é mania? Como identificar quando uma pessoa está em estado de mania? É a fase ou polo do transtorno bipolar em que o indivíduo apresenta uma mudança importante em seu humor basal com euforia e uma extrema sensação de bem estar. Além da euforia é preciso observar outros SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 4 • Julho • Agosto de 2012 está psicótico e em algumas situações o paciente não apresenta mania, apenas hipomania ou fases mistas. Existem muitos preconceitos e estigmas que pacientes e familiares enfrentam ainda hoje apesar de se dispor de maior facilidade de acesso a informações. Algumas pessoas acreditam que doenças afetivas sejam simples problemas emocionais ou religiosos e outras pessoas menos escrupulosas falam em problemas de caráter. 11 sintomas como irritabilidade, pressão de fala (taquilalia), diminuição da necessidade de sono, aumento de energia, aumento dos pensamentos (quantidade e velocidade), grandiosidade, arrogância, hiperatividade, distraibilidade, prejuízo da crítica, gastos excessivos, hipersexualidade e busca por atividades prazerosas ou de risco. É necessária uma semana de sintomas para se fechar o diagnóstico de mania. 8- O que é hipomania? Como ela surge em pessoas com depressão e/ou transtorno bipolar? A hipomania lembra o estado de mania, mas bem mais brando, sem euforia ou sintomas psicóticos (de grandeza ou poder). A hipomania só ocorre em transtorno bipolar. SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 4 • Julho • Agosto de 2012 9- Qual a diferença de ter depressão e estar deprimido ou triste? Como identificar sinais que indicam o momento de procurar um médico psiquiatra? 12 A tristeza é um sentimento normal e importante. Ficamos tristes quando perdemos algo ou alguém ou quando alguma coisa não dá certo ou quando estamos entediados. Mas isso logo se dissipa e logo conseguimos retomar nossa vida. Na depressão existe uma tristeza mais acentuada e permanente, que não melhora com o apoio da família. Além disso, o individuo apresenta alterações físicas com piora no padrão de sono e de alimentação, cansaço e falta de energia, dificuldade de concentração, pensamentos negativos e um intenso sentimento de culpa e de inutilidade. É muito comum o pensamento de morte e tentativas de suicídio. 10- Como surge o estado misto de sintomas de depressão e mania? O estado misto é uma das fases do transtorno bipolar, em que ao mesmo tempo o indivíduo apresenta sintomas de depressão e mania. 11- O que acontece se as pessoas com depressão e/ou transtorno bipolar não se tratam? Várias são as complicações dentre elas piora progressiva dos sintomas e estado crônico dos mesmos. É comum que pessoas que não aceitam o tratamento comecem a apresentar perdas importantes no padrão de vida e de relacionamento, além de perdas cognitivas que podem ser temporárias ou permanentes a depender do tempo de evolução da doença e da gravidade da mesma. 12- Quais os principais tratamentos medicamentosos para depressão e transtorno bipolar? Para a depressão unipolar utilizam-se os antidepressivos. Hoje em dia existem diferentes classes dessas medicações com perfil de resposta clínica e tolerâncias distintas. Já o transtorno bipolar exige o uso de medicações chamadas estabilizadoras do humor. A mais importante é o lítio, mas também alguns antiepilépticos e antipsicóticos de segunda geração. Os antidepressivos poderão ser usados na fase depressiva da doença, mas com o cuidado, pois há risco de virada maníaca (o paciente sair da depressão e ir para a mania). O tratamento psicoterápico nas diferentes linhas psicológicas (psicanalítica, junguiana, cognitivo-comportamental, comportamental) e nas diferentes modalidades (individual, grupo e familiar) é essencial no sentido de trabalhar conflitos, ajudar o paciente elaborar perdas e desenvolver recursos emocionais e cognitivos para lidar com as demandas da vida e da sua doença. Também é essencial a psicoeducação, onde o paciente e a familiar aprendem sobre a doença e como lidar com as diferentes facetas dela. 14- Quais os perigos de tomar bebidas alcoólicas ou fazer uso drogas ilícitas quando se tem diagnóstico de depressão e/ou transtorno bipolar? Substâncias psicoativas como drogas ilícitas e o álcool pioram a evolução clínica da depressão e transtorno bipolar, além de prejudicarem significativamente a resposta dos medicamentos. 15- Quando surgiram os principais casos de depressão e transtorno bipolar na história da medicina? Quais os principais avanços nos tratamentos de hoje? Os primeiros relatos bem descritos estão na antiguidade clássica, na Grécia. Na época acreditava-se que as pessoas fossem regidas por humores que eram líquidos corporais que modulavam as emoções das pessoas. O desequilíbrio dessas substâncias produziam as alterações emocionais. Hoje sabemos que existem fortes componentes biológicos na gênese de todos os transtornos mentais, inclusive nos transtornos do humor. Além disso, estressores psicossociais contribuem para o desencadeamento, manutenção e piora dos episódios da doença de humor. 16- Qual a probabilidade de mulheres, homens ou crianças terem depressão e/ou transtorno bipolar? A depressão é mais prevalente em mulheres, mas com aumento significativo em homens, girando em torno de 20-30%. A prevalência aumenta com a idade. Já o transtorno bipolar é mais raro, girando em torno de 1 a 2% o tipo I (mania-depressão) e em torno de 4% o tipo II (hipomania e depressão). Mas quando consideramos o espectro bipolar (que incluem pessoas que apresentam alguns sintomas de bipolaridade sem preencherem todos os critérios diagnósticos) a prevalência sobe para 8 a 10% da população. 17- Qual a importância do apoio da família durante o tratamento dessas doenças? E qual a importância das associações de portadores e familiares para a troca de experiências entre as pessoas com as doenças? É fundamental o apoio e o engajamento da família, porque muitas vezes outros membros podem estar doentes sem saber. A família é ponto de apoio, junto com os amigos, para contribuir para a melhor adesão ao tratamento e ajuda nos momentos em que os sintomas ficam agudos. Grupos de autoajuda também contribuem bastante no conhecimento e na quebra dos tabus e preconceitos que cercam as doenças afetivas. SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 4 • Julho • Agosto de 2012 13- Qual a importância de realizar um tratamento psicológico junto com o uso de medicamentos? 13 18- Qual a mensagem que o senhor deixa para os leitores da Revista Síndromes sobre transtorno bipolar e depressão? SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 4 • Julho • Agosto de 2012 Os transtornos do humor são altamente prevalentes em nossa população e sua prevalência vem aumentando assim como muitas outras doenças que no passado eram mais raras como a obesidade, hipertensão, diabetes e cânceres. É importante entender que depressão e transtorno bipolar são doenças que geram um importante sofrimento e prejuízo ao portador, com perda da qualidade de vida e de seu funcionamento global. São doenças com alta carga genética, onde fatores ambientais promovem o início mais precoce e mais grave. Também são doenças que são 14 *Miguel Angelo Boarat, 41 anos é Psiquiatra da Infância e Adolescência, Coordenador do ambulatório do Programa de Transtornos Afetivos (PRATA) do Hospital Dia Infantil (HDI), do Serviço de Psiquiatria da Infância e Adolescência (SEPIA), e do Instituto de Psiquiatria (IPq) do Hospital das Clínicas de São Paulo. Contatos: [email protected] e www.psiquiatriaboarati.com.br Livros publicados: www.viversaude.com.br tratadas com melhora significativa dos sintomas e controle das crises. Porém, infelizmente ainda hoje existem poucos serviços públicos destinados ao tratamento dessas pessoas, além de desinformações e preconceitos que atrapalham a busca de ajuda precocemente. **Leandra Migotto Certeza é bacharel em Comunicação Social pela Universidade Anhembi Morumbi, jornalista desde 1998, e repórter especial da Revista Síndromes. Foi editora da Revista Sentidos e Ciranda da Inclusão, além de escrever para diversos portais como Setor 3 do SENAC/ SP, Rede SACI/USP e Inclusive. Ela tem deficiência física (Osteogenesis Inperfecta), é assessora de imprensa da ABSW – Associação Brasileira de Síndrome de Williams, consultora em inclusão (premiada em Lima e na Colômbia), e mantém o blog “Caleidoscópio – Uma janela para refletir sobre a diversidade da vida”: http://leandramigottocerteza.blogspot.com/. Conheçam os modelos de palestras, encontros, oficinas, cursos, treinamentos e materiais informativos sobre Diversidade e Inclusão, realizados em empresas, escolas, ONGs, centros culturais e grupos de pessoas no site da Caleidoscópio Comunicações – Consultoria em Inclusão: https://sites. google.com/site/leandramigotto/ dese n v olv ime n to Sobre a noção de tempo Psicóloga e Pesquisadora do Projeto Distúrbios do Desenvolvimento da USP, Mestranda em Psicologia Clínica pelo Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (IP-USP), Especialista em Terapia Comportamental e Cognitiva pelo Hospital Universitário da Universidade de São Paulo (HU-USP) e Psicóloga do Setor de Psicologia Infantil da Associação de Assistência à Criança Deficiente (AACD). Em 1992, no Rio de Janeiro, a canadense Severn Suzuki de 12 anos, na introdução de seu discurso para os líderes mundiais, disse: “Ao vir aqui hoje, não preciso disfarçar meu objetivo, estou lutando pelo meu futuro.” Embora tenha tido poucos resultados práticos, como pudemos acompanhar durante a Rio+20, suas palavras emocionaram líderes e ambientalistas na ocasião e foram relembradas por vários meios de comunicação durante a conferência neste ano. Deixemos de lado a política e a economia e pensemos um pouco na espantosa habilidade dos seres humanos de viajar no tempo ao se lembrar do que foi dito naquela ocasião e da capacidade de se lançar no futuro, como Severn foi capaz de fazer. Frequentemente ignorada nos experimentos científicos, a noção de tempo é um componente central tanto de processos psicológicos da percepção, quanto de funções cognitivas mais complexas, como aprendizagem e planejamento. No nível mais elementar, o tempo é essencial no processamento de estímulos que alcançam a visão, o tato e a audição, e cada um desses sistemas sensoriais possui substratos neuronais especializados na organização sequencial dos eventos percebidos, da frequência de sua ocorrência e de sua duração. A temporalidade faz parte das habilidades complexas em primatas, especialmente nos humanos. A capacidade de colocar os eventos em uma linha do tempo possibilita organizar psicologicamente o mundo exterior e interior, e nos auxilia no planejamento das ações futuras; por isso a noção de tempo e sequência dos acontecimentos são intrínsecas a outras funções altamente elaboradas, como memória e estabelecimento de metas. Como outras habilidades, elas sofrem um incremento durante o desenvolvimento normal da criança, até atingirem um alto grau de complexidade na idade adulta, e são passíveis de prejuízos nos transtornos de desenvolvimento e perdas nas lesões e doenças que acometem o cérebro. Tempo e Percepção Diferentemente de outras propriedades da percepção, como localização, orientação e reconhecimento, por exemplo, o componente temporal começou a SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 4 • Julho • Agosto de 2012 Melanie Mendoza 15 SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 4 • Julho • Agosto de 2012 16 ser estudado apenas mais recentemente por meio do estudo da visão, muito embora se admita que suas propriedades ocorram em todas as vias sensoriais. Através de modelos animais, da avaliação de pacientes com lesões e de estudos com voluntários normais foram encontradas regiões denominadas caminho “quando”. Localizado no lobo parietal direito do cérebro, o caminho “quando” é formado por uma série de áreas funcionais e anatômicas encarregadas de processar e analisar intervalos de tempo mais longos do que aqueles processados por áreas do córtex cerebral responsáveis por uma análise no nível mais elementar das informações provenientes do meio (denominadas áreas corticais primárias) e mais curtas do que aqueles intervalos de tempo que exigem julgamento cognitivo de nível superior, dos quais falaremos mais adiante. Esse intervalo de tempo intermediário abrange a coreografia de eventos em andamento, tais como transformações e deslocamentos de um objeto no campo perceptivo e aparecimento e desaparecimento de objetos. É fundamental para que o indivíduo seja capaz de estabelecer a natureza e fluxo dos eventos e, portanto, organizar as informações que chegam através das vias sensoriais e servirão de base para as próximas ações e para a construção de um conhecimento do mundo. Durante toda a vida, mas em especial no período que vai de zero a 24 meses aproximadamente, denominado por Piaget de estágio sensório-motor, o caminho “quando” desempenha importante função na aprendizagem baseada na percepção e na interação motora com os objetos e agentes do mundo. Durante este estágio, a noção de tempo organiza sequências de eventos e as interações entre a ação da criança e uma consequência no meio. Conforme vai sendo ampliada a capacidade de manter a atenção por períodos maiores, a criança observa sequências mais duradouras e mais complexas de eventos, construindo teorias, algumas implícitas e não formais, acerca do mundo físico e das pessoas. Achados mais recentes, não contemplados pela teoria piagetiana, demonstram que, nos primeiros meses, bebês distinguem diferenças melódicas e rítmicas de segmentos musicais simples, o que exige, como sabemos, capacidades relacionadas à duração e sequência de eventos e, portanto, intervalos de tempo diferentes entre dois sons. A perda dessas habilidades é chamada de agnosia de tempo, e se caracteriza por uma incapacidade adquirida de perceber e reconhecer a ordem cronológica ou, de outra forma, o que aconteceu “antes” e o que aconteceu “depois”. Esse quadro foi descrito por Critchley em 1953, já relacionando com lesões de lobo parietal direito: “Mais interessante e complicada dessas doenças do processamento espacial são aquelas que também envolvem a concepção de tempo (...) é preciso distinguir entre um sentido de tempo primitivo da gnosia da concepção de tempo.” Embora esses casos raramente ocorram de maneira isolada de outras agnosias, a sua ocorrência serve de evidência da existência de áreas cerebrais especializadas. Tempo e memória A linha do tempo de nossa vida organiza a memória e é ela que permite a • Memória procedimental: contém informações que não temos consciência de possuir, que foi adquirida de implícita e está relacionada ao caminho “quando”, mencionado anteriormente. Fazem parte deste tipo de aprendizagem os esquemas motores, como dirigir e andar de bicicleta, e os dois tipos de condicionamento, operante e respondente. A noção de tempo nesse tipo de memória está relacionada aos processos de aprendizagem de novos procedimentos e fortalecimento ou enfraquecimento de uma resposta ou respondente. No caso dos procedimentos motores, a noção de tempo nos informa a sequência de ações corretas. Por exemplo, precisamos colocar a bicicleta em movimento antes de tirarmos os pés do chão ou precisamos apertar o botão de canal da TV depois do botão de ligar. No caso do fortalecimento ou enfraquecimento de uma resposta, a noção de tempo é fundamental na diferenciação entre causa e consequência. Por exemplo, depois que a criança diz “mamãe”, a mãe fala com ela. Vale mencionar que esses dois tipos de processos ocorrem ao mesmo tempo, uma vez que um ato motor executado adequadamente tem maior probabilidade de trazer a consequência desejada para aquele que o executou, aumentando a probabilidade de que ele ocorra novamente no futuro (condicionamento operante). • Memória declarativa: este tipo de memória contém informações adquiridas de maneira explícita e que somos conscientes de possuir. Pode ser: a) semântica: está relacionada ao armazenamento e evocação de informações de fatos e eventos e é independente do contexto em que foi adquirida, por exemplo: “O Brasil foi descoberto em 1500 e ficou independente de Portugal em 1822.” A memória semântica é normalmente associada à aprendizagem acadêmica e à cultura geral. Costuma ter menos componentes emocionais e, de maneira geral, é fortalecida através de estratégias SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 4 • Julho • Agosto de 2012 “viagem mental ao passado”. Embora a memória e aprendizagem já tivessem sido estudadas anteriormente, o conhecimento de sua organização e de tipos diferentes de aprendizagem deu um grande salto através do estudo do famoso caso H.M. pela neuropsicóloga Brenda Mulner. Esse paciente, em virtude de uma epilepsia de difícil controle, foi submetido a uma ampla cirurgia, que consistiu da ressecção de porções bilaterais do lobo temporal. Como resultado, o paciente adquiriu um quadro muito grave de amnésia anterógrada, um déficit altamente incapacitante, pois consiste em uma perda da habilidade de adquirir novas aprendizagens, fazendo com que o individuo fique “vivendo no momento presente” e, por isso, ele fica privado de uma linha do tempo em que os eventos vão sendo registrados à medida que se sucedem. Este caso trágico serviu para, entre outros achados, esclarecer os tipos distintos de memória, uma vez que alguns tipos de aprendizagem permaneceram preservados, especialmente as perceptomotoras. O caso H.M. contribui para a descoberta de que, de acordo com a natureza da informação, as memórias, de maneira simplificada, podem ser: 17 de memorização, como repetição e associação a outros conteúdos. A linha do tempo, neste caso, está associada à sequência de eventos, de maneira similar à reta numérica. É codificada e decodificada com símbolos numéricos. SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 4 • Julho • Agosto de 2012 b)episódica: contém informações de fatos e eventos particulares de um contexto determinado e permite a codificação de informação relativa a associações e eventos de caráter pessoal. O sistema de memória declarativa episódica é formado pelo registro dos eventos contextualizados no tempo e no espaço; podem ser tanto eventos de domínio público, como a “queda do muro de Berlim”, ou memórias autobiográficas, como o “dia de nascimento do meu filho”. A noção de tempo nestes tipos de registros é crucial, uma vez que organizam a história de nosso meio sociocultural e dão a noção de identidade para o indivíduo. 18 Quando acessamos os dados de nossa memória, somos capazes de viajar no tempo e construir uma noção de self. Por causa dessas características, a organização cronológica exige habilidades cognitivas complexas, como o desenvolvimento da linguagem de forma que ele dê subsídios à “narrativa”; por essa razão, ela só começa a ocorrer de maneira mais consistente após os três anos de idade, quando as crianças começam a ser capazes de construir uma “narrativa pessoal”, situando e sendo capaz de comunicar os eventos não apenas em um “onde”, mas também em um “quando”. A noção de tempo na memória autobiográfica está de maneira usual fortemente relacionada a conteúdos que possuem coloração afetiva própria; por isso a noção de tempo, embora organizado cronologicamente, nem sempre obedece a uma divisão objetiva. Ou seja, o “quando” segue a ordem cronológica, mas nem sempre recuperamos adequadamente o “por quanto tempo” sem ajuda de um sistema externo de medição. Em crianças mais novas ou em quadros que cursam com deficiência intelectual, por exemplo, essas habilidades estão prejudicadas e, embora a noção de causalidade ou sequência de eventos possa estar preservada, dificilmente é construída de maneira espontânea uma narrativa de vida. Já, na Doença de Alzheimer, não apenas vai havendo um agravamento da capacidade de consolidar novas memórias, mas as lembranças vão sendo apagadas de acordo com a ordem cronológica, sendo as mais remotas as últimas a serem perdidas. O estudo do lobo temporal, em especial o hipocampo, também revelou alguns aspectos intrigantes do papel adaptativo da retenção e recuperação de informações: se, em animais como roedores, os processos de memória estão relacionados a tarefas de navegação, como orientação geográfica em diversas formas de labirinto, nos primatas e, sobretudo em humanos, destacam-se memórias relacionadas a conteúdos autobiográficos. Essa discrepância pode ser resolvida se considerarmos que a especialização do hipocampo para navegação espacial no ambiente animal pode ter sido adaptada em primatas em um espaço interno, virtual, mental, nos dando uma pista da Tempo e planejamento Quanto mais complexa a tarefa, mais interligados estão os processos cognitivos. Como vimos anteriormente, a noção de tempo está relacionada a todos os processos de aprendizagem, da infância à vida adulta. No entanto, essa “viagem no tempo” não se restringe a uma “viagem ao passado”, mas nossa espécie é capaz de realizar também uma “viagem ao futuro”. Concomitantemente ao desenvolvimento das habilidades de planejamento e operações concretas e abstratas, ocorre um incremento da capacidade de compreender e utilizar o tempo, que neuroanatomicamente está relacionada principalmente ao desenvolvimento do córtex pré-frontal, que tem a fase final de seu desenvolvimento na adolescência, correlato ao período piagetiano denominado operacional formal, caracterizado pela emergência do raciocínio lógico abstrato, que é a capacidade de estabelecer relações sobre fenômenos imaginados. Ao longo da adolescência vamos sendo capazes de nos lançar ao futuro, de maneira cada vez mais sistemática, percorrendo mentalmente as possibilidades de caminhos em direção a metas e consequências de longo prazo, até que, ao final desse período, somos capazes de iniciar ações cujos resultados podem estar anos adiante. É nessa faixa etária que pensamos em carreiras ou na sociedade em que desejamos viver: Severn, citada no início deste artigo, aos 12 anos, estava justamente nessa etapa do desenvolvimento. Essas habilidades só são possíveis porque já estão desenvolvidas noções claras de tempo cronológico de maior duração e o intervalo necessário para execução de tarefas complexas, além da capacidade de manter-se concentrado em atividades cujas consequências desejadas não são mais imediatas. Na idade adulta somos capazes de tomar decisões e executar ações cujo benefício só poderá ser percebido até mesmo décadas adiante, como deixar de fumar, fazer exames de rotina, contratar um plano de previdência, para citar alguns exemplos apenas no nível individual. Pais de crianças pequenas frequentemente queixam-se de que os filhos são “muito ansiosos” em relação a coisas que estão para acontecer, mesmo aqueles que possuem fortes características positivas. Isso se deve, em parte, a uma percepção de que a “ida ao parque”, por exemplo, pode ocorrer a “qualquer momento”, pois nessa etapa do desenvolvimento o tempo que deve decorrer “até sábado” não é plenamente compreendido, assim como “daqui a uma hora”. Assim como ocorre em relação à memória autobiográfica, nos transtornos que interferem no desenvolvimento cognitivo das crianças, a noção de tempo futuro também é prejudicada. No Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade, por exemplo, em que está preservado o nível intelectual, é descrita uma inabilidade de planejar não apenas todos os passos de execução de uma tarefa, mas também o tempo necessário para executá-la; por causa disso, alguns autores descrevem uma “cegueira para tempo” no TDAH. SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 4 • Julho • Agosto de 2012 importância evolutiva relacionada não apenas aos conteúdos armazenados, mas também à organização cronológica para nossa espécie. 19 SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 4 • Julho • Agosto de 2012 Considerações Finais 20 O avanço do conhecimento acerca do cérebro e dos processos mentais, subsidiado pelas ciências cognitivas, tem permitido maiores esclarecimentos sobre a noção de tempo, muito embora, em relação a outras habilidades perceptivas, seus dados sejam escassos. Intrinsecamente relacionada aos processos de aprendizagem e memória, a noção de tempo nos fornece o fio condutor de nossa história e, portanto, é fundamental na construção de um “eu” com passado e futuro. A percepção cognitiva de tempo decorrido nos permite estabelecer relações de causalidade entre o que somos hoje, o que nos aconteceu no passado e o que seremos no futuro, tanto no nível individual, quanto em termos de grupo familiar, social ou como espécie. As diferenças no processamento da memória entre a nossa e as outras espécies nos dá pistas sobre a importância evolutiva da “viagem no tempo” para os humanos. A recuperação de dados que podem ser utilizados como fonte de conhecimento no tempo atual para alcançar metas futuras, inclusive para o tempo além de nossa própria existência, tal como preocupações com o mundo que deixaremos para nossos descendentes, são indicadores da alta complexidade dos processos mentais dos quais uma noção de tempo faz parte. Referências bibliográficas: 1. Battelli, L., Walsh, V., Pascual-Leone, A., & Cavanagh, P. (2008). The “when” parietal pathway explored by lesion studies. Current opinion in neurobiology, 18(2), 120-6. doi:10.1016/j. conb.2008.08.004 2. Cammarota, M., Bevilaqua, L. R., & Izquierdo, I. (2008). Aprendizado e Memória. In: R. Lent, Nerociência da Mente e do Comportamento (pp. 241252). Rio de Janeiro: Guanabara Koogan. 3. Kandel, E. R. (2009) Em busca da memória: em busca de uma nova ciência da mente. São Paulo: Companhia da Letras 4. Martí,E. (2004). Processos Cognitivos Básicos e Desenvolvimento Intelectual entre seis anos e adolescência. In: C. Coll, A. Marchesi, & J. Palácios, Psicologia Evolutiva (Vol. I Psicologia Evolutiva, pp. 142-159). Porto Alegre: Artmed. 5. Rodrigo, M. J. (2004). Desenvolvimento Intelectual e Processos Cognitivos entre dois e seis anos. In: C. Coll, A. Marchesi, & J. Palácios, Psicologia Evolutiva (Vol. I Psicologia Evolutiva, pp. 142-159). Porto Alegre: Artmed. reabilita ç ã o Escola especial: conceitos e reflexões No século passado, o médico inglês Jonh Longdon Down descreveu alguns sinais físicos semelhantes num grupo distinto de pessoas. Quanto ao comportamento dessas pessoas, o médico inglês as qualificou como amistosas, amáveis, mas improdutivas e incapazes para viver socialmente. Essa foi a primeira descrição da síndrome de Down, a forma mais comum de deficiência intelectual causada por uma alteração genética. De lá para cá, muito se evoluiu na forma de pensar e entender os indivíduos com deficiência. Muito se aprendeu sobre a capacidade de adaptação dessas crianças que hoje são produtivas e podem não só viver na sociedade como serem produtivas e capazes de uma vida plena e feliz. Longe de propor soluções ou ditar qualquer regra ou verdade absoluta, este texto tem como objetivo fazer uma breve revisão histórica da educação especial e posteriormente da inclusão escolar, para ao final levar o leitor a uma reflexão sobre os caminhos para a educação no país de forma geral e mais especificamente, das pessoas com necessidades especiais. Histórico Desde a Antiguidade, com a eliminação física ou o abandono, passando pela prática assistencialista da Idade Média, o que também era uma forma de exclusão, ou na Idade Moderna, em que o Humanismo, ao exaltar o valor do homem, tinha uma visão patológica da pessoa que apresentava deficiência, observamos que o deficiente independente das diversas formações sociais, sempre esteve à margem da sociedade. A forma como se lida com a pessoa que apresentava deficiência reflete a estrutura econômica, social e política do momento. O deficiente por muitos séculos foi tido como “problema” e segregado ao convívio social escasso e a ausência de oportunidades tanto acadêmicas quanto sociais. A história da educação especial começa a ser traçada no século XVI, com médicos e pedagogos que, desafiando os conceitos vigentes na época, acreditaram nas possibilidades de indivíduos até então considerados ineducáveis. Centrados no aspecto pedagógico, numa sociedade em que a educação formal era direito de poucos, esses precursores desenvolveram seus trabalhos em bases empíricas, muitas das vezes, sendo eles próprios os professores de seus pacientes. Entretanto, apesar de algumas escassas experiências inovadoras desde o século XVI, o cuidado foi meramente assistencial, sem qualquer preocupação em preparar o deficiente para ser independente ou adaptado. SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 4 • Julho • Agosto de 2012 dra. Alessandra Freitas Russo Christine Luise Degen 21 SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 4 • Julho • Agosto de 2012 22 A institucionalização em asilos e manicômios foi a principal resposta social para tratamento dos considerados diferentes. Foi uma fase de segregação, justificada pela crença de que a pessoa diferente seria mais bem cuidada e protegida se confinada em ambiente separado. Essa proposta tinha ainda, outro objetivo, que era também proteger a sociedade dos “anormais”. Durante a maior parte da História da Humanidade, o deficiente foi vítima de segregação, pois a ênfase era na sua incapacidade, na anormalidade. Na década de 70 surgiu o movimento da Integração, com o conceito de normalização, expressando que ao deficiente devem ser dadas condições as mais semelhantes às oferecidas na sociedade em que ele vive. Inserir o deficiente nos vários aspectos de seu grupo e não só na escola, passou a ser um novo modelo de olhar a educação destes indivíduos. Vários pesquisadores já evidenciaram que descrever a história da Educação Especial para deficientes mentais no Brasil não é uma tarefa simples (FERREIRA, 1989; MENDES, 1995), uma vez que não encontramos na literatura disponível estudos sistematizados sobre o assunto. A história da Educação Especial no Brasil tem como marcos fundamental a criação do “Instituto dos Meninos Cegos” (hoje “Instituto Benjamin Constant”) em 1854, e do “Instituto dos Surdos-Mudos” (hoje, “Instituto Nacional de Educação de Surdos – INES”) em 1857, ambos na cidade do Rio de Janeiro, por iniciativa do governo Imperial. Assim, a Educação Especial se caracterizou por ações isoladas e o atendimento se referiu mais às deficiências visuais, auditivas e, em menor quantidade, às deficiências físicas. Podemos dizer que em relação à deficiência mental houve um silêncio quase absoluto por muito tempo. Em 1967, a Sociedade Pestalozzi do Brasil, criada em 1945, já contava com 16 instituições por todo o país. Criada em 1954, a Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais já contava também com 16 instituições em 1962. Nessa época, foi criada a Federação Nacional das APAES (FENAPAES) que, em 1963, realizou seu primeiro congresso. Educação Especial O Brasil é considerado um dos piores países do mundo em investimentos na área da educação. Em relação à educação especial essa realidade não é diferente. Entretanto, apesar do pouco investimento e do descaso político, a educação especial foi ganhando seu espaço de forma lenta, por meio da criação de inúmeras instituições, geralmente filantrópicas e nascidas a partir de movimentos da própria sociedade. Essas instituições eram de caráter assistencialista e cumpriam apenas sua função de cuidado aos deficientes. Por educação especial entende-se o atendimento educacional de pessoas com necessidades especiais, isto é, daqueles que apresentam deficiências mentais, físicas, sensoriais, múltiplas deficiências e os superdotados. Embora a pessoa com necessidades especiais deva ser vista primeiramente como PESSOA, ele é também uma pessoa diferente. Sendo assim, o desenvolvimento harmonioso do educando sob o aspecto individual, individual-social e predominan- A partir da década de 90 as discussões referentes à educação das pessoas com necessidades especiais começaram a adquirir alguma consistência, face às políticas anteriores. A nova LDB 9.394/96 em seu capítulo V coloca que a educação das pessoas com necessidades especiais devem se dar de preferência na rede regular de ensino, o que traz uma nova concepção na forma de entender a educação e integração dessas pessoas. Pesquisas têm confirmado que a inclusão escolar vem se efetivando de forma inadequada, longe do ideal, revelando o pouco interesse e investimento neste processo. Com isto pode se dizer que não se deve simplificar o processo, ou seja, achar que incluir signifique apenas mudar o aluno de endereço, ou seja, sair da escola especial ou classe especial e ir para a classe comum do ensino regular. São muitos os fatores envolvidos, os quais sem dúvida estão sendo desconsiderados ao se efetivar a inclusão escolar. As crianças são consideradas educacionalmente “especiais” somente quando suas necessidades exigem a alteração do programa, ou seja, quando os desvios de seu desenvolvimento atingem um tipo em um grau que requerem providências pedagógicas desnecessárias para a maioria das crianças. O discurso acerca da inclusão de pessoas com deficiência na escola, no trabalho e nos espaços sociais em geral, tem-se propagado rapidamente entre educadores, familiares, líderes e dirigentes políticos, nas entidades, nos meios de comunicação. Isto não quer dizer que a inserção de todos nos diversos setores da sociedade seja prática corrente ou SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 4 • Julho • Agosto de 2012 temente social é o que se pretende atingir no processo educativo. A auto-realização, a qualificação para o trabalho, o exercício consciente da cidadania são decorrências de uma ação educativa eficaz e eficiente, seja ela dirigida a indivíduos portadores de necessidades especiais ou não. As diferenças entre a Educação Especial e a Educação comum não se encontram nos aspectos filosóficos, mas sim nas estratégias de ação que lhe são próprias e múltiplas. A Educação Especial é definida como a modalidade de ensino que se caracteriza por um conjunto de recursos e serviços educacionais especiais organizados para apoiar, suplementar e, em alguns casos, substituir os serviços comuns, de modo a garantir a educação formal dos educandos que apresentam necessidades educacionais muito diferentes das da maioria das crianças e jovens. A defesa da cidadania e do direito à educação das pessoas com necessidades especiais é atitude muito recente em nossa sociedade. Assim, a educação especial foi constituindo-se como um sistema paralelo ao sistema educacional geral, até que, por motivos morais, lógicos, científicos, políticos, econômicos e legais, surgiram as bases para uma proposta de unificação. Em meados da década de 90, no Brasil, observando movimentos em outras partes do mundo, já mais avançados, começaram as discussões em torno do novo modelo de atendimento escolar denominado Inclusão Escolar. Esse novo paradigma surge como uma reação contrária ao processo de segregação, e sua efetivação prática tem gerado muitas controvérsias e discussões. 23 SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 4 • Julho • Agosto de 2012 24 uma realidade já dada. Ou que possa ser olhado como um processo simples e natural. Esse olhar equivocado sobre a inclusão do deficiente pode gerar consequencias para o deficiente e suas familias, expondo-os a uma realidade de exposição e discriminação sem o adequado suporte. As políticas públicas de atenção a este segmento, geralmente, estão circunscritas ao tripé educação, saúde e assistência social, sendo que os demais aspectos costumam ser negligenciados. Para a educação, o sujeito com deficiência é um “aluno especial”, cujas necessidades específicas demandam recursos, equipamentos e níveis de especialização definidos de acordo com a condição física, sensorial ou mental. O que se observa são ações isoladas e simbólicas ao lado de um conjunto de leis, projetos e iniciativas insipientes e desarticuladas entre as diversas instâncias do poder público. Em todos os casos, percebemos uma concepção de um processo, incompleto sem a necessária incorporação das múltiplas dimensões da vida humana. Observamos famílias amedrontadas frente à exposição de seus filhos a uma realidade inóspita sem a preparação física e profissional para recebê-los. Hallahan e Kauffman (1994) apontam que a proposta de “inclusão total” ainda hoje sofre considerável resistência, com base nos seguintes argumentos: a) há muitos pais, professores (tanto do ensino regular quanto do especial), especialistas e os próprios educandos, que estão satisfeitos com os serviços baseados no continuum; b) para alguns tipos de dificuldade (como as deficiências graves, os graves problemas comportamentais ou as desor- dens sérias na comunicação) pode ser mais restritiva e segregadora a sala de aula comum do que um tipo de colocação mais protegida e estruturada; c) nem todos os professores e educadores do ensino regular estão dispostos a, ou mesmo são capazes de lidar com todos os tipos de alunos com dificuldades especiais, principalmente com os casos de menor incidência – mas de maior gravidade – que exigem recursos técnicos e serviços diferenciados de apoio; d) a afirmação de que as pessoas deficientes compõem um grupo minoritário em luta pelos seus direitos civis, como qualquer outra minoria oprimida e segregada, é um argumento falacioso para sustentar a defesa da “inclusão total”, porque, além de grupo minoritário, eles têm dificuldades centradas nos seus mecanismos de aprendizagem e precisam de respostas educacionais diferenciadas, nem sempre disponíveis na classe comum; e) um dos principais direitos de qualquer minoria é o seu direito de escolha, sendo que os pais ou tutores desses alunos devem ter liberdade para escolher o que acham melhor para os seus filhos; f) desconsiderar a evidência empírica de que há eficácia em alguns tipos de resposta mais protegida, para alguns tipos de alunos com dificuldades especiais na escola, seria uma atitude profissionalmente irresponsável e antiética; g) na ausência de dados que suportem a vantagem do modelo, os educadores e políticos deveriam preservar o contínuo de serviços, para que, em qualquer momento, seja salvaguardada a escolha daquele que se mostrar menos restritivo para as circunstâncias. de acesso à escola comum, não define obrigatoriedade e até admite a possibilidade de escolarização que não seja na escola regular. Em resumo, ao longo dos últimos trinta anos, tem-se assistido a um grande debate acerca das vantagens e desvantagens da inclusão escolar. A questão sobre qual é a melhor forma de educar crianças e jovens com necessidades educacionais especiais não tem resposta ou receita pronta. Na atualidade, as propostas variam desde a ideia da inclusão total – posição que defende que todos os alunos devem ser educados apenas e só na classe da escola regular – até a ideia de que a diversidade de características implica a existência e manutenção de um contínuo de serviços e de uma diversidade de opções. É importante que as pessoas ligadas ao deficiente, sejam familiares, equipe de saúde ou educação estejam atentos às necessidades do deficiente e independente das discussões teóricas e filosóficas, pensar a deficiência como diferentes possibilidades de adaptação e funcionalidade deve, obrigatoriamente, nortear todas as escolhas e decisões tomadas em relação a essa população. Referências Bibliográficas: 1. DOTA, F.P.; Alves, D.M. Educação Esp eci al n o Br asi l : U m a An ál i se Histórica. Revista Científica Eletrônica de Psicologia – ISSN: 1806-0625, ano V – n.8, mai/2007. 2. FERREIRA, J. R. A construção escolar da deficiência mental. Tese de Doutorado. Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 1989. SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 4 • Julho • Agosto de 2012 Enfim, sob a bandeira da inclusão são encontradas, na atualidade, práticas bastante distintas, o que garante um consenso apenas aparente e acomoda diferentes posições que podem ser extremamente divergentes. Uma tomada de posição consciente dentro desse conjunto de possibilidades deve começar pelo entendimento que se tem acerca do princípio da inclusão escolar, lembrando que o termo assume atualmente o significado que quem o utiliza deseja. Estima-se que existam no país cerca de seis milhões de crianças e jovens com necessidades educacionais especiais para um contingente oficial de matrículas em torno de 500 mil alunos (Brasil, 2003), considerando o conjunto de matrículas em todos os tipos de recursos disponíveis (desde escolas especiais até escolas e classes comuns). Portanto, a grande maioria dos alunos com necessidades educacionais especiais encontra-se hoje fora de qualquer tipo de escola, o que configura muito mais uma exclusão generalizada da escola, o que é uma situação muito mais grave do que a discussão de qual escola é a mais adequada. A Constituição Federal de 1988 (Brasil, 1988) e as Diretrizes e Bases da Educação Nacional – Lei n. 9.394/96 (Brasil, 1996) – estabelecem que a educação é direito de todos e que as pessoas com necessidades educacionais especiais devem ter atendimento educacional “preferencialmente na rede regular de ensino”, garantindo atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência. A legislação, ao mesmo tempo em que ampara a possibilidade 25 SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 4 • Julho • Agosto de 2012 26 3. HALLAHAN, D.; KAUFFMAN, J. Exceptional children. Introdution to special education. 6. ed. Boston: Allyn Bacon, 1994. 4. MENDES, E. G. Deficiência mental: a construção científica de um conceito e a realidade educacional. Tese de Doutorado. Universidade de São Paulo. São Paulo, 1995. 5. MENDES, E.G. A radicalização do debate sobre inclusão escolar no Brasil. Revista Brasileira de Educação v. 11, n. 33, set./dez. 2006. 6. MIRANDA, A.A.A. História, Deficiência e Educação Especial. Reflexões desenvolvidas na tese de doutorado: A Prática Pedagógica do Professor de Alunos com Deficiência Mental. Unimep, 2003. Disponível em: http://livrosdamara.pbworks.com/f/ historiadeficiencia.pdf 7. PADILHA, A.M.L. Práticas educativas: Perspectivas que se abrem para a Educação Especial. Educação & Sociedade, ano 21, nº 71, julho/2000. 8. TESSARO, N.S. Inclusão Escolar: Concepções de Professores e Alunos da Educação Regular e Especial (Universidade Estadual de Maringá). ABRAPEE – Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, 2007. Disponível em: http://www.abrapee.psc. br/artigo20.htm Dra. Alessandra Freitas Russo, Neurologia Infantil e do Adolescente, Mestre em Medicina pela USP, Neurologista da AACD, Pesquisadora do Laboratório de Distúrbios do Desenvolvimento - IP- USP Christine Luise Degen, Bacharel e Licenciada em Psicologia pela UNIP, Psicóloga da APAE -Cotia. Coordenadora do Programa de Apoio à Educação Inclusiva e do Programa de Atendimento aos Transtornos Invasivos do Desenvolvimento da APAE-Cotia. i n clus ã o Inclusão escolar A questão da inclusão de alunos com deficiência no sistema regular de ensino vem ganhando espaço cada vez maior em debates e discussões que explicitam a necessidade da escola atender a estes alunos. Historicamente, a proposta de integração escolar foi elaborada em 1972, na Educação Especial, na forma do chamado princípio da normatização, o que significa dar à pessoa oportunidades garantindo seu direito de ser diferente e ter suas necessidades reconhecidas e atendidas pela sociedade. Essas noções de normatização e integração se difundiram rapidamente nos Estados Unidos da América, Canadá e por diversos países da Europa, fortalecendo-se no final dos anos 60 e inicio dos anos 70 do século XX. No Brasil a filosofia da integração parece dominar não apenas atitude teórica dos profissionais da área (Aranha, 1994; Cardoso 1992; Figueiredo, 1990; Glat, 1989, Januzzi, 1992;Nunes & Santos, 1998 ; Omote, 1994, mas também as propostas de atendimento de diferentes tipos de instituições (Arns, 1992;Carvalho, 1989;Mantoan, 1988; Mendes, 1994; Pereira, 1990). Tendo como ponto de partida os resultados positivos alcançados com a prática da inclusão escolar nos países desenvolvidos nas últimas duas décadas, o sistema educacional brasileiro tem vivenciado um momento de transição no atendimento dos alunos com necessidades educativas especiais. A partir dos anos 80 o termo integração começou a perder forças, sendo substituído pela idéia de inclusão, uma vez que o objetivo é incluir, sem distinção, todas as crianças, independente de suas habilidades. Desta forma, a palavra inclusão remete-nos a uma definição mais ampla, indicando uma inserção total e incondicional. A Declaração Mundial sobre Educação para Todos (UNESCO, 1990), aprovada pela conferência mundial, realizada na Tailândia no ano de 1990 e a Declaração de Salamanca (UNESCO, 1994), firmada na Espanha no mesmo ano marcaram, no plano internacional, momentos históricos em prol da Educação Inclusiva. No Brasil a Constituição Federal de 1988, art.208 inciso III, Plano Decenal de Educação para todos, 1993 – 2003 (Mec,1993) e os Parâmetros Curriculares Nacionais (MEC,1999) são exemplos de documentos que defendem e asseguram o direito de todos à educação. O principio básico da inclusão escolar, segundo esta Declaração, consiste em que todas as escolas reconheçam as diversas necessidades de seus alunos e a elas respondam assegurando-lhes uma educação de qualidade, que lhes proporcione aprendizagem por meio de SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 4 • Julho • Agosto de 2012 Simone Cucolicchio 27 SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 4 • Julho • Agosto de 2012 28 currículo apropriado e promova modificações organizacionais, estratégias de ensino e uso de recursos, dentre outros quesitos (UNESCO apud Mendes, 2002). Segundo Abenhaim (2005), incluir de fato significa mais do que apenas possibilitar o acesso e permanência no mesmo espaço físico. Para Gotti (1998), a inclusão escolar significa um novo paradigma no marco conceitual e ideológico, o qual precisa envolver políticas, programas, serviços, comunidade em geral e etc. Assim, conforme a autora, incluir implica ações que envolvam a luta pela conscientização do direito à cidadania, como pré-requisito, fundamental para uma reflexão crítica em torno dos conhecimentos, informações e sentimentos em relação às pessoas com deficiência. Diante do histórico da Inclusão e da Escola que temos hoje no Brasil, alguns questionamentos devem ser considerados e discutidos: a Escola está preparada para receber alunos com deficiências? Os professores estão preparados? Os alunos estão tendo bom desempenho escolar? Uma pesquisa, desenvolvida em algumas escolas públicas e privadas em uma cidade do interior do Paraná, revela que as escolas estão desenvolvendo projetos inclusivos sem a infraestrutura adequada, no que diz respeito tanto aos recursos físicos quanto aos humanos. O que se percebe é que na maioria das vezes, não há um planejamento, um projeto para receber e trabalhar com os alunos com deficiência, mas à medida que tais alunos são “incluídos” vão sendo realizadas ações conforme os recursos disponíveis e não necessariamente conforme as suas necessidades. Desta forma, deparamo-nos com práticas destoantes da deman- da que se tem e de uma escola inclusiva de qualidade. Os resultados sugerem também que, para a maioria dos participantes desta pesquisa (professores de escolas públicas e particulares) o despreparo dos profissionais e a infraestrutura das escolas dificultam o processo de inclusão dos alunos com deficiência no ensino regular. Tais dados evidenciam que os professores participantes da pesquisa não estão aptos a trabalhar e lidar com a diversidade em sala de aula, o que os leva, certamente, a se sentir inseguros, preocupados e desamparados. Este sentimento de frustração pode levar o professor a acreditar que só a afetividade que dispensa à criança já é o bastante. Foi constatado também que a maior parte dos professores não possui conhecimentos sobre deficiência e inclusão, a não ser àqueles que por iniciativa própria fizeram algum curso especializado. Outra pesquisa realizada no Distrito Federal (2006) concorda em relação à falta de estrutura da escola de ensino regular e a falta de preparo de profissionais o que cristaliza e imobiliza as ações inclusivas (Carvalho 2001). Neste sentido, Glat etal. (1998) afirmam que a escola inclusiva apenas poderá se concretizar a partir de condições muito especiais de recursos humanos, pedagógicos e materiais. Acreditam essas autoras que o professor no contexto inclusivo precisa de preparo para lidar com as diferenças, com a diversidade de todos os alunos, no entanto, os professores, de modo geral, não têm recebido formação e capacitação suficientes para atender as diversas formas de aprendizado dos alunos. Referências Bibliográficas: 1. KASPER, A.A.; LOCH ,M.V.P.; PEREIRA, V.L.D.V. Alunos com deficiência matriculados em escolas públicas de nível fundamental: algumas considerações. Educar, Curitiba, Editora UFPR, p.231243, 2008. 2. SILVEIRA, F.F.; NEVES, M.M.B.J.; Inclusão escolar de crianças com deficiência múltipla: concepções de pais e professores. Psicologia: Teoria e Pesquisa, Brasília, v.22, n.1, p.79-88 jan/abr 2006. 3. LEONARDO, N.S.T.; BRAY, C.T; ROSSATO, S.P.M. Inclusão escolar: um estudo acerca da implantação da proposta em escolas de ensino básico. Revista Brasileira, Edição Especial, Marília, v.15, n.2, p.289-306, mai/ago, 2009. 4. MANTOAN, M.T.E. Educação escolar de Deficientes Mentais: Problemas para a pesquisa e o desenvolvimento. Caderno CEDES, v.19, n.46, 1998. 5. LAPLANE, A.L.F.; PRIETO, R.G. Inclusão, diversidade e igualdade na CONAE 2010: Perspectiva para o novo Plano Nacional de Educação. Educação e Sociedade, Campinas, v.31, n.112, p. 919-938, jul/ set. 2010. Simone Cucolicchio, Fonoaudióloga Clínica da APAE de São Caetano do Sul SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 4 • Julho • Agosto de 2012 Evidente que estas não são as únicas questões a serem discutidas e debatidas quando o assunto é inclusão escolar, mas são imprescindíveis. Neste momento, concorda-se com Veiga Neto (2005), que acredita não bastarem apenas às competências técnicas para lidar com as questões impostas na inclusão, mas é importante pensar em mudanças no plano de ordem cultural, política e das relações sociais estabelecidas. Portanto, verifica-se que as pessoas com deficiência até o momento, conseguiram apenas o direito de acesso à escola regular, pois, a sua permanência está distante de se concretizar numa escola com ensino adequado e de qualidade. Atualmente, verifica-se um discurso favorável a inclusão de pessoas com deficiência, não apenas no contexto escolar, mas em vários segmentos da nossa sociedade, mesmo assim, tais pessoas continuam vítimas de preconceito e estigma, por serem consideradas diferentes. Neste aspecto uma política de educação inclusiva não se faz sozinha, paralela e concomitantemente ela requer uma política nacional de inclusão social. O processo de inclusão dos alunos com deficiência no sistema regular de ensino precisa ser consolidado, e ainda possui um caminho a ser trilhado. Oferecer ensino básico de qualidade para todos, com ou sem deficiências, significa melhorar a qualificação e dar condições de tais crianças, quando adultas, competirem no mercado de trabalho (LOCH, 2006). 29 i n clus ã o O programa de inclusão de pessoas com deficiência nas empresas – o fortalecimento no processo de fidelização do colaborador SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 4 • Julho • Agosto de 2012 Janaina Foleis Fernandes * 30 Por estar à frente de um programa de inclusão de pessoas com deficiência no mercado de trabalho e por perceber que muitas dúvidas ainda existem sobre o tema, considero importante a discussão sobre esse assunto. Ultimamente ouve-se com frequência a expressão “adequação a lei de cotas” como uma obrigação das empresas em contratar pessoas com deficiência para constituírem seu quadro de funcionários. Mas antes de pensar em adequar a empresa de acordo com a lei de cotas 8213/91 é importante pensar na razão dessa lei. O que se espera efetivamente ao seu cumprimento? A LEI Nº 8.213, DE 24 DE JULHO DE 1991 “lei de contratação de Deficientes nas Empresas. Lei 8213/91, lei de cotas para Deficientes e Pessoas com Deficiência dispõe sobre os Planos de Benefícios da Previdência e dá outras providências a contratação de portadores de necessidades especiais”. Entendo que a criação dessa lei trata-se de um estímulo para uma mudança cultural e comportamental. Apesar de ser assegurado pela constituição federal de 1988, Art. 5º: Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, reconheço na prática profissional como responsável pelo programa de inclusão e integração de pessoas com deficiência no mercado de trabalho da empresa Nepacc e no contato direto com esses profissionais que isso não acontece. Pessoas com deficiências tiveram, ao longo da história, seus direitos desrespeitados, uma vez que a inclusão na sociedade ainda é precária. Por muito tempo, essas pessoas ficaram à margem da sociedade, sem acesso a educação, profissionalização, sem garantias do direito de ir e vir. E vivendo assim, fatalmente foram banidos da atuação profissional, fonte de renda que poderia permitir uma melhora em suas condições de vida e autonomia da mesma, sem que fosse necessário um olhar assistencialista e uma vida em situação de vulnerabilidade. Toda legislação que vem fazer cumprir um direito já previsto pela constituição federal, me parece tentar corrigir um seja favorável ao negócio e as relações de trabalho. É nesse ponto que entendo que a lei de cotas serve para favorecer uma mudança cultural, pois a empresa, que até então não se deparava com essa diversidade deverá agora se adequar, modificar, para incluir. O primeiro passo é de compreender quem são as pessoas com deficiência, o que são deficiências, pois a maior barreira nesse processo é o preconceito advindo da falta de informação sobre o assunto. Toda a empresa que deseja cumprir a lei de cotas deve, antes de tudo buscar informações a respeito desse tema. Entender por exemplo, que a dificuldade de encontrar pessoas com deficiência devidamente qualificadas para exercício profissional se deve a uma cultura social que não permitiu o acesso delas a essa formação e que, portanto, não é garantia de incompetência, mas simplesmente falta de oportunidade e a empresa então, que se prepara para receber esses profissionais deve entender que seu papel de inclusão vai além da contratação, mas também em oferecer oportunidades de desenvolvimento profissional. O segundo passo é sensibilizar toda a equipe para receber esses profissionais, configurando-se como um estágio fundamental para a inclusão. Essa sensibilização pode acontecer através de palestras ou grupos de apoio coordenados por profissionais ou empresas qualificadas e com conhecimento do tema para auxiliar e esclarecer todas as dúvidas e incertezas sobre essa questão. Uma empresa que consegue estruturar não apenas a adequação do espaço físico e ofertas de recursos de acessibilidade, mas também preparar seus colaboradores certamente SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 4 • Julho • Agosto de 2012 engano que provocou uma situação de desigualdade social, sendo assim, a lei de cotas também cumpre esse papel, garantir que pessoas com deficiência tenham a oportunidade de serem inseridas no mercado de trabalho, profissionalizando-se, recebendo uma renda que será capaz de inseri-los na sociedade como um todo. Pelo fato dessas contratações acontecerem por força da lei, parece que desqualifica o profissional contratado e pode dar margens a um pensamento equivocado de favor ou de caridade e isso certamente pode comprometer o desempenho profissional deste, bem como dificultar as relações interpessoais no ambiente de trabalho e consequentemente prejudicar o processo de fidelização do colaborador com deficiência a essa empresa, aumentando neste caso o turnover. Muitas fantasias relacionadas às dificuldades e comportamentos diferenciados no trato com esses colaboradores, são criadas nas relações profissionais tanto entre os colegas de trabalho como com a equipe de gestores responsáveis pelo desenvolvimento profissional de todos os funcionários de sua equipe, incluindo os colaboradores com deficiência. Pessoas com deficiências podem exercer qualquer atividade profissional, considerando apenas as limitações da deficiência que não são maiores que a força das limitações de acessibilidade. Sendo oferecido um espaço e recursos adequados, além de estimulação e valorização, podem contribuir e contribuem de forma positiva e construtiva na atuação profissional. É importante, contudo, compreender as dificuldades encontradas pela empresa para garantir que essa inclusão 31 SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 4 • Julho • Agosto de 2012 32 apresentará menor dificuldade nesse processo, garantindo assim a inclusão e integração de pessoas com deficiência nas relações profissionais de forma ampla e diminuindo o turnover, e consequentemente gastos com processos de contratação e desligamento, característicos de quando ocorre apenas a contratação sem nenhum cuidado ou manejo adequado. Devido à “adequação a lei de cotas”, não faltam oportunidades de emprego a esses profissionais, o que de certa forma contribui para a alta rotatividade considerando a falta de fidelização desse colaborador com a companhia como um todo. A empresa inclusiva deve oferecer aos seus colaboradores com deficiência, não apenas vagas, mas oportunidades de crescimento, plano de carreira e desenvolvimento profissional. O programa de inclusão tem como objetivo o desenvolvimento desse novo conceito na cultura organizacional, aprimorando habilidades sociais e interpessoais por parte de todos os envolvidos no processo de inclusão, sejam eles com ou sem deficiência. A empresa Nepacc Serviços de Psicologia e Psicopedagogia Ltda. vem desenvolvendo esse serviço desde 2010, a favor do desenvolvimento de uma cultura inclusiva tanto organizacional como social. Entendemos que estar próximo das empresas nesse momento é fundamental para garantir a integração desses profissionais e aprimorar a atuação de todos os colaboradores e gestores a favor de uma cultura inclusiva. Referências bibliográficas: 1. A inclusão de pessoas com deficiência no mercado de trabalho. - 2 ed. – Brasília: MTE, SIT, 2007. 2. B R A S I L . C o n s t i t u i ç ã o ( 1 9 8 8 ) . Constituição [da] Republica Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal. 3. BRASIL. LEI Nº 8.213, DE 24 DE JULHO DE 1991, lei de contratação de Deficientes nas Empresas [on line]. Brasília, DF: Senado Federal. Disponível em: http:// www.deficienteonline.com.br/lei-821391-lei-decotas- para-deficientes-epessoas-com-deficiencia___77.html. Acesso em: 13 maio 2012. Janaina Foleis Fernandes, Psicóloga, CRP 06/83693 é sócia proprietária da NEPACC Serviços de Psicologia e Psicopedagogia Ltda., que está no mercado desde 2008 e tem como missão a inclusão social. Atua no mercado oferecendo consultoria organizacional com foco no desenvolvimento humano. Contatos: [email protected] [email protected] Site: www.nepacc.com.br/organizacional Telefones: (11) 3807-6656 ou (11) 3467-1649 de m ã e , pra m ã e A importância da família para que tem transtorno bipolar Sou Sonia Maria Bandeira e tenho uma irmã com transtorno bipolar. Percebemos o início das crises da Maria Braul Bandeira através de um olhar discreto. Ela acorda cedo, fala constantemente, escondi (em seu quarto) objetos, correspondências, documentos, e principalmente, chaves da casa e tudo que achar interessante. Na tentativa de pegar as chaves e outros objetos surgem os conflitos. Este comportamento é difícil, pois ela só devolve os objetos para alguém que não mexe em seus pertences, mas nem sempre esta atitude ocorre de maneira tranqüila. Houve um período que ela ficava de prontidão no portão para pegar as correspondências, e quando o carteiro não deixava nada ela ia atrás dele. Ele ficou furioso e saiu correndo, nesta ocasião descobrimos que ele era surdo, mas ela conseguiu ser amiga dele. Maria também tem facilidade de convencer as pessoas de fora falando com desenvoltura e ninguém percebe seu transtorno, somente a família. Mas é comum ela se fazer de vitima dizendo para as pessoas de fora que a família não presta, que lhe nega comida entre outras coisas. O jeito dela falar convence as pessoas de fora que pensam que é verdade que a família a mal trata. Recordo-me do sofrimento da minha mãe quando o resgate ou a policia levava minha irmã para o hospital, nesta ocasião as pessoas diziam que ela SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 4 • Julho • Agosto de 2012 Por Sonia Maria Bandeira* 33 SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 4 • Julho • Agosto de 2012 34 era possuída por um espírito. Mas chegou uma ocasião que minha mãe não aceitou este comentário, ela dizia que Deus iria dar forças e paciência para ela carregar esta cruz; e passou aceitar que a Maria era doente e que ela não iria desistir de buscar o tratamento. Maria passou por várias internações e era uma dificuldade visitá-la, pois os hospitais eram distantes Também era grande o nosso sofrimento de vê-la desfigurada e dopada, e muitas vezes pedindo para sair, pois dizia que recebia choque e tinha muita fome. Mas minha mãe achava que era fantasiava dela, pois acreditava que o hospital é um local para cuidar dos doentes. Minha irmã não aceitava as medicações em casa e nem ir às consultas médicas, por isso, quando a situação dentro de casa chegava ao extremo era caso de internação, pois ela ficava agressiva e sem roupa dentro de casa. Passou por várias internações, mas o diagnóstico transtorno bipolar só foi comunicado à família no hospital Nossa Senhora do Caminho. Quando ela era liberava para passar um final de semana em casa era sempre uma alegria. Eu me recordo de uma musica que ela cantava que me emocionou: “Esqueça de tudo que aconteceu, amanhã será um novo dia”. Deste dia passei a observar mais a minha irmã. No ano de 2002 a minha mãe faleceu, e nesta ocasião a Maria ficou em crise; a família toda ficou abalada e sem paciência. Nesta época decidi ser voluntaria no hospital Nossa Senhora do Caminho após a alta hospitalar da Maria. A administração do hospital aceitou o meu pedido de ser voluntária e foi ótima esta vivência com a minha irmã, pois compreendi o sofrimento e a história dos pacientes, e percebi que o pior conflito da pessoa com o transtorno bipolar é serem criticados. Entendi que escutar abre as portas da amizade. O maior alvo da pessoa com transtorno bipolar é a família, pois a comunicação entre os mesmo é prejudicada. A pessoa com transtorno bipolar quando fala pode ser feito uma matraca atirando por todo lado suas lembranças e muitas vezes ofensas, por isso, é necessário manter a calma porque a revolta é passageira. Na busca para aprender a lidar com este transtorno, meus irmãos ficaram contra mim dizendo que eu devia me responsabilizar se algo de grave acontecesse com ela. Eu dizia que a internação dela deveria ocorrer só em último caso, afinal não da para separar a mãe de um filho, e precisamos aceitar esta situação Quando eu tive meningite, Maria cuidou de mim, e no período que sua filha faleceu, ela passou a me proteger mesmo estando em crise. Quando eu era criança não gostava que ela me protegia, mas fui percebendo que este sentimento, a fazia feliz. E hoje aproveito isso para amenizar os conflitos e administrar as medicações. Sou como sua ‘filha’, irmã e conselheira, e este vínculo faz a grande diferença e possibilita com a pessoa com transtorno bipolar pode ser bem estressante. A convivência com o transtorno bipolar da minha irmã me ajuda no exercício da minha profissão como auxiliar de enfermagem, para saber a lidar com os pacientes que apresentam distúrbios e rejeitam medicações. Hoje acredito que toda a pessoa que tem um determinado distúrbio de comportamento são pessoas maravilhosas, sensíveis, tem a sua família como referências mesmo sofrendo preconceito. Minha irmã Maria, tem 53 anos, é aposentada, divorciada, e vive em São Paulo junto com a família. Gosta muito de passear com seu filho e visitar os parentes. O significado da família é tão forte para ela que está sempre transmitindo alegria para todos, pois ela acredita em sua capacidade de ser a mãe de todos nós da família. *Leandra Migotto Certeza é bacharel em Comunicação Social pela Universidade Anhembi Morumbi, jornalista desde 1998, e repórter especial da Revista Síndromes. Foi editora da Revista Sentidos e Ciranda da Inclusão, além de escrever para diversos portais como Setor 3 do SENAC/ SP, Rede SACI/USP e Inclusive. Ela tem deficiência física (Osteogenesis Inperfecta), é assessora de imprensa da ABSW – Associação Brasileira de Síndrome de Williams, consultora em inclusão (premiada em Lima e na Colômbia), e mantém o blog “Caleidoscópio – Uma janela para refletir sobre a diversidade da vida”: http://leandramigottocerteza.blogspot.com/. Conheçam os modelos de palestras, encontros, oficinas, cursos, treinamentos e materiais informativos sobre Diversidade e Inclusão, realizados em empresas, escolas, ONGs, centros culturais e grupos de pessoas no site da Caleidoscópio Comunicações – Consultoria em Inclusão: https://sites. google.com/site/leandramigotto/ SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 4 • Julho • Agosto de 2012 uma ponte de paz. Hoje Maria tem um filho de 17 anos de idade que tem Síndrome de Williams (deficiência intelectual) que a ajuda muito, e ela ajuda ele. É muito forte este lado família dela, eu entendo que lá no seu íntimo ela quer ser protetora mesmo quando está na fase do transtorno bipolar. O tratamento medicamentoso passou a dar certo, pois a médica que passou acompanhá-la no atendimento psicológico já a conhecia no atendimento do hospital. Assim, as crises foram controladas em casa, e o vínculo da médica com a família permitiu excelentes resultados. Desde o ano 2003 ela não foi interada, seguindo acompanhamento e fazendo uso das medicações. Porém é sempre uma luta para convencê-la a tomar os remédios e injeção a cada mês, muitas vezes chantageamos com a internação, mas não funciona melhor assim. Acredito que a melhor forma de lidar com as crises é a família aceitar a doença e manter equilibrada para superar esta fase, afinal não há mal que dure para sempre, e nem e a paz impossível de ser alcançada, basta a paciência e perseverança. Costumo a dizer que a minha irmã é feliz com o transtorno bipolar, pois nesta fase apresenta iniciativa, adora passear e consegue do jeito dela se defender, manifesta suas emoções cantando, chorando, mas fala feito uma matraca. Estas alterações de humor podem provocar agressão verbal e física, mas o equilíbrio da família associado com as medicações ajuda a amenizar as crises, e a internação passa ser só em último caso. O convívio com a família e na sociedade é de grande importância para toda pessoa. Mas toda a família precisa de acompanhamento psicológico para se refazer afinal conviver 35 arti g o do leitor O programa de inclusão de pessoas com deficiência nas empresas – o fortalecimento no processo de fidelização do colaborador SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 4 • Julho • Agosto de 2012 Janaina Foleis Fernandes * 36 Por estar à frente de um programa de inclusão de pessoas com deficiência no mercado de trabalho e por perceber que muitas dúvidas ainda existem sobre o tema, considero importante a discussão sobre esse assunto. Ultimamente ouve-se com frequência a expressão “adequação a lei de cotas” como uma obrigação das empresas em contratar pessoas com deficiência para constituírem seu quadro de funcionários. Mas antes de pensar em adequar a empresa de acordo com a lei de cotas 8213/91 é importante pensar na razão dessa lei. O que se espera efetivamente ao seu cumprimento? A LEI Nº 8.213, DE 24 DE JULHO DE 1991 “lei de contratação de Deficientes nas Empresas. Lei 8213/91, lei de cotas para Deficientes e Pessoas com Deficiência dispõe sobre os Planos de Benefícios da Previdência e dá outras providências a contratação de portadores de necessidades especiais”. Entendo que a criação dessa lei trata-se de um estímulo para uma mudança cultural e comportamental. Apesar de ser assegurado pela constituição federal de 1988, Art. 5º: Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, reconheço na prática profissional como responsável pelo programa de inclusão e integração de pessoas com deficiência no mercado de trabalho da empresa Nepacc e no contato direto com esses profissionais que isso não acontece. Pessoas com deficiências tiveram, ao longo da história, seus direitos desrespeitados, uma vez que a inclusão na sociedade ainda é precária. Por muito tempo, essas pessoas ficaram à margem da sociedade, sem acesso a educação, profissionalização, sem garantias do direito de ir e vir. E vivendo 2 assim, fatalmente foram banidos da atuação profissional, fonte de renda que poderia permitir uma melhora em suas condições de vida e autonomia da mesma, sem que fosse necessário um olhar assistencialista e uma vida em situação de vulnerabilidade. Toda legislação que vem fazer cumprir um direito já previsto pela constituição federal, me parece tentar corrigir um favorável ao negócio e as relações de trabalho. É nesse ponto que entendo que a lei de cotas serve para favorecer uma mudança cultural, pois a empresa, que até então não se 3 deparava com essa diversidade deverá agora se adequar, modificar, para incluir. O primeiro passo é de compreender quem são as pessoas com deficiência, o que são deficiências, pois a maior barreira nesse processo é o preconceito advindo da falta de informação sobre o assunto. Toda a empresa que deseja cumprir a lei de cotas deve, antes de tudo buscar informações a respeito desse tema. Entender por exemplo, que a dificuldade de encontrar pessoas com deficiência devidamente qualificadas para exercício profissional se deve a uma cultura social que não permitiu o acesso delas a essa formação e que, portanto, não é garantia de incompetência, mas simplesmente falta de oportunidade e a empresa então, que se prepara para receber esses profissionais deve entender que seu papel de inclusão vai além da contratação, mas também em oferecer oportunidades de desenvolvimento profissional. O segundo passo é sensibilizar toda a equipe para receber esses profissionais, configurando-se como um estágio fundamental para a inclusão. Essa sensibilização pode acontecer através de palestras ou grupos de apoio coordenados por profissionais ou empresas qualificadas e com conhecimento do tema para auxiliar e esclarecer todas as dúvidas e incertezas sobre essa questão. Uma empresa que consegue estruturar não apenas a adequação do espaço físico e ofertas de recursos de acessibilidade, mas também preparar SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 4 • Julho • Agosto de 2012 engano que provocou uma situação de desigualdade social, sendo assim, a lei de cotas também cumpre esse papel, garantir que pessoas com deficiência tenham a oportunidade de serem inseridas no mercado de trabalho, profissionalizando-se, recebendo uma renda que será capaz de inseri-los na sociedade como um todo. Pelo fato dessas contratações acontecerem por força da lei, parece que desqualifica o profissional contratado e pode dar margens a um pensamento equivocado de favor ou de caridade e isso certamente pode comprometer o desempenho profissional deste, bem como dificultar as relações interpessoais no ambiente de trabalho e consequentemente prejudicar o processo de fidelização do colaborador com deficiência a essa empresa, aumentando neste caso o turnover. Muitas fantasias relacionadas às dificuldades e comportamentos diferenciados no trato com esses colaboradores, são criadas nas relações profissionais tanto entre os colegas de trabalho como com a equipe de gestores responsáveis pelo desenvolvimento profissional de todos os funcionários de sua equipe, incluindo os colaboradores com deficiência. Pessoas com deficiências podem exercer qualquer atividade profissional, considerando apenas as limitações da deficiência que não são maiores que a força das limitações de acessibilidade. Sendo oferecido um espaço e recursos adequados, além de estimulação e valorização, podem contribuir e contribuem de forma positiva e construtiva na atuação profissional. É importante, contudo, compreender as dificuldades encontradas pela empresa para garantir que essa inclusão seja 37 SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 4 • Julho • Agosto de 2012 38 seus colaboradores certamente apresentará menor dificuldade nesse processo, garantindo assim a inclusão e integração de pessoas com deficiência nas relações profissionais de forma ampla e diminuindo o turnover, e consequentemente gastos com processos de contratação e desligamento, característicos de quando ocorre apenas a contratação sem nenhum cuidado ou manejo adequado. Devido à “adequação a lei de cotas”, não faltam oportunidades de emprego a esses profissionais, o que de certa forma contribui para a alta rotatividade considerando a falta de fidelização desse colaborador com a companhia como um todo. A empresa inclusiva deve oferecer aos seus colaboradores com deficiência, não apenas vagas, mas oportunidades de crescimento, plano de carreira e desenvolvimento profissional. O programa de inclusão tem como objetivo o desenvolvimento desse novo conceito na cultura organizacional, aprimorando habilidades sociais e interpessoais por parte de todos os envolvidos no processo de inclusão, sejam eles com ou sem deficiência. A empresa Nepacc Serviços de Psicologia e Psicopedagogia Ltda. vem desenvolvendo esse serviço desde 2010, a favor do desenvolvimento de uma cultura inclusiva tanto organizacional como social. Entendemos que estar próximo das empresas nesse momento é fundamental para garantir a integração desses profissionais e aprimorar a atuação de todos os colaboradores e gestores a favor de uma cultura inclusiva. Referências bibliográficas 1. A inclusão de pessoas com deficiência no mercado de trabalho. - 2 ed. – Brasília: MTE, SIT, 2007. 2. B R A S I L . C o n s t i t u i ç ã o ( 1 9 8 8 ) . Constituição [da] Republica Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal. 3. BRASIL. LEI Nº 8.213, DE 24 DE JULHO DE 1991, lei de contratação de Deficientes nas Empresas [on line]. Brasília, DF: Senado Federal. Disponível em: http:// www.deficienteonline.com.br/lei-821391-lei-decotas- para-deficientes-epessoas-com-deficiencia___77.html. Acesso em: 13 maio 2012. *Janaina Foleis Fernandes, Psicóloga, CRP 06/83693 é sócia proprietária da NEPACC Serviços de Psicologia e Psicopedagogia Ltda., que está no mercado desde 2008 e tem como missão a inclusão social. Atua no mercado oferecendo consultoria organizacional com foco no desenvolvimento humano. Contatos: [email protected] / nepacc@nepacc. com.br Site: www.nepacc.com.br/organizacional Telefones: (11) 3807-6656 ou (11) 3467-1649 arti g o do leitor Até Quando? Até quando veremos nossos cegos, nossos portadores de necessidades especiais sem acesso ao transporte público com dignidade, sem acesso aos locais públicos e particulares dessa vida por conta da falta de investimentos em adaptações mais que urgentes para essas pessoas, que assim como eu e você são tão cidadãos quanto, que pagam seus impostos em dia mas que quando mais precisam do poder público ficam a ver navios literalmente! Até quando “os homens de terno” farão discursos bonitos com palavras emocionantes dignas de se aplaudir de pé mas que não passam de meras promessas, desiludindo ainda mais aqueles que tanto necessitam das políticas públicas urgentes no que se refere à inclusão? Todavia ainda que alguns deles façam é preciso que nós, enquanto cidadãos, possamos agir como tais, com consciência, com respeito e não por mera obrigação da lei. É preciso que nós brasileiros resgatemos de vez a nossa boa e velha educação (aquela trazida de casa) tão rara hoje em dia pelas ruas e avenidas do país, país que se acostumou a ter as bolsas famílias da vida, ou seja, desacostumando o brasileiro a lutar pelo pão, agora ele já vem prontinho. Mas vamos focar nosso olhar na coragem dos nossos portadores de necessidades especiais, da sua garra e a sua vontade de viver que não só nos serve de exemplo de motivação para não desistirmos quando as coisas não vão tão bem em nossas vidas mas principalmente do quanto são capazes, capazes de nos surpreender a cada dia! Hoje em dia já existem por exemplos casais com síndrome de Down que levam uma vida normal, tem filhos que trabalham e até já cursam uma faculdade. De fato são pessoas realmente felizes! E o que dizer dos cegos? Que participam de atividades desportivas das quais nem mesmo nós que possuímos a visão conseguimos fazer tão bem como, por exemplo, nadar, correr e até mesmo jogar futebol. E o que dizer daqueles seres iluminados que mesmo não tendo os membros superiores e inferiores conseguem pintar com a boca? E até quando iremos ignorar esses seres fantásticos cujo a vida é incrivelmente fascinante ? Até quando? Alexandre Soares, Professor da Uniesp São Roque, Orientador Educacional na cidade de Mairinque-SP, [email protected] SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 4 • Julho • Agosto de 2012 Alexandre Soares 39 reporta g em Centro Espírita Nosso Lar - Casas André Luiz O sonho SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 1 • Janeiro • Fevereiro de 2012 Por Maria de Fátima de Oliveira 40 Os sonhos quando acontecem Trazem a felicidade É muito bom sonhar Pensar nas coisas e na vida é muito bom A gente leva o pensamento até Deus e enxerga outro mundo A gente vê um mundo tão bonito e não sabe de onde veio, dá onde conhecemos esse lugar Sonhar é viver outro lado da vida É um modo de encontrar a felicidade Os nossos sonhos podem se realizar Celebrar como a vida é maravilhosa Desejamos que todos os seus sonhos se transformem em realidade Acreditando em nós mesmos E se ligando aos nossos pensamentos Eu nasci no dia 17/11/1968, na cidade de Berilo, interior de Minas Gerais. O nome da minha mãe era Ana Martins e de meu pai João Martins. Não tenho muita lembrança da minha infância, só sei que nasci sem problemas, mas por não tomar vacina de paralisia infantil, fiquei doente. Minha família sofreu muito, pois além da falta de recursos financeiros, minha mãe tinha a doença do ‘bicho barbeiro’ e meu pai problemas de saúde. Como eu não andava e não ficava sentada sozinha, minha mãe comprou uma cadeira de rodas, e mesmo com dificuldades financeiras, lembro que viajávamos muito para outras cidades, atrás de um hospital para que eu pudesse ter tratamento adequado. Meu pai adoeceu e acabou falecendo, depois que viemos para São Paulo. Com a ajuda de uma tia, conhecemos as Casas André Luiz, quando era um local pequeno. Eu tinha 5 anos, quando passei em uma triagem e consegui uma vaga. No começo, chorava muito, pois queria ficar com a minha mãe. Mas hoje aqui nas Casas André Luiz, aprendi muita coisa, uma delas é entender as minhas amigas que não sabem falar. Eu consigo passar para outras pessoas o que elas desejam. Também aprendi a dançar, escrever, a falar melhor. Hoje realizo muitas atividades aqui e agradeço a todos que passaram pela minha vida e me ajudaram muito. Maria de Fátima trabalha na farmácia de manipulação das Casas André Luiz de segunda a sexta-feira das 9hs às 11hs, e participa de um grupo de dança. O que mais gosta de fazer é escrever poesias. E nas horas vagas, trabalha na oficina de Terapia Ocupa- cional produzindo artesanatos. É alfabetizada, se comunica através da fala, mas sempre estudou somente dentro da instituição. Além da poliomielite tem Quadriplegia Espástica (deficiência física) e variação normal de inteligência. Trabalho: uma grande oportunidade que podemos confiar contando as nossas angústias e alegrias. Para mim o trabalho é uma grande experiência, pois só testemunha que aprendi muito, porque mostro que sou capaz de fazer algo especial. O trabalho mediúnico no qual sou dirigente tem grande importância na minha vida, pois me dá a oportunidade para eu exercer aquilo que aprendi nos cursos e ajuda a mostrar a mim e aos outros que sou capaz de fazer algo muito importante. Sempre procuro fazer este trabalho da melhor forma possível, dando tudo SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 1 • Janeiro • Fevereiro de 2012 Por Maria de Fátima de Oliveira Feliz daquele que tem a oportunidade de ter um trabalho. Feliz daquele que respeita o trabalho. Feliz daquele que assume a responsabilidade de cumprir o trabalho com qualidade. A oportunidade de trabalhar é muito importante para ocupar a mente porque a mente ocupada com o trabalho produz muitas coisas boas, principalmente o grande aprendizado que é progredir amando o próximo. No trabalho encontramos amigos 41 de mim, para a minha evolução que tenho certeza que será grande. Agradeço a todos que me deram esta oportunidade e principalmente ao Criador de todos nós. Outros poemas estão no BLOG escrito pelas pessoas que vivem nas Casas André Luiz: http://www.casasandreluiz.org.br/blog/ e as novidades, entrevistas, dicas, receitas e diversão estão no Jornalzinho mensal: “Mundo André Luiz”, também escrito por eles: http://www.casasandreluiz.org.br/pdf/ jornalzinhodospacientes2012/jornalzinhodospacientes_junho.pdf SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 1 • Janeiro • Fevereiro de 2012 Um pouco de história 42 O Centro Espírita Nosso Lar Casas André Luiz, fundado em 1949, é uma das mais antigas instituições brasileiras, sem fins lucrativos, que desde o início optou pelo atendimento 100% gratuito a pessoas com deficiência intelectual, de todas as idades, sem condições financeiras, em todos os graus de comprometimento: leve, moderado, grave e profundo com ou sem deficiência física associada. Localizada na cidade de São Paulo com 2141 profissionais espíritas, evangélicos, católicos e ateus trabalhando; sendo 11 estagiários e 419 voluntários (1287 na unidade de longa permanência e 48 no ambulatório), a instituição atende hoje cerca de 1600 pessoas, das quais 600 vivem na instituição, e 2 mil em regime ambulatorial. Todos os atendimentos médicos realizados nas unidades são por meio de convênios com o Sistema Único de Saúde, em especialidades como: Odontologia, Enfermagem, Farmácia e Radiologia que, associado às terapias de Fonoaudiologia, Psicologia, Fisioterapia neuromotora e cardiorrespiratória, e às atividades interdisciplinares de Educação Física, Terapia Ocupacional e Serviço Social, geram qualidade de vida as pessoas e seus familiares. Os programas de atendimento no ambulatório contemplam os diferentes graus de deficiências mesmo as mais complexas; e o tempo de permanência na unidade varia de acordo com a necessidade específica de cada caso, porém não há programas diários, como, por exemplo, em uma escola regular. As pessoas chegam no horário agendado, 1, 2 ou 3 vezes por semana (de acordo as Casas André Luiz, ele não teria a qualidade de vida que possui hoje”, conta Mônica Felipe da Silva, mãe de Jefferson. E para as pessoas que residem na unidade de longa permanência da instituição, existe uma rotina de saídas freqüentes, não somente para eventos, mas para atividades do dia-a-dia como, por exemplo, compras em shopping, feiras, passeios à praia, idas ao cinema entre outras. Para os profissionais das Casas André Luiz, este convívio é extremamente importante, não só para estimular as pessoas que vivem na instituição à inclusão social, mas também para a comunidade a conviver com as diferenças. Existem pessoas que são atendidas na instituição, com deficiência leve e moderada, inseridas no mercado de trabalho; porém em pequeno número. Destes, somente 15 desenvolvem algum trabalho dentro da própria instituição com excelente retorno, e apenas 1 pessoa trabalha em um supermercado fora da Instituição. Mas para ampliar a inclusão social, os coordenadores da instituição também participam da criação de políticas públicas, em Conselhos de Saúde e Secretarias de SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 1 • Janeiro • Fevereiro de 2012 com o que é necessário para o caso) realizam as terapias ou consultas e retornam para suas casas. A instituição estimula a manutenção dos vínculos familiares, sempre mencionando a sua importância na condição biopsicossocial e qualidade de vida das pessoas que freqüentam as unidades. Para isso, famílias de extrema vulnerabilidade social recebem o auxílio-transporte para que estejam presentes nas visitas, assim como orientações pontuais sobre os tratamentos na instituição. E para as pessoas em situações de real abandono por suas famílias, as Casas André Luiz possuem o Programa de Apadrinhamento, que tem por objetivo a doação de amor e atenção. Com 7 meses de vida, Jefferson da Silva Bernardo teve meningite que o deixou com deficiência intelectual e física. Há 10 anos recebe tratamentos na instituição, realizados por psicólogos, fonoaudiólogos, fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais e de outras especialidades que juntas já contribuíram muito para melhoraria da fala e da locomoção dele. “Só tenho a agradecer pelos tratamentos dos profissionais com o meu filho; pois, se não fosse 43 SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 1 • Janeiro • Fevereiro de 2012 governo, tanto estaduais quanto municipais, como São Paulo e Guarulhos, por exemplo. O dinheiro que sustenta a instituição vem 30% do SUS – Sistema Único de Saúde, e 70% por meio de captação de recursos: através: da Central de Arrecadação, que divulga os trabalhos e busca fidelização de contribuintes para a manutenção das despesas fixas da Instituição; pelo Mercatudo, que recebe doações externas de materiais em desuso (como móveis, utensílios domésticos, roupas, objetos para reciclagem e outros) para revenda, convertendo a arrecadação para as outras despesas; e por meio do Programa de Empresa Iluminada, que firma parcerias com empresas que desejem investir na instituição, fortalecendo seu programa de Responsabilidade Social Empresarial. As Casas André Luiz receberam o certificado NBR ISSO 9001 em 2008 e o Prêmio Bem Eficiente em 2005 e 2006. Mais informações no site: http://www.casasandreluiz.org.br 44 A importância da parceria entre as escolas inclusivas e a instituição Um dos destaques das Casas André Luiz é o Programa REDUC (Reabilitação e Educação pela Inclusão). A psicóloga e coordenadora Maria Rozineti Gonçalves* do programa nos concedeu uma entrevista exclusiva e conta em detalhes como funciona, desde 2005, esta importante troca de experiências entre educadores e profissionais da instituição. 1 - Explique como funciona o projeto. Qual o principal objetivo dos encontros? Como surgiu a ideia do REDUC? A demanda apareceu mais devido às necessidades dos profissionais, familiares ou pessoas com deficiência atendidas no Ambulatório das Casas André Luiz? Quais são as principais necessidades dos participantes? Desde 1991 o ambulatório das Casas André Luiz oferece gratuitamente serviços especializados de atendimento médico e terapêutico às pessoas com deficiência intelectual e física e suas famílias. Ao longo do tempo de existência a equipe multiprofissional se desenvolveu e hoje investe na transformação da sociedade, a fim de combater o estigma e o preconceito. Pois, sabe-se hoje que a deficiência deve ser pensada e trabalhada em sua complexidade, não mais segregada só a uma área do saber. Nesse sentido desenvolvemos uma alternativa para somar aos trabalhos da área educacional, aproximar e interligar os saberes acumulados e realizar um programa, através da interface saúde e educação. O programa REDUC (Reabilitação e Educação pela Inclusão), iniciado em 2005, realiza encontros 2 - Os professores das escolas são convidados a participar de reuniões junto com os profissionais das Casas André Luiz, com as pessoas com deficiência e seus familiares? São convidados a participar dos encontros do REDUC os professores, coordenadores e/ou diretores de escolas particulares e públicas, além de instituições. Até o presente momento não realizamos um encontro conjunto com os familiares, por preservarmos o espaço de acolhimento das dúvidas e angústias dos participantes, assim como por entendermos que é um momento de troca de conhecimento sobre os processos educacionais, com toda sua complexidade. 3 - Por que são realizados encontros somente uma vez por semestre? Faltava interesse de ambas as partes das 195 pessoas envolvidas no REDUC? Inicialmente o projeto era desenvolvido bimestralmente, porém fomos percebendo dificuldades dos participantes em dar conta de uma periodicidade maior. Alguns professores apresentavam dificuldades em ter essa dispensa, faltando incentivo para sua continuidade de participação. Isso nos levou a construir o programa mais dentro da realidade das pessoas, inclusive da própria equipe técnica do ambulatório da instituição, que era cobrada por parar aos atendimentos para receber um grupo restrito de professores. Assim, para darmos seguimento sem ônus para nenhum lado passamos a fazê-lo semestralmente. SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 1 • Janeiro • Fevereiro de 2012 semestrais com professores, coordenadores, diretores e demais atores do sistema escolar. Convidamos os profissionais das escolas públicas e privadas, que possuem crianças que utilizam nossos serviços, a participarem de encontros na instituição. Por meio dessa parceria criamos uma rede social que dê suporte às demandas referentes ao processo de inclusão educacional, com o objetivo de: compartilhar dúvidas, informações e experiências (produzindo caminhos e alternativas; aprender com a realidade cotidiana); levantar aspectos comuns sobre as dificuldades da educação inclusiva no Brasil; além da possibilidade de intervir nas questões relativas aos preconceitos do universo das deficiências. Para isso, buscamos como método de trabalho, realizar encontros estruturados com diálogos, oficinas, debates e palestras informativas. E sempre que possível, também são realizadas visitas às escolas para acompanhamento de casos específicos. A ideia do Programa REDUC nasceu de uma necessidade dos profissionais da saúde ligados ao ambulatório da instituição encontrar resposta às demandas das escolas nas quais as pessoas atendidas na instituição estavam inseridas. Do lugar dos representantes escolares vinham demandas ligadas ao diagnóstico, dúvidas sobre as deficiências, formas de atuação, intervenções e adaptações possíveis na escola, angústias do não saber como lidar com o desconhecido, entre outras. Assim fomos trabalhando com o paradigma da diversidade e criando um contexto reflexivo para além do diagnóstico. 45 4 – Hoje são realizados relatórios sobre os principais temas conversados? E feitas propostas de ações coletivas ou analisados casos específicos? Em alguns encontros propomos temas específicos, e em outros uma dinâmica mais aberta ao diálogo a partir da demanda do grupo que comparece ao encontro. Todos são finalizados com uma avaliação dos participantes e sugestões para os posteriores, e a equipe do ambulatório realiza o relatório do encontro. Já tivemos e continuamos tendo das mais diversas demandas, desde uma mobilização mais política com convites aos participantes para serem representantes na Secretaria de Educação de Guarulhos; até discussões mais pontuais sobre diagnósticos e atendimento realizados pela equipe de saúde. SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 1 • Janeiro • Fevereiro de 2012 6 - Dentre as 70 escolas participantes dos encontros, quantas implantaram ações efetivas em sala de aula? Quais foram elas? 46 É muito difícil precisar, pois não temos condições de analisar o programa nesse nível de abrangência. O que existem são relatos de participantes mais assíduos que nos deram feedbacks de suas ações nas escolas. Destacamos modificações nos processos de avaliação do aluno, melhor condução no processo de alfabetização da criança, diversificação nas estratégias de ensino, cobrança de instâncias superiores quanto ao suporte necessário à criança com deficiência, revisão do ciclo escolar em que a criança se encontrava, dentre outras. 7 - Qual o papel dos 7 interlocutores em campo? São profissionais da instituição que visitavam algumas escolas? Quantas? Em que período? O que realizavam? No geral uma equipe de dois a três profissionais visitavam as escolas que necessitavam de uma intervenção focada na demanda daquele contexto, como por exemplo, conversar com um grupo maior de professores que não podiam se deslocar até o ambulatório da instituição; ou em escolas que abarcavam um número maior de pessoas atendidas nas Casas André Luiz para termos acesso a todos os professores envolvidos, ou até mesmo por solicitações mais persistentes de representantes de escolas. Realizávamos o agendamento com o coordenador da escola e solicitávamos a presença de professores, especialmente os ligados as pessoas com deficiência atendidas na instituição. Nesse período realizamos 15 visitas escolares, tendo cada uma um foco diversificado, desde participar de hora pedagógica na instituição e falar com um grupo de 30 professores dialogando e esclarecendo dúvidas sobre alunos com deficiência; até para verificarmos as adaptações necessárias e específicas para determinada criança na escola. Atualmente esse tipo de assessoria acontece com menor frenquência, devido a outras demandas institucionais. 9 - Aponte os principais problemas de inclusão de estudantes com deficiência intelectual nas escolas regulares, os principais resultados conseguidos após as ações do REDUC? 10 - Cite um exemplo positivo e um que ainda precisa ser melhorado. Aponte os principais comentários, depoimentos e críticas feitas pelas pessoas envolvidas, sejam profissionais da instituição ou educadores das escolas inclusivas. Como exemplo, podemos citar os pontos positivos, retirados de avaliações finais de alguns encontros de 2011: “foi uma importante troca de experiências sobre inclusão”; “é importante compreender como a criança está se desenvolvendo nas terapias traçando paralelos com a sala de aula”; “foi um aprendizado de novas técnicas a serem trabalhadas com os alunos”; “a importância dada a inter-disciplinaride; o domínio do conhecimento; e disponibilidade da equipe terapêutica em nos orientar”; “a importância de ter retorno sobre o trabalho que a escola realiza; e levar o conhecimento para a sala de aula, dar novas visões e possibilidades”; entre outros. Alguns comentários dos participantes foram: “Uma oportunidade de tirar dúvidas e aprender bastante”; “Trouxe soluções para as minhas necessidades”; ”Estou saindo muito melhor do que entrei. Foi ótimo!”; “Agradeço o acolhimento e a receptividade. Parabéns pelo lindo trabalho”; “A reunião foi de grande valia para minha formação pessoal e profissional”; “Adorei muito, pois mudou muito o meu ponto de vista em relação ao meu comportamento”. E algumas sugestões foram: maior frequencia nos encontros; ser mais divulgado; e a necessidade de um curso de formação para educadores. Em relação às dificuldades verificamos que a criança com deficiência intelectual passa por uma situação bastante delicada ao fazer a passagem do ciclo do ensino fundamental SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 1 • Janeiro • Fevereiro de 2012 Muitos são os problemas trazidos pelos familiares das pessoas com deficiência e pelos professores que participam dos encontros, como por exemplo, em relação à infra-estrutura das escolas (muitas ainda não são totalmente adaptadas as pessoas que usa cadeira de rodas); falta de suporte em sala de aula para as questões práticas (como troca de fraldas, alimentação, e ida aos espaços externos à sala de aula); grande número de alunos por sala que dificulta a atenção individualizada; falta de suporte que instrumentalize o professor a encontrar caminhos de escolarização do aluno com deficiência; carências na formação do educador; falta de parâmetros para a avaliação e promoção de alunos; e preconceitos na relação família e escola, entre outros problemas. Nossa intervenção tem ocorrido dentro das necessidades que são trazidas a cada encontro ou a cada visita escolar; desde orientações específicas ligadas a tecnologias assistivas, sugestões de adequações estruturais em sala de aula, passando por esclarecimentos de quadros clínicos, discussões e reflexões sobre formas de aprendizagem, até alívio de angustia de professores através do acolhimento de seus sentimentos. Os relatos de satisfações dos professores e das mães em alguns casos são nossos parâmetros de avaliação do programa. 47 1 para o 2, uma vez que deixa de ter um professor generalista e passa a ter vários professores especialistas muito distanciados do processo de alfabetização, fase em que a maioria das crianças com deficiência intelectual ainda se encontra. Muito desses alunos não apresentam condições de acompanhar o conteúdo planejado para as series desse segmento e passam a ficar a margem na sala de aula, podendo refletir em comportamentos vistos como indisciplinados, mas na realidade refletem sua desmotivação decorrente desse despreparo do sistema escolar. SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 1 • Janeiro • Fevereiro de 2012 11 - Quais são as principais parcerias firmadas entre os setores de saúde e educação inclusivas após a implantação do projeto? O REDUC vai continuar? A direção das Casas André Luiz aprovou os resultados e incentivou o trabalho? 48 A busca da parceria é contínua e refletida em cada encontro e sempre temos a certeza de trocarmos conhecimentos e dialogarmos dentro de nossos saberes construindo caminhos mais assertivos para a pessoa com deficiência nos dois contextos. E para tentar expandir nossa atuação, criarmos um curso de atualização e capacitação de educadores no ambulatório da instituição; com uma programação envolvendo áreas de psicologia, terapia ocupacional, fonoaudiologia, educação física e serviço social, visando fomentar a reflexão do professor e instrumentalizá-lo para as questões do cotidiano escolar da pessoa com deficiência intelectual. Nossa proposta abordava temas como limites e possibilidades de um diagnóstico, preconceito e exclusão, família, reconhecimento dos direitos da pessoa com deficiência, tecnologia assistiva, possibilidades em metodologias e estratégias de ensino, entre outros. Porém, não conseguimos colocar o curso em prática devido à falta de uma parceria. O programa REDUC no formato que hoje está tende a continuar, tendo em vista o reconhecimento da necessidade de darmos suporte às escolas e por acreditarmos que a aproximação entre saúde e educação se faz necessária para o benefício da pessoa com deficiência. 12 - O que representa para você, tanto profissionalmente, como pessoalmente, a realização de um projeto em prol da educação inclusiva e do resgate da cidadania de pessoas com deficiência intelectual que ainda passam por situações de discriminação e preconceito? O que mudou em sua vida após a realização deste projeto? Pessoalmente é um projeto no qual acredito muito, até por atuar também como psicóloga escolar em uma escola particular que recebe alguns alunos com deficiência, levando-me a ver de perto as necessidades de formação e suporte ao professor que atua diretamente com a pessoa com deficiência. Nos atendimentos às mães de pacientes, como por exemplo, no Grupo Reflexivo realizado pela Psicologia, a demanda mais freqüente são as insatisfações e dificuldades com a inclusão escolar de seus filhos, sendo quase que um pedido explícito de darmos conta de serem as portas vozes de seus filhos e defensoras de seus direitos a uma educação de qualidade. Mas temos a certeza que com esse programa, conseguimos dar uma pequena contribuição para uma sociedade mais justa para essas pessoas com deficiência. *Maria Rozineti Gonçalves, Coordenadora de Equipe Técnica das Casas André Luiz há 17 anos, é Psicóloga com especialização em Terapia Familiar e de Casal e Psicologia Institucional e Social e idealizadora do programa REDUC, juntamente com sua equipe técnica formado por Willian Chagas, Professor de Educação Física Adaptada; Renata Masson, Terapeuta Ocupacional; Cleide Santos, Assistente Social; Priscila Engman, Fonoaudióloga e Maria Rozineti Gonçalves, Psicóloga e Coordenadora da instituição. *Leandra Migotto Certeza é bacharel em Comunicação Social pela Universidade Anhembi Morumbi, jornalista desde 1998, e repórter especial da Revista Síndromes. Foi editora da Revista Sentidos e Ciranda da Inclusão, além de escrever para diversos portais como Setor 3 do SENAC/ SP, Rede SACI/USP e Inclusive. Ela tem deficiência física (Osteogenesis Inperfecta), é assessora de imprensa da ABSW – Associação Brasileira de Síndrome de Williams, consultora em inclusão (premiada em Lima e na Colômbia), e mantém o blog “Caleidoscópio – Uma janela para refletir sobre a diversidade da vida”: http://leandramigottocerteza.blogspot.com/. Conheçam os modelos de palestras, encontros, oficinas, cursos, treinamentos e materiais informativos sobre Diversidade e Inclusão, realizados em empresas, escolas, ONGs, centros culturais e grupos de pessoas no site da Caleidoscópio Comunicações – Consultoria em Inclusão: https://sites. google.com/site/leandramigotto/ SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 1 • Janeiro • Fevereiro de 2012 resolvermos as incongruências no sistema educacional. Mas é claro que não temos essa condição e nos limitamos a fomentar o diálogo e a tentativa de se buscar alternativas e caminhos para essa construção contínua do processo inclusivo. É preciso também fortalecer as mães atendidas na instituição para 49 revista multidisciplinar de desenvolvimento humano Síndromes Março • Abril de 2012 • Ano 2 • Nº 2 Curso Autismo Módulo IV Alessandra Freitas Carolina Rabello Padovani Cristina Maria Pozzi Francisco B. Assumpção Jr. Marina Lemos Melanie Mendoza Milena Rossetti 13 anos www.atlanticaeditora.com.br … curso A utismo - m ó dulo I V Diagnóstico e diagnóstico diferencial psiquiátrico no autismo infantil SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 4 • Julho • Agosto de 2012 1. Introdução 52 Ao DSM-IV-TR (American Psychiatric Association, 2002), o autismo infantil é retratado como um quadro iniciado antes dos três anos de idade, decorrente de uma vasta gama de condições pré, peri e pós-natais, sendo necessários um total de seis (ou mais) itens das seções (1), (2) e (3), com pelo menos dois itens da seção (1), um da (2) e um da (3). Esses itens são representados por prejuízo qualitativo na interação social, manifestado por pelo menos dois dos seguintes aspectos: prejuízo acentuado no uso de múltiplos comportamentos não verbais, tais como contato visual direto, expressão facial, postura corporal e gestos para regular a interação social; fracasso em desenvolver relacionamentos com seus pares, apropriados ao nível de desenvolvimento; falta de tentativa espontânea de compartilhar prazer, interesses ou realizações com outras pessoas (p. e., não mostrar, trazer ou apontar objetos de interesse), e falta de reciprocidade social ou emocional. Os aspectos relativos aos prejuízos qualitativos na comunicação são manifestados através de atraso ou ausência total de desenvolvimento da linguagem falada (não acompanhado por uma tentativa de compensar através de modos alternativos de comunicação, tais como gestos ou mímica); em indi- víduos com fala adequada, observa-se acentuado prejuízo na capacidade de iniciar ou manter uma conversação; uso estereotipado e repetitivo da linguagem, ou linguagem idiossincrática; falta de jogos ou brincadeiras de imitação social, variados e espontâneos, apropriados ao nível de desenvolvimento. Finalmente, os padrões restritos e repetitivos são manifestos através de preocupação insistente com um ou mais padrões, estereotipados e restritos de interesse, anormais em intensidade ou em foco; adesão aparentemente inflexível a rotinas ou rituais, específicos e não funcionais; maneirismos motores estereotipados e repetitivos (p. e., agitar ou torcer mãos ou dedos, ou movimentos complexos de todo o corpo); e preocupação persistente com partes de objetos. Considerando-se a CID-10 (1993), encontramos o conceito de Transtornos Globais do Desenvolvimento descrito como um “...grupo de transtornos caracterizados por alterações qualitativas das interações sociais recíprocas e modalidades de comunicação e por um repertório de interesses e atividades restrito, estereotipado e repetitivo. Estas anomalias qualitativas constituem uma característica global do funcionamento do sujeito, em todas as ocasiões.” Assim, estabelecem-se subgrupos específicos para seu diagnóstico, todos … 2. Principais quadros clínicos de importância no diagnóstico diferencial • 2.a. Diagnósticos Diferenciais intra-grupo “Transtornos de Desenvolvimento” • 2.a.1. Diagnósticos Diferenciais intra-grupo Retardo Mental O Retardo Mental (RM) é um quadro de extrema importância, não somente pela sua gravidade, mas também porque as melhores estimativas mostram sua prevalência, considerando-se um quociente intelectual (QI) abaixo de 50, ao redor de 3 a 4 para 1.000 pessoas, e estimando-se que a deficiência mental leve (QI de 50 a 70) ocorra em 2 a 3% das pessoas, embora esses dados só devam ser levados em consideração ao serem observadas as características da região estudada, bem como o meio sócio-econômico envolvido (World Health Organization, 1985). A proposta de 1959, da Associação Americana para o RM define que “...o retardamento mental refere-se ao funcionamento intelectual geral abaixo da média, que se origina durante o período de desenvolvimento e está associado a prejuízo no comportamento adaptativo”. Engloba um quadro caracterizado a partir das conseqüências que apresenta, no âmbito da pessoa, da família e da sociedade, decorrente de uma deficiência em nível biológico, que acarreta uma incapacidade em nível funcional, que faz com que o indivíduo não apresente o desempenho esperado de acordo com sua idade, sexo e grupamento social. SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 4 • Julho • Agosto de 2012 eles caracterizando diferentes quadros clínicos, evoluções e prognósticos sendo, portanto, de fundamental importância seu estabelecimento. Assim, esse diagnóstico diferencial dos quadros autísticos passa a existir dentro do próprio grupo de Transtorno Invasivos do Desenvolvimento, que engloba a Síndrome de Asperger, a Síndrome de Rett, os Transtornos Desintegrativos e os quadros não especificados, bem como passa a ter que ser considerado fora dessa categoria. Isso porque com o reforço da idéia do déficit cognitivo associado, bem como a partir de seu enfoque sob uma ótica desenvolvimentista, passa a relacioná-lo cada vez mais à deficiência mental, uma vez que cerca de 70 a 86% deles são também deficientes mentais. Wing (1988), reforçando essa idéia, traz a noção de autismo como um aspecto sintomatológico, dependente do comprometimento cognitivo, dentro de uma visão dimensional, reforçando a tendência de o tratarmos não como uma entidade única, mas como um grupo de doenças relacionadas, primariamente, a déficits cognitivos. Sua idade usual de diagnóstico, ao redor de três anos, caracteriza de forma clara uma primeira dificuldade na sua identificação, embora esse mesmo autor sugira que um diagnóstico já possa ser bem estabelecido ao redor dos 18 meses de idade, estudos realizados com grandes amostras de portadores das chamadas “psicoses infantis” descrevem uma distribuição bimodal, com um grupo de crianças com graves problemas já nos primeiros anos de vida, e outro grupo com dificuldades somente após um período de desenvolvimento aparentemente normal. 53 … SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 4 • Julho • Agosto de 2012 54 Não corresponde, portanto, a uma doença única, mas engloba um complexo de síndromes que têm como única característica comum a insuficiência intelectual. Considerando-se o DSM-IV-TR (2002), suas características fundamentais são representadas por um funcionamento intelectual global significativamente inferior à média, acompanhado de déficits ou prejuízos concomitantes no funcionamento adaptativo atual, com um início anterior aos 18 anos de idade. Essas características, a princípio, podem ser encontradas também nos quadros de autismo, embora nesses, alterações mais específicas e de cunho qualitativo estejam associadas. Também não fazem parte dos quadros de RM as alterações de motilidade representadas pelos rituais e pelas estereotipias de movimento, as alterações lingüísticas e, principalmente, as alterações na sociabilidade, uma vez que o isolamento intenso com dificuldade no reconhecimento dos padrões mentais do outro não é encontrado, obrigatoriamente, no RM. A etiologia do Retardo Mental é variável, superpondo-se à encontrada no autismo, e pode, de modo geral, ser subdividida em fatores que atuam antes da concepção e que envolvem causas genéticas e ambientais, consistindo nos aspectos mais importantes na sua gênese. Provavelmente essa superposição de fatores, faz com que se encontre associada ao autismo, numa proporção de 70 a 80% dos casos, com fatores genéticos. Também fatores ambientais de cunho pré e peri-natal aproximam os dois transtornos, embora alguns deles pareçam ter um peso mais específico no RM. Entretanto, considerando-se que o Retardo Mental corresponde a um continuum que se estende do próximo ao normal ao francamente anormal, de acordo com o potencial adaptativo do indivíduo em questão, a discriminação cognitiva passa a ter fundamental importância para o diagnóstico diferencial, uma vez que no RM, a maior frequência de transtornos de conduta observada também é na área da sociabilidade, o que reflete as dificuldades adaptativas dessa população. Observamos, então, condutas caracterizadas por dificuldades no relacionamento social, caracterizando timidez e isolamento, frutos da baixa autoestima e de percepção das reais dificuldades no relacionamento, e condutas de tipo irritável e agressivo, decorrentes da dificuldade de instrumentalização e controle dos impulsos, com a conseqüente inadequação ao ambiente social. Cabe ainda considerar a presença freqüente de estereotipias gestuais na população deficiente mental, o que dificulta mais ainda seu diagnóstico diferencial com os TIDs. • 2.a.2. Alterações de Linguagem A ausência de linguagem e, conseqüentemente, de reações aparentes à voz do outro na criança de pequena idade, traz à baila a questão da surdez, que deve sempre ser investigada quando não se percebe a reação a voz, gestos e presença do outro. Da mesma forma, alterações de linguagem, como disfasias graves, podem apresentar, concomitantemente, alterações relacionais (dificuldades de imitação e interesses específicos) e dificuldades de expressão afetiva que, embora distintas, devem ser investigadas de maneira cuidadosa. • 2.a.4. Diagnósticos Diferenciais intra-grupo “Transtornos Invasivos de Desenvolvimento” • 2.a.4.a. Síndrome de Asperger Descrita por Asperger em 1944 e reconhecida ao DSM IV-TR em sua quarta edição (2002), corresponde a um quadro de alta funcionalidade, embora seja também um transtorno de desenvolvimento, no qual observamos alterações nas mesmas três áreas de desenvolvimento observadas nos quadros autísticos, a saber, relacionamento social, linguagem e comportamento repetitivo e/ou perseverativo, com número limitado de focos de interesse. Assim, apenas por sua descrição, já representa um diagnóstico diferencial de importância, em que pese a idéia de continuum autístico descrito por Wing (1988). Apresentam, habitualmente, nível de inteligência normal ou acima da normalidade, associado a um padrão de aquisição de linguagem em geral também normal, embora essa mostre déficits semânticos. Paralelamente, observam-se comprometimentos diversos, detectados através de provas específicas. Sua epidemiologia é descrita como de prevalência ao redor de 20 a 25 por 10.000, com maior proporção também entre o sexo masculino. O diagnóstico é realizado a partir do prejuízo qualitativo na interação social, envolvendo o prejuízo no comportamento não-verbal. Observa-se isolamento social, com extremo egocentrismo, falta de habilidade em interagir com os pares, associada à falta de desejo de interagir e à pobre apreciação da trama social, com respostas socialmente impróprias. Sua socialização é menos comprometida que aquela dos portadores de autismo, embora seus padrões relacionais sejam deficitários e com marcantes dificuldades adaptativas. Interesses e preocupações são limitados, com exclusividade de interesses e aderência repetitiva a rotinas e rituais, que podem ser auto-impostos ou impostos por outros. Fala e linguagem são peculiares, superficialmente perfeitas em sua expressão, embora com alterações de prosódia, timbre, tom e altura, além de compreensão diferente do que lhe é dito, incluindo SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 4 • Julho • Agosto de 2012 … • 2.a.3. Carência Afetiva O conceito de retração prolongada é interessante em função de seu aparecimento, tanto em patologias pediátricas como em patologias relacionais enquanto uma forma de regulação normal da interação, constituindo-se numa reação de alarme, que aparece em quadros de depressão precoce, síndromes autísticas ou transtornos invasivos de desenvolvimento, transtornos ansiosos (como o transtorno de estresse pós-traumático), deficiências sensoriais, problemas nas relações emocionais, alguns transtornos de alimentação e problemas relacionais. Consiste em um “apagamento” da criança, com uma resistência aos estímulos relacionais, ausência de estímulos auto-eróticos, rigidez facial, movimentos atípicos de dedos, choro e perda de apetite. É descrita por Marcelli (2006) a partir da passividade e inércia associada a estereotipias de extremidades e ausência de mímica. Embora a capacidade comunicacional possa estar preservada, pode ser mascarada pela profunda retração e inércia da criança afetada. 55 … SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 4 • Julho • Agosto de 2012 56 interpretações literais. Problemas na comunicação não-verbal apresentam-se a partir do uso limitado de gestos, linguagem corporal desajeitada, expressões faciais limitadas ou impróprias, olhar fixo peculiar e dificuldades à proximidade física de outros. Entretanto, sua maior peculiaridade é o interesse obsessivo em uma área específica, apresentando, algumas vezes, habilidades como hiperlexia ou memória para calendários. microcefalia adquirida e, após um período de estabilidade aparente, constata-se o aparecimento de outras anormalidades neurológicas, como síndromes piramidais, epilepsia, alterações vasomotoras, etc. Ainda sob o ponto de vista diferencial, não encontramos, à semelhança do que vemos nos autistas, os interesses específicos e os jogos estereotipados, a rotação dos objetos, a recusa sistemática do contato corporal e o apego excessivo a determinados objetos. • 2.a.4.b. Síndrome de Rett Encefalopatia evolutiva, ligada ao cromossomo X, com ocorrência no sexo feminino, sendo reconhecidos entre 5 e 30 meses de vida, apresentando marcado déficit no desenvolvimento, com desaceleração do crescimento craniano, retardo intelectual marcado, além de grande associação com quadros convulsivos. Diferentemente dos quadros autísticos, temos aqui uma criança com desenvolvimento neurológico e psíquico normal até ao redor dos 18 meses de idade, quando se dá uma parada no desenvolvimento, parada essa seguida de uma deterioração, com perda de funções anteriormente adquiridas, processada de maneira rápida e conduzindo a um estado autístico e demencial, em menos de 18 meses. Observa-se a perda da manipulação voluntária dos objetos, que é substituída por movimentos estereotipados de membros superiores, alguns dos quais podemos considerar característicos, como o batimento de mãos cruzadas diante do peito, assim como o ranger de dentes. Concomitantemente, e diferentemente dos quadros autísticos, podemos observar ataxia de marcha e de tronco, • 2.a.4.c. Transtornos Desintegrativos Observados antes dos 24 meses, com predomínio no sexo masculino, padrões de sociabilidade e comunicação pobres, freqüente associação a síndrome convulsiva, além de prognóstico pobre. Sua principal característica é sobrevir após um período de desenvolvimento normal e ser acompanhado de um período de regressão das aquisições, concomitante ao aparecimento da sintomatologia que o caracteriza e que o faz similar aos quadros autísticos. É marcante a perda das aquisições, principalmente lingüísticas, o que o aproxima do antigo conceito de demência infantil. Fundamental se torna, nestes casos, a avaliação neurológica, visando o diagnóstico de doenças neurodegenerativas. Sua evolução é reservada, levando a uma deterioração cognitiva marcada e importante. • 2.a.4.d. Transtornos Invasivos não especificados Quadros cuja idade de início é variável, com predomínio no sexo masculino, comprometimento discrepante na área da sociabilidade, bom padrão comunicacional e discreto comprometimento … • 2.b. Diagnósticos Diferenciais com o grupo “Transtornos Específicos de Desenvolvimento” • 2.b.1. Transtornos do Desenvolvimento do Aprendizado Pesquisadores na área estimam que 5 a 10 % seria uma estimativa razoável com a propalada maior freqüência desta condição em meninos sendo hoje considerada fruto de uma maior morbidade referida do sexo, ou seja, os meninos são mais freqüentemente encaminhados para os estudos por sua maior probabilidade de apresentarem comportamentos disruptivos, que geram demanda de atendimento. Sua classificação clínica, conforme o proposto pelo DSM-IV-TR (APA, 2002), pode ser observada no quadro que se segue (Quadro 1): Quadro 1: Transtornos do Desenvolvimento do Aprendizado Transtornos do Aprendizado a. Transtorno da leitura b. Transtorno da Matemática c. Transtorno da expressão escrita Transtornos das Habilidades Motoras a. Transtorno do desenvolvimento da coordenação Transtornos da Comunicação a. Transtorno da linguagem expressiva b. Transtorno misto da linguagem receptivo-expressiva c. Transtorno fonológico d. Tartamudez (gagueira) É freqüente que a demanda de atendimento desta população seja por problemas de comportamento, e o profissional envolvido nesta avaliação deve, ao abordar essa criança ou adolescente, portadora de inúmeras dificuldades emocionais, sociais e familiares, associadas às dificuldades acadêmicas, ser capaz de diferenciar entre causa e sintoma, o que pode ser feito inquirindo-se sobre o histórico acadêmico e o desempenho em cada área de habilidade, retardo de desenvolvimento psicomotor, retardo de aquisição de linguagem, problemas da fala e prejuízo das habilidades cognitivas. Os resultados dessa abordagem psicoeducacional devem estabelecer a presença ou ausência de um transtorno de aprendizagem. Seu diagnóstico diferencial se dá com os quadros de autismo de alto funcionamento e de Síndrome de Asperger, que apresentam déficits menores no que se refere à sociabilidade e à linguagem, sendo passíveis de participar de programação acadêmica normal. Assim, buscam-se os comprometimentos relativos à Teoria da Mente (presente nos portadores de Transtornos de Aprendizado), aos prejuízos nas funções executivas e na coerência central, observando-se um melhor desempenho em detalhes, atividades de tipo ritualístico, bem como um prejuízo semântico na compreensão de textos, SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 4 • Julho • Agosto de 2012 cognitivo. Seu principal diferencial dos quadros autísticos clássicos é a ausência de algum dos sintomas fundamentais para o diagnóstico do autismo. Pode-se, assim, encontrar quadros nos quais se salienta o déficit social e comunicacional, mas não a presença de alterações motoras. Encontram-se neste grupo os quadros diagnosticados anteriormente como portadores de “comportamentos autísticos”. 57 … SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 4 • Julho • Agosto de 2012 em que pese a observação freqüente de hiperlexia. 58 • 2.b.2. Transtornos do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) Enquanto diagnóstico, apesar de nomeada a partir da disfunção atencional, faz-se necessário que estejam presentes, em mais de um ambiente, também a impulsividade e a hiperatividade. Sua prevalência, a partir de estudo abrangente no qual se resumem 11 outros estudos, apresenta um pico de aparecimento de 8% entre os 6 e 9 anos, com cifras menores para pré-escolares e adolescentes, sendo a prevalência diferencial entre os sexos (9% para meninos e 3.3% para meninas) menor que a habitualmente descrita em outros estudos. O quadro clínico caracteriza crianças, que desde idades precoces, mostram irritabilidade, choro fácil, sono agitado e despertar noturno. A partir do primeiro ano de idade, observa-se agitação psicomotora, ocasionando quebra de objetos, e demandando vigilância constante. Desinteressam-se rapidamente por brinquedos ou situações lúdicas. Observa-se, ainda, principalmente no sexo masculino, prejuízo no desenvolvimento da fala, com aquisição mais lenta e presença de trocas, omissões e distorções fonêmicas, além de um ritmo acelerado (taquilalia). Essas condições se refletem em maiores dificuldades e alterações no processo de alfabetização da criança. Apresentam, ainda, prejuízo na coordenação motora e retardo na aquisição de automatismos tardios (como amarrar um sapato ou utilizar um lápis). O desenvolvimento da noção têmporo-espacial também é mais lento, resultando em dificuldades no desenho e uma incapacidade de diferenciar símbolos gráficos semelhantes, que se diferenciem apenas por sua disposição espacial (como as letras b e d). A comorbidade com outros transtornos (transtorno de conduta, depressão, abuso e dependência de psicotrópicos, etc.) é freqüente, o que dificulta mais ainda seu diagnóstico diferencial. Assim, não é rara a confusão com quadros de autismo de alto nível pela existência, em ambos, de uma dificuldade atencional associada a uma disfunção executiva. Entretanto, nestas crianças não observamos um prejuízo marcado na Teoria da Mente, nem as dificuldades relacionais que podemos verificar nos Transtornos Invasivos. • 2.b. Diagnósticos Diferenciais extra-grupo Transtornos Invasivos de Desenvolvimento • 2.b.1. Transtornos Psicóticos: Esquizofrenia A partir de todas essas dificuldades que permeiam o diagnóstico dos quadros esquizofrênicos na criança, a caracterização de sua prevalência é difícil, apesar de, consensualmente, ser reportada como mais rara que o autismo, considerado 1,4 vezes mais freqüente. Também não há consenso quanto à relação entre os sexos, sendo que, tanto uma preponderância do sexo masculino (1,5 a 2 homens para 1 mulher), quanto distribuição igual entre os sexos, são descritas. Seu início é insidioso, principalmente na chamada esquizofrenia de início muito precoce (VEOS, ou very early onset schizophrenia, de início anterior aos 13 anos de idade), com controvérsias relativas ao tipo de início precoce (EOS, ou early onset … 3. Conclusões Dentro dessa perspectiva multidisciplinar, visando o estabelecimento de um diagnóstico, específico e diferenciado, protocolos diagnósticos devem ser estabelecidos de maneira similar, à seguinte: 1) Anamnese meticulosa, com antecedentes gestacionais, pré-, peri- e pós- natais; 2) Estudo neuropsiquiátrico, envolvendo aspectos de desenvolvimento, avaliação física (na procura de estigmas disgenéticos), neurológica e psiquiátrica; 3) Aplicação de escalas e questionários específicos; 4) Testes auditivos e de linguagem; 5) Avaliação oftalmológica; 6) Estudo genético com análise cromossômica (mapeamento) ou estudo de DNA, visando o estudo de fenótipos comportamentais, a partir de características comportamentais típicas de determinadas síndromes e estudo das patologias ligadas ao X; 7) Estudos de neuroimagem 8) Eletroencefalograma 9) Potenciais evocados auditivos de tronco cerebral; auditivos corticais. 10) Testes específicos de triagem e diagnóstico para erros inatos do metabolismos 11) Outros exames laboratoriais 12) Psicometria 12.a. Avaliações de Desenvolvimento 12.b. Avaliações de Personalidade 12.c. Instrumentos específicos Com a maior acurácia das pesquisas clínicas, um grande número de sub-síndromes ligadas ao complexo “Autismo” devem ser melhor identificadas nos próximos anos, de forma a que os conhecimentos sobre a área aumentem de modo significativo em um futuro próximo. SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 4 • Julho • Agosto de 2012 schizophrenia , de início anterior aos 18 anos), se agudo ou insidioso (Mercadante, 1994). Observa-se maior freqüência de alucinações auditivas (80%), parte das quais concomitantes a alucinações cenestésicas ou visuais. Alterações de pensamento são freqüentes, com prejuízo na associação de idéias, bloqueio de pensamento e delírios (principalmente de tipo paranóide), associando-se a embotamento afetivo com ambitendência, perplexidade e menor rendimento intelectual. Sua cronificação, principalmente nos quadros de início muito precoce, é freqüente e sua diferenciação dos quadros de Transtornos Invasivos é dada a partir do início do quadro e idade de aparecimento, bem como pelos sintomas de tipo produtivo, como delírios e alucinações. Entretanto, pode ser confundida a partir do embotamento afetivo e das dificuldades na sociabilidade, decorrentes da alteração de realidade e do déficit de pensamento e comunicacional. 59 Síndromes Setembro • Outubro de 2012 • Ano 2 • Nº 5 revista multidisciplinar do desenvolvimento humano Diretoria Ismael Robles Junior [email protected] [email protected] Antonio Carlos Mello [email protected] Coordenador Editorial Dr. Francisco B. Assumpção Jr. Colaboraram com essa edição Alessandra Freitas Russo Carolina Rabello Padovani Cristina de Freitas Cirenza Evelyn Kuczynski Julianna Di Matteo Dr. Francisco Assumpção Junior Leandra Migotto Certeza Maria Sigride Thomé de Souza Simaia Sampaio Simone Nascimento Fagundes Zein Mohamed Sammour Administração e vendas Antonio Carlos Mello [email protected] Vendas Corporativas Antônio Octaviano 2 3 8 14 23 29 [email protected] Marketing e Publicidade Rainner Penteado [email protected] Editor executivo Dr. Jean-Louis Peytavin 33 [email protected] Editor assistente Guillermina Arias [email protected] Direção de arte Cristiana Ribas [email protected] Atlântica Editora Praça Ramos de Azevedo, 206/1910 Centro 01037-010 São Paulo SP Atendimento (11) 3361 5595 [email protected] Envio de artigos para: [email protected] [email protected] www.atlanticaeditora.com.br 38 43 45 48 53 EDITORIAL Dr. Francisco Assumpção Junior artigo do mês Transtorno de Déficit de Atenção / Hiperatividade (TDAH) Dra. Evelyn Kuczynski desenvolvimento Fantasia e pensamento mágico Dra. Milena de Oliveira Rossetti reabilitação O Método Bobath Dra. Cristina Maria Pozzi inclusão Malformações Congênitas Dra. Alessandra Freitas Russo de mãe, pra mãe A importância de crescer e amadurecer ao lado dos filhos com TDAH Por Juliana Ferreira Ribeiro* Edição: Leandra Migotto Certeza** artigo do leitor O uso do instrumento “quality fm” no pós-operatório de mmii em pacientes com paralisia cerebral Tatiana Beline de Beline e Eduardo Bagne O processo de envelhecimento humano Dra. Maria Taís de Melo Meu Deus! Meu filho não para nunca! José Romero Nobre de Carvalho reportagem Instituto de Tratamento do Câncer Infantil do Instituto da Criança Atendimento humanizado é destaque no ITACI Por Leandra Migotto Certeza O programa de inclusão de pessoas com deficiência nasempresas – o fortalecimento no processo de fidelização do colaborador Janaina Foleis Fernandes * Curso Autismo Módulo V A revista Síndromes é uma publicação bimestral da Atlântica Editora ltda. em parceria com Editora Robles - Ismael Robles Jr. me (11) 4111 9460, com circulação em todo território nacional. Não é permitida a reprodução total ou parcial dos artigos, reportagens e anúncios publicados sem prévia autorização, sujeitando os infratores às penalidades legais. As opiniões emitidas em artigos assinados são de total responsabilidade de seus autores e não expressam, necessariamente, a opinião da revista Síndromes. Mandem artigos com no máximo 400-500 palavras, consistindo somente em uma opinião embasada em pequena bibliografia (3 ou 4 citações no máximo), podem estar na mesma página ou em páginas diferentes. Praça Ramos de Azevedo, 206 sl. 1910 - Centro - 01037-010 São Paulo - SP Atendimento (11) 3361-5595 - [email protected] - Assinaturas - E-mail: [email protected] ed i tor i al SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 5 • Setembro • Outubro de 2012 Dr. Francisco Assumpção Junior 2 Este é mais um número de nossa revista, o que significa que mais uma etapa foi vencida, em que pesem as dificuldades e obstáculos que surgira. Entretanto, todos os problemas não impediram nem a sobrevivência nem a melhoria da publicação, tanto no que se refere à sua qualidade editorial como gráfica. Claro que inúmeros problemas ainda existem e, esperamos que sejam sanados em curto espaço de tempo porém, para uma publicação segmentada e especializada como esta e, principalmente, sem nenhum interesse econômico por trás de sua execução, a sobrevivência, por si só, já se constitui numa façanha. Continuam os abordando questões clínico-psiquiátricas voltadas à infância e, neste número, procuramos explorar a questão do transtorno de déficit de atenção e hiperatividade tão explorado por aqueles que procuram simplificar a questão infantil e tão acusado por seus detratores que nele vêem a símbolo da medicalização da população escolar. A nosso ver, ambas as posições são absurdas uma vez que trazem em seu bojo uma discussão antiga e bizantina referente a questão natureza-ambiente, deixada para trás pela maioria dos seres pensantes de nosso planeta uma vez que o homem não pode negar que pertença ao gênero Homo, espécie sapiens e que, por sua extrema adaptabilidade, é muito frágil e necessita do ambiente para que possa se construir. Entretanto, essa sua característica não abole sua natureza, pré-estabelecida a partir de seu próprio DNA, que lhe confere características de espécie. Pensar a criança, nos parece integrar as duas vertentes, o “equipamento” genético-constitucional ao “investimento” sócio-ambiental” como bem dizia Ajuriaguerra. Excluir uma das possibilidades, não importa qual, em detrimento da outra, nos parece mais uma opção ideológica que científica, com objetivos mais políticos que de real preocupação com a criança. Dentro desse escopo é que procuramos pensar esta publicação que, esperamos seja cada vez mais interessante e, em conseqüência seja, cada vez mais, do agrado de todos. Francisco B. Assumpção Jr. Francisco B. Assumpção Jr. art i g o do m ê s Transtorno de Déficit de Atenção / Hiperatividade (TDAH) Infelizmente, em pleno século XXI ainda há quem ouse afirmar (e são muitos) que o transtorno de déficit de atenção / hiperatividade (TDAH) não passa de uma “construção social”, fruto de uma sociedade massificante que propõe o uso de substâncias com efeitos sobre o comportamento para “plastificar” as crianças que não conseguem se adequar aos parâmetros considerados “normais”, e que há alguns séculos não havia espaço para tal diagnóstico, uma vez que as crianças viviam em espaços amplos, com possibilidade para brincar livremente e dispersar toda a sua energia; também ingeriam uma dieta livre de uma série de aditivos artificiais que hoje compõem a maioria dos produtos alimentícios. Entretanto, é importante destacar frente a estas correntes de pensamento mais ortodoxas que diversos estudos de coorte (levantamentos populacionais que se caracterizam por acompanhar um grande número de indivíduos por vários anos de seguimento, o que valoriza ainda mais as evidências encontradas) expõem a persistência de sintomatologia incapacitante do TDAH em 70 a 85% dos adolescentes diagnosticados na infância, assim como a presença de quadros de TDAH em adultos. Viver com TDAH significa correr alto risco de apresentar: • baixo desempenho acadêmico; • prejuízo significativo nas relações c/ familiares e amigos; • ansiedade; • depressão; • baixa autoestima; • problemas de conduta; • delinquência; • experimentação e abuso / dependência precoce de substâncias psicoativas; • acidentes automobilísticos e multas; • prejuízo nas relações adultas, casamento e trabalho. Descrita há cerca de cem anos (muitos a conheceram sob o nome de “lesão cerebral mínima”, ou “disfunção cerebral mínima”), há várias décadas a criança hiperativa intriga pesquisadores em todo o mundo. Hoje se acredita que não seja uma única condição clínica, mas várias síndromes que se interseccionam. Enquanto diagnóstico, apesar da presença de prejuízo da atenção, é necessário que também se encontre impulsividade e hiperatividade significativa (em mais de um ambiente). A necessidade de dados da história da criança/adolescente fornecidos por pais e professores também dificulta sua avaliação imparcial. Parte da controvérsia sobre esta síndrome foi gerada pelas muitas mudanças na terminologia que identifica este quadro, influenciada pelas tendências históricas na conceituação das várias causas SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 5 • Setembro • Outubro de 2012 Evelyn Kuczynski 3 SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 5 • Setembro • Outubro de 2012 4 e aspectos fundamentais da síndrome, o que também dificulta a análise dos diversos estudos realizados em diferentes países e épocas, sendo chocante a diversidade de prevalência do diagnóstico em um estudo que comparava dados dos Estados Unidos e da Grã-Bretanha (20% e 0.1%, respectivamente). Apesar da importante similaridade de origem de ambas as populações (fruto inclusive da colonização inglesa no Novo Mundo), a grande variação de conceitos e critérios de diagnóstico utilizados gerou esta disparidade impressionante. Num dos estudos mais abrangentes da prevalência do TDAH (o Estudo de Saúde Infantil de Ontário, Canadá), são resumidos 11 outros estudos, demonstrando que idade, tipo e tamanho da amostra (se populacional ou clínica), método de diagnóstico, razão entre os sexos, vida rural versus urbana e classe econômica podem afetar a prevalência. Este grupo detectou um pico de prevalência de 8% entre os seis e os nove anos de idade, com cifras menores para pré-escolares e adolescentes, sendo que a prevalência diferencial entre os sexos (9% para meninos contra 3.3%, para meninas) foi menor que a habitualmente descrita em outros estudos. O tamanho da amostra e a ampla faixa etária englobada, a multiplicidade de fontes de informação utilizadas para se estabelecer o diagnóstico e a inclusão de dados socioeconômicos, além de vida rural ou urbana, tornaram este estudo um marco na investigação científica acerca do TDAH. O poder de percepção dos pais quanto à presença do TDAH aumenta sensivelmente, dependendo do seu contato (prévio ou atual) com crianças de mesma idade. Se o primeiro filho de um casal sofre de TDAH, ele tende a ser encaminhado para diagnóstico mais tardiamente, em função da pouca experiência que estes “pais de primeira viagem” possuem sobre o que é “normal ou esperado” no que tange ao comportamento e desenvolvimento infantil. Neste quesito, a escola e seus professores tem maior probabilidade de suspeitar mais precocemente, uma vez que a amostra sadia a ser parâmetro de referência se encontra a disposição, no próprio ambiente escolar. Desde idades precoces, os portadores de TDAH tendem a ser irritadiços, com choro fácil, sono agitado (vários despertares noturnos). A partir do primeiro ano de idade, apresentam intensa agitação psicomotora, necessitam vigilância constante, quebram objetos com frequência e se desinteressam rapidamente de brinquedos ou situações. Os meninos (principal, mas não exclusivamente) apresentam prejuízos no desenvolvimento da fala (com uma aquisição mais lenta) e a presença de trocas, omissões e distorções fonêmicas, além de um ritmo do discurso mais acelerado (a chamada taquilalia), condição esta que inclusive propicia maiores dificuldades e alterações no processo de alfabetização da criança, em não ocorrendo intervenção precoce. São características importantes do TDAH: • a falta de coordenação motora e o retardo na aquisição de automatismos normalmente mais tardios (como amarrar um sapato, ou utilizar um lápis), que podem se refletir num relativo desajeitamento em relação a crianças sadias de mesma faixa etária; A coexistência de outros transtornos associados, decorrentes ou coexistentes (como o transtorno de conduta, a depressão, o abuso e dependência de substâncias psicoativas) deve ser adequadamente detectada, para que a abordagem seja a mais eficaz possível. Creio ser importante destacar que algumas condições clínicas (entre elas algumas síndromes epilépticas) e o uso de algumas medicações (entre elas anticonvulsivantes, antidepressivos e corticóides) podem desencadear sintomas em indivíduos suscetíveis, muitas vezes indistinguíveis de uma hiperatividade / déficit de atenção de origem endógena. Em 1937, Bradley foi o primeiro autor a descrever o dramático efeito do estimulante benzedrina (uma mistura de dextro e levoanfetamina) em um grupo de crianças hospitalizadas e perturbadas, incluindo algumas que apresentavam a síndrome hiperativa. Todos os estimulantes em uso atualmente, com décadas de experiência (entre eles o metilfenidato, a dextroanfetamina e a pemolina) comprovadamente melhoram a hiperatividade. Nestas últimas décadas, surgiram novos compostos e numerosos estudos medicamentosos bem planejados e controlados por placebos vêm estabelecendo sua eficácia. Um aumento contínuo no uso do metilfenidato (pelo menos nos EUA) foi provavelmente fruto do otimismo provocado pela descoberta de um medicamento eficaz para um transtorno grave, bem como a percepção de que, para muitas crianças hiperativas, as dificuldades continuavam na adolescência e idade adulta. É de difícil resolução a controvérsia entre, por um lado, o excesso de prescrição de uma medicação que pode induzir dependência química e, por outro, dar a crianças com tão grave transtorno o benefício de um medicamento comprovadamente útil. O tratamento não deve se restringir apenas ao uso de medicamentos, uma vez que a maioria destes pacientes apresenta, como já comentado, um comprometimento mais extenso do que uma alteração da atenção ou a hiperatividade isolada. Deste modo, dependendo das manifestações clínicas, podem ser necessário terapias (fonoaudiológica, corporal, ludoterapia, ou abordagens psicopedagógicas) para aprimorar seu desempenho e conduta. O TDAH é uma das principais causas de procura de ambulatórios de saúde mental de crianças e adolescentes. Achados consistentes de pesquisa documentam que o tratamento medicamentoso adequado é, no mínimo, fundamental no manejo do quadro. Estimativas conservadoras documentam que cerca de 50% dos adultos diagnosticados como tendo TDAH na infância seguem apresentando sintomas significativos associados a prejuízo funcional. Ao longo do desenvolvimento, diminui a hiperatividade, restando os déficits de atenção / concentração e a impulsividade, especialmente de tipo cognitiva (o popular “agir antes de pensar”). As características principais do transtorno na infância são a desatenção, a hiperatividade e a impulsividade. Além destes SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 5 • Setembro • Outubro de 2012 • o prejuízo no desenvolvimento da noção têmporo-espacial, resultando em dificuldades com o desenho e incapacidade de diferenciar símbolos gráficos semelhantes, que se diferenciem apenas por sua disposição espacial (como as letras b e d). 5 SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 5 • Setembro • Outubro de 2012 6 sintomas básicos, em mais de 50% dos casos coexistem transtornos do aprendizado, transtornos do humor e de ansiedade, transtornos de conduta e transtornos de abuso de substância (inclusive o álcool). Apesar do grande número de estudos já realizados, as causas precisas do TDAH ainda não são conhecidas. A contribuição da hereditariedade é essencial. Assim como na maioria dos transtornos psiquiátricos, acredita-se que vários genes de pequeno efeito sejam responsáveis por uma vulnerabilidade (ou susceptibilidade) genética ao transtorno, sobre a qual agem diferentes agentes ambientais (entre os aventados estão o tabagismo durante a gestação e agravos durante o período perinatal). Desta forma, o surgimento, a evolução e a gravidade do TDAH aparentemente dependem de quais genes de susceptibilidade estão agindo, de quanto cada um deles contribui para a doença (ou seja, qual o tamanho do efeito de cada um) e da interação destes genes entre si e com o ambiente. Os dados sobre o substrato neurobiológico do TDAH são derivados de estudos neuropsicológicos, de neuroimagem e de neurotransmissores. Embora pareça consenso que nenhuma alteração em um único sistema de neurotransmissores pode ser responsável por uma síndrome tão heterogênea quanto o TDAH, os estudos indicam principalmente o envolvimento das catecolaminas, em especial da dopamina e noradrenalina. Um estudo de neuroimagem estrutural evidenciou que o aumento dos volumes intracerebrais das crianças com TDAH segue um curso paralelo ao das sem o mesmo quadro, embora sempre com volumes significativamente menores, o que sugere que os eventos que originaram o quadro (influências genéticas ou ambientais) foram precoces e não progressivos. As diferenças entre casos e controles não pareceram relacionadas ao uso de medicações psicoestimulantes. O diagnóstico do TDAH é fundamentalmente clínico, baseando-se em critérios operacionais clínicos claros e bem definidos, provenientes de sistemas classificatórios como o DSM-IV ou a CID-10 (vide Quadro 1 e 2). As diretrizes diagnósticas desses sistemas classificatórios apresentam mais similaridades do que diferenças, embora utilizem nomenclaturas diferentes (Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade, no DSM-IV, e Transtornos Hipercinéticos, na CID-10). O DSM-IV subdivide o TDAH em três tipos, quais sejam: a) TDAH, com predomínio de sintomas de desatenção; b) TDAH, com predomínio de sintomas de hiperatividade/impulsividade; c) TDAH, combinado. O tipo com predomínio da desatenção é mais frequente nas mulheres e parece apresentar, conjuntamente com o tipo combinado, uma taxa mais elevada de prejuízo acadêmico. As crianças com TDAH com predomínio de sintomas de hiperatividade/impulsividade são, por outro lado, mais agressivas e impulsivas do que aquelas classificadas como desatentas ou combinadas e tendem a apresentar altas taxas de rejeição pelos colegas (graças à impopularidade que alcançam frente ao grupo). O tipo combinado apresenta um maior prejuízo no funcionamento global, quando comparado aos dois outros grupos. I Ensaio clínico multicêntrico, elegantemente desenhado, que acompanhou 579 crianças com TDAH do tipo combinado por 14 meses, divididas em quatro grupos:tratamento apenas medicamentoso; apenas psicoterápico comportamental com as crianças (e orientação para pais e professores); abordagem combinada e tratamento comunitário. dato) foram acompanhadas por dois anos para três possíveis intervenções: a) apenas metilfenidato; b) metilfenidato mais intervenção psicossocial (aconselhamento e treinamento parental, treinamento de habilidades sociais, psicoterapia e acompanhamento pedagógico às crianças; c) metilfenidato mais intervenção psicossocial controle (apenas dar atenção às crianças; sem qualquer componente psicossocial específico). Melhoras sintomáticas ocorreram nos três grupos. Nenhuma diferença significativa foi encontrada nas medidas de desfecho avaliadas ao final dos dois anos entre os três grupos (melhora dos sintomas de TDAH ou de oposição, aquisição acadêmica, ajustamento emocional, funcionamento social, ou melhora das práticas parentais). A interpretação mais cautelosa possível desses dados sugere que o tratamento medicamentoso adequado é pelo menos fundamental no manejo do TDAH. Bibliografia: 1. ROHDE & BENCZIK. Transtorno de déficit de atenção e hiperatividade: O que é? Como ajudar?. Porto Alegre: Editora Artmed, 1999. Evelyn Kuczynski, Pediatra. Psiquiatra da Infância e da Adolescência. Doutora pela FMUSP. Médica Assistente do HC-FMUSP (IPq e ICr). Pesquisadora voluntária do Laboratório Distúrbios do Desenvolvimento do Departamento de Psicologia Clínica do IP-USP. Contato: [email protected] SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 5 • Setembro • Outubro de 2012 Portanto, a revelia da opinião dos supracitados “pensadores” que renegam a real existência de tal “rótulo”, a necessidade de intervenções terapêuticas (medicamentosas e não-medicamentosas) é inquestionável na presença do transtorno, sendo os objetivos primários dessas intervenções tanto o controle da sintomatologia quanto uma diminuição do impacto dos desfechos associados ao TDAH. A questão clínica fundamental passa a ser: que tipo de intervenção deve ser utilizada para alcançar esses objetivos? Intervenções psicossociais, psicofarmacológicas (ou a associação de ambas)? Os resultados do MTAI demonstram claramente uma eficácia superior da medicação nos sintomas centrais do transtorno, quando comparada a abordagem psicoterápica e ao tratamento comunitário. A abordagem combinada (medicação mais abordagem psicoterápica comportamental, com as crianças, e orientação, para pais e professores) não resultou em eficácia maior nos sintomas centrais do transtorno quando comparada à abordagem apenas medicamentosa. Dados recentes da reavaliação desse estudo com 24 meses de seguimento corroboram os achados iniciais. Mais recentemente, mais de cem crianças com TDAH do tipo combinado (sem comorbidade com transtorno de conduta ou de aprendizado que responderam a tratamento de curto prazo com metilfeni- 7 de s envolv i mento Fantasia e pensamento mágico SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 5 • Setembro • Outubro de 2012 Milena de Oliveira Rossetti 8 Quando convidada a escrever sobre fantasia e pensamento mágico, muitas dúvidas surgiram com relação a real contribuição que poderia oferecer as pessoas que assim como eu os observam nas crianças e buscam avaliar sua função, levando-se em conta sua forma de manifestação. Nesse sentido, penso ser necessário conhecermos o padrão de desenvolvimento cognitivo de crianças que é constituído da tomada de consciência de si próprio, do seu corpo, dos seus movimentos corporais e pela ampliação das capacidades de linguagem e comunicação. Sendo assim, para situar o leitor, entre tantas referências possíveis de se consultar, apoio minha análise sobre a teoria cognitiva proposta por Piaget que estudou os processos do desenvolvimento do pensamento, da infância à idade adulta. Descreveu as mudanças qualitativas do desenvolvimento do funcionamento do pensamento infantil, em estádios sequenciados de aquisições de habilidades, cada vez mais elaboradas. Em sua teoria a criança é agente ativa no processo de seu próprio desenvolvimento pela maturação aliada à estimulação do meio, uma vez que, trata-se de uma visão interacionista, no qual o organismo e o meio interagem e produzem o desenvolvimento num paralelismo entre desenvolvimento biológico e mental, a partir de uma epistemologia genética, sendo a capacidade de adaptação ao meio algo que é herdado. Nesta concepção, o indivíduo herda a base da constituição de suas estruturas sensoriais e neurológicas, que servem de base ao surgimento e desenvolvimento das estruturas mentais, pela interação organismo-meio. Estas estruturas são equipamentos biológicos compostos de estruturas inatas e físico-orgânicas e neurológicas. Ex.: os reflexos. A inteligência então é a forma de equilíbrio e adaptação destas estruturas mentais que se organizam por meio de três processos: adaptação, assimilação e acomodação. A adaptação corresponde às formas de interação com o ambiente, acompanhando mudanças da realidade externa, adaptando ações a essa realidade. A assimilação é o processo de utilização do que já se sabe, para resolver situações novas. E a acomodação é o processo no qual ocorre a modificação do que já se sabe para poder resolver novas situações. No entanto, é preciso também considerar os esquemas e a equilibração. O primeiro refere-se à procedimentos de ação na interação indivíduo meio. Evoluem de formas arcaicas (reflexos), àqueles elaborados mentalmente (abstratos). É um padrão de comportamento ou ação. A equilibração é uma tendência já usa a inteligência e o pensamento. Este é organizado através do processo de assimilação, acomodação e adaptação. Neste estádio a criança já é capaz de representar as suas vivências e a sua realidade através de diferentes significantes: Jogo Para Piaget o jogo mais importante é o jogo simbólico no qual predomina a assimilação de experiências vividas pelas crianças em seu cotidiano (Ex. : é o jogo do faz de conta, “brincam de serem os pais”, “professores”, “médicos”). O jogo de construções transforma-se em jogo simbólico com o predomínio da assimilação (Ex. : Lego - a criança diz que a sua construção é, por exemplo, uma casa. No entanto, para os adultos “é tudo menos uma casa”). Inicialmente (em torno do dois anos), a criança fala sozinha porque o seu pensamento ainda não está organizado, só com o decorrer deste período é que o começa a organizar, associando os acontecimentos com a linguagem na sua ação. A criança ao jogar está organizando e conhecendo o mundo, por outro lado, o jogo também funciona como “terapia” na libertação das suas angústias. Além disto, através do jogo também podemos observar a relação familiar da criança ou como ela a percebe (Ex. : Quando a criança brinca com as bonecas pode mostrar a falta de amor por parte da mãe através da violência com que brinca com elas). Desenho Até aos dois anos a criança só faz riscos, sem qualquer sentido, porque, para ela, o desenho não tem qualquer significado. SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 5 • Setembro • Outubro de 2012 a permanente organização-reorganização das estruturas mentais. O equilíbrio é igual ao ajustamento harmonioso entre ações mentais e o ambiente. Nesse sentido, o desenvolvimento cognitivo se dá a partir da evolução de quatro estádios de desenvolvimento, ou seja, o estádio Sensório-motor (0-2 anos), o estádio Pré-operatório (2-6 anos); o estádio das Operações-concretas (6-12 anos), e o estádio das Operações formais (a partir dos 12 anos). No estádio sensório-motor, a criança apreende o mundo pela percepção e ação, nasce com esquemas reflexos, em contato com a estimulação do meio e vai evoluindo pelo processo de adaptação, através da assimilação e acomodação. Este estádio divide-se em seis substádios: reflexos (0-1 mês), reações circulares primárias (1-4 meses), reações circulares secundárias (4-8 meses) coordenação de esquemas secundários (8-12 meses) reações circulares terciárias (1218 meses), início do pensamento representativo (18-24 meses). As principais aquisições deste estádio são a permanência de objeto, o início do simbolismo e a aquisição da linguagem. Entretanto, para discorrer sobre o tema fantasia e pensamento mágico, focalizarei minha narrativa no segundo estádio, o Pré-Operatório, com uma breve descrição, na tentativa de pensarmos na estrutura cognitiva que possibilita a emissão de comportamentos verbais e não verbais que expressam a fantasia e o pensamento mágico em crianças nesta fase do desenvolvimento. Este estádio é fundamental para o desenvolvimento da criança. Apesar de ainda não conseguir efetuar operações, a criança 9 A criança, aos três anos aproximadamente, já atribui significado ao desenho, fazendo riscos na horizontal, na vertical, espirais, círculos, no entanto, não dá nome ao que desenha. Tem uma imagem mental depois de criar o desenho. Mas aos quatro anos a criança já é mais criativa e começa a perceber os seus desenhos e projeta neles o que sente. De um modo geral, podemos dizer que, neste estádio, o desenho representa a fase mais criativa e diversificada da criança. A criança projeta nos seus desenhos a realidade que ela vive, não há realismo na cor, e também não há preocupação com os tamanhos. Nesta fase os desenhos começam a ser mais compreensíveis pelos adultos. A criança vai desenhar as coisas à sua maneira e segundo os seus esquemas de ação e não se preocupa com o realismo. Também aqui a criança vai utilizar a assimilação. SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 5 • Setembro • Outubro de 2012 Linguagem 10 Durante os 2/3 anos, a criança começa a usar sequências de três elementos sob a forma telegráfica, como por exemplo, “nenê come pão”, nomeia objetos familiares e cores primárias (vermelho, azul, amarelo, etc). Pelo fato de estar desperta para a realidade exterior, a criança começa a questionar as ações utilizando o “Porque?”, compreendendo o “Onde?” e o “Como?”. Consegue ainda, nesta fase, constituir frases simples, com verbos, preposições, adjetivos e advérbios de lugar e ainda identificar objetos familiares e descrever o seu uso. Entretanto a linguagem, neste período, ainda é muito egocêntrica, pouco socializada, ou seja, está centrada na pró- pria criança. Ela não consegue distinguir o ponto de vista próprio, do ponto de vista do outro e, por isso, revela certa confusão entre o pessoal e o social, o subjetivo e o objetivo. Este egocentrismo não significa egoísmo moral. Para Piaget, traduz, “por um lado, a primazia da satisfação sobre a constatação objetiva [...] e, por outro, a deformação do real em função da ação e ponto de vista próprio. Nos dois casos, não tem consciência de si mesmo, sendo, sobretudo uma indiferenciação entre o subjetivo e o objetivo [...]” Isto se manifesta através dos monólogos e dos monólogos coletivos, (Ex. : às vezes ao observarmos um grupo de crianças falando ao mesmo tempo, temos a impressão de estarem conversando umas com as outras, mas não, estão sim todas falando sozinhas e ao mesmo tempo, ou seja, cada uma está no seu monólogo e assim manifestando o seu egocentrismo). O termo egocentrismo, característica descritiva do pensamento pré-operatório, foi progressivamente sendo utilizado por Piaget, que o substitui pelo termo descentração. A partir dos dois anos dá-se uma enorme evolução na linguagem, a título de exemplo, uma criança de dois anos compreende entre 200 a 300 palavras, enquanto que uma de cinco anos compreende 2000. Este aumento do número de vocábulos é favorecido pela forte motivação dos pais, ou seja, quanto mais forem estimuladas (canções, jogos, histórias , etc.), melhor desenvolvem a sua linguagem. Neste estádio a criança aprende, sobretudo, de forma intuitiva, isto é, realiza livres associações, fantasias e atribui significados únicos e lógicos. Se atentarmos a uma experiência muito conhecida de Piaget em que é Imagem e pensamento: A imagem mental é o suporte para o pensamento. A criança possui imagens estáticas tendo dificuldade em dar-lhe dinamismo. O pensamento existe porque há imagem. É um pensamento egocêntrico porque há o predomínio da assimilação, é artificial. Na organização do mundo a criança dá explicações pouco lógicas. Entre os 2 e os 7 anos distinguem-se dois subestádios: o do pensamento pré-conceitual e o do pensamento intuitivo. No pensamento pré-conceitual domina um pensamento mágico, onde os desejos se tornam realidade e que possui também as seguintes características: Animismo A criança vai dar características humanas a seres inanimados. Este animismo vai desaparecendo progressivamente, aqui se ressalta a importância do papel do adulto, na medida que, a partir, sensivelmente dos cinco anos, não deve reforçar, mas sim atenuar o animismo. Realismo A realidade é construída pela criança. Se no animismo ela dá vida às coisas, no realismo dá corpo, isto é, materializa as suas fantasias. Se sonhou que o lobo está no corredor, pode ter medo de sair do quarto. Finalismo Existe uma relação entre o finalismo e a causalidade. A criança ao olhar o mundo tenta explicar o que vê, ela diz que se as coisas existem têm de ter uma finalidade, no entanto, esta ainda é muito egocêntrica. Tudo o que existe, existe para o bem essencial dela própria. Também aqui o adulto reforça o finalismo. Vai diminuindo progressivamente ao longo do estádio, apesar de persistir mais tempo que o animismo, devido às atitudes e respostas que os adultos dão às crianças. Com o decorrer do tempo, os pais terão de ensinar, à criança, novos conceitos, de modo que futuramente ela não tenha dificuldade em aprendê-los. Artificialismo É a explicação de fenômenos naturais como se fossem produzidos pelos seres humanos para lhes servir como todos os outros objetos: o Sol foi aceso por um fósforo gigante; a praia tem areia para nós brincarmos. Para concluir a abordagem a este subestádio é importante referir que a criança ao se conectar com o meio de forma ativa estará favorecendo sua aprendizagem de uma forma criativa e original. Este estádio é fundamental, pois a criança aprende de forma rápida e flexível, inicia-se o pensamento simbólico, em que as ideias dão lugar á experiência concreta. As crianças conseguem já partilhar socialmente as aprendizagens fruto do desenvolvimento e da sua comunicação. Com relação ao pensamento intuitivo, este surge a partir dos quatro SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 5 • Setembro • Outubro de 2012 dado a uma criança dois copos de água com igual quantidade de líquido, embora um alto e estreito e outro baixo e largo, intuitivamente a criança escolhe o copo alto pois no seu entender este parece conter mais água. 11 SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 5 • Setembro • Outubro de 2012 12 anos, permitindo que a criança resolva determinados problemas, mas este pensamento é irreversível, isto é, a criança está sujeita às configurações perceptivas sem compreender a diferença entre as transformações reais e aparentes. Na criança de quatro ou cinco anos com o pensamento intuitivo, a organização mental que surge permite resolver determinados problemas baseados na percepção de dados sensoriais. Segundo Piaget, a criança responde às questões colocadas com base na aparência, ou seja, com base nos dados imediatos da percepção. Por exemplo: A criança, depois de constatar que dois copos têm a mesma quantidade de água, se diante da criança se verter o liquido de um dos recipientes para um copo mais alto e mais fino, a criança responderá que este tem maior quantidade de água. Para demonstrar esta irreversibilidade Piaget questionou uma criança de quatro anos de idade: P: “Tens uma irmã?” R: Sim. P: “A Tua irmã tem uma irmã?” R: Não. Ela não tem uma irmã, eu sou a minha irmã. Através das respostas dadas pela criança, percebeu a grande dificuldade que as crianças têm em compreender a reversibilidade das relações. Logo, o tipo de pensamento é irreversível para a criança, isto é, a criança está sujeita às configurações perceptivas sem compreender a diferença entre as transformações reais e aparentes, não tem mobilidade suficiente para compreender que quando uma determinada ação já está realizada podemos voltar atrás. Desta forma, po- demos dizer que as estruturas mentais neste estádio são amplamente intuitivas, livres e altamente imaginativas. Entretanto, a fantasia e o pensamento mágico podem não ser comumente observados em indivíduos a partir do estádio das Operações-concretas (6-12 anos), no qual o sistema cognitivo está mais integrado e coerente, e as ações dão lugar às operações mentais, surgindo o raciocínio lógico, o comportamento socializado, a noção de conservação ou invariância, seriação e classificação. Nesta fase, a criança já é capaz de solucionar problemas através de abstrações, compreender ideologias e valores e principalmente, formular hipóteses e testá-las, logo, a fantasia e o pensamento mágico passam a ser testados empiricamente, e ao não se confirmarem objetivamente no início deste estádio, diminuem gradativamente sua ocorrência. Portanto, a expressão destes conteúdos em indivíduos de fases do desenvolvimento correspondente aos estádios posteriores, deve ser analisada com cautela, já que podem indicar em alguns casos um atraso cognitivo que merece ser avaliado. Diante do exposto, cabe aos familiares e profissionais da educação e saúde oferecer recursos apropriados a indivíduos no estádio Pré-Operatório, quer seja para estimular nossas crianças, quer seja para avaliar possíveis atrasos cognitivos, levando sempre em conta esta organização mental, que tem sido confirmada em vários aspectos ao longo dos anos após ser descrita por Piaget. Com relação à estimulação ou a avaliação educacional ou clínica, jamais devemos permitir a banalização de recursos que permitem a criança fantasiar Bibliografia 1. PIAGET, J.. A psicologia da criança. Tradução de Octavio Mendes Cajado. São Paulo: Difel, 1986. 2. PIAGET, J.. O nascimento da inteligência na criança. Tradução de Álvaro Cabral. Rio de Janeiro: LTC, 1987. 3. PIAGET, J.. A representação do mundo na criança: com o concurso de onze colaboradores. Tradução de Adail Ubirajara Sobral e Maria Stela Gonçalves. São Paulo: Idéias & Letras, 2005. Milena de Oliveira Rossetti, Mestre pela Universidade de São Paulo; Pesquisadora no Laboratório Distúrbios do Desenvolvimento do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo e Professora na Universidade Paulista. SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 5 • Setembro • Outubro de 2012 ou apresentar pensamentos mágicos, como os contos de fadas, pois sua função cultural e terapêutica (já que facilita a identificação com heróis que viveram os mesmos conflitos da criança) ainda é de extrema importância, uma vez que, constituem ferramentas de auxílio na promoção de saúde e aprendizado destes indivíduos. 13 reab i l i ta ç ã o O Método Bobath Cristina Maria Pozzi Uma maneira completamente nova de se pensar, observar e interpretar o que o paciente está fazendo e, então, ajustar o que existe de técnicas disponíveis – para ver e sentir o que é necessário, possível para que eles conquistem. Nós não ensinamos movimentos, nós os tornamos possíveis... (Bobath, 1981). SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 5 • Setembro • Outubro de 2012 Os fundadores do Conceito Bobath 14 Karel Bobath nasceu em Berlim em 1906 e graduou-se em medicina em 1936. Berta Ottilie Busse também nasceu em Berlim, em 1907, e era instrutora de ginástica, o que lhe conferiu conhecimentos acerca do movimento normal, exercício e relaxamento. Com a ascensão do anti-semitismo, ambos deixaram Berlim em 1938 e foram para Londres, onde se casaram. Berta graduou-se em fisioterapia e Dr. Bobath iniciou sua carreira na pediatria e mais tarde, especificamente com crianças com paralisia cerebral. Até os anos 1950, a reabilitação neurológica convencional tinha uma forte influência ortopédica e promovia o uso de massagem, calor e técnicas de movimentação passiva e ativa. Em 1943, a Sra. Bobath tratou um famoso pintor que sofrera um acidente vascular cerebral que lhe foi recomendado para terapias alternativas. Apresentava-se hemiplégico e com muita espasticidade. Ela focou seu tratamento no lado afetado, observou que com manobras específicas o tônus modificava e que havia potencial para a recuperação do movimento e uso funcional do lado afetado. A Sra. Bobath desenvolveu, com base nas suas observações e técnicas, os princípios do tratamento e em parceria com Dr. Bobath, que estudou e aplicou a base neurofisiológica disponível na época, propuseram uma explanação racional para o sucesso clínico do método. Juntos criaram o Conceito Bobath, ou Tratamento Neuroevolutivo, uma abordagem revolucionária que continuou se desenvolvendo e auxiliou na mudança de direção da neuro-reabilitação (Fig. 01). Em 1990, a Sra. Bobath descreveu que o principal problema visto nos pacientes era a coordenação anormal dos padrões de movimento combinado com tônus anormal e que a força e atividade dos músculos em si eram de importância secundária. A avaliação e tratamento dos padrões motores parecia ser a chave para o uso funcional. Descartou-se a inibição dos reflexos posturais para uma grande ênfase no movimento e na função, com o paciente tendo um papel ativo no seu tratamento. A melhor inibição era observada com o paciente na sua própria atividade. A ênfase no tratamento é normalizar o tônus e facilitar a movimentação automática e voluntária através de manobras específicas. ção de movimentos e posturas seletivas, objetivando-se um aprimoramento da qualidade de vida do paciente. O Conceito Bobath é inclusivo e pode ser aplicado a todos os pacientes com desordem do controle motor, independente do grau de severidade do déficit cognitivo ou físico. Figura 01 - Em sua vida, Sra e o Sr Bobath, viajaram extensivamente, entre o ensino e formação de tutores em todo o mundo. Ambos receberam muitas honras para seu trabalho pioneiro e inovador. Eles morreram em 1991. Bases do Conceito Bobath O Conceito Bobath é baseado no reconhecimento de dois fatores importantes: • A interferência da maturação normal do cérebro pela lesão, levando a um atraso ou retenção do desenvolvimento; • Presença de padrões anormais da postura e do movimento resultantes de um tônus postural anormal. O Conceito Bobath analisa os problemas de coordenação, relacionando-os ao SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 5 • Setembro • Outubro de 2012 A Sra. Bobath preconizava não uma série estruturada de exercícios a ser prescrita para todos os pacientes, mas uma larga variedade de técnicas que poderiam ser adaptadas e flexíveis, conforme as necessidades individuais. Em 1984, foi fundada a International Bobath Instructors Training Association (IBITA), uma organização que mantém os padrões de ensino e desenvolvimento do Conceito Bobath. Neste meio século, aprendeu-se muito sobre a plasticidade cerebral e o Conceito Bobath modificou-se ao longo do tempo, adaptando sua técnica de tratamento à evolução da Neurociência. Seu conceito básico manteve-se com a mesma característica: a habilidade de observar clinicamente e analisar com detalhes os resultados da avaliação de um indivíduo que são fundamentais para traçar o plano terapêutico. O Conceito Bobath é uma abordagem terapêutica de reabilitação que prioriza a solução de problemas para avaliação e tratamento de indivíduos com distúrbios de função, movimento e de controle postural. Trabalha com a facilitação do movimento, ou seja, solicitam-se ajustamentos automáticos na postura, a fim de produzir reações automáticas de proteção, endireitamento e equilíbrio. A facilitação, então, baseia-se nas reações de endireitamento (são reações estático-cinéticas que estão presentes desde o nascimento e se desenvolvem, obedecendo a uma ordem cronológica) e nas reações de equilíbrio, a partir dos movimentos que produzem adaptações posturais possíveis para mantê-lo. Dentro da compreensão do movimento normal, incluindo a percepção, usa-se a facilita- 15 SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 5 • Setembro • Outubro de 2012 16 mecanismo de controle postural central que fornece os pré-requisitos para a atividade automática e voluntária. Estes pré-requisitos são: tônus postural normal, interação recíproca normal entre os músculos e os padrões de movimentos automáticos, principalmente os ajustes para o controle postural. A interação recíproca normal entre os músculos permite a fixação proximal sinérgica para possibilitar melhor mobilidade distal, adaptação automática dos músculos nas mudanças posturais e graduação da contração e relaxamento entre os agonistas e antagonistas. Os ajustes posturais formam a base para todos os nossos movimentos. Os pacientes com lesão do Sistema Nervoso Central (SNC) geralmente apresentam alteração nestes mecanismos, levando a um tônus postural anormal (espasticidade, hipotonia e tônus flutuante), distúrbio na inervação recíproca dos músculos e atividades automáticas necessárias para as habilidades motoras. Nos casos de lesão do SNC que cursam com hipertonia, há falta de inibição, o que se tenta suprir com técnicas facilitatórias para desenvolver movimentos funcionais adequados, modificando e inibindo a postura e movimentação anormais. A disfunção neurológica resulta em distúrbios neuropsicológicos bem como déficits no controle motor e sensitivo, os quais podem se apresentar como alterações de percepção, comportamento, emoção e cognição. O planejamento terapêutico deve incluir, além de todos os aspectos do comportamento motor, fatores neuropsicológicos, psicossocias e ambientais. Objetivos do tratamento Os objetivos desta abordagem visam modificar padrões de tônus postural anormal e facilitar padrões motores mais normais, através dos quais se prepara uma grande variedade de habilidades funcionais. Estes padrões de atividades mais seletivos são traduzidos em tarefas posturais e voluntárias que sejam possíveis para a criança alcançar. O objetivo do tratamento é preparar a criança através de um manuseio que utiliza técnicas de inibição, facilitação e estimulação destes padrões mais normais de movimentos, para prover as bases para a aquisição de habilidades funcionais. O processo de assistência, estabelecimento de metas e intervenção requer a utilização de conhecimentos de controle motor, da natureza da disfunção do movimento, da plasticidade neuromuscular, biomecânica e aprendizado motor. As necessidades e expectativas do paciente também ser levadas em consideração. O tratamento é focado na remediação, explorando o potencial individual para aquisição ou recuperação de habilidades através da adaptação plástica neuromuscular. Desenvolvimento Sensório-Motor Normal Não é escopo deste artigo discorrer a respeito do desenvolvimento neuropsicomotor (DNPM), no entanto, quando se fala em criança, é preciso lembrar que se trata de um ser em desenvolvimento e que mudanças ocorrem em cada etapa deste desenvolvimento. Os primeiros anos de vida são os mais típico, conforme sua interação com o meio e evolução das suas capacidades de controle motor. As etapas do desenvolvimento não são estáticas e a sequência das aquisições motoras são encadeadas, sendo cada etapa preparatória das subsequentes. As idades nas quais os marcos do desenvolvimento são alcançados referem-se a dados estatísticos e servem como guia para o reconhecimento de desvios da normalidade. Numa avaliação, porém é importante considerar não só as aquisições motoras, mas a qualidade com que são realizadas. Vários aspectos estão envolvidos no desenvolvimento, entre eles a maturação, fatores genéticos, sistema musculoesquelético, sistema neuromuscular, mecanismo de reações posturais, sistema sensorial, percepção, aprendizado, experiência, mecanismos antecipatórios e ambiente. E é a interação destes fatores que dará o resultado final. Diversos fatores, porém, podem colocar em risco o curso normal do desenvolvimento de uma criança. Define-se como fator de risco uma série de condições biológicas ou ambientais que aumentam a probabilidade de déficits no desenvolvimento neuropsicomotor da criança. Dentre as principais causas de atraso motor encontram-se: baixo peso ao nascer, distúrbios cardiovasculares, respiratórios e neurológicos, infecções neonatais, desnutrição, baixas condições socioeconômicas, nível educacional precário dos pais e prematuridade. Quanto maior o número de fatores de risco atuantes, maior será a possibilidade do comprometimento do desenvolvimento. SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 5 • Setembro • Outubro de 2012 marcantes e, especificamente no primeiro ano é onde residem as mais importantes modificações, com grandes saltos evolutivos em curtos períodos de tempo (Fig. 02). O desenvolvimento motor é considerado como um processo sequencial, contínuo e relacionado à idade cronológica, pelo qual o ser humano adquire uma enorme quantidade de habilidades motoras, as quais progridem de movimentos simples e desorganizados para a execução de habilidades motoras altamente organizadas e complexas. Sabe-se que o surgimento de movimentos e seu posterior controle ocorrem em uma direção céfalo-caudal e próximo-distal, porém este processo não se apresenta de forma linear, incluindo períodos de equilíbrio e desequilíbrio. Apesar disso, costuma cumprir uma sequência ordenada e até previsível de acordo com a idade. No primeiro ano, a criança passa da posição horizontal para a vertical e aprende a mover-se contra a gravidade, para isso, deverá haver controle motor, que compreende o controle da postura e do movimento. O movimento decorre da interação de múltiplos processos, incluindo perceptual, cognitivo e motor. As ações são executadas dentro de um ambiente e os sistemas sensoriais-perceptuais proveem informações sobre o corpo e ao ambiente, influenciando na habilidade de realizar uma ação, que não ocorre sem uma intenção. Nos anos subsequentes, o aprendizado motor continua ocorrendo através da experimentação, repetição e prática de atividades funcionais. Isto ocorre com a criança durante seu desenvolvimento 17 Figura 02 - Marcos do desenvolvimento no primeiro ano de vida. O desenvolvimento da representação interna é proveniente da experiência e se a criança com disfunção neuromotora não experimenta seu corpo utilizando as vias sensoriais (como visual, tátil e proprioceptiva) ou não explora seu espaço, seu mapa de representação interna ficará deficitário, afetando a percepção e ação, tanto para planejar e iniciar o movimento como para verificar se está seguindo de acordo com a intenção original (Gusman & Torre, 2010). Figura 03 - Consequências do déficit neurológico na criança. Criança com déficit neurológico Diminuição ou alteração da atividade sensório motora SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 5 • Setembro • Outubro de 2012 Distúrbios Neuromotores Infantis 18 Uma criança com déficit neurológico pode ter atividades diminuídas, não ativando músculos que necessitam ganhar força e permitindo que músculos se retraiam. A falta do processo natural do desenvolvimento associado à fraqueza e retrações de músculos ou grupos musculares afeta a coordenação motora que é utilizada para manter o equilíbrio, e a falta deste também reforça os outros déficits e alterações mencionadas. O atraso no desenvolvimento implica um menor input sensorial que é subsídio para controle da postura, do movimento e do aprendizado motor. Se a criança com distúrbio neurológico apresenta alterações no processamento, recepção ou decodificação das informações sensoriais, suas estratégias para organizar e selecionar estas informações também estarão comprometidas. Diminuição do aporte perceptual e cognitivo Fraqueza muscular Alteração na coordenação Retração muscular Déficit no equilíbrio Dentre os distúrbios neuromotores infantis, o mais comum é a Paralisia Cerebral (PC), uma forma de Encefalopatia Crônica Não Evolutiva (ECNE) na qual são predominantes os distúrbios do tônus e do movimento. Define-se ECNE como uma afecção neurológica resultante de perturbação funcional do SNC sequelar a um processo patológico pré, peri ou pós-natal, ficando implícita a noção de que o agente causal agiu unicamente em membros superiores têm leve ou nenhum prejuízo, sendo perfeitamente possível a manipulação de objetos, com certo grau de dificuldade na coordenação motora fina. Nos primeiros meses de vida, as crianças parecem normais, sendo observado, na maioria dos casos, um atraso motor: rola pouco no leito, pouca movimentação dos membros inferiores, demora para sentar e o apoio plantar é deficiente, ocorrendo com as pernas endurecidas e com tendência a posição em tesoura (cruzadas). Nesta fase o exame neurológico revela espasticidade dos membros inferiores com sinais de liberação piramidal. A aquisição da marcha independente é demorada, raramente atingida antes dos 30 a 36 meses, sendo evidente o caráter espástico da marcha, com pernas rígidas, com tendência ao recurvatum dos joelhos. A maioria das crianças apresenta inteligência normal ou nos limites inferiores. Alterações de funções nervosas superiores como orientação temporoespacial e coordenação visomotora podem estar presentes, o que requer uma abordagem educacional específica. Epilepsia se faz presente em cerca de 25% dos casos. PC Espástica forma Tetraplégica: é a forma clínica mais grave de PC na criança. Trata-se de grandes encefalopatas cujo desenvolvimento psicomotor é praticamente nulo, permanecem deitados com padrão de hipertonia em flexão dos membros superiores e extensão dos membros inferiores. Quando muito sentam com apoio. Necessitam cuidados permanentes. A deficiência mental é profunda, compreensão extremamente pobre e a SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 5 • Setembro • Outubro de 2012 um determinado momento do desenvolvimento cerebral, deixando sua “cicatriz”. Existem três formas de PC: espástica, coreoatetósica e atáxica, sendo a primeira mais freqüente, podendo assumir três tipos distintos: (a) forma hemiplégica (Hemiplegia Infantil), (b) forma diplégica (Doença de Little) e (c) forma tetraplégica. PC Espástica forma Hemiplégica: é a forma mais frequente e só se manifesta, na quase totalidade dos casos, a partir do quinto mês de vida. De qualquer forma, esta identificação das manifestações clínicas relaciona-se à acurácia da observação dos pais ou do pediatra que percebem que a criança mexe ou utiliza menos um membro superior. Com o passar das semanas, torna-se nítida a assimetria dos movimentos, sendo que a maior parte das crianças praticamente não usa o membro comprometido, negligenciando-o completamente. O comprometimento do membro inferior é, geralmente, menos evidente, sendo notado no momento da aquisição da marcha. De maneira geral, a paralisia tende a predominar no membro superior. Ao exame neurológico observa-se a clássica hemiplegia e quase sempre uma nota atetósica é observada no membro superior acometido. Sinais de liberação piramidal são evidentes, com hipertonia espástica, hiperreflexia profunda, clônus dos pés e Babinski. Com o crescimento corporal, evidencia-se uma assimetria em relação aos membros não acometidos, devido a uma redução do volume dos membros plégicos. A inteligência é conservada na maioria dos casos. Em 1/3 dos casos pode haver Epilepsia. PC Espástica forma Diplégica: caracteriza-se pelo comprometimento quase exclusivo dos membros inferiores. Os 19 SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 5 • Setembro • Outubro de 2012 20 linguagem não é adquirida. O contato é pobre, restrito a algumas trocas afetivas. Mais da metade apresenta Epilepsia. As anormalidades do tônus muscular são pronunciadas e evoluem com deformidades fixas dos membros e do corpo, ocasionadas pela imobilidade e espasticidade persistente. PC Coreicoatetósica: talvez a forma mais dramática de PC tendo em vista a intensa incapacidade motora numa criança com cognição preservada. Não há intervalo livre, sendo o atraso no desenvolvimento notado desde o início, caracterizado por hipotonia e certo enrijecimento com tendência ao opistótono e movimentos anormais na esfera orobucal. Observa-se atetose e distonia, com movimentos de torção do tronco e pescoço, além do careteamento constante. A linguagem é comprometida em virtude do acometimento distônico da língua e órgãos fonoarticulatórios. A manipulação de objetos é difícil pela movimentação involuntária associada, sendo praticamente impossível atividade que dependa da motricidade fina. Como em todos os quadros distônicos, os movimentos involuntários se acentual com as emoções e cedem no sono. A marcha pode ser adquirida na minoria dos casos e de maneira muito penosa. A inteligência é quase sempre conservada. A capacidade de entendimento deste grupo de crianças, seu desejo de comunicação e motivação para melhorar a sua condição não devem ser menosprezadas. PC Atáxica: é rara a apresentação pura da ataxia cerebelar. No início observa-se certa hipotonia e os sinais cerebelares surgem no decorrer do segundo ano de vida, com certo grau de prejuízo cognitivo associado. Por vezes a síndrome cerebelar global associa-se a PC Diplégica, com as mesmas implicações etiopatogênicas, sendo o comprometimento cerebelar, ou de suas vias, resultante de alterações hipóxico-isquêmicas. Técnicas de Tratamento O tratamento de crianças com PC ou distúrbio motor preconiza a redução do tônus e da postura anormais, preparando e possibilitando que a criança atinja as reações de desenvolvimento normal, de acordo com a idade e estágio do desenvolvimento. Utiliza-se como guia de referência os movimentos funcionais normais, levando em conta as leis específicas dos músculos, da biomecânica, da coordenação motora e do controle motor. Quanto mais precoce a intervenção, melhor o prognóstico. Se não receberem atendimento adequado desde cedo, as alterações neuromotoras persistirão e poderão resultar em limitação desnecessária, desconforto e deformidade. Dentre as técnicas de tratamento, utiliza-se a facilitação, inibição e estimulação, sendo que todas são obtidas através dos pontos-chave de controle (regiões do corpo que as mãos dos terapeutas controlam ou induzem ao movimento e mudanças nos padrões motores, influenciando outras partes do corpo). Facilitação é tornar possível o movimento ou facilitar a criança a mover-se, através de manuseios especiais, feitos pelos pontos-chave, induzindo o paciente a realizar movimentos que provocam estímulos sensoriais ativando a parte neural e muscular. de controle da postura e do movimento, há necessidade de usar as técnicas básicas do Conceito como transferência e suporte de peso, trocas posturais, colocação e manutenção, tapping e equipamentos, visando à manutenção do controle motor adquirido. Os equipamentos utilizados referem-se a bolas de diferentes tamanhos, rolos, cadeiras, mesas, pranchas de equilíbrio, andadores, órteses, aparelhos de lona, brinquedos variados. O tratamento sempre deve estimular a motivação da criança, indo de encontro aos interesses dela, conforme idade e estágio de desenvolvimento. Devem-se utilizar algumas estratégias para promover a atenção e o aprendizado, entre elas intercalar atividades difíceis com mais fáceis; escolher prioridades do trabalho terapêutico; tempo de sessão adequado, conforme as condições da criança; evitar excessiva movimentação de pessoas, barulho e outros fatores que possam tirar a atenção; buscar um vínculo, possibilitando um bem estar emocional. Bibliografia 1. GRAHAM, J. V., EUSTACE, C., BROCK, K., SWAIN, E., & IRWIN-CARRUTHERS, S. The Bobath Concept in Contemporary Clinical Practice. Topics in Stroke Rehabilitation, p. 57-68, jan/feb. 2009. 2. GUSMAN, S., & TORRE, C. A. Habilitação e Reabilitação - Fisioterapia. In: A. DIAMENT, S. CYPEL, & U. C. REED. Neurologia Infantil. São Paulo: Atheneu, 2010. 1868p. 3. L E V I N , M . F . , & P A N T U R I N , E . Sensorimotor Integration for Functional Recovery and the Bobath Approach. Motor Control. v.15, p. 285-301, 2011. SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 5 • Setembro • Outubro de 2012 Inibição é a habilidade de refrear uma ação em favor de outra. Pode incluir uma resposta normal do indivíduo que inibe uma resposta patológica. É um fator de controle do movimento e da postura. Este processo pode ser executado através de inibição dos movimentos ou padrões indesejados, ou da facilitação de padrões normais que se sobrepõe aos anormais, ou ainda, através da indução do paciente em inibir, por si mesmo, suas alterações, buscando vias aferentes e eferentes para padrões sensório-motores mais normalizados. A estimulação origina-se no corpo ou no ambiente e inclui várias abordagens como pensamentos, emoções, visão, audição, toque, propriocepção, atribuições do sistema vestibular, dor e temperatura. Pode ser feita através do tapping, pequenas batidas sobre segmentos corporais que podem desencadear uma estimulação tátil ou proprioceptiva ou cocontração (contração simultânea dos músculos agonistas, antagonistas e sinergistas que possibilitam movimentos com estabilidade de forma suave, gradual e coordenada), de acordo com a forma pela qual é executada. Tem como objetivo capacitar a criança à manutenção automática de uma posição desejada ou movimento contra a gravidade, provocando um alerta muscular. Outra forma de estimulação é a transferência de peso que provoca pressão na região que intervém no recrutamento de unidades motoras, desenvolvendo força muscular, ajustamento dos movimentos automáticos necessários para a manutenção postural contra a gravidade e para o controle dos movimentos involuntários. Na maioria dos casos em que há falta 21 SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 5 • Setembro • Outubro de 2012 4. MIGUEL, M. C.. Exame Neurológico Evolutivo. In: A. DIAMENT, S. CYPEL, & U. C. REED. Neurologia Infantil. São Paulo: Atheneu, 2010. 1868p. 5. R A I N E , S . T h e B o b a t h C o n c e p t : Developments and Current Theoretical Underpinning. In: S. RAINE, L. MEADOWS, & M. LYNCH-ELLERINGTON, Bobath Concept: Theory and Clinical Practice in Neurological Rehabilitation. Oxford: Wiley-Blackwell, 2009. 232p. 6. ROSEMBERG, S.. Encefalopatias Crônicas Não Evolutivas. In: S. ROSEMBERG, Neuropediatria. São Paulo: Sarvier, 2010. 424p. 22 Cristina Maria Pozzi, Médica Neuropediatra, Doutoranda em Psicologia Clínica no Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo – Laboratório de Distúrbios do Desenvolvimento. Síndromes revista multidisciplinar de desenvolvimento humano Assine já! Tel: (11) 3361-5595 ou [email protected] i nclu s ã o Malformações CongênitaS Embora este seja um assunto amplo e variado, vamos iniciar definindo o tema. Define-se como malformação congênita qualquer defeito estrutural presente ao nascimento. É toda anomalia funcional ou estrutural do desenvolvimento do feto decorrente de qualquer fator originado antes do nascimento, ou seja, genético, ambiental ou desconhecido, mesmo quando o defeito não for aparente ao nascimento e só se manifestar mais tarde. As malformações congênitas constituem alterações de estrutura, função ou metabolismo de qualquer parte do corpo presentes ao nascer, que resultam em anomalias físicas ou mentais, podendo ser simples ou múltiplas e de maior ou menor importância clínica. Qualquer alteração no decorrer do desenvolvimento embrionário pode resultar em anomalias congênitas que podem variar desde pequenas assimetrias até defeitos com maiores comprometimentos estéticos e funcionais. As causas estão ligadas a eventos que precedem ao nascimento, podendo ser herdada ou adquirida. A incidência geral é muito variada, mas em geral oscila em torno de 5% dos nascidos vivos na maior parte dos estudos e não parece haver diferenças significativas entre os países desenvolvidos. As malformações congênitas pesam de modo considerável nas estatísticas de morbidade e de mortalidade perinatais. A mortalidade infantil é um importante indicador de saúde de um país e está associado a fatores como saúde materna, qualidade e acesso a serviço de saúde e práticas de saúde pública. Observa-se atualmente, em várias regiões do mundo um declínio da mortalidade infantil por causas infecciosas, resultando assim na maior proporção de morte por malformações congênitas. Outro aspecto a ser evidenciado é que, além da mortalidade, há alta morbidade nesses quadros, definida como risco para desenvolvimento de complicações clínicas, incluindo número de internações e gravidade das intercorrências. Importante observar ainda que parte dos quadros malformativos requer manejo multidisciplinar, sendo importante fator de impacto financeiro para as famílias e para o sistema de saúde. Importante salientar que boa parte das malformações congênitas pode ser evitada com medidas de planejamento gestacional, realização do pré-natal e cuidado adequado a gestante. SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 5 • Setembro • Outubro de 2012 Dra. Alessandra Freitas Russo 23 SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 5 • Setembro • Outubro de 2012 24 Os três níveis de prevenção dos defeitos congênitos consistem na prevenção primária, prevenção secundária e prevenção terciária. A prevenção primária age em pessoas sadias e consiste em evitar a doença, reduzindo desta forma a susceptibilidade ou a exposição ao fator de risco. Ocorre no período pré-concepcional. Políticas públicas de assistência e planejamento familiar são exemplos desta forma de prevenção. A prevenção secundária age em pessoas doentes, evita a evolução e sequela da doença através da detecção precoce e o tratamento oportuno. Ocorre no período pré-natal. A prevenção terciária age em pessoas doentes, evitando as complicações da doença através da reabilitação e correção adequadas. Ocorre no período pós-natal e dura toda a vida do indivíduo. Por esse motivo as gestações planejadas são as de menor risco para defeitos congênitos. Em trabalho realizado em maternidades paulistanas, Ramos e colaboradores observaram que as malformações fetais são mais frequentes em bebês filhos de mães com mais de 35 anos. Mães adolescentes também se mostrou um fator de risco para síndromes malformativas. A idade paterna não mostrou relação significante com incidência de malformações. Em relação à paridade, os autores não observaram diferenças significativas, embora se acredite que as malformações em geral sejam mais comuns no primeiro filho do que no segundo e no terceiro. Outro aspecto importante evidenciado pelo estudo é a história de malformações na família, que mostrou correlação significante com o nascimento de malformados. Não cabe no presente artigo especificar e detalhar os mais variados tipos de malformações congênitas. Faremos um breve resumo das alterações mais frequentes e mais significativas. MALFORMAÇÕES DO SISTEMA CARDIO VASCULAR As anomalias congênitas do coração e dos grandes vasos são as mais frequentes entre as malformações congênitas graves e apresentam alta mortalidade no 1º ano de vida. Requerem diagnóstico precoce e eventualmente manejo cirúrgico. Possuem alta mortalidade quando não tratadas e grande impacto na vida das crianças acometidas. O avanço tecnológico e o uso rotineiro da ecocardiografia têm contribuído para a melhora do diagnóstico, com isto a prevalência de algumas cardiopatias mostra-se maior nos dias de hoje. MALFORMAÇÕES DE MEMBROS As malformações dos membros são também bastante frequentes podendo ser consideradas como maiores (aquelas que apresentam consequências médias ou cirúrgicas) ou menores (aquelas que apresentam um efeito mínimo sobre a função ou aceitabilidade social). As malformações menores, incluindo as posturais, podem influir na prevalência, porém, em termos práticos, apresentam bom prognóstico e, na maioria das vezes, dispensam qualquer tipo de tratamento. Outra forma clínica encontrada é a encefalocele, na qual o cérebro e as meninges herniam-se através de um defeito na calota craniana. As malformações do SNC podem ocorrem em qualquer fase da gestação, sendo classificadas de acordo com a fase do desenvolvimento em que ocorre a malformação. Aproximadamente 20% das crianças afetadas por DFTN apresentam algum outro defeito congênito associado. E essa situação também ocorre com as malformações cardíacas e esqueléticas. As malformações do SNC frequentemente são causa de quadros de paralisia cerebral e associam-se com outras deficiências como a deficiência intelectual. Podem ainda ser a causa de síndromes epilépticas, frequentemente de difícil manejo clínico, requerendo tratamento especializado e seguimento prolongado. LÁBIO LEPORINO E FENDA PALATINA Em torno de 35 dias de vida uterina, o lábio normalmente está fundido. Porém uma falha na fusão do lábio pode comprometer a fusão subsequente das prateleiras palatinas (palato primário), que não fundem completamente até a oitava ou nona semanas. Por isso, a fenda palatina é uma associação frequente com o lábio leporino. A maioria das fendas labiais e palatinas resulta de fatores múltiplos, genéticos e não genéticos. As alterações de palato e de lábio podem causar alterações alimentares, chegando nos casos mais graves a comprometer a alimentação da criança. Quadros de broncoaspiração e suas complicações são frequentes nesses pacientes. SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 5 • Setembro • Outubro de 2012 A malformação congênita de membros mais frequente é o pé torto congênito e a forma idiopática (ortopédica) é a mais frequente no recém-nascido. Formas secundárias, por exemplo, a mielomeningocele ou a doenças do colágeno, também pode ocorrer. Já as maiores requerem equipe especializada no seu manejo tanto cirúrgico quanto de reabilitação, necessitando por vezes de uso de próteses ou outros recurso tecnológicos no seu manejo. Seu diagnóstico e tratamento precoces, de preferência ainda na maternidade, são de grande importância para o prognóstico funcional destes indivíduos. MALFORMAÇÃO DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL Quanto ao sistema nervoso central (SNC), sua formação e desenvolvimento dependem de um processo extremamente complexo sob o qual atua inúmeros fatores ambientais e genéticos. . Os defeitos do fechamento do tubo neural (DFTN) são malformações congênitas frequentes que ocorrem devido a uma falha no fechamento adequado do tubo neural embrionário, durante o primeiro trimestre da gestação. Apresentam um espectro clínico variável, sendo os mais comuns a anencefalia e a espinha bífida. A anencefalia é a ausência completa ou parcial do cérebro e do crânio. A espinha bífida é um defeito de fechamento ósseo posterior da coluna vertebral. O defeito pode ser recoberto por pele essencialmente normal (espinha bífida oculta), ou associar-se com uma protrusão cística, podendo conter meninges anormais e líquido cefalorraquidiano – meningocele; ou elementos da medula espinhal e/ou nervos – mielomeningocele. 25 As fendas orais são anomalias craniofaciais que requerem reabilitação que vai desde intervenção cirúrgica até orientação nutricional, odontológica, fonoaudiológica, médica e psicológica. Sua ocorrência é de aproximadamente 1 em 700 recém-nascidos em todo o mundo, podendo variar de acordo com a área geográfica e a situação socioeconômica. SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 5 • Setembro • Outubro de 2012 Outras malformações 26 outras malformações como renais, de tubo gastro intestinal, como a atresia de esôfago e as anomalias ano-reatais embora menos frequentes têm importante impacto na sobrevida e na qualidade de vida dos indivíduos afetados. As malformações cromossômicas, também de grande impacto na vida das crianças acometidas e suas famílias é capítulo a parte neste tema e não serão abordadas neste momento. O desenvolvimento de novas técnicas diagnósticas com exames complementares mais acurados aumentou nos últimos anos o reconhecimento e a precocidade no diagnóstico de muitas malformações congênitas. Técnicas cirúrgicas especializadas e a intervenção mais precoce melhoraram a sobrevida e a qualidade de vidas desses pacientes. FATORES AMBIENTAIS COMO CAUSA DE MALFORMAÇÕES CONGENITAS O fato de agentes ambientais, nomeadamente fármacos, infecções maternas, e agentes químicos ou físicos poderem causar danos ao embrião ou feto em desenvolvimento é um problema reconhecido principalmente a partir do século 20. Nos países em desenvolvimento, existem características especiais que podem tornar esse problema mais agudo. Essas características incluem níveis educacionais e econômicos baixos da população, alta incidência de doenças infecciosas e carênciais, escassos recursos para saúde e pesquisa, prática frequente e sem controle de automedicação, facilidade de obtenção de medicações que deveriam estar submetidas à prescrição médica. Além disso, pode somar-se uma qualidade ambiental precária ou mesmo condições de trabalho insalubres durante a gravidez, abuso de álcool, drogas e tabaco durante a gestação, violência doméstica entre outros fatores. Para ilustrar, este quadro leva a situações como a existência de casos frequentes de malformações graves de SNC causadas pelo vírus da rubéola ou mesmo a ocorrência de síndrome de Moebius causado pelo uso do Misoprostol durante a gestação. Essa droga, usada frequentemente para induzir aborto é proscrita do arsenal médico brasileiro, mas pode ser encontrada com facilidade no mercado clandestino. Algumas medidas vêm melhorando a qualidade do suporte ao paciente malformado e ao melhor reconhecimento dos quadros e conhecimento da prevalência. Uma medida cujo impacto positivo merece notificação foi a modificação da Declaração de Recém-Nascido Vivo (DN) – documento oficial emitido pelas maternidades, sem o qual os pais não podem realizar o registro civil –, a partir de janeiro de 2000, com a introdução de um novo campo de registro obrigatório, o campo 34 (define a presença ou não de malformações congênitas), permitiu que o que a torna capaz de perceber e intervir na dimensão biopsicossocial da criança e da família. Bibliografia 1. AGUIAR M.J.B., CAMPOS A.S., AGUIAR R.A.L.P., LANA A.M.A. et al. Defeitos de fechamento do tudo neural e fatores associados em recém-nascidos vivos e natimortos. Jornal Pediatria, Rio de Janeiro, v.79, n.2, p. 129-134, 2003. 2. CUNHA E.C.M., FONTANA R., FONTANA T., SILVA W.R. Antropometria e fatores de risco em recém-nascidos com fendas Faciais. Revista Brasileira de Epidemiologia, v.7, n.4, p.417-422, 2004. 3. FERNANDES A.C., RAMOS A.C.R., CASALIS M.E.P., HEBERT S.K. AACD Medicina e reabilitação: princípios e práticas. São Paulo: Artes Médicas, 2007. 4. HOROVITZ D.D.G., LERENA JR. J.C., MATTOS R.A. Atenção aos defeitos congênitos no Brasil: Panorama atual. Caderno de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v.21, n.4, p. 1055-1064, 2005. 5. MIYAGUE N.I., CARDOSO S.M., MEYER F., ULTRAMARI F.T. et al.. Estudo Epidemiológico de Cardiopatias Congênitas na Infância e Adolescência. Análise em 4.538 Casos. Arquivo Brasileiro de Cardiologia, v.80, n. 3, p. 269-273, 2003. 6. PEREIRA R.J.S., ABREU L.C., VALENTE V.E., ALBUQUERQUE W.D.M. Frequência de malformações congênitas de extremidades em recém-nascidos. Revista Brasileira do Crescimento e Desenvolvimento Humano, v.18,n.2, p.155-162, 2008. 7. RAMOS J.L.A., LAURINDO V.M., VAZ F.A.C., ARAÚJO J. et al. Malformações congênitas: estudo prospectivo de dois SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 5 • Setembro • Outubro de 2012 equipes de informação da saúde locadas nas secretarias municipais de Saúde passassem a registrar as anomalias congênitas de forma sistemática. Outras medidas como o teste do pezinho que realiza o diagnóstico de três doenças na maior parte do país, mas que deve ter esse número aumentado em breve, levando a instituição de tratamento precoce para situações clínicas com grave impacto funcional em seus portadores também merecem destaque. Embora os fatores preventivos sejam preponderantes nestas situações, a literatura deixa claro que a criança com malformação congênita necessita de atenção especializada e de uma equipe multidisciplinar, na qual o enfoque primordial da recuperação envolva a integração do paciente no ambiente familiar e social. Neste contexto, a criação de centros de reabilitação especializados, com equipe multidisciplinar capacitada para intervenções de curto e longo prazo, com tecnologia assistiva disponível no tempo ótimo para o processo de reabilitação é de suma importância para o melhor tratamento desses pacientes. O conhecimento sobre as questões anátomo-fisiológicas, do tratamento clínico e cirúrgico, não basta para apoiar uma proposta mais efetiva de assistência integral. É necessário conhecer outros fatores que implicam na relação afetiva entre a criança e seus familiares, na discriminação familiar e social da criança, na dificuldade de aceitar e de cuidar da criança com necessidades especiais. Assistência adequada a ser prestada à criança com malformação demanda, além de treinamento técnico, sensibilidade e habilidade da equipe multidisciplinar, 27 anos em três maternidades de São Paulo. Pediatria, São Paulo, v.3, p.2028, 1981. 8. SANTOS R.S., DIAS I.M.V. Refletindo sobre a malformação congênita. Revista Brasileira de Enfermagem; v.58, n.5, p. 592-596, 2005. 9. SCHÜLER-FACCINI L., LEITE J.C.L., SANSEVERINO M.T.V., PERES R.M. Avaliação de teratógenos na população brasileira. Ciência e Saúde Coletiva, v.7, n.1, p. 65-71, 2002. 10.XAVIER C.C., ROCHA V.L. & MENDONÇA V.E.S. Síndrome de Lennox-Gastaut. In: L.F. FONSECA, C.C. XAVIER & G. PIANETTI. Compêndio de Neurologia Infantil. Rio de Janeiro: Medbook, 2011. pp. 287-292. Dra. Alessandra Freitas Russo, Neurologia Infantil e do Adolescente; Mestre em Medicina pela USP; Neurologista da AACD e Pesquisadora do Laboratório de Distúrbios do Desenvolvimento - IP- USP SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 5 • Setembro • Outubro de 2012 Acompanhe nosso Curso de Autismo 28 Nessa edição Módulo V/VI No final, teste seus conhecimentos e receba seu Certificado de Conclusão do IPUSP – Instituto de Psicologia da USP. de m ã e , pra m ã e A importância de crescer e amadurecer ao lado dos filhos com TDAH Neste espaço, pais e pessoas com síndromes relatam um pouco sobre suas experiências ao viver singularmente em uma sociedade ainda pouco inclusiva. São exemplos de quem que já conseguiu alcançar muitos objetivos graças à força de vontade, mas ainda enfrentam muitos desafios para realizarem seus sonhos; assim como a maioria dos seres huma- nos sem deficiências também. É uma oportunidade para os leitores conhecerem um pouco mais sobre a diversidade. Sergio tem 12 anos e é uma criança como outra qualquer, curte coisas da idade dele como jogar vídeo game, assistir TV e ouvir música. Frequenta escolinha de futebol; gosta muito de carros; participa de rally com o pai e o tio, e também SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 5 • Setembro • Outubro de 2012 Por Juliana Ferreira Ribeiro* Edição: Leandra Migotto Certeza** 29 SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 5 • Setembro • Outubro de 2012 30 fazem trilhas. O que facilita e muito a vida dele, que é o fato de encarar suas dificuldades com naturalidade, e todos ao nosso redor sabem disso. Ele conta aos colegas, e acredito que isso o faça mais feliz. Seu diagnóstico é comprometimento aos níveis da atenção seletiva e sustentada, controle inibitório, dificuldades eventuais associadas à escrita, bem como provável baixa consciência fonológica, portanto ele tem TDAH (Transtorno de Déficit de Atenção), Impulsividade e Dislexia. Sergio e sua mãe O primeiro momento após o diagnóstico é terrível porque fazer parte daquilo que a sociedade convencionou como ‘não normal’, por isso assusta. A sensação de incapacidade é enorme. Até hoje me lembro o momento do que Dra. Nayara me disse, que minha maior arma é a informação. E assim corri atrás dela. No início lia tudo falava a respeito dessa síndrome e com o tempo fui aprendendo a selecionar. Entrei na faculdade de Pedagogia e saí no quarto semestre, porque no obtive respostas e hoje curso terceiro semestre de Psicologia, não para obter as tais respostas, mas para poder fazer a diferença na vida desses seres especiais e poder dar apoio aos pais. Meu filho é tudo para mim, foi quem me fez crescer e amadurecer. Acredito que o melhor papel que desempenho na SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 5 • Setembro • Outubro de 2012 saindo de lá por não ter o quinto ano. E mais uma vez outra batalha porque as maiores escolas da cidade o recusaram, até que encontrei uma escola maravilhosa, Colégio Vilas, a qual está fazendo um brilhante trabalho de inclusão. Serginho tinha a leitura muito atrasada, letra espelhada e trocava fonemas. Para melhorar fazia psicopedagogia duas vezes por semana. Ele quase repetiu pela segunda vez a alfabetização, mas eu com a ajuda da psicopedagoga estudávamos duas horas por dia, e conseguindo que não repetisse o ano letivo. Ele é um bom aluno, sempre avaliado nos limites das suas dificuldades. Em 2010, ele começou fazer psicopedagogia com Ana Magalhães, primeiro sozinho, depois ela propôs colocá-lo em um grupo. No início fiquei muito preocupada, mas aceitei o desafio, e a partir daí a auto estima dele mudou muito, começou a ficar mais confiante e depois desse grupo foi que teve coragem de ler em voz alta pela primeira vez na sala de aula. Ele se sobressaiu no primeiro grupo, então Ana propôs colocá-lo em outro grupo, onde ele não ‘brilhasse’ todas às vezes e foi perfeito para o desenvolvimento dele, hoje ele está muito mais confiante, faz Terapia Cognitiva Comportamental e Fonoaudiologia. Depois ele me pediu para ter férias das terapias por 6 meses, e depois retomamos. Refiz os testes neuropsicológicos que confirmaram o diagnóstico, mas para minha felicidade mostrou que hoje já tem estratégias montadas para driblar as dificuldades, e com isso, redução do prejuízo funcional ocasionado pela síndrome. É um menino muito inteligente. Créditos das fotos: Viviane Santos vida é o de ser mãe, meu amor por ele é incondicional. Ele é o meu amiguinho, não temos segredos um com o outro, procuro ao máximo manter essa relação saudável com ele, confia em mim por saber que estou sempre ao seu lado. Ele começou estudar com 2 anos e 8 meses, sempre se adaptando facilmente e socializando bem, o único problema foi com uma professora. Ele no meio do ano começou não se comunicar com ela, brincava muito bem com os coleguinhas e quando a professora intervinha de alguma forma ele bloqueava, levei numa psicopedagoga e nada foi observado nele, portanto foi algum problema com a professora. Mas em 2005, quando cursava a alfabetização, fui chamada pela escola, a queixa era que ele não conseguia acompanhar, então procurei uma neuropediatra, Dra. Nayara Argolo, que nos encaminhou para fazer testes neuropsicológicos, com a neuropsicologa Tutti Cabussú, que foram repetidos em 2007 para fechar o diagnostico. A partir daí começou fazer acompanhamento psicopedagogico duas vezes por semana e tratamento medicamentoso. O mais complicado era lidar com a baixa auto-estima, já que a escola não ajudava na inclusão. Em 2008 mudamos de escola para uma que trabalhava melhor com a inclusão com crianças com diversas dificuldades, inclusive um aluno com deficiência visual. Só que no final do ano veio à notícia que a escola fecharia, por isso começou a batalha por uma escola que o aceitasse. Foram algumas portas na cara até que foi aceito por pedido da psicopedagoga Tutti Cabussú por uma escola a qual permaneceu três anos, 31 Eu acredito que preciso sempre ajudar aos pais com crianças com TDAH, pois uma simples conversa com troca de informações já é o suficiente para que não nos sentíssemos sozinhos... Também é muito importante que as limitações das crianças sejam respeitadas, que não cobrem delas aquilo que elas não podem dar. E que sejam criadas sabendo o que tem, para evitar o preconceito. Se a pessoa aceita o que tem, não encara comentários de forma agressiva, simplesmente olha a pessoa curiosa como alguém sem informações. SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 5 • Setembro • Outubro de 2012 Sergio e o seu pai, Pedro Antonio Frederico 32 *Juliana Ferreira Ribeiro tem 33 é autônoma, trabalhando com reforço escolar, inclusive para crianças com dificuldades de aprendizado. Ela teve o Sergio com 21 anos. **Leandra Migotto Certeza é jornalista e repórter especial da Revista Síndromes. Ela tem deficiência física (Osteogenesis Inperfecta), é assessora de imprensa da ABSW, e consultora em inclusão e mantém o blog “Caleidoscópio – Uma janela para refletir sobre a diversidade da vida” - http:// leandramigottocerteza.blogspot.com/. Conheçam os modelos de palestras, oficinas, cursos e treinamentos sobre diversidade, realizados em empresas, escolas, ONGs, centros culturais e grupos de pessoas no site: https://sites.google.com/site/leandramigotto/ art i g o do le i tor O uso do instrumento “quality fm” no pós-operatório de mmii em pacientes com paralisia cerebral A Paralisia Cerebral (PC), é definida, atualmente, como um “grupo de desordens do desenvolvimento de movimento e postura, causando limitação na atividade, que são atribuídos a distúrbios não-progressivos no cérebro em desenvolvimento fetal ou infantil. Os distúrbios motores da paralisia cerebral são frequentemente acompanhadas por distúrbios da sensação, cognição, comunicação, percepção e/ou comportamento.” O paciente com PC é classificado com relação à topografia da lesão, alteração tônica e nível de comprometimento motor. Com relação à topografia da lesão, ou seja, a área corporal afetada, são classificados como diparéticos, tetraparéticos e hemiparéticos. Com relação ao tônus, podemos classificar os indivíduos como espásticos, discinéticos e atáxicos. O espástico compreende a maioria dos casos (75%), sendo caracterizado por exacerbação dos reflexos profundos e aumento do tônus muscular. O tipo discinético é caracterizado pela presença de movimentação involuntária, e compreende os seguintes tipos clínicos: atetóide, coreico, distônico, misto e hipotônico. O tipo atáxico apresen- ta diminuição da coordenação muscular usualmente causado por déficit cerebelar. Devido ao aumento de tônus encontrado nos pacientes espásticos, durante o desenvolvimento neuropsicomotor ocorrerão alterações adaptativas dos tecidos moles e ósseos, levando a fraquezas e encurtamentos musculares, e coativação excessiva de músculos antagonistas. A longo prazo, essas alterações podem levar à deformidades ósseas e/ou limitações funcionais, e, devido a isso, esse grupo de paciente são os mais submetidos a cirurgias ortopédicas. Além da alteração tônica e topografia que o paciente apresenta, ele também é classificado quanto ao grau de comprometimento que apresenta através do Sistema de Classificação da Função Motora Grossa (GMFCS) em cinco níveis: Nível I: as crianças deste nível serão capazes de andar em ambiente interno e externo, subir escadas sem restrições. Serão capazes de realizar habilidades motoras grossas, incluindo correr e pular, mas a velocidade, o equilíbrio e a coordenação serão reduzidos. Nível II: as crianças serão capazes de andar nos espaços internos e externos e SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 5 • Setembro • Outubro de 2012 Tatiana Beline de Beline e Eduardo Bagne 33 SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 5 • Setembro • Outubro de 2012 34 subir escadas segurando-se no corrimão, mas apresentam limitações ao andar em superfícies irregulares e inclinadas e em espaços lotados ou restritos. As crianças, na melhor das hipóteses, apresentarão capacidade mínima para realizar habilidades motoras grossas como correr e pular. Nível III: as crianças serão capazes de andar em espaços internos e externos sobre superfícies regulares usando aparelhos auxiliares de locomoção. As crianças podem subir escadas segurando-se em corrimões. Dependendo da função dos membros superiores, as crianças poderão manejar uma cadeira de rodas manualmente. Podem ainda ser transportadas quando percorrem longas distâncias e quando em espaços externos com terrenos irregulares. Nível IV: as crianças do Nível IV poderão sentar-se de forma funcional (geralmente apoiadas), mas a locomoção independente é muito limitada. Serão, geralmente, transportadas ou usarão locomoção motorizada em casa, na escola e na comunidade. Nível V: as deficiências físicas restringem o controle voluntário de movimento e a capacidade para manter posturas antigravitacionais de cabeça e tronco. Todas as áreas de função motora estão limitadas. As limitações funcionais no sentar e ficar em pé não são completamente compensadas por meio do uso de adaptações e tecnologia assistiva. Neste nível, as crianças não mostram sinais de locomoção independente e são transportadas. Algumas crianças alcançam a autolocomoção usando cadeira de rodas motorizada com extensas adaptações. As cirurgias ortopédicas de membros inferiores (MMII) ocorrem, na maioria dos casos, para melhora da qualidade de marcha para os níveis motores I, II e III, e para melhora do posicionamento sentado e alívio de dor para os pacientes dos níveis IV e V. Sendo a qualidade de marcha o objetivo da maioria das cirurgias ortopédicas de MMII para os pacientes dos níveis I, II e III, seria importante quantificar a qualidade de marcha destes pacientes no período pós-operatório de MMII. O “Quality FM” (QFM) é um instrumento de avaliação criado pelos pesquisadores Peter Rosenbaum e Virginia Wright do grupo de pesquisa ‘CanChild’ (Center for Chilhood Disability Research), validado para pesquisa e uso clínico em 2010. Ele se baseia em uma avaliação observacional da qualidade da função motora grossa de pacientes com PC. Sendo que o mesmo pode ser usado em crianças com idade acima dos 4 anos dos níveis I, II e III do GMFCS e seu enfoque está na qualidade do movimentos relacionados à marcha. Os atributos qualitativos avaliados pelo instrumento são: alinhamento de extremidades inferiores, alinhamento da parte superior do corpo, coordenação, movimento dissociado, estabilidade e transferência de peso. Atualmente, a “Medida da Função Motora Grossa” (GMFM) é o instrumento utilizado na instituição nos pacientes com Paralisia Cerebral que são submetidos à cirurgia ortopédica, além de também ser usado para se definir prognóstico e objetivos funcionais no período pós-operatório. Entretanto, o GMFM avalia a quantidade de função motora grossa que o paciente é capaz de realizar, não importando a performance durante o teste. Podemos citar o mesmo item 69 (andar 10 passos), Objetivo Avaliar a qualidade da função motora grossa de pacientes com PC, níveis I, II e III do GMFCS, submetidos a cirurgias ortopédicas de MMII. Metodologia Estudo descritivo realizado no setor de fisioterapia infantil da Associação de Assistência à Criança Deficiente – Unidade Osasco (AACD – Osasco). Participaram do estudo cinco pacientes (11,4 ± 3,4 anos), sendo um hemiparético espástico à E nível motor I do GMFCS e 4 diparéticos espásticos, dois nível II e dois nível III (Tabela 1). Tabela 1: Descrição dos pacientes Topografia da Lesão GMFCS Idade 15 I 1 Hemiparesia Espástica à E 11 II 2 Diparesia Espástica 07 III 3 Diparesia Espástica 10 II 4 Diparesia Espástica 14 III 5 Diparesia Espástica Média 11,4±3,2 Todos os pacientes incluídos foram submetidos à cirurgias ortopédicas de MMII, liberados para ortostatismo e marcha pelo médico ortopedista responsável e foram submetidos a essa a avaliação no momento que iniciaram as terapias no setor de fisioterapia infantil. É importante ressaltar que os pais e/ou responsáveis consentiram com a participação na pesquisa, assinando Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Para realizar a avaliação através do instrumento QFM, inicialmente é realizada filmagem de todos os itens das dimensões D (Em Pé) e E (Andar, Correr e Pular) do GMFM que o paciente foi capaz de realizar sem órteses ou aditamento. Sendo que cada item foi filmado em duas tomadas diferentes, segundo descrição do manual. É importante ressaltar que o GMFM já é utilizado na avaliação inicial no pós-operatório de MMII em pacientes com paralisia cerebral nesta instituição. Após filmagem, os vídeos foram observados e os atributos qualitativos específicos de cada item foram avaliados. Os atributos qualitativos de cada item estão relacionados com a tarefa específica deste item e/ou são importantes para realiar a tarefa com melhor performance, como exemplo, no item 56 (em pé, mantém braços livres, 20 segundos) é avaliado estabilidade e no item 69 (anda 10 passos) é avaliado a transferência de peso, entre outros atributos. Para cada atributo é dado um escore de 0 a 3, sendo ‘0’ muita dificuldade, ‘1’ dificuldade moderada, ‘2’ pouca dificuldade e ‘3’ nenhuma dificuldade. Descrições específicas da pontuação de cada item estão descritas no manual. SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 5 • Setembro • Outubro de 2012 o paciente que deambula 10 passos em CROUCH (marcha agachada) receberá a mesma pontuação do paciente que deambula 10 passos com um bom padrão de marcha. Como, na maioria dos casos, o objetivo da cirurgia ortopédica de MMII, é o melhor alinhamento biomecânico, para assim promover a melhora funcional, acreditamos que o Quality FM seja o instrumento indicado para o uso neste período. 35 Como o paciente é visto em duas tomadas diferentes, cada atributo do item tem duas pontuações, e uma média destas duas pontuações é a pontuação final para cada item. Após a avaliação de todos os itens, cada atributo foi somado separadamente para se obter o escore final. Então o paciente tem um escore para cada atributo qualitativo. Resultados Os resultados obtidos no GMFM demonstram escores abaixo do esperado para os pacientes 3, 4 e 5. (Tabela 2). Tabela 2 - Resultados GMFM SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 5 • Setembro • Outubro de 2012 1 2 3 4 5 36 Dimensão Dimensão Áreas-meta D D( %) 100 79,48 46,15 43,58 38,46 E (%) 97,23 62,5 25 8,34 12,5 e E (%) 98,61 70,99 35,57 25,96 25,48 Os resultados no QFM estão apresentados na Tabela 3. O paciente 1 apresentou pior escore no atributo “transferência de peso”, o paciente 2 em “movimento dissociado” e o restante apresentou escore mais baixo no atributo “estabilidade”. Tabela 3: Resultados QFM 1 2 3 4 5 Discussão Os pacientes submetidos a cirurgias ortopédicas de MMII permanecem imobilizados imediatamente após a cirurgia. Já está descrito na literatura que o imobilismo imposto na fase pós-operatória inicial de MMII pode levar ao aumento da fadiga nas AVD’s, diminuindo sua capacidade funcional. Portanto, escores abaixo do esperado no GMFM podem ocorrer imediatamente após a cirurgia. Os pacientes 1 e 2, que obtiveram bons escores no GMFM apresentam quadros motores mais leves (nível motor I e II), e também é sabido que a fadiga imposta pelo imobilismo é maior em pacientes mais graves motoramente, levando a uma dificuldade de retorno as atividades funcionais que realizavam antes do procedimento cirúrgico. Com relação ao QFM, os resultados foram bem heterogêneos, demonstrando a individualidade de cada paciente. O paciente 1 apresentou escores altos em todos os atributos e o mais baixo em “transferência de peso”, a pontuação alta se justifica pelo nível motor que o paciente possui e o déficit em transferência de peso se justifica pela topografia da lesão, já que o paciente é PC hemiparético à esquerda nível motor I. O paciente 2 apresentou pior escore em movimento dissociado o que pode ser Alinhamento Coordenação Movimento Disso- (%) (%) ciado (%) 95 77,52 32,14 13,88 19,04 86 42,52 13,44 12,06 9,67 84 28,57 12,5 8,33 3,12 Estabilidade (%) 87,93 41,95 1,12 1,72 1,12 Transferência de peso (%) 66,67 52,17 14 10,86 7,34 Conclusão Após a análise dos dados obtidos, é possível observar, primeiramente, a importância da fisioterapia no pós-operatório de MMII na paralisia cerebral, já que, para três pacientes deste grupo, houve diminuição da quantidade de atividade motora grossa imediatamente após a cirurgia. Também foi possível observar que o QFM pode ser um instrumento importante para o período pós-operatório já que consegue chegar à real dificuldade do paciente, levando assim, a reabilitação focada na dificuldade do indivíduo, e assim, possivelmente, levando a melhores resultados. É necessário estudos posteriores, com um maior número de pacientes e em fases diferentes da reabilitação. Referências Bibliográficas 1. BIALIK, MG & GIVON, U. Cerebral Palsy: Classification and etiology. Acta Orthop Traumatol Turc, v.43, n.2, p.77- 80, 2009. 2. BOYCE WF et a.l The Gross Motor Performance Measure: validity and responsiveness of a measure of quality of movement (2006). Phys Ther 75, 603613. 1995. 3. CIRYLLO, LT & GALVÃO. Medida da Função Motora Grossa (GMFM-66 & GMFM-88): Manual do Usuário. Mennon. São Paulo, 2010. 4. FOWLER et al. Promotion of physical fitness and prevention of secondary conditions of chidren with cerebral palsy: section on pediatrics research summit proceedings. Physical Therapy,v.87, n.11, p.1495-1510, 2007. 5. P A L I S A N O , R J , C O P E L A N D , W P , & GALUPPI, BE. Performance of physical activities by adolescents with cerebral palsy. Physical Therapy, v.87, n.1, p.7787, 2007. 6. PALISANO, RJ et al. Development and reliability of a system to classify gross motor function in children with cerebral palsy. Dev Med Child Neurology, v.39, n.4, p.214-223, 1997. 7. PALISANO, RJ et al (2007). The definition and classification of cerebral palsy. Dev Med Child Neurology, v.49 (Suplemento), p.144-151. 8. TIEMAN, B., PALISANO, R. J., GRACELY, E. J., & ROSENBAUM, P. L. Variability in mobility of children with cerebral palsy. Pediatric Physical Therapy, v.19, n.3, p.180-187, 2007. SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 5 • Setembro • Outubro de 2012 justificado pela diparesia espástica que possui. Já os pacientes 3, 4 e 5 apresentaram piores escores em estabilidade, demonstrando a real necessidade do uso do aditamento para essas crianças. A partir dos resultados obtidos no QFM, foi possível traçar os objetivos específicos para cada paciente para o ganho do objetivo funcional comum de retorno à marcha após cirurgia ortopédica. Como exemplo, para o paciente 1 a terapia poderá ser baseada em treino de marcha sem aditamento, em diferentes terrenos e trabalho específico de transferência de peso à E com exercícios de apoio unipodal e saltos com MIE. Já para o paciente 5, será realizado o treino de marcha com aditamento, enfatizando melhora do alinhamento e tranferência de MMII, possivelmente com ganho de força e diminuição do receio em apoiar os mesmos; dissociação de MMII e coordenação, possivelmente com alívio de dor e melhora da amplitude de movimento. 37 art i g o do le i tor O processo de envelhecimento humano Maria Taís de Melo, Dr SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 5 • Setembro • Outubro de 2012 Introdução 38 A Geriatria teve seu surgimento antes da Gerontologia. No Brasil, o interesse na Geriatria iniciou-se em 1961, com a criação da Sociedade Brasileira de Geriatria, que posteriormente passou a ser designada Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG). Na década de 70, alguns serviços de saúde, geralmente ligados às universidades, começaram a oferecer atendimentos a idosos doentes. Já nos anos 80, esses serviços proliferaram e iniciaram um atendimento mais sistemático ao idoso, oferecendo também atividades voltadas à promoção da saúde e à prevenção das doenças. Atualmente, encontram-se pesquisas que apontam para o envelhecimento enquanto um processo fluido, cambiável e que pode ser acelerado, reduzido, parar por algum tempo e até mesmo reverter-se. Esses estudos, realizados nas três últimas décadas, têm comprovado que o envelhecer é muito mais dependente do próprio ser humano do que jamais se imaginou em épocas passadas. Um dos defensores desta teoria é Deepak Chopra (1999, p. 19), segundo o qual (...) Embora os sentidos lhe digam que você habita um corpo sólido no tempo e no espaço, esta é tão somente a camada mais superficial da realidade. Esta inteligência é dedicada a observar a mudança constante que tem lugar dentro de você. (...). Envelhecer é uma máscara para a perda desta inteligência. Esses estudos são pautados na física quântica, a qual diz que não há fim para a dança cósmica. Penso que, esta realidade trazida pela física quântica traz a possibilidade de, pela primeira vez, poder-se manipular a inteligência invisível que está como pano de fundo do mundo visível e alterar-se o conceito de envelhecimento. Por tudo isso, enquanto profissionais que atuam na área social, é urgente que passemos a discutir pré-requisitos básicos direcionados à melhoria da qualidade de vida do idoso, considerando sua multidimensionalidade e necessidades, entre as quais: alimentação e saneamento básico adequado, moradia segura, seguridade econômica, acesso aos serviços de saúde, cidadania e outras. 2.1 O processo de envelhecimento Todo organismo multicelular possui um tempo limitado de vida e sofre atualidade, levando em conta a dimensão individual e social. Defende-se o pressuposto de que o envelhecimento humano é um processo permeado por mudanças tísicas e psicológicas, mas também por circunstâncias sociais e experiências biográficas que dimensionam a forma de lidar e encarar os problemas, bem como a manutenção da própria saúde mental. 2.1.1 O processo de envelhecimento: aspectos fisiológicos O envelhecimento é causado por alterações moleculares e celulares, que resultam em perdas funcionais progressivas dos órgãos e do organismo como um todo. Esse declínio se torna perceptível ao final da fase reprodutiva, muito embora as perdas funcionais do organismo comecem a ocorrer muito antes. O sistema respiratório e o tecido muscular no envelhecimento humano começam a decair funcionalmente a partir dos 30 anos. O envelhecimento humano é uma extensão biológica dos processos fisiológicos do crescimento e desenvolvimento, começando com o nascimento e terminando com a morte. O envelhecimento humano ocorre com o implacável passar do tempo, mas poucas pessoas realmente morrem por causa da idade. A maioria das pessoas morre porque o corpo adoece pela perda da capacidade fisiológica de se recuperar de uma agressão decorrente de estresse, agentes patogênicos (vírus, bactérias, fungos), agentes físicos (radiações eletromagnéticas), agentes químicos, etc. Existem muitas teorias para tentar explicar porque ocorre o envelhecimento SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 5 • Setembro • Outubro de 2012 mudanças fisiológicas com o passar do tempo. A vida de um organismo multicelular costuma ser dividida em três fases: a fase de crescimento e desenvolvimento, a fase reprodutiva, e a senescência ou envelhecimento. Durante a primeira fase, ocorre o desenvolvimento e crescimento dos órgãos especializados, o organismo cresce e adquire habilidades funcionais que o tornam apto a se reproduzir. A fase seguinte é caracterizada pela capacidade de reprodução do indivíduo, que garante a sobrevivência, perpetuação e evolução da própria espécie. A terceira fase, a senescência, é caracterizada pelo declínio da capacidade funcional do organismo. A representação social da velhice é um tema frequente dos pesquisadores, proporcionando a compreensão do peso do envelhecimento para o sujeito e a sua conseqüente inserção social em um grupo de referência. As representações são, no geral, ambivalentes, contendo visões positivas e negativas que expressam as contradições da sociedade que, simultaneamente, deprecia e enaltece a velhice. De um lado, as concepções positivas revelam-se na experiência de estar na “melhor idade” como uma nova e revolucionária etapa do desenvolvimento, onde ainda é possível a plena realização pessoal, integrando-se de forma produtiva à sociedade. De outro lado, o “ser velho” também tem uma conotação negativa, relacionada com o declínio das capacidades e funções, evidenciando as modificações relacionadas às perdas e à visão desabonadora do idoso incapaz e solitário. Esse trabalho discute os conflitos e ansiedades dos idosos na 39 e a morte. Todas elas focalizam o que ocorre nas células do corpo com o passar do tempo. As mudanças que ocorrem no envelhecimento humano alteram a capacidade da célula para funcionar. Quando um número suficiente de células é alterado, acontece o envelhecimento. SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 5 • Setembro • Outubro de 2012 Influência dos fatores externos no envelhecimento humano 40 Com relação aos fatores externos, os mais conhecidos por agredirem o organismo e acelerarem o processo de envelhecimento são: fatores ambientais (poluição, condições climáticas, radiação solar e outras), uso abusivo de medicamentos e drogas (álcool, fumo e outros). É importante lembrar que menos importante do que tudo isto é entendermos que independente da causa, o envelhecimento não está vinculado unicamente à quantidade de anos que o sujeito viveu, mas também à perda de suas funções orgânicas. Precisamos estar alertas ao fato de que a maior parte destas alterações está estreitamente relacionada ao modo (forma) como este tempo foi vivido. 2.1.2 Bases biológicas do envelhecimento Segundo Hoffmann (2009), o tempo máximo de vida é a idade mais elevada já atingida em uma dada espécie. Em humanos, o tempo máximo de vida já registrado até hoje é de 122 anos. Observe os dados a seguir. Tempo máximo de vida das espécies (em anos) • Homem (Homo sapiens) 122 • • • • • Cavalo (Equus caballus) 62 Gorila (Gorilla gorilla) 39 Cão (Canis familiaris) 34 Gato (Felis catus) 28 Camundongo (Mus musculus) 3,5 Segundo a autora (2009), o conhecimento molecular das alterações funcionais que ocorrem com o avanço da idade é fundamental para que se possa compreender o processo do envelhecimento e definir intervenções estratégicas para aumentar a expectativa de vida e viver a fase da senescência com qualidade. A ciência que estuda o envelhecimento, sob seus múltiplos aspectos, é chamada gerontologia (geron = velho). 2.2 A expectativa de vida humana A expectativa de vida humana vem se alterando rapidamente, principalmente em decorrência dos avanços da medicina. Com o advento da descoberta dos antibióticos e outros avanços das ciências da saúde, os países desenvolvidos conseguiram retardar o processo do envelhecimento e aumentar a expectativa média de vida humana ao nascer, no século passado. Entretanto, segundo Hoffmann (2009), mesmo com todas as melhorias das condições de vida conquistadas, a expectativa média de vida ao nascer não deverá passar de 90 anos no futuro. A questão que se coloca hoje para a pesquisa biomédica não é meramente conseguir adiar o envelhecimento e aumentar o tempo de vida humana, mas, sim, prolongar a duração da vida com qualidade. No Brasil, este quadro se apresenta em meio a um processo evolutivo caracterizado por uma progressiva queda da 2.2.1 Relógio biológico e envelhecimento As pesquisas recentes sobre as funções da glândula pineal e de seu principal produto, o hormônio melatonina, despertaram um grande interesse público nesta última década, a partir da descoberta do papel da melatonina na regulação do sono e do ritmo biológico em humanos. A produção de melatonina pela glândula pineal é cíclica, obedecendo um ritmo diário de luz e escuridão, chamado ritmo circadiano. Nos seres humanos, a produção de melatonina se dá durante a noite, com quantidades máximas entre 2 e 3 horas da manhã, e mínimas ao amanhecer do dia. A glândula pineal fica localizada no centro do cérebro, sendo conectada com os olhos através de nervos. Estes transmitem o sinal dos olhos para a glândula pineal, determinando a hora de iniciar e parar a síntese da melatonina. Além da regulação do sono, a melatonina controla o ritmo de vários outros processos fisiológicos durante a noite: a digestão torna-se mais lenta, a temperatura corporal cai, o ritmo cardíaco e a pressão sanguínea diminuem e o sistema imunológico é estimulado. Costuma-se dizer, por isso, que a melatonina é a molécula chave que controla o relógio biológico dos animais e humanos. A quantidade de melatonina produzida pelo organismo decresce com o passar do tempo, depois da puberdade, chegando a concentrações sanguíneas irrisórias nos idosos. Essa constatação levantou a suspeita de que a perda gradual de melatonina poderia precipitar o processo do envelhecimento. Estudos sobre os efeitos da melatonina em humanos estão em franco progresso, e mostram resultados promissores no tratamento de distúrbios do sono, de cardiopatias, hipertensão, câncer e outros males que afetam os idosos. Entretanto, há muito a se investigar ainda sobre os riscos de sua utilização por humanos a longo prazo. Hoffman (2009) alerta que a suplementação de melatonina para pessoas que apresentam distúrbios de sono, como os idosos, em particular para portadores da doença de Alzheimer ou de depressão sazonal, ou para pessoas expostas às mudanças rotineiras de fuso horário, deve SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 5 • Setembro • Outubro de 2012 mortalidade em todas as faixas etárias, e um consequente aumento da expectativa de vida da população. A expectativa média de vida da população ao nascer é de 69 anos para os homens e 72 para as mulheres. A análise do crescimento populacional de diferentes faixas etárias mostra que o grupo de idosos, com 60 anos ou mais, é o que mais está crescendo no país. De 1980 a 2000, o grupo de pessoas idosas cresceu 107%. Maria Helena Hoffmann (2009) alerta para o fato de que é grande o desafio, para os governantes, neste início de século, em relação à promoção de políticas públicas voltadas aos idosos. É preciso investir na promoção da saúde pública, para se lograr prevenir a morte prematura e aumentar a expectativa média de vida da população, para os patamares dos países desenvolvidos. Torna-se também imperativo investir na implementação de políticas públicas para propiciar condições de vida saudável e de qualidade para a população de idosos que cresce progressivamente (HOFFMANN, 2009). 41 SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 5 • Setembro • Outubro de 2012 ser feita com muito critério e somente sob supervisão médica. Considerações Finais O envelhecimento humano é um processo complexo, pois situa-se na interface entre ciências biológicas, sociais e humanas. Este tema estimula pesquisas e impulsiona a revisão de conceitos e teorias, no sentido de acompanhar o contexto psicossocial e tecnológico, trazendo implicações que revertam na melhoria das condições de vida dos sujeitos. As interações de aspectos biológicos, sociais, culturais e psicológicos, mediadas pela própria subjetividade do sujeito, é que qualificam o processo de envelhecimento, levando em conta as condições genéticas e do ambiente natural e social, que estabelecem ritmos diferentes de sujeito para sujeito. 42 Referências 1. CHOPRA, D. Corpo sem idade, mente sem fronteira. A alternativa quântica para o envelhecimento. Rio de Janeiro: Rocco, 1999. 2. HOFFMANN, Maria Helena. O processo de envelhecimento. Comciência, 2009. Disponível em: <http://www.comciencia. br/reportagens/envelhecimento/env10. htm.06/08/2009>. Acesso em: 20 set. 2009. art i g o do le i tor Meu Deus! Meu filho não para nunca! Hoje, principalmente nas escolas de nosso país, está cada vez mais comum em atendimento a pais e responsáveis recebermos diagnósticos de crianças portadoras de TDAH. Tal realidade tem sido recorrente, principalmente nos últimos 5 anos. A Escola tem contribuído para ajudar os profissionais especializados no diagnóstico e no acompanhando terapêutico. O Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH) é um transtorno neurobiológico, de causas genéticas, que aparece na infância e frequentemente acompanha o indivíduo por toda a sua vida. O portador de TDAH (CID – 10 F90) apresenta sintomas de desatenção, com pouco poder de concentração e, consequentemente, déficit na retenção da aprendizagem. É inquieto e impulsivo, o que naturalmente impacta nas suas relações interpessoais. Por isso mesmo, a escola é o ambiente onde os sintomas são mais bem percebidos. Na relação com os colegas e cumprimento de regras é que o portador dessa síndrome apresenta mais dificuldades. Não é possível a uma pessoa inquieta e hiperativa passar muito tempo concentrada e sem infringir regras. O TDAH é reconhecido pela OMS (Organização Mundial da Saúde) e, nos EUA, os portadores dessa síndrome são aparados por lei, no que tange ao direito de receberem um tratamento diferenciado nas escolas. Aqui, no Brasil, quando se fala em uma educação inclusiva, aceita-se a tese de que crianças diagnosticadas e em tratamento devem também ter uma atenção diferenciada por parte das escolas no quesito avaliação. Os psicopedagogos e o SOE (Serviço de Orientação Educacional) acompanham os pacientes e orientam os professores, quanto aos procedimentos pedagógicos. E como há um consenso internacional publicado pelos médicos e psicólogos renomados, desfaz-se a ideia de que o TDAH não existe, que é invenção da indústria farmacêutica. Comum em crianças e adolescentes, o TDAH ocorre em 3% a 5% das crianças, em várias regiões diferentes do mundo. Em mais da metade dos casos, o transtorno acompanha o indivíduo na vida adulta. Tal situação ajuda a entender muitos casos de pessoas que não conseguem se ajustar no trabalho, no relacionamento amoroso e no planejamento de metas a serem alcançadas na vida. Geralmente adultos com TDAH são muito esquecidos, são inquietos, vivem SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 5 • Setembro • Outubro de 2012 José Romero Nobre de Carvalho 43 SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 5 • Setembro • Outubro de 2012 44 mudando de uma coisa para a outra e também são impulsivos, colocando sempre “os carros à frente dos bois”. São frequentemente considerados egoístas, podendo ter outros problemas associados como consumo de drogas, ansiedade e depressão. Estudos científicos mostram que portadores de TDAH têm alterações na região frontal e as duas conexões com o resto do cérebro. É exatamente a região frontal orbital a que é responsável pela inibição do comportamento, pela capacidade de concentração, memória, autocontrole, organização e planejamento. Segundo cientistas, o que parece estar comprometido aí é o funcionamento de um sistema de substâncias químicas chamadas neurotransmissoras que passam informação entre as células nervosas. Além desse lado negativo já apontado, há um outro que surpreende por se revelar como extremamente positivo: o portador de TDAH tem muitos talentos criativos, demonstra ter pensamento original, tende a adotar uma forma diferente de encarar o mundo, apresenta resiliência e persistência. Além disso, pessoas com TDAH são geralmente muito afetivas e de comportamento generoso, e apresentam muita intuição e inteligência acima da média. Se seu filho lhe parece muito inquieto, é hora de buscar uma avaliação com profissionais qualificados. O diagnóstico de TDAH é fundamentalmente clínico, e o tratamento baseia-se em medicação como o cloridrato de metilfenidato (Ritalina® ou Concerta®, em sua versão mercadológica), que é a mais utilizada. Quanto à família e à escola, um bom relacionamento com o médico certamente cria o tripé necessário para o resultado positivo do tratamento e a boa adaptação do paciente. Referências 1. Luis Augusto Rohde (e outros). Transtorno de déficit de atenção / hiperatividade na infância e na adolescência – considerações clínicas e terapêuticas. Ver. Psiq. Clin, 2004. 2. Silva, Ana Beatriz Barbosa. Mentes inquietas – TDAH: desatenção, hiperatividade e impulsividade. Ed. Fontanar. RJ, 2009. art i g o do nepac C O programa de inclusão de pessoas com deficiência nasempresas – o fortalecimento no processo de fidelização do colaborador Por estar à frente de um programa de inclusão de pessoas com deficiência no mercado de trabalho e por perceber que muitas dúvidas ainda existem sobre o tema, considero importante a discussão sobre esse assunto. Ultimamente ouve-se com frequência a expressão “adequação a lei de cotas” como uma obrigação das empresas em contratar pessoas com deficiência para constituírem seu quadro de funcionários. Mas antes de pensar em adequar a empresa de acordo com a lei de cotas 8213/91 é importante pensar na razão dessa lei. O que se espera efetivamente ao seu cumprimento? A LEI Nº 8.213, DE 24 DE JULHO DE 1991 “lei de contratação de Deficientes nas Empresas. Lei 8213/91, lei de cotas para Deficientes e Pessoas com Deficiência dispõe sobre os Planos de Benefícios da Previdência e dá outras providências a contratação de portadores de necessidades especiais”. Entendo que a criação dessa lei trata-se de um estímulo para uma mudança cultural e comportamental. Apesar de ser assegurado pela constituição federal de 1988, Art. 5º: Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, reconheço na prática profissional como responsável pelo programa de inclusão e integração de pessoas com deficiência no mercado de trabalho da empresa Nepacc e no contato direto com esses profissionais que isso não acontece. Pessoas com deficiências tiveram, ao longo da história, seus direitos desrespeitados, uma vez que a inclusão na sociedade ainda é precária. Por muito tempo, essas pessoas ficaram à margem da sociedade, sem acesso a educação, profissionalização, sem garantias do direito de ir e vir. E vivendo assim, fatalmente foram banidos da atuação profissional, fonte de renda que poderia permitir uma melhora em suas condições de vida e autonomia da mesma, sem que fosse necessário um olhar assistencialista e uma vida em situação de vulnerabilidade. Toda legislação que vem fazer cum- SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 4 • Julho • Agosto de 2012 Janaina Foleis Fernandes * 45 SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 5 • Setembro • OUtubro de 2012 46 prir um direito já previsto pela constituição federal, me parece tentar corrigir um engano que provocou uma situação de desigualdade social, sendo assim, a lei de cotas também cumpre esse papel, garantir que pessoas com deficiência tenham a oportunidade de serem inseridas no mercado de trabalho, profissionalizando-se, recebendo uma renda que será capaz de inseri-los na sociedade como um todo. Pelo fato dessas contratações acontecerem por força da lei, parece que desqualifica o profissional contratado e pode dar margens a um pensamento equivocado de favor ou de caridade e isso certamente pode comprometer o desempenho profissional deste, bem como dificultar as relações interpessoais no ambiente de trabalho e consequentemente prejudicar o processo de fidelização do colaborador com deficiência a essa empresa, aumentando neste caso o turnover. Muitas fantasias relacionadas às dificuldades e comportamentos diferenciados no trato com esses colaboradores, são criadas nas relações profissionais tanto entre os colegas de trabalho como com a equipe de gestores responsáveis pelo desenvolvimento profissional de todos os funcionários de sua equipe, incluindo os colaboradores com deficiência. Pessoas com deficiências podem exercer qualquer atividade profissional, considerando apenas as limitações da deficiência que não são maiores que a força das limitações de acessibilidade. Sendo oferecido um espaço e recursos adequados, além de estimulação e valorização, podem contribuir e contribuem de forma positiva e construtiva na atuação profissional. É importante, contudo, compreender as dificuldades encontradas pela empresa para garantir que essa inclusão seja favorável ao negócio e as relações de trabalho. É nesse ponto que entendo que a lei de cotas serve para favorecer uma mudança cultural, pois a empresa, que até então não se deparava com essa diversidade deverá agora se adequar, modificar, para incluir. O primeiro passo é de compreender quem são as pessoas com deficiência, o que são deficiências, pois a maior barreira nesse processo é o preconceito advindo da falta de informação sobre o assunto. Toda a empresa que deseja cumprir a lei de cotas deve, antes de tudo buscar informações a respeito desse tema. Entender por exemplo, que a dificuldade de encontrar pessoas com deficiência devidamente qualificadas para exercício profissional se deve a uma cultura social que não permitiu o acesso delas a essa formação e que, portanto, não é garantia de incompetência, mas simplesmente falta de oportunidade e a empresa então, que se prepara para receber esses profissionais deve entender que seu papel de inclusão vai além da contratação, mas também em oferecer oportunidades de desenvolvimento profissional. O segundo passo é sensibilizar toda a equipe para receber esses profissionais, configurando-se como um estágio fundamental para a inclusão. Essa sensibilização pode acontecer através de palestras ou grupos de apoio coordenados por profissionais ou empresas qualificadas e com conhecimento do tema para auxiliar e esclarecer todas as dúvidas e incertezas sobre essa questão. Uma empresa que consegue estruturar não apenas a A empresa Nepacc Serviços de Psicologia e Psicopedagogia Ltda. vem desenvolvendo esse serviço desde 2010, a favor do desenvolvimento de uma cultura inclusiva tanto organizacional como social. Entendemos que estar próximo das empresas nesse momento é fundamental para garantir a integração desses profissionais e aprimorar a atuação de todos os colaboradores e gestores a favor de uma cultura inclusiva. Referências bibliográficas A inclusão de pessoas com deficiência no mercado de trabalho. - 2 ed. – Brasília: MTE, SIT, 2007. BRASIL. Constituição (1988). Constituição [da] Republica Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal. BRASIL. LEI Nº 8.213, DE 24 DE JULHO DE 1991, lei de contratação de Deficientes nas Empresas [on line]. Brasília, DF: Senado Federal. Disponível em: http://www.deficienteonline.com.br/ lei-8213-91-lei-decotas- para-deficientes-e-pessoas-com-deficiencia___77.html. Acesso em: 13 maio 2012. Autora: * Janaina Foleis Fernandes, Psicóloga, CRP 06/83693 é sócia proprietária da NEPACC Serviços de Psicologia e Psicopedagogia Ltda., que está no mercado desde 2008 e tem como missão a inclusão social. Atua no mercado oferecendo consultoria organizacional com foco no desenvolvimento humano. Contatos: [email protected] / [email protected] Site: www.nepacc.com.br/organizacional Telefones: (11) 3807-6656 ou (11) 3467-1649 SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 4 • Julho • Agosto de 2012 adequação do espaço físico e ofertas de recursos de acessibilidade, mas também preparar seus colaboradores certamente apresentará menor dificuldade nesse processo, garantindo assim a inclusão e integração de pessoas com deficiência nas relações profissionais de forma ampla e diminuindo o turnover, e consequentemente gastos com processos de contratação e desligamento, característicos de quando ocorre apenas a contratação sem nenhum cuidado ou manejo adequado. Devido à “adequação a lei de cotas”, não faltam oportunidades de emprego a esses profissionais, o que de certa forma contribui para a alta rotatividade considerando a falta de fidelização desse colaborador com a companhia como um todo. A empresa inclusiva deve oferecer aos seus colaboradores com deficiência, não apenas vagas, mas oportunidades de crescimento, plano de carreira e desenvolvimento profissional. O programa de inclusão tem como objetivo o desenvolvimento desse novo conceito na cultura organizacional, aprimorando habilidades sociais e interpessoais por parte de todos os envolvidos no processo de inclusão, sejam eles com ou sem deficiência. 47 reporta g em I n s t i t u t o d e Tr a t a m e n t o d o C â n c e r I n f a n t i l do Instituto da Criança Atendimento humanizado é destaque no ITACI Por Leandra Migotto Certeza SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 5 • Setembro • Outubro de 2012 O atendimento de crianças com doenças complexas, como o câncer, exige muito mais do que conhecimento acadêmico e recursos tecnológicos. São pacientes fragilizados e familiares que também sofrem os desgastes dessa situação. Para dar todo o apoio necessário nesse momento delicado, o ICr – Instituto da Criança, pauta todas as suas ações no conceito da humanização, entendendo a criança como um ser integral, que precisa de atendimento médico e, ao mesmo tempo, apoio emocional, afeto e solidariedade. 48 Essa visão holística do paciente motiva também um trabalho multidisciplinar, com o envolvimento de profissionais das diversas áreas e especialidades empenhados no objetivo comum de restabelecer a saúde da criança atendida. O conceito de humanização também inspirou a arquitetura do ICr. Seus prédios e espaços internos foram projetados com áreas amplas e iluminadas; e ambientes coloridos e de adequada visualização, para que as crianças se sintam acolhidas e familiarizadas dentro de todas as unidades. “A visão que o câncer infantil provoca em todos que sobre ele refletem é plena de sentimentos díspares; para alguns, pode representar impotência diante do inexorável; para outros, significa um grande desafio cientifico, até inimaginável para um país com as características do nosso, explica Dr. Vicente Odoni Filho, Coordenador Clínico do ITACI. tadoras de doenças onco-hematológicas, provenientes do SUS ou do sistema de Saúde Suplementar. Só em 2011, foram realizadas: 16.033 consultas médicas; 21.566 atendimentos multiprofissionais (atendimentos SUS mais Convênios); 25 Transplantes de Medula Óssea, (sendo 13 autólogos e 12 alogênicos); e 4.467 Quimioterapias. Hoje, o ITACI funciona com sua capacidade total de leitos e atende a 3200 pacientes portadores de doenças Onco-Hematológicas. São cerca de 1500 consultas, 550 quimioterapias e 1200 atendimentos da equipe multiprofissional, todos os meses. A equipe multiprofissional do ITACI é formada por psicólogos, assistentes sociais, terapeutas ocupacionais, fisioterapeutas, nutricionistas, farmacêuticos, SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 5 • Setembro • Outubro de 2012 “Na verdade, estamos diante de uma condição em que a maioria dos que são afetados podem ser curados, mas ainda com substancial número de insucessos; tratamentos custosos e prolongados são a regra, em geral com extrema sofisticação. Aí vem aquela que talvez, a muitos, represente uma grande surpresa: nosso país domina plenamente todos os passos técnicos para que as melhores chances de êxito sejam alcançadas no tratamento do câncer infantil e contribui de modo expressivo para a aquisição de novos conhecimentos”, complementa Dr. Vicente Odoni Filho. Por isso, serviço de Onco-Hematologia do Instituto da Criança desempenha hoje importante papel dentro do ICr nas atividades assistenciais, de ensino e de pesquisa em Oncologia Pediátrica e Hematologia. Implantado na década de 70, desde 2002 esse Serviço ocupa um edifício específico, o ITACI, construído graças ao apoio da Fundação Criança e da Ação Solidária Contra o Câncer Infantil. Para oferecer um atendimento de excelência, o Serviço de Onco-Hematologia conta com uma equipe altamente especializada e dispõe dos mais odernos recursos tecnológicos para diagnóstico e tratamento. O ITACI iniciou suas atividades com a ativação de 12 consultórios médicos e 2 salas para procedimentos no ambulatório, além de 12 leitos de hospital/dia para quimioterapia. Em 2003, iniciou o atendimento na área de internação, abrindo 6 dos 17 leitos instalados. Desde 2009 possui 2 leitos para realização de Transplantes de Medula Óssea Alogênicos. As atividades de ensino, pesquisa e assistência são desenvolvidas para crianças e adolescentes de 0 a 19 anos, por- 49 enfermeiros e auxiliares de enfermagem; médicos especialistas; psicólogos; assistentes sociais; auxiliares de enfermagem; equipe administrativa; equipe de apoio e voluntários. O Hospital é dividido em 3 andares temáticos, com os elementos água (1º andar), terra (2º andar), e ar (3º andar), carinhosamente decorados de forma lúdica com o personagem Nino, o mascote do ITACI, ambientando toda a estrutura para acolher crianças e adolescentes, pais e familiares. Cirúrgico para pequenas cirurgias e 2 leitos de Recuperação pós Anestésica. Nesta obra também foram contemplados com ampla reforma: o Hospital Dia, com ampliação para 20 box de quimioterapia, bem como o Ambulatório, com 12 salas de atendimento. “O nosso maior desafio: estender a todos os nossos irmãos e irmãs, em todas as áreas de nosso país, as chances de usufruir desses grandes resultados. A missão de todos nós, de fazer com que as condições socioeconômicas não sejam um obstáculo impossível de ser transposto para alcançarmos o resultado desejado. Missão de fazer com que um ITACI esteja sempre ao alcance de uma criança que dele necessite”, conclui o Coordenador Clínico do ITACI. SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 5 • Setembro • Outubro de 2012 Principais atividades desenvolvidas 50 Após 3 anos de Reforma e Ampliação, com um investimento de R$10.200.000,00 pela SES e gestão da obra pela Fundação Faculdade de Medicina, serão inaugurados no 1º semestre de 2013: 7 leitos de UTI; 6 leitos de Semi Intensiva; 6 leitos destinados a Transplantes de Medula Alogênicos; 1 Centro Mascote do ITACI O ITACI desenvolve ao longo do ano uma série de projetos de humanização, voltados aos pacientes, pais, acompanhantes e funcionários. Para pacientes e familiares: Dia das Crianças e Festa de Também são desenvolvidas outras atividades para pacientes, pais e familiares, através de voluntários capacitados, como oficinas de vagonite, bijuteria, ponto cruz, fuxico, patchwork, dobraduras e origami; recreação com pintura de desenhos, recorte e colagem; jogos e brinquedos; passatempos, gibis e revistas; pintura artística em unhas e manicure; Sessão Pipoca: exibição de filmes acompanhada de pipoca e suco de frutas; e Hora do Lanche com educação nutricional e capacitação para elaboração de lanches. As atividades desenvolvidas por voluntários são essenciais para o entretenimento de pais e familiares que necessitam passar longos períodos no ITACI, enquanto os pacientes recebem o tratamento. Para ser voluntário, envie um e-mail para [email protected]. br colocando seu nome, idade, endereço, telefones, profissão ou ocupação e motivo pelo qual quer ser voluntário. SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 5 • Setembro • Outubro de 2012 Natal. Para profissionais, corpo clínico e administrativo: almoço de final de ano com sorteio de brindes Os principais projetos de Humanização são: • Capelania Evangélica Hospitalar: projeto de atendimento recreativo e espiritual • Doutores da Alegria: a arte do palhaço resgatando o lado saudável da criança • Grupo Harpia: projeto de recreação com pintura lúdica e escultura de bexigas • Padaria Artesanal: educação nutricional e capacitação para elaboração de pães • Projeto Biblioteca Viva em Hospitais: mediação de leitura • Projeto Carmim: educação artística • Projeto Pet Smile: terapia mediada por animais • Sessão Pipoca: exibição de filmes acompanhada de pipoca e suco de frutas • Hora do Lanche: educação nutricional e capacitação para elaboração de lanches • Instituto Presbiteriano Mackenzie: atividades com música e instrumentos musicais 51 SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 5 • Setembro • Outubro de 2012 52 *Leandra Migotto Certeza é jornalista e repórter especial da Revista Síndromes. Ela tem deficiência física (Osteogenesis Inperfecta), é assessora de imprensa da ABSW, e consultora em inclusão e mantém o blog “Caleidoscópio – Uma janela para refletir sobre a diversidade da vida” - http:// leandramigottocerteza.blogspot.com/. Conheçam os modelos de palestras, oficinas, cursos e treinamentos sobre diversidade, realizados em empresas, escolas, ONGs, centros culturais e grupos de pessoas no site: https://sites.google.com/site/leandramigotto/ revista multidisciplinar de desenvolvimento humano Síndromes Setembro • Outubro de 2012 • Ano 2 • Nº 5 Curso Autismo Módulo V Alessandra Freitas Carolina Rabello Padovani Cristina Maria Pozzi Francisco B. Assumpção Jr. Marina Lemos Melanie Mendoza Milena Rossetti 13 anos www.atlanticaeditora.com.br … cur s o A ut i s mo - m ó dulo V SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 5 • Setembro • Outubro de 2012 Abordagens terapêuticas para os transtornos do espectro autista Farmacoterapia 54 Não há cura conhecida para o autismo. O vasto conjunto de intervenções oferecidas como tratamento do autismo não evidenciam, em estudos controlados de longo prazo, alterações nos déficits centrais de comunicação social. Há consenso hoje de que intervenções educacionais precoces, orientadas de modo comportamental, junto com uma série de terapias reabilitadoras suplementares, são os tratamentos mais eficazes desenvolvidos até o momento. O manejo do autismo requer uma intervenção multidisciplinar. Essa abordagem prevê técnicas de mudanças de comportamento, programas educacionais ou de trabalho, terapias de linguagem / comunicação, sendo essencial o trabalho com psicólogos ou educadores bem treinados em análise comportamental funcional e em técnicas de mudança de comportamento. A intervenção farmacológica consiste em terapia auxiliar que pode minorar comportamentos específicos e, se bem sucedida, capacitar a criança a participar dos ambientes familiar a escolar e a beneficiar-se disso. A compreensão e o tratamento de crianças com autismo mudaram de forma dramática desde a descrição de Leo Kanner, em 1943, no entanto, ainda permanecem lacunas significativas sobre a fisiopatologia dos Transtornos do Espectro Autista (TEA) que limitam a possibilidade de desenvolver intervenções mais efetivas para a criança com autismo. A escolha da intervenção deve-se basear em evidências que documentam a prevalência da eficácia e dos benefícios em relação aos riscos potenciais. O melhor tipo de intervenção para os TEA tem como base os seguintes objetivos, que costumam ser tratados em conjunto: (1) auxiliar os indivíduos com o transtorno a adquirir habilidades funcionais e a concretizar seu potencial adequado; e (2) reduzir a rede de comportamentos mal adaptativos que podem interferir no funcionamento adaptativo. Este manejo prevê: • Intervenções comportamentais e educacionais (com a família, a criança / adolescente e a escola): • Estratégias para promover a aquisição de habilidades • Intervenções baseadas em estratégias do desenvolvimento Terapias ocupacional, da fala, da linguagem e da habilidade social. Farmacoterapia É importante salientar que, a abordagem farmacológica, não substitui de forma alguma a abordagem … • Oscilação do humor / instabilidade afetiva • Inadequação social Transtornos do sono A decisão de medicar ou não esses sintomas dependerá do impacto destes na vida da criança ou do adolescente. Para ser utilizada de forma racional, a terapia medicamentosa deverá contemplar algumas características: iniciar com a dose mínima eficaz, garantir o tempo adequado de tentativa de uso (2 a 8 semanas para neurolépticos, antiepilépticos, inibidores seletivos de recaptação de serotonina e noradrenalina), avaliar respostas típicas e monitorar efeitos colaterais, garantir o diagnóstico apropriado do transtorno e comorbidades, avaliar se foram escolhidos os alvos terapêuticos adequados, maximizar intervenções não farmacológicas, evitar a polifarmacoterapia, revisar periodicamente o regime. O uso de medicamentos em transtornos do desenvolvimento como o autismo é um grande desafio. O problema maior são os potenciais efeitos colaterais. É inapropriado prescrever medicamentos para controlar certos comportamentos difíceis, sem a exploração suficiente das causas subjacentes tratáveis ou de cursos não farmacológicos alternativos para o tratamento. As principais categorias medicamentosas utilizadas no tratamento dos sintomas-alvo dos TEA são: • NEUROLÉPTICOS / ANTIPSICÓTICOS Esse grupo de medicamentos sempre desempenhou um papel proeminente no tratamento de incapacidades do SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 5 • Setembro • Outubro de 2012 multidisciplinar, descrita em outros capítulos. Deve ser considerada como tratamento complementar não como panacéia ou curativa. Embora não sendo específica, a terapia farmacológica pode muito ser benéfica nos quadros do espectro autista. Essa indicação deve ser avaliada e prescrita pelo médico especialista e deve ser considerada quando o comportamento apresenta algum perigo evidente para a própria criança ou para outras pessoas ou, então, quando interfere de modo significativo na habilidade de aprender ou de socializar-se. Além dos déficits sociais e cognitivos específicos do transtorno, os problemas de comportamento são uma grande preocupação, já que representam as dificuldades que mais frequentemente interferem na integração de crianças autistas dentro da família e da escola, e de adolescentes e adultos na comunidade. Neste contexto, os medicamentos serão úteis no controle de alguns sintomas do TEA, chamados sintomas-alvo e de comorbidades como a Epilepsia. É preciso confirmar se há sintomas-alvo identificáveis e possivelmente, responsivos ao medicamento e se as outras intervenções comportamentais falharam. Os alvos comportamentais que podem requerer uma abordagem farmacológica são: • Agressividade / explosividade • Comportamentos auto agressivos • Desatenção • Hiperatividade / impulsividade • Estereotipias • Depressão • Ansiedade • Transtorno Obsessivo Compulsivo / perseverações 55 … SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 5 • Setembro • Outubro de 2012 56 desenvolvimento, em especial de comportamentos aberrantes como agressão, autoagressão, surtos explosivos, agitação, oscilação de humor e impulsividade / hiperatividade. Tanto os neurolépticos tradicionais quanto a nova geração de atípicos possuem como capacidades farmacológicas a modulação da atividade da dopamina, e essas mesmas propriedades são as responsáveis pelos efeitos colaterais indesejáveis. O haloperidol é o exemplo clássico da geração mais antiga de neurolépticos utilizados no autismo. Estudos clínicos sugerem que ele pode minorar sintomas como irritabilidade, hiperatividade, oscilação de humor, estereotipias e prejuízos no desempenho de tarefas cognitivas. Outros neurolépticos tradicionais como pimozida e tioridazina são registrados como úteis no controle e redução de estereotipias e comportamentos mal adaptativos. Os neurolépticos atípicos são um grupo de fármacos originalmente desenvolvidos para tratar psicose. O grupo inclui compostos que foram introduzidos no mercado nos últimos anos como alternativas mais seguras e mais bem toleradas do que os antipsicóticos “típicos” existentes. Os medicamentos nesse grupo incluem a clozapina, risperidona, olanzapina, quetiapina, ziprazidona e aripiprazol. Esses medicamentos são utilizados amplamente no autismo e outros transtornos invasivos do desenvolvimento, para tratar graves comportamentos mal adaptativos e substituíram em grande parte os antipsicóticos tradicionais (típicos), como o haloperidol e a clorpromazina. A risperidona é, dentre os neurolépticos atípicos, o fármaco melhor pesqui- sado para uso nos TEA. Estudos diversos registraram eficácia contra acessos de raiva, agressão, irritabilidade e comportamentos auto agressivos, com boa tolerância. Apesar dos benefícios documentados dos neurolépticos para crianças e adultos com TEA, ênfase deve ser dada no seu uso limitado pelos perfis desfavoráveis dos efeitos colaterais (movimentos involuntários, reações distônicas, discinesias, síndrome neuroléptica maligna, sedação, ganho de peso, alteração do perfil lipídico, indução de estado diabético, hepatotoxicidade, redução da densidade óssea, prolongamento do intervalo QT, indução de arritmias, entre outros). Para crianças que necessitam neurolépticos típicos/ atípicos, a decisão deve ser condicionada por indicações específicas, o objetivo deve ser o uso focado por curto período. A observação e o monitoramento estrito dos efeitos colaterais devem ser apropriados, com reavaliações periódicas e críticas da necessidade de prolongar o uso. • ANTIEPILÉPTICOS O papel das drogas antiepilépticas (DAEs) no tratamento de convulsões no TEA está bem estabelecido e costuma ser direto. A epilepsia, quando presente, deve ser tratada da mesma forma que quando aparece sem o TEA, porém, às vezes pode-se escolher a medicação visando melhorar outros sintomas ou realizar associações que ajudem em vários aspectos do quadro, para introduzir o mínimo possível de medicamentos. A epilepsia ocorre entre 10 e 40% dos indivíduos com TEA. Essa grande variabilidade na prevalência se deve às diferenças entre as populações estudadas e quanto às … rigoroso, lembrando sobre seus efeitos teratogênicos, hepatotóxicos, pancreatite, anemia, agranulocitose, erupções cutâneas, reação de Stevens-Johnson, tontura, dor ocular, visão turva, ataxia, alopecia, ganho ou perda de peso, distúrbios gastrintestinais. • SEROTONINÉRGICOS Evidências de síntese anormal de serotonina no cérebro de pacientes com TEA fornecem a base teórica para o uso dos inibidores de recaptação de serotonina (IRS) nesse quadro. Trabalhos sugerem que os IRSs, tanto os seletivos (fluoxetina, sertralina, paroxetina, fluvoxamina) quanto os não-seletivos (imipramina, clomipramina, desipramina) podem ser úteis no tratamento de comportamentos intrusivos, sobretudo os repetitivos, bem como, podem melhorar, inclusive aspectos do relacionamento social, possivelmente através de mecanismos ansiolíticos. Em geral, os IRSs são bem tolerados em crianças. A preocupação com efeitos adversos recorre sobre as alterações eletrocardiográficas (QT prolongado), taquicardia, sedação, transtornos do sono e mudanças comportamentais negativas, além de relatos de ideação suicida em adolescentes. • AGONISTA ALFA-2-ADRENÉRGICO A clonidina parece ser útil no tratamento de hiperatividade, impulsividade e comportamento agressivo, embora poucos estudos tenham sido feitos para confirmar esta impressão clínica. Seu uso deve ser cauteloso devido efeitos colaterais cardiovasculares indesejáveis. SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 5 • Setembro • Outubro de 2012 patologias associadas. Alguns estudos sugerem uma distribuição bimodal quanto ao risco de epilepsia em crianças com autismo: um pico de incidência no primeiro ano de vida e outro na adolescência, em torno dos 17-18 anos. Este segundo pico parece estar associado com a gravidade do déficit cognitivo. Para o controle de aspectos comportamentais em crianças com TEA que não apresentam convulsões clínicas, o papel das DAEs é controverso. Não está claro se as anormalidades identificáveis na linha de base do eletroencefalograma (EEG) podem prever a responsividade comportamental as DAEs. Além disso, pode ser difícil analisar se é através da supressão das convulsões clínicas ou da atividade subclínica das espículas que as DAEs afetam o comportamento. E para complicar um pouco mais, o melhor controle das convulsões ou a melhor supressão das espículas pode estar associada a psicose ou a piora dos comportamentos. Por outro lado, além dos efeitos antiepilépticos, as DAEs têm potenciais benefícios como estabilizadores do humor e, nesse aspecto, exercem um efeito positivo sobre certos comportamentos, independentemente de seus efeitos sobre as convulsões ou atividade epileptiforme. Acredita-se que este efeito sobre a regulação do humor esteja relacionado ao controle da excitação neuronal e à modulação da atividade neurotransmissora. O ácido valpróico e divalproato têm sido utilizados no controle de agitação, agressão, explosões de irritação e comportamentos repetitivos. Da mesma forma, o monitoramento sobre os efeitos colaterais aqui deve ser 57 … • BLOQUEADORES DOS RECEPTORES BETA-ADRENÉRGICOS O uso de beta bloqueadores, como o propranolol, responsáveis pela diminuição da neurotransmissão noradrenérgica, vem apresentando bons resultados na redução de auto e hetero agressividade em pacientes com TEA. SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 5 • Setembro • Outubro de 2012 • PSICOESTIMULANTES As medicações estimulantes (metilfenidato, d-anfetamina, e d,l-anfetamina) têm sua indicação bem estabelecida para o transtorno de déficit de atenção com hiperatividade (TDAH) em crianças com desenvolvimento normal. O metilfenidato é o psicoestimulante mais utilizado no Brasil. Os estudos são controversos em relação ao seu efeito nos pacientes com TEA. Alguns autores descrevem a possibilidade de seu uso em autistas de alto funcionamento. 58 • ANTAGONISTA OPIÓIDE A utilização clínica da naltrexona há vários anos, no tratamento da dependência aos opióides e, posteriormente, no alcoolismo, tem proporcionado reflexões interessantes sobre o papel dos opióides endógenos em alguns comportamentos compulsivos, especialmente na auto agressividade repetitiva e compulsiva. Porém os estudos com essa droga evidenciam resultados contraditórios nos TEAs. Alguns observaram melhora importante dos comportamentos auto e hetero agressivos, da hiperatividade e estereotipias, enquanto outros autores não observaram efeitos positivos com seu uso. • OUTROS MEDICAMENTOS Casos únicos têm sido relatados sobre o uso de carbonato de lítio no tratamento de agressão refratária em adultos com autismo. Outros tratamentos propostos incluem a administração de secretina, vitaminas B6 e B12 e dietas isentas de glúten ou caseína, porém sem comprovação consistente de efeitos positivos. Tem sido relatado que piridoxina (vitamina B6) e magnésio poderiam aumentar o nível de alerta e reduzir comportamentos automutilantes. Estima-se que um terço dos autistas recebe alguma droga psicotrópica ou alguma vitamina para o autismo propriamente dito ou para os transtornos comportamentais associados. Um número significativo de autistas tem problemas relacionados com o sono, mas há poucos estudos sobre distúrbios do sono em autismo e sua relação com os distúrbios comportamentais observados nos TEA ainda requer mais estudos. A utilização da melatonina pode ser uma boa indicação nesta situação. • CONSIDERAÇÔES Com frequência, crianças com TEAs manifestam comportamentos difíceis que interferem nas intervenções terapêuticas e educacionais e têm impacto sobre a vida da criança. Os determinantes do comportamento aberrante surgem de mecanismos de base biológica, aprendizado/condicionamento, confusões emocionais e habilidade cognitiva (Fig.1). Para decidir sobre a abordagem apropriada é importante definir o comportamento mal adaptativo de forma operacional, quantificar sua ocorrência, determinar o grau de prejuízo causado e analisar antecedentes identificáveis. Síndromes Novembro • Dezembro de 2012 • Ano 2 • Nº 6 revista multidisciplinar do desenvolvimento humano Diretoria Ismael Robles Junior [email protected] [email protected] Antonio Carlos Mello [email protected] Coordenador Editorial Dr. Francisco B. Assumpção Jr. Colaboraram com essa edição Alessandra Freitas Russo Carolina Rabello Padovani Cristina de Freitas Cirenza Evelyn Kuczynski Julianna Di Matteo Dr. Francisco Assumpção Junior Leandra Migotto Certeza Maria Sigride Thomé de Souza Simaia Sampaio Simone Nascimento Fagundes Zein Mohamed Sammour Administração e vendas Antonio Carlos Mello [email protected] Vendas Corporativas Antônio Octaviano [email protected] Marketing e Publicidade Rainner Penteado [email protected] Editor executivo Dr. Jean-Louis Peytavin [email protected] Editor assistente Guillermina Arias 2 3 10 [email protected] Atlântica Editora Praça Ramos de Azevedo, 206/1910 Centro 01037-010 São Paulo SP Atendimento (11) 3361 5595 [email protected] Envio de artigos para: [email protected] [email protected] www.atlanticaeditora.com.br Dr. Francisco Assumpção Junior artigo do mês Transtornos do Aprendizado Escolar Francisco Baptista Assumpção Júnior Evelyn Kuczynski Entrevista Dificuldades de aprendizagem Entrevistado: Antônio Eugênio Cunha Jornalista responsável: Leandra Migotto Certeza 18 24 30 34 desenvolvimento 40 46 artigo do leitor [email protected] Direção de arte Cristiana Ribas EDITORIAL 49 A Formação do Indivíduo Carolina Rabello Padovani reabilitação A Família e a Criança Deficiente Jemima Giron inclusão Casamento e Deficiência Mental Francisco B. Assumpção Jr. de mãe, pra mãe A importância de estimular quem tem dificuldades de aprendizagem Por Marisa Aparecida Gimenes da Cunha de Andrade* Edição de texto: Leandra Migotto Certeza** O importante é dar o primeiro passo Francelene Rodrigues Entrevistadora: Leandra Migotto Certeza reportagem CRIA - Centro de Referência da Infância e Adolescência desenvolve pesquisa e assistência em saúde mental Por Leandra Migotto Certeza Curso Autismo Módulo VI A revista Síndromes é uma publicação bimestral da Atlântica Editora ltda. em parceria com Editora Robles - Ismael Robles Jr. me (11) 4111 9460, com circulação em todo território nacional. Não é permitida a reprodução total ou parcial dos artigos, reportagens e anúncios publicados sem prévia autorização, sujeitando os infratores às penalidades legais. As opiniões emitidas em artigos assinados são de total responsabilidade de seus autores e não expressam, necessariamente, a opinião da revista Síndromes. Mandem artigos com no máximo 400-500 palavras, consistindo somente em uma opinião embasada em pequena bibliografia (3 ou 4 citações no máximo), podem estar na mesma página ou em páginas diferentes. Praça Ramos de Azevedo, 206 sl. 1910 - Centro - 01037-010 São Paulo - SP Atendimento (11) 3361-5595 - [email protected] - Assinaturas - E-mail: [email protected] editorial Dr. Francisco Assumpção Junior SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 6 • Novembro • Dezembro de 2012 Chegamos ao décimo número desta revista. Isto significa muito, uma vez que é uma publicação destinada a um público segmentado, e dedicada a uma parcela da população que vem sendo, sistematicamente, negligenciada e mal cuidada pelo poder público. A despeito dos discursos pomposos e “politicamente corretos” que pregam igualdade e direitos, a realidade com a qual convivemos cotidianamente é exatamente oposta predominando a carência, o descaso, a negligência e a omissão sempre mascaradas pelo hipócrita discurso da inexistência de diferenças. Ao contrário, pensamos que admitir as diferenças é o primeiro passo para que as aceitemos; pois um mundo de iguais é intolerante com o diferente. Assim, o primeiro passo é identificá-las (ou, se quisermos ser incorretos”, diagnosticá-las) para que, num segundo momento, possamos fornecer sistemas de cuidados e suportes adequados para que possam viver com maior dignidade e qualidade. 2 “Não basta somente acolher. Precisamos conhecer e cuidar.” O momento histórico no qual vivemos demanda mais do que simplesmente “ser afetivo”. Ele demanda afeto sim, porém ele demanda cuidados, proteção, siste- mas de suporte e tratamento em todos os níveis, médico, psicológico, social, familiar, funcional, pedagógico, enfim, todas as possibilidades que a modernidade (e pós modernidade inclusive) trouxeram ao mundo. Isso é muito mais do que falar aos professores que “com criatividade” os problemas serão resolvidos. Claro que a criatividade e a boa vontade são importantes mas é indispensável o conhecimento técnico. São indispensáveis os recursos materiais e, fundamental ainda são os modelos populacionais que devem permitir que esse conhecimento técnico seja usufruído e desfrutado por todos os que dele necessitam e não somente por aqueles que por possuírem melhores condições econômicas tem acesso a ele. Enfim, este décimo número representa uma vitória. Vitória sobre a negligência, sobre o obscurantismo, sobre as idéias reacionárias travestidas no ”politicamente correto”. Esperamos que o projeto continue e que outras vozes se levantem, de formas diferentes para que uma nova possibilidade seja viável. Boa leitura! Francisco B. Assumpção Jr. Francisco B. Assumpção Jr. artigo do m ê s Transtornos do Aprendizado Escolar “Física e mentalmente, cada um de nós é único. Qualquer cultura que, no interesse da eficiência ou em nome de qualquer dogma político ou religioso, procura estandartizar o indivíduo humano, comete um ultraje contra a natureza biológica do homem.”I A alteração crítica e essencial do processo evolutivo humano que desencadeou sua revolução “copérnica” (pelo deslocamento de sua posição e valência dentro da hierarquia gravitacional da esfera etológica) foi o desenvolvimento de estruturas cerebrais que passaram a lhe permitir rapidamente processar todo tipo de informações, passando o Homem a ser capaz de resolver todo tipo de problema (independente de sua presença) manipulando símbolos mentalmente, de forma tal que a velocidade deste processamento passou a ser o principal fator implicado na sua eficácia adaptativa e de sobrevivência. No entanto, paga-se um alto preço por este salto. As características que lhe proporcionaram esta fantástica maleabilidade e (consequente) adaptabilidade geraram tamanha complexidade que, após o nascimento, durante muitos anos o filhote humano é obrigado a viver sob proteção, uma vez que grande é sua I Huxley A. Regresso ao admirável mundo novo. Belo Horizonte: Editora Itatiaia, 2000. dependência, bem como extrema a sua fragilidade. É maior a sua vulnerabilidade quanto mais jovem se apresenta. Entretanto, esse “animal” conseguiu se adaptar ao meio ambiente biológico e, como animal gregário e social, passa a se agrupar em bandos cada vez maiores. A adaptação, que inicialmente era biológica, passa cada vez mais a ser social. Considerando a seguir alguns aspectos básicos: • todas as espécies animais são mutáveis, o que caracteriza uma teoria básica da evolução; • todos os organismos descendem de um ancestral comum, definindo-se uma teoria de evolução ramificada; • a evolução é gradual, sem grandes saltos ou descontinuidades; • as espécies tendem a se multiplicar, origem daquilo que denominamos diversidade; • finalmente, os indivíduos de uma espécie estão sempre sujeitos à seleção natural. De acordo com estes aspectos (referentes a uma construção teórica evolucionista), temos de admitir que: as populações são tão fecundas que tendem a aumentar exponencialmente, na ausência de restrições. Entretanto, na maioria das espécies, essas restrições se encontram presentes, na forma SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 6 • Novembro • Dezembro de 2012 Francisco Baptista Assumpção Júnior Evelyn Kuczynski 3 de ausência ou diminuição do aporte de alimentos, aumento do número de predadores, ou de doenças. Temos que reconhecer que, na espécie humana, estes fatores limitantes foram, grosso modo, gradualmente minimizados; o tamanho de uma população, exceto por flutuações sazonais, tende a permanecer estável, ocasionando uma estabilidade a longo prazo. Com o controle dos fatores acima discriminados, a espécie humana tendeu a aumentar o número de seus elementos de forma intensa e, assim, considerando-se que os recursos disponíveis para uma espécie (e a espécie humana não é imune a esta máxima) são sempre limitados, podemos deduzir que SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 6 • Novembro • Dezembro de 2012 ...existe uma extrema competição na forma de luta pela sobrevivência, entre os membros de uma mesma espécie, mesmo que essa espécie tenha características tão marcantes como a humana... (apud DARWIN, 2004) 4 Assim, conclui-se que não existem dois indivíduos iguais em uma população! Chegamos a uma nova dedução, que podemos expressar dizendo que ...não existem dois indivíduos em uma mesma população que tenham as mesmas probabilidades de sobrevivência, o que caracteriza o próprio processo de seleção. (apud DARWIN, 2004) Qualquer comportamento que implique numa vantagem evolutiva é reforçado pela própria seleção de determinantes genéticos de tal comportamento, o me- lhor denominado “efeito Baldwin”. Certos indivíduos tem vantagens em virtude da presença de características distintas em relação a outros do mesmo sexo e espécie, refletidas no que diz respeito a reprodução (e ao consequente processo de seleção). Tais características dependem de vários fatores que (por analogia a outras espécies) estão relacionadas à conquista e manutenção de melhores territórios (leia-se com mais recursos alimentares), cuidado com a prole, interações com a família e a população, entre outros. Contudo, a espécie humana é sujeita a uma extrema vulnerabilidade, decorrente da imaturidade apresentada ao nascimento (e dada a sua intensa plasticidade). Para que possa alterar seu ambiente (e ser por ele alterado), o ser humano nasce incompleto e é deveras frágil. No que diz respeito ao comportamento pós-natal, o filhote humano só pode contar com as informações contidas em seu ácido desoxirribonucleico (ADN), informações estas bastante restritas, dada a sua especificidade, e que lhe proporcionam poucas possibilidades adaptativas. É só lembrar quanto tempo após nascerem os filhotes de outros mamíferos são considerados adultos e aptos a sobreviver sem proteção, a lutar por sua sobrevivência, a produzir prole (um cão ou um gato, a partir dos 12 meses de vida...). O que um filhote aprende em sua curta vida é limitado e só se transmite a prole naquelas espécies em que pais mantem contato prolongado com os filhotes, como usualmente se processa (ou se processava?...) na espécie humana. Essas informações seriam passadas transgeneracionalmente, de forma que Muitos são os conceitos de transtorno de aprendizagem que podem ser pinçados da literatura. Vamos nos ater aos que consideramos mais interessantes no processo de compreensão do fenômeno, apresentados abaixo, em ordem cronológica. “Dificuldade de aprendizagem refere-se a um retardamento, transtorno, ou desenvolvimento lento em um ou mais processos da fala, linguagem, leitura, escrita, aritmética ou outras áreas escolares, resultantes de um handicap (incapacidade) causado por uma possível disfunção cerebral e/ou alteração emocional ou de conduta.” (KIRK, 1963) “...manifestam discrepância educativa significativa entre seu potencial intelectual estimado e o nível de execução relacionado com os processos básicos de aprendizagem, que podem ou não vir acompanhados por disfunções demonstráveis do Sistema Nervoso Central e que não são secundárias a retardo mental, privação cultural ou educativa, alteração emocional ou perda sensorial.” (BATEMAN, 1965) “...aquela com habilidade mental, processos sensoriais e estabilidade emocional adequados, que apresenta déficits específicos nos processos perceptivos, integrativos ou expressivos os quais alteram a eficiência da aprendizagem. Isso inclui crianças com disfunção do Sistema Nervoso Central que se expressam primariamente com deficiência.” (SIEGEL; GOLD, 1982) “...centram-se em dificuldades nos processos implicados na linguagem e nos rendimentos acadêmicos independentemente da idade das SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 6 • Novembro • Dezembro de 2012 a herança genética se acrescenta tudo aquilo que se aprende na convivência com os pais. Em função do desenvolvimento da linguagem, essa transmissão de informações é sofisticada na espécie humana, estabelecendo a variabilidade cultural. Além disso, a transmissão de informações se processa através do tempo, de forma a somar o conhecimento, criticando-o e modificando-o. A medida que os grupos humanos se tornam mais complexos e sofisticados, a questão da transmissão de conhecimentos (formais e informais) passa a ser de fundamental importância no processo adaptativo, o que leva a que, atualmente, crianças e adolescentes passem grande parte de seu tempo em uma situação de aprendizado formal (que caracteriza o processo de escolarização). Entretanto, adaptada às exigências do ambiente, e considerando-se as características adaptativas que descrevemos acima (e que são aplicáveis a qualquer grupamento de indivíduos), a exigência do ensino formal vai colocar parte das crianças na situação frequentemente denominada “fracasso escolar”, uma vez que apresentam dificuldades para ler, escrever e/ou calcular, mesmo sem comprometimento de suas capacidades intelectuais e/ou sociais. Como a espécie humana apresenta, entre outras características, um padrão de conduta antisseletivo, a preocupação com estas dificuldades existe. Assim, quando essas dificuldades persistem (apesar do emprego de recursos didáticos e de um meio apoiador, o que nem sempre é garantido a estas crianças...), somos levados a diagnosticar um “Transtorno de Aprendizagem”. 5 pessoas e cuja causa seria uma disfunção cerebral ou uma alteração emocional ou de conduta.” (SILVER, 1988) “...grupo heterogêneo de transtornos que se manifestam por dificuldades significativas na aquisição e uso de escuta, fala, leitura, escrita, raciocínio ou habilidades matemáticas. São intrínsecos ao indivíduo, supondo-se à disfunção do Sistema Nervoso Central e podem ocorrer ao longo do ciclo vital.” (GARCIA, 1998) SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 6 • Novembro • Dezembro de 2012 “...funcionamento acadêmico substancialmente abaixo do esperado, tendo em vista a idade cronológica, medidas de inteligência e educação apropriadas à idade.” (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAÚDE, 1993) 6 Podemos observar que os conceitos foram evoluindo de forma ampla, embora relacionada, paulatina e marcadamente, a disfunções no aparato neurobiológico, avaliados comparativamente à faixa etária e às oportunidades educacionais, desvinculados de alterações ligadas especificamente aos conceitos de inteligência global. Entretanto, duas perspectivas de abordagem do fenômeno continuam a ter um grande peso. Uma criança com dificuldades na escola é uma criança desviante (ou doente), ou a estrutura escolar (inadequada à criança) seria a responsável pelas dificuldades apresentadas. Ambas as visões nos parecem lineares e reducionistas. Considerando os conceitos apresentados anteriormente, temos a ideia de que Transtorno de Aprendizado limita-se somente à questão das dificuldades da criança enquanto conjunto de déficits operacionais que dificultam o processo adaptativo, naquilo que se exige para um indivíduo no que se refere a sua sobrevivência em um ambiente complexo e sofisticado (como anteriormente descrito). Assim sendo, deveríamos observar, no processo referente à sua avaliação, um algoritmo como o que segue (Figura 1): Figura 1 - Rastreamento dos problemas escolares na infância. meio educacional adequado inadequado oportunidade educacional adequada inadequada programas compensatórios funcionamento sensorial adequado inadequado funcionamento cognitivo sistemas de suporte inadequado adequado sistemas funcionamento educacionais neuropsiquiátrico e de suporte neuropsicológico (educação especial?) Os eventuais problemas escolares são avaliados a partir da verificação da adequação (ou não) da instituição escolar à criança considerada e, a partir de então, estabelecem-se estratégias diagnósticas, sempre da mais simples a caminho da mais complexa. Somente a partir desse rastreamento é que se pode considerar a questão Transtorno de Aprendizado. Concomitantemente, há que ser lembrado de que todo o processo de sociedade a fez se desenvolver como outro aspecto da indústria de produção de bens, que se preocupa muito pouco com as especificidades de populações restritas, procurando simplesmente suprir uma demanda populacional e (principalmente) de consumo das populações envolvidas. Nossa escola frequentemente não respeita os ritmos próprios da criança, uma vez que sua preocupação é mais com a demanda social (na maior parte das vezes com a preocupação de uma aparência politicamente correta) e familiar (de pais que querem um filho “vencedor”, mais do que “educado”). Agrupando sempre um grande número de crianças por classe, despreocupa-se com a motivação e evolução do professor. Também os modelos de progressão escolar são (frequentemente) manipulados para que, estatisticamente, resultados mais alentadores sejam apresentados com objetivos políticos e ideológicos, posto que a escola se configura como um dos mais efetivos aparelhos ideológicos do Estado (parafraseando alguns autores clássicos, como Althusser). Assim, seus objetivos e a competência daqueles que nela ensinam são frequentemente desconsiderados, ou, simplesmente, “maquiados”. A terapêutica dos Transtornos de Aprendizagem é pouco influenciada pela utilização de drogas devendo, na maior parte das vezes, se implementar através de abordagens ambientais ou do treino de habilidades específicas. A estratégia de atendimento à criança é sempre representada por uma sequência, a partir da estruturação do diagnóstico: 1. Terapia farmacológica dirigida, com SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 6 • Novembro • Dezembro de 2012 aprendizado é extremamente complexo, sendo dependente da própria criança, que precisa apresentar a possibilidade de aprender. Assim, é essencial um exame cuidadoso de suas capacidades físicas, cognitivas, sensoriais e psíquicas, ou seja, todo o seu equipamento neuropsicológico. Sempre sem deixar de observar seu desejo de aprender, que possui uma origem individual, que se manifesta pelo próprio prazer em aprender e que tem uma base familiar, através de estímulo parental (no próprio hábito de leitura...), e uma base social, através da valorização social do conhecimento (dificultada em nosso meio, uma vez que hoje o dinheiro, enquanto meio mais marcante de reforço, não é necessariamente consequência do processo de conhecimento ou de aprendizado). Devemos ainda considerar que o processo de motivação evolui com a idade, passando de exterior à interior. Assim, o processo que numa criança menor vem dos pais que a estimulam (muitas vezes o motivo de estudo da criança), deve passar (no adolescente) a ser de moto próprio, dependente de um projeto existencial, e dos valores que irão caracterizar sua existência. Por outro lado, dinâmicas familiares que permitem o afastamento da criança da escola, bem como um nível cultural mais distante dos professores, assim como um padrão de trocas linguísticas ou uma motivação familiar com hipo- (descaso) ou hiperinvestimento (expectativa muito elevada), pode ser motivo de problemas escolares. A questão referente à nossa escola também é de suma importância, uma vez que o processo capitalista de nossa 7 SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 6 • Novembro • Dezembro de 2012 8 prescrição de droga específica, de forma clara e direta (utilizável em muito poucos casos em Psiquiatria Infantil); 2. Terapia farmacológica primária, associada a psicoterapia e/ou programas de reabilitação (o TDAH talvez possa ser considerado o principal transtorno passível de ser abordado dessa forma); 3. Psicoterapia e/ou programas de reabilitação primariamente associados à terapia farmacológica (os Transtornos Específicos são paradigmáticos desta proposta). Teríamos, para a sua abordagem, a necessidade de: • organização do ambiente escolar: de fundamental importância quando consideramos a tendência atual de inclusão de crianças com dificuldades em ambientes sem qualquer adaptação; • organização das atividades em classe, também de fundamental importância se consideramos que nossas escolas tem pequena organização, com professores habitualmente desmotivados e pouco preparados; • organização das atividades em casa, uma vez que a abordagem da discalculia (uma reeducação psicomotora centrada na organização do esquema corporal e na abordagem dos transtornos de aprendizado) prevê uma abordagem global, exigindo a participação da família de maneira intensa; • reeducação, representada por atividades específicas (num exemplo de discalculia, a diferenciação das gnosias digitais com posteriores movimentos de contagem, manipulação de seriações, agrupamento, correspondências ponto a ponto a partir de material concreto, que permitem gradualmente que se atinja as operações abstratas). Considerando que a medicação é acessória e utilizada somente em algumas situações muito específicas, não devemos nos esquecer de comunicar à família que (a curto prazo) os benefícios esperados e decorrentes do uso de drogas tendem a ser somente a melhoria do comportamento, com diminuição dos conflitos e da agressividade e a conseqüente melhoria nas respostas sociais e familiares, esperando-se, em decorrência, alguma melhoria no desempenho escolar ou extra-escolar, bem como da auto-estima. A longo prazo, deve-se esperar uma menor exposição a complicações posteriores, com a limitação dos riscos de “automedicação” (exposição precoce a uso de substâncias psicoativas ilícitas). As drogas que podem ser utilizadas não são destinadas a todas as crianças agitadas nem tem a finalidade de as transformarem em “estudiosas” ou “tranqüilas”, não se constituindo em um tratamento para dificuldades escolares ou para que ela se torne “o primeiro da classe” ou para que “aprendam a fazer as lições”. Espera-se, muitas vezes, por melhorias cognitivas referentes à manutenção da atenção (atenção seletiva e espaçotemporal), diminuição da impulsividade, aumento do tempo de reação e da memória de curto prazo, com a conseqüente melhoria da aprendizagem verbal e não-verbal. Por fim, é preciso lembrar que algumas dessas crianças, por suas dificuldades instrumentais, não aprendem com Francisco Baptista Assumpção Júnior Psiquiatra da Infância e Adolescência. Mestre e Doutor em Psicologia Clínica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Livre Docente em Psiquiatria pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP). Professor Associado do Departamento de Psicologia Clínica do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo, fundador e responsável pelo Laboratório Distúrbios do Desenvolvimento (PDD-IP-USP). manifestações podem ser agravadas por atitudes educativas inadaptadas, e que condições educativas habituais muitas vezes são inadequadas para uma criança assim. Concluindo, a abordagem dos transtornos da aprendizagem é multifatorial, complexa, demandando grande maleabilidade e compreensão por parte do avaliador. Evelyn Kuczynski Pediatra. Psiquiatra da Infância e Adolescência. Doutora em Psiquiatria pela FMUSP. Pesquisadora voluntária do PDD-IP-USP. SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 6 • Novembro • Dezembro de 2012 seus erros, apresentando uma atenção muito breve e memorização parcial das instruções, com uma conseqüente maior sensibilidade a recompensas imediatas. Paralelamente, tem controle falho nos comportamentos indesejáveis, sendo hiperemotivos, hipervisuais, hiperdistraídos e hiperssensoriais. Isso nos leva, entretanto, ao fato de que tais 9 e n trevi s ta Dificuldades de aprendizagem Entrevistado: Antônio Eugênio Cunha* Jornalista responsável: Leandra Migotto Certeza** SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 6 • Novembro • Dezembro de 2012 1. Explique como ocorrem as dificuldades de aprendizagem quando a capacidade do cérebro em receber e processar a informação pode ser um problema? 10 São inúmeros fatores que podem acarretar as dificuldades. No caso específico de sua pergunta a cognição ajusta-se a cada nova informação, gerando conhecimento. Não é um processo estável, mas ativo, como a aprendizagem, que requer um constante dinamismo nas funções cognitivas. Todavia, fatores emocionais, lesões e transtornos podem prejudicar esse processo. No caso, por exemplo, do autismo, há uma relação diferente entre o cérebro e os sentidos e as informações nem sempre geram conhecimento. Os objetos muitas vezes não exercem atração em razão da sua função, mas por causa do estímulo que promovem. Um lápis poderá se tornar apenas um objeto de contato sensorial, perdendo sua função social. Quais são as principais diferenças entre as dificuldades de aprendizagem: autismo, dislexia, afasia, disfunção cerebral mínima, disostografia, discalculia entre outras? • Autismo: compreende um conjunto de comportamentos agrupados numa tríade principal: comprometimentos na comunicação, dificuldades na interação social e atividades restrito-repetitivas. Trata-se de uma síndrome tão complexa que pode resultar em diagnósticos médicos abarcando quadros comportamentais diferentes. Isto porque o autismo pode variar em grau de intensidade e de incidência dos sintomas. Todavia, há algumas características mais comuns: dificuldades para manter contato visual, birras, não aceitar mudanças de rotina, hiperatividade física, apego e manuseio inapropriado de objetos, hipersensibilidade, dificuldades para simbolizar, ecolalias e estereotipias. • Dislexia: antes de qualquer definição, precisamos compreender que a dislexia abarca, também, um jeito diferente de aprender e de ser. A dislexia é um transtorno presente em aproximadamente 10% da população mundial. Às vezes, é confundida com déficit de atenção, problemas psicológicos, ou mesmo desinteresse. Caracteriza-se pela dificuldade do indivíduo em decodificar símbolos, ler, escrever, soletrar, compreender um texto, reconhecer fonemas, exercer tarefas relacionadas à coordenação motora; e pelo hábito de trocar, inverter, omitir ou acrescentar letras ou palavras ao escrever. • Afasia: afasia é um problema na função da linguagem, depois de adquirida de maneira normal. Traz alguns sintomas semelhantes aos da dislexia, porém, normalmente decorre de acidente vascular cerebral, acidentes com trauma- 2. Dificuldades de aprendizagem envolvem muitas áreas de percepção. Quais são elas? Quando falamos de aprendizagem, entendemos que se trata de um processo complexo que, a partir de ocorrências e mudanças no interior do indivíduo, manifesta-se exteriormente, expressando-se por meio de ações cognitivas, emocionais e comportamentais. Já as dificuldades de aprendizagem expressam um grupo heterogêneo de desordens que impedem a percepção, a compreensão e a aquisição de saberes. Essas percepções podem estar em áreas distintas, como a área motora, cognitiva, sensorial, espacial e afetiva. 3. Quais são as possíveis causas das dificuldades de aprendizagem? Podem ter, por exemplo, origem cognitiva, neurológica, motora, emocional, social ou em razão de uma deficiência ou transtorno no desenvolvimento do aluno. Mas o que se percebe na escola, na maioria das vezes, são dificuldades de origem emocional. Uma pessoa com dificuldades de aprendizagem não apresenta necessariamente baixo ou alto QI? Por quê? Não apresenta, porque as dificuldades não estão ligadas obrigatoriamente ao QI. Por exemplo, há muitos alunos com nítidas habilidades cognitivas, mas que têm problemas emocionais severos que impedem o pleno desenvolvimento escolar. Uma pessoa pode ter TDAH – Transtorno de Déficit de Atenção, mas não possuir dificuldades de aprendizagem, ou ter dificuldades de aprendizagem, mas não apresentar TDAH? Explique o motivo. SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 6 • Novembro • Dezembro de 2012 tismo, doenças infecciosas ou outros motivadores externos que possam afetar a linguagem. • Disfunção cerebral mínima: pessoas com disfunção cerebral mínima apresentam dificuldades de aprendizagem motivadas por problemas nas funções do sistema nervoso central. Podem se originar de diversos fatores, tais como: problemas genéticos, bioquímicos, no parto, doenças, acidentes ocorridos no início do desenvolvimento do sistema nervoso. A criança tem dificuldades para ler, para escrever, problemas na coordenação visório-motora e espacial. Às vezes, apresenta mudanças de humor, irritabilidade, dentre outros sintomas comportamentais. • Disortografia: diferentemente da disgrafia, não está ligada diretamente a dificuldades motoras e espaciais, mas sim ao atraso do pleno domínio da linguagem. Dessa forma, o aprendente confunde as letras, as sílabas ou efetua trocas ortográficas, o que ocasiona inversões, aglutinações, omissões e desordem na estruturação da frase em conteúdos já trabalhados pelo professor ou professora. • Discalculia: trata-se de um transtorno relacionado à identificação e classificação dos números e à realização de cálculos mentalmente e no papel. É uma dificuldade para compreender e aprender matemática que não está associada a dificuldades gerais da aprendizagem, pois é específica. Normalmente, os estudantes com discalculia não possuem compreensão intuitiva e não conseguem entender conceitos numéricos simples. 11 SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 6 • Novembro • Dezembro de 2012 12 O TDAH é uma dificuldade, porque traz alguns sintomas que interferem na aprendizagem, dentre os quais a hiperatividade e a desatenção, que dão nome ao transtorno. Evidentemente, que nem todas as dificuldades de aprendizagem trazem os sintomas mais marcantes do TDAH. Por exemplo, o aluno pode ter transtorno afetivo bipolar e não ser hiperativo. 5. Quando é necessário procurar um médico especialista para realizar um diagnóstico? 4. Quais as diferenças entre as dificuldades de aprendizagem e as necessidades educativas especiais? 6. Qual a importância das políticas públicas de inclusão de alunos na rede regular de ensino público e particular? Primeiramente, temos que entender o conceito que subjaz à expressão “necessidades educativas especiais”. Toda a dificuldade na escola que demande um atendimento diferenciado, especializado tona-se uma necessidade educativa especial. Assim, podemos colocar debaixo desse guarda-chuva, desde os alunos com deficiência e com transtorno global do desenvolvimento, ao aluno com problemas emocionais, com problemas familiares, com dificuldades na interação social. Por isso, deverá haver um olhar mais cuidoso, de maior atenção e, muitas vezes, haverá a necessidade de um especialista (psicopedagogo, por exemplo) para a superação das dificuldades. Esta ideia coloca todos nós dentro da perspectiva da educação inclusiva, pois todos nós temos dificuldades. Somos todos iguais e educar verdadeiramente é incluir de fato. Todavia, o mais comum é usar a expressão “necessidades educativas especiais” para os alunos da educação especial e “dificuldades de aprendizagem” para os demais alunos que não são da educação especial, mas que enfrentam problemas no seu processo de aprendizagem. As políticas visam atender ao crescente movimento em direção à organização dos espaços educativos para a inclusão escolar. São importantes e indispensáveis, pois fornecem a base para alicerçarmos nosso trabalho. Sabemos que há muitos progressos. Porém, as políticas não têm sido suficientes. É preciso transpô-las dos textos legais para as salas de aula. É preciso preparar melhor a escola. É preciso preparar melhor o professor; é preciso remunerar melhor o professor. É preciso dar apoio à família do aluno da educação especial. É preciso universalizar o ingresso e a permanência do aluno na escola. Bem, há muitas coisas que precisamos fazer ainda, por isso não perdemos a esperança. Todo educador deve ser um pouco utópico, pois ele nunca ficará parado, sempre caminhará em busca de um alvo. Decerto, mesmo que o alvo não seja alcançado completamente, o educador terá aberto muitos caminhos. As dificuldades de aprendizagem podem ser tratadas com uma variedade de métodos. Quais são eles? Não existe receita de bolo na educação. No entanto, há a possibilidade de uma formação, considerando a função social e Sempre que o aluno apresentar alguma mudança no comportamento que prejudique o desempenho escolar. Às vezes, basta apenas o apoio de um psicólogo ou psicopedagogo. 7. Qual a importância dos tratamentos psiquiátricos e psicológicos para quem tem dificuldades de aprendizagem? Conte os principais resultados dos trabalhos desenvolvidos pelo senhor. Cada dia fica mais evidente que a escola não educa sozinha. Há tempos já sabemos disso, porém, hoje isto se torna mais claro por causa dos avanços na ciência. Por exemplo, eu trabalho com crianças autistas, com síndrome de Down, hiperativas e outros transtornos e observo que o educando desenvolve melhor suas *Antônio Eugênio Cunha, 52 anos é Jornalista, professor professor do ensino superior e da educação básica, psicopedagogo, mestre e doutorando em educação. Autor dos livros “Afetividade na prática pedagógica”, “Afeto e aprendizagem” “Autismo e inclusão”, e “Práticas pedagógicas para inclusão e diversidade”, publicados pela WAK Editora. habilidades, seu potencial aprendente quando tem um suporte multidisciplinar, que envolve outros profissionais, tais como: terapeutas, nutricionistas, psicólogos, neuropediatras, dentre outros. Ademais, esse acompanhamento precisa ser estendido á família do aluno. Então, formar-se-ia uma tríade: a escola, a família e uma equipe de apoio multidisciplinar. 8. Qual a mensagem que o senhor deixa aos leitores da Revista Síndromes? Vou deixar uma citação do meu livro “Práticas pedagógicas para inclusão e diversidade”: “A educação não é uma questão institucional. É uma questão humana. Não aprendemos pelo rigor das regras, mas por uma condição biológica. Nascemos para aprender. Restringir esse direito é violar a coerência da natureza; é tentar cercear a inteligência humana”. *Leandra Migotto Certeza é jornalista e repórter especial da Revista Síndromes. Ela tem deficiência física (Osteogenesis Inperfecta), é assessora de imprensa voluntária da ABSW, consultora em inclusão e mantém o blog “Caleidoscópio – Uma janela para refletir sobre a diversidade da vida” - http://leandramigottocerteza.blogspot. com/. Conheçam os modelos de palestras, oficinas, cursos e treinamentos sobre diversidade, realizados em empresas, escolas, ONGs, centros culturais e grupos de pessoas no site: https://sites.google.com/site/leandramigotto/ SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 6 • Novembro • Dezembro de 2012 construtivista da escola. Para tanto, o ensino dos conteúdos escolares não precisa estar centrado nas funções formais e nos limites pré-estabelecidos pelo currículo escolar. A escola necessita aprender a lidar com a realidade do aprendente. Nessa relação, quem primeiro aprende é o professor e quem primeiro ensina é o aluno. É a partir do aluno, com base na formação do professor, que forjamos as práticas de ensino. 13 de s e n volvime n to A Formação do Indivíduo Carolina Rabello Padovani SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 6 • Novembro • Dezembro de 2012 Introdução 14 Como o indivíduo se forma ou como ele é formado? Quais fatores estão envolvidos? Certamente há um vasto campo constituído por distintas linhas de pensamento inclinadas a entender a formação do indivíduo. Variedade esta, cerne da própria complexidade humana, sobre a qual nenhuma teoria consegue efetivamente dar conta de todos os seus aspectos, matizes e nuances. Se pensamos, hoje, no desenvolvimento da criança ao adulto, em um percurso de relações e inter-relações, isso se deve a mudanças importantes do ponto de vista histórico. No bojo da psicologia do desenvolvimento, encontramos três grandes movimentos: 1. Maturacionismo: Ramo da ciência que entende o desenvolvimento como fruto da maturação biológica, cujos efeitos, ao longo do tempo, têm impacto no desenvolvimento psicológico. Exemplos dessa vertente podem ser encontrados na história de estruturação dos primeiros testes psicológicos, mais especificamente os testes de inteligência, que levaram ao estabelecimento de uma razão entre idade mental e idade cronológica como forma de compreender e dimensionar as dificuldades de aprendizagem. 2. Ambientalismo (Behaviorismo): Pers- pectiva dualista que surge como reação à produção maturacionista. Watson, um dos seus principais representantes (e a quem se refere a paternidade teórica), entende o desenvolvimento como sinônimo de aprendizagem, ou seja, a aprendizagem de comportamentos é que constitui o desenvolvimento. Sob essa perspectiva, o ambiente é importante para o desenvolvimento das capacidades e habilidades de um sujeito. 3. Interacionismo: Proposta herdeira do darwinismo, o interacionismo estabelece uma maneira não dicotômica de pensar o desenvolvimento. Piaget, principal expoente teórico, propõe que o desenvolvimento depende da interação de elementos biológicos e ambientais. Outros campos teóricos irão se filiar ao interacionismo e, em certa medida, a psicanálise tal qual proposta por Freud, pode ser encaixada dentro desta vertente. A superação dessa dicotomia indivíduo-ambiente que marcou os primeiros estudos da psicologia do desenvolvimento trouxe importantes contribuições à compreensão da formação da criança em adulto e, consequentemente, da formação do indivíduo. Passou-se a entender que “(...) cada idade se marca por uma maneira intelectual e afetiva de Genética/ Aspectos Biológicos Meio Ambiente Aspectos pessoais/ psicológicos Grosso modo, ao entender a criança como um ser que se desenvolve, amparada por um substrato genético, em um determinado meio ambiente e que tem participação ativa mediante seus aspectos pessoais, estamos dividindo a nossa compreensão, de maneira didática, entre três grandes áreas: biológica, ambiental e pessoal. Esta divisão (didática) tem sido utilizada na compreensão dos casos de desajustamentos. Os fenômenos patológicos, especialmente na área da Saúde Mental, passam, sobremaneira, por questionamentos acerca da etiologia das diferentes enfermidades, embora um diagnóstico não seja a busca pela causa. Tais questionamentos irão permear o dimensionamento das condutas terapêuticas, da estruturação do tratamento, da estimativa do prognóstico e da evolução do quadro. Assim, pensa-se em responder (ou tentar responder) questões como: por que este indivíduo está deprimido? Por que este tem autismo? Por que este tem um transtorno de adaptação? A própria delimitação do diagnóstico (e do diagnóstico diferencial e suas potenciais comorbidades) passa por importantes diferenciações: o paciente está assim ou é assim? Ele tem dificuldade por causa do meio ou suas dificuldades é que moldaram o meio? Ele reage dessa maneira porque ele quer ou porque não consegue agir de outra forma? Sim, são perguntas aparentemente simples, mas que guardam em si a complexidade dos comportamentos humanos e a tentativa de compreensão das razões pelas quais eles se desenvolvem e porque alguns não, porque uns se mantém e outros não. Obviamente, a própria estruturação dessas perguntas está calcada em determinados padrões de pensamento, conforme cada visão de homem e de mundo. O que temos, então, é um vasto panorama de teorias e de autores que lançam diferentes olhares e conjecturam variáveis compreensões acerca da formação do indivíduo. Impossível, pois, esgotar todas as formas de pensamento neste artigo. Optamos por apresentar algumas teorias utilizadas na área do desenvolvimento infantil e alguns de seus aspectos envolvidos. SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 6 • Novembro • Dezembro de 2012 reagir às coisas, há um desenrolar complexo e cheio de vicissitudes que leva às competências do adulto” (Ades, Bussab, 2012). Sob a perspectiva da Psicologia Evolutiva, entende-se que a criança será formada por um “equipamento” genético constitucional, sobre o qual o “investimento” ambiental inscreverá suas características, fazendo que ela cresça não somente mantendo um padrão de desenvolvimento característico da espécie, mas também com características singulares que a farão um ser único e irreprodutível (Ajuriaguerra, 1977 apud Assumpção Jr.). 15 SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 6 • Novembro • Dezembro de 2012 Evolução e comportamento social 16 As características dos organismos decorrem de sua história evolucionária. Com a teoria proposta por Darwin, passamos a pensar a noção de evolução a partir da ideia de indivíduos adaptados como aqueles cuja sobrevivência e sucesso reprodutivo seriam decorrentes de mecanismos seletivos. Assim, entendemos a influência da seleção natural sobre os seres mais adaptados a determinados ambientes. Pensando dessa maneira, há uma relação de via-dupla: o ambiente favorece um traço do organismo e um traço do organismo o adapta a determinado ambiente. No caso do homem, que tem a capacidade de alterar esse ambiente, a interação hábitat-organismo é ainda mais presente e indiscutível. O homem, enquanto ser social, vivendo em bandos, precisou construir sistemas de regras que lhe permitissem sobreviver como indivíduo, perpetuar a espécie e marcar, de maneira particular, seu próprio status diante do grupo (Assumpção Jr., 2008). A possibilidade de valer-se de habilidades mentais específicas, das quais depende seu comportamento social, permitiu-lhe o conhecimento social do outro (quem é amigo e quem não é) e a capacidade de inferir estados mentais dos outros indivíduos. Fatores Genéticos A própria maneira como o homem se reproduz permite novas possibilidades de recombinação de genes. Com a reprodução sexuada, seu genótipo será constituído pelas cargas genéticas provenientes de ambos os genitores e, a cada nova geração, outras e novas possibilidade de combinação estarão disponíveis. Tais combinações aumentam a probabilidade de ocorrência de novas mutações (em virtude da variabilidade e vulnerabilidade de nosso material genético) que implicam na diversificação de características genéticas e fenotípicas sobre as quais a seleção irá atuar. A epigênese, caminho do genótipo ao fenótipo, ou seja, a modulação da ação dos genes, é embasada pela hipótese de que determinados genes são “ligados” ou “desligados”, em geral por fatores ambientais (gatilhos). Essa modulação seria responsável pela expressão de diferentes fenótipos. “Entre o sistema genético e o comportamento, está o próprio desenvolvimento” (Ades, Bussab, 2012). Quando acompanhamos o desenvolvimento neurológico humano, podemos observar que nosso desenvolvimento neuropsicomotor reflete o desenvolvimento de nosso Sistema Nervoso (Gherpelli, Restiffe, 2012). Obviamente, não é nossa intenção discutir os pormenores da constituição genética humana, do processo de maturação neuronal ou organização morfofuncional do Sistema Nervoso. Por ora, apenas queremos apresentar a influência de fatores genéticos nos comportamentos humanos e atentar para o fato de que a predisposição genética é fator indiscutível para o aparecimento de determinadas condições. Inclusive, do ponto de vista clínico, vale a máxima: ninguém fica doente porque quer, mas porque pode. Isso, claro, graças ao seu material genético, suas interações com o meio e suas características pessoais. Apesar de não entrarmos com minúcia nas questões genéticas e neurológicas do desenvolvimento humano, pensar e falar sobre os fatores internos é relativamente fácil quando nos deparamos com a variabilidade de experiências vividas por um indivíduo desde sua concepção. Compreender ou descrever as formas pelas quais o ambiente influencia uma criança é uma das tarefas mais difíceis. O entendimento de que o trajeto do desenvolvimento passa por fatores da natureza do indivíduo (fatores que predispõem e fatores que dificultam o desempenho), mas que sempre atuam em função do contexto presente, ao longo do tempo, está presente em várias linhas teóricas. Assim, coloca-se ênfase na experiência e na aprendizagem. Para a psicologia comportamental, seja o condicionamento clássico de Pavlov ou o condicionamento operante de Skinner, há a associação entre estímulos e respostas. No caso do condicionamento clássico, repetidas apresentações a um estímulo, podem fazer o indivíduo associá-lo a uma resposta e emiti-la diante desse estímulo. Seu exemplo clássico: depois de repetidas vezes em que toca um sinal e o cachorro recebe a comida, ele passa a salivar quando ouve o sinal, mesmo sem receber a comida. Segundo o condicionamento operante de Skinner, as relações entre estímulo e resposta são alteradas ou mantidas em virtude da qualidade da interação: por sua consequência gratificante ou desagradável. Grosso modo, um comportamento pode ser mantido por sua consequência positiva (gratificação) ou pode ser evitado (ou extinto) por sua consequência negativa (punição). A psicologia do desenvolvimento, outra vertente teórica, irá entender o desenvolvimento cognitivo como uma série de mudanças que ocorrem na organização, lógica e pensamento da criança (Scheuer, Stivanin, Oliveira, 2012). Piaget, expoente dessa linha, observará, no desenvolvimento da criança, uma passagem de um ser extremamente dependente e heterônomo a um ser independente e autônomo, por meio de uma constituição gradual a partir de suas próprias potencialidades (o crescimento mental indissociável do crescimento físico) e características, bem como das influências ambientais a qual é submetida. Segundo Piaget (1980), “a criança explica o homem tanto quanto o homem explica a criança, e não raro ainda mais, pois se o homem educa a criança por meio de múltiplas transformações sociais, todo o adulto, embora criador, começou, sem embargo, sendo criança: e isso tanto nos tempos pré-históricos quanto hoje em dia”. Fatores Pessoais Acredita-se que no homem há uma predisposição para o vínculo afetivo. Segundo Bowlby, o apego é uma necessidade primária e estilos diferentes de apego terão influência significativa sobre o comportamento amoroso e as estratégias reprodutivas na idade adulta. Para o autor, os laços se formam por meio de trocas interacionais ajustadas e contingentes, não por condicionamento (recompensas convencionais não o garantem, punições não o impedem) nem como impulso secundário associado à SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 6 • Novembro • Dezembro de 2012 Fatores Ambientais 17 SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 6 • Novembro • Dezembro de 2012 18 satisfação de outras necessidades, como postulavam, respectivamente, as teorias da aprendizagem e a psicanálise da época (Ades, Bussab, 2012). Na ala psicodinâmica, Freud, precursor da psicanálise, não teve como foco o estudo da criança, mas retomava na infância as respostas para as patologias no adulto. Sobre os estados mentais primitivos, Freud considera o Id como instância psíquica que contém tudo o que é herdado, portanto, os instintos. Sob a influência do mundo externo, uma porção do Id sofre um desenvolvimento especial e temos a formação do Ego, instância psíquica que se interpõem entre a vida instintual (princípio do prazer) e suas limitações (princípio de realidade), como peça-chave na inserção adaptada do indivíduo no mundo. A estruturação do Superego, diferenciando-se do ego, constitui uma terceira força, constituída sob a influência parental e ambiental. Assim, entende que “o id e o superego possuem algo em comum: ambos representam as influências do passado – o id, a influência da hereditariedade; o superego, a influência, essencialmente, do que é retirado de outras pessoas, enquanto que o ego é principalmente determinado pela própria experiência do indivíduo, isto é, por eventos acidentais e contemporâneos” (Freud, 1980). Os estudiosos do desenvolvimento da personalidade consideram que a interação pessoa-ambiente teria por bases características temperamentais e genéticas. Sob esse viés, haveria três tipos que atuam na conservação e manutenção de traços de personalidade ao longo do tempo e das circunstâncias: as inte- rações evocativas (o indivíduo suscita reações peculiares nas outras pessoas), as interações reativas (diferentes pessoas interpretam e reagem de maneira diferente a uma mesma situação) e as interações proativas (indivíduo cria ou busca situações compatíveis com seu estilo de personalidade e com seu estilo interacional). Haveria, ainda, variáveis no desenvolvimento da personalidade: temperamento (disposição biológica), identidade (construção mental interna), gênero (expectativas comportamentais), transtornos evolutivos do desenvolvimento (déficits no funcionamento cognitivo e emocional), afeto (reações emocionais) e mecanismos de defesa (modo de enfrentamento e adaptação). Considerações Finais Iniciamos este texto com as seguintes perguntas: como o indivíduo se forma ou como ele é formado? Quais fatores estão envolvidos? Exploramos, assim, uma variabilidade de vertentes teóricas, desde as maturacionistas, as ambientalistas até as interacionistas (que se alguns poderiam dizer como as teorias “em cima do murro”, nem cá, nem lá). Estamos, no panorama atual, inclinados a uma compreensão interacionista, que abarca aspectos biológicos, ambientais e pessoais. Assim, nem cá, nem lá, mas tudo junto e misturado. Sabemos, hoje, que as características dos organismos decorrem de sua história evolucionária e que nosso comportamento social é fruto de habilidades mentais específicas que nos permitem interagir com o outro. Frente à nossa existência em bandos, coloca o quão pertinente é considerar que a compreensão da formação do indivíduo só irá alcançar um entendimento mais adequado quando estudamos a pessoa em sua totalidade. Tarefa árdua, não? Referências Bibliográficas 1. ASSUMPÇÃO JR., F.B.; KUCZYNSKI, E. Tratado de Psiquiatria da Infância e da Adolescência. São Paulo: Editora Atheneu, 2012. 2. ASSUMPÇÃO JR., F.B. Psicopatologia Evolutiva. Porto Alegre: Artmed, 2008. 3. BEE, H. A criança em desenvolvimento. São Paulo: Harper & Row do Brasil, 1977. 4. HALL, G.S.; LINDZEY, G.; CAMPBELL, J.B. Teorias da Personalidade. Porto Alegre: Artmed, 2000. 5. FREUD, S. Esboço de Psicanálise. Rio de Janeiro: Imago, 1980. 6. K E R N B E R G , P . F . ; W E I N E R , A . S . ; BARDENSTEIN, K.K. Transtornos da Personalidade em Crianças e Adolescentes. Porto Alegre: Artmed, 2003 7. PIAGET, J. A Psicologia da Criança. São Paulo: Difusão Editorial, 1980. Carolina Rabello Padovani SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 6 • Novembro • Dezembro de 2012 a sobrevivência do bicho-homem está diretamente ligada à estruturação de sistemas de regras e de determinados padrões de relação. Sem termos entrado com minúcias nas questões biológicas do desenvolvimento humano, pensar e falar sobre elas se mostra relativamente fácil quando nos deparamos com a variabilidade de fatores externos que irão influenciar um indivíduo desde a sua concepção. Indiscutivelmente, alteramos o ambiente e somos alterados por ele, mas também fatores internos (pessoais) estão envolvidos. Não menosprezamos as vertentes filosóficas e humanistas. Tivemos que fazer um recorte e acabamos limitados (como todo recorte) pelo caminho que estipulamos para nossa perambulação por entre algumas linhas de pensamento sem claro, esgotar todas as possibilidades. Mas esperamos suscitar a dúvida e a busca por diferentes caminhos e conhecimentos. O que queremos mostrar, sem dúvida, é que diversas teorias estão disponíveis, cada qual embasada sob diferentes visões de homem e de mundo. Isso nos 19 reabilita ç ã o A Família e a Criança Deficiente SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 6 • Novembro • Dezembro de 2012 Jemima Giron 20 Quando pensamos no ser humano e em suas características mais especificas e únicas, certamente não podemos deixar de pensar na família, que é, sem duvida, a estrutura mais especificamente humana e insubstituível que podemos mencionar (LUKAS, 1983, apud DUARTE, 2001). Ela, enquanto grupo social é uma formação humana universal dentro da qual cada membro tem uma função repleta de sentido (SOUZA, 1996). Ao longo dos últimos 30 anos, a literatura vem mostrando as grandes mudanças que a família, em sua estrutura, vem enfrentando. Com o distanciamento do modelo nuclear original, pai/mãe/filhos, cada vez mais fazem parte da nossa realidade diferentes arranjos familiares, como as famílias recasadas ou reconstituídas. No entanto, independente de sua configuração, a sua funcionalidade e a qualidade do relacionamento que seus membros estabelecem entre si, devem ser mantidas. (Féres-Carneiro, 1992) Muito se tem falado a respeito da grande importância que os aspectos ambientais têm para o desenvolvimento das crianças, e principalmente, como ressalta Fiamenghi Jr e Mesa (2007), o papel da família é fundamental, pois ela é o primeiro grupo no qual o indivíduo é inserido; sendo, portanto uma força social que tem influência direta na determinação do comportamento humano e na formação da personalidade (BUSCAGLIA, 1997). Segundo Minuchin (1990), cabem às famílias as funções de proteção e socialização de seus membros mais novos, bem como a transmissão da cultura na qual estão inseridos. Desta forma, a família também tem papel fundamental na constituição do individuo, uma vez que, segundo Prata & Santos (2007), é ela quem dá o suporte para o desenvolvimento e amadurecimento de seus membros nas esferas biológica, psicológica e social. Neste sentido, o tipo de funcionamento familiar é um aspecto extremamente importante, e que exerce influência direta sobre as crianças e adolescentes inseridos nela, nos fazendo pensar então o quanto a qualidade do relacionamento familiar é importante para a formação de seus membros, tenham eles deficiências ou não. Pensando então em casos mais específicos, nas famílias onde há a presença de um ou mais filhos deficientes, a influência das relações familiares, nessas famílias, é de certa forma diferenciada, pois se trata de uma experiência inesperada, de mudança de planos e expectativas dos pais. Segundo Fiamenghi Jr e Mesa (2007), quando uma criança nasce, toda a rede de relacionamentos familiares é modificada, pois o lugar que a criança ocupa na vínculo com o bebê real (Amaral, 1995). De uma maneira geral, o nascimento de uma criança com deficiência provoca uma crise que atinge toda a família, abalando sua identidade, estrutura e funcionamento. A vida familiar sofre alterações frente às exigências emocionais e à convivência com a criança deficiente, gerando conflitos e levando a instabilidade emocional, alteração no relacionamento do casal e distanciamento entre seus membros (Pereira-Silva, Dessen, 2001). Nessa experiência, há famílias que conseguem elaborar saídas para este novo desafio, enquanto outras têm maior dificuldade e não conseguem se reorganizar. A família da criança deficiente vivencia uma sobrecarga adicional em todos os níveis: social, psicológico, financeiro, e com relação à demanda de cuidados e reabilitação da criança, necessitando por isso acessar as redes de suporte social disponíveis na comunidade (Oliveira e cols, 2008). Ocorrências de alterações na dinâmica da família com deficiente é decorrente das situações indutoras de estresse e tensão familiar devido à sobrecarga de cuidados especiais, tarefas e exigências decorrente da deficiência desta criança; efeitos estes, sentidos diretamente sobre os cuidadores diretos e sobre o funcionamento família. Trazendo à esta família, sobrecarga emocional, física e financeira (FÁVERO e SANTOS, 2005). Pensando ainda nos efeitos que a presença desta criança tem sobre o funcionamento familiar, é importante ressaltar, que não só os cuidadores principais são afetados, mas sim, como nos mostram vários estudos, os irmãos SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 6 • Novembro • Dezembro de 2012 família é determinado pelas expectativas que os progenitores têm sobre ela, e sendo ela deficiente estas expectativas precisam ser reformuladas para comportar agora as limitações desta criança recém-nascida. O nascimento desta criança com deficiência, sendo esta deficiência de qualquer tipo ou nível, podendo ser física, mental, ou ambas; confronta toda a expectativa dos pais, e a família é acometida por uma situação inesperada. Como ressalta Buscaglia (2007), a presença de uma criança deficiente exige que o sistema se organize para atender suas necessidades excepcionais. Pensando na chegada dessa criança, ou quando a família fica sabendo do seu diagnostico, segundo Casarin (1999), é neste momento que é desencadeado um processo semelhante ao luto. Trata-se de um luto pela perda da fantasia do filho perfeito, da criança sadia, que seguiria um desenvolvimento normal e que em algum tempo traria grandes realizações aos seus pais, mas que agora vai exigir deles uma reorganização dos seus papéis, valores, objetivos e expectativas de vida, para este filho, e para todos os membros da família. Observa-se, portanto grandes dificuldades em aceitar o diagnóstico, bem como os pais apresentam um comportamento de constante busca pela cura da deficiência. Para Brunhara, e Petean (1999), os pais experimentam a perda das expectativas e dos sonhos que haviam construído em relação ao futuro descendente. Os pais ao perderem o filho desejado, permanecem imersos em seu sofrimento e não elaboram o luto, permanecendo impedidos de estabelecerem um 21 SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 6 • Novembro • Dezembro de 2012 22 são diretamente afetados por esta nova situação a qual precisam lidar. Nos estudos realizados por Mesa e Fiamenghi Jr (2010), foi concluído que, em famílias onde há a presença de um filho deficiente, os irmãos mais velhos servem de modelo aos outros, compensando muitas vezes, a ausência e distância dos pais; eles apresentam a responsabilidade aumentada pelos cuidados com o irmão afetado e com a casa em geral. Além desses aspectos familiares, também é possível notar diversos outros aspectos que influenciam esses irmãos, pois muitos deles apresentam solidão e ressentimento por se sentirem negligenciados por pais e médicos em função da atenção requerida pelo irmão afetado; medo de não mais terem a atenção dos pais, de contraírem a doença ou de que o irmão morra. Apresentam também ciúmes por perceberem que os irmãos estão sendo favorecidos com maior atenção e presentes; culpa pela doença ou deficiência, por não serem afetados ou por terem desejado que algo de ruim acontecesse com o irmão; tristeza pela possibilidade de morte do irmão e de não compartilharem experiências do futuro (MESSA, FIAMENGHI JR, 2010) No entanto, apesar de tantos aspectos negativos e preocupantes percebidos em irmãos de crianças deficientes, foi possível concluir que eles também conseguiram desenvolver aspectos importantes como lições aprendidas em relação à vida, pois nas pesquisas realizadas por Mesa e Fiamenghi Jr (2010), as crianças relataram se tornar mais pacientes, compreensivas e caridosas; terem adquirido independência e autonomia pelo aumento das responsabilidades à eles atribuidas; altruísmo demonstrado como preocupação predominante por outras pessoas, além de se tornarem mais empáticos e tolerantes a sentimentos de preocupação, tornando-se mais habilidosos em estabelecer relacionamentos. Outros estudos sobre o mesmo tema também foram realizados por Nixon e Cummings (1999), um estudo comparativo de irmãos de crianças deficientes e irmãos de crianças não deficientes para analisar a reação dessas crianças ao stress diário de conflitos relacionados à família. Os resultados revelaram que crianças com irmãos deficientes apresentam maior preocupação com conflitos familiares e experimentam mais afetos negativos em resposta a esses conflitos. Essas crianças assumem mais responsabilidade, esperam maior envolvimento e percebem mais ameaça em resposta a todos os tipos de conflitos familiares, além de demonstraram também mais problemas de ajustamento. No entanto, como também apontou o estudo anterior, esses irmãos não são acometidos somente por aspectos negativos, como aspectos positivos desta convivência, os irmãos demonstram aumento na maturidade, responsabilidade, altruísmo, tolerância, preocupações humanitárias, senso de proximidade na família, autoconfiança e independência (Fiamenghi Jr e Mesa, 2007). No entanto, apesar de tantos aspectos negativos, é preciso considerar que a presença de uma criança deficiente na família não indica necessariamente um estressor para os irmãos. Outros fatores têm grande influencia e devem ser considerados, como por exemplo a qualidade das relações familiares, co- Com este mesmo pensamento, os autores Fávero e Santos (2005), acreditam que se o evento estressor é continuo e o individuo não possui estratégias adequadas para lidar com isso, o organismo exaure suas reversas de energia, e entra em estresse crônico; então é preciso intervir de forma terapêutica com os pais para afim de que possam elaborar tais estratégias adequadas, pois o fator estressor, que é a criança com deficiência, não desaparecerá. Os recursos de enfrentamento de cada um em lidar com a deficiência irão determinar o significado da experiência e de todas as vivências dos familiares. Mas, além disso, a diminuição da ansiedade dos pais também acontece com o aumento do conhecimento que eles adquirem sobre a deficiência, a doença ou a condição crônica de sua criança. Pensando nessas possibilidades, a ideia de que essas famílias sejam necessariamente abaladas em sua qualidade de vida deve ser revista. Fiamenghi Jr e Mesa (2007), concluem que os conflitos familiares não surgem em resultado direto da deficiência, mas em função das possibilidades de a família de se adaptar ou não a essa situação. Assim, a visão do senso comum de que uma criança deficiente irá, necessariamente, produzir conflitos na família, não tem comprovação em pesquisas. Famílias com crianças deficientes são uma população de risco, mas isso não significa que esse risco irá concretizar-se em todos os casos. A eficácia de um programa de intervenção precoce em famílias com um filho deficiente é constatada, e fica claro que esse tipo de programa pode auxiliar significantemente a adaptação SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 6 • Novembro • Dezembro de 2012 municação, rede de apoio e cuidados, características individuais, estratégias de enfrentamento e características da deficiência. É certo de que essas famílias representam uma população de risco, no entanto, como ressalta, Fávero e Santos (2005), estes aspectos estressores não são exclusivamente causas diretas da presença do deficiente, pois isso dependerá também dos recursos e possibilidades de adaptação que os membros dessa família possuem. Desta forma, o suporte social é um fator mediador do stress e das condições negativas causadas pela presença da deficiência, e, portanto favorece um melhor ajustamento familiar. Brunhara, e Petean (1999), tem enfatizado a necessidade de que esses pais recebam o maior número possível de informações; por perceberem que a maioria das pessoas possuem dificuldade em compreender os mecanismos causadores da deficiência, os autores sugerem que esses pais tenham suas dúvidas esclarecidas para que possam decidir com maior segurança os recursos e condutas primordiais para o bom desenvolvimento de seu filho. Outro aspecto importante no trabalho de prevenção e acompanhamento dos membros das famílias com crianças deficientes deve estar, segundo Fiamenghi Jr e Mesa (2007), direcionado à busca pela qualidade das relações familiares e por uma comunicação satisfatória desenvolvida pelos membros. Segundo os autores é através de uma rede de apoio satisfatória, além de características individuais, que estratégias de enfrentamento serão desenvolvidas e os desafios específicos do transtorno alcançarão soluções possíveis, viáveis e adequadas. 23 SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 6 • Novembro • Dezembro de 2012 24 dos pais nos primeiros dezoito meses da vida da criança (Fiamenghi Jr e Mesa, 2007). Portanto, considerando os resultados de pesquisas e estudos, é possível acreditar também que treinamento comportamental com pais, treinamento parental a fim de que os pais invistam mais na interação com a criança, suporte social, assistência profissional, bons programas educacionais, acesso à disponibilidade de ajudantes, como baba, enfermeiros ou acompanhantes terapêuticos, estilo de vida parental favorável à busca de orientações e apoio, são estratégias eficazes contra os altos riscos que estes membros estão expostos (FÁVERO e SANTOS, 2005). Deste modo, podemos também analisar os benefícios que a instituição trás à estes membros, pois lá é um local em que a família encontra outras famílias que vivenciam situações semelhantes, o que permite que compartilhem sentimentos e experiências, e que por sua vez, cumpre com o papel informativo, auxiliando-os no enfrentando e na elaboração de estratégias eficazes. No entanto estes recursos são precários, ficando evidente o quanto as famílias de crianças com deficiência encontram dificuldades quanto à integralidade e acessibilidade a serviços e ações de saúde. Esta precariedade se dá tanto em instituições privadas e principalmente àquelas disponibilizados pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Portanto, como concordam os diversos autores apresentados, é no suporte social que encontramos melhores condições para lidar com este fator de risco à qual estas famílias estão expostas. Levando em conta que neste caso a concepção de normalidade não será possível, é a intervenção terapêutica na qual um dos aspectos de melhor ressultado é trabalhar para que os membros elaborem outros significados, ou seja, alcancem a ressiginificação dos papeies de cada um, diante da presença deste membro com deficiência; além de tornarem-se mais realistas em relação às possibilidades de limites de suas crianças. Desta forma, será possível alcançarmos a diminuição da tensão e consequentemente o stress parental, evidenciando que o aconselhamento informativo, bem como o trabalho terapêutico com os membros dessas famílias, é um bom recurso para trabalhar em prol da boa funcionalidade familiar. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁGICAS 1. AMARAL, L. A. Conhecendo a Deficiência. Robe Editorial, São Paulo, 1995; 2. B a r b o s a , M A M , B a l i e i r o , M M F G , Mandetta, MA. Cuidado centrado na família no contexto da criança com deficiência e sua família: uma análise reflexiva. Contexto Enfermagem, Florianopolis, v. 21, n.1, pp. 194-9, JanMar, 2012; 3. Brunhara, F. Petean, E.B.L. Mães e filhos especiais: reações sentimentos e explicações à deficiencia da criança. Paidéia, Ribeiräo Preto, pp. 31-40, jan/ jul., 1999; 4. BUSCAGLIA, L. Os Deficientes e seus Pais. Trad. Raquel Mendes, 3ª ed. Record. Rio de Janeiro, 1997; 5. CASARIN, S. Aspectos Psicológicos na Síndrome de Down. In: J. S. Schwartzman (ed.). 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Jemima Giron, Pesquisadora no Laboratório de Distúrbios do Desenvolvimento do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo. SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 6 • Novembro • Dezembro de 2012 6. DUARTE, Y.A.O. Família: rede de suporte ou fator estressor: a ótica dos idoso e cuidadores familiares. Universidade de São Paulo – Programa de Pós Graduação em enfermagem. São Paulo, 2001; 7. FÁVERO, M. A. B., SANTOS, M. A. Autismo infantil e Estresse familiar: uma revisão sistemática da literatura. Psicologia Reflexão e Critica, v. 18, n.3 , pp. 358 369, 2005; 8. Féres-Carneiro, T. Família e saúde mental. Psicologia: Teoria e Pesquisa, pp. 485-493, 1992; 9. FIAMENGHI JR, GA, MESA, A.A. Pais, Filhos e Deficiência: Estudos Sobre as Relações Familiares. Psicologia Ciência e Profissão, v. 27, n. 2, pp. 236-245, 2007; 10.M E S S A , A . A , F I A M E N G H I J R , G.A. O impacto da deficiência nos irmãos: histórias de vida. Ciência saúde coletiva [online]. v.15, n.2, pp. 529-538. ISSN 1413-8123, 2010; 11.MINUCHIN, S. Famílias: funcionamento e tratamento. Artes Médicas, Porto Alegre, 1990; 25 i n clu s ã o Casamento e Deficiência Mental Francisco B. Assumpção Jr. SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 6 • Novembro • Dezembro de 2012 - O homem é consciente do mundo de sua existência(...). O ser do homem(...) é um ser em aberto, dinâmico, é força que se projeta para além de sua condição de ente. Não está fechado em si. É acontecimento. É manifestação. Ele revela-se nesse complexo aos entes. O homem está em constante relação com o homem, é um acontecimento histórico. (Sidekum, 1979:21) 26 Pensar algumas das características culturais e civilizatórias significa pensar o homem naquilo que ele tem de mais característico enquanto espécie, ou seja, sua capacidade de dar significado aos seus atos, personalizando-os e dando-lhes um valor específico. Dentro dessa ótica, o casamento mais do que simplesmente considerar aspectos biológicos destinados a preservação da espécie e cuidado para com a prole, envolve aspectos que estabelecem um mundo próprio, de valores individualizados, a partir dos quais se estabelece a relação interpessoal, intersubjetiva, uma verdadeira história humana, fundada na sua liberdade e nas suas peculiaridades. Dessa maneira, conforme referem Guimarães (1995) e Chauí (1984), a própria sexualidade, na espécie, é construída social, histórica e culturalmente e, exatamente por isso, o casamento é um ato social e familiar, gerido por sistemas público e privado, sofrendo ingerências das dimensões econômica, político-social, religiosa, educacional e legal, historicamente definidas, bem como a expectativa e condutas de vida dos enamorados e dos cônjuges, as quais vão se tornando oficializadas pela cultura, estabelecendo um processo recursivo circular (Munhoz, 2000). Em nossa cultura pós moderna, marido e mulher compartilham responsabilidades iguais, com uma teórica passagem de um ideal hierárquico para um ideal igualitário que se reflete em valores e condutas familiares, conseqüentes a escolhas individuais. Isso porque, a própria escolha dos parceiros baseia-se, habitualmente, em universos comuns, caracterizados por nível social, intelectual e faixa etária uma vez que esses valores igualitários tornam a escolha mais flexível pela própria valorização pessoal. Munhoz, 2000). Bower (1977) refere que os indivíduos tendem a se atrair pelo nível de diferenciação de si mesmos em que se encontram, procurando alguém com nível semelhante quanto a capacidade de discriminar e identificar emoções e objetivar ações e decisões. Temos então aqui um dos núcleos da questão que este texto se dispõe a pensar pois, mais do que meras repetições “politicamente corretas”, procuramos refletir sobre a questão do casamento (enquanto instituição) e seu significado no que se refere à pessoa com retardo mentalI e aqui I Utilizamos aqui o termo retardo mental uma vez que, mesmo sendo considerado “políticamente incorreto”ainda é o termo oficialmente adotado pelos mecanismos legais que se baseiam na CID 10ª. Avalizada pelo governo brasileiro no que se refere a classificação diagnóstica. déficits físicos ou sensoriais, todos passíveis de serem minoradas a partir de estruturas de suporte físicos. Isso não existe quando falamos de retardo mental, razão pela qual seus índices de absorção pelo mercado de trabalho são muito menores e limitados àqueles menos comprometidos. • satisfação afetiva através dos próprios relacionamentos. Esses relacionamentos são dinâmicos, com mudanças freqüentes que demandam trocas de papeis e de liderança visando a solução de problemas emergentes com percepção do feed-back ambiental e flexibilidade para a obtenção de estratégias eficazes. Ora, se consideramos que uma das características do retardo mental é exatamente o comprometimento de função executiva que propicia a percepção desse feed-back ambientaL, bem como a flexibilidade e a capacidade de planejar soluções eficazes e rápidas, teremos aí a dificuldade na manutenção dos próprios relacionamentos conforme pudemos observar em alguns casais de indivíduos com deficiência mental que acompanhamos no decorrer do tempo (Assumpção, 2005). • satisfação das necessidades sexuais, entre elas perpetuar a espécie. Talvez esta seja a característica mais facilmente executável uma vez que o ato procriativo é comprometido somente em muito poucas síndromes genéticas nada havendo que impeça a procriação. • socialização dos filhos, a fim de satisfazer às necessidades da sociedade a qual pertencem. O papel familiar envolve a questão da educação propiciando o amadurecimento da personalidade e SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 6 • Novembro • Dezembro de 2012 já encontramos um dos temas sobre os quais se fazem necessário refletir pois se consideramos retardo mental como “uma incapacidade caracterizada por importantes limitações, tanto no funcionamento intelectual quanto no comportamento adaptativo,estando expressa nas habilidades conceituais, sociais e práticas e essa incapacidade tendo início antes dos 18 anos de idade”(APA; 2002) e se pensarmos inteligência como a “capacidade de realizar atividades caracterizadas por serem difíceis, complexas, abstratas, econômicas, adaptáveis a um objetivo, de valor social, carente de modelos, e para mantê-las em circunstâncias que requeiram concentração de energias e resistência às forças afetivas” (Stoddar; 1943 apud Assumpção, 2005), somos obrigado a pensar que, um organismo complexo, valorativo, que busca a homeostase e que tem funções muito específicas para desempenhar, tem, obrigatoriamente dificuldades em se manter, de maneira expontânea, nessas condições senão vejamos: Para Howels (apud Gomes, 1987) uma família tem funções específicas caracterizadas por • responsabilidade econômica uma vez que visa manter e prover suas próprias necessidades. Ora, a despeito de todos os discursos que escutamos em nosso cotidiano, vivemos em uma cultura que privilegia a especialização e a eficácia, desvalorizando com isso, inúmeras categorias por suas idades, falta de preparo técnico e outras questões menores. Assim, mesmo com toda a legislação de proteção, vemos cotidianamente que as pessoas deficientes absorvidas pelo mercado de trabalho são aquelas com 27 SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 6 • Novembro • Dezembro de 2012 a integração gradual dos filhos ao mundo, funcionando os genitores como sistemas de suporte para os filhos em crescimento. Isso demanda capacidade de prever o futuro (imagens mentais antecipatórias bem estruturadas) e projetos existenciais definidos (uma vez que para que se criem filhos se abre mão de necessidades próprias em prol de um objetivo maior), ambos característicos de pensamento abstrato muito bem desenvolvido e elaborado a partir de valores pessoais construídos no decorrer da própria existência. 28 Entretanto, o discurso politicamente correto traz a baila duas questões que não podemos deixar de considerar. Uma delas, a questão da livre expressão da sexualidade, consideramos extremamente oportuna e justificável embora não pensemos que o casamento deva servir de solução para um problema tão básico uma vez que, conforme falamos anteriormente, ele se constitui numa estrutura social extremamente complexa que envolve muitos mais elementos que a mera expressão da sexualidade, comportamento mais elementar e simples. A outra, tangencia uma questão afetiva esquecendo que a idéia de amor associado a casamento é bastante recente e portanto, não podemos considerá-la indissolúvel posto que as relações de afeto, conforme já dissemos anteriormente, a nosso ver,não demandam a ligação específica com uma estrutura social de tal maneira complexa uma vez que um contrato matrimonial estabelece divisão de trabalho doméstico, uso de espaço habitacional, responsabilidade de cada cônjuge na educação e socialização dos filhos, disposição sobre bens, dedicação a trabalho e outras coisas mais (Sussman, 1970). Assim, partindo de uma premissa heideggeriana, consideramos que o casamento em sifaz parte de um mundo de significados onde o homem, após a compreensão de seu “ser-no-mundo” escolhe e executa projetos segundo suas reais possibilidades. O déficit cognitivo dificulta esse dimensionamento do projeto existencial bem como o reconhecimento das próprias limitações. Foi exatamente essa a questão aventada, pouco tempo atrás, quando uma religião impediu o casamento religioso de duas pessoas com deficiência mental argumentando que, sob o ponto de vista religioso, o ato em si demandava total conhecimento do ato naquilo que se referia a direitos e deveres sendo fruto de uma atitude consciente. Entretanto, apresentarmos as dificuldades da estrutura social casamento não significa que tenhamos que esquecer que essa população, como qualquer grupamento humano, apresenta vontades e desejos que reclamam satisfação embora, nem sempre esses aspectos sejam elaborados de maneira socialmente aceitável. Assim, torna-se interessante pensarmos que ao mesmo tempo em que advogamos o “direito ao trabalho” (castigo divino se nos lembrarmos da Gênesis que refere “ganharás o pão com o suor do teu rosto”) nem sequer discutimos os direitos do deficiente mental de ter uma vida com possibilidades sexuais e eróticas como se isso fosse muito bem resolvido e estabelecido por nossa sociedade. Fingir igualdade é algo extremamente artificial. Como diziam Balthazar e Stevens (1975), “uma sociedade ideal seria aquela aberta, na qual aprenderíamos a Doutor, boa tarde Estou lhe dizendo que não consegui nada com o médico da cidade. Na primeira disseram que ele não estava e na segunda disseram que ele estava de férias. Pelo amor de Deus me ajude para ver se consigo operar essa menina. Não vou aí com ela porque não posso levar as duas crianças dela e mais uma nora que ficam comigo pra que ela trabalhe. Abraço. Agradece J (carta de avó de criança de dois anos com deficiência mental profunda, com irmã de 4 anos com deficiência mental leve e mãe com 28 anos também com deficiência mental leve. Assumpção, 1987) Referências Bibliográficas 1. ASSUMPÇÃO JR. FB.; SPROVIERI, MH. Sexualidade e deficiência mental. São Paulo, Moraes, 1987 2. ASSUMPÇÃO, FB.; SPROVIERI, MH. Deficiência Mental: sexualidade e família. São Paulo; Manole; 2005 3. BALTHAZAR,EE; STEVENS, HÁ. The emotionally disturbed mentally retarded. Nova York; Prentice Hall, 1975 4. BOWER, M. Family therapy in clinical pratice. Nova York, Janson Aronson, 1977 5. CHAUÍ, M. Repressão sexual: essa nossa (des)conhecida. São Paulo, Brasiliense, 1984, 6. GOMES, JC. Manual de terapia familiar. Petrópolis, Vozes, 1987 7. GUIMARÃES, I. Educação sexual na escola:mito e realidade. Campinas, Mercado de Letras, 1995 8. MUNHOZ, MLP. Casamento:ruptura ou continuidade dos modelos familiares? São Paulo, Cabral Ed. Universitária, 2000. 9. SUSSMAN, MB. 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Como aceitar o diverso em uma cultura que privilegia o homogêneo, como aceitar o deficitário em uma sociedade que opta pela eficácia, como permitir expressões existenciais diferentes em um modelo onde todos devem ser iguais? Pensar essas questões, através da temática casamento ou através de muitas outras, talvez seja um caminho que possa ser trilhado para que tenhamos algumas soluções, práticas e não teóricas, existenciais e não filosóficas. 29 de m ã e , pra m ã e A importância de estimular quem tem dificuldades de aprendizagem SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 6 • Novembro • Dezembro de 2012 Por Marisa Aparecida Gimenes da Cunha de Andrade* Edição de texto: Leandra Migotto Certeza** Fotos: arquivo pessoal 30 Leonardo (à direita) com sua família: mãe, pai e irmão Neste espaço, pais e pessoas com síndromes relatam um pouco sobre suas experiências ao viver singularmente em uma sociedade ainda pouco inclusiva. São exemplos de quem que já conseguiu alcançar muitos objetivos graças à força de vontade, mas ainda enfrentam muitos desafios para realizarem seus sonhos; assim como a maioria dos seres humanos sem deficiências também. É uma oportunidade para os leitores conhecerem um pouco mais sobre a diversidade. conhecerem o que é esta síndrome são pessoas insensíveis à dor alheia. Também tivemos muita dificuldade em acreditar que nosso menino era uma criança com necessidades específicas, pela dificuldade de encontrar profissionais habilitados a um preço acessível, e que soubessem trabalhar com ele. O tratamento indicado na época foi estímulo, terapia comportamental e processo de inclusão. Hoje os avanços dele tem sido ótimo. Mas sofremos muito preconceito por parte dos familiares, na escola, na igreja, e na sociedade. Por ser uma síndrome em que o indivíduo apresenta muitas dificuldades comportamentais e inflexibilidade diante das rotinas diárias, às vezes, ainda ouço pessoas que desconhecem as características do autismo fazerem críticas considerando-os pessoas sem educação ou sem limites. SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 6 • Novembro • Dezembro de 2012 Meu filho Leonardo, de 13 anos, tem TEA - Transtorno do Espectro do Autismo e Dificuldades de Aprendizagem. Soubermos do seu diagnóstico quando ele tinha por volta de 3 anos de idade. Ele teve atraso de fala, dificuldade na interação social, estereotipias, problemas comportamentais e principalmente, problemas no processo de alfabetização. Recebemos de forma muito cruel e fria o diagnóstico: seu filho tem deficiência, dificilmente virá a falar e na adolescência provavelmente terão que mantê-lo em instituição por causa do comportamento difícil. Foi muito triste ouvir isso de um médico, pois nesta situação os pais necessitam e desejam ser acolhidos, encaminhados para algum especialista que os oriente que rumo tomar. Hoje percebo que a maioria dos profissionais além de des- Estudando no computador 31 SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 6 • Novembro • Dezembro de 2012 32 Ele começou a frequentar a pré-escola, por volta dos 3 anos de idade, por indicação de uma fonoaudióloga. A experiência da primeira escola foi ruim para todos nós. Ele sofreu muito, pois ainda não tinha um diagnóstico e apenas atraso de fala. A queixa da escola era que ele não acompanhava as outras crianças nas atividades, não sabia desenhar, não falava e apresentava muitas crises de choro, birra e agressão quando contrariado. Como eu e meu marido trabalhávamos fora de casa, o Leonardo ficava sob os cuidados dos avós maternos. Por conta disso, a psicóloga da escola afirmou que nós não sabíamos educar o menino, e que os avós o deixavam sem limites. Foi muito doloroso e confuso ouvir isso naquela época, pois era nosso primeiro filho e não tínhamos um referencial. Mas apesar da dificuldade de encontrar uma escola adequada que o aceitasse, ele sempre frequentou escola regular no processo de inclusão onde teve oportunidade de ser estimulado. Ele freqüentou também uma escola especializada no contra-turno da regular, a Associação dos Amigos das Pessoas com Autismo. Lá além da estimulação que ele recebeu, eu pude fazer cursos para entender e auxiliá-lo nessa árdua e abençoada tarefa de ser mãe de uma pessoa com deficiência intelectual. Desde o início do diagnóstico ele apresentou muita evolução no aspecto intelectual, emocional e principalmente na interação com o outro. Hoje ele está alfabetizado e freqüenta o 6º ano do ensino fundamental em uma escola da rede regular de ensino privada. Ele apresenta dificuldade nas atividades mais abstratas como matemática, interpretação de tex- to e filosofia, e nas demais atividades, ciências, geografia e inglês ele assimila melhor. Mas necessita de uma tutora que o acompanha diariamente nas rotinas escolares, auxiliando-o na parte pedagógica e nas questões comportamental. Ele tem um bom relacionamento com os profissionais da escola e com os colegas, é uma pessoa muito querida pelo seu jeito simples, despojado e inocente de ser. O Léo é um desenhista de mão cheia, começou a desenhar aos 5 anos de idade e a partir de então teve grande avanço sem nunca ter frequentado escola específica. Apesar das características muito peculiares da deficiência, ele está incluso em tudo que uma família pode fazer como: passeios, shoppings, cinema, teatro, igreja, escola, visitas na casa de familiares, amigos, atividades escolares inclusive baladas. Apenas necessita de alguém com um olhar mais atento, em função da ausência de malícia e medo do perigo real. E hoje nosso maior desafio é em relação às questões comportamentais, pois ele está mais agitado e impulsivo por causa da adolescência. Eu gostaria que ele terminasse o ensino médio, e ingressasse em uma faculdade voltada para sua área de interesse o desenho. Porém, o futuro a Deus pertence, e sei que preciso investir também em atividades de vida prática e diária, para que ele consiga ter maior autonomia e independência, por isso também realizamos projetos de convivência social. Em casa suas atividades principais são: TV, vídeo game, computador e desenhar. Gosta muito de passear e na casa de familiares ou amigos. Faz natação e caminhada. Todas essas atividades são muito importantes, pois atuam como estímulos. A TV e o computador ajudaram no processo de alfabetização, e o conjunto de todas essas atividades auxilia na quebra de rotina, inflexibilidade, interação social. O inglês ele aprendeu praticamente só com o auxílio do computador e da TV através dos desenhos e vídeos. Pela experiência, digo que convivência com uma pessoa com TEA e Problemas de Aprendizagem não é uma tarefa fácil, exige muito de todos, e principalmente, dos irmãos. Há momentos e fases angustiantes, pois a instabilidade de humor e a inflexibilidade diante das menores coisas deixam os familiares fragilizados, cansados, estressados, deprimidos e ás vezes em pé de guerra. Mas há também os momentos fantásti- cos e muito gratificantes, pois tudo que ele consegue produzir e fazer é festejado como um obstáculo vencido e mais uma vitória. Assim a família precisa ter muita estrutura, equilíbrio e fé em Deus para suportar com amor, humildade, paciência, tolerância e muita resignação todas essas provações e conseguir manter-se unidos. Tenho dois filhos, o Léo e o Felipe de 7 anos que não tem deficiência. A relação do Felipe com seu irmão às vezes é um pouco complicada, pois ele sente bastante o excesso de atenção que dispensamos ao Léo por causa de suas necessidades e peculiaridades. Algumas vezes há necessidade de terapias para que ele possa entender e aceitar as situ- SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 6 • Novembro • Dezembro de 2012 Desenho de Léo 33 SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 6 • Novembro • Dezembro de 2012 Convivendo com a família na casa da avó Alice 34 ações conflitantes com seu irmão, devido à deficiência dele. Meus filhos e minha família são meu tudo. Eu os amos, sei que são presentes que Deus colocou na minha vida. E através destes presentes, Deus tem me dado a oportunidade de evoluir muito em todos os sentidos da minha vida: eu estou aprendendo a amar, a respeitar, a olhar para o meu semelhante sem julgá-lo pela sua aparência ou atitude, estou aprendendo a ser uma pessoa melhor e valorizar mais o ser humano. Foi através do Léo que direcionei minha vida profissional, além de entender esse mundo tão complexo e tão simples ao mesmo tempo e poder auxiliar pais e profissionais. Hoje estou à frente de um projeto a fim de oportunizar a convivência de pessoas com deficiência intelectual junto à sociedade. Pois, além de ser mãe sou pedagoga e psicopedagoga e durante 3 anos atuei em clinica e como consulto- ra no processo de inclusão escolar. E, infelizmente, vejo que ainda hoje, existe um despreparo e um preconceito muito grande, por parte dos profissionais da área educacional, em relação ao TEA, pois esta deficiência possui características muito peculiares; e poucos são os profissionais que tem interesse em aprender e aprofundar-se no assunto, muitos acreditam que é falta de limites ou educação dos pais. Também acompanho através das redes sociais e procuro estar sempre atualizada com as notícias em busca de respostas para o autismo ou em conquistas aos nossos direitos e benefícios. Nessa jornada fiz grandes amigos, e percebi que existem muitas pessoas com bastante conhecimento se movimentando para melhorar nossa política pública de inclusão. Mas o grande problema é que ao invés de se unirem em um único ideal, alguns ficam disputando espaço para Brincando ao lado do seu irmão Felipe mule seu filho, proporcionando o máximo de autonomia e independência. Ignore as pessoas preconceituosas, pois muitas vezes será necessário engolir alguns sapos para evitar desgastes emocionais. Mas acima de tudo ame o e aceite para que vocês possam ser felizes! Leandra Migotto Certeza é jornalista e repórter especial da Revista Síndromes. Ela tem deficiência física (Osteogenesis Inperfecta), é assessora de imprensa da ABSW, e consultora em inclusão e mantém o blog “Caleidoscópio – Uma janela para refletir sobre a diversidade da vida” - http:// leandramigottocerteza.blogspot.com/. Conheçam os modelos de palestras, oficinas, cursos e treinamentos sobre diversidade, realizados em empresas, escolas, ONGs, centros culturais e grupos de pessoas no site: https://sites.google.com/site/leandramigotto/ SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 6 • Novembro • Dezembro de 2012 terem seus nomes na calçada da fama e esquecem que há milhões de familiares e indivíduos com autismo sofrendo, sem recursos, e esperando desesperadamente por atendimento e melhor qualidade de vida. Por isso, aconselho a todos que é preciso ter muita paciência, tolerância, dividir suas angústias e temores com seus familiares e outras pessoas que tenham filhos com a mesma síndrome. Nunca acredite em um profissional que limite ou subestime a capacidade de seu filho. Esti- 35 artigo do leitor O importante é dar o primeiro passo Francelene Rodrigues Entrevistadora: Leandra Migotto Certeza – jornalista* Fotos: arquivo pessoal Bacharel em Serviço Social, Francelene Rodrigues fala sobre a importância da participação na criação do Interconselho da Coordenadoria Regional de Saúde Leste de SP pelo caminho até eu terminar o curso este em dezembro de 2012. Sei que eles precisam ser sempre ultrapassados. SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 6 • Novembro • Dezembro de 2012 Passou por preconceitos e discriminações? 36 Conte um pouco como foi o seu processo de inclusão educacional. Quais foram os maiores desafios e conquistas? Amo estudar. O processo educacional foi tranqüilo, até adquirir a deficiência física. Sempre estudei em escolas públicas e conclui o magistério. Complicado foi quando decidi voltar aos estudos, pois a minha matricula no ensino médio supletivo foi recusada. Precisei adquirir outros conteúdos para prestar vestibular. Mas insisti e venci, e logo depois ingressei na faculdade, com algumas barreiras que ao decorrer do curso universitário foram superadas a cada dia. Mas muitos outros obstáculos apareceram Uma barreira inquebrantável sempre será o preconceito, que ainda existem em relação às pessoas com quaisquer tipos de deficiência no mundo, não só na faculdade. Esse sentimento, muitas vezes, vem da família; e é indiscutível que esse tema ainda seja uma barreira para muita gente. O maior preconceito foi em entender que eu mesma era preconceituosa com as pessoas e não elas comigo. Sempre quis ser assistente social? Qual a importância dessa profissão em sua vida? Decidi pela profissão, devido ao envolvimento dentro de minha própria comunidade na qual sou líder, e Conselheira de Saúde desde 2001. Sempre trabalhei em prol de melhorias para o bairro onde vivo. Amo a profissão que escolhi, e sei que mercado de trabalho está aberto, pela Qual a importância da participação popular nos Movimentos Sociais, nos Conselhos Gestores das Unidades Básicas de Saúde (UBS); e nos Conselhos Gestores de Supervisões Técnicas de Saúde (STS) da zona leste de SP, interligados direta ou indiretamente às decisões regionalizadas do Sistema Único de Saúde (SUS), de acordo com suas especificidades? A importância desta participação popular atribui-se hoje ao envolvimento e articulação de forma organizada, que atualmente é representado pelos Movimentos Sociais e Conselhos de Direito como mecanismos de gestão das políticas públicas na intervenção e mediação paritária junto ao Estado e ao próprio controle social, de acordo com suas especificidades e necessidades locais, ou seja, nas UBS´s, distritais STS´s - Conselhos Gestores de Supervisões Técnicas de Saúde Regionais (norte, sul, sudeste e centro-oeste). Esta participação vem ocorrendo com que freqüência? Esta participação acontece de acordo com as diretrizes do SUS – Sistema Único de Saúde, mensalmente em cada instância com datas e pautas já pré-agendadas junto aos representantes por segmentos. Quais os principais problemas enfrentados pela população em geral da zona lesta para conseguir participar ativamente das reuniões e ações dos Conselhos Gestores? Neste caso não vejo problemas, porque a participação local acontece nas UBS´s, que geralmente estão localizadas próximas à residência das pessoas e das STS`s. E o transporte é garantido para todos os Conselheiros e seus representantes, através de passes livres ou de carro. Suas ações são realmente discutidas da melhor maneira, e os problemas resolvidos na medida do possível em cada instância, seja local, distrital ou regional. E sempre ocorre de comum acordo com os seus representantes. Quais foram às principais especificidades e necessidades encontradas na zona leste da cidade de São Paulo que culminaram com a criação do Interconselho da Coordenadoria Regional de Saúde Leste de SP em 2006? O Interconselho Coordenadoria Regional de Saúde Leste de SP teve suas discussões preliminares no Conselho Gestor de Saúde de Itaquera. Durante alguns meses, esse coletivo discutiu a importância do controle social democrático nas coordenadorias, entendendo que a criação desse espaço seria necessário devido à constatação que as decisões e o poder político estariam nessa instância. Além disso, a cada mandato, o Conselho deparava-se com novas políticas e ações, naquele momento PT e PSDB, ou seja, com SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 6 • Novembro • Dezembro de 2012 amplitude em conhecimentos, desafios e competências, que a área possui. Ser assistente social para mim é primeiramente ser cidadã, capaz de garantir direitos ao próximo e a si mesmo. Logo que cheguei à faculdade, foram feitas adaptações para garantir a acessibilidade em quase todos os espaços. Mas hoje as pessoas com deficiência podem se sentir livre para se locomoverem, pois fizeram rampas e instalaram dois elevadores. Fiquei muito feliz pelas mudanças. 37 troca de gestões e novos comandos, aos quais teriam que se adaptar. Como forma de interação e inter-relação, o grupo resolveu criar um mecanismo por meio do qual passou a ter acesso direto e interligado à Coordenadoria Regional de Saúde Leste em suas decisões regionais. Assim nasce o Interconselho de Saúde. SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 6 • Novembro • Dezembro de 2012 Faça um breve resumo do atual diagnóstico encontrado nos Conselhos Gestores de Saúde da zona leste de SP. Quais são os principais desafios a serem vencidos? 38 Foi constado ausência das pessoas nas reuniões do Conselho Popular e apatia na participação; além da necessidade de ter um regimento interno efetivo e criar e/ou melhorar os canais de comunicação divulgação das informações. Por isso, verificamos que é preciso divulgar para a população e seus Conselhos, as leis e os decretos, garantir a convocação dos seus membros através de meios de comunicação; além da participação do trabalhador, gestor e usuários, tanto nas reuniões quanto nos eventos. Também é preciso acompanhar os demais Conselhos (locais e supervisão) através das atas e visitas; calendários anuais das reuniões de todos os conselhos; e a garantia do curso de capacitação para conselheiros gestores. O principal desafio no momento ainda é a capacitação desses conselheiros para que se apropriem das leis, decretos e possam disseminar um bom trabalho em cada segmento. E as conquistas alcançadas? As conquistas que alcançamos foram em relação à conscientização da importân- cia desta participação popular organizada para que realmente o trabalho árduo dos conselheiros seja bem elaborado e posto em prática para melhorias de cada região. Uma das propostas do seu Trabalho de Conclusão de Curso é servir de reflexão sobre a implantação de novas ações coletivas e decisivas num determinado grupo que respondam às necessidades de uma região, além de ser um registro histórico sobre a suma importância da participação popular no controle social. Explique como os estudantes e/ou bacharéis em Serviço Social irão utilizar os resultados apresentados em seu trabalho. Ressalto que em nosso código de ética profissional, defendemos o aprofundamento da democracia, enquanto socialização da participação política e da riqueza socialmente produzida; além de nos posicionarmos em favor da equidade e da justiça social, que assegure universalidade de acesso aos bens e serviços relativos aos programas e políticas sociais. Com isso, espero, que os estudantes e/ou bacharéis em Serviço Social, através deste Trabalho de Conclusão de Curso possam se apropriar de novos mecanismos de gestão, e até mesmo contribuir para criar outros os quais não se limitam às regras já existentes; levando-os a pensar, discutir, mediar e ir além das questões sociais postas neste trabalho. O meu objetivo foi mostrar que o profissional do Serviço Social também é importante neste contexto e pode contribuir muito em novas políticas e ações capazes de articular o controle democrático e o projeto ético-político do Serviço Social, que na verdade consolida a cidadania; a garantia Conte um pouco sobre sua atuação nos movimentos sociais em prol dos Direitos Humanos das Pessoas com Deficiência com ênfase na área da saúde. Quando você começou? Bom, minha atuação começou em 2001 por necessidades próprias, três anos após eu ter adquirido a deficiência física. Depois pude constatar que não existia só eu neste mundo com deficiência física, e muitas outras pessoas que eu nunca imaginava, principalmente, na região em que moro até hoje. No início a batalha foi árdua; recebi muitos “nãos” pela frente, mas nunca desisti de lutar em prol dos direitos das pessoas com deficiências. No início, foi por mim mesma, mas devido a minha garra, o que aprendi serviu para ajudar mais de cinco mil pessoas na região onde vivo. Isso me fortalece a cada dia que me lembro de como tudo começou; minhas participações nas reuniões de pais nas escolas de minhas filhas, depois no conselho gestor da UBS Jd. Campos; e no Orçamento Participativo onde dei o pontapé inicial de toda minha trajetória. Em quantos órgãos públicos atuou? Quais foram os cargos que ocupou? Naquele momento fiz minha primeira reivindicação pública solicitando a aprovação da acessibilidade nas escolas do distrito do Itaim Paulista / Curuçá. Quando não vi aprovado e posto em prática esta necessidade, não parei de cobrar o gestor local. E logo depois já estava eleita como Conselheira de Saúde na UBS Jd. Campo; e depois no próprio CMPD – Conselho Municipal da Pessoa com Deficiência e no CIC - Centro de Integração e Cidadania em Defesa da Cidadania e Abertura de Espaço às Pessoas com Deficiência da zona Lesta. Também atuei no CTA Sérgio Arouca em relação à prevenção das DSTs e da AIDS, abordando a sexualidade da pessoa com deficiência, e participando de uma pesquisa pelo Instituto Amankai. Fui contratada pela Secretaria de Saúde como Agente de Prevenção para orientar as pessoas com deficiências físicas, auditivos e visuais sobre o uso dos preservativos a conscientização da saúde sexual. Logo após já estava defendendo os direitos humanos, enquanto usuária dos serviços de saúde prestados a população, em Brasília como Delegada Eleita pelo segmento de pessoa com deficiência. Assumi o título de Conselheira Gestora, representante do segmento usuário local, distrital e regional de saúde, nas UBS´s Jd.Campos/ AMA, CTA Sergio Arouca, STS do Itaim / Curuçá e na Coordenadoria Regional de Saúde para a criação e atuação na região Leste do Interconselho. Quais foram às principais dificuldades enfrentadas e as conquistas alcançadas? Foram muitas as dificuldades pelas quais passei, porque a princípio, me locomovia em cadeira de rodas comum e precisava sempre de acompanhante. Mas logo tudo foi se ajeitando, e a Supervisão, a Coordenadoria e a própria Prefeitura, já fornecia o transporte quando eu ia representá-los. Logo após, comecei a estudar e já utilizava o transporte do Atende da Prefeitura de SP (que leva de porta a porta as pessoas com deficiência), depois obtive SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 6 • Novembro • Dezembro de 2012 dos direitos civis, sociais e políticos das classes trabalhadoras. 39 o triciclo motorizado e comecei a sair mais sozinha para todos os locais. Bom, por dificuldades todos nós passamos todos os dias enquanto pessoas com deficiência, mas tudo tem jeito, tudo passa e se resolve; basta só ter força, garra e determinação em alcançar nossos objetivos. Isso eu tenho como lição de vida e sempre sigo à risca este meu pensamento. Sou determinada em tudo o que faço e dificilmente me arrependo do que fiz. SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 6 • Novembro • Dezembro de 2012 Sua história de vida pessoal também foi marcada por diversos obstáculos, dificuldades, desafios e até graves problemas familiares. Conte um pouco dessa história. 40 Bom, acabei relatando um pouco de minha história na pergunta anterior; mas tenho paraplegia há 15 anos, devido à violência doméstica. Sofri um ferimento de arma de fogo pelo meu ex-marido e hoje uso uma cadeira de rodas. Este acontecimento foi muito triste a princípio, mas foi de onde tirei forças para chegar aonde cheguei hoje, com a conclusão de meu curso em Bacharel em Serviço Social. E também acredito que devido a todas as minhas dificuldades em particular, pude conquistar vários benefícios em prol de muitas pessoas com deficiências; e a maioria delas, foi em relação à saúde, onde atuo com muito orgulho até hoje, sempre em defesa deste segmento e suas necessidades básicas, além de defender também a violência contra mulheres ao qual também fui vítima. E em que momento da sua vida, você percebeu que era chegada a hora de começar à lutar também por outras pessoas com deficiência que passaram por situações iguais ou parecidas com as que você vi- veu? E quando você sentiu a necessidade de ampliar seu ativismo social de forma mais ampla? Com tantas participações sociais acabei reconhecendo que poderia ir mais longe, como cursar uma faculdade, a qual, concluo com muito orgulho agora e agrego a teoria do meu aprendizado à prática com toda esta minha bagagem enquanto liderança comunitária, representante da ONG ACADF e Ex-Conselheira nos Conselhos Gestores de Saúde nas UBS´s, na STS, na CRS - Leste, no CMPD, dentre outros locais os quais atuei com muito empenho e determinação obtendo êxito em minhas defesas em prol dos usuários dos serviços prestados não só pela saúde, mas por outros também em relação ao transporte, lazer, educação, segurança e habitação. Sinto-me realizada em tudo o que faço, porque faço com propriedade do assunto e com muito orgulho de poder contribuir para melhorias em prol de tal segmento. Como está a educação inclusiva no Brasil? O que precisa ser incentivado e o que é necessário mudar? Em linhas gerais, no Brasil, a educação inclusiva ainda deixa muito a desejar; primeiro porque os professores da rede pública, e mesmo da particular necessitam com urgência de capacitação, oferecida pelos seus próprios órgãos competentes. Os professores precisam também ter dedicação, paciência, consciência, competência; e o mais importante: ter aptidão e envolvimento não só porque a inclusão está na moda, e sim porque é urgentemente necessária em pleno século XXI. Mas ainda há barreiras e resistência desses profissionais. Acredito que só se faz educação se educando, e ela começa em casa. Qual a mensagem que você deixa aos leitores? Deixo a mensagem que as pessoas devem jamais desistir de seus sonhos, pois eles podem sim se tornar realidade. Desde que cada um procure se especializar no que melhor possa desempenhar. Que procurem algo que agrade primeiro a si próprio e tome gosto por tudo o que fizer, fazendo direito e com muita garra, força, vontade e determinação no objetivo desejado. E que nada é impossível para aquele que crê no seu próprio potencial enquanto ser humano, por que na verdade somos todos iguais em nossa diversidade inata. E como bem disse Vinícius de Moraes: “Por mais longe que seja a caminhada, o mais importante é dar o primeiro passo”. Conheça mais sobre Fracelene: http:// www.facebook.com/francelene.rodrigues Francelene Rodrigues, 39 anos, nasceu e sempre morou na comunidade do bairro Itaim Paulista, na zona lesta cidade de São Paulo. Tem quatro filhas e netos. Sua deficiência física, a paraplegia, foi adquirida após uma violência doméstica do meu ex-marido, em 1998. Atualmente, atua como líder comunitária onde vive e concluiu o curso de Bacharel em Serviço Social pela Universidade Camilo Castelo Branco do campus de Itaquera. A publicação de 110 páginas do seu Trabalho de Conclusão de Curso - TCC: “A Criação do Interconselho de Saúde na Coordenadoria Regional da Zona Leste” (defendido dia 05 de dezembro de 2012) pode ser adquirido no Clube dos Autores (ver link abaixo), e serve de grande incentivo a todos os estudantes, e principalmente, aos com alguma deficiência que lutam por realizarem seus sonhos. Francelene também palestra sobre inclusão social em organizações não-governamentais, se diverte, cuida da casa e dos filhos, e namora quando se identifica com alguém. “Não me curvo frente aos erros, nem admito sentimentos de pena. Hoje sou feliz assim como sou. Cresço com minhas experiências e sou um instrumento de inclusão!”. https://www.clubedeautores.com.br/ book/137342--A_CRIACAO_DO_INTERCONSELHO_DE_SAUDE_NA_COORDENADORIA_REGIONAL_DE_SAUDE_LESTE *Leandra Migotto Certeza é jornalista e repórter voluntária da Revista Síndromes. Ela tem deficiência física (Osteogenesis Inperfecta), é assessora de imprensa voluntária da ABSW, e mantém o blog “Caleidoscópio – Uma janela para refletir sobre a diversidade da vida” - http://leandramigottocerteza.blogspot.com/. Conheçam os modelos de palestras, oficinas, cursos e treinamentos sem fins lucrativos sobre diversidade, realizados em empresas, escolas, ONGs, centros culturais e grupos de pessoas no site: https://sites.google.com/site/leandramigotto/ SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 6 • Novembro • Dezembro de 2012 Link para comprar a publicação do TCC: 41 reportagem CRIA - Centro de Referência da Infância e Adolescência desenvolve pesquisa e assistência em saúde mental SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 5 • Setembro • Outubro de 2012 Por Leandra Migotto Certeza 42 Este serviço criado em 2002 pelo Departamento de Psiquiatria da Unifesp – Universidade Federal de São Paulo, conta com uma equipe multiprofissional de médicos psiquiatras, psicólogos, assistentes sociais, enfermeiros, terapeutas ocupacionais, psicopedagogos, arte-terapeutas, musicoterapeutas e fonoaudiólogos; para garantir o exercício de um olhar amplo e abrangente sobre os problemas humanos ligados à esfera da saúde mental de crianças, adolescentes e suas famílias. “A super especialização das práticas e dos conhecimentos nos dias atuais, bem como sua fácil divulgação, muitas vezes sem critérios, tem gerado expectativas e também confusão no nosso campo de trabalho. Por isso, prestamos serviços informativos e promovemos debates para o grande público a partir das experiências que temos tido ao longo dos anos em lidar com a população infanto– juvenil e suas famílias e que possamos fazê-lo com ética e qualidade clínica, conforme as possibilidades de nossa equipe técnica”, esclarece o Dr. Raul Gorayeb, psiquiatra, coordenador e idealizador do centro de referência. As atividades de pesquisa no CRIA se desenvolvem principalmente a partir da prática clínica. São utilizadas diversas metodologias, dentre elas os métodos qualitativos, as técnicas psicanalíticas de pesquisa, e outras. A equipe participa das atividades dos cursos de graduação em Medicina - UNIFESP/EPM, Terapia Ocupacional e Fonoaudiologia da UNIFESP; Psicologia da PUC/SP, através de estágios clínicos e da administração de aulas do currículo destes cursos. Também oferece estágio, supervisão e ministra aulas sobre a Clínica da Infância e Adolescência para os cursos de formação profissional de Enfermagem em Saúde Mental e Enfermagem Psiquiátrica, ambos do Departamento de Enfermagem/UNIFESP; e Especialização de Terapia Ocupacional em Saúde Mental e em Psicologia da Saúde, ambos do Departamento de Psiquiatria do Departamento de Psiquiatria/UNIFESP. Este Centro de Referência da Infância e Adolescência participa do programa de Residência Médica da UNIFESP, e realiza atividades de ensino e supervisão clínica para residentes de segundo ano de Psiquiatria, contribuindo para sua formação geral em psiquiatria através da experiência clínica de atendimentos com a infância, adolescência e familiares. Oferece ainda um programa de formação de especialistas em psiquiatria da infância e adolescência para residentes de quarto ano de Psiquiatria. Também realiza semanalmente reuniões de discussão clínica de casos atendidos em seus diversos programas, tiveram oportunidade de colaborar e participar diretamente de ações governamentais para implementar políticas públicas de assistência na área bem como na formação e aprimoramento dos profissionais que trabalham nos serviços públicos. Também participaram na elaboração de um documento que estabeleceu as Diretrizes para a Política de Saúde Mental da Infância e Adolescência no Estado de São Paulo em 2001. Esta iniciativa da Secretaria Estadual da Saúde, contou com a participação de profissionais de outras universidades e membros daquela secretaria. Naquela ocasião, este documento também propunha como deveria ser organizada uma unidade assistencial ambulatorial que conseguisse atender eficazmente as complexas necessidades de atendimento da população infantojuvenil. Foi feito um acordo de cooperação entre a Secretaria e a Universidade que possibilitou ao setor melhores condições de espaço físico e custeio, e que resultou na inauguração do CRIA. “A partir de então, com uma equipe técnica numericamente ampliada e melhores condições de trabalho, temos trilhado uma trajetória de constante desenvolvimento do nosso trabalho, tanto na parte assistencial como no ensino e na pesquisa. Mantemos nossa fidelidade ao modelo inicial de exercer um olhar abrangente e integrado aos problemas mentais, com uma equipe que expande sua ação, intervindo também nos setores que possuem uma interface importante com o nosso trabalho, tais como: Educação, Assistência Social, o Sistema Judiciário, e todos os outros territórios sociais onde possamos contribuir com nossa experiência para o bem estar da população infantojuvenil”, conclui o psiquiatra. SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 5 • Setembro • Outubro de 2012 que conta com a participação da equipe, dos alunos dos programas de estágio do CRIA e, ocasionalmente, profissionais são convidados para a discussão de temas relacionados à clínica da infância e adolescência. Além disso, o centro de pesquisa oferece periodicamente cursos de formação profissional na área de saúde mental da infância e adolescência. E há seis anos, realiza anualmente um simpósio, escolhendo temas de interesse atual e convidando colegas de outras instituições para a troca de experiências e atualização dos profissionais da área. “O setor de atendimento de crianças e adolescentes no nosso departamento existe desde 1975. Com a chegada do Dr. Raul Gorayeb em 1976 e, logo em seguida, do Dr. Osvaldo Dante Milton Di Loreto em 1978, pudemos estruturar melhor nossas atividades, criar o Setor de Psiquiatria Infanto – Juvenil e os estágios neste serviço passaram a fazer parte da grade curricular da Residência em Psiquiatria. Desde então, fomos nos organizando como uma equipe multiprofissional, pois sempre foi uma preocupação de seus iniciadores que o olhar clínico sobre as questões mentais da infância e da adolescência não ficasse restrito a uma única área de conhecimento ou a um único aspecto do existir humano. A complexidade da vida humana se revela tanto nas suas manifestações normais e corriqueiras como nas suas perturbações e desvios. Por isso uma das características do nosso grupo de trabalho sempre foi a de imprimir este olhar plural tanto nas atividades assistenciais como nos programas de ensino e formação de novos profissionais”, explica o Dr. Dr. Raul Gorayeb. Os profissionais foram desenvolvendo nossas atividades e, por diversas vezes 43 Para agendar uma triagem no CRIA, é necessário trazer pessoalmente um encaminhamento em nome da criança e ou adolescente que pode ser feito por qualquer instituição, profissional de saúde, professores, entre outros. Após a entrega um dos profissionais da equipe entrará em contato com a família para o agendamento da triagem. No Cria são atendidas crianças de 0 a 18 anos. SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 5 • Setembro • Outubro de 2012 Como funciona o Ambulatório de Saúde Mental e os programas de atendimento do CRIA 44 A estrutura e o funcionamento do Ambulatório de Saúde Mental operacionaliza as diretrizes filosóficas do CRIA, a partir de um trabalho multidisciplinar, e compreende um serviço de recepção da clientela, triagem, diagnóstico e por fim, encaminhamentos aos diferentes dispositivos terapêuticos, individuais e/ou grupais, quais sejam: Psicoterapia; Acompanhamento; Psiquiátrico; Psicopedagogia; Fonoaudiologia; Terapia ocupacional; Arte-terapia; Acompanhamento Familiar; e Musicoterapia Há um trabalho efetivo de mapeamento e encaminhamento para os diversos equipamentos de saúde, visando um melhor aproveitamento dos serviços de Saúde Mental próximos dos locais de residência dos clientes. A equipe se reúne semanalmente a fim de promover a discussão clínica dos casos atendidos, bem como articular nossa experiência clínica ao conhecimento já produzido acerca da clínica da infância e da adolescência. O Programa de Atendimento a Crianças com Transtornos Globais do Desenvolvimento promove experiências que ampliam o repertório de relações da criança com o ambiente, privilegiando intervenções nos primeiros anos de vida. E os projetos terapêuticos são construídos de acordo com a singularidade de cada criança, nos diferentes momentos do tratamento, por meio de atendimentos individuais ou grupais. O programa também conta com equipe multidisciplinar em saúde mental. Já o Programa de Tratamento Intensivo destinado a Adolescentes em Situação de Gravidade que necessitam de vários atendimentos semanais, conta com equipe multidisciplinar em saúde mental e o tratamento é planejado conforme as necessidades de cada caso. São oferecidas diversas atividades em grupo para os pacientes, tais como: grupo verbal, grupo de terapia ocupacional, oficina de atividades e saídas para a comunidade. Os adolescentes também possuem um atendimento psiquiátrico e psicológico individuais, sempre que indicados. Além disso, o programa dispõe de atendimentos familiares que podem ocorrer tanto em grupo como individualmente. A gravidade não se refere apenas ao diagnóstico, mas também está relacionada às dificuldades de manejo clínico, dinâmicas familiares complexas e risco de atuações. Para participar é preciso ter disponibilidade para vir ao CRIA pelo menos três vezes por semana, assiduidade e participação da família no tratamento. Leandra Migotto Certeza é jornalista e repórter especial da Revista Síndromes. Ela tem deficiência física (Osteogenesis Inperfecta), é assessora de imprensa da ABSW, e consultora em inclusão e mantém o blog “Caleidoscópio – Uma janela para refletir sobre a diversidade da vida” - http://leandramigottocerteza.blogspot. com/. Conheçam os modelos de palestras, oficinas, cursos e treinamentos sobre diversidade, realizados em empresas, escolas, ONGs, centros culturais e grupos de pessoas no site: https://sites.google.com/site/leandramigotto/ revista multidisciplinar de desenvolvimento humano Síndromes Novembro • Dezembro de 2012 • Ano 2 • Nº 6 Curso Autismo Módulo VI Alessandra Freitas Carolina Rabello Padovani Cristina Maria Pozzi Francisco B. Assumpção Jr. Marina Lemos Melanie Mendoza Milena Rossetti 13 anos www.atlanticaeditora.com.br … cur s o A uti s mo - m ó dulo V I SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 6 • Novembro • Dezembro de 2012 Tratamento em Autismo: Análise Aplicada do Comportamento (ABA) 46 O método ABA (do inglês Applied Behavior Analysis – em português Análise do Comportamento Aplicada) é a ciência devotada à compreensão e modificação do comportamento, visando à melhoria na qualidade de vida do indivíduo e seu meio utilizando os princípios fundamentais da Análise do Comportamento (AC). Este tipo de intervenção tem recebido bastante atenção por seus resultados promissores no tratamento dos Transtornos do Espectro do Autismo (TEA), pois estabelece condições propícias para produção de modificações comportamentais socialmente relevantes. O ABA tem recebido bastante atenção por seus resultados em intervenção precoce, aumento funcional da linguagem e socialização e redução de comportamentos disruptivos. Para a análise do comportamento a relação essencial ocorre entre o indivíduo e o ambiente (comportamento). A resposta é uma parte do comportamento do organismo que interage com seu ambiente e que produz uma modificação em pelo menos um dos aspectos deste ambiente. Essa modificação retroage sobre o organismo modificando a probabilidade de ocorrência futura daquela resposta, se esta probabilidade aumenta a frequência da resposta chamamos esta modificação de reforço. Uma descrição do comportamento deve sempre especificar a ocasião em que a resposta ocorre, a própria resposta e as conseqüências. Ao modificar os antecedentes e conseqüentes de uma resposta podemos modificar a freqüência e ocasião em que ela ocorre. Esse modelo é particularmente benéfico nos TEA, pois os indivíduos do espectro apresentam dificuldades em apresentar respostas adaptativas nos contextos adequados (discriminar e generalizar respostas) e perceber as conseqüências sociais positivas e negativas de suas ações, pois não são tão sensíveis aos estímulos do ambiente como são as crianças com desenvolvimento típico. Uma das práticas comuns em ABA, por exemplo, é o elogio pareado com estímulos tangíveis (vídeos, brinquedos, comida) para que um “Muito bem!” ou” Que lindo!” ganhem propriedades de reforçadoras para aqueles indivíduos que não são sensíveis a eles. Desta forma não só aumentamos a freqüência de uma resposta selecionada, como também modificamos a propriedade de um estímulo, antes neutro, para reforçador. Na escola é mais provável que os adultos lhe digam “Parabéns” do que lhe dêem uma bala! A Avaliação O treino ABA é altamente estruturado e individualizado. O planejamento do programa terapêutico é feito a partir de uma avaliação denominada Linha de Base que visa determinar quais os repertórios … I Habilidade de apresentar a mesma classe de resposta em ambientes e com pessoas diferentes. As dificuldades de generalização são um dos problemas mais freqüentes do espectro. Milestones Assessment and Placement Program (VBMAPP), a Assessment of Basic Learning Abilities (ABLA) e a Assessment of Basic Language and Learning Skills (ABLLS)- nenhuma delas com traduções validadas para o português. Comportamentos Socialmente Relevantes Um dos problemas cruciais em intervenção dos TEA é a eleição dos comportamentos que serão ensinados à criança, potencializando as oportunidades oferecidas pelas janelas de desenvolvimento neurológico e mudanças ambientais com potencial para gerar reforçadores em ambiente natural. Em 1997, Rosalez-Ruiz e Baer cunharam o termo behavioral cusps, que seriam mudanças comportamentais análogas aos marcos do DNPM: quando a criança aprende a andar, por exemplo, o ganho vai muito além de mover-se no espaço. Andando ela pode aproximar-se dos irmãos e brincar com eles, pode explorar novos objetos. Os cusps - assim como a aquisição da marcha para o DNPM - são aqueles comportamentos, simples ou complexos, que estão na base de mudanças futuras que não precisam ser formalmente programadas, e que são importantes por seu alcance e para a adaptação do indivíduo e sua espécie. São comportamentos que dão acesso, por exemplo, a uma série de outras habilidades como comunicação, interação social e aprendizagem em grupo. Possíveis exemplos de cusps: contato visual com pessoas e objetos, responder sob demanda, manter-se sentado; etc. Cabe ao terapeuta responsável SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 6 • Novembro • Dezembro de 2012 Iniciais da criança em diversos domínios – linguagem, socialização, contato visual, habilidades de aprendizagem em grupo, entre outros. Nesta avaliação observa-se não apenas a reposta em si, mas também quais as condições são necessárias para que ela ocorra – os antecedentes e o nível de ajuda. Por exemplo, um dos problemas mais comuns entre os indivíduos com autismo são as dificuldades de contato visual com pessoas e objetos. Alguns, no entanto, mantêm contato visual com objetos reforçadores, outros não, outros não olham para pessoas, ou olham quando são chamados, e assim por diante. Saber qual o nível de ajuda que a criança precisa ou qual a fluência e generalizaçãoI de seus repertórios determinará o tipo de treino que ela precisará em cada domínio. Além do planejamento da intervenção, a avaliação cuidadosa permite aos pais e ao terapeuta avaliar tanto o progresso da criança, quanto os próprios programas. Se a criança demora a adquirir a habilidades de um determinado nível é preciso rever a validade do programa e/ou a sua forma de aplicação. Comumente os terapeutas constroem as próprias baterias de avaliação baseados em marcos do desenvolvimento neuropsicomotor (DNPM), e na sequência de aquisição das habilidades cognitiva, lingüística e social. Até onde se sabe, no momento não existem avaliações validadas no modelo ABA para população brasileira, sendo utilizadas, apenas em pesquisas, baterias traduzidas do inglês, sendo as mais notáveis a Verbal Behavior 47 … SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 6 • Novembro • Dezembro de 2012 48 pelo Programa de Ensino Individualizado determinar quais os comportamentos a ser ensinados levando em consideração como proposto por Bosch e Fuqua (2001) cinco critérios como um conjunto preliminar de orientações para a identificação a priori de mudanças comportamentais importantes, são elas: (a) acesso a novos reforçadores, contingências (relação entre organismos e ambiente) e ambientes; (b) validade social (ambos propostos por Rosales-Ruiz e Baer); (c) eficácia; (d) competição com respostas inapropriadas e (e) número e relativa importância das pessoas afetadas. Uma vez determinados os comportamentos, que serão transformados em programas de ensino para diversos domínios, os passos a serem seguidos a fim de que a criança seja capaz de utilizar o aprendizado da terapia em ambiente natural são: aquisição, fluência, manutenção e generalização. Na aquisição de um determinado comportamento utiliza-se mais comumente o Método de Ensino por Tentativas Discretas (DTT do inglês Discrete Trial Teaching) que consiste em dividir o ensino de uma resposta complexa em pequenos passos com diferentes níveis de ajuda para que o objetivo seja alcançado e utilização de reforço positivo contingente à resposta correta de acordo com o critério estabelecido em todas as etapas. O nível de ajuda pode ser de total a nenhum quando a reposta já é emitida pela criança de maneira independente. A ajuda pode ser tanto motora para respostas deste tipo quanto ecóica – um terapeuta diz a frase que a criança deve repetir para que receba o reforçador – tangível ou natural. Na presença de um quebra cabeças, com valor reforçador para determinada criança, o terapeuta diz “Quero montar o quebra-cabeça” a criança repete “Quero montar o quebra cabeça” e ela recebe a caixa com o quebra-cabeça, sendo este um exemplo de ensino de mandoII através de ajuda ecóica. Na etapa de fluência - depois que a reposta já é emitida de maneira independente - aumenta-se a razão de respostas para obtenção de reforço e a apresentação do estímulo torna-se mais rápida visando uma alta taxa de respostas por intervalo de tempo, sendo este um fator determinante para a utilização do que foi aprendido em ambiente natural. Na manutenção e generalização deve-se, respectivamente, garantir que a resposta continue sendo parte do repertório da criança (podendo esta ser pré-requisito para outros aprendizados) e que seja apresentada em diferentes contextos. Por estas características este método obtém resultados que tem sido considerado pela comunidade científica eficaz para indivíduos com transtornos de desenvolvimento, e mais recentemente com destaque para intervenção precoce – crianças menores de 36 meses em que se tenha a hipótese diagnóstica de TEA. Comportamentos disruptivos A terapia ABA também tem se mostrado eficaz na diminuição de comportamentos cuja presença traz prejuízos para o indivíduo e seu meio, tais como auto II Ecóico e mando são exemplos classificação de acordo com a função de comportamentos verbais e são descritos pela primeira vez por Skinner na obra Verbal Behavior em 1957. … Considerações Finais Uma das grandes limitações do método - especialmente em países como o Brasil que não possui uma política efetiva em saúde mental infantil - é a prescrição de muitas horas de treino por semana, o que causa uma sobrecarga, em todos os aspectos, dos pais ou um comprometimento dos resultados e consequentemente no nível adaptativo da criança. Uma vez que os resultados do período trabalhado em orientação e com a criança devem ser aproveitados ao máximo, torna-se crucial a competência do terapeuta. O sólido conhecimento dos princípios da AC é fundamental para aqueles que desejam planejar e executar as intervenções com o método ABA. No Brasil não existe credenciamento para terapeutas ABA e poucos cursos específicos para este tipo de intervenção, além de pouquíssimas publicações em português. Os terapeutas, além da formação em sua área de formação superior, precisam buscar aperfeiçoamento constante através leitura cotidiana de publicações da área, supervisão e troca de experiências com outros profissionais ABA e de outras especialidades afins, além de entendimento atualizado sobre os TEA e desenvolvimento típico (aspectos cognitivos, social, lingüístico, acadêmico). Para finalizar desejamos destacar que toda criança autista é capaz de aprender desde que receba um programa individualizado adequado de intervenções uniformes na escola, no lar e na sociedade. SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 6 • Novembro • Dezembro de 2012 e hetero-agressividade, recusa alimentar, estereotipias, esquiva de demanda, entre outros. Isto ocorre porque ao ser identificada a função de uma determinada resposta, uma criança se joga no chão porque quer pirulito, por exemplo, esta resposta tem função de mando/pedido, podemos assim alterar estruturadamente esta resposta ensinando a criança na presença do pirulito dizer “pirulito”, em seguido “quero pirulito” e só receber o pirulito mediante o pedido e não mais ao se jogar no chão, com isso alteramos a resposta da criança (pedir pelo pirulito), a conseqüência emitida pelo ambiente (só receber o pirulito mediante o pedido adequado) e geramos uma resposta socialmente relevante e com maior probabilidade de ser reforçada. Crianças do espectro do autismo frequentemente causam mudanças ambientais que possuem propriedades reforçadoras com repostas inadequadas. Tomemos uma situação típica: no momento em que apresentam estereotipias vocais na escola são levadas pelo Acompanhante Terapêutico pra fora da sala de aula. Nesta situação a estereotipia foi reforçada com um passeio pela escola, aumentando a probabilidade de que ela ocorra novamente em sala de aula quando a criança quiser sair da classe. Importante salientar que as intervenções nos comportamentos disruptivos devem ocorrer concomitantemente à aquisição de comportamentos adaptativos dentro de um programa de ensino, pois a simples suspensão do reforço não gera aprendizagem e causa um aumento inicial na frequência e variabilidade de respostas disruptivas. 49 … SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 6 • Novembro • Dezembro de 2012 cur s o A uti s mo - q ue s t õ e s 50 1. Qual dos seguintes quadros clínicos não pode ser considerado diagnóstico diferencial dos quadros autísticos? a. Transtornos Desintegrativos b. Carência Afetiva c. Esquizofrenia na infância d. Síndrome de Rett e. Mania na infância 5. Qual das drogas abaixo é a primeira escolha no tratamento do autismo? a. Haloperidol b. Risperidona c. Clorpromazina d. Antidepressivos tricíclicos e. Não há drogas de primeira escolha para o tratamento do autismo 2. Qual a principal limitação do método ABA? a. Não há limitação para o método b. A prescrição de muitas horas de treino por semana, o que causa uma sobrecarga tanto para os pais quanto para a criança c. As dificuldades cognitivas da criança que dificultam a aprendizagem d. Não tratar os aspectos emocionais da criança e da família e. Não planejar em longo prazo os passos do tratamento 6. Comportamentos auto e hetero-agresivos, recusa alimentar, esquiva de demanda, estereotipias são observados em pacientes com TEA e são considerados: a. Compatíveis com o quadro b. Pontas autísticas c. Transtorno do comportamento comórbido ao autismo d. Comportamentos disruptivos e. Adequados dependendo da idade do paciente 3. A análise do cariótipo e estudo para X-Frágil está indicada na avaliação de pacientes com AI, exceto: a. Presença de desvios fenotípicos b. História familiar de X-Frágil c. Pacientes com retardo mental d. Autismo de alto funcionamento e. Antecedente familiar de retardo mental 4. Como se justifica a utilização do teste Figuras Complexas de Rey em indivíduos autistas? ------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------- 7. A confusão com quadros de autismo de alto nível pela existência, em ambos, de uma dificuldade atencional associada a uma disfunção executiva se que se observe um prejuízo marcado na Teoria da Mente caracteriza um a. Esquizofrenia na infância b. Carência afetiva c. TDAH d. Mania e. Síndrome de Rett 8. Várias são as condições clínicas associadas ao autismo, sobre este aspecto é incorreto afirmar: a. Em até 15% dos pacientes diagnosticados com autismo pode-se identificar uma síndrome genética ou alteração cromossômica b. A ressonância magnética faz o diagnóstico, uma vez que estudos comprovam alterações no sistema límbico e cerebelo c. Exame audiométrico, via de regra, está alterado, visto que grande parte dos pacientes com autismo tem atraso de fala d. A velocidade de crescimento inicial do cérebro de autistas é menor que no grupo controle e. O registro de atividade epileptiforme é mais comum em pacientes com autismo do que na população geral. 9. Dentre os sintomas-alvo que requerem tratamento medicamentoso, podemos listar, exceto: a. Hiperatividade b. Agressividade c. Estereotipias d. Comportamentos auto agressivos e. Epilepsia 12.A epidemiologia da Síndrome de Asperger pode ser considerada como sendo: a. 4:10.000 b. 20 a 25 por 10.000 c. 1:110 d. 1:500 e. 1:1000 10.Apresente sucintamente os prejuízos encontrados nos Transtornos Invasivos do Desenvolvimento e justifique a necessidade de diferentes profissionais na avaliação desses quadros. ------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------- 13.A lterações de pensamento com prejuízo na associação de idéias, bloqueio de pensamento e delírios (principalmente de tipo paranóide), associando-se a embotamento afetivo com ambitendência, perplexidade e menor rendimento intelectual caracteriza: a. Transtornos Desintegrativos b. Carência Afetiva c. Esquizofrenia na infância d. Síndrome de Rett e. Mania na infância 11.S obre características neurobiológicas no autismo é correto afirmar hoje: a. Os achados de neuroimagem são específicos e constituem-se de alterações morfológicas de giros e de padrões de mielinização 14.Dividir o ensino de uma resposta complexa em pequenos passos com diferentes níveis de ajuda para que o objetivo seja alcançado e utilização SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 6 • Novembro • Dezembro de 2012 … b. Todas as condições clínicas associadas, quando identificadas, são responsáveis pelo fenótipo autista c. A Síndrome do X-Frágil é uma condição frequentemente associada ao Autismo e deve ser encaminhada para aconselhamento genético d. A Síndrome de Rett manifesta-se em meninas, apresenta um perfil autístico, porém sua etiologia está implicada com alterações no gene MECP2 e. O grau de severidade do autismo não está relacionado à presença ou não de outras patologias neurológicas 51 … a. b. c. d. e. de reforço positivo contingente à resposta correta de acordo com o critério estabelecido em todas as etapas é a melhor definição para: Terapia ABA Terapia Cognitivo Comportamental Psicanálise Análise Funcional do Comportamento Método de Ensino por Tentativas Discretas SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 6 • Novembro • Dezembro de 2012 15.O comprometimento em reciprocidade afetiva, atenção compartilhada e Teoria da Mente em indivíduos do espectro autista seriam os responsáveis por déficits em habilidades sociais (comportamento social) definidas como? ------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------- 52 16.Estudos de neuroimagem funcional avaliam áreas de processamento social no autismo e normalmente revelam: a. Ativação do córtex temporal em resposta a exposição de figuras de faces b. Ativação do giro fusiforme em resposta a exposição de figuras de faces c. Ativação do córtex frontal e occipital em resposta a exposição de figuras de faces d. Ativação do córtex temporal em resposta a estímulos sociais (direção do olhar, expressões faciais e gestuais) e. Todas as alternativas estão corretas 17.Observe as afirmações a seguir: I. No que se refere à atenção compartilhada, há evidências de que crianças autistas sejam capazes de interagir com o mundo, do mesmo modo que as crianças normais, com engajamento diádico, triádico e colaborativo. II. Um déficit em Teoria da Mente é apontado como uma das possíveis causas para o pobre desenvolvimento social, imaginário e comunicativo em autistas. III.Hill & Frith (2003) sugerem que os autistas apresentam um distúrbio com relação ao processamento de informações, sendo focado em detalhes. No entanto, esta forma de processar acarreta um empobrecimento na capacidade de compreensão global assim como um déficit na contextualização dos significados. Agora assinale a alternativa incorreta: a. Alternativa I. b. Alternativa II. c. Alternativa III. 18.Um quadro que apresenta nível de inteligência normal ou acima da normalidade, associado a um padrão de aquisição de linguagem em geral também normal, embora com déficits semânticos, caracteriza a. Síndrome de Asperger b. Síndrome de Landau-Kleffner c. Síndrome de Williams d. Síndrome de Prader-Willi e. Síndrome do X frágil 19.Paciente de cinco anos, masculino, com diagnóstico de TEA e descargas epilépticas evidenciadas no eletroencefalograma. A queixa principal da família é a agressividade, … b. c. d. e. 20.Quadro cuja principal característica é sobrevir após um período de desenvolvimento normal e ser acompanhado de um período de regressão das aquisições, concomitante ao aparecimento da sintomatologia caracteriza a. Transtornos Desintegrativos b. Carência Afetiva c. Esquizofrenia na infância d. Síndrome de Rett e. Mania na infância 21.Quais são as principais escalas diagnósticas para avaliação de critérios de autismo? ------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------22.As condições clínicas mais comumente relacionadas ao autismo são: a. Síndrome do X-Frágil, esclerose tuberosa, síndrome de Rett b. Distrofia muscular progressiva, síndrome de Noonan, epilepsia c. Síndrome de Down, fenilcetonúria, síndrome alcoólica fetal d. Síndrome de Hurler, Síndrome de Rett, síndrome de Williams e. Sequência de Moebius, retardo mental, infecções congênitas 23.O objetivo da avaliação neurológica no Autismo Infantil é: a. Solicitar uma bateria de testes de rotina para o diagnóstico b. Encaminhar para avaliação multidisciplinar c. Indicar exames neurofisiológicos, de neuroimagem ou citogenéticos, de acordo com os achados de história e exame d. Indicar sempre o teste metabólico e. Identificação tardia do autismo 24.Paciente de quatro anos, masculino, apresentou crise de birra durante o atendimento psicológico. Baseado nos preceitos comportamentais, como poderia ser a reação da terapeuta ABA? a. Chamar os pais e mandar o menino para casa, encerrando aquele atendimento b. Colocá-la de castigo para pensar no que fez. c. Aguardar uma reposta adequada e fornecer um elogio pareado com estímulos tangíveis d. Conversar olhando nos olhos e explicando que esse comportamento é inadequado e. Deixar a criança fazer birra até que ela cesse espontaneamente SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 6 • Novembro • Dezembro de 2012 a. com importante impacto na vida da criança. Qual a melhor abordagem farmacológica? Abordagem visando à melhora da agressividade, já que não há crises clínicas Antidepressivos tricíclicos que melhoram as alterações comportamentais sem risco de crises epilépticas Não há indicação de tratamento farmacológico Tratar primeiro a epilepsia e depois as questões comportamentais Valproato ou divalproato para tratar a alteração eletrográfica e comportamental 53 … SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 6 • Novembro • Dezembro de 2012 25. Quanto ao tratamento do autismo, podemos afirmar, exceto: a. O melhor uso dos medicamentos consiste em focar os sintomas específicos por períodos curtos, a fim de abrir “janelas de oportunidade” para intervenções educacionais e comportamentais b. Comportamentos difíceis são frequentes nos casos de TEAs e interferem nas intervenções terapêuticas e educacionais c. Não necessariamente a criança precisará de todas as intervenções disponíveis d. As abordagens terapêuticas devem ser individualizadas, multimodais e interdisciplinares e. A melhor abordagem é a farmacoterapia em esquema de politerapia 54 26.O que é a Linha de Base do programa ABA? a. É o primeiro dia do tratamento b. É uma avaliação qualitativa dos aspectos emocionais e do constructo do autismo naquela família c. É uma avaliação que observa somente a reposta aos estímulos d. É uma avaliação multidisciplinar para montar uma proposta terapêutica individualizada e. É uma avaliação para determinar quais os repertórios da criança em diversos domínios 27. Quanto ao metilfenidato, podemos afirmar: a. É contraindicado nos TEA por conta dos efeitos paradoxais observados b. É a m e l h o r i n d i c a ç ã o p a r a a hiperatividade observada nos TEA c. Tem indicação bem estabelecida para o transtorno de déficit de atenção com hiperatividade (TDAH), porém os estudos são controversos em relação ao seu efeito nos pacientes com TEA d. Tem indicação bem estabelecida tanto para TDAH, quanto para TEA e autistas de alto funcionamento e. Não está indicado para transtornos do desenvolvimento 28. Para montar uma avaliação de uma criança autista baseado no método ABA, o terapeuta deve levar em consideração os seguintes aspectos: a. Usar somente escalas traduzidas do inglês, como a Verbal Behavior Milestones Assessment and Placement Program (VBMAPP) b. Não utilizar escalas fixas, somente a observação livre da criança c. Utilizar uma bateria que leve em consideração os marcos do desenvolvimento neuropsicomotor e a sequência de aquisição das habilidades cognitiva, linguística e social d. Realizar uma anamnese aprofundada e solicitar relatório médico com o diagnóstico e. Usar baterias validadas no Brasil, baseando-se nos marcos do desenvolvimento neuropsicomotor 29. Como são apresentadas as habilidades de atenção conjunta (compartilhada) a partir do nove meses de idade da criança? Cite em ordem cronológica de aparecimento. ------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------- … 31. A que se refere à Teoria da Mente? E em qual fase do desenvolvimento é estabelecida? ------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------32.Quadro reconhecido entre cinco e 30 meses de vida, apresentando marcado déficit no desenvolvimento, com desaceleração do crescimento craniano e retardo intelectual marcado caracteriza: a. Síndrome de Asperger b. Síndrome de Landau-Kleffner c. Síndrome de Williams d. Síndrome de Prader-Willy e. Síndrome do X frágil 33. As questões éticas envolvidas na indicação do estudo genético- a. b. c. d. e. 34. Paciente do sexo feminino, sete anos, com autismo infantil, crises de birra e queixa de distúrbio do sono. A melhor abordagem terapêutica é: a. Terapia multidisciplinar associado à antipsicóticos atípicos b. Indutores do sono c. Terapia multidisciplinar com foco em psicoterapia comportamental associado a vitaminas e dieta isenta de glúten d. Terapia multidisciplinar com foco em psicoterapia comportamental, podendo se considerar o uso de melatonina para o distúrbio do sono e. Não é necessário tratar essa paciente 35. Quanto aos behavioral cusps, não podemos afirmar: a. São mudanças comportamentais análogas aos marcos do DNPM b. São comportamentos, simples ou complexos, que estão na base de SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 6 • Novembro • Dezembro de 2012 30.Com relação aos aspectos genéticos no AI, é incorreto afirmar: a. Não há comprovação para o caráter hereditário do quadro, sendo mais provável que causas de origem afetivo-emocionais estejam implicadas na gênese do autismo b. Há forte tendência de autismo entre grupos familiares, com risco de recorrência de até 15% c. São descritos déficits sociais e lingüísticos em menor grau nos parentes de indivíduos afetados d. Há uma evidente preponderância no sexo masculino e. Observa-se uma alta concordância de autismo entre gêmeos monozigóticos -metabólico se fazem presentes nas seguintes situações, exceto: Identificação de síndromes ou aberrações cromossômicas que possam ter sua recorrência diminuída com o aconselhamento genético Doenças metabólicas potencialmente tratáveis Todos os pacientes diagnosticados com autismo têm indicação destes estudos O diagnóstico precoce de um transtorno genético-metabólico pode evitar a realização de testes extensos ou invasivos no futuro Sempre que houver suspeita clínica de alteração genético-metabólica os testes estão indicados 55 … mudanças futuras que não precisam ser formalmente programadas c. São comportamentos que dão acesso a uma série de outras habilidades d. São comportamentos disruptivos que devem ser trabalhados na terapia e. Alguns exemplos de cusps são: contato visual, manter-se sentado. SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 6 • Novembro • Dezembro de 2012 36. O maior objetivo na intervenção terapêutica dos TEAs é: a. Reduzir a rede de comportamentos mal adaptativos que podem interferir no funcionamento adaptativo b. Curar o autismo c. Melhorar as crises de birra d. Reduzir as crises de alucinações visuais e auditivas e. Eliminar as crises epilépticas 56 37.Um complexo de síndromes que têm como única característica comum a insuficiência intelectual e que apresenta, como características fundamentais o funcionamento intelectual global significativamente inferior à média, acompanhado de déficits ou prejuízos concomitantes no funcionamento adaptativo atual, com um início anterior aos 18 anos de idade caracteriza o : a. Autismo b. Síndrome de Asperger c. Síndrome de Rett d. Retardo mental e. TDAH 38. Por que a avaliação da eficiência intelectual é importante diante da suspeita de um Transtorno Invasivo do Desenvolvimento? ------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------39.Que variáveis devem ser levadas em conta para o terapeuta determinar os comportamentos a serem ensinados? a. A Linha de Base, a idade da criança, seu meio, seus recursos e benefícios de longo prazo b. A queixa da família e da escola c. Comportamentos de agitação e falta de atenção d. Os dados da literatura a respeito dos problemas mais frequentes nesta população e. Os comportamentos de menor impacto, logo mais fácil de serem modificados 40.Ao avaliar uma criança supostamente autista é importante considerar as seguintes comorbidades, exceto: a. Retardo mental b. Dislexia c. Transtorno do sono d. Transtorno do déficit de atenção e hiperatividade e. Epilepsia 41. Uma forma de regulação normal da interação que se constitui numa reação de alarme que consiste em um “apagamento” da criança, com uma resistência aos estímulos relacionais, ausência de estímulos auto-eróticos, rigidez facial, movimentos atípicos de dedos, choro e perda de apetite é chamada de: a. Coerência Central … Stress agudo Depressão reativa Retração precoce Reação adaptativa 42. A respeito da etiologia do autismo é correto afirmar: a. Alteração no cromossomo 15 é um achado praticamente constante e sua investigação é mandatória em todos os casos b. O autismo ocorre devido pouca estimulação ambiental e pobre vínculo materno c. Toda criança com cegueira congênita desenvolve autismo pela falta de contato visual d. A relação entre genética e eventos não genéticos precisa ser mais bem estudada e. Antecedente perinatal de asfixia é indicativa de autismo 43. Qual a relevância do exame das funções executivas em indivíduos com autismo? ------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------44.Sobre a abordagem medicamentosa nos TEA, podemos afirmar: a. Deve ser a primeira opção terapêutica b. A associação da terapêutica farmacológica com a psicológica é opcional c. Deve ser considerada como tratamento complementar não como curativa d. Deve ser introduzido logo após o diagnóstico, o mais precocemente possível e. A maior possibilidade de sucesso está no uso de drogas corretas para cada sintoma 45.Quadros cuja idade de início é variável, com predomínio no sexo masculino, comprometimento discrepante na área da sociabilidade, bom padrão comunicacional e discreto comprometimento cognitivo salientando-se ainda o déficit social e comunicacional, mas não a presença de alterações motoras caracteriza o: a. Transtornos de Asperger b. Transtornos desintegrativo c. Autismo SOE d. Síndrome de Rett e. TDAH 46.Paciente de três anos, frequentando escola regular na educação infantil, com acompanhante terapêutico, apresenta episódio de autoagressão ao se recusar a fazer uma tarefa e é retirado da sala de aula. Essa ação tem como consequência: a. Acalmar a criança e ensiná-la a não se auto agredir b. Fazer a criança ficar mais irritada ante a frustração de sair da companhia de seus pares de idade c. Aliviar o sintoma e livrá-la das críticas dos amigos de classe d. Ajudar a professora a lidar com a criança e. Reforçada um comportamento disruptivo com um passeio, aumentando a probabilidade de que ela ocorra novamente quando a criança quiser sair da classe SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 6 • Novembro • Dezembro de 2012 b. c. d. e. 57 … SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 6 • Novembro • Dezembro de 2012 47.47) Quais as principais características de uma terapia medicamentosa racional? a. Iniciar com dose pelo peso da criança, monitorar efeitos colaterais e ajustar até a dose máxima tolerada b. Iniciar com dose máxima tolerada, garantir o tempo adequado de tentativa de uso e observar efeitos colaterais c. Iniciar com a dose mínima eficaz, iniciar politerapia racional e verificar tolerância d. Iniciar com a dose mínima eficaz, maximizar intervenções não farmacológicas e revisar periodicamente o regime e. Iniciar com doses ascendentes, verificar efeitos colaterais, ajustar doses periodicamente 58 48.Quanto ao tratamento dos TEA, podemos afirmar: a. O método ABA não é indicado para o tratamento b. O método ABA tem resultados promissores no tratamento dos TEA, pois modifica comportamentos socialmente relevantes c. Não há tratamento para os TEA d. Métodos de manejo comportamental pioram comportamentos-alvo, quando usados sem medicação associada e. O melhor tratamento é deixar o autista descobrir suas potencialidades livremente 49.A que se refere à Coerência Central? ------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------50.Quanto aos neurolépticos, não podemos afirmar: a. Desempenha papel proeminente no tratamento de alguns sintomas-alvo b. É sempre a melhor indicação para tratar os TEAs de modo geral c. Os neurolépticos possuem como capacidade farmacológica a modulação da atividade da dopamina d. O haloperidol é o exemplo clássico da geração mais antiga de neurolépticos utilizados no autismo e. Sintomas como irritabilidade, hiperatividade e oscilação de humor podem ser tratados com neurolépticos … cur s o A uti s mo - gabarito Preencha o Gabarito a seguir e mande para a Atlântica Editora, via email: [email protected] ou via correios para Praça Ramos de Azevedo, 206/1910 - Centro 01037-010 São Paulo SP, para receber seu Certificado do Curso de Autismo, da Revista Síndromes. Nome assinante: ___________________________________________________________ Email: ____________________________________ Tel: (____) ______________________ Questões a b Resposta c d e 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 6 • Novembro • Dezembro de 2012 11 12 13 14 59 … Questões 28 29 30 31 32 33 34 35 36 37 38 39 40 41 42 43 SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 6 • Novembro • Dezembro de 2012 44 45 46 47 48 60 49 50 a b Resposta c d e … As abordagens terapêuticas devem ser individualizadas, multimodais e interdisciplinares, com base nos conhecimentos da neurologia e psiquiatria pediátricas, neuropsicologia, psicologia comportamental, fonoterapia, terapia ocupacional, fisioterapia e educação. Não necessariamente a criança precisará de todas as intervenções disponíveis e uma discussão acerca da relação custo-benefício deve ser levantada, considerando-se as limitações dos sistemas de saúde, das equipes multidisciplinares e também dos conhecimentos sobre o autismo. SÍNDROMES • Ano 2 • Nº 5 • Setembro • Outubro de 2012 O melhor uso dos medicamentos consiste em focar os sintomas específicos por períodos curtos, a fim de abrir “janelas de oportunidade” para intervenções educacionais e comportamentais. É importante que o plano de tratamento seja construído sobre uma base firme e justificável. Avaliação neurológica completa é necessária para identificar comorbidades, transtornos clínicos subjacentes e possíveis etiologias, que possam ser o alvo do tratamento. A avaliação pormenorizada das habilidades cognitivas e sociocomunicativas bem como a análise funcional dos comportamentos aberrantes permitem a formulação de um plano de terapia eficaz e abrangente. 59