CASAGRANDE, Cássio. (2008), O Ministério Público e a

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CEDES – CENTRO DE ESTUDOS DIREITO E SOCIEDADE – BOLETIM/SETEMBRO DE 2008
MACHADO, Igor Suzano. O Ministério Público e a judicialização da política (resenha). Boletim CEDES
[on-line], Rio de Janeiro, setembro de 2008, pp. 17-20. Acessado em: (...) Disponível em:
http://www.cedes.iuperj.br. ISSN: 1982-1522.
O MINISTÉRIO PÚBLICO E A JUDICIALIZAÇÃO DA POLÍTICA
(CÁSSIO CASAGRANDE)
CASAGRANDE, Cássio. (2008), O Ministério Público e a judicialização da política:
estudos de caso. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor.
Igor Suzano Machado1
A debilitação das fronteiras entre o jurídico e o político, conforme diagnóstico de,
dentre outros, Mauro Cappelletti2 e Nean Tate e Torbjorn Valinder3, é um fenômeno
comum às democracias ocidentais contemporâneas. E, mesmo que para alguns
autores do cenário internacional seja temerário classificar os países latino-americanos
como democracias ocidentais lado a lado a Estados Unidos e Europa, o diagnóstico de
outros tantos analistas sinaliza que, também naqueles países4, o fenômeno se repete,
com o judiciário invadindo cada vez mais o campo das decisões políticas e com as
ponderações políticas formando parte cada vez mais importante das decisões judiciais.
Sobre o caso brasileiro, especificamente, os estudos desenvolvidos por Luiz Werneck
Vianna, Maria Alice Rezende de Carvalho, Manuel Palacios Cunha Melo e Marcelo
Baumann Burgos5, e pelo Centro de Estudos Direito e Sociedade (CEDES – IUPERJ),
são um claro exemplo de como o fenômeno tem-se manifestado no país e despertado
a atenção de sua intelectualidade. Tais estudos são, inclusive, a inspiração assumida
explicitamente para o trabalho Ministério Público e a judicialização da política: estudos
de caso, de Cássio Casagrande (Fabris Editor, 2008). Trata-se da tese desenvolvida
em seu doutorado em Ciência política, publicada este ano como livro, pela editora
1
Doutorando em sociologia no IUPERJ e pesquisador do CEDES.
CAPPELLETTI, Mauro. Juizes legisladores? Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1993. 135 p.
3
TATE, C. Neal; VALLINDER, Torbjörn. The Global Expansion of the Judicial Power. New York &
London: New York/London, New York University Press, 1995.
4
Ibidem.
5
VIANNA, Luiz Werneck; CARVALHO, Maria Alice Rezende de; MELO, Manuel Palácios Cunha;
BURGOS, Marcelo Baumann. Corpo e alma da magistratura brasileira. 3 ed. Rio de Janeiro: Revan,
1997. 334 p. e VIANNA, Luiz Werneck; CARVALHO, Maria Alice Rezende de; MELO, Manuel Palácios
Cunha; BURGOS, Marcelo Baumann. A judicialização da política e das relações sociais no Brasil. Rio de
Janeiro: Revan, 1999. 272 p.
2
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Sérgio Antônio Fabris Editor. Como o seu próprio título deixa claro, nesse trabalho,
Casagrande busca retomar o tema da judicialização da política no Brasil, encarando-a
pelo ângulo de um de seus principais atores: o Ministério Público.
Nada mais justo. Afinal, não é uma mera coincidência a intensificação da
judicialização da política no Brasil estar associada à publicação de nossa constituição
mais recente, sendo ela também a responsável pela reformulação da organização e
das funções do Ministério Público no país. Na verdade, como pretende mostrar a obra
de Casagrande, essas duas conseqüências da carta constitucional de 88 estão
entrecruzadas, sendo um dos pontos de destaque desse entrecruzamento as
possibilidades dadas pela Constituição ao Ministério Público para que este represente
interesses coletivos no processo judicial, como acontece no caso das ações civis
públicas.
Por conta disso, tais ações são o foco da pesquisa empírica empreendida por
Casagrande para ilustrar e fazer melhor compreender a importância da atuação do
Ministério Público para a judicialização da política. Esmiuçando cinco “casos
exemplares” de sua utilização, por meio de consulta aos seus autos, entrevistas com os
envolvidos no pleito, e referências a documentos externos ao processo judicial
propriamente dito – como publicações da imprensa – o autor busca reconstruir o
panorama das conseqüências políticas da atuação do Ministério Público nessas ações,
mostrando como ações que versavam sobre contendas que tradicionalmente deveriam
ser resolvidos pelo processo legislativo representativo tradicional buscaram solução por
meio de um poder, em princípio, alheio a esse processo: o Poder Judiciário. E a
“exemplaridade” na judicialização da política contida nos casos escolhidos para análise,
para além do versarem sobre uma questão política e de terem sido de iniciativa do
Ministério Público, reside igualmente no fato de terem obtido um provimento, ao menos
parcialmente, favorável a essa instituição, de terem sido direcionadas contra o poder
público e de representarem algum padrão de conflito social relevante para o país como
um todo.
Pois vejamos. Até que ponto o objetivo de prover educação infantil a todas as
crianças do município pode depender da liberdade da prefeitura para administrar seus
próprios recursos e até que ponto uma interferência do Judiciário, no caso, pode não
ser considerada uma afronta à separação de poderes? Exigir, para o exercício de
atividade jornalística, o diploma de graduação em curso específico, fere a liberdade de
imprensa e de circulação de informações, ou é uma conquista de uma categoria
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profissional a ser valorizada? Estender judicialmente os direitos previdenciários dos
casais heterossexuais aos casais homossexuais é uma decorrência lógica da aplicação
do princípio jurídico basilar da isonomia ou é um exemplo de interferência do judiciário
sobre o legislativo em que juizes estariam legislando ao arrepio da moral comum do
povo? Até que ponto exigir do governo de um estado, por um lado, o afastamento de
servidores não concursados e, por outro, a admissão para os mesmo cargos de
servidores
aprovados
em
concurso
público
representa
a
racionalização
da
administração pública e até que ponto não significa lançar em complicadas situações
de desemprego muitos pais de família locais, oferecendo seus cargos a “aventureiros”
de outras regiões? Coibir o trabalho infantil em lixões reformulando a forma de
subsistência de determinadas famílias é um tipo de política pública cuja iniciativa cabe
ao Ministério Público e ao Poder Judiciário?
Essas são algumas das espinhosas questões inevitavelmente levantadas pelos
estudos de caso que fez Cássio Casagrande: as ações civis públicas da educação
infantil em Joinville, dos jornalistas sem diploma, dos direitos previdenciários dos
homossexuais, e do concurso público em Roraima, além do termo de ajustamento de
conduta relativo ao trabalho infantil em lixões do Paraná. Conforme visto, trata-se de
situações em que o Ministério Público acabou por se tornar porta-voz de demandas
populares que, em tese, teriam como caminho tradicional, para a solução de sua
conflitividade, a democracia representativa, mas que, pela controvérsia mesma
envolvida nos exemplos, traduzida em altos custos eleitorais para sua resolução,
acabam por não encontrar qualquer reverberação nas câmaras legislativas e/ou no
executivo.
Transparecem assim, no estudo desenvolvido por Casagrande, as duas faces da
judicialização da política já tão destacadas pelos analistas da questão. Por um lado, ela
apresenta, na representação funcional do Ministério Público e da magistratura, um tipo
de soberania popular complexa que oferece, na linguagem dos direitos, voz ativa a
minorias que não encontrariam respaldo para suas demandas no processo
representativo tradicional. Porém, por outro, ela lança decisões essencialmente
discricionárias e políticas nas mãos de um corpo de agentes que não conta com o
escrutínio popular para referendar suas escolhas quando estas ultrapassam questões
meramente técnicas. Como bem destaca o autor, nos níveis da interação entre Estado
e sociedade, da harmonia entre os três poderes e internamente às instituições de
justiça, desenrola-se uma tensão constante cuja resolução ainda não se sabe para que
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lado irá pender. O novo padrão de interação do Judiciário e do Ministério Público com a
sociedade civil abre vista para uma cidadania ampliada ou regulada? Até que ponto a
independência entre os poderes e a efetivação dos direitos constitucionais permitem ao
Judiciário e Ministério Público imiscuírem-se em competências legislativas dos demais
poderes da República? E de que forma, internamente, as instituições da justiça
brasileira têm se adaptado a essas mutações, e como têm – se é que têm – cumprido
as novas funções que assumiram sem estarem, no entanto, devidamente preparadas
para tanto?
O quadro traçado pela interpretação de Casagrande sobre o tema é positivo,
dotado de um otimismo cauteloso. Com base em seu estudo, percebe que o Ministério
Público não se acovarda diante de sua nova função constitucional e busca adaptar-se a
ela da melhor maneira possível, reorganizando-se para racionalizar e dar efetividade às
demandas populares que agora é encarregado de defender. Ele destaca também que,
nos casos analisados, essa nova função foi sempre questionada perante a tradicional
separação de poderes, encontrando bastante resistência por parte do Executivo e
Legislativo, mas que isso, tampouco, impediu que houvesse diálogo entre estes últimos
e as instituições de justiça. Por fim, não obstante a resistência por parte de alguns
setores da sociedade – como os sindicatos no caso dos jornalistas sem diploma – o
autor também destaca o respaldo social obtido pelo trabalho do Ministério Público que
tem sido cada vez mais procurado como um canal de acesso ao poder político por
parte de interesses que clamam por reconhecimento, mesmo que externamente às
instituições representativas tradicionais.
Ou seja: um quadro positivo se insinua nos casos estudados no livro, mas a
tensão nos três níveis indicados permanece sem que se possa predizer com exatidão a
direção que tomará. O certo é que, para o bem ou para o mal, Ministério Público e
Poder Judiciário ganharam um inédito protagonismo para a consolidação da
democracia no Brasil. Na crítica ou elogio da atuação contemporânea de tais
instituições – para o reforço de sua lógica ou para sua reforma profunda – não mais
sobrevive a hipótese de se tomar como ponto de partida um cenário de debilidade das
mesmas. Portanto, conhecê-las a fundo adquire importância de primeira ordem e,
dentro desse cenário, a obra de Casagrande, em especial no que tange ao Ministério
Público, aparece como contribuição de primeira grandeza.
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