FOCO: CRESCIMENTO E DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO Economia [email protected] Fauzi T Jorge Meio Século de Economia Brasileira: Desenvolvimento e Restrição Externa NETTO, Antonio Delfim, in GIAMBIAGI, F.; VILLELA, A.; CASTRO, L. B. de; HERMANN, J. (Org.). Economia Brasileira Contemporânea (1945-2004). Rio de Janeiro: Elsevier, 2005. Economia [email protected] Fauzi T Jorge Delfim Netto expõe alguns elementos da teoria do desenvolvimento econômico, sua evolução e o seu estágio atual, neste capítulo do livro-texto. Em seguida, repassa, em grandes linhas, o crescimento econômico brasileiro nos últimos 56 anos (1947-2003), fazendo referência à política econômica posta em prática nos diversos períodos, os problemas enfrentados e os resultados obtidos. Economia [email protected] Fauzi T Jorge A teoria do desenvolvimento enfatiza como condição para um crescimento autossustentado a manutenção da estabilidade macroeconômica, a abertura ao mercado internacional e o estímulo à competição no mercado interno. Na condução da política econômica, será que os policy makers seguiram esses conselhos? Por que o sucesso em alguns períodos e o fracasso em outros? Quais foram os fatores críticos do desenvolvimento econômico brasileiro? Quais as lições que se pode tirar? São algumas das questões que o autor tentará responder neste texto. Economia [email protected] Fauzi T Jorge Como as nações se desenvolvem? Evolução do Pensamento sobre Desenvolvimento Econômico O título desta seção supõe, implicitamente, que se conhecem os fatores que produzem o crescimento e que se dispõem de instrumentos de política econômica capazes de conduzi-los na direção correta. Para os economistas esse é um velho problema. Embora tenham avançado no conhecimento dos elementos que parecem induzir ao crescimento, o mesmo não se pode dizer dos instrumentos capazes de promovê-lo. Pelo menos três visões diferentes dominaram o pensamento econômico: a) A visão neoclássica, com ênfase nas virtudes do mercado auto-regulador e do equilíbrio instantâneo, colocou o peso do desenvolvimento na flexibilidade dos preços e salários, o que manteria a economia crescendo com pleno emprego; b) A visão keynesiana, cética quanto à capacidade do mercado de manter o pleno emprego, enfatizou a relação da demanda efetiva. Mal utilizada, ela criou a falsa idéia de que patrocinava não apenas o crescimento, mas também a inflação. Economia [email protected] Fauzi T Jorge Como as nações se desenvolvem? (continuação) c) A visão schumpeteriana, que colocou a ênfase sobre os investimentos autônomos que incorporam as inovações técnicas. Estas últimas são a base do crescimento econômico, porque promovem a mudança da estrutura produtiva. O desenvolvimento econômico e o progresso tecnológico se confundem. As novas atividades, ao mesmo tempo em que demandam mais investimentos que incorporam a nova tecnologia, geram novos empregos que exigem qualidades diferentes dos trabalhadores. As velhas tecnologias vão sendo eliminadas junto com os seus empregos, num processo de “destruição criativa” no qual os ajustes estruturais acabam aumentando o emprego final, se o crescimento for robusto. O desenvolvimento econômico não é um processo pacífico: é descontínuo e agressivo, derivado das diferenças de progresso tecnológico e das diferenças de crescimento entre as várias atividades. Ao contrário do que creem os neoclássicos (e mais ainda os novos clássicos!), e de certa forma os keynesianos, não há nesse processo papel para o “equilíbrio” que domina a teoria econômica. Economia [email protected] Fauzi T Jorge Como as nações se desenvolvem? (continuação) Alguns economistas insistem na ideia de que o desenvolvimento depende apenas da poupança, que deveria anteceder à acumulação de capital físico, do humano e da incorporação de novas tecnologias. Trata-se, obviamente, de uma ideia reducionista que produzi o desenvolvimento por necessidade: tendo poupança há investimento e crescimento. As evidências empíricas indicam que, ao contrário, a poupança provavelmente sucede ao crescimento em lugar de antecedê-lo, induzida pela modificação dos preços relativos. Sem uma teoria adequada, não é de estranhar que os economistas tenham feito um pobre papel no assessoramento aos governos no que respeita ao desenvolvimento. Isso é dramaticamente demonstrado pelo fracasso dos economo-burocratas das Nações Unidas durante os anos 50 e 60. Hoje é evidente que eles – com a sua pretensão de saber, seus modelos mecânicos e sua crença na engenharia social – provavelmente atrasaram o crescimento dos países que pretendiam ajudar, como foi o caso da Índia. Desse ponto de vista, parece que as coisas não melhoraram muito. Basta ver os estragos produzidos pela intervenção inicial do FMI na crise asiática. Economia [email protected] Fauzi T Jorge O desenvolvimento depende das condições iniciais, da dimensão do país, da sua história e geografia e das boas práticas econômicas. Quem possuir condições iniciais razoáveis, tendo um mercado interno suficientemente grande para incorporar melhores tecnologias, tem mais graus de liberdade e pode ousar mais na realização do O que é o seu desenvolvimento. Não se trata de isolar-se do desenvolvimundo, mas de procurar entender os rumos do mento desenvolvimento mundial e posicionar estrategicamente, econômico? a economia para auferir o máximo proveito da globalização. O desenvolvimento econômico pode ser resumido em cinco proposições solidamente demonstradas empiricamente: Economia [email protected] Fauzi T Jorge 1. É um processo histórico não necessariamente monotônico, em que o acidente locacional é importante, e que depende fundamentalmente do quadro institucional dos países. Segundo G. W. Scully, com base em uma amostra de 115 países, sociedades politicamente abertas, que respeitam as regras da lei e a propriedade privada, e usam o mercado para alocar seus recursos, crescem a uma taxa três vezes maior e são duas vezes e meio mais eficientes do que as sociedades em que essas regras são restritas. 2. Depende, basicamente, do capital humano, isto é, do nível de educação médio da população, de sua saúde, do seu “saber fazer”, da sua capacidade inventiva e empresarial e do progresso do conhecimento, o que significa investimento (privado e público) na pesquisa; 3. As variáveis mais importantes para explicar o aumento da capacidade produtiva no longo prazo são uma robusta correlação entre o crescimento e a percentagem de investimento com relação ao PIB e entre essa percentagem e o grau de abertura com relação do PIB. Economia [email protected] Fauzi T Jorge 4. A participação no processo de integração da economia mundial é um importante fator não apenas pela melhoria da eficiência estática que gera, como também pelos substanciais ganhos de competitividade dinâmica que o comércio internacional propicia; 5. O desenvolvimento sustentado exige uma preocupação com os problemas ecológicos. A diminuição do custo produzida pelo descaso com o meio ambiente deve ser considerada concorrência desleal, para evitar o problema do free-rider. Economia [email protected] Fauzi T Jorge Para que o crescimento de longo prazo seja possível, é necessário: • Níveis de inflação baixos e previsíveis; O “ambiente” de estabilidade macroeconômica • Política fiscal estável e responsável; • Taxa de juro real adequada; • Taxa de câmbio real de equilíbrio e previsível, que assegura um balanço em conta corrente sustentável no longo prazo, com ampla abertura comercial e com taxas de crescimento do PIB próximas do pleno emprego; • Um sistema financeiro bem regulado e sólido. Economia [email protected] Fauzi T Jorge A “receita do bolo”, segundo Delfim Netto As políticas que produzem o crescimento podem ser identificadas como aquelas que, simultaneamente, geram a estabilidade macroeconômica, estimula a eficiência microeconômica e abrem a economia para o comércio internacional. Elas incluem: 1. Definição clara de que todos os cidadãos e empresas nacionais ou estrangeiras estão sujeitos à mesma lei. A propriedade privada e o respeito aos contratos, necessário para o funcionamento do mercado, devem ser plenamente assegurados; 2. Estímulo à ampliação pelo setor privado do investimento no capital físico e humano, na pesquisa científica e tecnológica, bem como na sua absorção. O governo deve reduzir suas despesas de custeio e concentrar o uso de sua poupança na formação do “capital humano” (educação e saúde), na pesquisa básica e na infraestrutura, o que eleva a produtividade do investimento privado; Economia [email protected] Fauzi T Jorge A “receita do bolo”, segundo Delfim Netto (continuação) 3. Sistema tributário leve e neutro do ponto de vista alocativo e que não distorça a intermediação financeira. Ele deve estimular o investimento, o aumento da oferta de trabalho e não discriminar a formação de poupança. Deve desonerar as exportações e a formação do capital fixo. O equilíbrio fiscal precisa ser rigorosamente mantido. 4. Sistema financeiro e de mercado de capitais eficientes e competitivos, sujeitos a regulação e controle cuidadosos, capazes de ofertar o crédito e o capital necessários a taxas de juros reais razoáveis. A legislação prudencial é historicamente datada, o que exige atenção especial da autoridade monetária. 5. Livre formação dos preços nos mercados, com a legislação assegurando o processo competitivo, e o estrito controle das práticas monopolistas. 6. Política de esclarecimento público que induza à paternidade responsável. Economia [email protected] Fauzi T Jorge A “receita do bolo”, segundo Delfim Netto (continuação) 7. Abertura comercial e financeira para o exterior, com uma modesta tarifa nominal única, que incida sobre todas as importações. As importações de bens de capital que incorporam as novas tecnologias estimulam vigorosamente o crescimento e ampliam a capacidade produtiva; as de bens intermediários possibilitam o aumento da produção, que, somada às importações de outros bens, permite a diversificação do consumo. Constituem assim parte essencial da dinâmica do desenvolvimento. A abertura deve ser simétrica, suportada por substancial esforço econômico e político para expandir e diversificar as exportações, uma vez que somente as suas receitas podem pagar as importações. A falta desse suporte rompe a dinâmica e leva à estagnação. É fundamental neste processo buscar a isonomia das condições produtivas com relação à dos competidores. Condições isonômicas significam uma ação estatal enérgica para a redução do custo físico (infraestrutura) e do custo institucional com a melhoria da regulação da concorrência, da proteção jurídica dos contratos e da desregulamentação de tudo que inibe a liberdade de iniciativa, possibilitando aos agentes econômicos aproveitarem com rapidez e eficiência as oportunidades produtivas. Economia [email protected] Fauzi T Jorge A “receita do bolo”, segundo Delfim Netto (continuação) E, por último, 8. Políticas industrial e comercial voltadas para a competitividade externa. Na existência de externalidades, rendimentos crescimentos, falhas de mercado, tamanho de mercado, informação assimétrica etc., a correção, ou a compensação, deve ser feita de forma clara e direta. Crescimento com competição é o nome do jogo! Mas é preciso cuidado e sensibilidade, porque o mercado pode fazer muita coisa, mas não pode garantir equidade. O desenvolvimento é um jogo cooperativo entre os três parceiros: os trabalhadores, os empresários e o governo. É preciso construir instituições que, sem prejudicar a eficiência, garantam aos trabalhadores uma efetiva realidade participativa. Eles têm de se perceber parte integrante e respeitada do processo de crescimento e não seres alienados para os quais o crescimento é irrelevante. Economia [email protected] Fauzi T Jorge A Mecânica e a Dinâmica do Desenvolvimento Economia A Figura 9.1 sugere a mecânica e a dinâmica do desenvolvimento, cuja essência é sempre a mesma: a construção de instituições que tornem automáticas a expansão da quantidade e qualidade do capital humano e físico que endogeinizam o desenvolvimento tecnológico. Dependendo das hipóteses formuladas, ele pode ser expresso através de diferentes modelos matemáticos, mas que pouco acrescentam à sua intuição. No canto superior esquerdo, temos a população, da qual se extrai a força de trabalho com coeficiente de participação (p). A qualidade da força de trabalho (h) depende do seu estado de saúde e do nível de sua educação. Aplicada ao estoque de capital (que incorpora uma dada tecnologia), produz o PIB cuja quantidade é função do parâmetro (a) a relação produto/capital. Quanto mais elevado for (a), maior o PIB produzido pelo mesmo estoque de capital. [email protected] Fauzi T Jorge Conta Corrente População Importação p Força de Trabalho h Estoque de Capital a PIB Exportação Consumo Consumo do Governo Auto-investimento Governo Investimento do Governo v Saúde Pesquisa & Desenvolvimento Educação p = participação na força de trabalho h = “qualidade (saúde e educação)” Economia [email protected] Investimento a = relação produto/capital v = desenvolvimento tecnológico Fauzi T Jorge O PIB, por sua vez, é utilizado de quatro maneiras: 1. Exportação , cujo objetivo é gerar receita cambial para pagar as importações; 2. Consumo, que retorna à força de trabalho; O destino do PIB 3. Pagamento de impostos ao governo, que são consumidos internamente pela sua máquina; devolvidos na forma de serviços à força de trabalho investidos em infraestrutura, ampliando o estoque de capital físico (que aumentam a eficiência do investimento privado); investidos em educação e saúde, elevando a qualidade da força de trabalho (h), ou ainda na pesquisa e desenvolvimento; 4. Investimentos do setor privado, que, através da incorporação do desenvolvimento tecnológico (v), aumenta a qualidade do novo capital. Quanto maior o parâmetro (v), maior a qualidade do novo capital adicionado ao estoque existente, o que eleva simultaneamente a relação produto/capital (a) e a produtividade total do sistema econômico. Quanto maiores os investimentos do setor privado e do setor público, maior será a acumulação do capital e maior o ritmo de crescimento e do emprego. Economia [email protected] Fauzi T Jorge O Desenvolvimento Econômico Brasileiro A economia brasileira presenciou no pós-Guerra período exuberantes de desenvolvimento, de crises cambiais e monetárias, de estagnação e de recessão. Dividiu-se o período de 1948-2003 em seis fases: 1. Crescimento e crise (1948-1963); 2. Reforma, crescimento e equilíbrio (1964-1973); 3. Choque, crescimento e crise (1974-1979); 4. Ajuste estrutural, crescimento e inflação (19801985); 5. Hiperinflação e estagnação (1986-1994); 6. Estabilidade monetária e estagnação (19952003). Economia [email protected] Fauzi T Jorge Gráfico 9.1 Taxas de Crescimento do PIB Real - 1948-2003 15,0 5,0 2002 2000 1998 1996 1994 1992 1990 1988 1986 1984 1982 1980 1978 1976 1974 1972 1970 1968 1966 1964 1962 1960 1958 1956 1954 1952 1950 1948 PIB (% ao ano) 10,0 (5,0) Crescimento e crise Reforma, crescimento e equilíbrio Crescimento e crise Ajuste e Crescimento Hiperinflação e estagnação Estabilidade e estagnação 7,1 8,3 6,7 2,5 2,2 2,0 Média dos períodos (% ao ano) (10,0) Fonte: IBGE Elaboração: Ideias Consultoria. Economia [email protected] Fauzi T Jorge Gráfico 9.2 PIB e Inflação - 1964-1974 100% 1964 90% Inflação (%) 80% 70% 60% 50% 1968 1974 40% 1968 30% 1971 1965 20% 1967 10% 0% - 2,0 4,0 1969 6,0 8,0 1970 10,0 1973 1972 12,0 14,0 16,0 PIB real (% ) Economia [email protected] Fauzi T Jorge Gráfico 9.3 Ajuste Externo 1976-1986 : PIB e Saldo em Transações Correntes 15,0 PIB (%) 1964 10,0 1968 1976 (5,0) 1977 1978 1979 1980 1981 1974 1982 1983 1968 1985 1971 1965 1967 1969 (10,0) (15,0) (20,0) Economia 1984 [email protected] 1970 1986 Transações Correntes (US$ bi) 5,0 1973 1972 Fauzi T Jorge Tabela 9.3 Resumo do Período 1948-2003 PIB População Conta Corrente Inflação (%a.a.) PIB per capita (%a.a.) Recomendações da Teoria (%a.a.) 1948-1963 7,1 2,9 4,1 Deteriorando Crescente C 1964-1973 8,3 2,8 5,4 Equilíbrio Decrescente B 1974-1979 6,7 2,4 4,2 Deteriorando Crescente C 1980-1985 2,5 2,1 0,4 Equilíbrio Crescente C 1986-1994 2,2 2,0 0,2 Equilíbrio Crescente D 1995-2003 2,0 1,3 0,7 Deteriorando Decrescente D Fonte: IBGE A – atende todas as recomendações da teoria B – atende a maioria das recomendações da teoria C – atende razoavelmente as recomendações da teoria D – não atende a maioria das recomendações da teoria Economia [email protected] Fauzi T Jorge O epitáfio, segundo Delfim Netto Por tudo que vimos, podemos encerrar este capítulo com uma frase escrita há quase dois séculos e meio por Adam Smith. Com ela se iniciava, anualmente, há quase meio século, o curso sobre a Teoria do Desenvolvimento Econômico na FEA-USP: “Para transformar um Estado do mais baixo barbarismo ao mais alto grau de opulência são necessários: paz, tributação leve e uma tolerável administração da justiça. Todo o resto vem pelo curso natural das coisas.” Essay on Philosophical Subjects, 1755 Economia [email protected] Fauzi T Jorge