PARTIDO DO TRABALHO DA BÉLGICA Jo Cottenier e Henri Houben Crise do Sistema Segundo o Fundo Monetário Internacional (FMI), o crash atual só é comparável ao de 1929. Naquela ocasião, depois do crash, vieram vários anos de grande depressão, o fechamento de muitas empresas, taxas incrivelmente altas de desemprego, cortes nos salários, incremento da pobreza. Foi o aviso prévio da Segunda Guerra Mundial. Terá essa crise as mesmas consequências dramáticas ou será possível contê-la? De repente, os Estados Unidos reapareceram. Será isso suficiente para absorver o choque? Hoje em dia, inclusive os mais aguerridos liberais estão exigindo mais regulamentação para os mercados financeiros. Mas é possível prevenir a crise vigiando mais as idas e vindas da indústria bancária? Ou há algo mais que isso? Para tentar responder estas perguntas temos que entender as origens da crise atual. Para isso, temos que voltar no tempo. A economia global já em situação desesperada desde 1973 Os Estados Unidos saíram da Segunda Guerra Mundial como a potência mundial incontestável, o que conseguiram transformando o dólar na moeda mundial. Somente os dólares podiam ser trocados por ouro, e o resto das moedas tinha uma taxa de câmbio fixa com relação ao dólar. Estas regulamentações foram estabelecidas nos acordos de Bretton Woods (1944). Os Estados Unidos utilizaram o fato de ter o poder para fazer frente ao comunismo. Sua prodigiosidade não conheceu limites e as máquinas de imprimir dólares funcionavam a toda velocidade. Na Europa Ocidental, o objetivo do caro Plano Marshall era construir uma sólida muralha contra a União Soviética e amordaçar a resistência local. Os Estados Unidos lançaram um plano similar de ajuda no sudeste asiático (Coréia e Taiwan). A maquinaria militar criada para lutar contra os nazistas foi aperfeiçoada e utilizada para lutar contra o comunismo. Os Estados Unidos lideraram guerras contra a “ameaça comunista” na Coréia (1950-1953) e no Vietnam (1959-1975). Também deram apoio a seus aliados sionistas no Oriente Médio durante a Guerra do Seis Dias (1967) e a Grande Guerra do Yom Kippur (1973). A economia dos Estados Unidos na época da Guerra Fria estimulou um rápido crescimento, mas ao mesmo tempo era uma fonte de instabilidade. A produtividade industrial cresceu rapidamente durante os dourados anos 60. Trabalho e capital se mantinham estáveis. Em outras palavras, os salários cresciam tão rápido quanto a produtividade. A distribuição de renda nacional (em porcentagem de trabalho e capital) se mantinha estável. No entanto, tudo isso não se produziu sem atritos. O final dos anos 60 foi o começo do fim para esse longo período de crescimento relativamente importante e estável. O rápido incremento da produtividade foi freado e a capacidade produtiva deixou de ser aproveitada em toda a sua extensão. Não eram utilizados todos os investimentos, e as taxas de lucro diminuíram. Finalmente, os mercados saturaram; estava claro que se formava uma crise de superprodução. Tudo explodiu quando, em 1973, os países da OPEP quadruplicaram os preços do petróleo. Os preços subiram de 2 a 9 dólares o barril. A segunda crise do petróleo aconteceu em 1979, quando os preços subiram de 13 para 26 dólares. Em 1982, um barril custava 32 dólares. Há duas análises sobre a crise que começou em 1973. Foi o resultado dos preços do petróleo, em outras palavras, foi um fator externo ocasionado pelos produtores de petróleo? Ou foi a crise do petróleo simplesmente seu ponto de partida? Segundo este segundo ponto de vista, o crescimento global da economia estava numa situação desesperada em 1973 por causa dos processos internos recorrentes do capitalismo. Os mesmos processos que Karl Marx havia descrito um século antes. Karl Marx nos permitiu entender os processos recorrentes do capitalismo. Explicou claramente por que estes processos conduzem inevitavelmente às crises de superprodução. Existe claramente uma contradição fundamental na base do capitalismo: os meios de produção (fábricas, matérias primas, etc.) são de propriedade privada, enquanto a própria produção é realizada com base em um modo cada vez mais social. Isso é cem vezes mais certo hoje que na época de Marx. Os complexos aparelhos produtivos, estendidos frequentemente por todo o mundo, trabalham em benefício somente de uns poucos acionistas. O único planejamento existente tem como objetivo acabar com a competição. Para conseguir isso, é preciso obter mais lucros que a concorrência e acumular mais e mais capital. Ao elevar a taxa de investimento, cada parte espera ganhar esferas de mercado diante de seus rivais. Mas, para conseguir isso, os custos de produção (corte de salários) devem ser reduzidos e continuamente racionalizados para produzir mais utilizando menos trabalho. Este processo leva inevitavelmente à crise de superprodução, pela contradição entre a capacidade produtiva das indústrias e a diminuição do poder aquisitivo das pessoas. Marx resumia da seguinte forma: “A última razão de todas as crises reais é sempre a pobreza e a limitação do consumo das massas diante da tendência da produção capitalista de desenvolver as forças produtivas como se tivessem mais limite que a capacidade absoluta de consumo da sociedade” [1]. Este é o resultado do caos social, onde só funciona a lei do lucro máximo. A produção não está organizada de nenhuma maneira para satisfazer amplamente as necessidades da sociedade. Uma crise de superprodução muito longa e em câmera lenta Sempre que há uma recaída, os capitalistas dão suas próprias soluções e sabem que podem contar com o apoio e a ajuda do Estado. Sua solução habitual à crise implica a destruição de uma parte da capacidade produtiva mediante o fechamento de empresas e a demissão de trabalhadores. Os preços e os salários são cortados. As empresas menores, mais frágeis, desaparecem ou são adquiridas por outras maiores. Isto permite que a oferta novamente se adapte à demanda. A taxa de lucro volta a crescer, volta-se a investir dinheiro: começa um novo ciclo. Como descreveu Marx, trata-se de um processo de crescimento seguido de um estancamento, uma crise e uma recuperação que acontecem em um período de cinco a sete anos: o ciclo econômico. No entanto, desta vez há algo mais que apenas uma recessão cíclica ”simples”. Desde 1973, se produziram subidas e quedas, mas os picos são curtos e as quedas bruscas. Um período de crise tão longo já havia ocorrido anteriormente. A primeira crise importante que afetou as grandes potências econômicas aconteceu depois de 1873. Acabou com a massiva exportação de capital e a luta por uma esfera de influência nas colônias que, por fim, desembocou na Primeira Guerra Mundial. Foi a fase inicial que Lênin chamou de “imperialismo”, uma etapa – a última – do capitalismo caracterizada pela fusão do capital bancário e industrial e a divisão do mundo em colônias. A segunda crise estrutural aconteceu depois do crash de 1929 e terminou com o início da Segunda Guerra Mundial. Desde 1973, vivemos na terceira crise estrutural. No entanto, esta crise está acontecendo sob circunstâncias especiais. Já em 1975, os esquemas de estabilização estavam sendo postos em prática na Bélgica. Quatro “indústrias nacionais” – carvão, aço, têxtil e vidro – desmantelaram-se com a cooperação do estado, incluindo a nacionalização temporária da indústria siderúrgica. Uma segunda onda de planos foi lançada em 1981, quando fizeram planos para o corte de salários e serviços sociais. O franco belga sofreu uma desvalorização e não se concretizaram três aumentos salariais depois de aumentos nos índices de preços. Os governos desmantelaram a previdência social e os seguros-desemprego sem se importar com as greves nacionais, nem com as manifestações que firmemente se opunham a isso. Somente em 1989, fomos testemunhas de uma pequena melhora que, em 1991, já havia terminado. A Comunidade Europeia ocupou-se do assunto a partir de 1985. Foram adotadas muitas medidas: o Mercado Comum de 1990, o Tratado de Maastricht em 1991 (e moeda comum), a privatização do setor público durante os anos 90 e a estratégia de Lisboa em 2000. Na Bélgica, a oposição a estas medidas se expressou principalmente através de uma série de greves contra o “plano global” em 1993 e as greves contra o denominado “pacto gerencial” de 2005. O concorrente estadunidense era o modelo para todas as medidas adotadas pela União Europeia. Isto não era coincidência. Desde o início da crise, em 1973, a superpotência Estados unidos não cessou nunca de deixar seu pesado selo na economia global. Isto se fez ainda mais claro em 1980, quando a parte mais direitista e agressiva da burguesia estadunidense ganhou poder com a presidência de Reagan. Esta situação fez com que adotassem medidas radicais que tiveram muita influência no desenvolvimento da crise em todo o mundo. Devido a algumas dessas medidas, a crise passou para outros países. Outras medidas abrandaram a crise transitoriamente e impulsionaram artificialmente a economia global. Isto explica por que a crise concretamente foi tão complexa. As soluções que os Estados Unidos ofereceram contribuíram para o colapso financeiro atual. Um resumo destas soluções nos permitirá entender melhor o quanto a crise é séria e por que a única saída a esta crise de superprodução atrasada é a massiva destruição de capital. Seguir o exemplo dos Estados Unidos só leva ao colapso No final dos anos 60, os Estados Unidos tiveram que fazer frente a dois rivais que haviam voltado à vida: Europa e Japão. Ao mesmo tempo, os Estados Unidos estavam envolvidos na guerra de independência do Vietnam e outros países na região do sudeste asiático. A corrida armamentista com a União Soviética também era bastante cara. A torneira do dólar continuava fluindo, e grandes somas de dinheiro acabavam em bancos europeus (os denominados eurodólares). No início de Bretton Woods, em 1944, a Reserva Federal ainda possuía 60% do total de reservas mundiais de ouro, mas como os bancos nacionais europeus estavam transformando essas enormes quantidades de dólares em ouro – uma espécie de segunda quimera do ouro -, essa proporção caiu rapidamente para 15%. Dessa forma, Nixon tomou a decisão unilateral de acabar a conversibilidade direta dos dólares em ouro. Dois anos depois, abandonaram o regime de câmbio fixo, e o dólar começou a flutuar. Perdeu valor até 1979. Então, a dupla Volcker-Reagan começou a seguir caminhos distintos. O abandono de Bretton Woods deu aos Estados Unidos mais possibilidades de manobra, porque o dólar já não podia ser desvalorizado mediante a reclamação de seu valor em ouro, perante a Reserva Federal. Mais do que nunca, o dólar se transformou em uma moeda global, só que agora o governo dos Estados Unidos podia também manipular o tipo de câmbio à vontade. Até hoje, aproveitaram muito essa possibilidade. Durante trinta anos, os Estados Unidos reviveram mercados financeiros por todo o mundo. Utilizaram um mecanismo triplo como alavanca: o dólar, o crédito e a especulação, o que levou a um enorme incremento do tamanho dos mercados financeiros. Em 1980, o valor dos instrumentos financeiros era estimado no equivalente ao Produto Interno Bruto mundial (PIB). Em 1993, esse valor era o dobro. E, no final de 2005, era mais de três vezes superior, ou seja, 316% do PIB mundial. Entre 2000 e 2004, os títulos de dívida pública e privada representavam mais da metade deste incremento. Isso mostra o crescente papel da dívida e as compras realizadas por meio de financiamentos através de empréstimos [2] como motor do processo [3]. Em 2004, o comércio diário de derivados [4] alcançou os 57.000 milhões de dólares e o comércio de divisas, 1,900 milhões de dólares. Juntos somavam 76.000 bilhões de dólares ao dia. Isso é mais do que o valor das exportações anuais [5]. Como essa tendência apareceu? Para manter sua posição preeminente, os Estados Unidos seguiram caminhos nos anos 80 que contribuíram para inflar a bolha financeira. 1. Em 1979, Paul Volcker, presidente do FED, decidiu, sem aviso prévio, elevar as taxas de juros. Em poucos meses aumentaram de 11% a 22%. Tal porcentagem era incrivelmente alta, especialmente com a depressão ainda muito presente. O fato de que o crédito ainda fosse incrivelmente caro continuou freando a economia. Uma taxa de inflação de 10% supunha que os capitalistas perdiam anualmente 10% de sua fortuna. A alta inflação é boa para quem está endividado porque está devolvendo o dinheiro que deve com dinheiro de baixo valor. Os bancos, no entanto, viam que os empréstimos que haviam concedido perdiam 10% de seu valor. Reagan e Volcker rapidamente tomaram uma decisão [6]. Essa decisão também esteve condicionada pelo fato de que a dívida anterior à alta da inflação podia ser atribuída aos altos salários e os “excessivos” benefícios sociais. Resumindo, os possuidores de capital queriam que a luta contra a inflação tivesse preferência e conseguiram. Como resultado, a inflação baixou a 2 ou 3% no final dos anos 80. Foi o primeiro grande presente dos Estados Unidos ao mundo financeiro. As consequências apareceram rapidamente. A crise piorou e atingiu seu ápice. As principais vítimas foram os que estavam fortemente endividados e não podiam fazer outra coisa, a não ser ver como as taxas de juros aumentavam vertiginosamente. Foi um desastre para os países latino-americanos. Os bancos ocidentais haviam concedido empréstimos a países do terceiro mundo, que se alegraram ao ver que se injetava capital para ajudar a construir suas indústrias. Os Estados Unidos estavam, particularmente, em uma boa situação econômica: 40% de todos os empréstimos eram feitos por seus bancos, e as empresas dos Estados Unidos recebiam muitos pedidos de equipamento para a industrialização dos países do terceiro mundo, processo que, geralmente, estava dando seus primeiros passos. Tudo parecia promissor até que as taxas de juros dispararam, e os países que haviam pedido dinheiro emprestado tiveram que pagar com juros maiores do que estavam ganhando com suas exportações. Em 1982, o México esteve à beira da bancarrota. Em 1983 foi a Argentina, e o Brasil foi logo depois, em 1984. Como é natural, a indústria bancária também se viu em sérios problemas, mas, ao mesmo tempo, tratava-se de uma nova oportunidade para que os Estados Unidos, via FMI, pressionasse para a adoção de estratégias radicais de reestruturação que abririam as economias do terceiro mundo às multinacionais estadunidenses. Em nome do livre mercado, todas as barreiras nacionais foram derrubadas em benefício das companhias transnacionais. A decisão de Volcker de aumentar as taxas de juros fez o dólar mais atrativo. O tipo de câmbio do dólar deixou de cair, e as altas taxas de juros ajudaram a atrair investidores. O caminho estava, assim, livre para a entrada dos dois elementos seguintes: o crédito e a especulação. 2. Os possuidores de capital também exigiam uma reforma fiscal. Reagan lhes concedeu a Lei de Impostos para a Recuperação da Economia de 1981. A taxa de imposto sobre os rendimentos mais elevados foi reduzida durante os anos 80 e 90, de 70% a 28%, com Reagan e, em parte, com Clinton na presidência. Como os rendimentos dos mais ricos dos Estados Unidos (1% dos cidadãos) aumentaram 50% durante esse período, em média, o imposto sobre seus rendimentos foi reduzido de 37% em 1979 a 29% em 1990. Isto representou um aumento de 70% na liquidez depois dos impostos. Para os mais pobres dos Estados Unidos (20% dos cidadãos), no entanto, a renda e a pressão fiscal se mantiveram da mesma forma. Em 1980, esse mesmo 1% dos cidadãos mais ricos dos Estados Unidos possuía 30% de todos os ativos, uma porcentagem que chegou rapidamente a 38% nos anos 80 [7]. Em 1998, 5% dos mais ricos dos Estados Unidos possuíam 59% da riqueza, ou seja, mais do que possuía os 95% restante. O consumo dos bem-posicionados economicamente experimentou um duplo incentivo. Primeiro, porque tinham maiores rendimentos; segundo, porque o aumento de seus ativos lhes dava cobertura caso quisessem obter empréstimos. A parte do consumo privado em relação PIB [8] aumentou de 62% em 1980 para 68% em 2000. Isto se refletia na economia das famílias dos Estados Unidos. 50% das famílias norteamericanas com rendimentos baixos quase não conseguiam economizar dinheiro, mas, independentemente disso, as economias anuais feitas por todas as famílias caíram de 8% do PIB em 1980 para 5% em 1990 e para 1,5% em 2000. A dívida privada foi encorajada e aumentou. Em 1980, as dívidas das famílias norte-americanas eram de aproximadamente 50% do PIB e chegaram a 65% em 1990, 75% em 2000 e 100% em 2007. O segundo elemento havia entrado em cena. Este gigantesco crescimento do crédito não aconteceu sem produzir consequências para a economia global. O consumo dos Estados Unidos, que chega a uma média de 30% do consumo privado global, promoveu a demanda global. De fato, desde os anos 60, as companhias multinacionais estadunidenses vinham produzindo cada vez mais no exterior: na Europa e em países onde o trabalho era barato. O consumo aumentava, o que significava que as importações cresciam. Os Estados Unidos tiveram que enfrentar rapidamente um crescente déficit comercial. O aumento da taxa de câmbio do dólar (devido às altas taxas de juros) teve um duplo efeito. Por um lado, um dólar forte permitia às pessoas comprar bens de importação de melhor valor; por outro lado, também atraía investidores estrangeiros. Assim, os dólares que saíam do país quando pagavam as importações, eram reinvestidos como capital em títulos do governo dos Estados Unidos. O dólar garantia que o superconsumo dos ricos se perpetuasse. Em outras palavras, a economia dos Estados Unidos estava sendo sustentada pelo resto do planeta. 3. Ao mesmo tempo, houve uma revolução crucial na vida empresarial. As empresas trabalhavam cada vez mais para a bolsa. Foi Jack Welch quem deu o tom. Em 1981, Jack Welch era o diretor da General Electric, com uma equipe de 400.000 trabalhadores. Sua ambição era transformar a General Electric na empresa mais competitiva do mundo, e tinha seus próprios métodos para alcançar a meta. Qual foi o primeiro passo? Despedir 10% dos trabalhadores menos eficientes a cada ano. Qual foi o segundo passo? Quando a empresa estivesse no auge da atividade industrial, seria introduzida no mundo financeiro. Isto foi o que Welch fez com a General Elecric. Os rendimentos do grupo aumentaram de 1,5 bilhões de dólares em 1980 para 4 bilhões em 1990, e para 7,3 bilhões em 2000. Os acionistas estavam exultantes. O método de Welch teve tanto êxito que logo se transformou na norma dos Estados Unidos e, inclusive, em todo o mundo empresarial ocidental. Os lucros eram definidos antecipadamente, geralmente em torno de 15%, o que era um índice muito mais alto que a taxa média de lucro. E a margem de lucro já era calculada de antemão nos custos de produção. A dedução de lucro se fazia antes, não depois. Isto fez com que as companhias economizassem constantemente onde fosse possível e assumiram muitos riscos financeiros. Entraram no mundo financeiro, trabalhando principalmente com dinheiro emprestado e contando com a alavanca financeira [9]. Os dividendos se transformaram no último critério; a valorização das ações de uma empresa se transformou no único modo de medir seu valor. Quanto mais alto fosse o valor de mercado, mais investidores atraía. Foi desse modo que apareceu o terceiro elemento. A indústria dos Estados Unidos começou a centrar-se principalmente em produtos de alta tecnologia e em ramos de atividades, ou seja, nos setores mais lucrativos. A atividade secundária era subcontratada e geralmente era transferida a países onde a mão de obra era barata. Foi assim que se desenvolveram as maquiladoras mexicanas: de 620 em 1980 (com 120.000 trabalhadores), chegaram em 2006 a 2.800, empregando 1,2 milhões de pessoas. Uma evolução similar ocorreu em países como a Malásia, Singapura e Taiwan. Os mesmos métodos eram utilizados em todo o mundo. Atualmente, muitos monopólios utilizam a regra de 15% para satisfazer seus acionistas e muitos monopólios europeus e japoneses ganham mais com suas operações financeiras, que com sua produção industrial real. 4. A desregulamentação financeira e a sua proliferação desenfreada aceleraram o colapso financeiro atual. Os Estados Unidos adotaram várias medidas após o crash de 1929 e depois que vários bancos foram à bancarrota, para tentar evitar que ocorresse novamente. A Lei Glass-Steagall de 1933 introduziu a separação dos bancos por tipos de negócio (banco comercial e de investimento) e fundou a Corporação Federal de Seguro de Depósitos para garantir os depósitos bancários. Também aplicou o que se conheceu como o Regulamento Q, que tinha como objetivo proibir uma diferença nas taxas de juros, conforme o tamanho da riqueza do cliente. Sem este regulamento, os bancos podiam atrair clientes mais ricos ao oferecer-lhes maiores taxas de juros, que poderiam colocar os bancos comuns em perigo. No entanto, no início dos anos 60, estas restrições legais foram sendo revogadas gradualmente e em 1980 desapareceram completamente. Um crescente mercado de derivativos (títulos financeiros cujo valor é determinado por outros ativos) veio à luz do dia. Isso conduziu a criações financeiras surpreendentes. Os títulos eram criados com qualquer cobertura, inclusive dívida. Instigou-se uma verdadeira revolução no financiamento de investimento e compra. As empresas já não se sustentavam sobre empréstimos bancários, elas financiavam operações emitindo títulos financeiros. Algumas pessoas se especializaram em emitir estes títulos. Quando Clinton chegou ao poder, revogou a separação entre os diversos tipos de instituições financeiras. Chegou à total desregulamentação. Outros países seguiram o exemplo dos Estados Unidos. Os instrumentos financeiros proliferaram e se converteram, ao mesmo tempo, em objetos de especulação. Cresceram de tal maneira que a tradicional relação entre banca e indústria acabou adotando forma completamente diferente. Em sua obra O imperialismo, fase superior do capitalismo, Lênin mostra como a fusão dos monopólios bancários com os industriais cria o que se denominou capital financeiro. Explica que a propriedade e os juros se vinculam porque, com o crédito, os bancos se convertem gradualmente em proprietários da indústria. Lênin conclui: “Concentração da produção; monopólios que resultam da mesma; fusão ou junção dos bancos com a indústria: eis aqui a história do aparecimento do capital financeiro e o conteúdo de tal conceito” [10]. O controle do mundo financeiro sobre a indústria e sua interrelação não se reduziu, os grandes bancos mercantis fundaram instituições financeiras com estruturas muito mais flexíveis que, preferivelmente, recorressem a novos instrumentos financeiros, que fossem capazes de aparecer com grandes somas de dinheiro para as aquisições e trabalhassem, de preferência, em mercados internacionais, enquanto na maioria das vezes os bancos mantinham fortes vínculos com os mercados nacionais. A porcentagem do mercado habitual que os bancos e corretoras de seguros tinham dos ativos financeiros dos Estados Unidos se dividiu pela metade entre 1980 e 2007, sendo reduzido de 70% para 35%. A parte dos fundos de capital privado, fundos de pensões, fundos de investimentos, etc., aumentou nas mesmas proporções. Os fundos de investimento experimentaram um animado crescimento desde 1990, realizavam investimentos muito agressivos e alcançaram 40% das transações da bolsa de valores. Em 2007, 11.000 fundos de investimento movimentavam 2,2 trilhões de dólares. Para muitos, os fundos de investimento são o próximo buraco negro e acreditam que podem levar a um novo cataclismo financeiro. Hoje em dia, uns poucos fundos privados gigantes como o KKR, Blackstone, Carlyle e Cerberus controlam o mercado financeiro internacional, o que quer dizer que também controlam muitas ações de empresas. Os bancos têm um novo papel: concedem empréstimos a estes fundos especializados. Portanto, a definição de Lênin do capital financeiro continua sendo muito atual. Lênin também se referiu à crescente separação entre o controle da produção e a camada de parasitas conhecida como “cortadores de cupons”. Seu livro foi escrito em 1916, faz quase um século, mas poderia ter sido escrito hoje: “É próprio do capitalismo em geral separar a propriedade do capital da sua aplicação à produção, separar o capital-dinheiro do industrial ou produtivo, separa o rentier, que vive apenas dos rendimentos provenientes do capital-dinheiro, do empresário e de todas as pessoas que participam diretamente na gestão do capital. O imperialismo, ou domínio do capital financeiro, é o capitalismo no seu grau superior, em que essa separação adquire proporções imensas. O predomínio do capital financeiro sobre todas as demais formas do capital implica o predomínio do rentier e da oligarquia financeira, significa que um pequeno número de Estados financeiramente poderosos se sobressaiam sobre os restantes” [11]. A União Europeia quer alcançar os Estados Unidos Na estratégia de Lisboa (2000), a União Europeia estabeleceu a meta de alcançar a economia dos Estados Unidos em 2010, mas esta ambição foi, inclusive, mais longe. Dado que a crise esteve golpeando desde 1973, a burguesia europeia foi incitada a buscar uma nova vida na unificação da Europa, particularmente devido à agressiva resposta dos Estados Unidos a esta crise. Durante os primeiros anos da crise, a intervenção das autoridades europeias se limitava a reestruturar a indústria siderúrgica e outras indústrias ameaçadas. Mas a União Europeia queria alcançar os Estados Unidos. Em 1983, os administradores de 17 importantes monopólios europeus criaram uma mesa redonda de industriais europeus. Esta mesa redonda europeia esboçaria o programa da Ata Única Europeia, de 1985, e terminou o projeto de 1990 para um mercado único europeu. O projeto foi lançado pelo entusiasta Jacques Delors e sua Comissão Europeia. As coisas se aceleraram em 1991 com o Tratado de Maastricht, que estabeleceu uma única moeda europeia e uma política exterior comum europeia. A estratégia de Lisboa (2000) afirmava claramente o grande objetivo de “fazer da União Europeia a economia mais dinâmica e competitiva do mundo baseada no conhecimento”. Em muitos âmbitos se adotou o enfoque dos Estados Unidos: reformas fiscais, ampliação da jornada de trabalho, privatização da previdência social, mercado totalmente livre, expansão da bolsa, etc. As vantagens competitivas de uma fraca proteção social foram introduzidas nos países europeus via desmantelamento das conquistas históricas como a previdência social. A brecha entre os ricos e os pobres aumentou rapidamente também na Europa. Desde o início dos anos 90, a União Europeia conduziu a privatização das telecomunicações, do setor ferroviário e dos serviços postais. Os serviços públicos que, na Europa, são muito mais importantes na vida diária que nos Estados Unidos, foram desmantelados e transferidos ao capital privado. A reforma de Bolonha fez com que a educação europeia copiasse o modelo dos Estados Unidos, que tende muito mais a satisfazer as necessidades e interesses das empresas. O colapso dos países socialistas em 1989 deu ainda mais força à ofensiva liberal. O medo do comunismo havia desaparecido, o capitalismo triunfava. No entanto, os capitalistas europeus enfrentavam uma maior oposição aos planos de desmantelamento. Inclusive, apesar de os sindicatos não estarem organizados em nível europeu ainda, os planos iam sendo freados em cada país como resultado da mobilização em nível nacional. A economia da bolha não pode varrer a crise Resumindo: o fato de que o consumo nos Estados Unidos tenha sido enormemente estimulado desde 1973 não resolveu a crise. Ao contrário, ajudou a prolongá-la. Depois de 1973, o crescimento nunca chegaria no nível que chegou nos anos 60. Como a espada de Dâmocles, a crise de superprodução nunca cessará de ameaçar a economia global. Quando há a superprodução, posteriormente, se produz excesso de mercadorias. Um excesso que não pode ser utilizado para aumentar a produção porque choca-se com os limites do mercado. Este excesso de capital busca altos rendimentos e aí é onde o setor financeiro dá uma mão. As condições que permitem isso foram criadas com a desregulamentação financeira e o aumento do número de novos instrumentos financeiros. Todo o assunto se intensificou ainda mais pelo excessivo estímulo ao crédito, já que a concessão de créditos é uma forma de criar dinheiro do nada. Um grande passo para a proliferação financeira se dá quando se utiliza a finança como cobertura para a emissão de títulos ou derivativos financeiros – o que se denomina securitização. Assim, toda dívida pode ser convertida em um título, o que significa que pode continuar sendo comprada e vendida e, como consequência, converte-se em um objeto de especulação. Daí em diante, qualquer polo de crescimento econômico pode se converter na pedra angular de bolhas financeiras. O dinheiro é emprestado aos polos em expansão da economia, e esta dívida é negociada sob a forma de títulos financeiros. Os polos em crescimento também fazem com que a bolsa suba e, como resultado, as instituições financeiras e os especuladores têm carta branca. É assim que nascem as escandalosas bolhas financeiras que atraem investidores e especuladores. Aparece o capital fictício que se baseia unicamente na esperança de um crescimento sem fim. Mais cedo ou mais tarde estas bolhas acabam inevitavelmente explodindo. Esse já foi o caso da dívida do terceiro mundo no final dos anos 70, o qual, como resultado, levou ao colapso dos países latino-americanos em 1982-1984, que mencionamos anteriormente. A história se repetiu em 1997 com uma gigantesca bolha financeira nos mercados asiáticos. A desvalorização da moeda tailandesa causou o crash. Os efeitos colaterais, inclusive, foram notados na Rússia e no Brasil. Os fundos de cobertura então se voltaram para as empresas de alta tecnologia localizadas no Vale do Silício. Essa bolha também explodiu com o crash da Nasdaq em 2000. É assim que começa a história da bolha imobiliária. Depois do crash da Nasdaq e do 11 de setembro, o FED baixou sua taxa básica de juros [12] a 1%, numa tentativa de impedir a ameaça da recessão. Os bancos hipotecários se aproveitaram agressivamente dos juros baixos para emitir empréstimos para a compra de moradias. Ofereciam condições extremamente favoráveis sem exigir muitas garantias. O mercado real estava em plena expansão e todo mundo pensava que os preços continuariam subindo, sem importar a solvência [13] dos mutuários. Suas casas podiam ser embargadas, assim como seu dinheiro. Era permitido aos cidadãos insolventes adquirir hipotecas em condições especiais. Isto foi o que acabou sendo conhecido como hipoteca subprime. O mercado hipotecário disparou, e as camadas mais pobres da população aproveitaram a oportunidade. O número de hipotecas subprime cresceu de 8% (em 2001) para 20% (em 2007) do total de empréstimos hipotecários nos Estados Unidos. A desregulamentação do mercado financeiro fez o resto. Os bancos hipotecários venderam suas hipotecas subprime (junto com seus riscos) a empresas especializadas [14] que emitiam títulos no mercado, cobertos por estas hipotecas. Como resultado, os bancos hipotecários podiam continuar emprestando dinheiro. Entre 2001 e 2006, a máquina continuou funcionando, e as hipotecas dos Estados Unidos somavam 11,5 trilhões de dólares. Estes títulos foram espalhados pelo mundo todo em bancos, fundos de pensão, bancos comerciais, fundos especulativos e fundos de cobertura, que estavam particularmente ligados a eles. Quando o FED aumentou progressivamente a taxa de juros até 5,25%, muitos novos compradores ficaram sem um centavo. Uma grande quantidade de execuções hipotecárias aconteceu, e o mercado imobiliário mudou. O número de insolventes aumentava trimestre a trimestre, e, no final de 2006, começaram os problemas nos bancos e fundos de cobertura. A avalanche já não podia ser detida e, em setembro de 2008, a crise bancária chegou no seu auge. As consequências foram devastadoras para os proprietários das casas. Mais de dois milhões de proprietários perderam a casa que tinham acabado de comprar e ficaram na rua. No entanto, a crise não ocorreu só nos Estados Unidos. Em todo o mundo, mais de 1 trilhão de dólares em títulos podres foram debitados e, um após o outro, os bancos declararam perdas. A situação piorou quando, por precaução, os bancos inundaram o mercado interbancário porque a desconfiança geral tinha aumentado. Esta desconfiança chega ao público e persiste a ameaça de sérios problemas bancários. Ainda não terminou Como é possível que o estouro da bolha imobiliária tenha sido um golpe muito mais forte que o ocasionado pela bolha anterior e que todo o sistema financeiro se encontre à beira do abismo? Esta é a maior bolha financeira da história e contaminou todo o sistema com seus títulos podres. Todas as medidas de proteção e controle governamental foram desmontadas de tal maneira que ninguém é capaz de comprovar o verdadeiro valor dos títulos baseados em hipotecas ou qual é sua localização. Isto tornou inevitável uma reação em cadeia. A seriedade da nossa atual situação pode ser observada pelo pânico que levou praticamente todos os Estados a proceder ao rápido resgate de seus bancos e pela amplitude de suas intervenções. Para medir a amplitude, é importante saber que os sete anos de guerra no Iraque e no Afeganistão custaram 750 bilhões de dólares. Esta quantidade é só um pouco maior que o plano de Paulson, de 700 bilhões de dólares destinados para que os Estados Unidos adquirissem a dívida não paga dos bancos. Mas isso não é tudo. Foi gasto outro par de centenas de bilhões para resgatar bancos como o Bear Stearns e para nacionalizar instituições financeiras como o Fannie Mae, Freddy Mac e AIG. Somando as diferentes intervenções, o total se aproxima a 1,8 trilhões de dólares. Deve ser destacado o dado de que o PIB de todo o continente africano em 2007 foi de 2,15 trilhões de dólares. É óbvio que um buraco tão grande terá consequências nefastas na dívida pública, no orçamento e, finalmente, na renda líquida do cidadão norte-americano. Estima-se que este terá que desembolsar ao menos 2.000 dólares. Será que o Presidente do FED, Ben Shalom Bernanke, será capaz de encontrar um novo setor que infle uma nova bolha e traga algum alívio? É completamente improvável. O consumo dos Estados Unidos teve um colapso, e muitos investidores perderam grandes quantidades de dinheiro na Bolsa. Os instrumentos financeiros e os bens imobiliários perderam muito valor e já não podem ser utilizados para cobrir créditos. Créditos que, por razões entendíveis, a indústria bancária reluta em conceder. A redução das taxas de juros para impulsionar a economia tampouco é uma opção, visto que, estando em 3%, já se encontram em seu mínimo. Está claro que a única saída desta crise de superprodução constantemente atrasada é a aniquilação da capacidade produtiva. Isto significa que o pior ainda está por vir. A crise promete ser longa e profunda. Os países do terceiro mundo seriam os primeiros a ver como suas exportações diminuirão, proporcionarão menos matérias primas e logo se encontrarão novamente sob o domínio ferrenho do FMI e seus planos de reestruturação. Assistimos ao final da hegemonia dos Estados Unidos? Durante muitos anos, os Estados Unidos conseguiram fazer seu barco econômico navegar, transferindo os efeitos da crise para outros países. A forma na qual os Estados Unidos impulsionam artificialmente a economia também afeta o resto do mundo. Os Estados Unidos foram capazes de tomar essas liberdades devido à sua posição como potência econômica mundial. Mas parece que, neste sentido, as coisas estão mudando. O quase colapso dos grandes bancos dos Estados Unidos e a desarticulação do sistema financeiro global continuarão inevitavelmente drenando a economia dos Estados Unidos, assim como sua autoridade. As dificuldades financeiras dos Estados Unidos andam de mãos dadas com a Guerra contra o terrorismo, que luta para se manter à tona e, inclusive, chega a um beco sem saída, tanto no Afeganistão quanto no Iraque. A autoridade política dos Estados Unidos nas instituições internacionais e na frente diplomática está sendo cada vez mais confrontada. A ordem global está tomando outro rumo e formando um mundo mais multipolar. Os Estados Unidos são a maior economia mundial. No entanto, nas últimas décadas a economia foi inflada artificialmente para que continuasse sendo o motor da atual situação e, por isso, os Estados Unidos estão pagando agora um alto preço. Sua situação atual mostra um déficit extremamente alto, o que é principalmente atribuível à sua descompensada balança comercial. Como resultado, os dólares estão sendo espalhados por todo o mundo e voltam aos Estados Unidos como investimentos ou capital. Isto só será possível continuar enquanto o dólar continue sendo a moeda do comércio e as reservas internacionais. No entanto, o colapso do setor financeiro, cedo ou tarde, porá fim a esta posição excepcional. As somas astronômicas que o governo dos Estados Unidos injetam em sua indústria bancária só servirão para incrementar a dívida pública, a qual já é de dimensões colossais devido aos custos da guerra. Cada vez menos países estarão inclinados a investir incondicionalmente suas reservas nos Estados Unidos e, desta maneira, a dar seu apoio para que o dólar seja a moeda de reserva internacional. Cedo ou tarde chegará o final do império do dólar. O papel da China está sendo moldado. Como principal potência emergente, o país já exerce uma importante influência na economia global devido ao crescente superávit de sua balança comercial e às suas consideráveis reservas financeiras. O déficit dos Estados Unidos aumenta a 8000 milhões de dólares por ano. Segundo Zhu Min, vice-presidente do Banco da China, os Estados Unidos não poderão contar mais com a China para colocar os títulos estatais necessários para financiar o resgate dos bancos estadunidenses. Como o império estadunidense reagirá? Aumentando ainda mais seus gastos na guerra e mantendo suas aventuras militares? Por agora, continua sendo uma questão aberta, mas é um fato histórico que só a destruição massiva da capacidade de produção por meio da guerra foi capaz de achar uma saída para a última crise importante do sistema, a dos anos 30. Uma crise do sistema tem que ser solucionada substituindo o próprio sistema O dique acabou arrebentando. Depois do colapso financeiro, depois do crash da bolha gigante, está vindo abaixo a crise de superprodução e está caindo sobre nossas cabeças, com a aparência de uma depressão mais longa que um breve período de descenso de atividade. Nem sequer as enormes quantidades de dinheiro implicadas serão capazes de manter este tsunami sob controle. Quanto às causas, os dedos apontam em todas as direções: aos subprime, aos fundos de cobertura, aos Estados Unidos... Segundo Karel Van Miert, antigo dirigente do SPA (Partido Socialista Flamengo), antigo comissário europeu e ex-administrador da Philips: é a correria dos banqueiros pelo lucro a quem devemos culpar pelo colapso. Eles são tão gananciosos? Vale tudo para esconder o fato de que por trás desta corrida pelo lucro – encabeçada não somente pelos banqueiros, mas também por empresas como a Philips – encontra-se uma constante, um fenômeno recorrente. Karl Marx descobriu este fenômeno há mais de 150 anos. Sua conclusão foi que o capitalismo não pode existir sem crise. Quando se trata de dar soluções há um considerável consenso, dos socialdemocratas aos liberais: é necessário mais transparência, mais regulamentação e mais controle. Não, já não se trata da cobiça de um punhado de gente. Não, não se trata da corrida para beneficiar um par de banqueiros. Não, não se trata de desmontar regulamentações financeiras, como muitos pedem. Não, a situação não se resolverá aplicando “o genuíno livre mercado, o único que obedece às leis”. A crise é inerente ao próprio sistema. Nunca antes a humanidade havia produzido tanta prosperidade, nem tanta pobreza. É o trabalho de todos – e só o trabalho – que produz a prosperidade, não o capital. Não é mais que lógica elementar exigir que a prosperidade produzida coletivamente seja utilizada para melhorar as condições de vida de todos os seres humanos. Isso é impossível em uma economia capitalista que funciona conforme os interesses de uma pequena minoria e que, inevitavelmente, conduz à crise. Por isso todos os meios de produção importantes devem ser postos nas mãos da coletividade. 18 de novembro de 2008. Jo Cottenier é autor de La Société Générale 1822 – 1992 (com Patrick De Boosere e Thomas Gounet), EPO, 1989 e de Le temps travaille pour nous [“O tempo está do nosso lado”] (com Kris Hertogen), EPO, 1991. É membro do Birô do Partido do Trabalho da Bélgica. Henri Houben, doutor em economia, é pesquisador do Instituto de Estudos Marxistas, especializado no estudo das multinacionais, a estratégia europeia de emprego e a crise econômica. Atualmente trabalha em um livro sobre a crise econômica que seria lançada na primavera de 2009. De Études Marxistes, n°84, Octubre-Diciembre de 2008 http://www.marx.be/FR/em_index.htm [1] Karl Marx, O Capital, volume III, Capítulo 30. [2] a compra alavancada ocorre quando um financiador adquire uma participação majoritária de uma empresa e quando um percentual significativo do preço de aquisição é financiado através da alavancagem (empréstimos). Os ativos da empresa adquirida são utilizados como garantia do capital emprestado, algumas vezes com os ativos da empresa adquirente. Os títulos ou outros papéis emitidos para as compras alavancadas não se costuma considerar investimento devido aos riscos significativos envolvidos. [3] McKinsey Global Institute, 2006. [4] Os derivativos são contratos financeiros cujos valores derivam de outro ativo (conhecido como a base – base subjacente). A base sobre o que se baseia um derivativo pode ser um ativo (ex: mercadorias, ações, hipotecas residências, imóveis comerciais, empréstimos e títulos), um índice (ex: taxas de juros, tipos de câmbio, índices da bolsa, Índice de Preços ao Consumidor – IPC –; ver derivativos de inflação), e outros elementos (ex: condições meteorológicas ou outros derivados). Os derivativos de crédito são baseados em empréstimos, títulos ou outras formas de crédito. Os principais tipos de derivativos são: mercado a termo, futuro, de opção e de swaps. [5] Chandrasekhar, 12 de julho de 2007. [6] A política de Reagan foi inspirada nos monetaristas como Milton Friedman, para os quais a ortodoxia monetária é bem mais preciosa. [7] Manteve-se estável durante os anos 90. Esta é uma estimativa feita por Henri Houben, baseada na obra de Edward Wolff, A crescente desigualdade na riqueza da América. Na Bélgica, estima-se que 1% possui 25% de todas as fortunas privadas. [8] O PIB (produto interno bruto) é o valor total de todos os bens e serviços produzidos por uma economia durante um ano. [9] A alavancagem financeira assume a forma de um empréstimo (dívida), cujos rendimentos são (re) investidos com a intenção de obter uma taxa de retorno maior que o custo dos juros. [10] Lênin, O Imperialismo, fase superior do capitalismo, p. 46. [11] Lênin, O Imperialismo, fase superior do capitalismo, p. 59. [12] A taxa básica é um tipo de referência utilizada pelos bancos. O termo indicava originalmente a taxa de juros pela qual os bancos emprestam dinheiro aos clientes preferenciais. [13] Solvência é a capacidade de uma entidade para pagar suas dívidas. [14] Chamam-se SPVs (veículos para fins especiais, em inglês)