Proposta de uso das reservas internacionais abre polêmica Ideia defendida por ala do PT é refutada por equipe econômica. Analistas veem riscos à credibilidade do país por Flávia Barbosa / João Sorima Neto / Ana Paula Ribeiro RIO e SÃO PAULO - A destinação de parte das reservas internacionais, que hoje totalizam US$ 372,4 bilhões, para investimentos ou pagamento de uma parcela da dívida pública, como defendem integrantes do PT e é cogitado por parte do governo, divide a opinião de economistas. Muitos afirmam que a finalidade das reservas é servir de um seguro contra crises externas e usá-las num momento de grande desconfiança em relação à economia brasileira seria “um tiro no pé”. Outros argumentam que há um excedente nesses recursos hoje e que, por isso, as reservas poderiam ser usadas. Para as equipes do ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, e do presidente do Banco Central (BC), Alexandre Tombini, é inadmissível abrir novas frentes de uso das reservas internacionais em um momento de grave crise econômica e elevada desconfiança em relação ao governo e à economia do Brasil. — Isso geraria uma reação muito forte do mercado e dos agentes econômicos, e por isso, não tem sentido algum adotar uma medida dessas. Vender reserva para distribuir dinheiro seria uma loucura, seria trazer de vez para a economia o caos instaurado na política — avaliou ao GLOBO uma fonte da área econômica. ASSUNTO NÃO FOI TRATADO NA FAZENDA Ao contrário do BC, onde o assunto é tabu, a Fazenda não é totalmente contrária à ideia. O próprio Barbosa já expressou que utilizar uma fatia das reservas para reduzir o endividamento público é interessante, porém apenas num cenário de estabilidade da economia. Entre outros motivos, porque o custo de carregamento das reservas — a emissão de títulos que gera os reais que compram os dólares que formam o colchão — está muito elevado. Este ano, com os juros bem mais altos no Brasil do que no exterior, o custo de carregamento das reservas internacionais já chega a R$ 70,6 bilhões. — A ideia não é descabida, só não existe qualquer clima para isso hoje. Tem que haver estabilidade — reforçou um interlocutor da equipe econômica. A Fazenda, porém, não endossa planos como os de ala do PT que veem nas reservas uma fonte para gastos correntes, ainda que eles sejam investimentos em infraestrutura. Este tipo de destinação se choca com o projeto de lei de limitação de despesas capitaneado por Barbosa. Apesar de toda a discussão, uma proposta formal do PT para uso das reservas nunca chegou à Fazenda e ao BC, garante a área econômica. A presidente Dilma Rousseff tampouco solicitou estudos neste sentido e, garantem interlocutores, não tratou do assunto com Barbosa e Tombini — mesmo com as informações de que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem pressionado por mudanças profundas na economia. PUBLICIDADE Para o economista José Márcio Camargo, professor da PUC-Rio e sócio da consultoria Opus, a ideia de usar as reservas é completamente descabida neste momento de crise ou em qualquer outro. Para ele, trata-se de uma operação tecnicamente complicada e há dúvidas de como se faria isso. — O governo sairia vendendo US$ 100 bilhões de dólares no mercado? — diz, lembrando que a opção seria também altamente inflacionária. — Se o problema é falta de dinheiro, o governo que emita moeda. Vender dólares no mercado é uma forma esdrúxula de emitir moeda. RISCO DE ‘DINÂMICA PERVERSA’ Para o economista Fábio Klein, da Consultoria Tendências, usar dinheiro para abater dívida ou estimular investimentos seria um “tiro no pé”. Primeiro, porque aumentaria a desconfiança e medo do mercado em relação ao governo, que estaria fazendo o uso indevido desses recursos. As reservas em dólares, lembra, são um colchão de segurança do país. Devem ser usadas, portanto, em uma crise cambial. Além disso, diz, as reservas hoje correspondem a quase 20% do PIB, em dólares, e a dívida externa (pública e privada) equivale a 35%. — Hoje as reservas têm um tamanho adequado e seguro para evitar uma crise cambial. Se você usa de forma indevida, pode-se iniciar uma dinâmica perversa — diz Klein, que ainda questiona a viabilidade dessa operação, já que as reservas são ativos do Banco Central, que seriam utilizados para quitar um passivo (dívidas) do Tesouro. — Não está claro como seria a operação de usar ativos do BC para quitar dívidas que são do Tesouro. Até que ponto isso é permitido? Que compensação teria o BC? Já o professor Silvio Paixão, da Fipecafi, afirma que usar parte desse montante para um fim que não o de um seguro contra a crise é uma mudança de finalidade. Mas, na sua opinião, a utilização das reservas, se fosse adiante, deveria ter como finalidade os investimentos, e não abatimento da dívida pública. Ele estima que há uma “gordura” de cerca de US$ 70 bilhões nas reservas, ou seja, US$ 300 bilhões seriam suficientes para financiar as necessidades externas e ainda proteger o balanço de pagamento do país. — O custo para financiar as reservas é muito alto e não há risco de o Brasil parar de receber investimentos estrangeiros diretos — avaliou. Usar esses recursos para abater da dívida, segundo ele, reforçaria o mau planejamento do governo. Já no caso de investimento, poderia ser uma alternativa, pois se bem feita, iria gerar recursos (impostos) para o governo ao longo do tempo. Celina Ramalho, professora da Escola de Administração e Economia da FGV-SP, também acha factível o uso das reservas como forma de atenuar a crise. PUBLICIDADE — Essas reservas têm caráter de poupança, então se forem usadas como investimento, precisa ser atrelado ao um plano de crescimento que possibilite a geração de impostos — disse. A pesquisadora Vilma da Conceição Pinto, da área fiscal da FGV, avalia que uma eventual utilização das reservas não deve ocorrer sem uma análise precisa entre custo e benefício da medida. — É preciso avaliar os risco. Hoje a reserva serve como um seguro e o país está em um momento nada agradável, com recessão econômica e dólar em alta. Hoje, isso não seria viável — afirmou. *É professor do Departamento de Economia da PUC Rio e economista da Opus Gestão de Recursos