Hermenêutica Jurídica – Função da Interpretação Jurídica Profa. Ms. Ghislaine Alves FACISA A Ciência do Direito, através da Hermenêutica Jurídica, busca fornecer as regras e instrumentos necessários para a garantia de obtenção de um nível elevado de interpretação jurídica, para que se possa qualificá-la de científica. Em sentido estrito, a Hermenêutica Jurídica corresponde a ciência que trata da interpretação das normas. Entretanto, na medida em que os processos de integração e aplicação do Direito são muito próximos a sua interpretação, é costume arrolar a Hermenêutica Jurídica (aqui em sentido lato) relacionada a estes dois processos afins (integração e aplicação). A justificativa é nitidamente didática, para que sejam reunidos, no mesmo estudo, a interpretação, a integração e a aplicação do Direito. Ressalte-se, entretanto, que tecnicamente, Hermenêutica Jurídica corresponde a ciência que trata da interpretação das normas. Assim, para que não reste dúvida, interpretação é a determinação do sentido e do alcance das normas, e hermenêutica jurídica é a ciência que busca sistematizar princípios, teorias e métodos aplicáveis ao processo de interpretação. Interpretação é um processo, e hermenêutica é a ciência que estuda este processo, lançando-lhe princípios, teorias e métodos de concretização. Função da Interpretação Jurídica Interpretar a norma é ...”determinar com exatidão seu verdadeiro sentido, descobrindo os vários elementos significativos que entram em sua compreensão e reconhecendo todos os casos a que se estende sua aplicação” (Washington de Barros Monteiro). Interpretar o direito seria reproduzir o pensamento contido na norma, adequando-o ao processo sociocultural circundante. Assim, o intérprete reproduz o que disse a norma e adapta o seu conteúdo ao caso concreto, em uma verdadeira criação do direito. Ocorre que essa potencial capacidade de “criar o direito”, a princípio, usurparia a competência do legislador. Essa dualidade de “reproduzir a norma” e “adequar a norma”, que certamente compõe o processo interpretativo, cria uma inevitável tensão entre as dimensões reveladora e criadora no processo de interpretação. A Hermenêutica, como abordagem científica deste processo, procura submeter a regras mais objetivas, claras, gerais e sistemáticas essas duas dimensões e dinâmicas, para que o processo interpretativo não se transforme em “carta branca” ao intérprete, para “levar” a norma para satisfazer posições ideológicas particulares. A possibilidade de posicionamentos jurídicos totalmente diversos, sobre situações fáticas essencialmente iguais (ainda que por vezes se sustentem), iria se contrapor a essência do Direito, sua finalidade primária, de pacificação social, dentro de uma condição de universalidade que deve existir, em se tratando de ciência. Ressaltamos, novamente, a concepção da interpretação jurídica como uma ciência, e não como construção pessoal criativa própria de cada intérprete conclusivo do Direito. Critérios para Classificação das Espécies de Interpretação A doutrina aponta várias classificações para as espécies de interpretação. A mais aceita é a que divide em três critérios fundamentais: a) quanto ao agente da interpretação; b) quanto ao resultado da interpretação, ou sua extensão; c) quanto aos métodos ou meios utilizados na interpretação; Quanto ao agente da interpretação, podemos dividir em autêntica, jurisprudencial (alguns doutrinadores classificam estas duas agrupadas na denominação “interpretação pública”) e doutrinária (“interpretação privada”). A interpretação autêntica é aquela produzida pelo mesmo órgão que construiu a norma jurídica. Seria, ilustrativamente, a interpretação da norma pelo Poder Legislativo, por meio de nova norma. Devem ser leis de mesma hierarquia e não pode ofender Direito Adquirido, Ato Jurídico Perfeito e a Coisa Julgada. A interpretação jurisprudencial é aquela produzida pelos tribunais a partir de reiteradas decisões no mesmo sentido sobre determinada matéria. Há, inclusive, corrente doutrinária que nega caráter de fonte do direito a jurisprudência. Não obstante esta corrente doutrinária, não há como negar essa dimensão criativa do direito inseridas nas inúmeras Súmulas de Jurisprudência dos diversos tribunais superiores brasileiros. Pacífica é a função criadora de direito das incipientes Súmulas Vinculantes do STF. A interpretação doutrinária é aquela proveniente dos juristas, doutrinadores, pesquisadores e estudiosos do Direito, com base nas suas análises sobre determinada norma. Embora não possua qualquer força coercitiva, é inegável a sua relevância na interpretação do Direito. Quanto ao resultado da interpretação, ou sua extensão, podemos dividir em interpretação declarativa, extensiva ou restritiva. A interpretação declarativa é aquela que conclui corresponder a transparente expressão linguística da norma à exata vontade e sentido da norma. A interpretação extensiva é aquela que conclui ser a transparente expressão linguística da norma menos ampla do que o exato sentido objetivado pela norma. A letra da norma traduz com insuficiência seu conteúdo. Por esta interpretação cabe ao intérprete ampliar o sentido do texto legal formal expresso, para que a norma alcance seu objetivo. A interpretação restritiva é aquela que conclui ser a transparente expressão linguística da norma mais ampla do que o exato sentido objetivado pela norma. O legislador diz mais do que o pretendido, cabendo ao intérprete restringir o sentido do texto, para que a norma alcance seu objetivo. Quanto ao métodos ou meios utilizados para a interpretação, a doutrina não é unânime na sua enumeração. Segundo Limongi França, esses seriam o gramatical, o lógico, o sistemático e o histórico. Já Maurício Godinho Delgado, acrescenta a divisão acima elencada, o método teleológico. O método gramatical é a interpretação com base nas regras e métodos linguísticos e gramaticais. Baseia-se na análise literal do texto da norma e das palavras que o compõem. Busca o sentido para a norma nos exatos termos das palavras que a compõem. É a modalidade mais tradicional e originária de interpretação, utilizadas pelas antigas escolas de hermenêutica. O método gramatical, se for tomado de forma isolada, é nitidamente insuficiente e limitado, provocando distorções óbvias, em face das restrições interpretativas a ele relacionadas. A profundidade que deve alcançar a interpretação do Direito nunca será alcançada se for limitada a uma interpretação gramatical. Ainda, como explicar (reproduzir, compreender e aplicar) normas que, não raro, contém antinomias em seu texto? O método lógico, ou racional, é o que busca a interpretação através do significado, coerência e harmonia do texto legal. Parte do pressuposto de que a norma, após produzida, tem vontade própria. O método sistemático é aquele que interpreta a norma buscando harmonizá-la com o conjunto do sistema jurídico. Busca a harmonia do sistema. Analisa de forma mais ampla que o método lógico (que faz a análise interna da norma), pois busca todo no sistema as normas correlatas, tentando harmonizar a interpretação. É através deste método que se revela ao aspectos transformadores, retificadores ou continuativos da norma recente com a ordem jurídica respectiva. O método teleológico, ou finalístico, busca subordinar a interpretação com a finalidade da norma, com os fins objetivados por ela. O intérprete deve pesquisar os fins a que a norma objetiva, para que a sua interpretação não conspire contra esta finalidade. A legislação tende a enfatizar a conduta teleológica do intérprete, ao dispor, no art. 5º da Lei de Introdução ao Código Civil, que o operador jurídico deve observar, no processo interpretativo, os “fins sociais da lei” (entenda-se, norma), assim como no art. 8º, “caput”, CLT, que “nenhum interesse de classe ou particular prevaleça sobre o interesse comum”. Atualmente, a Hermenêutica Jurídica recomenda que se harmonizem, na operação interpretativa, os últimos três métodos citados, formando um todo unitário: método lógico-sistemático-teleológico (após feita a “aproximação” da norma com o método gramatical). A interpretação não pode prescindir de observar a coerência interna da norma, assim como a harmonização com o sistema jurídico em que ela se inclui, não olvidando conhecer o fim a que ela objetiva. O método histórico visa analisar o momento histórico da elaboração da norma, assim como todas as contingências que permearam sua criação. Isso se faz para que a interpretação possa adequar-se ao momento em que deva ser aplicada a norma (até para afastar a sua aplicação a determinado caso concreto). Como visto, esta classificação (quanto ao método), não se compõe de classificações contrapostas, mas sim, de classificações que devem se comunicar, com o objetivo de, complementando-se, oferecer ao intérprete as mais variadas possibilidades e eficiência na função interpretativa. “A letra mata, mas o espírito vivifica”.