Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 2003.021547-6, de Balneário Camboriú. Relator: Des. Marcus Tulio Sartorato. CONSTITUCIONAL – LEI MUNICIPAL – CONTRIBUIÇÃO PARA CUSTEIO DE ILUMINAÇÃO PÚBLICA – AUSÊNCIA DE PREVISÃO NA LEI MAIOR ESTADUAL – EMENDA CONSTITUCIONAL 39/2002 – INSERÇÃO DO ARTIGO 149-A NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL – INCOMPETÊNCIA DO TRIBUNAL PARA AFERIR A CONSTITUCIONALIDADE DA EC 39/2002 – AUTORIZAÇÃO DO TEXTO CONSTITUCIONAL PARA QUE OS MUNICÍPIOS E O DISTRITO FEDERAL INSTITUAM A CONTRIBUIÇÃO PARA O CUSTEIO DO SERVIÇO DE ILUMINAÇÃO PÚBLICA – OBSERVÂNCIA AOS INCISOS I E III DO ARTIGO 150 DA CARTA MAGNA – EXCLUSÃO DO INCISO II DO MESMO DISPOSITIVO CONSTITUCIONAL – OBEDIÊNCIA AOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS E TRIBUTÁRIOS QUE REGEM A MATÉRIA – ATENDIMENTO AO COMANDO PREVISTO NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL – IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO Vistos, relatados e discutidos estes autos de Ação Direta de Inconstitucionalidade n.. 2003.021547-6, da Comarca de Balneário Camboriú, em que são requerentes os Representantes do Ministério Público Estadual da Comarca de Balneário Camboriú, e o Coordenador do Centro de Controle de Constitucionalidade – Ceccon e requeridos o Município de Balneário Camboriú e a Câmara Municipal de Balneário Camboriú: ACORDAM, em Tribunal Pleno, por unanimidade, julgar improcedente o pedido. Custas na forma da lei. Ação Direta de Inconstitucionalidade n.. 2003.021547-6 2 I – RELATÓRIO: O representante do Ministério Público Estadual, com base no artigo 85, inciso VII, da Constituição Estadual, ajuizou ação direta de inconstitucionalidade da Lei Municipal n.º 2.196/2002, de 23 de dezembro de 2002, do Município de Balneário Camboriú, que instituiu a Contribuição para o Custeio dos Serviços de Iluminação Pública – COSIP e deu outras providências. Sustentou que a referida norma, editada com fundamento no artigo 149-A da Constituição Federal – com redação dada pela Emenda Constitucional 39/02 –, contraria o princípio da isonomia consagrado nos artigos 4º e 128, inciso II, da Carta Estadual, uma vez que cria uma discriminação injustificada entre os beneficiários do serviço de iluminação pública, os quais usufruem de forma igualitária um serviço público universal, independentemente da condição de serem ou não consumidores de energia elétrica. Requereu, forte no artigo 10 da Lei Estadual n.º 12.069/02, a concessão de medida cautelar inaudita altera parte para que fossem suspensos os efeitos do ato normativo até julgamento definitivo da ação. No mérito, postulou pela procedência do pedido, com a declaração da inconstitucionalidade da lei municipal ante sua incompatibilidade vertical com os artigos 4º e 128, inciso II, da Constituição Estadual. Juntou fotocópia da lei impugnada (fls. 34/40). No despacho de fl. 43, o relator entendeu não se afigurar na hipótese caso de excepcional urgência que justificasse a supressão da prévia audiência dos requeridos, motivo pelo qual decidiu por levar a apreciação da medida cautelar ao colegiado, após o pronunciamento dos requeridos e da Procuradoria-Geral de Justiça. Devidamente intimadas, a municipalidade de Balneário Camboriú (fls. 48/59) e a Câmara de Vereadores de Balneário Camboriú (fls. 62/66) prestaram informações suscitando, preliminarmente, a inviabilidade do manejo da presente ação, eis que os autores embasaram sua pretensão em eventual choque entre lei municipal e Constituição Federal, o que é vedado pelo Des. Marcus Tulio Sartorato Ação Direta de Inconstitucionalidade n.. 2003.021547-6 3 ordenamento que rege o controle de constitucionalidade das leis. No mérito, aduziram que o tributo municipal atendeu às disposições constantes no artigo 149A da Constituição Federal. Por sua vez, a Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer do Procurador Gilberto Callado de Oliveira, manifestou-se pela concessão da medida cautelar (fls. 119/122). II – VOTO: Cuida-se de ação direta de inconstitucionalidade na qual os requerentes pretendem ver suspensos os efeitos da Lei Municipal n.º 2.196/2002, do Município de Balneário Camboriú, que institui a cobrança da Contribuição para o Custeio dos Serviços de Iluminação Pública – COSIP, entendendo que houve ofensa aos artigos 4º e 128, inciso II, da Constituição Estadual. O artigo 12 da Lei 10.069/02 confere ao relator a faculdade de submeter o processo diretamente ao Tribunal, que terá a faculdade de julgálo definitivamente. No caso em apreço, observa-se que a presente ação já se encontra madura para julgamento, haja vista que os requeridos já prestaram informações defendendo o ato impugnado, bem como este Tribunal Pleno já se posicionou acerca da matéria em outras oportunidades. Assim, tem-se por desnecessária a prévia apreciação da medida cautelar. Inicialmente, é imperioso destacar que este Órgão Plenário, pelo sistema concentrado de controle de constitucionalidade das leis, restringese à análise de inconstitucionalidade frente à Constituição Estadual. Como tal, há que se afastar todos os argumentos lançados pelos requerentes acerca de eventuais vícios de inconstitucionalidade da EC 39/2002, que inseriu na Carta Magna o artigo 149-A. Ressalta-se, outrossim, que a Contribuição para o Custeio Des. Marcus Tulio Sartorato Ação Direta de Inconstitucionalidade n.. 2003.021547-6 4 dos Serviços de Iluminação Pública – COSIP não encontra previsão na Lei Maior do Estado de Santa Catarina, mas no novel dispositivo constitucional. Portanto, não obstante a existência ou não de vício de inconstitucionalidade da lei municipal, é incontestável que o Poder Constitucional Derivado criou uma nova modalidade de contribuição, a qual não se encontra prevista na Carta Estadual. Desta feita, a regulamentação da citada contribuição deve ser orientada pelo novel dispositivo constitucional federal, sendo que qualquer eventual confronto com a Lei Magna Estadual, em princípio, não tem o condão de inquiná-la de inconstitucional, caso aquela esteja de acordo com o preconizado pelo art. 149-A, sob pena de inverter o princípio da simetria vertical existente entre as Constituições Federal e Estadual. Neste diapasão, é de bom alvitre frisar que, se a criação do novo tributo pela Emenda Constitucional 39/02 violou as disposições da Lei Maior, não competirá a este Órgão Jurisdicional enfrentar a questão em controle concentrado, competência atribuída ao excelso Supremo Tribunal Federal. Dito isso, adentra-se à análise da matéria apresentada a fim de verificar se a Lei 2.196/2002 afronta os dispositivos constitucionais estaduais. A inconstitucionalidade da citada lei municipal, segundo argumentação dos requerentes, reside na incompatibilidade com os artigos 4º e 128, inciso II, da Constituição Estadual, os quais estão vazados nos seguintes termos: “Art. 4º. O Estado, por suas leis e pelos atos de seus agentes, assegurará, em seu território e nos limites de sua competência, os direitos e garantias individuais e coletivos, sociais e políticos previstos na Constituição Federal e nesta Constituição, ou decorrentes dos princípios e do regime por eles adotados, bem como os constantes de tratados internacionais em que o Brasil seja parte, observado o seguinte: [...]. Art. 128. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado ao Estado e a seus municípios: [...] Des. Marcus Tulio Sartorato Ação Direta de Inconstitucionalidade n.. 2003.021547-6 5 II – instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, título ou direitos;” O artigo 149-A da Constituição Federal, por outro lado, prescreve o seguinte: “Art. 149-A – Os Municípios e o Distrito Federal poderão instituir contribuições, na forma das respectivas leis, para o custeio do serviço de iluminação pública, observado o disposto no art. 150, I e III. Parágrafo único – É facultada a cobrança da contribuição a que se refere o caput, na fatura de consumo de energia elétrica”. Colhe-se do dispositivo constitucional supra que os municípios e o Distrito Federal estão autorizados a instituir a contribuição para o custeio do serviço de iluminação pública, desde que atendidos os mandamentos inscritos no art. 150, incisos I e III, da CF. Eis o teor do artigo: “Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I – exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça; [...] III – cobrar tributos: a) em relação a fatos geradores ocorridos antes do início da vigência da lei que os houver instituído ou aumentado; b) no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou;” Ora, restou nítida a intenção do legislador de excluir o princípio da isonomia tributária consagrado no inciso II do artigo 150 da Constituição Federal, justamente para possibilitar que o custeio seja distribuído de forma proporcional e não igualitária, outorgando ao Poder Legiferante Municipal a opção de atribuir critérios que mais bem se amoldem à realidade local. Destarte, não prospera o argumento de que houve afronta ao artigo 128, inciso II, da Constituição Estadual, que corresponde ao artigo 150, inciso II, da Constituição Federal, haja vista que o comando constitucional que criou a COSIP não determinou ao legislador municipal ou distrital o Des. Marcus Tulio Sartorato Ação Direta de Inconstitucionalidade n.. 2003.021547-6 6 atendimento do princípio da igualdade consagrado no inciso II. Dito isso, resta analisar se a Lei Municipal n.º 2.196/2002, que instituiu a cobrança da Contribuição para o Custeio de Serviços de Iluminação Pública no Município de Balneário Camboriú, obedeceu aos critérios estabelecidos no artigo 149-A da Constituição, bem como se observou os princípios da legalidade, da irretroatividade e da anterioridade, repisando-se que qualquer inconstitucionalidade contida na Emenda Constitucional 39/2002, via controle concentrado, só poderá ser declarada pelo Supremo Tribunal Federal, conforme consignou o ilustre Ministro Moreira Alves: “Não há dúvida de que, em face do novo sistema constitucional, é o S.T.F. competente para, em controle difuso ou concentrado, examinar a constitucionalidade, ou não, de emenda constitucional” (ADI n.º 829/DF). De início, há que se analisar os princípios da legalidade, da irretroatividade e da anterioridade que, caso não observados pelo legislador municipal, poderiam, em princípio, constituir afronta ao artigo 128, incisos I e III, da Constituição Estadual (equivalente ao artigo 150, incisos I e III, da Carta Magna). O princípio da legalidade garante ao administrado/contribuinte que nenhum imposto será instituído ou majorado sem lei anterior que o defina (CF, artigo 150, inciso I, e CE, artigo 128, inciso I). E é necessário ainda que o legislador estabeleça elementos necessários para validar sua existência, a saber: fato gerador, definição da base de cálculo e da alíquota, sujeito passivo da obrigação tributária e sujeito ativo. Ao analisar a Lei n.º 2.196/2002, instituidora da contribuição para custeio da iluminação pública no Município de Balneário Camboriú, verifica-se que o artigo 1º estabeleceu o sujeito ativo (municipalidade de Balneário Camboriú), o artigo 2º determinou o sujeito passivo (proprietários, titulares do domínio útil ou possuidor a qualquer título de bem imóvel localizado no município) e o fato gerador (o custeio da iluminação pública, art. 1º); e o artigo 3º fixou como base de cálculo o consumo individual do consumidor, bem Des. Marcus Tulio Sartorato Ação Direta de Inconstitucionalidade n.. 2003.021547-6 7 como determinou as alíquotas em tabelas próprias. Portanto, a lei não excedeu a sua finalidade, visto que dispôs que a COSIP custearia os serviços de iluminação pública de vias e logradouros públicos, bem como de quaisquer outros bens públicos de uso comum, assim como atividades acessórias de instalação, manutenção e expansão da respectiva rede de iluminação (artigo 1º, parágrafo único). Já as alíquotas estão estabelecidas na tabela consignada no artigo 2º da lei, em que é perfeitamente possível verificar que são diferenciadas e deverão incidir sobre o consumo de energia elétrica individual de cada contribuinte. Desta feita, atendidos os elementos necessários à instituição do tributo, cai por terra a alegação de vício de ilegalidade relacionado à Lei Municipal 2.196/2002 de Balneário Camboriú. Já o princípio da irretroatividade, consagrado no artigo 150, inciso III, alínea “a”, da CF e repetido no artigo 128, inciso III, alínea “a” da CE proíbe o ente tributante de cobrar tributos em relação a fatos geradores ocorridos antes do início da vigência da lei que os instituiu ou aumentou Quanto a este particular, observa-se que não há previsão no diploma impugnado que determine a cobrança da COSIP em período anterior à instituição da lei municipal, o que faz concluir que tal princípio não restou violado. Com o princípio da anterioridade, a Constituição Federal garante que nenhum tributo será cobrado no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que o instituiu ou aumentou (art. 150, inciso III, alínea “b”). Quanto a ele, em que pese a Constituição preveja algumas exceções, v.g. IPI, IOF, Imposto de Importação e Imposto de Exportação, as quais não se amoldam à espécie tributária sub examine, colhe-se do corpo da legislação municipal em questão que a publicação ocorreu em 23 de dezembro de 2002, sendo perfeitamente possível sua cobrança no exercício 2003. Noutro vértice, a Constituição Estadual é clara ao dispor Des. Marcus Tulio Sartorato Ação Direta de Inconstitucionalidade n.. 2003.021547-6 8 que “os atos municipais que produzam efeitos externos serão publicados no órgão oficial do Município ou da respectiva associação municipal ou em jornal local ou da microrregião a que pertencer ou de acordo com o que determinar a sua lei orgânica” (parágrafo único do art. 111 – sem destaque na norma). Contudo, não há nos autos alegação de vício na publicação, razão pela qual inexiste qualquer afronta ao princípio da anterioridade. Por fim, não merece prosperar a alegação dos requerentes de que o gasto com obras para instalação, ampliação, manutenção e melhoramento não pode ser objeto de cobrança por meio de contribuição. Não há óbice algum à destinação do valor arrecadado para suprir esse tipo de necessidade, pois são despesas inerentes à instalação, manutenção ou ampliação da própria iluminação pública, as quais representam investimentos indispensáveis ao seu fornecimento. Ante o exposto, por não haver qualquer afronta à Constituição do Estado de Santa Catarina, pois a Constituição Federal não estabelece outras exigências senão aquelas consignadas especificamente no art. 149-A, e por não estar esta Cote de Justiça Estadual investida na competência para apreciar, em sede de controle concentrado, possível afronta à Lei Maior, há que ser julgado improcedente o pedido, reconhecendo-se a constitucionalidade da Lei n.º 2.196/2002 do Município de Balneário Camboriú. III – DECISÃO: Nos termos do voto do relator, por maioria, julgaram improcedente o pedido. Presidiu a sessão de julgamento, com lavratura de voto, o eminente Desembargador Jorge Mussi, e dele participaram, com votos vencedores, os Excelentíssimos Senhores Desembargadores Francisco Oliveira Filho, Alcides Aguiar, Amaral e Silva, Anselmo Cerello, Carlos Des. Marcus Tulio Sartorato Ação Direta de Inconstitucionalidade n.. 2003.021547-6 9 Prudêncio, Pedro Abreu, Orli Rodrigues, Trindade dos Santos, Cláudio Barreto Dutra, Sérgio Paladino, Mazoni Ferreira, Irineu João da Silva, Vanderlei Romer, Eládio Torret Rocha, Wilson Augusto do Nascimento, José Volpato de Souza, Monteiro Rocha, Torres Marques, Luiz Carlos Freyesleben, Rui Fortes, Cesar Abreu, Salete Silva Sommariva, Ricardo Fontes, Nicanor da Silveira, Salim Schead dos Santos e Edson Ubaldo. Vencidos os eminentes Desembargadores Newton Trisotto, Luiz Cézar Medeiros, Nelson Schaefer Martins, Sérgio Baasch Luz e Fernando Carioni. Pela douta Procuradoria-Geral de Justiça lavrou parecer o Excelentíssimo Senhor Procurador de Justiça Gilberto Callado de Oliveira. Florianópolis, 23 de novembro de 2005. Pedro Manoel Abreu PRESIDENTE PARA O ACÓRDÃO Marcus Tulio Sartorato RELATOR Declaração de voto vencido do Exmo. Sr. Des. Newton Trisotto: EMENTA ADITIVA Por violar os princípios da isonomia (CF, art. 5º, caput), da igualdade tributária (CF, art. 150, II; CESC, art. 128, II) e da razoabilidade (CF, art. 5º, LIV; CESC, art. 4º), é inconstitucional lei que estabelece como base de cálculo da contribuição para o custeio de iluminação pública (COSIP) a energia elétrica adquirida, na proporção do consumo, por alíquotas progressivas. 1. Permito-me reproduzir o voto – vencido, registre-se – que proferi no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 2003.028636-5, de Criciúma: “1. Todo ordenamento jurídico contém princípios. Para Nelson Nery Júnior, ‘os princípios são, normalmente, regras de ordem geral, que muitas vezes decorrem do próprio sistema jurídico e não necessitam estar previstos expressamente em normas legais, para que se lhes empreste validade e eficácia’ (Princípios fundamentais – teoria geral dos recursos, RT, 1997, p. 109). Des. Marcus Tulio Sartorato Ação Direta de Inconstitucionalidade n.. 2003.021547-6 10 Com ele consoam Luiz Guilherme Marinoni e José Carlos Barbosa Moreira, respectivamente: ‘Os princípios beneficiam-se de uma objetividade e presencialidade normativa que os dispensam estarem consagrados expressamente em qualquer preceito’ (A antecipação da tutela, Malheiros, 1998, 4ª ed., p. 171). ‘O ordenamento jurídico, evidentemente, não se exaure naquilo que a letra da lei revela à primeira vista. Nem é menos grave o erro do julgador na solução da quaestio juris quando afronte norma que integre o ordenamento sem constar literalmente de texto algum’ (Comentários ao código de processo civil, 7ª ed., v. 5, p. 129). A Constituição é igualmente formada por princípios, alguns expressos (positivados) e outros implícitos. Sobre o tema, leciona Raquel Fernandes Perrini: ‘Os princípios expressos são aqueles apontados explicitamente pelo constituinte, podendo facilmente ser detectados quando da leitura do Texto Maior. Como exemplo, podemos citar o princípio da legalidade (arts. 5º, inc. II, 37, caput e inc. XXXIX, e art. 84, inc. IV), princípio da igualdade (arts. 3º, inc. III, 5º, caput e inc. I), princípio do contraditório (art. 5º, inc. LV), princípio do Juiz Natural (art. 5º, inc. LIII), princípio do devido processo legal (art. 5º, inc. LIV), princípio da presunção de inocência (art. 5º, inc. LVII), princípio da inafastabilidade do controle judicial (art. 5º, XXXV), princípio da impessoalidade (art. 37, caput), princípio da publicidade (arts. 5º, XXXIII, e 37, caput), princípio da moralidade administrativa (art. 37, caput), princípio da responsabilidade do Estado por atos administrativos (art. 37, § 6º), princípio da anterioridade tributária (art. 150, inc. III, b), princípio da capacidade contributiva (art. 145, § 1º), princípio da livre concorrência (art. 170, inc. IV), entre tantos outros encontrados no seio constitucional. Todavia, nem sempre a tarefa de desvendar os princípios constitucionais se apresenta com tal singeleza. Não raras vezes, o legislador ordinário não disse, expressamente, quais os valores de que se utilizou para entrelaçar o ordenamento jurídico-constitucional. [...] Nessa medida, podem ser considerados como parte integrante do Texto Constitucional aqueles vetores que, embora não elencados expressamente pelo legislador, foram por ele adotados implicitamente, e que podem ser deduzidos através de uma interpretação sistêmica. Os princípios implícitos se revestem da mesma importância atribuída àqueles explicitados pelo legislador, posto que também são tomados como alicerce do ordenamento jurídico, impondo-se, igualmente, obediência aos comandos por eles emitidos’ (Os princípios constitucionais implícitos, em Cadernos de Direito Constitucional e Ciência Política 17/131-2). A inconstitucionalidade da lei pode derivar da ofensa a princípio Des. Marcus Tulio Sartorato Ação Direta de Inconstitucionalidade n.. 2003.021547-6 11 constitucional, seja expresso ou simplesmente implícito. Recorro à doutrina para reforçar a tese: ‘Em resumo, diz-se que a inconstitucionalidade (situação ou estado decorrente de um ou de vários vícios) pode ser conceituada como a desconformidade do ato normativo (inconstitucionalidade material) ou do seu processo de elaboração (inconstitucionalidade formal) com algum preceito ou princípio constitucional. [...] Os princípios, mesmo os implícitos, e inclusive aqueles enunciados no Preâmbulo, dispõem de funcionalidade. Prestam-se para alguma coisa. São, pois, funcionais. Eles cimentam a unidade da Constituição, indicam o conteúdo do direito de dado tempo e lugar e, por essa razão, fixam standards de justiça, prestando-se como mecanismos auxiliares no processo de interpretação e integração da Constituição e do direito infraconstitucional. Mais do que isso, experimentam uma eficácia mínima, ou seja, se são, em muitas situações, insuscetíveis de aplicação direta e imediata, exigindo no mais das vezes (não é o caso dos princípios-garantia) integração normativa decorrente da atuação do Legislador, pelo menos cumprem eficácia derrogatória da legislação anterior e impeditiva da legislação posterior, desde que incompatíveis com seus postulados’ (Clèmerson Merlin Clève, A fiscalização abstrata da constitucionalidade no direito brasileiro, RT, 2ª ed., 2000, p. 36 e 44). ‘Diz-se que a inconstitucionalidade reside no antagonismo e contrariedade do ato normativo inferior (legislativo ou administrativo) com os vetores da Constituição, estabelecidos em suas regras e princípios’ (Oswaldo Luiz Palu, Controle de constitucionalidade: conceitos, sistemas e efeitos, RT, 2ª ed., 2001, p. 69). Em face do disposto no art. 111 da Constituição do Estado de Santa Catarina, os princípios nela insculpidos e também na Constituição da República são de observância obrigatória pelos municípios: ‘O Município rege-se por lei orgânica, votada em dois turnos, com o interstício mínimo de dez dias, e aprovada por dois terços dos membros da Câmara Municipal, que a promulgará, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição, e os seguintes preceitos.’ Com o caso sub judice têm pertinência os princípios da igualdade (CF, art. 5º, caput), da igualdade tributária (CF, art. 150, II; CESC, art. 128, II) e da razoabilidade, este compreendido no inc. LIV do art. 5º da Constituição da República: ‘ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal’. A respeito deles, anoto: 1.1. No dizer de Alexandre de Moraes, ‘o princípio do devido processo legal possui, em seu aspecto material, estreita ligação com a noção de razoabilidade [o destaque não consta do original], pois tem por finalidade a proteção dos direitos fundamentais contra condutas administrativas e legislativas do Poder Público pautadas pelo conteúdo arbitrário, irrazoável, desproporcional’ (Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional, Atlas, 3ª ed., 2004, Des. Marcus Tulio Sartorato Ação Direta de Inconstitucionalidade n.. 2003.021547-6 12 p. 368). Há precedentes do Supremo Tribunal Federal neste sentido: ‘Todos sabemos que a cláusula do devido processo legal – objeto de expressa proclamação pelo art. 5º, LIV, da Constituição – deve ser entendida, na abrangência de sua noção conceitual, não só sob o aspecto meramente formal, que impõe restrições de caráter ritual à atuação do Poder Público, mas, sobretudo, em sua dimensão material, que atua como decisivo obstáculo à edição de atos legislativos de conteúdo arbitrário irrazoável’ (ADI n.º 1.158, voto do Min. Celso de Mello). ‘Transgride o princípio do devido processo legal (CF, art. 5º, LIV) – analisado na perspectiva de sua projeção material (material due process of law) – a regra estatal que veicula, em seu conteúdo, prescrição normativa qualificada pela nota da irrazoabilidade’ (Suspensão de Segurança n.º 1.320, Min. Celso de Mello). O princípio do devido processo legal também se encontra na Constituição catarinense: ‘Art. 4º O Estado, por suas leis e pelos atos de seus agentes, assegurará, em seu território e nos limites de sua competência, os direitos e garantias individuais e coletivos, sociais e políticos previstos na Constituição Federal e nesta Constituição, ou decorrentes dos princípios e do regime por elas adotados, bem como os constantes de tratados internacionais em que o Brasil seja parte.’ Discorrendo especificamente sobre o princípio da razoabilidade – que tem origem no direito norte-americano, segundo Paulo Armínio Tavares Buechele (O princípio da proporcionalidade e a interpretação da Constituição, Renovar, 1999, p. 137) –, assinala Luís Roberto Barroso: ‘O princípio da razoabilidade é um parâmetro de valoração dos atos do Poder Público para aferir se eles estão sendo informados pelo valor superior inerente a todo ordenamento jurídico: a justiça. Sendo mais fácil de ser sentido do que conceituado, o princípio se dilui em conjunto de proposições que não o libertam de uma dimensão excessivamente subjetiva. É razoável o que seja conforme à razão, supondo equilíbrio, moderação e harmonia; o que não seja arbitrário ou caprichoso; o que corresponda ao senso comum, aos valores vigentes em dado momento ou lugar. Há autores, mesmo, que recorrem ao direito natural como fundamento para a aplicação da regra da razoabilidade, embora possa ela radicar perfeitamente nos princípios gerais da hermenêutica. Sobre este ponto em particular, veja-se a passagem inspirada de San Tiago Dantas: ‘Não é apenas a doutrina do Direito Natural que vê no Direito uma ordem normativa superior e independente da Lei. Mesmo os que concebem a realidade jurídica como algo mutável e os princípios do Direito como uma síntese das normas dentro de certos limites históricos reconhecem que podem haver leis inconciliáveis com esses princípios, cuja presença no sistema positivo fere a coerência deste, e produz a sensação íntima do arbitrário, traduzida na idéia de ‘lei injusta’. Em seguida, após a referência ao sistema americano e ao due Des. Marcus Tulio Sartorato Ação Direta de Inconstitucionalidade n.. 2003.021547-6 13 process of law, arrematou: ‘A lei que não pode ser considerada ‘law of the land’ é a lei contrária ao direito. Não a um direito fixado em regras e comandos precisos, que se tornariam, nesse caso, imutáveis; mas ao direito como síntese, como corpo de princípios, com método de criação normativa’. Seja como for, é necessário seguir em busca de terreno mais sólido e de elementos mais objetivos na caracterização da razoabilidade dos atos do Poder Público, especialmente, para lhe conferir um cunho normativo. Somente esta delimitação do objeto poderá impedir que o princípio se esvazie de sentido, por excessivamente abstrato, ou que se pervertera num critério para julgamento ad hoc. A atuação do Estado na produção de normas jurídicas normalmente se fará diante de certas circunstâncias concretas, será destinada à realização de determinados fins, a serem atingidos pelo emprego de determinados meios. Deste modo, são fatores invariavelmente presentes em toda ação relevante para a criação do direito: os motivos (circunstâncias de fato), os fins e os meios. Além disto, há de se tomar em conta, também, os valores fundamentais da organização estatal, explícitos ou implícitos, como a ordem, a segurança, a paz, a solidariedade; em última análise, a justiça. A razoabilidade é, precisamente, a adequação de sentido que deve haver entre estes elementos. Esta razoabilidade deve ser aferida, em primeiro lugar, dentro da lei. É a chamada razoabilidade interna, que diz com a existência de uma relação racional e proporcional entre seus motivos, meios e fins. Aí está incluída a razoabilidade técnica da medida. Por exemplo: se diante de um surto inflacionário (motivo), o Poder Público congela o preço dos medicamentos vitais para certos doentes crônicos (meio) para assegurar que pessoas de baixa renda tenham acesso a eles (fim), há uma relação racional e razoável entre os elementos em questão e a norma, em princípio, se afigura válida. Ao revés, se diante do crescimento estatístico da AIDS (motivo), o Poder Público proíbe o consumo de bebidas alcoólicas durante o carnaval (meio), para impedir a contaminação de cidadãos nacionais (fim), a medida será razoável. Isto porque estará rompida a conexão entre os motivos, os meios e os fins, já que inexiste qualquer relação direta entre o consumo de álcool e a contaminação. [...] De fato, a aferição da razoabilidade importa em juízo de mérito sobre atos editados pelo Legislativo, o que interfere com o delineamento mais comumente aceito da discricionariedade do legislador. Ao examinar a compatibilidade entre meio e fim, e as nuances de necessidade-proporcionalidade da medida adotada, a atuação do Judiciário transcende à do mero controle objetivo da legalidade. E o conhecimento convencional, como se sabe, rejeita que o juiz se substitua ao administrador ou ao legislador para fazer sobrepor a sua própria valoração subjetiva da dada matéria. A verdade, contudo, é que ao apreciar uma lei para verificar se ela é ou não arbitrária, o juiz ou tribunal estará, inevitavelmente, declinando o seu próprio ponto de vista do que seja racional ou razoável. Des. Marcus Tulio Sartorato Ação Direta de Inconstitucionalidade n.. 2003.021547-6 14 A evolução dos conceitos tem atenuado o rigor das formulações clássicas e permitido a contenção da chamada liberdade de conformação legislativa. O controle finalístico da atuação do legislador se exerce sobre dois momentos ‘teleologicamente relevantes’ do ato legislativo, que Gomes Canotilho assim identifica e comenta: ‘(i) Em primeiro lugar, a lei é tendencialmente uma função de execução, desenvolvimento ou prossecução dos fins estabelecidos na Constituição, pelo que sempre se poderá dizer que, em última análise, a lei é vinculada ao fim constitucionalmente fixado; (ii) por outro lado, a lei, embora tendencialmente livre no fim, não pode ser contraditória, irrazoável, incongruente consigo mesma. Nas duas hipóteses assinaladas, toparíamos com a vinculação do fim da lei: no primeiro caso, a vinculação do fim da lei decorre da Constituição; no segundo caso, o fim imanente à legislação imporia os limites materiais da não contraditoriedade, razoabilidade e congruência’. Por uma competência excepcional, que se exerce em domínio delicado, deve o Judiciário agir com prudência e parcimônia. É preciso ter em linha de conta que, em um Estado democrático, a definição das políticas públicas deve recair sobre os órgãos que têm o batismo da representação popular, o que não é o caso de juízes e tribunais. Mas, quando se trata de preservar a vontade do povo, isto é, do constituinte originário, contra os excessos de maiorias legislativas eventuais, não deve o juiz hesitar. O controle de constitucionalidade se exerce, precisamente, para assegurar a preservação dos valores permanentes sobre os ímpetos circunstanciais. Remarque-se, porque relevante, que a última palavra poderá ser sempre do Legislativo. É que, não concordando com a inteligência dada pelo Judiciário a um dispositivo constitucional, poderá ele, no exercício do poder constituinte derivado, emendar a norma constitucional e dar-lhe o sentido que desejar. Como se demonstrou até aqui, a razoabilidade dos atos do Poder Público – inclusive dos atos legislativos –, como parâmetro aferidor de sua constitucionalidade, tem sido aceita em inúmeros sistemas jurídicos. Nos Estados Unidos, como visto, o princípio se assenta na cláusula do devido processo legal, constante das emendas de ns. 5 e 14 à Constituição. Na Argentina, como assinala com orgulho a doutrina, o princípio remonta ao texto original da Carta, que, no art. 28, estabelecia que os princípios, garantias e direitos reconhecidos na Constituição não poderiam ser alterados por leis que regulamentassem seu exercício. No direito constitucional alemão, atribui-se ao princípio da proporcionalidade (Verhältnismässigkeit) qualidade de norma constitucional não-escrita, derivada do Estado de direito. Em Portugal, ele vem materializado em regras expressas da Constituição, notadamente da proibição do excesso’ (O princípio da razoabilidade e da proporcionalidade no direito constitucional, em Cadernos de Direito Constitucional e de Ciência Política, v. 23, p. 69-75). O princípio da razoabilidade com freqüência é invocado em matéria tributária. Quando do julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 1.501, Des. Marcus Tulio Sartorato Ação Direta de Inconstitucionalidade n.. 2003.021547-6 15 de origem na Emenda Constitucional 12, de 1996, disse o Ministro Ilmar Galvão: ‘A Constituição não tolera que o Poder impositivo do Estado se exerça de forma tão arbitrária, a ponto de alcançar simples atos de disposição de dinheiro por parte do contribuinte, desvestidos de qualquer repercussão econômica ou jurídica, e de forma absolutamente indiscriminada, a ponto de sujeitar ao mesmo regime de todas as pessoas que, de forma voluntária ou compulsória, se vêem na contingência de movimentar recursos que, muitas vezes nem lhes pertencem ou que encerram a totalidade de economias reunidas a duras penas, no exercício de trabalho desqualificado e mal remunerado, sem a menor consideração, portanto, ao aspecto da capacidade contributiva. Entendimento em sentido contrário importa admitir absoluta incoerência e, conseqüentemente, manifesta irrazoabilidade no sistema constitucional, o que não é permitido ao intérprete. Esse, na verdade o outro vício irremediável que inviabiliza a exigência da contribuição: a irrazoabilidade. ‘O absurdo é de tal ordem’ – conforme observa o conceituado Mestre Arnoldo Wald (‘A CPMF e o devido processo legal’, in ‘Enfoque jurídico’, TRF – 1ª Região, agosto/96, p. 12) –, ‘que nenhuma legislação do mundo, por mais atrasada que pudesse ser, jamais concebeu um tributo sobre a emissão de cheques e ordens de pagamento’, ao manifestar a sua estranheza diante do retrocesso representado pela EC 12/96 na técnica legislativa, quando se sabe que o ‘desenvolvimento de um país também se caracteriza pelo progresso e pela coerência da ordem jurídica vigente.’ Trata-se de diploma normativo que, desenganadamente, afronta o princípio do devido processo legal que, também sob o ponto de vista substantivo é de ter-se consagrado no art. 5º., LIV, como já tem proclamado o STF, como uma garantia do cidadão a que somente seja submetido à observância de leis razoáveis. [...] A indigitada emenda constitucional seria insuscetível da censura a que se acha submetida, não fosse a norma do art. 60, § 4º, IV, da Carta da República, que permite ao intérprete contrastá-la com o elenco de garantias e direitos individuais nela assegurados, confronto esse que leva à certeza de que se está diante de norma basicamente contrária razão no Estado de Direito, comportando aplicação.’ 1.2. Conforme a Constituição da República, ‘sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios’ (art. 150) ‘instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos’ (inc. II). Para Hugo de Brito Machado, ‘o princípio da igualdade é a projeção, na área tributária, do princípio geral da isonomia jurídica, ou princípio pelo qual todos são iguais perante a lei. Apresenta-se como garantia de tratamento uniforme, pela entidade tributante, de quantos se encontrem em condições iguais. Como manifestação desse princípio temos, em nossa Constituição, a regra da Des. Marcus Tulio Sartorato Ação Direta de Inconstitucionalidade n.. 2003.021547-6 16 uniformidade dos tributos federais em todos o território nacional’ (Curso de direito tributário, Malheiros, 2003, 22ª ed., p. 44). A Emenda 39 estabeleceu que na instituição da COSIP deverá ser ‘observado o disposto no art. 150, I e III’. O primeiro inciso encerra o princípio da legalidade; o segundo, o da anterioridade. Deverão observar os legisladores, ainda, o princípio da igualdade (art. 5º, caput), ínsito a qualquer lei. Por isso, o fato de a EC 39 mencionar expressamente apenas os incs. I e III do art. 150, omitindo o inc. II, não significa que o princípio nele inserto possa ser ignorado. Os princípios em referência, inclusive os direitos e garantias individuais do art. 5º, constituem cláusulas pétreas (CF, art. 60, § 4º), que não podem ser quebradas nem mesmo via emenda constitucional. Recorro à doutrina, mais uma vez, para reforçar a assertiva: ‘Há limitações, formais e materiais, expressas e implícitas, à competência que o Congresso Nacional possui para emendar a Constituição. Tais limitações são entre nós conhecidas como cláusulas pétreas. Dentre essas cláusulas pétreas figuram, sem dúvida, os princípios da legalidade, da anterioridade, da segurança jurídica, da não-confiscatoriedade etc., que veiculem direitos e garantias dos contribuintes contra a sanha do Fisco’ (Roque Antônio Carrazza, A reforma tributária e as ‘cláusulas pétreas’, em Revista de Direito Tributário 67/253). ‘I – As cláusulas pétreas equivalem a determinadas matérias insuscetíveis de alteração pelo exercício da competência reformadora, por representarem os valores básicos, fundamentais da Constituição, que não podem ser modificados, sob pena de alteração da própria identidade do texto constitucional. II – As cláusulas pétreas tributárias não se limitam aos enunciados prescritivos dos arts. 5º, 150 a 152 da Carta Magna. III – Além dos direitos e garantias fundamentais prescritos no art. 5º da CF, há outros previstos em alguns setores da Constituição que integram o seu núcleo imodificável. IV – Todas as limitações constitucionais prescritas nos arts. 150 a 152, sem exceção, são cláusulas pétreas, porque corporificam os valores básicos que, em matéria tributária, o legislador impediu que fossem eliminados ou reduzidos por meio de emenda constitucional’ (Paulo Roberto Lyrio Pimenta, Cláusulas pétreas tributárias, em Revista Dialética de Direito Tributário 92/45-6). ‘O problema das cláusulas pétreas tributárias é um capítulo à parte. Vamos encontrá-las, também com base no art. 60 da Constituição Federal, que leva o pesquisador ao Título VI, ‘Da Tributação e do Orçamento’, mais precisamente no Capítulo I, que trata do Sistema Tributário Nacional. Assim, no que se refere a essas cláusulas, voltadas para a tributação, vamos encontrá-las no art. 60, como já disse, § 4º, IV, da Constituição Federal, que tem a seguinte redação: ‘Art. 60 – 4º – Não será objeto de deliberação a proposta de Des. Marcus Tulio Sartorato Ação Direta de Inconstitucionalidade n.. 2003.021547-6 17 emenda tendente a abolir: IV – os direitos e garantias individuais.’ O § 2º do art. 5º da Constituição assim se expressa: ‘Art. 5º – § 2º – Os direitos e garantias expressos nessa Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.’ Portanto, são cláusulas pétreas tributárias, os seguintes princípios: a) Princípio da Capacidade Contributiva, constante do art. 145, § 1º, da Constituição da República; b) Princípio da Legalidade, constante do art. 150, I, da Constituição da República; c) Princípio da Igualdade, constante do art. 150, II, da Constituição Federal; d) Princípio da Anterioridade, constante do art. 150, III, ‘a’, da Constituição Federal; e) Princípio da Irretroatividade, constante também do art. 150, III, ‘a’, da Constituição Federal; e o f) Princípio da Não-Confiscatoriedade, constante do art. 150, IV, da mesma Constituição’ (Dejalma de Campos, As cláusulas pétreas tributárias, em Revista Dialética de Direito Tributário 9/33). ‘Lembremo-nos, ainda, que a grande novidade do referido art. 60 está na inclusão, entre as limitações ao poder de reforma da Constituição, dos direitos inerentes ao exercício da democracia representativa e dos direitos e garantias individuais, que por não se encontrarem restritos ao rol do art. 5º, resguardam um conjunto mais amplo de direitos constitucionais de caráter individual dispersos no texto da Carta Magna. Neste sentido, decidiu o Supremo Tribunal Federal (Adin 939-7/DF) ao considerar cláusula pétrea, e conseqüentemente imodificável, a garantia constitucional assegurada ao cidadão no art. 150, III, b, da Constituição Federal (princípio da anterioridade tributária), entendendo que ao visar subtraí-la de sua esfera protetiva, estaria a Emenda Constitucional nº 3, de 1993, deparando-se com um obstáculo intransponível, contido no art. 60, § 4º, IV, da Constituição Federal’ (Alexandre de Moraes, Direito constitucional, Saraiva, 2001, p. 34). ‘Dentre as normas constitucionais que não podem ser objeto de supressão, encontram-se os direitos e garantias constitucionais assegurados aos cidadãos. O § 2º, do art. 5º, da Constituição Federal, estabelece que os direitos e garantias expressos no referido dispositivo não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados. Dentre outros princípios, ao nosso ver, são intocáveis, os princípios da estrita legalidade, o da isonomia em matéria tributária, o da capacidade contributiva, o da segurança jurídica, o que assegura o direito de propriedade, o da anterioridade em matéria tributária, o que veda a tributação com caráter confiscatório e o que veda a sobreposição de bases tributáveis. Des. Marcus Tulio Sartorato Ação Direta de Inconstitucionalidade n.. 2003.021547-6 18 Constitui-se regra de fechamento do sistema constitucional tributário brasileiro a contemplada no art. 154, I, c/c as do art. 155 e 156, da Constituição Federal. O constituinte de 1988 repartiu de forma rígida, entre as pessoas políticas, o campo de atuação de cada uma delas. Apontou de maneira exaustiva os eventos que podem ser eleitos pelos Estados-membros, Distrito Federal e Municípios como hipóteses de incidência de impostos. No tocante à competência da União para tributar por meio de impostos, enumerou alguns eventos, listados no art. 153 da Constituição Federal, e estabeleceu no art. 154, I, que a União poderá, mediante lei complementar, instituir impostos não previstos no art. 153, desde que sejam não-cumulativos e não tenham fato gerador ou base de cálculo próprios dos discriminados na Constituição Federal. Logo, a nosso ver, essa diretriz é fundamental para o sistema e não pode ser eliminada ou restringida nem mesmo por meio de Emenda à Constituição. Trata-se de uma diretriz que confere maior eficácia aos princípios da capacidade contributiva, ao que assegura o direito de propriedade e ao que veda a instituição de tributos com efeito de confisco, na medida em que não permite a instituição de impostos cumulativos e cujo ‘fato gerador’ e base de cálculo sejam idênticos aos de outros já indicados como passíveis de serem tributados por outros impostos’ (Clélio Chiesa, O ICMS e a EC33, Dialética, 2003, p. 16). ‘Podemos afirmar, assim, que os direitos individuais envolvem as normas constitucionais que conferem ou declaram bens que possam integrar o patrimônio jurídico do contribuinte, ao passo que as garantias são dispositivos de natureza assecuratória, i.e., disposições que assegurem tais direitos. Exemplificando, o inciso XV do artigo 5º da Constituição Federal traz um exemplo de direito individual, qual seja, o direito de locomoção, consubstanciado-se o ‘Habeas Corpus’, previsto no inciso LXVIII, do mesmo artigo 5º, em verdadeira garantia, assegurando o exercício de tal direito, como vedação dirigida ao Estado, que não poderá tolhe-lo por ilegalidade ou abuso de poder. Por fim, uma dica prática que pode nos auxiliar na localização de tais direitos e garantias individuais no sistema tributário constitucional consiste em analisar aqueles já comumente aceitos como tais, entre os quais podemos citar: a) princípio da legalidade (art. 5º, II); b) princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional (art. 5º, XXXV); c) princípio do devido processo legal e contraditório (art. 5º, LIV e LVII); d) princípio da estrita legalidade tributária (art. 150, I); e) princípio da igualdade tributária (art. 150, II); f) princípio da irretroatividade tributária (art. 150, III, a); g) princípio da anterioridade tributária (art. 150, III, b); h) princípio da vedação da utilização de tributos com efeitos de confisco (art. 150), dentre tantos outros. Fácil notar a vasta gama de princípios constitucionais, seja de natureza geral, seja específicos para o direito tributário, erigidos à condição de cláusulas pétreas, e, quanto aos últimos, assim aceitos tanto pela doutrina como pela jurisprudência. Certamente podemos afirmar que tal se dá não só porque são princípios, mas, também e principalmente Des. Marcus Tulio Sartorato Ação Direta de Inconstitucionalidade n.. 2003.021547-6 19 porque agregam, incorporam, direitos ao patrimônio jurídico dos contribuintes, servindo, em sua totalidade, como verdadeiras garantias dos cidadãos em face do Poder do Estado. Não se mostra absurda, portanto, a afirmação segundo a qual outros princípios tributários insertos na Constituição Federal, e que possuam tais características, também devam ser tidos como direitos e garantias individuais, e, como corolário lógico de tal raciocínio, insuscetíveis de supressão ou mesmo ter reduzida sua esfera de proteção e abrangência, ainda que por meio do exercício do Poder Constituinte Derivado’ (Paulo Andreatto Bonfim, Os princípios constitucionais tributários e o poder constituinte derivado, em Jus Navigandi, http://www1.jus.com.br/doutrina/texto). 1.3. O tratamento desigual a contribuintes que se encontram na mesma situação só é permitido nas hipóteses expressamente previstas na Constituição da República, como ocorre relativamente ao Imposto de Renda (art. 153, § 2º, I) e ao IPTU (art. 182, § 4º, II), dentre outros, em relação aos quais a progressividade das alíquotas é permitida. Para mim, só o é se autorizado expressamente pela Constituição da República. No que concerne ao tema, transcrevo, parcialmente, o voto do Ministro Celso de Mello na Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 2.010: ‘A Lei n.º 9.783/99, ao dispor sobre a contribuição de seguridade social relativamente a pensionistas e a servidores inativos da União, regulou, indevidamente, matéria não autorizada pelo texto da Carta Política, eis que, não obstante as substanciais modificações introduzidas pela EC n.º 20/98 no regime de previdência dos servidores públicos, o Congresso Nacional absteve-se, conscientemente, no contexto da reforma do modelo previdenciário, de fixar a necessária matriz constitucional, cuja instituição se revelava indispensável para legitimar, em bases válidas, a criação e a incidência dessa exação tributária sobre o valor das aposentadorias e das pensões. O regime de previdência de caráter contributivo, a que se refere o art. 40, caput, da Constituição, na redação dada pela EC n.º 20/98, foi instituído, unicamente, em relação ‘Aos servidores titulares de cargos efetivos’, inexistindo, desse modo, qualquer possibilidade jurídico-constitucional de se atribuir, a inativos e a pensionistas da União, a condição de contribuintes da exação prevista na Lei n.º 9.783/99. Interpretação do art. 40, §§ 8º e 12, c/c o art. 195, II, da Constituição, todos com a redação que lhes deu a EC n.º 20/98. [...] O argumento histórico, no processo de interpretação constitucional, não se reveste de caráter absoluto. Qualifica-se, no entanto, como expressivo elemento de útil indagação das circunstâncias que motivaram a elaboração de determinada norma inscrita na Constituição, permitindo o conhecimento das razões que levaram o constituinte a acolher ou a rejeitar as propostas que lhe foram submetidas. O registro histórico dos debates parlamentares, em torno da Des. Marcus Tulio Sartorato Ação Direta de Inconstitucionalidade n.. 2003.021547-6 20 proposta que resultou na Emenda Constitucional n.º 20/98 (PEC n.º 33/95), revela-se extremamente importante na constatação de que a única base constitucional, que poderia viabilizar a cobrança, relativamente aos inativos e aos pensionistas da União, da contribuição de seguridade social – foi conscientemente excluída do texto, por iniciativa dos próprios líderes dos partidos políticos que dão sustentação parlamentar ao Governo, na Câmara dos Deputados (Comunicação Parlamentar publicada no Diário da Câmara dos Deputados, p. 04110, edição de 12/2/98). O destaque supressivo, patrocinado por esses líderes partidários, excluiu do substitutivo aprovado pelo Senado Federal (PEC n.º 33/95), a cláusula destinada a introduzir, no texto da Constituição, a necessária previsão de cobrança, aos pensionistas e aos servidores inativos, da contribuição de seguridade social. [...] Relevo jurídico da tese segundo o qual o legislador comum, fora das hipóteses taxativamente indicadas no texto da Carta Política, não pode valer-se da progressividade na definição das alíquotas pertinentes à contribuição de seguridade social devida por servidores públicos em atividade. Tratando-se de matéria sujeita a estrita previsão constitucional – CF, art. 153, § 2º, I; art. 153, § 4º; art. 156, § 1º; art. 182, § 4º, II; art. 195, § 9º (contribuição social devida pelo empregador) – inexiste espaço de liberdade decisória para o Congresso Nacional, em tema de progressividade tributária, instituir alíquotas progressivas em situações não autorizadas pelo texto da Constituição. Inaplicabilidade, aos servidores estatais, da norma inscrita no art. 195, § 9º, da Constituição, introduzida pela EC n.º 20/98. A inovação do quadro normativo resultante da promulgação da EC n.º 20/98 – que introduziu, na Carta Política, a regra consubstanciada no art. 195, § 9º (contribuição patronal) – parece tornar insuscetível de invocação o precedente firmado na ADI n.º 790-DF (RTJ 147/921). [...] A contribuição de seguridade social não só se qualifica como uma modalidade autônoma de tributo (RTJ 143/684), como também representa espécie tributária essencialmente vinculada ao financiamento da seguridade social, em função de específica destinação constitucional. A vigência temporária das alíquotas progressivas (art. 2º da Lei 9.783/99), além de não implicar concessão adicional de outras vantagens, benefícios ou serviços – rompendo, em conseqüência, a necessária vinculação causal que deve existir entre contribuições e benefícios (RTJ 174/921) – constitui expressiva evidência de que se buscou, unicamente, com a arrecadação desse plus, o aumento da receita da União, em ordem a viabilizar o pagamento de encargos (despesas de pessoal) cuja satisfação deve resultar, ordinariamente, da arrecadação de impostos. [...] A invocação das razões de Estado – além de deslegitimar-se como Des. Marcus Tulio Sartorato Ação Direta de Inconstitucionalidade n.. 2003.021547-6 21 fundamento idôneo de justificação de medidas legislativas – representa, por efeito de gravíssimas conseqüências provocadas por seu eventual acolhimento, uma ameaça inadmissível às liberdades públicas, à supremacia da ordem constitucional e aos valores democráticos que a informam, culminando por introduzir, no sistema de direito positivo, um preocupante fator de ruptura e de desestabilização político-jurídica. Nada compensa a ruptura da ordem constitucional. Nada recompõe os gravíssimos efeitos que derivam do gesto de infidelidade ao texto da Lei Fundamental. A defesa da Constituição não se expõe, nem deve submeter-se, a qualquer juízo de oportunidade ou de conveniência, muito menos a avaliações discricionárias fundadas em razões de pragmatismo governamental. A relação do Poder e de seus agentes, com a Constituição, há de ser, necessariamente, uma relação de respeito. Se, em determinado momento histórico, circunstâncias de fato ou de direito reclamarem a alteração da Constituição, em ordem a conferirlhe um sentido de maior contemporaneidade, para ajustá-la, desse modo, às novas exigências ditadas por necessidades políticas, sociais ou econômicas, impor-se-á a prévia modificação do texto da Lei Fundamental, com estrita observância das limitações e do processo de reforma estabelecidos na própria Carta Política. [...] O Supremo Tribunal Federal – que é o guardião da Constituição, por expressa delegação do Poder Constituinte – não pode renunciar ao exercício desse encargo, pois, se a Suprema Corte falhar no desempenho da gravíssima atribuição que lhe foi outorgada, a integridade do sistema político, a proteção das liberdades públicas, a estabilidade do ordenamento normativo do Estado, a segurança das relações jurídicas e a legitimidade das instituições da República restarão profundamente comprometidas. O inaceitável desprezo pela Constituição não pode converter-se em prática governamental consentida. A menos, enquanto houver um Poder Judiciário independente e consciente de sua alta responsabilidade política, social e jurídico constitucional.’ Também quanto ao Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU), até a ‘edição da EC nº 29/2000, este Supremo Tribunal decidiu que é inconstitucional qualquer progressividade do IPTU, que não atenda exclusivamente ao disposto no artigo 156, § 1º, aplicado com as limitações expressamente constantes dos §§ 2º e 4º do artigo 182, ambos da Constituição Federal’ (AgRgAI n.º 353.180, Min. Ellen Gracie). 2. Dos comentários de Kiyoshi Harada relativos à Emenda Constitucional 39 extraio os excertos que seguem: ‘2. A antiga proposta de Emenda Constitucional de nº 222-A Como resultado de reiteradas decisões do Supremo Tribunal Federal, declarando a inconstitucionalidade da taxa de iluminação pública, instituída por diversos Municípios, estes patrocinaram a elaboração da Proposta de Emenda Constitucional nº 222-A, para Des. Marcus Tulio Sartorato Ação Direta de Inconstitucionalidade n.. 2003.021547-6 22 permitir a tributação dessa taxa. Mediante alterações do inciso II, do art. 145 e de seu parágrafo 2º da Constituição Federal permitia a instituição da taxa de iluminação pública, dispensados os requisitos da especificidade e da divisibilidade do serviço público, prestado ou colocado à disposição do contribuinte, bem como, abolia a proibição da identidade de sua base de cálculo com a de impostos. Aludida proposta, violentava o princípio da discriminação constitucional de impostos. De fato, exatamente, por se tratarem de espécie tributária, classificáveis como tributos desvinculados de qualquer atuação específica do Estado, a Carta Política cuidou de nominar taxativamente os impostos cabentes a cada entidade política, componente da Federação Brasileira, a fim de evitar a bitributação jurídica. Realmente, esse tipo de tributo não pode ficar na base de quem instituiu em primeiro lugar, ou de quem pensou antes. Quanto aos tributos vinculados à atuação específica do Estado (taxas de serviços e de polícia, contribuições de melhoria, contribuição social), a entidade política atuante será sempre o sujeito ativo do tributo, não havendo necessidade de qualquer discriminação constitucional. Daí o sentido da discriminação constitucional de impostos. E daí, também, a proibição de a taxa ter a mesma base de calculo do imposto; do contrário, a discriminação seria inócua, bastando mudar o nome do tributo para contornar o rígido principio discriminador. A discriminação de rendas tributárias, de um lado, outorga competência privativa ao ente político contemplado e, de outro lado, retira essa competência em relação ao ente político não contemplado. Surte, pois, duplo efeito. Por isso, aquela proposta de Emenda era inconstitucional, por ferir cláusulas pétreas (art. 60, § 4º, incisos I e IV da CF). De fato, de nada adiantaria a Carta Magna assegurar ao contribuinte o direito de não ser tributado por impostos municipais não nominados em seu art. 156, se outros novos impostos pudessem ser instituídos com nome de taxa, por meio do condenável expediente de tentar ‘constitucionalizar um tributo ´n´ vezes condenado pela Corte Suprema. [...] Pelas razões retro apontadas, a proposta de Emenda nº 222-A foi abandonada, dando lugar à apresentação de uma outra proposta, que resultou na aprovação da Emenda nº 39, de 19-12-2002, a qual, acrescentou o art. 149-A à Constituição Federal, permitindo aos Municípios e ao Distrito Federal instituir contribuição, na forma das respectivas leis, para o custeio do serviço de iluminação pública, observado o disposto no art. 150, I e III. Repetiu-se a mesma tática utilizada, na esfera federal, em nível de legislação ordinária, quando convolou o antigo IPMF em CPMF, para contornar a decisão da Corte Suprema, sem que tivesse mudado o fato gerador da obrigação tributária. O tributo só mudou de gênero masculino para gênero feminino, sem alteração de seu conteúdo. Lá transformou-se o imposto em contribuição. Aqui transmudou-se a taxa em contribuição, pelo toque mágico da varinha do legislador constituinte derivado. Ora, chamar de contribuição, uma exação que não o é, nem pode ser, não faz desaparecer o vício que contaminava o projeto anterior, o Des. Marcus Tulio Sartorato Ação Direta de Inconstitucionalidade n.. 2003.021547-6 23 qual, previa a instituição de taxa de iluminação, sem que houvesse serviço público específico e divisível. Contribuição social é tributo de destinação intrínseca, ou seja, tributo vinculado à atuação do Estado. Caracteriza-se pelo fato de o Estado, no desenvolvimento de determinada atividade de interesse geral, acarretar maiores despesas em prol de certas pessoas (contribuintes), que passam a usufruir de benefícios diferenciados dos demais (não contribuintes). Enfim, assentase a contribuição social no princípio da maior despesa estatal, provocada pelo contribuinte e na particular vantagem a ele propiciada pelo Estado. (Cf. nosso Direito financeiro e tributário, Atlas, 10ª edição, 2002, p. 309). No caso de iluminação pública, pergunta-se, onde há particular vantagem propiciada aos contribuintes, se todos os munícipes são beneficiários desse serviço público? Seria legítimo considerar a população normal, como beneficiária específica, em confronto com o contingente de pessoas cegas a quem o serviço público não estaria trazendo os mesmos benefícios? Para caracterização da contribuição social ou da taxa de serviços, não basta a destinação específica do produto da arrecadação do tributo. É preciso que se defina o beneficiário específico desse tributo, que passará a ser o seu contribuinte. Se a comunidade inteira for a beneficiária, como no caso sob estudo, estar-se-á diante de imposto, e não de contribuição. E aqui é oportuno esclarecer que o inciso II do art. 4º do CTN, que torna irrelevante a destinação legal do produto da arrecadação, para definição da natureza jurídica específica do tributo, deve sofrer interpretação atualizada. Na época do advento do Código Tributário Nacional, Lei nº 5.172, de 25-10-66, a contribuição social não era considerada como tributo, quer pela doutrina, quer pela jurisprudência. Hoje, não há mais dúvida quanto a natureza tributária da contribuição social. A Carta Política de 1988 espancou qualquer sombra de dúvida que pudesse pairar a respeito, como bem assinala a jurisprudência da Suprema Corte. A destinação legal do produto de sua arrecadação é apenas um dos traços marcantes da contribuição, que, repita-se, tem destinação intrínseca, em contraposição a impostos, que têm destinação extrínseca. Porém, no caso sob exame, faltou o benefício diferenciado em relação à parcela da população atingida pela exação, pelo que perde a característica de contribuição, para enquadrar-se na espécie tributária desvinculada de atuação estatal, qual seja, imposto, com todas as conseqüências daí advindas. É bastante preocupante a proliferação de Emendas da espécie, que pouco a pouco, vão desarticulando e desmontando o Sistema Tributário Nacional, que pode não ser perfeito, mas foi esculpido pelo legislador constituinte originário, com base em sólidos fundamentos doutrinários. A continuar assim, não será surpresa se, amanhã, aparecer uma Emenda autorizando os Municípios a instituir uma contribuição destinada ao custeio das despesas com o pagamento de precatórios judiciais, acumulados ao longo dos anos. [...] Des. Marcus Tulio Sartorato Ação Direta de Inconstitucionalidade n.. 2003.021547-6 24 Conclusões: A contribuição social, instituída pela Lei nº 13.479/2002, é de uma inconstitucionalidade solar. Ela é cobrada de apenas uma parcela da população, para custear um serviço público genérico, que beneficia a sociedade como um todo. Por isso, ofende duplamente o princípio da isonomia tributária. Primeiramente, quando cobra apenas de uma parte dos beneficiários da iluminação pública; pela vez segunda, quando discrimina os usuários de relojinhos não-residenciais, que pagam mais do que os usuários de relojinhos residenciais como se aqueles ´consumissem´ mais iluminação pública do que os últimos. Contorna e ofende o princípio da discriminação de rendas tributárias, instituindo imposto fora do elenco taxativo do art. 156 da CF. Violenta o art. 167, IV da CF, ao destinar o produto da arrecadação desse imposto novo a um Fundo Especial. É o que resulta do exame crítico e sereno, exclusivamente sob o prisma jurídico-constitucional’ (Jus Navigandi, www1.jus.com.br). Essas restrições foram igualmente formuladas por Hugo de Brito Machado (A contribuição de iluminação pública – CIP, em www.hugomachado.adv.br) e por Carla Dumont Oliveira (A nova contribuição para o custeio do serviço de iluminação pública à luz da natureza jurídica das contribuições, em www1.jus.com.br/doutrina/texto). As lições reproduzidas, com as quais estou de acordo, reforçam a conclusão de que é inconstitucional a Lei 1.598, de 2002, do Município de Nova Veneza. Acrescento que: 2.1. Prescreve a lei impugnada que a COSIP tem como base de cálculo o consumo de energia elétrica, por faixas progressivas: ‘As alíquotas de contribuição são diferenciadas conforme a classe de consumidores e a quantidade de consumo medida em kw/h, as quais por proposta do Poder Executivo e homologadas pelo Poder Legislativo serão publicadas em decreto do Poder Executivo’ (art. 5º). As ‘faixas de consumo de energia’ estão dispostas em tabela anexa ao Decreto Legislativo 01, de 2003. A toda evidência, inexiste qualquer vinculação entre o consumo de energia elétrica com o custo do serviço de iluminação pública. Data venia da douta maioria, raia ao absurdo jurídico a alíquota progressiva. Indago: aquele que mais consome energia elétrica mais utiliza o serviço de iluminação pública? Há manifesta violação ao princípio da razoabilidade. O Agravo de Instrumento n.º 2003.004797-2 revela o quão é injusta a lei impugnada. Do total da fatura emitida contra o agravante Cleber Francisco Pereira Rodrigues – R$ 201,14 (duzentos e um reais e quatorze centavos) –, a título de COSIP foi lançada a importância de R$ 60,01 (sessenta reais e um centavo). Se considerado o ICMS incidente sobre a mesma base de cálculo – valor da energia elétrica consumida –, tem-se que o nominado pagou R$ 167,00 (cento e sessenta e sete reais) pela energia elétrica consumida, R$ 34,20 (trinta e quatro reais e vinte centavos) de ICMS e R$ 60,01 (sessenta reais e um centavo) de COSIP. Des. Marcus Tulio Sartorato Ação Direta de Inconstitucionalidade n.. 2003.021547-6 25 Em relação ao segundo agravante, Wilson Rosa de Oliveira, a COSIP lançada gira em torno de 36% (trinta e seis por cento) do valor da energia elétrica consumida. Cumpre destacar que a EC 39 é silente quanto ao fato gerador e à base de cálculo da COSIP. Não há, portanto, autorização para a instituição de alíquotas progressivas. 2.2. Até a promulgação da EC 39, o sistema tributário nacional previa as seguintes espécies de contribuições parafiscais: a) para a seguridade social (CF, art. 195, I a III e § 4º); b) social do salário-educação (art. 212, § 5º); c) social para o Sesi, Senai, Senac, Senar etc. (art. 240); d) de intervenção no domínio econômico (arts. 149 e 174); e) de interesse das categorias profissionais (art. 149); f) previdenciária dos funcionários públicos (arts. 40 e 149, § 1º); g) sindical confederativa (art. 8º, IV). Paulo Roberto Lyrio Pimenta sustenta que a Emenda 39 criou uma sétima espécie de contribuição: ‘’Parece-nos que foi autorizada a criação de uma verdadeira nova contribuição, que se diferencia do modelo originariamente previsto pela Constituição, em primeiro lugar pela área a ser alcançada pela exação. As contribuições especiais previstas pela Carta Magna (arts. 149, 195, 239, 240, 212, § 5º) destinam-se a instrumentar a atuação da União, ou de entidade paraestatal, na ordem econômica ou na ordem social. Na hipótese em discussão, a nova contribuição servirá como instrumento dos Municípios e do Distrito Federal na atuação no campo dos serviços públicos’. Ao final, conclui: ‘Em face da finalidade específica da contribuição em exame, que não se identifica com os objetivos das espécies mencionadas no caput do art. 149, pode-se afirmar que constitui uma quarta espécie de contribuição especial, posicionando-se ao lado das contribuições sociais, interventivas e corporativas’’ (Contribuição para o custeio do serviço de iluminação pública, em Revista Dialética de Direito Tributário 95/102). Com ele convergem Ruy Barbosa Nogueira (Curso de direito tributário, Saraiva, p. 104) e Paulo de Barros Carvalho (Curso de direito tributário, Saraiva, p. 79). De acordo com Hugo de Brito Machado, ‘a função das contribuições sociais, em face da vigente Constituição, decididamente não é a de suprir o Tesouro Nacional de recursos financeiros’ (Curso de direito tributário, Malheiros, 2003, 22ª ed., p. 374); sua finalidade é específica, de atender determinado grupo de pessoas. A receita gerada pela arrecadação da COSIP não se destina a um grupo específico de contribuintes. O serviço de iluminação pública será usufruído não só pelos munícipes que ocupam, para residência ou exploração econômica, prédios onde há consumo de energia elétrica, mas também pelos visitantes do Município. Também sob este enfoque há ofensa ao princípio da razoabilidade. 2.3. O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul declarou inconstitucional lei do Município de Porto Alegre instituidora da COSIP. Consta da ementa do acórdão: ‘Direito tributário. Apelação Cível. Contribuição para o custeio do Des. Marcus Tulio Sartorato Ação Direta de Inconstitucionalidade n.. 2003.021547-6 26 serviço municipal de iluminação pública (CIP) prevista no art. 149-A da CF/88. Instituição municipal em afronta à matriz constitucional tributária e paratributária. Afronta a matriz constitucional tributária e paratributária a lei municipal que, com base no art. 149-A da CF/88, instituiu Contribuição para o Custeio do Serviço de Iluminação Pública (CIP) adotando, para tanto, como fato gerador, o consumo individual de energia elétrica, como base de cálculo o valor desse consumo e, como contribuinte, o próprio consumidor individual, elementos inteiramente dissociados da despesa a ser coberta (iluminação pública), da qual terceiros, inclusive nãomunícipes, notória e induvidosamente também se beneficiam sem, contudo, compartilharem dos ônus respectivos, sendo extremamente injusto atribuir-se a alguns poucos, numa impertinente e desordenada proporção, o custeio de um serviço que a todos é dirigido. Ademais, o fato de o ICMS já utilizar o mesmo valor como base de cálculo deixa evidente uma bitributação vedada pelo § 2º do art. 145 da CF’ (AC n.º 70010100717, Des. Roque Joaquim Volkweiss).” 2. Pelos fundamentos expostos nesse voto, que, mutatis mutandis, se aplicam ao caso sub judice, divergi da douta maioria. Newton Trisotto Declaração de voto vencido do Exmo. Sr. Des. Nelson Schaefer Martins: Perante o juízo da comarca de Balneário Camboriú, O Representante do Ministério Público do Estado de Santa Catarina, promoveu ação direta com base no art. 85, inc. VII, da Constituição do Estado de Santa Catarina, objetivando a declaração de inconstitucionalidade da Lei Municipal n. 2.196 de 23.12.2002 que instituiu a contribuição para o Custeio do Serviço de Iluminação Pública – COSIP, no município de Balneário Camboriú. A Lei Municipal que prevê a contribuição para o custeio do serviço de iluminação pública instituída pela Emenda Constitucional n. 39 de 19.12.2002 padece de inconstitucionalidade pelos seguintes motivos: i) constitui-se como tributo de natureza inédita, não se conformando a nenhum dos modelos previstos para as três espécies do gênero tributo: imposto, taxa e contribuição de melhoria; ii) é tributo diretamente vinculado à prestação de um serviço público uti universi com finalidade e destino da arrecadação Des. Marcus Tulio Sartorato Ação Direta de Inconstitucionalidade n.. 2003.021547-6 27 previamente determinados pela Constituição da República (art. 149-A); iii) fere as garantias contempladas nos arts. 4o caput, 125 e 128, inc. II da Constituição do Estado de 1989 da igualdade perante a lei, da isonomia tributária, propriedade e liberdade; iv) trata de tributo com vinculação a uma despesa específica em confronto com as normas dos arts. 167, inc. IV da Constituição da República e 125, inc. I e § 2o da Constituição do Estado de 1989. Isto posto, votei vencido pela procedência do pedido. Nelson Schaefer Martins Declaração de voto vencido do Exmo. Sr. Des. Sérgio Roberto Baasch Luz: Dissenti da douta maioria pelos mesmos argumentos esposados na fundamentação do voto proferido pelo eminente Des. Newton Trisotto. Sérgio Roberto Baasch Luz Des. Marcus Tulio Sartorato