Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 2003.015993-2, de Imbituba. Relator: Des. Marcus Tulio Sartorato. CONSTITUCIONAL – LEI MUNICIPAL – CONTRIBUIÇÃO PARA CUSTEIO DE ILUMINAÇÃO PÚBLICA – AUSÊNCIA DE PREVISÃO NA LEI MAIOR ESTADUAL – EMENDA CONSTITUCIONAL 39/2002 – INSERÇÃO DO ARTIGO 149-A NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL – INCOMPETÊNCIA DO TRIBUNAL PARA AFERIR A CONSTITUCIONALIDADE DA EC 39/2002 – AUTORIZAÇÃO DO TEXTO CONSTITUCIONAL PARA QUE OS MUNICÍPIOS E O DISTRITO FEDERAL INSTITUAM A CONTRIBUIÇÃO PARA O CUSTEIO DO SERVIÇO DE ILUMINAÇÃO PÚBLICA – OBSERVÂNCIA AOS INCISOS I E III DO ARTIGO 150 DA CARTA MAGNA – EXCLUSÃO DO INCISO II DO MESMO DISPOSITIVO CONSTITUCIONAL – OBEDIÊNCIA AOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS E TRIBUTÁRIOS QUE REGEM A MATÉRIA – ATENDIMENTO AO COMANDO PREVISTO NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL – IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO Vistos, relatados e discutidos estes autos de Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 2003.015993-2, da Comarca de Imbituba, em que são requerentes o Representante do Ministério Público Estadual da Comarca de Imbituba e o Coordenador do Centro de Controle de Constitucionalidade – Ceccon e requeridos o Município de Garopaba e outros: ACORDAM, em Tribunal Pleno, por maioria, julgar improcedente o pedido. Custas na forma da lei. Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 2003.015993-2 2 I – RELATÓRIO: O representante do Ministério Público Estadual, com base no artigo 85, inciso VII, da Constituição Estadual, ajuizou ação direta de inconstitucionalidade da Lei Municipal n.º 778, de 30 de dezembro de 2002, do Município de Garopaba, que instituiu a Contribuição para o Custeio dos Serviços de Iluminação Pública – COSIP e deu outras providências. Sustentou na petição inicial que a referida norma, editada com fundamento no artigo 149A da Constituição Federal, com redação dada pela Emenda Constitucional 39/02, contraria o princípio da isonomia consagrado nos artigos 4º e 128, inciso II, da Carta Estadual, uma vez que cria uma discriminação injustificada entre os beneficiários do serviço de iluminação pública, os quais, usufruem de forma igualitária um serviço público universal, independentemente da condição de serem ou não consumidores de energia elétrica. Requereu, forte no artigo 10 da Lei Estadual n.º 12.069/02, a concessão de medida cautelar inaudita altera parte para que fossem suspensos os efeitos do ato normativo até julgamento definitivo da ação. No mérito, postulou pela procedência do pedido, com a declaração da inconstitucionalidade da lei municipal ante sua incompatibilidade com os artigos 4º e 128, inciso II, da Constituição Estadual. Juntou fotocópia da lei impugnada (fls. 41/42). No despacho de fl. 47, o relator entendeu não se afigurar na hipótese caso de excepcional urgência que justificasse a supressão da prévia audiência dos requeridos, motivo pelo qual entendeu levar a apreciação da medida cautelar ao colegiado após o pronunciamento dos requeridos e da Procuradoria-Geral de Justiça. Devidamente intimada, a municipalidade de Garopaba prestou informações sustentando a legalidade da cobrança da Contribuição para Des. Marcus Tulio Sartorato Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 2003.015993-2 3 o Custeio dos Serviços de Iluminação Pública – COSIP, e o não afrontamento dos dispositivos da Constituição Estadual (fls. 52/62). A Câmara Municipal de Garopaba, apesar de intimada (fl. 51), não se manifestou, conforme certidão de fl. 63. A douta Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer da lavra do Procurador Gilberto Callado de Oliveira, manifestou-se pela concessão da medida cautelar (fls. 65/69). II – VOTO: Cuida-se de ação direta de inconstitucionalidade na qual os requerentes pretendem ver suspensos os efeitos da Lei Municipal n.º 778/2002, do Município de Garopaba, que institui a cobrança da Contribuição para o Custeio dos Serviços de Iluminação Pública – COSIP, entendendo que houve ofensa aos artigos 4º e 128, inciso II, da Constituição Estadual. O artigo 12 da Lei 10.069/02 confere ao relator a faculdade de submeter o processo diretamente ao Tribunal, que terá a faculdade de julgálo definitivamente. No caso em apreço, observa-se que a presente ação já se encontra madura para julgamento, haja vista que os requeridos já prestaram informações defendendo o ato impugnado, bem como este Tribunal Pleno já se posicionou acerca da matéria em outras oportunidades. Assim, tem-se por desnecessária a prévia apreciação da medida cautelar. Inicialmente, é imperioso destacar que este Órgão Plenário, pelo sistema concentrado de controle de constitucionalidade das leis, restringe-se à análise de inconstitucionalidade frente à Constituição Estadual. Como tal, há que se afastar todos os argumentos lançados pelos requerentes Des. Marcus Tulio Sartorato Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 2003.015993-2 4 acerca de eventuais vícios de inconstitucionalidade da EC 39/2002, que inseriu na Carta Magna o artigo 149-A. Ressalta-se, outrossim, que a Contribuição para o Custeio dos Serviços de Iluminação Pública – COSIP não encontra previsão na Lei Maior do Estado de Santa Catarina, mas no novel dispositivo constitucional. Portanto, não obstante a existência ou não de vício de inconstitucionalidade da lei municipal, é incontestável que o Poder Constitucional Derivado criou uma nova modalidade de contribuição, a qual não se encontra prevista na Carta Estadual. Desta feita, a regulamentação da citada contribuição deve ser orientada pelo novel dispositivo constitucional federal, sendo que qualquer eventual confronto com a Lei Magna Estadual, em princípio, não tem o condão de inquiná-la de inconstitucional, caso aquela esteja de acordo com o preconizado pelo art. 149-A, sob pena de inverter o princípio da simetria vertical existente entre as Constituições Federal e Estadual. Neste diapasão, é de bom alvitre frisar que, se a criação do novo tributo pela Emenda Constitucional 39/02 violou as disposições da Lei Maior, não competirá a este Órgão Jurisdicional enfrentar a questão em controle concentrado, competência atribuída ao excelso Supremo Tribunal Federal. Dito isso, adentra-se à análise da matéria apresentada nesta ação, a fim de verificar se a Lei 778/2002 afrontou dispositivos constitucionais estaduais. A inconstitucionalidade da citada lei municipal, segundo argumentação dos requerentes, reside na incompatibilidade com os artigos 4º e 128, inciso II, da Constituição Estadual, os quais estão vazados nos seguintes termos: “Art. 4º. O Estado, por suas leis e pelos atos de seus agentes, assegurará, em seu território e nos limites de sua competência, os direitos e garantias individuais e coletivos, sociais e políticos previstos Des. Marcus Tulio Sartorato Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 2003.015993-2 5 na Constituição Federal e nesta Constituição, ou decorrentes dos princípios e do regime por eles adotados, bem como os constantes de tratados internacionais em que o Brasil seja parte, observado o seguinte: [...]. Art. 128. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado ao Estado e a seus municípios: [...] II – instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, título ou direitos;” O artigo 149-A da Constituição Federal, por outro lado, prescreve o seguinte: “Art. 149-A – Os Municípios e o Distrito Federal poderão instituir contribuições, na forma das respectivas leis, para o custeio do serviço de iluminação pública, observado o disposto no art. 150, I e III. Parágrafo único – É facultada a cobrança da contribuição a que se refere o caput, na fatura de consumo de energia elétrica”. Colhe-se do dispositivo constitucional supra que os municípios e o Distrito Federal estão autorizados a instituir a contribuição para o custeio do serviço de iluminação pública, desde que atendidos os mandamentos inscritos no art. 150, incisos I e III, da CF. Eis o teor do artigo: “Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I – exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça; [...] III – cobrar tributos: Des. Marcus Tulio Sartorato Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 2003.015993-2 6 a) em relação a fatos geradores ocorridos antes do início da vigência da lei que os houver instituído ou aumentado; b) no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou;” Ora, restou nítida a intenção do legislador de excluir o princípio da isonomia tributária consagrado no inciso II do artigo 150 da Constituição Federal, justamente para possibilitar que o custeio seja distribuído de forma proporcional e não igualitária, outorgando ao Poder Legiferante Municipal a opção de atribuir critérios que mais bem se amoldem à realidade local. Destarte, não prospera o argumento de que houve afronta ao artigo 128, inciso II, da Constituição Estadual, que corresponde ao artigo 150, inciso II, da Constituição Federal, haja vista que o comando constitucional que criou a COSIP não determinou ao legislador municipal ou distrital o atendimento do princípio da igualdade consagrado no inciso II. Dito isso, resta analisar se a Lei Municipal n.º 778/2002, que instituiu a cobrança da Contribuição para o Custeio de Serviços de Iluminação Pública no Município de Garopaba, obedeceu aos critérios estabelecidos no artigo 149-A da Constituição, bem como se observou os princípios da legalidade, da irretroatividade e da anterioridade, repisando-se que qualquer inconstitucionalidade contida na Emenda Constitucional 39/2002, via controle concentrado, só poderá ser declarada pelo Supremo Tribunal Federal, conforme consignou o ilustre Ministro Moreira Alves: “Não há dúvida de que, em face do novo sistema constitucional, é o S.T.F. competente para, em controle difuso ou concentrado, examinar a constitucionalidade, ou não, de emenda constitucional” (ADI n.º 829/DF). De início, há que se analisar os princípios da legalidade, da irretroatividade e da anterioridade que, caso não observados pelo legislador municipal, poderiam, em princípio, constituir afronta ao artigo 128, incisos I e III, Des. Marcus Tulio Sartorato Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 2003.015993-2 7 da Constituição Estadual (equivalente ao artigo 150, incisos I e III, da Carta Magna). O princípio da legalidade garante ao administrado/contribuinte que nenhum imposto será instituído ou majorado sem lei anterior que o defina (CF, artigo 150, inciso I, e CE, artigo 128, inciso I). E é necessário ainda que o legislador estabeleça elementos necessários para validar sua existência, a saber: fato gerador, definição da base de cálculo e da alíquota, sujeito passivo da obrigação tributária e sujeito ativo. Ao analisar a Lei n.º 778/2002, instituidora da contribuição para custeio da iluminação pública no Município de Garopaba, verifica-se que o artigo 1º estabeleceu o sujeito ativo (municipalidade de Garopaba), o sujeito passivo (consumidores residenciais e não residenciais de energia elétrica) e o fato gerador (o custeio da iluminação pública); e o artigo 2º fixou como base de cálculo o consumo individual do consumidor, bem como determinou as alíquotas em tabela própria. Portanto, a lei não excedeu a sua finalidade, visto que esclareceu que a COSIP custearia os serviços de iluminação pública de vias e logradouros públicos, bem como de quaisquer outros bens públicos de uso comum, assim como atividades acessórias de instalação, manutenção e expansão da respectiva rede de iluminação (artigo 1º, parágrafo único). Já as alíquotas estão estabelecidas na tabela consignada no artigo 2º da lei, em que é perfeitamente possível verificar que são diferenciadas e deverão incidir sobre o consumo de energia elétrica individual de cada contribuinte, residencial ou não. Desta feita, atendidos os elementos necessários à instituição do tributo, cai por terra a alegação de vício de ilegalidade relacionado à Lei Municipal 778/2002 de Garopaba. Des. Marcus Tulio Sartorato Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 2003.015993-2 8 Já o princípio da irretroatividade, consagrado no artigo 150, inciso III, alínea “a”, da CF e repetido no artigo 128, inciso III, alínea “a” da CE proíbe o ente tributante de cobrar tributos em relação a fatos geradores ocorridos antes do início da vigência da lei que os instituiu ou aumentou Quanto a este particular, observa-se que não há previsão no diploma impugnado que determine a cobrança da COSIP em período anterior à instituição da lei municipal, o que faz concluir que tal princípio não restou violado. Com o princípio da anterioridade, a Constituição Federal garante que nenhum tributo será cobrado no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que o instituiu ou aumentou (art. 150, inciso III, alínea “b”). Quanto a ele, em que pese a Constituição preveja algumas exceções, v.g. IPI, IOF, Imposto de Importação e Imposto de Exportação, as quais não se amoldam à espécie tributária sub examine, colhe-se do corpo da legislação municipal em questão que a publicação ocorreu em dezembro de 2002, sendo perfeitamente possível sua cobrança no exercício 2003. Noutro vértice, a Constituição Estadual é clara ao dispor que “os atos municipais que produzam efeitos externos serão publicados no órgão oficial do Município ou da respectiva associação municipal ou em jornal local ou da microrregião a que pertencer ou de acordo com o que determinar a sua lei orgânica” (parágrafo único do art. 111 – sem destaque na norma). Contudo, não há nos autos alegação de vício na publicação, razão pela qual inexiste qualquer afronta ao princípio da anterioridade. Por fim, não merece prosperar a alegação dos requerentes de que o gasto com obras para instalação, ampliação, manutenção e melhoramento não pode ser objeto de cobrança por meio de contribuição. Não há óbice algum à destinação do valor arrecadado para suprir esse tipo de Des. Marcus Tulio Sartorato Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 2003.015993-2 9 necessidade, pois são os gastos inerentes à própria iluminação pública, os quais representam investimentos indispensáveis ao seu fornecimento. Ante o exposto, por não haver qualquer afronta à Constituição do Estado de Santa Catarina, pois a Constituição Federal não estabelece outras exigências senão aquelas consignadas especificamente no art. 149-A, e por não estar esta Cote de Justiça Estadual investida na competência para apreciar, em sede de controle concentrado, possível afronta à Lei Maior, há que ser julgado improcedente o pedido, reconhecendo-se a constitucionalidade da Lei n.º 778/2002 do Município de Garopaba. III – DECISÃO: Nos termos do voto do relator, por maioria, julgaram improcedente o pedido. Presidiu a sessão de julgamento, com lavratura de voto, o eminente Desembargador Jorge Mussi, e dele participaram, com votos vencedores, os Excelentíssimos Senhores Desembargadores Francisco Oliveira Filho, Alcides Aguiar, Amaral e Silva, Anselmo Cerello, Carlos Prudêncio, Pedro Manoel Abreu, Orli Rodrigues, Trindade dos Santos, Cláudio Barreto Dutra, Sérgio Paladino, Mazoni Ferreira, Irineu João da Silva, Vanderlei Romer, Eládio Torret Rocha, Wilson Augusto do Nascimento, José Volpato, Monteiro Rocha, Torres Marques, Luiz Carlos Freyesleben, Rui Fortes, Cesar Abreu, Salete Silva Sommariva, Ricardo Fontes, Nicanor da Silveira, Salim Schead dos Santos e Edson Ubaldo. Vencidos os eminentes Desembargadores Newton Trisotto, Luiz Cézar Medeiros, Nelson Schaefer Martins, Sérgio Baasch Luz e Fernando Carioni. Pela douta Procuradoria-Geral de Justiça lavrou parecer o Excelentíssimo Senhor Procurador de Justiça Gilberto Callado de Oliveira. Des. Marcus Tulio Sartorato Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 2003.015993-2 10 Florianópolis, 23 de novembro de 2005. Pedro Manoel Abreu PRESIDENTE PARA O ACÓRDÃO Marcus Tulio Sartorato RELATOR Declaração de voto vencido do Exmo. Sr. Des. Newton Trisotto: EMENTA ADITIVA: Do voto vencido do Exmo. Sr. Des. Newton Trisotto: Por violar os princípios da igualdade (CF, art. 5º, caput), da igualdade tributária (CF, art. 150, II; CESC, art. 128, II) e da razoabilidade (CF, art. 5º, LIV; CESC, art. 4º), é inconstitucional lei que estabelece como base de cálculo da contribuição para o custeio de iluminação pública (COSIP) a energia elétrica adquirida, na proporção do consumo, por alíquotas progressivas. 1. Pretensão semelhante foi deduzida pelo Ministério Público em relação à Lei n.º 2.049, de 2002, do Município de Itapema (ADI n.º 2003.007030-3). Decidiu a douta maioria pela sua constitucionalidade. Divergi pelas razões que seguem: “1. Todo ordenamento jurídico contém princípios. Para Nelson Nery Júnior, ‘os princípios são, normalmente, regras de ordem geral, que muitas vezes decorrem do próprio sistema jurídico e não necessitam estar previstos expressamente em normas legais, para que se lhes empreste validade e eficácia’ (Princípios fundamentais – teoria geral dos recursos, RT, 1997, p. 109). Com ele consoam Luiz Guilherme Marinoni e José Carlos Barbosa Moreira, respectivamente: ‘Os princípios beneficiam-se de uma objetividade e presencialidade normativa que os dispensam estarem consagrados expressamente em qualquer preceito’ (A antecipação da tutela, Malheiros, 1998, 4ª ed., p. Des. Marcus Tulio Sartorato Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 2003.015993-2 11 171). ‘O ordenamento jurídico, evidentemente, não se exaure naquilo que a letra da lei revela à primeira vista. Nem é menos grave o erro do julgador na solução da quaestio juris quando afronte norma que integre o ordenamento sem constar literalmente de texto algum’ (Comentários ao código de processo civil, 7ª ed., v. 5, p. 129). A Constituição é igualmente formada por princípios, alguns expressos (positivados) e outros implícitos. Sobre o tema, leciona Raquel Fernandes Perrini: ‘Os princípios expressos são aqueles apontados explicitamente pelo constituinte, podendo facilmente ser detectados quando da leitura do Texto Maior. Como exemplo, podemos citar o princípio da legalidade (arts. 5º, inc. II, 37, caput e inc. XXXIX, e art. 84, inc. IV), princípio da igualdade (arts. 3º, inc. III, 5º, caput e inc. I), princípio do contraditório (art. 5º, inc. LV), princípio do Juiz Natural (art. 5º, inc. LIII), princípio do devido processo legal (art. 5º, inc. LIV), princípio da presunção de inocência (art. 5º, inc. LVII), princípio da inafastabilidade do controle judicial (art. 5º, XXXV), princípio da impessoalidade (art. 37, caput), princípio da publicidade (arts. 5º, XXXIII, e 37, caput), princípio da moralidade administrativa (art. 37, caput), princípio da responsabilidade do Estado por atos administrativos (art. 37, § 6º), princípio da anterioridade tributária (art. 150, inc. III, b), princípio da capacidade contributiva (art. 145, § 1º), princípio da livre concorrência (art. 170, inc. IV), entre tantos outros encontrados no seio constitucional. Todavia, nem sempre a tarefa de desvendar os princípios constitucionais se apresenta com tal singeleza. Não raras vezes, o legislador ordinário não disse, expressamente, quais os valores de que se utilizou para entrelaçar o ordenamento jurídico-constitucional. [...] Nessa medida, podem ser considerados como parte integrante do Texto Constitucional aqueles vetores que, embora não elencados expressamente pelo legislador, foram por ele adotados implicitamente, e que podem ser deduzidos através de uma interpretação sistêmica. Os princípios implícitos se revestem da mesma importância atribuída àqueles explicitados pelo legislador, posto que também são tomados como alicerce do ordenamento jurídico, impondo-se, igualmente, obediência aos comandos por eles emitidos’ (Os princípios constitucionais implícitos, em Cadernos de Direito Constitucional e Ciência Política 17/131-2). A inconstitucionalidade da lei pode derivar da ofensa a princípio constitucional, seja expresso ou simplesmente implícito. Recorro, mais uma vez, à doutrina para reforçar a assertiva: Des. Marcus Tulio Sartorato Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 2003.015993-2 12 ‘Em resumo, diz-se que a inconstitucionalidade (situação ou estado decorrente de um ou de vários vícios) pode ser conceituada como a desconformidade do ato normativo (inconstitucionalidade material) ou do seu processo de elaboração (inconstitucionalidade formal) com algum preceito ou princípio constitucional. [...] Os princípios, mesmo os implícitos, e inclusive aqueles enunciados no Preâmbulo, dispõem de funcionalidade. Prestam-se para alguma coisa. São, pois, funcionais. Eles cimentam a unidade da Constituição, indicam o conteúdo do direito de dado tempo e lugar e, por essa razão, fixam standards de justiça, prestando-se como mecanismos auxiliares no processo de interpretação e integração da Constituição e do direito infraconstitucional. Mais do que isso, experimentam uma eficácia mínima, ou seja, se são, em muitas situações, insuscetíveis de aplicação direta e imediata, exigindo no mais das vezes (não é o caso dos princípios-garantia) integração normativa decorrente da atuação do Legislador, pelo menos cumprem eficácia derrogatória da legislação anterior e impeditiva da legislação posterior, desde que incompatíveis com seus postulados’ (Clèmerson Merlin Clève, A fiscalização abstrata da constitucionalidade no direito brasileiro, RT, 2ª ed., 2000, p. 36 e 44). ‘Diz-se que a inconstitucionalidade reside no antagonismo e contrariedade do ato normativo inferior (legislativo ou administrativo) com os vetores da Constituição, estabelecidos em suas regras e princípios’ (Oswaldo Luiz Palu, Controle de constitucionalidade: conceitos, sistemas e efeitos, RT, 2ª ed., 2001, p. 69). Em face do disposto no art. 111 da Constituição do Estado de Santa Catarina, os princípios nela insculpidos e na Constituição da República são de observância obrigatória pelos municípios: ‘O Município rege-se por lei orgânica, votada em dois turnos, com o interstício mínimo de dez dias, e aprovada por dois terços dos membros da Câmara Municipal, que a promulgará, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição, e os seguintes preceitos.’ Com o caso sub judice têm pertinência os princípios da igualdade (CF, art. 5º, caput), da igualdade tributária (CF, art. 150, II; CESC, art. 128, II) e da razoabilidade, este compreendido no inc. LIV do art. 5º da Constituição da República: ‘ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal’. A respeito deles, anoto: 1.1. No dizer de Alexandre de Moraes ‘o princípio do devido processo legal possui, em seu aspecto material, estreita ligação Des. Marcus Tulio Sartorato Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 2003.015993-2 13 com a noção de razoabilidade [o destaque não consta do original], pois tem por finalidade a proteção dos direitos fundamentais contra condutas administrativas e legislativas do Poder Público pautadas pelo conteúdo arbitrário, irrazoável, desproporcional’ (Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional, Atlas, 3ª ed., 2004, p. 368). Há precedentes do Supremo Tribunal Federal que acolhem a tese: ‘Todos sabemos que a cláusula do devido processo legal – objeto de expressa proclamação pelo art. 5º, LIV, da Constituição – deve ser entendida, na abrangência de sua noção conceitual, não só sob o aspecto meramente formal, que impõe restrições de caráter ritual à atuação do Poder Público, mas, sobretudo, em sua dimensão material, que atua como decisivo obstáculo à edição de atos legislativos de conteúdo arbitrário irrazoável’ (ADI n.º 1.158, voto do Min. Celso de Mello). ‘Transgride o princípio do devido processo legal (CF, art. 5º, LIV) – analisado na perspectiva de sua projeção material (material due process of law) – a regra estatal que veicula, em seu conteúdo, prescrição normativa qualificada pela nota da irrazoabilidade’ (Suspensão de Segurança n.º 1.320, Min. Celso de Mello). O princípio do devido processo legal também se encontra na Constituição catarinense: ‘Art. 4º O Estado, por suas leis e pelos atos de seus agentes, assegurará, em seu território e nos limites de sua competência, os direitos e garantias individuais e coletivos, sociais e políticos previstos na Constituição Federal e nesta Constituição, ou decorrentes dos princípios e do regime por elas adotados, bem como os constantes de tratados internacionais em que o Brasil seja parte.’ Discorrendo especificamente sobre o princípio da razoabilidade – que tem origem no direito norte-americano, segundo Paulo Armínio Tavares Buechele (O princípio da proporcionalidade e a interpretação da Constituição, Renovar, 1999, p. 137) –, assinala Luís Roberto Barroso: ‘O princípio da razoabilidade é um parâmetro de valoração dos atos do Poder Público para aferir se eles estão sendo informados pelo valor superior inerente a todo ordenamento jurídico: a justiça. Sendo mais fácil de ser sentido do que conceituado, o princípio se dilui em conjunto de proposições que não o libertam de uma dimensão excessivamente subjetiva. É razoável o que seja conforme à razão, supondo equilíbrio, moderação e harmonia; o que não seja arbitrário ou caprichoso; o que corresponda ao senso comum, aos valores vigentes em dado momento ou lugar. Há autores, mesmo, que recorrem ao direito natural como fundamento para a aplicação da regra da razoabilidade, embora possa Des. Marcus Tulio Sartorato Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 2003.015993-2 14 ela radicar perfeitamente nos princípios gerais da hermenêutica. Sobre este ponto em particular, veja-se a passagem inspirada de San Tiago Dantas: ‘Não é apenas a doutrina do Direito Natural que vê no Direito uma ordem normativa superior e independente da Lei. Mesmo os que concebem a realidade jurídica como algo mutável e os princípios do Direito como uma síntese das normas dentro de certos limites históricos reconhecem que podem haver leis inconciliáveis com esses princípios, cuja presença no sistema positivo fere a coerência deste, e produz a sensação íntima do arbitrário, traduzida na idéia de ‘lei injusta’. Em seguida, após a referência ao sistema americano e ao due process of law, arrematou: ‘A lei que não pode ser considerada ‘law of the land’ é a lei contrária ao direito. Não a um direito fixado em regras e comandos precisos, que se tornariam, nesse caso, imutáveis; mas ao direito como síntese, como corpo de princípios, com método de criação normativa’. Seja como for, é necessário seguir em busca de terreno mais sólido e de elementos mais objetivos na caracterização da razoabilidade dos atos do Poder Público, especialmente, para lhe conferir um cunho normativo. Somente esta delimitação do objeto poderá impedir que o princípio se esvazie de sentido, por excessivamente abstrato, ou que se pervertera num critério para julgamento ad hoc. A atuação do Estado na produção de normas jurídicas normalmente se fará diante de certas circunstâncias concretas, será destinada à realização de determinados fins, a serem atingidos pelo emprego de determinados meios. Deste modo, são fatores invariavelmente presentes em toda ação relevante para a criação do direito: os motivos (circunstâncias de fato), os fins e os meios. Além disto, há de se tomar em conta, também, os valores fundamentais da organização estatal, explícitos ou implícitos, como a ordem, a segurança, a paz, a solidariedade; em última análise, a justiça. A razoabilidade é, precisamente, a adequação de sentido que deve haver entre estes elementos. Esta razoabilidade deve ser aferida, em primeiro lugar, dentro da lei. É a chamada razoabilidade interna, que diz com a existência de uma relação racional e proporcional entre seus motivos, meios e fins. Aí está incluída a razoabilidade técnica da medida. Por exemplo: se diante de um surto inflacionário (motivo), o Poder Público congela o preço dos medicamentos vitais para certos doentes crônicos (meio) para assegurar que pessoas de baixa renda tenham acesso a eles (fim), há uma relação racional e razoável entre os elementos em questão e a norma, em princípio, se afigura válida. Ao revés, se diante do crescimento estatístico da AIDS (motivo), o Poder Público proíbe o consumo de bebidas alcoólicas durante o carnaval (meio), para impedir a contaminação de cidadãos nacionais (fim), a medida será razoável. Isto porque estará rompida a conexão entre os motivos, os meios e os fins, já que inexiste qualquer relação direta entre o consumo de álcool e a contaminação. [...] De fato, a aferição da razoabilidade importa em juízo de mérito Des. Marcus Tulio Sartorato Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 2003.015993-2 15 sobre atos editados pelo Legislativo, o que interfere com o delineamento mais comumente aceito da discricionariedade do legislador. Ao examinar a compatibilidade entre meio e fim, e as nuances de necessidade-proporcionalidade da medida adotada, a atuação do Judiciário transcende à do mero controle objetivo da legalidade. E o conhecimento convencional, como se sabe, rejeita que o juiz se substitua ao administrador ou ao legislador para fazer sobrepor a sua própria valoração subjetiva da dada matéria. A verdade, contudo, é que ao apreciar uma lei para verificar se ela é ou não arbitrária, o juiz ou tribunal estará, inevitavelmente, declinando o seu próprio ponto de vista do que seja racional ou razoável. A evolução dos conceitos tem atenuado o rigor das formulações clássicas e permitido a contenção da chamada liberdade de conformação legislativa. O controle finalístico da atuação do legislador se exerce sobre dois momentos ‘teleologicamente relevante’ do ato legislativo, que Gomes Canotilho assim identifica e comenta: ‘(i) Em primeiro lugar, a lei é tendencialmente uma função de execução, desenvolvimento ou prossecução dos fins estabelecidos na Constituição, pelo que sempre se poderá dizer que, em última análise, a lei é vinculada ao fim constitucionalmente fixado; (ii) por outro lado, a lei, embora tendencialmente livre no fim, não pode ser contraditória, irrazoável, incongruente consigo mesma. Nas duas hipóteses assinaladas, toparíamos com a vinculação do fim da lei: no primeiro caso, a vinculação do fim da lei decorre da Constituição; no segundo caso, o fim imanente à legislação imporia os limites materiais da não contraditoriedade, razoabilidade e congruência’. Por uma competência excepcional, que se exerce em domínio delicado, deve o Judiciário agir com prudência e parcimônia. É preciso ter em linha de conta que, em um Estado democrático, a definição das políticas públicas deve recair sobre os órgãos que têm o batismo da representação popular, o que não é o caso de juízes e tribunais. Mas, quando se trata de preservar a vontade do povo, isto é, do constituinte originário, contra os excessos de maiorias legislativas eventuais, não deve o juiz hesitar. O controle de constitucionalidade se exerce, precisamente, para assegurar a preservação dos valores permanentes sobre os ímpetos circunstanciais. Remarque-se, porque relevante, que a última palavra poderá ser sempre do Legislativo. É que, não concordando com a inteligência dada pelo Judiciário a um dispositivo constitucional, poderá ele, no exercício do poder constituinte derivado, emendar a norma constitucional e dar-lhe o sentido que desejar. Como se demonstrou até aqui, a razoabilidade dos atos do Poder Público – inclusive dos atos legislativos –, como parâmetro aferidor de sua constitucionalidade, tem sido aceita em inúmeros sistemas jurídicos. Nos Estados Unidos, como visto, o princípio se assenta na cláusula do devido processo legal, constante das emendas de ns. 5 e 14 à Constituição. Na Argentina, como assinala com orgulho a doutrina, o princípio remonta ao texto original da Carta, que, no art. 28, estabelecia que os princípios, garantias e direitos reconhecidos na Constituição não Des. Marcus Tulio Sartorato Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 2003.015993-2 16 poderiam ser alterados por leis que regulamentassem seu exercício. No direito constitucional alemão, atribui-se ao princípio da proporcionalidade (Verhältnismässigkeit) qualidade de norma constitucional não-escrita, derivada do Estado de direito. Em Portugal, ele vem materializado em regras expressas da Constituição, notadamente da proibição do excesso’ (O princípio da razoabilidade e da proporcionalidade no direito constitucional, em Cadernos de Direito Constitucional e de Ciência Política, v. 23, p. 69-75). O princípio da razoabilidade com freqüência é invocado em matéria tributária. Quando do julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 1.501, de origem na Emenda Constitucional 12, de 1996, disse o Ministro Ilmar Galvão: ‘A Constituição não tolera que o Poder impositivo do Estado se exerça de forma tão arbitrária, a ponto de alcançar simples atos de disposição de dinheiro por parte do contribuinte, desvestidos de qualquer repercussão econômica ou jurídica, e de forma absolutamente indiscriminada, a ponto de sujeitar ao mesmo regime de todas as pessoas que, de forma voluntária ou compulsória, se vêem na contingência de movimentar recursos que, muitas vezes nem lhes pertencem ou que encerram a totalidade de economias reunidas a duras penas, no exercício de trabalho desqualificado e mal remunerado, sem a menor consideração, portanto, ao aspecto da capacidade contributiva. Entendimento em sentido contrário importa admitir absoluta incoerência e, conseqüentemente, manifesta irrazoabilidade no sistema constitucional, o que não é permitido ao intérprete. Esse, na verdade o outro vício irremediável que inviabiliza a exigência da contribuição: a irrazoabilidade. ‘O absurdo é de tal ordem’ – conforme observa o conceituado Mêstre Arnoldo Wald (‘A CPMF e o devido processo legal’, in ‘Enfoque jurídico’, TRF – 1ª Região, agosto/96, p. 12) –, ‘que nenhuma legislação do mundo, por mais atrasada que pudesse ser, jamais concebeu um tributo sobre a emissão de cheques e ordens de pagamento’, ao manifestar a sua estranheza diante do retrocesso representado pela EC 12/96 na técnica legislativa, quando se sabe que o ‘desenvolvimento de um país também se caracteriza pelo progresso e pela coerência da ordem jurídica vigente.’ Trata-se de diploma normativo que, desenganadamente, afronta o princípio do devido processo legal que, também sob o ponto de vista substantivo é de ter-se consagrado no art. 5º., LIV, como já tem proclamado o STF, como uma garantia do cidadão a que somente seja submetido à observância de leis razoáveis. [...] A indigitada emenda constitucional seria insuscetível da censura a que se acha submetida, não fosse a norma do art. 60, § 4º, IV, da Carta da República, que permite ao intérprete contrastá-la com o elenco de garantias e direitos individuais nela assegurados, confronto esse que leva Des. Marcus Tulio Sartorato Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 2003.015993-2 17 à certeza de que se está diante de norma basicamente contrária razão no Estado de Direito, comportando aplicação.’ 1.2. Conforme a Constituição da República, ‘sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios’ (art. 150) ‘instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos’ (inc. II). Para Hugo de Brito Machado, ‘o princípio da igualdade é a projeção, na área tributária, do princípio geral da isonomia jurídica, ou princípio pelo qual todos são iguais perante a lei. Apresenta-se como garantia de tratamento uniforme, pela entidade tributante, de quantos se encontrem em condições iguais. Como manifestação desse princípio temos, em nossa Constituição, a regra da uniformidade dos tributos federais em todo o território nacional’ (Curso de direito tributário, Malheiros, 2003, 22ª ed., p. 44). A Emenda 39 estabeleceu que na instituição da COSIP deverá ser ‘observado o disposto no art. 150, I e III’. O primeiro inciso encerra o princípio da legalidade; o segundo, o da anterioridade. Deverão observar os legisladores, ainda, o princípio da igualdade (art. 5º, caput), ínsito a qualquer lei. Por isso, o fato de a EC 39 mencionar expressamente apenas os incs. I e III do art. 150, omitindo o inc. II, não significa que o princípio nele inserto possa ser ignorado. Os princípios em referência, inclusive os direitos e garantias individuais do art. 5º, constituem cláusulas pétreas (CF, art. 60, § 4º), que não podem ser quebradas nem mesmo via emenda constitucional. Recorro à doutrina, mais uma vez, para reforçar a assertiva: ‘Há limitações, formais e materiais, expressas e implícitas, à competência que o Congresso Nacional possui para emendar a Constituição. Tais limitações são entre nós conhecidas como cláusulas pétreas. Dentre essas cláusulas pétreas figuram, sem dúvida, os princípios da legalidade, da anterioridade, da segurança jurídica, da não-confiscatoriedade etc., que veiculem direitos e garantias dos contribuintes contra a Des. Marcus Tulio Sartorato Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 2003.015993-2 18 sanha do Fisco’ (Roque Antônio Carrazza, A reforma tributária e as ‘cláusulas pétreas’, em Revista de Direito Tributário 67/253). ‘I – As cláusulas pétreas equivalem a determinadas matérias insuscetíveis de alteração pelo exercício da competência reformadora, por representarem os valores básicos, fundamentais da Constituição, que não podem ser modificados, sob pena de alteração da própria identidade do texto constitucional. II – As cláusulas pétreas tributárias não se limitam aos enunciados prescritivos dos arts. 5º, 150 a 152 da Carta Magna. III – Além dos direitos e garantias fundamentais prescritos no art. 5º da CF, há outros previstos em alguns setores da Constituição que integram o seu núcleo imodificável. IV – Todas as limitações constitucionais prescritas nos arts. 150 a 152, sem exceção, são cláusulas pétreas, porque corporificam os valores básicos que, em matéria tributária, o legislador impediu que fossem eliminados ou reduzidos por meio de emenda constitucional’ (Paulo Roberto Lyrio Pimenta, Cláusulas pétreas tributárias, em Revista Dialética de Direito Tributário 92/45-6). ‘O problema das cláusulas pétreas tributárias é um capítulo à parte. Vamos encontrá-las, também com base no art. 60 da Constituição Federal, que leva o pesquisador ao Título VI, ‘Da Tributação e do Orçamento’, mais precisamente no Capítulo I, que trata do Sistema Tributário Nacional. Assim, no que se refere a essas cláusulas, voltadas para a tributação, vamos encontrá-las no art. 60, como já disse, § 4º, IV, da Constituição Federal, que tem a seguinte redação: ‘Art. 60. – § 4º – Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: IV – os direitos e garantias individuais.’ O § 2º do art. 5º da Constituição assim se expressa: ‘Art. 5º – § 2º – Os direitos e garantias expressos nessa Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.’ Portanto, são cláusulas pétreas tributárias, os seguintes princípios: a) Princípio da Capacidade Contributiva, constante do art. 145, § 1º, da Constituição da República; b) Princípio da Legalidade, constante do art. 150, I, da Constituição da República; c) Princípio da Igualdade, constante do art. 150, II, da Constituição Federal; d) Princípio da Anterioridade, constante do art. 150, III, ‘a’, da Constituição Federal; e) Princípio da Irretroatividade, constante também do art. 150, III, ‘a’, da Constituição Federal; e o f) Princípio da Não-Confiscatoriedade, constante do art. 150, IV, da Des. Marcus Tulio Sartorato Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 2003.015993-2 19 mesma Constituição’ (Dejalma de Campos, As cláusulas pétreas tributárias, em Revista Dialética de Direito Tributário 9/33). ‘Lembremo-nos, ainda, que a grande novidade do referido art. 60 está na inclusão, entre as limitações ao poder de reforma da Constituição, dos direitos inerentes ao exercício da democracia representativa e dos direitos e garantias individuais, que por não se encontrarem restritos ao rol do art. 5º, resguardam um conjunto mais amplo de direitos constitucionais de caráter individual dispersos no texto da Carta Magna. Neste sentido, decidiu o Supremo Tribunal Federal (Adin 939-7/DF) ao considerar cláusula pétrea, e conseqüentemente imodificável, a garantia constitucional assegurada ao cidadão no art. 150, III, b, da Constituição Federal (princípio da anterioridade tributária), entendendo que ao visar subtraí-la de sua esfera protetiva, estaria a Emenda Constitucional nº 3, de 1993, deparando-se com um obstáculo intransponível, contido no art. 60, § 4º, IV, da Constituição Federal’ (Alexandre de Moraes, Direito constitucional, Saraiva, 2001, p. 34). ‘Dentre as normas constitucionais que não podem ser objeto de supressão, encontram-se os direitos e garantias constitucionais assegurados aos cidadãos. O § 2º, do art. 5º, da Constituição Federal, estabelece que os direitos e garantias expressos no referido dispositivo não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados. Dentre outros princípios, ao nosso ver, são intocáveis, os princípios da estrita legalidade, o da isonomia em matéria tributária, o da capacidade contributiva, o da segurança jurídica, o que assegura o direito de propriedade, o da anterioridade em matéria tributária, o que veda a tributação com caráter confiscatório e o que veda a sobreposição de bases tributáveis. Constitui-se regra de fechamento do sistema constitucional tributário brasileiro a contemplada no art. 154, I, c/c as do art. 155 e 156, da Constituição Federal. O constituinte de 1988 repartiu de forma rígida, entre as pessoas políticas, o campo de atuação de cada uma delas. Apontou de maneira exaustiva os eventos que podem ser eleitos pelos Estados-membros, Distrito Federal e Municípios como hipóteses de incidência de impostos. No tocante à competência da União para tributar por meio de impostos, enumerou alguns eventos, listados no art. 153 da Constituição Federal, e estabeleceu no art. 154, I, que a União poderá, mediante lei complementar, instituir impostos não previstos no art. 153, desde que sejam não-cumulativos e não tenham fato gerador ou base de cálculo próprios dos discriminados na Constituição Federal. Logo, a nosso ver, essa diretriz é fundamental para o sistema e não pode ser eliminada ou restringida nem mesmo por meio de Emenda à Constituição. Trata-se de uma diretriz que confere maior eficácia aos princípios da capacidade contributiva, ao que assegura o direito de propriedade e ao que veda a instituição de tributos com efeito de confisco, na medida em que não permite a instituição de impostos cumulativos e cujo ‘fato gerador’ e base de cálculo sejam idênticos aos Des. Marcus Tulio Sartorato Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 2003.015993-2 20 de outros já indicados como passíveis de serem tributados por outros impostos’ (Clélio Chiesa, O ICMS e a EC33, Dialética, 2003, p. 16). ‘Podemos afirmar, assim, que os direitos individuais envolvem as normas constitucionais que conferem ou declaram bens que possam integrar o patrimônio jurídico do contribuinte, ao passo que as garantias são dispositivos de natureza assecuratória, i.e., disposições que assegurem tais direitos. Exemplificando, o inciso XV do artigo 5º da Constituição Federal traz um exemplo de direito individual, qual seja, o direito de locomoção, consubstanciado-se o ‘Habeas Corpus’, previsto no inciso LXVIII, do mesmo artigo 5º, em verdadeira garantia, assegurando o exercício de tal direito, como vedação dirigida ao Estado, que não poderá tolhê-lo por ilegalidade ou abuso de poder. Por fim, uma dica prática que pode nos auxiliar na localização de tais direitos e garantias individuais no sistema tributário constitucional consiste em analisar aqueles já comumente aceitos como tais, entre os quais podemos citar: a) princípio da legalidade (art. 5º, II); b) princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional (art. 5º, XXXV); c) princípio do devido processo legal e contraditório (art. 5º, LIV e LVII); d) princípio da estrita legalidade tributária (art. 150, I); e) princípio da igualdade tributária (art. 150, II); f) princípio da irretroatividade tributária (art. 150, III, a); g) princípio da anterioridade tributária (art. 150, III, b); h) princípio da vedação da utilização de tributos com efeitos de confisco (art. 150), dentre tantos outros. Fácil notar a vasta gama de princípios constitucionais, seja de natureza geral, seja específicos para o direito tributário, erigidos à condição de cláusulas pétreas, e, quanto aos últimos, assim aceitos tanto pela doutrina como pela jurisprudência. Certamente podemos afirmar que tal se dá não só porque são princípios, mas, também e principalmente porque agregam, incorporam, direitos ao patrimônio jurídico dos contribuintes, servindo, em sua totalidade, como verdadeiras garantias dos cidadãos em face do Poder do Estado. Não se mostra absurda, portanto, a afirmação segundo a qual outros princípios tributários insertos na Constituição Federal, e que possuam tais características, também devam ser tidos como direitos e garantias individuais, e, como corolário lógico de tal raciocínio, insuscetíveis de supressão ou mesmo ter reduzida sua esfera de proteção e abrangência, ainda que por meio do exercício do Poder Constituinte Derivado’ (Paulo Andreatto Bonfim, Os princípios constitucionais tributários e o poder constituinte derivado, em Jus Navigandi, http://www1.jus.com.br). 1.3. O tratamento desigual a contribuintes que se encontram na mesma situação só é permitido nas hipóteses expressamente previstas na Constituição da República, como ocorre relativamente ao Imposto de Renda (art. 153, § 2º, I) e ao IPTU (art. 182, § 4º, II), dentre outros, em relação aos quais a progressividade das alíquotas é permitida. Des. Marcus Tulio Sartorato Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 2003.015993-2 21 Para mim, só o é se autorizado expressamente pela Constituição da República. No que concerne ao tema, transcrevo, parcialmente, o voto do Ministro Celso de Mello na Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 2.010: ‘A Lei n.º 9.783/99, ao dispor sobre a contribuição de seguridade social relativamente a pensionistas e a servidores inativos da União, regulou, indevidamente, matéria não autorizada pelo texto da Carta Política, eis que, não obstante as substanciais modificações introduzidas pela EC n.º 20/98 no regime de previdência dos servidores públicos, o Congresso Nacional absteve-se, conscientemente, no contexto da reforma do modelo previdenciário, de fixar a necessária matriz constitucional, cuja instituição se revelava indispensável para legitimar, em bases válidas, a criação e a incidência dessa exação tributária sobre o valor das aposentadorias e das pensões. O regime de previdência de caráter contributivo, a que se refere o art. 40, caput, da Constituição, na redação dada pela EC n.º 20/98, foi instituído , unicamente, em relação ‘Aos servidores titulares de cargos efetivos...’, inexistindo, desse modo, qualquer possibilidade jurídico-constitucional de se atribuir, a inativos e a pensionistas da União, a condição de contribuintes da exação prevista na Lei n.º 9.783/99. Interpretação do art. 40, §§ 8º e 12, c/c o art. 195, II, da Constituição, todos com a redação que lhes deu a EC n.º 20/98. [...] O argumento histórico, no processo de interpretação constitucional, não se reveste de caráter absoluto. Qualifica-se, no entanto, como expressivo elemento de útil indagação das circunstâncias que motivaram a elaboração de determinada norma inscrita na Constituição, permitindo o conhecimento das razões que levaram o constituinte a acolher ou a rejeitar as propostas que lhe foram submetidas. O registro histórico dos debates parlamentares, em torno da proposta que resultou na Emenda Constitucional n.º 20/98 (PEC n.º 33/95), revela-se extremamente importante na constatação de que a única base constitucional, que poderia viabilizar a cobrança, relativamente aos inativos e aos pensionistas da União, da contribuição de seguridade social – foi conscientemente excluída do texto, por iniciativa dos próprios Líderes dos Partidos Políticos que dão sustentação parlamentar ao Governo, na Câmara dos Deputados (Comunicação Parlamentar publicada no Diário da Câmara dos Deputados, p. 04110, edição de 12/2/98). O destaque supressivo, patrocinado por esses Líderes partidários, excluiu do substitutivo aprovado pelo Senado Federal (PEC n.º 33/95), a cláusula destinada a introduzir, no texto da Constituição, a necessária previsão de cobrança, aos pensionistas e aos servidores inativos, da contribuição de seguridade social. [...] Des. Marcus Tulio Sartorato Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 2003.015993-2 22 Relevo jurídico da tese segundo a qual o legislador comum, fora das hipóteses taxativamente indicadas no texto da Carta Política, não pode valer-se da progressividade na definição das alíquotas pertinentes à contribuição de seguridade social devida por servidores públicos em atividade. Tratando-se de matéria sujeita a estrita previsão constitucional – CF, art. 153, § 2º, I; art. 153, § 4º; art. 156, § 1º; art. 182, § 4º, II, art. 195, § 9º (contribuição social devida pelo empregador) – inexiste espaço de liberdade decisória para o Congresso Nacional, em tema de progressividade tributária, instituir alíquotas progressivas em situações não autorizadas pelo texto da Constituição. Inaplicabilidade, aos servidores estatais, da norma inscrita no art. 195, § 9º, da Constituição, introduzida pela EC n.º 20/98. A inovação do quadro normativo resultante da promulgação da EC n.º 20/98 – que introduziu, na Carta Política, a regra consubstanciada no art. 195, § 9º (contribuição patronal) – parece tornar insuscetível de invocação o precedente firmado na ADI n.º 790-DF (RTJ 147/921). [...] A contribuição de seguridade social não só se qualifica como uma modalidade autônoma de tributo (RTJ 143/684), como também representa espécie tributária essencialmente vinculada ao financiamento da seguridade social, em função de específica destinação constitucional. A vigência temporária das alíquotas progressivas (art. 2º da Lei 9.783/99), além de não implicar concessão adicional de outras vantagens, benefícios ou serviços – rompendo, em conseqüência, a necessária vinculação causal que deve existir entre contribuições e benefícios (RTJ 174/921) – constitui expressiva evidência de que se buscou, unicamente, com a arrecadação desse plus, o aumento da receita da União, em ordem a viabilizar o pagamento de encargos (despesas de pessoal) cuja satisfação deve resultar, ordinariamente, da arrecadação de impostos. [...] A invocação das razões de Estado – além de deslegitimar-se como fundamento idôneo de justificação de medidas legislativas – representa, por efeito de gravíssimas conseqüências provocadas por seu eventual acolhimento, uma ameaça inadmissível às liberdades públicas, à supremacia da ordem constitucional e aos valores democráticos que a informam, culminando por introduzir, no sistema de direito positivo, um preocupante fator de ruptura e de desestabilização político-jurídica. Nada compensa a ruptura da ordem constitucional. Nada recompõe os gravíssimos efeitos que derivam do gesto de infidelidade ao texto da Lei Fundamental. A defesa da Constituição não se expõe, nem deve submeter-se, a qualquer juízo de oportunidade ou de conveniência, muito menos a avaliações discricionárias fundadas em razões de pragmatismo governamental. A relação do Poder e de seus agentes, com a Constituição, há de ser, necessariamente, uma relação de respeito. Se, em determinado momento histórico, circunstâncias de fato ou Des. Marcus Tulio Sartorato Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 2003.015993-2 23 de direito reclamarem a alteração da Constituição, em ordem a conferirlhe um sentido de maior contemporaneidade, para ajustá-la, desse modo, às novas exigências ditadas por necessidades políticas, sociais ou econômicas, impor-se-á a prévia modificação do texto da Lei Fundamental, com estrita observância das limitações e do processo de reforma estabelecidos na própria Carta Política. [...] O Supremo Tribunal Federal – que é o guardião da Constituição, por expressa delegação do Poder Constituinte – não pode renunciar ao exercício desse encargo, pois, se a Suprema Corte falhar no desempenho da gravíssima atribuição que lhe foi outorgada, a integridade do sistema político, a proteção das liberdades públicas, a estabilidade do ordenamento normativo do Estado, a segurança das relações jurídicas e a legitimidade das instituições da República restarão profundamente comprometidas. O inaceitável desprezo pela Constituição não pode converter-se em prática governamental consentida. A menos, enquanto houver um Poder Judiciário independente e consciente de sua alta responsabilidade política, social e jurídico constitucional.’ Também quanto ao Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU), até a ‘edição da EC nº 29/2000, este Supremo Tribunal decidiu que é inconstitucional qualquer progressividade do IPTU, que não atenda exclusivamente ao disposto no artigo 156, § 1º, aplicado com as limitações expressamente constantes dos §§ 2º e 4º do artigo 182, ambos da Constituição Federal’ (AgRgAI n.º 353.180, Min. Ellen Gracie). 2. Dos comentários de Kiyoshi Harada relativos à Emenda Constitucional 39, extraio os excertos que seguem: ‘2. A antiga proposta de Emenda Constitucional de nº 222-A Como resultado de reiteradas decisões do Supremo Tribunal Federal, declarando a inconstitucionalidade da taxa de iluminação pública, instituída por diversos Municípios, estes patrocinaram a elaboração da Proposta de Emenda Constitucional nº 222-A, para permitir a tributação dessa taxa. Mediante alterações do inciso II, do art. 145 e de seu parágrafo 2º da Constituição Federal permitia a instituição da taxa de iluminação pública, dispensados os requisitos da especificidade e da divisibilidade do serviço público, prestado ou colocado à disposição do contribuinte, bem como, abolia a proibição da identidade de sua base de cálculo com a de impostos. Aludida proposta, violentava o princípio da discriminação constitucional de impostos. De fato, exatamente, por se tratarem de espécie tributária, classificáveis como tributos desvinculados de qualquer atuação específica do Estado, a Carta Política cuidou de nominar taxativamente os impostos cabentes a cada entidade política, componente da Federação Brasileira, a fim de evitar a bitributação Des. Marcus Tulio Sartorato Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 2003.015993-2 24 jurídica. Realmente, esse tipo de tributo não pode ficar na base de quem instituiu em primeiro lugar, ou de quem pensou antes. Quanto aos tributos vinculados à atuação específica do Estado (taxas de serviços e de polícia, contribuições de melhoria, contribuição social), a entidade política atuante será sempre o sujeito ativo do tributo, não havendo necessidade de qualquer discriminação constitucional. Daí o sentido da discriminação constitucional de impostos. E daí, também, a proibição de a taxa ter a mesma base de cálculo do imposto; do contrário, a discriminação seria inócua, bastando mudar o nome do tributo para contornar o rígido princípio discriminador. A discriminação de rendas tributárias, de um lado, outorga competência privativa ao ente político contemplado e, de outro lado, retira essa competência em relação ao ente político não contemplado. Surte, pois, duplo efeito. Por isso, aquela proposta de Emenda era inconstitucional, por ferir cláusulas pétreas (art. 60, § 4º, incisos I e IV da CF). De fato, de nada adiantaria a Carta Magna assegurar ao contribuinte o direito de não ser tributado por impostos municipais não nominados em seu art. 156, se outros novos impostos pudessem ser instituídos com nome de taxa, por meio do condenável expediente de tentar ‘constitucionalizar um tributo ´n´ vezes condenado pela Corte Suprema. [...] Pelas razões retro apontadas, a proposta de Emenda nº 222-A foi abandonada, dando lugar à apresentação de uma outra proposta, que resultou na aprovação da Emenda nº 39, de 19-12-2002, a qual, acrescentou o art. 149-A à Constituição Federal, permitindo aos Municípios e ao Distrito Federal instituir contribuição, na forma das respectivas leis, para o custeio do serviço de iluminação pública, observado o disposto no art. 150, I e III. Repetiu-se a mesma tática utilizada, na esfera federal, em nível de legislação ordinária, quando convolou o antigo IPMF em CPMF, para contornar a decisão da Corte Suprema, sem que tivesse mudado o fato gerador da obrigação tributária. O tributo só mudou de gênero masculino para gênero feminino, sem alteração de seu conteúdo. Lá transformou-se o imposto em contribuição. Aqui transmudou-se a taxa em contribuição, pelo toque mágico da varinha do legislador constituinte derivado. Ora, chamar de contribuição, uma exação que não o é, nem pode ser, não faz desaparecer o vício que contaminava o projeto anterior, o qual, previa a instituição de taxa de iluminação, sem que houvesse serviço público específico e divisível. Contribuição social é tributo de destinação intrínseca, ou seja, tributo vinculado à atuação do Estado. Caracteriza-se pelo fato de o Estado, no desenvolvimento de determinada atividade de interesse geral, acarretar maiores despesas em prol de certas pessoas (contribuintes), que passam a usufruir de benefícios diferenciados dos demais (não contribuintes). Enfim, assenta-se a contribuição social no princípio da maior despesa estatal, provocada pelo contribuinte e na particular vantagem a ele propiciada pelo Estado. (Cf. nosso Direito financeiro e tributário, Atlas, 10ª edição, 2002, p. 309). No caso de iluminação pública, pergunta-se, Des. Marcus Tulio Sartorato Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 2003.015993-2 25 onde há particular vantagem propiciada aos contribuintes, se todos os munícipes são beneficiários desse serviço público? Seria legítimo considerar a população normal, como beneficiários específicos, em confronto com o contingente de pessoas cegas a quem o serviço público não estaria trazendo os mesmos benefícios? Para caracterização da contribuição social ou da taxa de serviços, não basta a destinação específica do produto da arrecadação do tributo. É preciso que se defina o beneficiário específico desse tributo, que passará a ser o seu contribuinte. Se a comunidade inteira for a beneficiária, como no caso sob estudo, estarse-á diante de imposto, e não de contribuição. E aqui é oportuno esclarecer que o inciso II do art. 4º do CTN, que torna irrelevante a destinação legal do produto da arrecadação, para definição da natureza jurídica específica do tributo, deve sofrer interpretação atualizada. Na época do advento do Código Tributário Nacional, Lei nº 5.172, de 25-10-66, a contribuição social não era considerada como tributo, quer pela doutrina, quer pela jurisprudência. Hoje, não há mais dúvida quanto à natureza tributária da contribuição social. A Carta Política de 1988 espancou qualquer sombra de dúvida que pudesse pairar a respeito, como bem assinala a jurisprudência da Suprema Corte. A destinação legal do produto de sua arrecadação é apenas um dos traços marcantes da contribuição, que, repita-se, tem destinação intrínseca, em contraposição a impostos, que têm destinação extrínseca. Porém, no caso sob exame, faltou o benefício diferenciado em relação à parcela da população atingida pela exação, pelo que perde a característica de contribuição, para enquadrar-se na espécie tributária desvinculada de atuação estatal, qual seja, imposto, com todas as conseqüências daí advindas. É bastante preocupante a proliferação de Emendas da espécie, que pouco a pouco, vão desarticulando e desmontando o Sistema Tributário Nacional, que pode não ser perfeito, mas foi esculpido pelo legislador constituinte originário, com base em sólidos fundamentos doutrinários. A continuar assim, não será surpresa se, amanhã, aparecer uma Emenda autorizando os Municípios a instituir uma contribuição destinada ao custeio das despesas com o pagamento de precatórios judiciais, acumulados ao longo dos anos. [...] Conclusões: A contribuição social, instituída pela Lei nº 13.479/2002, é de uma inconstitucionalidade solar. Ela é cobrada de apenas uma parcela da população, para custear um serviço público genérico, que beneficia a sociedade como um todo. Por isso, ofende duplamente o princípio da isonomia tributária. Primeiramente, quando cobra apenas de uma parte dos beneficiários da iluminação pública; pela vez segunda, quando discrimina os usuários de relojinhos não-residenciais, que pagam mais do que os usuários de relojinhos residenciais como se aqueles ‘consumissem’ mais iluminação pública do que os últimos. Des. Marcus Tulio Sartorato Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 2003.015993-2 26 Contorna e ofende o princípio da discriminação de rendas tributárias, instituindo imposto fora do elenco taxativo do art. 156 da CF. Violenta o art. 167, IV da CF, ao destinar o produto da arrecadação desse imposto novo a um Fundo Especial. É o que resulta do exame crítico e sereno, exclusivamente sob o prisma jurídico-constitucional’ (Jus Navigandi, www1.jus.com.br). Essas restrições foram igualmente formuladas por Hugo de Brito Machado (A contribuição de iluminação pública – CIP, em www.hugomachado.adv.br) e por Carla Dumont Oliveira (A nova contribuição para o custeio do serviço de iluminação pública à luz da natureza jurídica das contribuições, em www1.jus.com.br/doutrina/texto). As lições reproduzidas, com as quais estou de acordo, reforçam a conclusão de que é inconstitucional a Lei 2.049, de 2002, do Município de Itapema. Acrescento que: 2.1. Prescreve a lei impugnada que a COSIP tem como base de cálculo o consumo de energia elétrica, por faixas progressivas: ‘A contribuição de que trata essa Lei corresponderá ao custo anual do serviço de iluminação pública rateado entre os contribuintes, de acordo com os níveis individuais de consumo anual de energia elétrica’ (art. 2º). As ‘faixas de consumo de energia’ estão dispostas em tabela anexa ao artigo 2º. A toda evidência, inexiste qualquer vinculação entre o consumo de energia elétrica com o custo do serviço de iluminação pública. Data venia da douta maioria, raia ao absurdo jurídico a alíquota progressiva. Indago: aquele que mais consome energia elétrica mais utiliza o serviço de iluminação pública? Há manifesta violação ao princípio da razoabilidade. O Agravo de Instrumento n.º 2003.004797-2 revela o quão é injusta a lei impugnada. Do total da fatura emitida contra o agravante Cleber Francisco Pereira Rodrigues – R$ 201,14 (duzentos e um reais e quatorze centavos) –, a título de COSIP foi lançada a importância de R$ 60,01 (sessenta reais e um centavo). Se considerado o ICMS incidente sobre a mesma base de cálculo – valor da energia elétrica consumida –, tem-se que o nominado pagou R$ Des. Marcus Tulio Sartorato Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 2003.015993-2 27 167,00 (cento e sessenta e sete reais) pela energia elétrica consumida, R$ 34,20 (trinta e quatro reais e vinte centavos) de ICMS e R$ 60,01 (sessenta reais e um centavo) de COSIP. Para o segundo agravante, Wilson Rosa de Oliveira, a COSIP lançada gira em torno de 36% (trinta e seis por cento) do valor da energia elétrica consumida. Cumpre destacar que a EC 39 é silente quanto ao fato gerador e à base de cálculo da COSIP. Não há, portanto, autorização para a instituição de alíquotas progressivas. 2.2. Até a promulgação da EC 39, o sistema tributário nacional previa as seguintes espécies de contribuições parafiscais: a) para a seguridade social (CF, art. 195, I a III e § 4º); b) social do salário-educação (art. 212, § 5º); c) social para o Sesi, Senai, Senac, Senar etc. (art. 240); d) de intervenção no domínio econômico (arts. 149 e 174); e) de interesse das categorias profissionais (art. 149); f) previdenciária dos funcionários públicos (arts. 40 e 149, § 1º); g) sindical confederativa (8º, IV). Paulo Roberto Lyrio Pimenta sustenta que a Emenda 39 criou uma sétima espécie de contribuição: ‘Parece-nos que foi autorizada a criação de uma verdadeira nova contribuição, que se diferencia do modelo originariamente previsto pela Constituição, em primeiro lugar pela área a ser alcançada pela exação. As contribuições especiais previstas pela Carta Magna (arts. 149, 195, 239, 240, 212, § 5º) destinam-se a instrumentar a atuação da União, ou de entidade paraestatal, na ordem econômica ou na ordem social. Na hipótese em discussão, a nova contribuição servirá como instrumento dos Municípios e do Distrito Federal na atuação no campo dos serviços públicos’. Ao final, conclui: ‘Em face da finalidade específica da contribuição em exame, que não se identifica com os objetivos das espécies mencionadas no caput do art. 149, pode-se afirmar que constitui uma quarta espécie de contribuição especial, posicionando-se ao lado das contribuições sociais, interventivas e corporativas’ (Contribuição para o custeio do serviço de iluminação pública, em Revista Dialética de Direito Tributário 95/102). Com ele convergem Ruy Barbosa Nogueira (Curso de direito tributário, Saraiva, p. 104) e Paulo de Barros Carvalho (Curso de direito tributário, Saraiva, p. 79). De acordo com Hugo de Brito Machado, ‘a função das contribuições sociais, em face da vigente Constituição, decididamente não é a de suprir o Tesouro Nacional de recursos Des. Marcus Tulio Sartorato Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 2003.015993-2 28 financeiros’ (Curso de direito tributário, Malheiros, 2003, 22ª ed., p. 374); sua finalidade é específica, de atender determinado grupo de pessoas. A receita gerada pela arrecadação da COSIP não se destina a um grupo específico de contribuintes. O serviço de iluminação pública será usufruído não só pelos munícipes que ocupam, para residência ou exploração econômica, prédios onde há consumo de energia elétrica, mas também por milhares de turistas que transitam pela cidade, notadamente durante o verão. Também sob este enfoque há ofensa ao princípio da razoabilidade. 2.3. O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul declarou inconstitucional lei do Município de Porto Alegre instituidora da COSIP. Consta da ementa do acórdão: ‘Direito tributário. Apelação Cível. Contribuição para o custeio do serviço municipal de iluminação pública (CIP) prevista no art. 149-A da CF/88. Instituição municipal em afronta à matriz constitucional tributária e paratributária. Afronta a matriz constitucional tributária e paratributária a lei municipal que, com base no art. 149-A da CF/88, instituiu Contribuição para o Custeio do Serviço de Iluminação Pública (CIP) adotando, para tanto, como fato gerador, o consumo individual de energia elétrica, como base de cálculo o valor desse consumo e, como contribuinte, o próprio consumidor individual, elementos inteiramente dissociados da despesa a ser coberta (iluminação pública), da qual terceiros, inclusive nãomunícipes, notória e induvidosamente também se beneficiam sem, contudo, compartilharem dos ônus respectivos, sendo extremamente injusto atribuir-se a alguns poucos, numa impertinente e desordenada proporção, o custeio de um serviço que a todos é dirigido. Ademais, o fato de o ICMS já utilizar o mesmo valor como base de cálculo deixa evidente uma bitributação vedada pelo § 2º do art. 145 da CF’ (AC n.º 70010100717, Des. Roque Joaquim Volkweiss).” 2. As expostas são as razões do dissenso. Florianópolis, 23 de novembro de 2005 Des. Marcus Tulio Sartorato Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 2003.015993-2 29 Newton Trisotto Declaração de voto vencido do Exmo. Sr. Des. Sérgio Roberto Baasch Luz: Dissenti da douta maioria pelos mesmos argumentos esposados na fundamentação do voto vencido proferido pelo eminente Des. Newton Trisotto. Florianópolis, 17 de fevereiro de 2006. Sérgio Roberto Baasch Luz Declaração de voto vencido do Exmo. Sr. Des. Luiz Cézar Medeiros: Na verdade há um equívoco na certdão de julgamento, pois acompanhei a douta maioria. Lembro que o voto precursor no sentido da constitucionalidade das leis que instituíram a COSIP foi de minha lavra. Assim, em declaração de voto, reitero meu entendimento acerca do tema. Florianópolis, 20 de feveriro de 2006. Des. Marcus Tulio Sartorato Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 2003.015993-2 30 Des. Luiz Cézar Medeiros Declaração de voto vencido do Exmo. Sr. Des. Nelson Schaefer Martins: Ação direta de inconstitucionalidade. Lei do Município de Imbituba que cria a contribuição para o custeio do serviço de iluminação pública – COSIP com base no art. 149-A da Emenda Constitucional n. 39/2002. Constituição da República, arts. 145, inc. II e 167, inc. IV. Constituição do Estado, arts. 4o caput, 125, incs. I e II e § 2o e 128, inc. II. Procedência do pedido. A Lei Municipal que prevê a contribuição para o custeio do serviço de iluminação pública instituída pela Emenda Constitucional n. 39 de 19.12.2002 padece de inconstitucionalidade pelos seguintes motivos: i) constituise como tributo de natureza inédita, não se conformando a nenhum dos modelos previstos para as três espécies do gênero tributo: imposto, taxa e contribuição de melhoria; ii) é tributo diretamente vinculado à prestação de um serviço público uti universi com finalidade e destino da arrecadação previamente determinados pela Constituição da República (art. 149-A); iii) fere as garantias contempladas nos arts. 4o caput, 125 e 128, inc. II da Constituição do Estado de 1989 da igualdade perante a lei, da isonomia tributária, propriedade e liberdade; iv) trata de tributo com vinculação a uma despesa específica em confronto com as normas dos arts. 167, inc. IV da Constituição da República e 125, inc. I e § 2 o da Constituição do Estado de 1989. Perante o juízo da comarca de Imbituba, O Representante do Ministério Público do Estado de Santa Catarina, promoveu ação direta de inconstitucionalidade com base no art. 85, inc. VII, da Constituição do Estado de Santa Catarina, objetivando a declaração de inconstitucionalidade da Lei Municipal n. 778/2002 que instituiu a contribuição para o Custeio do Serviço de Iluminação Pública – COSIP, no município de Imbituba. Des. Marcus Tulio Sartorato Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 2003.015993-2 31 Asseverou que a lei impugnada viola os princípios da igualdade perante a lei, da isonomia tributária e o da capacidade contributiva, pois a nova espécie tributária não vem revestida dos pressupostos necessários para a instituição de uma contribuição e que por conseguinte, a “nova exação” criaria desigualdades entre os munícipes contribuintes. Invocou as disposições dos arts. 5o, inc. XXII, da Constituição da República e 4o, 128, inc. II da Constituição Estadual. É o relatório. O autor com supedâneo na Lei Estadual n. 12.069 de 27.12.2001 requereu a decretação de inconstitucionalidade da Lei Municipal n. 778, de 30.12.2002 do Município de Imbituba. A Constituição da República Federativa de 1988 dispõe: “Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos: (...) II – taxas, em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição;” A Constituição do Estado de Santa Catarina de 1989 prescreve: “Art. 125. O Estado de Santa Catarina e seus municípios têm competência para instituir os seguintes tributos: (...) II – taxas, em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos à sua disposição;” “Art. 128. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado ao Estado e a seus municípios: Des. Marcus Tulio Sartorato Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 2003.015993-2 32 (...) II – instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos;” A Emenda Constitucional n. 39, de 19.12.2002, acrescentou o art. 149-A à Constituição Federal e instituiu a contribuição para custeio do serviço de iluminação pública nos Municípios e no Distrito Federal: “Art. 1o A Constituição Federal passa a vigorar acrescida do seguinte art. 149-A: “Art. 149-A Os Municípios e o Distrito Federal poderão instituir contribuição, na forma das respectivas leis, para o custeio do serviço de iluminação pública, observado o disposto no art. 150, I e III. Parágrafo único. É facultada a cobrança da contribuição a que se refere o caput, na fatura de consumo de energia elétrica”. OMAR AUGUSTO LEITE MELO, advogado em Bauru e em São Paulo, em seu artigo “Da Contribuição Municipal para o Custeio do Serviço de Iluminação Pública – EC 39” publicado na Revista Dialética de Direito Tributário n. 90, escreve: “(...) Essa “contribuição” tem como meta substituir a antiga taxa de iluminação pública, mais conhecida como “TIP”, uma vez que nossos tribunais superiores refutaram a constitucionalidade e legalidade de tal cobrança. Portanto, as prefeituras estariam autorizadas, pela Emenda n. 39/2002, a cobrar pelo serviço público de iluminação pública, mas agora sob o rótulo de uma contribuição municipal até então não prevista no ordenamento jurídico nacional. Houve, portanto, o alargamento da competência tributária dos Municípios e do Distrito Federal, que, antes, restringia-se aos impostos, taxas, contribuições de melhoria e contribuições para o custeio de sistemas de previdência e de assistência social de seus servidores. Des. Marcus Tulio Sartorato Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 2003.015993-2 33 Todavia, cumpre examinar se a ampliação da competência tributária municipal e, mais, se a criação de uma contribuição de custeio do serviço de iluminação pública, são possíveis à luz da Constituição Federal de 1988” (Op. cit. p. 86/87). O articulista aponta “Ausência de Referibilidade para a Instituição de uma Contribuição para custear o Serviço de Iluminação Pública”: “(...) Conforme relata Hamilton Dias de Souza, a doutrina tem variado sobre o assunto, entendendo uns que elas (as contribuições) se legitimam como imposto ou como taxa; outros, que se trata apenas de um imposto com destinação especial; e a maioria entendendo que é espécie tributária com características próprias. O que marca uma “contribuição” é a peculiaridade de ter como pressuposto ou causa um benefício, real ou presumido, que um “grupo” de pessoas recebe em virtude de uma determinada atuação estatal. Assim, é indispensável a realização, por parte do ente estatal, de um benefício ou uma vantagem para os membros pertencentes a um determinado grupo. (...) No caso do serviço de iluminação pública, verifica-se que há um indiscutível benefício real para a população do Muncípio. Todavia, e aí está uma das inconstitucionalidades da Emenda n. 29/02, não há como separar um “grupo” de pessoas beneficiadas, uma vez que toda a população do Município aufere vantagens com a iluminação pública. E mais, até mesmo os visitantes auferem vantagens com esse serviço público, tal sua generalidade e indivisibilidade. Por conseguinte, falta para a novel “contribuição” o critério essencial da referibilidade entre o serviço público (atuação municipal) e seus contribuintes. Ou seja, a cobrança passa a ter a natureza jurídica de um imposto, eis que seu “fato gerador” configura uma situação independente de qualquer atividade estatal específica, relativa ao contribuinte (artigo 16, do Codex Tributário). Des. Marcus Tulio Sartorato Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 2003.015993-2 34 O Plenário do STF, no RE n. 233.332/RJ, acima transcrito, destacou que o serviço de iluminação pública – atividade estatal inespecífica, indivisível e insuscetível de ser referido a determinado contribuinte – deve ser custeado por meio do produto da arrecadação dos impostos gerais. Uma vez detectada a verdadeira natureza jurídica da exação criada pela Emenda n. 39/2002, denota-se uma afronta ao artigo 167, inciso IV, da Constituição Federal” (Op. cit. 91/92). OMAR AUGUSTO LEITE MELO refere a “Falta de Permissão Constitucional para a Ampliação da Competência Tributária Municipal”: “(...) Em outro prisma, os contribuintes municipais ganharam, assim, uma norma de incompetência tributária, ou seja, uma verdadeira e sólida garantia constitucional implícita no sistema tributário nacional, no sentido de que apenas sofreriam a cobrança daqueles tributos elencados expressamente pela Constituição, in casu, as taxas, as contribuições de melhoria, as contribuições previdenciárias e assistenciais (só para os servidores municipais), o IPTU, o ITBI e o ISSQN. Destarte, a inserção de uma nova espécie tributária na competência municipal viola diretamente tal garantia fundamental, implicitamente prevista aos contribuintes municipais” (Op. cit. p. 93/94). O mesmo tributarista escreve acerca da “limitação ao princípios constitucionais aplicados” e sobre a “impossibilidade da base de cálculo coincidir com a do ICMS”: “Malgrado todas as considerações anteriores, ainda que fosse possível a instituição de uma contribuição municipal para o custeio do serviço de iluminação pública, a cobrança precisa ser feita à luz dos princípios constitucionais tributários. De acordo com a redação do novo dispositivo, a “contribuição” em comento “só” precisaria observar os Des. Marcus Tulio Sartorato Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 2003.015993-2 princípios da anterioridade. legalidade, 35 da irretroatividade e da Contudo, como os princípios constitucionais tributários constituem-se em importantes e genuínas garantias fundamentais do contribuinte, a Emenda n. 39/2002 novamente ofende o artigo 60, § 4o, da Constituição Federal, no instante em que ousa afastar, da “contribuição”, a observância aos postulados da isonomia e da não-confiscatoriedade, previstos no artigo 150, incisos II e IV. Outrossim, como essa exação possui natureza jurídica de imposto (custeia um serviço geral), as imunidades do artigo 150, inciso VI, também devem ser respeitadas. Em suma, a Emenda n. 39/2002 não poderia ter restringido a aplicação dos princípios constitucionais” (Op. cit. p. 94). RICARDO CONCEIÇÃO SOUZA, advogado em Ribeirão Preto, SP, Professor Universitário e Mestre em Direito Tributário pela PUC/SP, em trabalho científico intitulado “Primeiras Impressões sobre a Contribuição de Custeio do Serviço de Iluminação Pública”, publicado na Revista Dialética de Direito Tributário n. 90, destacou que: “Acreditamos, portanto, que a exação a ser instituída pelos Municípios é, na verdade, um imposto com o rótulo de contribuição. (...) Assim, em se tratando de contribuições, a base de cálculo tem por função: a) medir o fato descrito no aspecto material da hipótese de incidência da esfera do sujeito passivo, não vinculado a nenhuma atividade estatal, para efeito de calcular o valor da obrigação; b) confirmar ou infirmar o fato, a cargo do contribuinte, descrito na hipótese de incidência; c) medir se as proporções da dívida tributária são ou não condizentes com a ação estatal. Des. Marcus Tulio Sartorato Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 2003.015993-2 36 Estamos convictos de que a inteligência (organicidade) do Sistema é uma garantia individual do contribuinte contra os desatinos do legislador constituinte derivado, impossível de modificação por emenda, a teor do estabelecido no art. 60, § 4o, IV, da Constituição. (...)”. ANDRÉ PARMO FOLLONI (Advogado especialista em Direito Empresarial e Tributário pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná) em artigo denominado “Natureza Jurídica da Contribuição sobre Iluminação Pública” publicado na Revista de Direito Administrativo e Constitucional n. 14, 2003, p. 28/31, escreveu sobre a inconstitucionalidade da mencionada COSIP: “(...) 6.7 A natureza jurídica da “contribuição” do art. 149-A não é de imposto, taxa ou contribuição de melhoria. Será um tributo de natureza jurídica inédita. Trata-se de um tributo diretamente vinculado à prestação de um serviço público uti universi, com finalidade e destino da arrecadação previamente determinados pela Constituição Federal. 6.8 Liberdade e propriedade são direitos individuais do cidadão contribuinte perante o fisco, e, enquanto tal, não podem ser limitados por Emenda Constitucional. 6.9 Ao tender à abolição de direitos individuais, outorgando competência para a instituição de um tributo até então inexistente no Sistema Constitucional Tributário brasileiro, a Emenda Constitucional n. 39 incorreu em inconstitucionalidade”. ANDRÉ PARMO FOLLONI comenta a respeito da inconstitucionalidade da instituída contribuição: “Revela a ânsia em arrecadar dos Municípios seus vários tentames no sentido de cobrar taxa sobre iluminação pública. Entretanto, o Supremo Tribunal Federal houve por declarar a inconstitucionalidade daquelas exigências, uma a uma, sob o argumento jurídico de que iluminação pública não se caracteriza como um serviço público específico e divisível. Des. Marcus Tulio Sartorato Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 2003.015993-2 37 Em um processo de alteração constitucional, evidentemente advindo de pressão política, o contribuinte derivado criou um “minotauro jurídico” — para utilizarmo-nos de expressão de Seabra Fagundes. Com isso, pretendeu encerrar a discussão quanto ao cabimento ou não da exação. Aliás, abrindo-se breve parêntese político, é de se observar que procede-se assim, atualmente: o Supremo Tribunal Federal decide que um tributo qualquer é inconstitucional. O que faz então o Fisco? Move todas suas forças até que, com lobby, intenso, obtenha a alteração constitucional que lhe convenha. Esse procedimento já houvera sido adotado, por exemplo, quando da declaração de inconstitucionalidade da cobrança de IPTU segundo alíquotas progressivas (edição da Emenda Constitucional n° 29) e da declaração de inconstitucionalidade da cobrança de ICMS nas importações por não comerciantes (edição da Emenda Constitucional n° 33). Tais procedimentos foram denominados por Tercio Sampaio Ferraz Jr. "revogação legislativa das decisões judiciais"; Ricardo Lobo Torres preferiu chamá-los "correção da jurisprudência constitucional". Tais subterrâneos da atividade política, contudo, são estranhos à Dogmática Jurídica, ciência cujo objeto é o direito positivo, hic et nunc. Então, fechemos o parêntese e voltemos a balizarmo-nos pelas "ribeiras jurídicas" de José Roberto Vieira. Se a Constituição Federal, em seu art. 145, outorgou às pessoas jurídicas de direito público interno competência rígida, apenas para instituir impostos, taxas e contribuição de melhoria, e todos os outros tributos constitucionais reduzem-se a estes, claro está que nenhum tributo pode ser criado sem que reste subsumido a alguma dessas espécies. Por isso, os empréstimos compulsórios e as demais contribuições do sistema constitucional tributário adquirem ora a qualidade de impostos, ora de taxas e, o que é admissível em tese, ora de contribuição de melhoria. Somente alguma daquelas espécies tributárias é constitucional. Isso porque, enquanto limitante dos direitos individuais de propriedade e liberdade, a atividade tributária deve seguir os estritos mandamentos constitucionais para ser tida por válida. E ao constituinte derivado não foi concedida a competência para emendar o texto Des. Marcus Tulio Sartorato Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 2003.015993-2 38 constitucional com emenda nem ao menos tendente a abolir direitos individuais (CF, art. 60, § 4°, IV). Ao criar uma figura anteriormente inexistente, o constituinte derivado acabou por atropelar direitos individuais do cidadão contribuinte, cláusulas pétreas constitucionais. Propriedade e liberdade são direitos fundamentais, assim erigidos pelo texto constitucional (art. 5°, caput). Portanto, podem ser limitados por via tributaria apenas nos estritos limites constitucionais. Ao percorrer o caminho traçado pelos preceitos do sistema constitucional tributário, o intérprete facilmente pode construir o sentido da proteção constitucional ao cidadão contribuinte em face do poder arrecadador do Estado e defendê-lo com sucesso perante sua comunidade lingüística, o que levou Roque Antonio Carrazza a ver no Sistema Constitucional Tributário brasileiro um verdadeiro "estatuto do contribuinte". Uma construção em sentido contrário seria assaz penosa e fatalmente insustentável. O art. 60, § 4.°, IV da Constituição Federal subtrai do constituinte derivado a competência para propor emenda tendente a abolir direitos e garantias individuais. Incluem-se no conceito de direitos e garantias individuais, por determinação constitucional expressa, outros que não aqueles externados nos diversos incisos do art. 5.° da Constituição, vez que o § 2.° do mesmo artigo determina a impossibilidade de que esses direitos e garantias expressos excluam outros decorrentes dos princípios adotados pela Constituição. Portanto, pode ser considerada uma cláusula constitucional imutável por meio de emenda (cláusula pétrea) qualquer disposição que assegure algum direito individual decorrente de princípio constitucional. Nesse sentido, recomenda Celso Ribeiro Bastos: "parece ser viável a construção de uma teoria das cláusulas pétreas implícitas, desde que os estudiosos tentassem formulá-la a partir do direito positivo de determinado Estado, e que tivesse em vista a extração do sistema dos princípios que, desrespeitados, implicariam a ruptura da ordem constitucional" (grifos acrescentados). Ao emendar a constituição como proposta tendente a abolir, por meio de tributação, direitos fundamentais como a liberdade e a propriedade, o constituinte derivado incorDes. Marcus Tulio Sartorato Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 2003.015993-2 39 reu em inconstitucionalidade. Outorgando aos Municípios e ao Distrito Federal competência para a instituição desta figura tributária transgênica (a "contribuição" do art. 149-A), absolutamente impossível de ser encaixada em qualquer uma das espécies tributarias cuja instituição fora expressamente autorizada pelo texto original da Constituição, como demonstrado, o desrespeito a direitos individuais constitucionalmente consagrados restou evidente, o que implica a irremediável inconstitucionalidade do dispositivo em comento” (Op. cit. p. 28/30). CARLOS ALBERTO DEL PAPA ROSSI em seu artigo “Inconstitucionalidade da Contribuição para Custeio do Serviço de Iluminação Pública” escreveu: “A destinação do produto da arrecadação não é, portanto, de interesse de categorias profissionais ou econômicas, nem representa intervenção da União no domínio econômico, nem financia a seguridade social, o que demonstra não ser contribuição o tributo, apesar de assim rotulado. Por outro lado, depreende-se do artigo 145, II, da Constituição Federal que a prestação de serviço público (e o serviço de iluminação pública é um) só pode dar ensejo à tributação via taxa de serviço, mas para tanto, este deve ser dotado de especificidade e divisibilidade, o que não acontece na iluminação pública. Analisando os tributos constitucionalmente previstos, nota-se que sua natureza será de taxa sempre que se tratar de prestação de serviço público. A constitucionalidade do tributo dependerá, dentre outros fatores, de a exigência decorrer da prestação de serviços públicos específicos e divisíveis. Assim, é a hipótese tributária (fato gerador) que define a natureza jurídica do tributo. Em harmonia com o Texto Magno, o artigo 4º do Código Tributário Nacional estabelece que a natureza jurídica do tributo decorre de seu fato gerador - hipótese tributária -, nunca da denominação que o legislador tenha lhe atribuído, verbis: Des. Marcus Tulio Sartorato Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 2003.015993-2 40 "Art. 4º - A natureza jurídica específica do tributo é determinada pelo fato gerador da respectiva obrigação, sendo irrelevantes para qualificá-la: I - a denominação e demais características formais adotadas pela lei; II - a destinação legal do produto da sua arrecadação". Tendo em vista que o fato gerador da exação em análise está vinculado a uma atuação estatal e esta se caracteriza como prestação de um serviço público, sua natureza jurídica é, inequivocamente, de taxa de serviço público, pouco importando o fato de o legislador constituinte reformador ter lhe atribuído, propositalmente, a denominação de contribuição. Hugo de Brito Machado ensina, verbis: "Para sabermos se um tributo é imposto, ou taxa, ou contribuição de melhoria, não importa o nome, nem a destinação do produto de sua arrecadação, mas o fato gerador respectivo. Qual o fato cujo acontecimento fará nascer a obrigação de pagar o tributo. Esse fato é que determinará se estamos diante de um imposto, de uma taxa, ou de uma contribuição de melhoria, ou de uma espécie de tributo". Vale lembrar: a) os impostos têm como fatos geradores situações que não se caracterizam como atividades estatais específicas relativas aos contribuintes; b) a taxa é tributo vinculado a uma atividade estatal, seja exercício do poder de polícia, seja prestação e/ou disponibilização de serviço público específico e divisível, de uso obrigatório; c) a contribuição de melhoria tem como hipótese a valorização imobiliária decorrente de obra pública; d) as contribuições podem ser de intervenção no domínio econômico, de interesse de categorias profissionais ou econômicas, ou, ainda, para financiamento da seguridade social; e) os empréstimos compulsórios são restituíveis e podem ser exigidos para: e.1.) atender despesas extraordinárias decorrentes de calamidade pública, de guerra externa ou mera iminência; e, e.2.) investimento público de caráter urgente e de relevante interesse nacional. Des. Marcus Tulio Sartorato Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 2003.015993-2 41 Nos parece indene de dúvida, portanto, que a denominada contribuição para custeio de serviço de iluminação pública, tal como se observa do artigo 149-A, está vinculada ao serviço de iluminação pública e, como no caso das taxas do artigo 145, II, é regida pelo princípio da retributividade. Ou seja, sua finalidade não guarda nenhuma relação com as das contribuições interventivas, cooperativas ou de seguridade social. Embora ardilosamente o legislador constituinte reformador tenha lhe atribuído o nome de contribuição, sua natureza é de taxa remuneratória do serviço de iluminação pública prestado pelo Distrito Federal e Municípios. No entanto, apesar de público, o serviço não se reveste dos atributos da especificidade e da divisibilidade. Nesse sentido, escrevendo sobre a exação que examinamos, Ives Gandra da Silva Martins escreveu que, verbis: "É, pura e simplesmente, tributo destinado a cobrir prestação de serviço, nem se furtando, o desajeitado constituinte, a reconhecer que sua cobrança 'é para o custeio do serviço de iluminação pública'. O pouco versado legislador supremo em teoria ou doutrina constitucional - e, possivelmente, desconhecedor das decisões do pretório Excelso sobre o conteúdo dos vocábulos utilizados na elaboração legislativa - não percebeu que chamar de 'contribuição' uma 'taxa', isto é, uma contraprestação a um serviço público, não transforma a taxa em contribuição, visto que a natureza do tributo é dada por seu perfil e não por sua denominação". Fixada a natureza jurídica do tributo em estudo, passaremos a analisar a competência tributária para a instituição de taxa de serviço público para que adiante entendamos a razão pela qual o Poder Constituinte Reformador se utilizou, intencionalmente, da alcunha contribuição. 2. Da competência para instituição de taxa de serviço público Quando da distribuição de competência tributária entre os entes político-constitucionais, a Lei das leis, em Des. Marcus Tulio Sartorato Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 2003.015993-2 42 seu artigo 145, II, legitimou a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios para a instituição de taxa de polícia e taxa de serviço público específico e divisível, verbis: "Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos: ... II - taxas, em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição;" Desse dispositivo constam, portanto, os limites dentro dos quais os titulares da competência tributária podem exercê-la, o que, por via paralela, outorga, aos contribuintes, a garantia constitucional de que não poderão ser compelidos a recolher uma taxa de serviço público caso este não seja, ao mesmo tempo, específico e divisível”. “CONCLUSÕES Somente a prestação de serviços públicos específicos e divisíveis pode ser hipótese tributária de taxa de serviço público, como impõe o artigo 145, II da Constituição Federal. A denominada contribuição para custeio de serviço de iluminação pública tem por fim remunerar o Distrito Federal e os Municípios pela prestação do serviço de iluminação pública, que é genérico e indivisível. Ou seja, o produto de sua arrecadação: a) não é instrumento de atuação da União intervindo no domínio econômico; b) não se destina ao atendimento de interesses de categorias profissionais ou econômicas; e, c) não financia a seguridade social. A natureza jurídica de um tributo não decorre do nome que o legislador venha a lhe atribuir, mas sim do fato hipoteticamente eleito como sua hipótese tributária. A exação estudada é, verdadeiramente, uma taxa de serviço público. Des. Marcus Tulio Sartorato Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 2003.015993-2 43 Como taxa de serviço público, ante a inespecificidade e a indivisibilidade do serviço de iluminação pública, não sobrevive a um teste de constitucionalidade. O legislador constituinte reformador, determinado a criar a nova taxa de iluminação pública, não tendo conseguido alterar o artigo 145, II da Constituição Federal, editou a EC nº 39/2002 para inserir o artigo 149-A, demonstrando, além de incompetência no exercício do seu mister, que sempre pretendeu contornar a proibição do artigo 145, II, que garante aos legislados o direito de não serem tributados por taxa de serviço público quando este não for concomitantemente específico e divisível. O direito de propriedade, como direito individual que é, só pode ser atingido dentro das exceções que o próprio Poder Constituinte Originário previu; a edição de emenda constitucional para criar tributo novo - como é o caso do artigo 149-A -, por implicar mais uma exceção à oponibilidade do direito de propriedade, padece de inconstitucionalidade, face o disposto no artigo 60, § 4º, IV”. ROQUE ANTONIO CARRAZZA em Curso de direito constitucional tributário, 9ª ed., 1997, São Paulo: Malheiros Editores, leciona: “O imposto é uma modalidade de tributo que tem por hipótese de incidência um fato qualquer, não consistente numa atuação estatal. Não é por outra razão que Geraldo Ataliba chama o imposto de tributo não-vinculado. Não vinculado a quê? Não vinculado a uma atuação estatal” (Op. cit. p. 307). “Taxas são tributos que têm por hipótese de incidência uma atuação estatal diretamente referida ao contribuinte. Esta atuação estatal – consoante reza o art. 145, II, da CF (que traça a regra-matriz das taxas) – pode consistir ou num serviço público, ou num ato de polícia” (Op. cit. p. 312). “A contribuição de melhoria é um tipo de tributo que tem por hipótese de incidência uma atuação estatal indiretamente referida ao contribuinte (Geraldo Ataliba). Des. Marcus Tulio Sartorato Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 2003.015993-2 44 Esta atuação estatal – porque assim o exige o art. 145, III, da Constituição da República – só pode consistir numa obra pública que causa valorização imobiliária, isto é, que aumenta o valor de mercado dos imóveis localizados em suas imediações” (Op. cit. p. 327). “(...) Os serviços públicos gerais, ditos também universais, são os prestados uti universi, isto é, indistintamente a todos os cidadãos. Eles alcançam a comunidade, como um todo considerada, beneficiando número indeterminado (ou, pelo menos, indeterminável) de pessoas. É o caso dos serviços de iluminação pública, de segurança pública, de diplomacia, de defesa externa do País etc. Todos eles não podem ser custeados, no Brasil, por meio de taxas, mas, sim, das receitas gerais do Estado, representadas, basicamente, pelos impostos. Já, os serviços públicos específicos, também chamados singulares, são os prestados uti singuli. Referem-se a uma pessoa ou a um número determinado (ou, pelo menos, determinável) de pessoas. São de utilização individual e mensurável. Gozam, portanto, de divisibilidade, é dizer, da possiblidade de avaliar-se a utilização efetiva ou potencial, individualmente considerada. É o caso dos serviços de telefone, de transporte coletivo, de fornecimento domiciliar de água potável, de gás, de energia elétrica etc. Estes, sim, podem ser custeados por meio de taxas de serviço” (Op. cit. p. 313). O Município em suas informações alegou que a Lei Municipal n. 778/2002 atende aos requisitos de legalidade e obedece aos princípios da igualdade jurídica e isonomia tributária; asseverou que a contribuição em epígrafe assume característica de imposto instituído para pagamento de serviços prestados a todos os cidadãos indistintamente. A norma impugnada todavia, prescreve que a COSIP destina-se ao pagamento do consumo e de instalação, manutenção, melhoramento e expansão da rede de energia elétrica na iluminação de vias, logradouros e demais bens públicos. Des. Marcus Tulio Sartorato Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 2003.015993-2 45 Ocorre que dispõe o art. 4o da Constituição do Estado que a unidade federativa deve assegurar os direitos e garantias individuais e coletivos, sociais e políticos da Constituição da República e aqueles decorrentes de princípios e do regime por eles adotados. O art. 167, inc. IV da Constituição da República veda a vinculação de receita de impostos à despesas. As ressalvas contidas no dispositivo constitucional federal não contempla a destinação de recursos para a finalidade ora apontada. A considerar-se a COSIP como contribuição estar-se-ia diante de outra inconstitucionalidade, pois as contribuições referidas no art. 149 caput da Constituição da República dizem respeito à intervenção no domínio econômico ou no interesse de categorias profissionais ou econômicas. Por exclusão poder-se-ia cogitar da COSIP como taxa desde que como tributo da classe dos vinculados. Porém, a taxa como se sabe é tributo cobrado de alguém que se utiliza de serviço público especial e divisível, de caráter administrativo ou jurisdicional ou o tem a sua disposição. Neste sentido a lição de ALIOMAR BALEEIRO em “Uma Introdução à Ciência das Finanças”, 15. ed., Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. 242. Dispõe o art. 77 do Código Tributário Nacional: “As taxas cobradas pela União, pelos Estados, pelo Distrito Federal ou pelos Municípios, no âmbito de suas respectivas atribuições, têm como fato gerador o exercício regular do poder de polícia, ou a utilização, efetiva ou potencial, de serviço público específico e divisível, prestado ao contribuinte ou posto à sua disposição”. Os requisitos da taxa são os da especificidade e da divisibilidade. Des. Marcus Tulio Sartorato Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 2003.015993-2 46 A COSIP tal como delineada na lei municipal deve ser tratada como tributo da classe dos vinculados, pois remuneratório de serviço público prestado pelo Município. Todavia, tampouco trata-se de taxa, pois o serviço público de que ora cogita-se é inespecífico e indivisível. O art. 16 do Código Tributário Nacional prescreve: “Imposto é o tributo cuja obrigação tem por fato gerador uma situação independente de qualquer atividade estatal específica, relativa ao contribuinte”. A natureza do tributo é extraída do seu perfil e não de sua denominação. O art. 149-A da Constituição da República introduzida pela Emenda Constitucional n. 39/2002 instituiu, na doutrina de IVES GANDRA DA SILVA MARTINS (em Revista Dialética de Direito Tributário n. 90/91), uma espécie tributária nova, que todavia não é imposto, taxa, contribuição de melhoria ou contribuição social de intervenção econômica. Na conclusão de OMAR AUGUSTO LEITE MELO em Revista Dialética de Direito Tributário n. 90/95, “contribuição municipal prevista pela Emenda n. 39/2002, lamentavelmente, esbarra em garantias fundamentais do contribuinte, tais como: a) trata-se de um imposto com vinculação a uma despesa específica – custeio do serviço de iluminação pública, o que é vedado pelo artigo 167, IV, da Constituição; b) afronta o princípio da igualdade, estampado no artigo 150, II, da CF, pois é impossível aferir quanto cada sujeito passivo se aproveita do serviço e, por conseguinte, com quanto cada um deveria contribuir; e c) ignora a garantia fundamental dos contribuintes municipais (encontrada nas normas implícitas de incompetência tributária), de não sofrerem a cobrança de outros tributos além daqueles previamente autorizados pelo Poder Constituinte Originário, ou seja, as taxas, as contribuições de melhoria, as contribuições Des. Marcus Tulio Sartorato Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 2003.015993-2 47 previdenciárias e assistenciais (cobradas servidores municipais), o IPTU, o ITBI e o ISS”. só dos Por outro lado, a norma impugnada fere os princípios da ilegalidade e da não confiscatoriedade, pois não atende aos preceitos de justiça distributiva em matéria fiscal. Cobra-se apenas dos consumidores de energia elétrica o custeio de serviço público universal. Trata-se diferenciadamente os consumidores de energia elétrica e os demais munícipes não ligados à rede elétrica ou não residentes. Ainda sobre o tema, são transcritas as conclusões de ANDRÉ PARMO FOLLONI: “6.1 O Sistema Constitucional Tributário brasileiro admite apenas três espécies do gênero tributo: impostos, taxas e contribuição de melhoria. 6.2 Por revestir todas características de um tributo, a exação a ser instituída com fundamento no art. 149-A da Constituição Federal pode ser definida como tributo. 6.3 O art. 149-A da Constituição Federal concede aos Municípios e ao Distrito Federal competência para a instituição de um tributo vinculado a uma atuação estatal específica; logo, tal atributo não será um imposto. 6.4 O art. 149-A da Constituição Federal concede aos Municípios e ao Distrito Federal competência para a instituição de um tributo que não correspondente a qualquer exercício de poder de polícia e tampouco relaciona-se à prestação de qualquer serviço público específico ou divisível; logo, tal tributo não será uma taxa. 6.5 O art. 149-A da Constituição Federal concede aos Municípios e ao Distrito Federal competência para a instituição de um tributo que não se relaciona a qualquer valorização imobiliária decorrente de obra pública; logo, tal tributo não será uma contribuição de melhoria. Des. Marcus Tulio Sartorato Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 2003.015993-2 48 6.6 Por não adquirir natureza jurídica nem de imposto e nem de taxa, a “contribuição” do art. 149-A não pode ser confundida com as demais contribuições constantes na Constituição Federal, que sempre assumem a forma de alguma daquelas espécies tributárias. 6.7 A natureza jurídica da “contribuição” do art. 149-A não é de imposto, taxa ou contribuição de melhoria. Será um tributo de natureza jurídica inédita. Trata-se de um tributo diretamente vinculado à prestação de um serviço público uti universi, com finalidade e destino da arrecadação previamente determinados pela Constituição Federal. 6.8 Liberdade e propriedade são direitos individuais do cidadão contribuinte perante o fisco, e, enquanto tal, não podem ser limitados por Emenda Constitucional. 6.9 Ao tender à abolição de direitos individuais, outorgando competência para a instituição de um tributo até então inexistente no Sistema Constitucional Tributário brasileiro, a Emenda Constitucional n. 39 incorreu em inconstitucionalidade” (Op. cit. p. 31). Diante do exposto conclui-se que a Lei Municipal que prevê a contribuição para o custeio do serviço de iluminação pública instituída pela Emenda Constitucional n. 39 de 19.12.2002 padece de inconstitucionalidade pelos seguintes motivos: i) constitui-se como tributo de natureza inédita, não se conformando a nenhum dos modelos previstos para as três espécies do gênero tributo: imposto, taxa e contribuição de melhoria; ii) é tributo diretamente vinculado à prestação de um serviço público uti universi com finalidade e destino da arrecadação previamente determinados pela Constituição da República (art. 149-A); iii) fere as garantias contempladas nos arts. 4o caput, 125 e 128, inc. II da Constituição do Estado de 1989 da igualdade perante a lei, da isonomia tributária, propriedade e liberdade; iv) trata de tributo com vinculação a uma despesa específica em confronto com as normas dos arts. 167, inc. IV da Constituição da República e 125, inc. I e § 2 o da Constituição do Estado de 1989. Des. Marcus Tulio Sartorato Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 2003.015993-2 49 Isto posto, votei vencido pela procedência do pedido. É a declaração de voto. Nelson Schaefer Martins RELATOR Des. Marcus Tulio Sartorato