PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 1ª REGIÃO HABEAS CORPUS 2008.01.00.068268-8 - TOCANTINS RELATÓRIO O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL CÂNDIDO RIBEIRO: Huilder Magno de Souza, Anselmo Meireles de Lima Ayello e Hudson Gutemberg de Souza impetram ordem de habeas corpus em favor de Mauro Assis Andrade Sá e Gustavo Henrique de Lacerda, com pedido de liminar, contra ato do Juiz Federal da 2ª Vara da Seção Judiciária de Tocantins que recebeu a denúncia na qual os pacientes são acusados de, em 4/7/2007, fraudarem o caráter competitivo de pregão realizado pela ER-07, órgão da Agência Nacional de Telecomunicações – Anatel, no valor estimado de R$ 440.943,30 (quatrocentos e quarenta mil, novecentos e quarenta e três reais e trinta centavos), com o objetivo de obterem vantagem para a empresa “Exclusiva Aluguel de Veículos Ltda.”. Alegam, em preliminar, nulidade processual, ao argumento de que a decisão que recebeu a denúncia ordenou a citação dos acusados para responderem à acusação, por escrito, no prazo de 10 (dez) dias, nos moldes do art. 396 do CPP, com prejuízo para a defesa, tendo em vista que o rito legal do procedimento especial, relativo a crimes de licitações, apenas subsidiariamente aplica as regras do Código de Processo Penal. Na hipótese, afirmam aplicar-se a Lei 8.666/93, cujo artigo 104 estabelece que, tão-somente depois do denunciado ser ouvido/interrogado, é que começaria a fluir o prazo decenal para apresentação da defesa escrita. No mérito, sustentam ausência de justa causa para a propositura da ação penal, sob alegação de que a acusação contida na denúncia é infundada, uma vez que a conduta descrita no art. 90 da Lei 8.666/93 exigiria dano/resultado para sua consumação, bem como a existência de dolo específico e a condição objetiva TRF-1ª REGIÃO/IMP.15-02-04 Criado por IF D:\841062296.doc PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 1ª REGIÃO fls.2/11 HC 2008.01.00.068268-8/TO de punibilidade, qual seja, que a vantagem decorra da adjudicação do objeto da licitação, o que não ocorreu na espécie. Ressaltam que, em razão de morosidade da Anatel, o contrato não foi assinado, a proposta com validade de 60 (sessenta) dias expirou e, instada a revalidá-la, a empresa “Exclusiva Aluguel de Veículos Ltda.” utilizou-se da faculdade de responder negativamente, o que significa que os pacientes não obtiveram vantagens. Defendem que, nos termos da Lei 8.666/93, não é vedado que duas empresas de um grupo econômico concorram na mesma licitação e que o paciente Mauro Assis Andrade Sá, com participação acionária de apenas 10% (dez por cento), não tem qualquer função de direção, administração ou executiva na empresa “Exclusiva Aluguel de Veículos Ltda.”, que tem toda a sua atividade comercial conduzida pelo paciente Gustavo Henrique de Lacerda. Arguem que os demais participantes do pregão poderiam ter formulado lances para competir com os das empresas representadas pelos pacientes, nos termos da Lei 10.520/02, menos rígida que a Lei 8.666/93, e, se não o fizeram, foi por livre escolha comercial. Nesse contexto defendem ser injusta a aplicação do art. 90 da lei mais antiga. Ressaltam que o cancelamento do Pregão 003/2007, vencido pela empresa “Exclusiva Aluguel de Veículos Ltda.”, e o novo procedimento licitatório (Pregão 012/2007) não resultaram em vantagem para a Anatel. Pleiteiam o trancamento da ação penal 2008.43.00.005039-1/TO, por falta de justa causa, ou, de forma subsidiária, seja declarada a nulidade da decisão que recebeu a denúncia e decretada sua renovação, por afronta ao art. 104 da Lei 8.666/93 (Fls. 2/14). Solicitadas informações a fls. 343, prestadas a fls. 347/348 (originais a fls. 363/364). TRF-1ª REGIÃO/IMP.15-02-04 D:\841062296.doc PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 1ª REGIÃO fls.3/11 HC 2008.01.00.068268-8/TO Liminar indeferida a fls. 351/356. O Ministério Público Federal, em parecer de lavra do Procurador Regional da República Dr. Juliano Baiocchi Villa-Verde de Carvalho, opina pela denegação da ordem (fls. 373/376). É o relatório. TRF-1ª REGIÃO/IMP.15-02-04 D:\841062296.doc PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 1ª REGIÃO 16.2.2009 3ª Turma HABEAS CORPUS 2008.01.00.068268-8 - TOCANTINS VOTO O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL CÂNDIDO RIBEIRO (Relator): Como visto no Relatório, o fundamento articulado no writ, para pleitear o trancamento da ação penal ou declaração de nulidade da decisão que recebeu a denúncia e decretação de sua renovação, repousa, em preliminar, na alegação de nulidade processual, em razão da citação dos acusados para responderem à acusação ter sido feita nos moldes do art. 396 do CPP, ao invés do rito legal do procedimento especial relativo a crimes de licitações previsto pelo art. 104 da Lei 8.666/93 e, no mérito, na ausência de justa causa para propositura da ação penal. Segundo as informações prestadas pela autoridade coatora, verbis: Em 01/09/2008, o Ministério Público Federal ofertou denúncia contra MAURO ASSIS ANDRADE SÁ e GUSTAVO HENRIQUE DE LACERDA imputando-lhes a prática do delito tipificado no art. 90 da Lei nº 8.666/93. Narra a exordial acusatória que: “Os denunciados agindo com unidade de designos, fraudaram o caráter competitivo do Pregão Amplo nº 003/2007, de 4/6/2007, realizado pela ER-07 – órgão da Agência Nacional de Telecomunicações/ANATEL – com o objetivo de obter, para a empresa Exclusiva Aluguel de Veículos Ltda, vantagem decorrente da adjudicação do objeto da licitação. A ANATEL, visando contratar empresa especializada na prestação de serviço de transporte rodoviário, com veículos e motoristas, para atender às necessidades da Unidade Operacional de Tocantins, abriu o mencionado certame licitatório, o qual teve nesta capital e contava com o valor estimado de R$ 440.943,50 (quatrocentos e quarenta mil, novecentos e quarenta e três reais e trinta centavos). Assim, visando celebrar o contrato noticiado, os denunciados, conluiados, apresentaram-se no pregão com duas empresas aparentemente concorrentes, mas que, na TRF-1ª REGIÃO/IMP.15-02-04 Criado por TR300323/JUIZ D:\841062296.doc PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 1ª REGIÃO fls.5/11 HC 2008.01.00.068268-8/TO verdade, não passavam de meros instrumentos nas mãos de um mesmo grupo empresarial. Desse modo, GUSTAVO ENRIQUE LACERDA participou do certame como representante da empresa Exclusiva Aluguel de Veículos Ltda. enquanto MAURO ASSIS atuou como procurador da empresa San Marino Locação e transporte Ltda. Ocorre que MAURO ASSIS era, à época do pregão, sócio da empresa Exclusiva juntamente com GUSTAVO. Além disso, verificou-se que GUSTAVO LACERDA, sócio majoritário da Exclusiva, é filho dos sócios da San Marino e que as empresas Exclusiva e San Marino funcionam em um mesmo prédio, apenas em lojas diferentes. Tais empresas foram justamente as que apresentaram propostas mais vantajosas e, por isso, foram habilitadas juntamente com a empresa Unique Rente a Car Locadora de Veículos Ltda., a oferecer lances. Ocorre que a Unique, tãologo iniciada a última fase do certame, abandonou-o. Sendo assim, os lances foram feitos, sucessivamente (fl. 257), pelas duas empresas representadas pelos denunciados, numa clara afronta ao caráter competitivo da licitação que se desenrolava. Desse modo, pode-se concluir que houve fraude ao caráter competitivo da licitação, já que, ante a proximidade das empresas, não há que se sustentar sigilo na apresentação das propostas, muito menos sinceridade nos lances das duas empresas quando instadas a tanto pelo pregoeiro.” Em decisão proferida em 16/09/2008, este juízo recebeu a denúncia e determinou a citação dos acusados para responderem à acusação, no prazo de 10 (dez) dias, nos termos do art. 396 do CPP, redação dada pela Lei nº 11.719/2008. Aguarda-se o retorno da precatória expedida à Seção Judiciária do Distrito Federal em 07/10/2008. (Fls. 363/364.) No tocante à preliminar de nulidade processual, o art. 396 do CPP, com redação dada pela Lei 11.719/08, estabelece: Art. 396. Nos procedimentos ordinário e sumário, oferecida a denúncia ou queixa, o juiz, se não a rejeitar liminarmente, recebêla-á e ordenará a citação do acusado para responder à acusação, por escrito, no prazo de 10 (dez) dias. TRF-1ª REGIÃO/IMP.15-02-04 D:\841062296.doc PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 1ª REGIÃO fls.6/11 HC 2008.01.00.068268-8/TO Por sua vez, o art. 104 da Lei 8.666/93 determina: Art. 104. Recebida a denúncia e citado o réu, terá este o prazo de 10 (dez) dias para apresentação de defesa escrita, contado da data do seu interrogatório, podendo juntar documentos, arrolar as testemunhas que tiver, em número não superior a 5 (cinco), e indicar as demais provas que pretenda produzir. No novo rito previsto pelo Código de Processo Penal, nos termos da Lei 11.719/08, a defesa escrita precede o interrogatório. No procedimento especial do art. 104 da Lei 8.666/93, ocorre o inverso (interrogatório antes da defesa). Na hipótese dos autos, de fato, a decisão que recebeu a denúncia determinou: Deve ser dada ciência aos acusados de que poderão arguir preliminares e alegar tudo o que interesse à sua defesa, oferecer documentos e justificações, especificar as provas pretendidas e arrolar testemunhas, qualificando-as e requerendo sua intimação quando necessário, nos termos do art. 396-A do CPP ( redação dada pela Lei 11.719/2008). (Fls. 367/368.) Todavia, conforme se verifica da sua leitura, tanto o art. 396 do CPP, quanto o art. 104 da Lei 8.666/93, estabelecem o prazo de 10 (dez) dias para a defesa escrita. Não fora isso, o oferecimento da peça preliminar tem caráter facultativo. Assim, sua falta configura nulidade relativa que depende de comprovado prejuízo, o que, na hipótese, não se verifica. Sem que se demonstre prejuízo para a acusação ou defesa, não há nulidade, conforme estabelece o art. 563 do CPP: Nenhum ato será declarado nulo, se da nulidade não resultar prejuízo para a acusação ou para a defesa. Desse modo, não se verifica a alegada nulidade da decisão que recebeu a denúncia; portanto, não se justifica seja decretada sua nulidade e determinada sua renovação por afronta ao art. 104 da Lei 8.666/93. TRF-1ª REGIÃO/IMP.15-02-04 D:\841062296.doc PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 1ª REGIÃO fls.7/11 HC 2008.01.00.068268-8/TO Tampouco observo os requisitos necessários ao trancamento da ação penal. Tanto as alegações dos impetrantes, quanto as informações da autoridade a quo, dão conta de fatos que demandam análise mais acurada, sobretudo considerando-se que, havendo indícios de autoria e materialidade, não há falar em trancamento da ação penal, nem em constrangimento ilegal. Os acontecimentos descritos na denúncia revelam a necessidade de apuração de suposto crime de fraude à licitação. Assim, correta a decisão que recebeu a denúncia, ao concluir, verbis: Analisando a peça de denúncia oferecida pelo Ministério Público Federal em face de GUSTAVO HENRIQUE DE LACERDA e MAURO ASSIS ANDRADE SÁ, bem como o incluso procedimento administrativo, verifico que não é caso de rejeição sumária da denúncia, vez que a mesma não é manifestamente inepta, bem como estão presentes os pressupostos processuais e a justa causa para o exercício da ação penal. (Fls. 367.) Aos denunciados foi imputada a conduta descrita no art. 90 da Lei 8.666/93, que tem o seguinte teor: Art. 90. Frustrar ou fraudar, mediante ajuste, combinação ou qualquer outro expediente, o caráter competitivo do procedimento licitatório, com o intuito de obter, para si ou para outrem, vantagem decorrente da adjudicação do objeto da licitação: Pena - detenção, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa. Da análise dos autos, verifico que a denúncia ofertada contra os pacientes (fls. 365/366) descreve conduta, ao menos em princípio, típica e fundada em documentos que, numa primeira análise, não permitem que se afaste, de plano, a materialidade e autoria do delito. Não fora isso, a denúncia contém todos os elementos necessários à sua admissão: narra o fato, aponta os responsáveis, qualificando-os e imputando- TRF-1ª REGIÃO/IMP.15-02-04 D:\841062296.doc PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 1ª REGIÃO fls.8/11 HC 2008.01.00.068268-8/TO lhes o delito praticado. Não verifico, pois, a alegada ausência de justa causa que justifique o deferimento da ordem. A ausência de justa causa somente se caracterizaria ante a manifesta falta de indícios de autoria e materialidade de crime, revelando um constrangimento ilegal inconteste. Não é a situação dos autos onde as alegações trazidas pelo Ministério Público e analisadas na decisão que recebeu a denúncia exigem aprofundada dilação probatória para o esclarecimento da verdade, e somente com o manejo da defesa será viável aquilatar se houve conduta típica, circunstância essa que desautoriza a utilização da via estreita do habeas corpus para o fim colimado. A jurisprudência desta Turma já se firmou no sentido da excepcionalidade do obstamento da ação penal pela via do habeas corpus: PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. 1. O trancamento da ação penal, por meio de habeas corpus, constitui medida excepcional, uma vez que não é possível examinar todos os elementos de convicção, dada, a toda evidência, a inexecutabilidade da dilação probatória. 2. O habeas corpus não se presta para debater e avaliar provas. Os atos nele abordados devem ser indiscutíveis. A falta de justa causa deve ser incontroversa, translúcida. (HC 2008.01.00.059551-7/DF, Rel. Desembargador Federal Tourinho Neto, Terceira Turma, e-DJF1 de 2/2/2009, p. 142.) HABEAS CORPUS. TRANCAMENTO DE AÇÃO PENAL. EXCEPCIONALIDADE DA HIPÓTESE. RESPONSABILIZAÇÃO DE QUEM NÃO CELEBROU CONTRATO. IMPOSSIBILIDADE. I - Somente em hipóteses excepcionalíssimas se admite o trancamento de ação penal por meio de habeas corpus. II - Impossibilidade de responsabilização criminal de presidente de clube que firmou contrato de adesão com a Caixa, no qual previa que o resultado obtido na soma de bilhetes encalhados e os prêmios não reclamados ou obtidos dentre os encalhados era atribuído ao clube, tendo em vista a total ausência de dolo na sua conduta. III - Ordem de habeas corpus que se concede. (HC 2008.01.00.054676-8/DF, do qual fui Relator, Terceira Turma, e-DJF1 de 19/12/2008, p. 401.) TRF-1ª REGIÃO/IMP.15-02-04 D:\841062296.doc PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 1ª REGIÃO fls.9/11 HC 2008.01.00.068268-8/TO No mesmo sentido deste voto é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça: PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. CONTRATAÇÃO SEM LICITAÇÃO. EMPRESA PROMOTORA DE EVENTOS. ART. 89, CAPUT, DA LEI Nº 8.666/93.DOLO ESPECÍFICO. PREJUÍZO AO ERÁRIO. INEXIGÊNCIA. AÇÃO PENAL. TRANCAMENTO. IMPOSSIBILIDADE. 1. É entendimento pacífico desta Corte que o trancamento da ação penal, pela via do habeas corpus, é medida de exceção, só admissível se emerge dos autos, de forma inequívoca, a ausência de indícios de autoria e prova da materialidade, a atipicidade da conduta ou a extinção da punibilidade. 2. Havendo indícios de que cabia ao agente público realizar licitação para a contratação de empresa promotora de eventos, afigura-se prematuro o trancamento da ação penal, ante a impossibilidade de revolvimento do conjunto fático-probatório dos autos na estreita via do habeas corpus. 3. O tipo previsto no art. 89 da Lei nº 8.666/93 é delito de mera conduta, não exige dolo específico, mas apenas o genérico, representado, portanto, pela vontade de contratar sem licitação, quando a lei expressamente prevê a realização do certame. Independe, assim, de qualquer resultado naturalístico, como por exemplo, prejuízo ao erário. 4. Ordem denegada. (HC 113.067/PE, Rel. Ministro Og Fernandes, Sexta Turma, julgado em 21/10/2008, DJe 10/11/2008.) Também o parecer do ilustre membro do Ministério Público Federal, verbis: Certo é que no rito penal geral, a defesa escrita passou a preceder ao interrogatório – art. 396 do Código de Processo Penal, na redação conferida pela Lei 11.719/2008, e que no processo especial dos crimes licitatórios, o interrogatório é que é o primeiro ato pós-recebimento da denúncia – art. 104 da Lei 8.666/93, após sua realização, é que a defesa escrita é apresentada. Pois bem, ainda que a decisão que recebeu a denúncia tenha usado o art. 396 do Codex processual penal – ver fls. 367/368, em vez do art. 104 da Lei de Licitações, há que se ponderar que, primeiro, ambas as normas trazem prazo de dez dias para a defesa escrita. Ainda, o interrogatório ser realizado antes, ou depois, da defesa prévia, em nada prejudica os TRF-1ª REGIÃO/IMP.15-02-04 D:\841062296.doc PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 1ª REGIÃO fls.10/11 HC 2008.01.00.068268-8/TO pacientes. O que importa é que a audiência de interrogatório ocorra e seja, durante o ato, respeitado os direitos constitucionais dos denunciados. Ainda, a adoção do Código de Processo Penal, em detrimento do rito previsto da Lei de Licitações, regra geral, não traz prejuízo à defesa, pois a ação penal percorre via mais ampla. No sentido aqui defendido: “(...) o rito adotado além de proporcionar ao acusado possibilidade de defesa anterior ao recebimento da denúncia, admite o arrolamento de oito testemunhas (art. 518 c/c art. 398, todos do CPP), enquanto que para o julgamento de crimes da Lei nº 8.666/93, permitem-se no máximo cinco testemunhas de defesa (art. 104, da Lei nº 8.666/93). – Ausência de prejuízo à defesa. Aplicação do princípio pas de nullité sans grief ao caso concreto (art. 563, do CPP). (...)” – TRF2 – HC, 5ª T., rel. Des. Fed. Vera Lúcia, DJU 24/04/2002, fl. 381. Atente-se para o fato de que, antes da Lei 11.719/2008, o interrogatório era, nos dois ritos em questão, o primeiro ato após o recebimento da inicial. A mudança legislativa foi justificada em razão de que, se a defesa prévia antecede ao interrogatório, quando deste, o magistrado já terá tido contato com argumentação pro reo. Por conseguinte, os pacientes apresentarem defesa escrita, antes de serem interrogados, em verdade beneficia. E não se pode olvidar que, em processo penal, a declaração de nulidade pressupõe efetivo prejuízo. Assim, cabe à impetração demonstrar o real prejuízo experimentado. Em suma, no cotejo das duas sistemáticas processuais, em face do caso concreto, não se observa nulidade. Passando-se aos outros argumentos de impetração, o fato de Mauro Assis Andrade Sá, deter participação acionária em empresa de Gustavo Henrique Lacerda – a Exclusiva Aluguel de Veículos Ltda., e ter atuado como procurador da San Marino Locação de Veículos e Transporte Ltda., no pregão em que as duas empresas concorreram, chama a atenção à medida que, conforme narrado na denúncia, as duas empresas funcionam no mesmo prédio e que Gustavo Henrique de Lacerda é filho dos sócios da San Marino Locação de Veículos e Transporte Ltda. Essa proximidade entre as empresas, prejudica sobremaneira o sigilo na apresentação das propostas, bem como a sinceridade dos lances, conforme concluiu, com base nos elementos colhidos até então, a denúncia – ver fl. 366v. Com acerto, as relações detectadas entre os licitantes amoldam-se ao texto do art. 90 da Lei 8.666/93, que fala em fraude do caráter competitivo do procedimento licitatório, mediante ajuste, combinação ou qualquer outro expediente. TRF-1ª REGIÃO/IMP.15-02-04 D:\841062296.doc PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 1ª REGIÃO fls.11/11 HC 2008.01.00.068268-8/TO Ainda que a Lei 8.666/93 não vede expressamente a participação, na mesma licitação, de empresas de um mesmo grupo econômico, há que se ver que o espírito da Lei em tela é coibir a vulneração do caráter competitivo das licitações, elemento importante no que concerne às relações entre a Administração Pública e as empresas. Ademais, não se pode dizer que as empresas Exclusiva Aluguel de Veículos Ltda. e a San Marino Locação de Veículos e Transporte Ltda. componham grupo econômico. Noutro ponto, o tipo penal do art. 90 da Lei 8.666/93 não exige efetivo prejuízo patrimonial, basta a intenção de obter a vantagem indevida: “frustrar ou fraudar; mediante ajuste, combinação ou qualquer outro expediente, o caráter competitivo do procedimento licitatório, com o intuito de obter para si ou para outrem, vantagem decorrente da adjudicação do objeto da licitação” – destacou-se. E pelo mesmo raciocínio, é irrelevante que novo pregão tenha sido realizado. Nesses termos, o recebimento da denúncia possui base suficiente para tanto, sendo que a impetração não traz prova plena de ausência de justa causa. E alegações como ausência de dolo somente podem ser analisadas após o fim da instrução processual, não se prestando a via do habeas corpus para tanto. (Fls. 374/376.) Logo, in casu, não há ausência de justa causa ou qualquer outro motivo que autorize o deferimento da medida postulada. Com essas considerações, denego a ordem de habeas corpus. É como voto. TRF-1ª REGIÃO/IMP.15-02-04 D:\841062296.doc