CEAP / CURSO DE DIREITO Disciplina: DIREITO

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CEAP / CURSO DE DIREITO
Disciplina: DIREITO PREVIDENCIÁRIO
Professor: UBIRATAN RODRIGUES DA SILVA
Plano de Ensino: Unidade III. DA LEGISLAÇÃO PREVIDENCIÁRIA
CONTEÚDO PROGRAMÁTICO DA AULA Nº 4
LEGISLAÇÃO PREVIDENCIÁRIA
Conceito
O propósito deste breve capítulo é auxiliar estudantes e profissionais que não possuam
formação jurídica, os quais se veem, com frequência, envoltos em dificuldades terminológicas na
compreensão da matéria previdenciária, especialmente da onipresente referência à legislação
previdenciária. Basicamente, entende-se como legislação previdenciária o conjunto de leis e atos
administrativos referentes ao funcionamento do sistema securitário.
Apesar da adjetivação previdenciária, este complexo de normas jurídicas costuma ter
relações com toda a seguridade social, ou seja, previdência social, assistência social e saúde. Por
exemplo, a Lei nQ 8.212/91 trata da organização e custeio de toda a seguridade social, não apenas
da previdência social, embora, naturalmente, não esgote o assunto. No entanto, é comum referirse à legislação previdenciária em sentido estrito, ou seja, limitada aos atos relativos ao subsistema
previdenciário.
A lei, desde que compatível com a Constituição, é a fonte primária de obrigações e
direitos previdenciários, pois cabe ao Poder Legislativo criar e disciplinar o sistema de
seguridade social criado pela Constituição de 1988. Em um regime republicano, as competências
existentes devem ser respeitadas, não devendo o Executivo e o Judiciário invadir a esfera de
atribuições do Poder Legislativo.
No entanto, é natural que a legislação seja composta também de normas complementares.
Evidentemente, o legislador, ao elaborar a lei, traça as diretrizes genéricas a serem seguidas pelo
administrador, o qual, de modo a viabilizar a aplicação prática dos preceitos legais, deve reduzir a
sua natural abstração, facilitando o entendimento dos administrados, no caso, dos beneficiários da
previdência e seus contribuintes.
Não se tem qualquer violação ao princípio da legalidade, plenamente aplicável ao Direito
Previdenciário, desde que tais normas complementares não extrapolem o conteúdo da lei, ou pior,
sejam contrárias à lei. Todos os atos normativos, sem exceção, devem estar de acordo com o
texto legal, sob pena de nulidade.
Na verdade, as normas complementares, como decretos e instruções normativas, têm um
papel de grande relevância em matéria previdenciária. Como o ramo protetivo do Estado é por
demais complexo, com diversas leis e regras das mais variadas, cabe ao administrador do sistema
buscar preceitos que permitam o atendimento da clientela protegida, muitas vezes a partir de
regras legais de extrema generalidade.
Não há como exigir do Estado uma previsão perfeita e acabada de todas as normas
previdenciárias, tarefa hercúlea, de improvável realização pelo legislador ordinário, o qual
normalmente desconhece diversos preceitos particulares da proteção social. Não é sem razão a
pretensão de especialistas da matéria previdenciária na adoção de lei delegada em matéria
previdenciária, o que possibilitaria uma adequada normatização da matéria, sem ameaças ao
princípio da legalidade.
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Todavia, cabe ao aplicador do Direito Previdenciário a consciência de que os atos
normativos da seguridade social comportam maior autonomia, o que não significa independência
frente à lei, mas somente uma maior margem de manobra, sob pena de impossibilitar-se o
funcionamento do dia a dia previdenciário. Somente a título de exemplo, quem acharia razoável
que o legislador dispusesse sobre a quantificação da contribuição sobre o 13º salário da
trabalhadora avulsa em licença-maternidade com período anterior de afastamento do trabalho?
Ou ainda, sobre todas as atividades econômicas atualmente desenvolvidas e seus respectivos
graus de risco?
É forçoso concluir que as normas previdenciárias, frequentemente, são providas de
conceitos indeterminados e cláusulas abertas, carecedores de grande provimento administrativo
para permitir sua aplicação aos casos concretos. Somente aos desconhecedores da realidade
protetiva caberia sustentar a legalidade estrita ao Direito Previdenciário. Daí vem a relevância da
legislação previdenciária, como sistema composto por leis, decretos, portarias, pareceres,
instruções normativas etc.
Fontes do direito previdenciário
Qualquer fonte de Direito, na acepção formal, inclusive na área securitária, decorre de
uma estrutura de poder, a qual traz a necessária garantia de cumprimento de determinada norma
imposta à sociedade. Ainda que seja esperado o cumprimento espontâneo da lei por parcela da
população, a certeza da sanção pelo descumprimento deve existir.
A norma legal é dotada de coercibilidade, pois imposta a todos, mesmo contra nossa
vontade. É necessário que exista a estrutura de poder preparada para coagir qualquer pessoa ao
seu cumprimento. É o poder de império do Estado que possibilita tal imposição.
Devido a este requisito, pode-se afirmar que temos como fonte de Direito, e, por
consequência, da legislação previdenciária, as leis e demais atos normativos, além da
jurisprudência. Segundo alguns, a doutrina também seria fonte de Direito, devido à sua intensa
participação no desenvolvimento de leis e constante influência nas decisões dos magistrados.
Entretanto, devido à ausência de coercibilidade de suas posições, muitas vezes antagônicas, a
doutrina é aqui excluída como fonte do Direito, adotando-se posição mais tradicional.
A palavra lei, em sentido amplíssimo, pode agrupar a Constituição Federal, leis
ordinárias, complementares e delegadas, medidas provisórias e, quando usada (exageradamente)
como sinônimo de legislação, até os atos administrativos em geral. Já em sentido estrito, a lei
define os atos elaborados pelo Congresso Nacional, com o poder de criar obrigações, em especial
a lei ordinária e a lei complementar. Incluem-se também neste rol as leis delegadas e as medidas
provisórias, estas por terem força de lei (art. 62 da CRFB/88), e aquelas por serem elaboradas
pelo Executivo, mas a partir de delegação do Legislativo (art. 68 da CRFB/88).
Os atos administrativos, os quais retratam as normas complementares à lei, devem sempre
ater-se ao disposto na lei, reduzindo sua abstração, permitindo sua aplicação aos casos concretos,
mas sem trazer inovações não-previstas no texto legal. Como visto a vinculação à lei não impede
o desenvolvimento de temas superficialmente tratados na lei, desde compatíveis com a estrutura
normativa vigente.
A jurisprudência, como geradora de norma jurídica individual em razão das decisões
judiciais, é fonte de Direito, pois suas sentenças são vinculantes para as partes. Ainda mais as
decisões reiteradas de tribunais que alteram, com frequência, o conteúdo dos atos administrativos,
os quais são adaptados às interpretações oriundas do Judiciário. Este ponto ainda é mais evidente
com a atual possibilidade do Supremo Tribunal Federal em editar súmulas vinculantes.
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Também se pode reconhecer que os demais ramos do Direito funcionam como fontes do
Direito Previdenciário. Por exemplo, o Direito Constitucional é uma importante fonte quando se
trata de contribuições sociais. O Direito Administrativo também é de fundamental importância,
regendo os atos internos da Administração previdenciária e o contencioso administrativo
previdenciário, assim como o Direito Tributário é evidente fonte de aplicação às relações de
custeio, referente às contribuições sociais.
Hoje, temos como fontes formais principais do Direito Previdenciário a Constituição de
1988, as Leis nºs 8.212 e 8.213, de 24 de julho de 1991, e o Regulamento da Previdência Social,
aprovado pelo Decreto nº 3.048, de 6 de maio de 1999, com as respectivas alterações.
Autonomia do direito previdenciário
Como visto no histórico da proteção social, esta esteve muito ligada aos trabalhadores, os
quais passaram a gozar de alguns benefícios, em virtude de certos eventos, como acidentes de
trabalho. Daí a usual afirmação de que o Direito Previdenciário surgiu a partir do Direito do
Trabalho, o qual trazia normas referentes à relação entre patrões e trabalhadores, incluindo aí
preceitos de ordem previdenciária.
Essa evolução é especialmente evidente com a Revolução Industrial, na qual o trabalhador
deixa o campo e passa a viver, unicamente, de acordo com seu escasso salário, pago somente
após extenuantes jornadas de trabalho, que frequentemente conduzia os obreiros à morte ou
incapacidade.
Com o avanço da proteção social, abrangendo outros segmentos, como a saúde e a
assistência social, tornou-se necessário destacar do Direito os preceitos e princípios ligados à
seguridade social, que, atualmente, constam de ramo próprio: o Direito Previdenciário.
Para alguns, o surgimento do Direito Previdenciário veio a partir de segmentação do
Direito Administrativo, devido à organização estatal da proteção social, enquanto outros o
consideram como evolução do Direito do Trabalho. Também há os que consideram o Direito
Previdenciário como autônomo desde seu surgimento, já que desde épocas remotas os conceitos e
princípios previdenciários são conhecidos, sendo alguns até anteriores ao próprio Direito do
Trabalho. Não é sem razão a afirmativa de Moacyr Velloso Cardoso de Oliveira ao apontar
organizações mutualistas desde a construção do templo do Rei Salomão.
Wladimir Novaes Martinez, em posição minoritária, mas com fundamento, parece correto
ao afirmar que foi o Direito do Trabalho oriundo do Direito Previdenciário, e não o contrário. De
modo mais visível no Brasil, fica patente a primazia das normas previdenciárias em nosso
ordenamento jurídico, como visto no histórico previdenciário, já que as normas trabalhistas, em
especial a CLT, só seriam criadas algum tempo depois.
Não obstante a denominação do ramo legal previdenciário, este segmento trata não
somente da previdência social, mas também da saúde e assistência social, ou seja, de toda a
seguridade social. Por isso alguns autores preferem a terminologia Direito da Seguridade Social,
ou Direito da Segurança Social. Podemos entender todos como sinônimos.
A razão da terminologia atual é simples: o Direito Previdenciário começou sua formação
antes da seguridade social, visto que, à época do desenvolvimento do ramo previdenciário do
Direito, a proteção social era praticamente restrita à própria previdência social.
A autonomia, de fins meramente didáticos, é do Direito Previdenciário, e não da
legislação previdenciária. A legislação é o arcabouço normativo do Direito Previdenciário, que
também é constituído dos escritos de seus especialistas, além das decisões judiciais uniformes.
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O Direito Previdenciário também não deve ser confundido com a previdência ou a
seguridade social. Estas são técnicas protetivas, visando ao bem-estar da clientela protegida,
proporcionando ações concretas em prol dessas pessoas. O Direito Previdenciário apenas fornece
o instrumental jurídico para a sua realização.
O enquadramento deste ramo do Direito não é pacífico, mas os doutrinadores mais atuais
colocam-no como ramo do direito social, enquanto outros no direito público (corrente
tradicionalista). Evidentemente, nunca será direito privado, já que, na relação jurídico-securitária,
há a participação do Estado, dotado de seu poder de império, determinando a filiação
compulsória ao sistema e exigindo o pagamento de contribuições.
Em verdade, o direito social (como sistema externo) nada mais é do que um novo modo
de pensar e aplicar o direito, principalmente em razão da Constituição de 1988, a qual criou um
Estado Social. Todo o ordenamento jurídico preexistente deve passar pela adequada filtragem
constitucional, levando-se em consideração na aplicação ao caso concreto as novas premissas
constitucionais. Da mesma forma, as normas legais posteriores à Constituição devem atentar para
esta relevante carga axiológica.
Por isso o escopo do direito social aumenta à medida que o progresso científico do direito
progride no sentido da formulação de novos conceitos e normas de interesse coletivo,
privilegiando o todo em detrimento do particular, mas ao mesmo tempo assegurando-se o núcleo
mínimo de prerrogativas individuais, sob pena de atingir-se a tirania da coletividade.
Por exemplo, o atual Código Civil tem amplo regramento em defesa dos direitos sociais,
adotando a compreensão de pessoa, em permanente interação com a coletividade, em detrimento
do indivíduo, isoladamente considerado, como era prevalente no Código revogado. Nem por isso
o Direito Civil ingressou em suposto segmento do Direito Social. Da mesma forma, os direitos
humanos também deveriam ser qualificados como sociais, em razão de seu aspecto
transindividual, extrapolando os interesses particulares, colimando sempre o bem coletivo, mas
sem descurar daquele.
Por isso a dicotomia clássica entre direito público e privado continua válida, mas, em
razão das novas premissas normativas, tendo o direito alcançado o status de ciência normativa
orientada a valores, é cada vez mais difícil evidenciar a distinção entre os ramos tradicionais do
direito, à medida que ambos vão sendo repensados dentro do novo arcabouço constitucional.
O direito social traz consigo não um novo desenho jurídico, mas sim um novo pensar,
envolvendo o regramento das atividades sociais do Estado e as relações entre os particulares, em
especial na interpretação das normas legais que lhe são próprias, pois o intuito do pós-positivismo
jurídico é o bem-estar da coletividade, o qual muitas vezes impõe ações coercitivas, que se
afastam do ideário do direito privado, mas ao mesmo tempo providenciam um amplo espectro de
opções voluntárias, o que se distancia do direito público clássico. Por isso, entendo que o Direito
Previdenciário insere-se didaticamente no direito público, não sendo adequada a fixação de um
ramo social do direito.
A autonomia do Direito Previdenciário é consequência do conjunto de princípios jurídicos
próprios deste ramo, além do complexo de normas aplicáveis a este segmento. Pode-se, ainda,
encontrar conceitos jurídicos exclusivos do Direito Previdenciário, como, por exemplo, o saláriode-benefício ou o salário-de-contribuição, os quais são estranhos a outros ramos do Direito.
Enfim, é praticamente pacífica na doutrina e jurisprudência a autonomia didática do
Direito Previdenciário frente ao Direito do Trabalho, ao Administrativo e a outros ramos do
Direito.
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APLICAÇÃO DAS NORMAS PREVIDENCIÁRIAS
Vigência, hierarquia, interpretação e integração
A interpretação da lei, texto genérico e abstrato, visa a determinar o sentido e a
abrangência das normas jurídicas, de modo que seu aplicador alcance a correta mens legis. É
sabido que a lei, em regra, apresenta um leque de possibilidades interpretativas, todas
compatíveis com as palavras empregadas no texto.
A princípio, poderíamos entender a hermenêutica, ciência responsável pelo fornecimento
do cabedal teórico para a correta compreensão da lei, como algo acessório, pois, se a lei é clara,
desnecessária torna-se a interpretação: basta ler o que está escrito. Este raciocínio é resumido no
brocardo in claris cessat interpretatio.
Entretanto, a simplicidade é aparente. Dentro de nossa experiência pessoal, cada um
possui certamente alguma recordação de dificuldade comunicativa, mesmo com o emprego das
mais perfeitas formas verbais e palavras adequadas. É situação corriqueira não sermos entendidos
por nosso interlocutor, seja pela fala ou pela escrita, mesmo em diálogos extremamente simples.
A clareza e a precisão de um texto são aspectos por demais relativos.
O que é evidente e claro para uma pessoa, possivelmente não o será para outra, a qual
possui distinta maneira de observar os fatos, oriunda de uma diferente experiência de vida.
Daí a conclusão que nos interessa: a interpretação é sempre necessária.
As palavras não são meio perfeito de transmissão de pensamento e, com frequência, quer
se dizer algo, mas se escreve outra coisa. Por isso, a leitura da lei é apenas o primeiro passo para
a sua compreensão, posto que a reflexão do intérprete é fundamental.
Deve-se lembrar, ainda, que a lei, devido à sua natural abstração, acaba por atingir e
regular casos que sequer foram pensados pelo legislador. Por isso, afirma-se que a intenção do
legislador, ou mens legislatoris, sem embargo de sua importância para a interpretação da lei, não
se confunde com a mens legis, já que a lei, após sua publicação, desvincula-se de seu criador, o
Poder Legislativo.
Aplicar a lei significa reconhecer a subsunção de determinado caso concreto à situação
genérica prevista em lei, ou seja, enquadrar determinado evento acontecido numa previsão legal
que o preceda.
De outro modo: o aplicador da lei, a partir do texto normativo, estabelece uma premissa
maior, que, se compatível com o fato concreto (premissa menor), traz a automática incidência da
norma sobre o evento identificável no mundo fenomênico.
Por óbvio, a aplicação do direito não pode reduzir-se a simples subsunção de normas, pois
o sistema lógico-axiomático é inadequado à abertura e mobilidade do sistema jurídico. Por isso,
muitas vezes, o intérprete irá se deparar com situações em que serão necessárias as ponderações
entre diversos valores em conflito, de modo a atender a justiça. A subsunção, embora seja a regra
no direito, não atende por completo todas as questões.
A ponderação é principalmente encontrada (mas não exclusivamente) no confronto entre
princípios, como, por exemplo, uma extensão de benefício que venha a atender a universalidade
de cobertura e atendimento, mas contrário a preexistência do custeio em relação ao benefício.
Ao interpretar um texto legal, o intérprete deve buscar, dentro das opções existentes no
mesmo, aquela que seja a mais compatível com o caso concreto, não se limitando às situações
previstas pelo legislador, quando da elaboração do texto. Daí sua importância.
É fundamental também a percepção da distinção entre a lei (preceito legal ou figura literal
legislativa) e a norma jurídica. A lei apenas reproduz, por meio de palavras, a norma jurídica,
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figura abstrata, a qual deve ser alcançada pelo aplicador da lei. Daí a grande importância da
hermenêutica jurídica. Somente saberá aplicar a lei de modo adequado quem souber interpretá-la
sabiamente.
Na busca da interpretação mais adequada, o intérprete utiliza-se de variados processos,
inicialmente definidos por Savigny (histórico, gramatical, sistemático e teleológico). De modo
mais completo, podemos identificar os seguintes:
● Gramatical - interpretação na qual há grande apego à forma, ou seja, busca-se o sentido da lei,
mediante a análise do significado das palavras utilizadas pelo legislador. É método bastante
restrito, e nunca deve ser utilizado isoladamente para uma correta interpretação.
● Finalístico ou Teleológico - é o método no qual o intérprete busca o fim almejado pelo
legislador. É o objetivo a ser atingido com o dispositivo legal. O Direito não é um fim em si
mesmo, e existe de modo a proporcionar o bem comum. O próprio Estado é criado com este
objetivo.
● Sistemático - uma lei não pode ser um corpo estranho dentro do ordenamento jurídico, mas sim
parte de um todo homogêneo, desprovido de contradições internas. Devido a isto, deve-se
buscar uma interpretação compatível com o o~denamento, verificando-se a compatibilidade da
lei a ser interpretada com outros diplomas legais e, principalmente, com os princípios de direito
envolvidos. É o método mais importante, permitindo a resolução de conflitos aparentes de
normas jurídicas e possibilitando a aplicação do princípio da completude do ordenamento
jurídico.
● Histórico - é a interpretação que busca a análise do momento histórico da aprovação da lei. As
discussões elaboradas à época, as alterações e inserções feitas em seu texto etc.
● Autêntica - diz-se que a interpretação autêntica é a realizada pelo próprio Legislativo, quando
elabora nova lei para dirimir dúvidas sobre lei já existente. É feita pelas chamadas leis
interpretativas. Esta interpretação é bastante questionada, pois não cabe ao Legislativo
interpretar leis. Ainda mais porque o Poder Judiciário, na aplicação da lei, pode dar
entendimento diferente do desejado pelo Legislativo, ficando a lei interpretativa sem utilidade.
● Restritiva I Extensiva - busca -se a interpretação extensiva (ampla), quando o legislador disse
menos do que queria, ou seja, o texto é mais restrito do que deveria. Já a interpretação restritiva
(restrita) é feita quando o legislador diz mais do que queria, atingindo situações não previstas e,
por isso, indesejadas. Em ambas as situações, o intérprete busca a correta mens legis sem
inovar no mundo jurídico (função do Legislativo, somente). Uma interpretação extensiva que
fuja às possibilidades interpretativas da letra da lei já é, em verdade, integração do Direito, e
não interpretação.
Em verdade, a aplicação restritiva ou extensiva da norma jurídica constitui o resultado
obtido pela utilização dos demais mecanismos interpretativos, os quais se configuram,
efetivamente, como métodos interpretativos à disposição do aplicador da lei. Com tais métodos
disponíveis, existe a possibilidade de atingirem-se interpretações restritas, amplas ou, até mesmo,
declaratórias, quando, no último caso, não existirem excessos ou omissões do legislador.
A integração difere da interpretação na medida em que a integração não visa a mens legis
de determinada norma, mas sim o preenchimento de lacunas do ordenamento jurídico, pois o juiz
não pode deixar de resolver a lide proposta, alegando a inexistência de lei a respeito (art. 4º do
Decreto-lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942, Lei de Introdução ao Código Civil – LICC).
Cabe ao aplicador do Direito utilizar-se de recursos integrativos, buscando a solução adequada
para a lide. As ferramentas para a integração são a analogia, a equidade, os costumes e os
princípios gerais do Direito.
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É interessante perceber que a integração somente é utilizada para preenchimento de
lacunas do ordenamento, de modo a torná-lo completo. Logo, em existindo norma expressa sobre
certo assunto, o juiz não pode ignorá-la, desejando aplicar outro dispositivo por integração.
A integração é situação excepcional, onde o magistrado atua atipicamente, como
legislador para o caso concreto. O preenchimento do vazio legislativo somente gera efeitos entre
as partes envolvidas no processo.
Na analogia, busca -se a opção que seria feita pelo legislador, baseandose em previsões
análogas, existentes no ordenamento jurídico. Deve-se procurar relação jurídica similar, para a
qual exista regramento jurídico. Ressalte-se, novamente, que a analogia, como os demais
processos integrativos, somente poderá ser utilizada na ausência de norma legal expressa
aplicável ao caso.
A analogia, assim como os demais métodos interpretativos, também sofre outras
limitações, como, por exemplo, a criação de obrigações. A atual Constituição brasileira determina
que "ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei" (art.
5º, II, da CRFB /88) e, por isso, a analogia não pode criar obrigações, como, por exemplo, exigir
contribuição social de pessoa não definida em lei como sujeito passivo desta obrigação.
Em paralelo, mas em sentido diametralmente oposto, tem-se a interpretação a contrario
sensu, que visa ‫ א‬inaplicabilidade de determinada norma a pessoas ou fatos omitidos da previsão
legal. Por exemplo, quando a lei menciona que somente o filho inválido mantém a condição de
dependente ap6s 21 anos, quer dizer que qualquer outro filho não inválido, ao completar 21 anos,
perderá a condição de dependente do segurado.
Com um mínimo de atenção percebe-se que a interpretação a contrario sensu e a analogia
têm resultados exatamente opostos! Enquanto a primeira impede a aplicação de certa norma a
demais situações, a segunda estende a eficácia da norma a outros fatos ou atos, não
expressamente previstos.
Daí a importância da hermenêutica jurídica: será dentro do caso concreto que o aplicador
do texto legal vislumbrará qual a ferramenta adequada, atendendo aos fins sociais da lei e às
restrições constitucionais, visando ao permanente objetivo do Direito: a Justiça.
Os costumes são práticas reiteradas, de longa data, pela sociedade e aceitas como
corretas. Têm força normativa, desde que não sejam contrários à lei. O costume é válido até para
o Poder Público, já que as práticas administrativas observadas continuadamente, desde que não
contrárias à legislação, têm força normativa.
Os princípios gerais do Direito são aqueles que fornecem as principais diretrizes do
ordenamento jurídico, responsáveis pela fundação de toda a construção jurídica. São regras
dotadas de grande abstração, com forte componente axiológico, direcionando o trabalho do
legislador e do aplicador da lei. Em verdade, a expressão tem forte cunho jusnaturalista,
expressando máximas de comportamento ditadas pela moral.
Atualmente, a referência a princípios, no direito, costuma referir-se àqueles que são
efetivamente previstos na Constituição ou em lei, expressa ou implicitamente. Este movimento de
valorização dos princípios, seguindo movimento mundial de reaproximação do direito à moral,
denominada virada kantiana, tem buscado uma maior eficácia dos princípios jurídicos, os quais
estavam, na melhor das hipóteses, restritos à eficácia interpretativa e negativa, invalidando regras
contrárias às suas diretrizes, ou, ainda, como mero instrumento de integração legislativa.
Ou seja, apesar da concepção oitocentista do pensamento jurídico limitar os princípios a
mero instrumento de integração da legislação, com a admissão da força normativa da
Constituição, que é norma e produz efeitos, aliada à percepção de seu texto como laureado dos
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mais diversos princípios, só resta concluir pela aplicabilidade destes, tanto na interpretação das
leis como na aplicação direta, sob pena de condenarmos a Constituição a uma mera carta de
intenções.
Dentro do atual período pós-positivista, os princípios jurídicos constitucionais são,
também, dotados de eficácia positiva, permitindo, por exemplo, a demanda judicial de seu núcleo
fundamental. A partir das obras de Dworkin e Alexy, é plenamente reconhecida hoje a divisão de
normas jurídicas entre regras e princípios, admitindo-se validade jurídica a ambos
Já a vigência da lei diz respeito à sua existência jurídica em determinado momento. É
requisito necessário para a eficácia da lei, sua produção de efeitos. Em geral, a vigência da lei
previdenciária não difere das demais leis, que, salvo disposição em contrário, começam a vigorar
em todo o país 45 (quarenta e cinco) dias depois de oficialmente publicadas (art. 1º da LICC).
De acordo com a LC nº 95/98, a vigência da lei deve ser indicada expressamente,
contemplando prazo razoável para que dela se tenha amplo conhecimento, reservada a cláusula
"entra em vigor na data de sua publicação" para as leis de pequena repercussão (art. 8º). A priori,
o dispositivo da LICC restaria revogado em razão deste novo preceito. Todavia, não prevê a
citada lei complementar a consequência pela omissão legislativa de data de vigência, sendo
destarte ainda válida a regra supletiva da LICC, refletindo o preceito da LC nº 95/98 mera
recomendação legal, em virtude da ausência de sanção.
Em regra, sendo vigente a lei, ela já está apta a produzir efeitos, dotada, portanto, de
eficácia. Porém existem exceções, como o art. 195, § 6º, da CF/88, que introduz o princípio da
anterioridade previdenciária, mitigada ou nonagesimal, o qual retém a eficácia de nova lei
relativa à contribuição social por 90 (noventa) dias após a publicação desta. Ainda temos as leis
relativas às alterações nos benefícios previdenciários, que estabelecem, com frequência, períodos
de transição, onde a lei também tem sua eficácia restrita ou reduzida.
A hierarquia das normas é a ordem de graduação entre estas, segundo uma escala
decrescente, na qual a norma superior é substrato de validade da norma inferior: normas
constitucionais, leis complementares, leis ordinárias, leis delegadas, medidas provisórias,
decretos legislativos e resoluções, decretos regulamentares, normas internas (portarias,
despachos, etc.) e normas individuais (contratos, sentenças, etc.).
É tecnicamente indevida a expressão hierarquia das leis, pois não existe hierarquia entre
atos legais, mas sim entre normas jurídicas. Não obstante grandes juristas manifestarem-se em
sentido diverso, não é adequado qualificar-se lei complementar como superior à lei ordinária,
somente por causa de seu quórum qualificado (maioria absoluta), até porque uma lei ordinária'
também pode ser aprovada por ampla maioria, ou até por unanimidade, mas continuará sendo lei
ordinária.
Obviamente, se em determinado assunto a Constituição impõe que a matéria deva ser
tratada por lei complementar, aí sim não seria aceitável a alteração desta por meio de lei
ordinária. Mas o problema será de competência, não de hierarquia.
A legislação previdenciária é submetida a esta mesma hierarquia, prevalecendo as normas
constitucionais em detrimento das legais e estas, em detrimento das normas complementares. A
princípio, não há hierarquia entre as duas leis básicas da previdência (Leis nº 8.212/91 e nº
8.213/91), cabendo algumas regras de preferência em caso de conflitos de normas: norma
específica prevalece sobre a genérica e o in dubio pro misero.
Por exemplo: suponhamos um conflito entre a norma do Plano de Organização e Custeio
da Seguridade Social – PCSS (Lei nº 8.212/91) e o Plano de Benefícios da Previdência Social –
PBPS (Lei nº 8.213/91) em relação à concessão ou não de certa prestação previdenciária ao
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segurado. Neste caso, há preferência do PBPS, pois é lei específica sobre benefícios
previdenciários, prevalecendo sobre o PCSS. Se o exemplo trata-se de conflito sobre uma
contribuição a ser exigida, o resultado seria o inverso: prevalência do PCSS sobre o PBPS.
A questão da hierarquia das normas tem íntima ligação com o método sistemático de
interpretação. Como mencionado, segundo as lições de Bobbio, o ordenamento jurídico busca
algumas características elementares, entre elas, ser completo e isento de contradições. Por óbvio,
estas características não são absolutas, mas impõem uma maneira de proceder que racionaliza o
pensamento do profissional do direito e permite a resolução de conflitos na imensa maioria dos
casos.
A completude do Ordenamento busca trazer segurança jurídica, na acepção formal, não
podendo o juiz negar a jurisdição, em virtude de ausência de dispositivo legal. As normas
jurídicas também devem ser coerentes, despojadas de conflitos, garantindo a perenidade do
Direito, sendo as aparentes contradições resolvidas pelos critérios da hierarquia, da especialidade
e da cronologia.
A resolução do conflito segue a ordem citada. Caso se trate de colisão entre, por exemplo,
norma constitucional e legal, sobre qualquer assunto, prevalecerá a Constituição. Não há como se
aplicar o critério da especialidade ao caso, pois a lei, evidentemente, sempre será mais específica
que a Constituição, a qual traz regramento geral do Estado. Ainda, por óbvio, antes de optar pela
inconstitucionalidade da lei, cabe a busca de interpretação compatível com a Lei Maior,
preservando-se a independência dos Poderes e respeitando-se o trabalho do Legislador Ordinário.
Somente quando superado o método hierárquico será o da especialidade utilizado, como
já citado no exemplo do confronto das leis de custeio e benefício previdenciário. Por fim, quando
não há meio de superação pelos dois primeiros, cabe a aplicação do último e mais radical critério,
da cronologia, o qual implica a revogação tácita da norma mais antiga pela mais recente.
Presume-se que foi vontade do Legislador a mudança do regramento jurídico da matéria, objeto
de colisão legal, prevalecendo, naturalmente, a norma mais recente.
Importante observar que estas ferramentas clássicas de resolução de conflitos têm pouca
ou nenhuma utilidade nos conflitos entre princípios. No caso das regras jurídicas, a ideia, no caso
do conflito, é afastar uma regra que estaria "errada" e aplicar a "correta". Ou seja, há aqui uma
pretensão de definitividade da regra – ou ela vale, ou não vale. Os princípios não são assim. Eles
podem ser aplicados em maior ou menor intensidade, a depender de diversos fatores. No caso de
conflito, como por exemplo, um caso de extensão de benefício aos trabalhadores rurais que
somente foi previsto em lei para os urbanos – temos aqui um conflito entre o princípio da
uniformidade de tratamento entre urbanos e rurais e o princípio da preexistência do custeio.
Como resolvê-lo? Certamente não há um afastamento total de um em detrimento de outro, como
nas regras. O Judiciário até poderia ampliar o benefício aos rurais, mas somente na medida em
que não provocasse o desequilíbrio financeiro e atuarial. Essa é a ideia da ponderação, a ser
aplicada no caso de conflito entre princípios.
Já o conhecido brocardo in dubio pro misero carece de maior cuidado, já que induz a um
raciocínio equivocado. Este preceito determina que, em caso de dúvida, a decisão deve ser a mais
favorável ao beneficiário. Somente a dúvida suscita a aplicação desta regra, pois não é lícito ao
aplicador do Direito ignorar preceito expresso de lei, aplicando outro mais favorável, com base
no pro misero.
Os Tribunais Superiores, órgãos colegiados com jurisdição em todo o território nacional,
integrantes do Poder Judiciário, como o Supremo Tribunal Federal, o Superior Tribunal de
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Justiça, o Tribunal Superior do Trabalho, o Tribunal Superior Eleitoral e o Superior Tribunal
Militar são também relevantes na aplicação e interpretação do Direito Previdenciário.
Há menção expressa a estes Tribunais Superiores no art. 131 da Lei nº 8.213/91, trazendo
a possibilidade, mediante autorização do ministro da Previdência Social, de desistência de ação
e/ou recurso por parte do INSS sobre assunto já sumulado nestes Tribunais.
Tal conduta atende ao princípio da eficiência administrativa, pois seria um gasto
desnecessário para o Estado a lide sem chance de sucesso, somente baseada em uma visão
tacanha do princípio da indisponibilidade do interesse público.
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