A GESTÃO DA FORÇA DE TRABALHO NO SETOR PÚBLICO SOB O PRISMA PREVIDENCIÁRIO Marcus Vinícius de Souza Maria Thais da Costa Oliveira Santos Painel 46/162 Uma visão de longo prazo da Força de Trabalho no setor público no Brasil A GESTÃO DA FORÇA DE TRABALHO NO SETOR PÚBLICO SOB O PRISMA PREVIDENCIÁRIO Marcus Vinícius de Souza Maria Thais da Costa Oliveira Santos RESUMO Incorporada na pauta de discussão do Congresso Nacional em meados da década de 90, a matéria previdenciária ganhou projeção e passou a ser foco das atenções num contexto de busca de equilíbrio das contas públicas. Âncora de um conjunto de medidas econômicas, fiscais e políticas voltadas para o combate do déficit público, a reforma previdenciária de 1998 trouxe, então, a necessidade de observância do equilíbrio financeiro e atuarial no âmbito dos regimes próprios de previdência social RPPS. Desde então, muitas ações, especialmente no sentido de adoção de critérios mais rigorosos para acesso aos benefícios previdenciários, têm sido adotadas, permanecendo, entretanto, após mais de uma década, a difícil missão de se equilibrar os regimes e de se promover a gestão da força de trabalho considerando variáveis de cunho previdenciário. Nesse diapasão, é de vital importância para o efetivo alcance do perseguido equilíbrio em questão, que se desenvolvam ações com vistas ao adequado planejamento do ingresso de novos servidores considerando as estimativas de inativação dos atuais servidores, à formação de reservas para o pagamento dos benefícios futuros e ao necessário processamento de compensações financeiras entre os diversos RPPS. 2 1 REGIMES PREVIDENCIÁRIOS E VARIÁVEIS ATUARIAIS 1.1 Os principais regimes de financiamento e planos de previdência Como é sabido, existem dois modelos básicos de gestão previdenciária amplamente discutidos na literatura técnica: o primeiro é conhecido como modelo de repartição simples (“pay as you go”) e o segundo é o modelo de capitalização (“fully funded”). Na repartição simples, os recursos descontados em folha dos trabalhadores ativos, bem como a correspondente contribuição patronal, são usados para o custeio dos benefícios dos trabalhadores já aposentados. Existe, assim, um acordo intergeracional no que se refere ao financiamento da previdência, dado que atual massa de segurados terá seus benefícios custeados por trabalhadores que ainda não estão vinculados ao regime. Esse modelo é muito difundido no país, sendo adotado pelo Regime Geral de Previdência Social – RGPS, gerido pelo Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, ao qual são vinculados todos os trabalhadores do setor privado; e pelo regime próprio dos servidores federais. No modelo de capitalização, em contrapartida, o trabalhador acumula as contribuições deduzidas do seu salário e a correspondente contribuição patronal em um fundo específico, do qual sairão, posteriormente, os recursos para custeio de seus benefícios previdenciários. Ou seja, no modelo de capitalização, as contribuições pretéritas do trabalhador, após vertidas e capitalizadas através de investimentos no mercado financeiro, suportam o próprio benefício previdenciário. O regime de capitalização é tradicionalmente adotado pelas entidades fechadas de previdência complementar (fundos de pensão ligados a empresas) e vem sendo adotado após período nos últimos anos por alguns regimes próprios de servidores, como no caso do regime do Estado de Minas Gerais. No que se refere aos planos previdenciários, temos também a presença de dois tipos básicos, a saber: benefício definido e contribuição definida. Nos planos de benefício definido, as contribuições podem variar com o tempo são reflexo do quanto o trabalhador irá receber no futuro. Este tipo de plano é o adotado nos regimes de previdência dos servidores públicos da União, Estados e Municípios e também é adotado pelo regime geral do INSS. As alíquotas de contribuição, observadas as disposições e os limites legais, podem variar com o tempo. No entanto, o valor do benefício a que o trabalhador faz jus não está sujeito a alterações 3 de acordo com variáveis, em especial aquelas decorrentes das oscilações do mercado financeiro. Já no plano de contribuição definida, adotado pelos fundos privados de pensão, o valor dos benefícios não é determinado a priori. O mesmo depende dos resultados alcançados pelos investimentos do fluxo de contribuição. 1.2 Variáveis Importantes para o Equilíbrio Atuarial A sustentabilidade financeira do regime de previdência deve ser avaliada considerando as projeções dos fluxos de contribuição e de pagamento de benefícios da massa de participantes do sistema. No caso dos regimes de capitalização, dizemos que o regime está equilibrado quando o saldo líquido de desembolsos futuros (total de pagamentos menos contribuições futuras) é igual ou inferior, após descontados pela taxa atuarial do regime, ao patrimônio líquido em determinado momento. Já nos regimes de repartição simples, como não há patrimônio acumulado, a sustentabilidade atual e futura considera apenas os fluxos de contribuição e de pagamentos. Para a definição do montante de contribuições e pagamentos devem ser consideradas especialmente as seguintes variáveis: Sexo Idade Tempo de Contribuição 2 O SISTEMA PREVIDENCIÁRIO NO BRASIL 2.1 Histórico e discussão das reformas previdenciárias O sistema previdenciário brasileiro foi instituído a partir da década de 30 do século passado como um sistema mais próximo do modelo de capitalização. Duas décadas depois, nosso sistema se transformou em repartição simples por diversas razões que são levantadas pelos especialistas (ainda que de forma elucidativa), mas que fogem ao escopo do presente trabalho. O modelo vigente nas décadas seguintes se caracterizou pela ausência de vinculação entre efetiva entre as contribuições e os correspondentes benefícios previdenciários dos trabalhadores e pela baixa idade com a qual as pessoas preenchiam os requisitos então vigentes para se aposentar. 4 O crescente déficit fiscal – em parte causado pelos benefícios incorporados após a promulgação da Constituição de 1988 – somado à diminuição das taxas de crescimento demográfico e ao contínuo incremento da expectativa de vida da população, dentre outros fatores, contribuíram para que o debate acerca da necessidade de se reformar o modelo previdenciário ganhasse destaque na agenda política o início da década de 90. A pouca sustentabilidade financeira e atuarial do sistema previdenciário foi agravada, ainda, com o fim do imposto inflacionário, tendo em vista a estabilidade macroeconômica vivenciada a partir da implementação do Plano Real. Diante de tal contexto, a discussão quanto à necessidade da reforma previdenciária ganhou corpo diante de um momento de profunda discussão e reformulação da base de atuação e financiamento da máquina estatal. A previdência, à época, foi apontada como um dos maiores entraves à sustentabilidade da gestão das finanças públicas no longo prazo. Após ampla discussão nas casas legislativas, foram aprovados diversos normativos que alteraram profundamente as regras previdenciárias então vigentes. Dentre as principais alterações, podemos citar: (a) a possibilidade de constituição de fundos de previdência pelos entes, tornando viável a estruturação de modelos capitalizados; (b) a imposição de idade mínima para aposentadoria; (c) o fim da paridade dos salários entre trabalhadores ativos e inativos; (d) a concessão de benefícios adotando a média das últimas contribuições. Apesar das mudanças implementadas, o debate previdenciário segue, com a discussão atual acerca da possível inserção de regras mais aderentes ao atual cenário demográfico mundial, a exemplo do adotado em diversos países. 2.2 Compensação Previdenciária entre os Regimes Alinhado com o princípio da sustentabilidade financeira e atuarial, tão defendido ao longo do debate relativo à reforma previdenciária, a Constituição Federal prevê expressamente, em seu artigo 210, a compensação financeira entre o regime geral de previdência, gerido pelo INSS, e pelos regimes próprios de previdência do serviço público. Tal compensação visa repassar ao ente que será responsável pelo pagamento dos benefícios previdenciários o histórico de contribuições vertido pelo trabalhador ao longo de sua vida laboral. 5 No entanto, o dispositivo constitucional, ao prever apenas a compensação entre o regime geral e os regimes próprios, não tratou da compensação entre dois regimes próprios distintos de previdência. Assim, na atual sistemática, se um trabalhador com experiência na iniciativa privada ingressa no setor público e se aposenta nele, o ente estatal faz jus, quando da aposentadoria do trabalhador, a receber todo o histórico de contribuição vertido pelo mesmo ao INSS. Analogamente, o mesmo ocorre quando um trabalhador sai do setor público e trabalha até se aposentar no INSS: nesse caso, o ente ao qual ele foi vinculado deve repassar o histórico contributivo à autarquia federal. Entretanto, caso um trabalhador saia do serviço público estadual e se aposente na União, o Governo Federal não terá direito a nenhuma compensação. Isso posto, entendemos ser necessária a implementação da compensação entre os regimes próprios a fim de se garantir o equilíbrio financeiro e atuarial dos regimes, impedindo que determinado regime se beneficie em contrapartida a outro. Além disso, cabe destacar alguns pontos adicionais relativos ao processo de compensação previdenciária atualmente adotado pelo INSS: (a) inexiste perenidade no fluxo de análise de processos de compensação pela autarquia federal; (b) o critério de correção dos valores inseridos no âmbito da compensação é inferior à meta atuarial. 3 CONCLUSÃO O presente artigo buscou contribuir para a discussão de um tema que a cada dia se torna mais relevante para as administrações públicas, em especial dada a dificuldade que os entes federados vêm encontrando em honrar o pagamento das aposentadorias de seus servidores vis a vis à crescente necessidade de contratação de novos quadros para que não haja prejuízo na prestação de serviços. Nesse sentido, um regime próprio de previdência bem estruturado, que considere parâmetros demográficos, financeiros e atuarias consistentes representará uma alternativa para viabilizar a solvência dos tesouros estaduais e municipais, permitindo, de uma parte, que o poder público atenda de forma adequada as crescentes demandas sociais e, de outra parte, que o servidor tenha a garantia de receber seu benefício previdenciário quando dele necessitar. 6 ___________________________________________________________________ AUTORIA Marcus Vinícius de Souza – Diretor de Previdência do Instituto de Previdência do Estado de Minas Gerais Endereço eletrônico: previdê[email protected] Maria Thais da Costa Oliveira Santos – Chefe de Gabinete da Secretaria de Estado de Planejamento e Gestão Endereço eletrônico: [email protected]