Componente curricular: Direito Administrativo I Professor: Diego Guimarães APOSTILA 06 Processo Administrativo 1. NOÇÕES GERAIS Os atos administrativos podem ser editados de maneira isolada (imediata) ou procedimentalizada, esta através de uma sequência concatenada de fases precedentes à realização do ato administrativo. A idéia de processo é ligada ao exercício do poder estatal, não se limitando à esfera jurisdicional. Odete Medauar (14ª edição, 2010) indica alguns elementos comuns da “processualidade”, cabendo destacar: a) atuação administrativa dinâmica; b) para que a sequência de atos se efetue, é necessário que se prevejam direitos e ônus para quem está legitimado a atuar; c) a figura jurídica do ato administrativo é distinta da do ato, mas ambas guardam correlação, como instrumentalidade da primeira em relação à segunda; d) os sujeitos que exercem atividades no esquema processual estão interligados por direitos, deveres, ônus, poderes e faculdades. Parte da doutrina informa que o termo “processo administrativo” se refere a uma relação jurídica disciplinada por lei, condicionando a atuação dos litigantes e incidente em âmbito administrativo, enquanto “procedimento administrativo” seria a sucessão encadeada de atos necessária à decisão final. 2. FINALIDADES DO PROCESSO ADMINISTRATIVO a) Garantia: o processo administrativo é instrumento condicionador da atuação administrativa que afete direitos e/ou interesses do administrado (servidor ou particulares). Súmula 312. No processo administrativo para imposição de multa de trânsito, são necessárias as notificações da autuação e da aplicação da pena decorrente da infração. Com relação ao controle judicial do ato administrativo punitivo de atuação externa (perante cidadãos, e não agentes públicos), que se materializa, em regra, em um ato administrativo discricionário, derivado do poder administrativo de polícia, não pode a atuação do Poder Judiciário adentrar no mérito administrativo, que se materializa na conveniência e oportunidade, por parte da Administração Pública, quanto à valoração do motivo da prática do ato administrativo e à escolha de seu objeto, concernentes, in casu, à conduta praticada pela operadora de plano de saúde odontológico e à espécie de sanção administrativa e escolha do quantum dentro dos limites desta. – Logo, ela alcança apenas a legalidade administrativa e, por conseguinte, a legalidade da sanção administrativa, que obrigatoriamente deve decorrer de um processo administrativo em que se observa os princípios do devido processo legal e do contraditório e da ampla defesa, e outros, dentre os quais os princípios da legalidade, motivação e proporcionalidade. (REO 200451010104760, Desembargador Federal SERGIO SCHWAITZER, TRF2 - SÉTIMA TURMA ESPECIALIZADA, DJU - Data::04/09/2008 - Página::267.) b) Transparência: a procedimentalização facilita o controle por parte da sociedade, do Poder Judiciário e de todos os entes fiscalizadores da conduta administrativa. É por esta razão que alguns diplomas prevêem consultas ou audiências públicas. c) Legitimação do poder: considerando que a atuação administrativa tem como atributo a imperatividade e a unilateralidade na tomada de decisões, pode-se concluir que a procedimentalização facilita a avaliação dos dados e circunstâncias levados em conta pela autoridade. Acontece que o artigo 5º, incisos LIV e LV, da Constituição assegura o devido processo legal, em que se inclui a ampla defesa, também no processo administrativo. Tais garantias são indisponíveis, especialmente no processo administrativo para imposição de penalidade, no campo da chamada heterotutela, em que há a aventada supremacia especial, mas verdadeiramente substituição do Poder Judiciário pela Administração, por razões de praticidade. O devido processo legal tem valor intrínseco, abstrato, independente da finalidade de prevenir erro na implementação das regras de direito material. Na lição de Laurence Tribe, o direito de ser ouvido é analiticamente distinto do direito a um resultado correto, razão porque sua inobservância, nessa perspectiva, vicia a atividade administrativa, ou seja, independentemente de ser o ato justificável do ponto de vista material (...) A antecipação de medidas sumárias, pela Administração, antecipadamente à conclusão do respectivo processo (com ampla defesa, como exige), só se justifica em irreparável dano ao interesse público, o que não é o caso. (Original sem negrito). Cândido R. Dinamarco ressaltou a significação política do princípio constitucional do contraditório, como elemento auxiliar de pacificação social e de legitimação do exercício do poder estatal, nos termos adiante expostos. (Processo 397663220044013, EULER de ALMEIDA SILVA JÚNIOR, TRGO - 1ª Turma Recursal - GO, DJGO 15/10/2004.) 3. O PROCESSO ADMINISTRATIVO COMO GARANTIA FUNDAMENTAL O art. 5º, LV da Constituição Federal é claro no sentido de que: “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”. A garantia tem dupla possibilidade de destinatários: 1) Litigantes em processo administrativo: são as situações em que dois ou mais administrados se apresentam em posição de controvérsia entre si, perante uma decisão a ser tomada pela administração. Ex: licitações, concursos públicos, licenciamento ambiental, etc. 2) Acusados no âmbito administrativo: são pessoas físicas ou jurídicas às quais a administração atribui determinadas atuações, sob pena de conseqüências punitivas, tais como imposições decorrentes de poder de polícia, do poder disciplinar (incluindo sanções por inexecução parcial ou total de contratos administrativos). 4. PRINCÍPIOS DO PROCESSO ADMINISTRATIVO Inicialmente, os princípios da administração pública já estudados (legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, eficiência, proporcionalidade, autotutela, etc) aplicam-se, obviamente, ao processo administrativo. Além destes, tem-se identificado: a) Princípio do devido processo legal: é uma garantia de conteúdo complexo, que fundamenta a própria necessidade de procedimentalização da atividade administrativa. O exame da garantia constitucional do “due process of law” permite nela identificar, em seu conteúdo material, alguns elementos essenciais à sua própria configuração, dentre os quais avultam, por sua inquestionável importância, as seguintes prerrogativas: (a) direito ao processo (garantia de acesso ao Poder Judiciário); (b) direito à citação e ao conhecimento prévio do teor da acusação; (c) direito a um julgamento público e célere, sem dilações indevidas; (d) direito ao contraditório e à plenitude de defesa (direito à autodefesa e à defesa técnica); (e) direito de não ser processado e julgado com base em leis “ex post facto”; (f) direito à igualdade entre as partes; (g) direito de não ser processado com fundamento em provas revestidas de ilicitude; (h) direito ao benefício da gratuidade; (i) direito à observância do princípio do juiz natural; (j) direito ao silêncio (privilégio contra a auto-incriminação); e (l) direito à prova. (2007. STF. MS 26358/MC. Transcrições: Inf. 457) Súmula Vinculante 21: “É inconstitucional a exigência de depósito ou arrolamento prévios de dinheiro ou bens para admissibilidade de recurso administrativo”. b) Princípio do contraditório: fundamentalmente, o contraditório quer dizer “informação necessária e reação possível” (Cândido Dinamarco). O contraditório permite que o administrado tome ciência dos dados, informações e documentos aos quais poderá apresentar a sua reação. c) Princípio da ampla defesa: significa o direito de apresentar adequada resistência às pretensões a si dirigidas. Deve ser dada oportunidade ao litigante de produzir toda a matéria de defesa necessária à preservação de seus direitos. É intimamente ligado ao princípio do contraditório. Súmula Vinculante 5: “A falta de defesa técnica por advogado no processo administrativo disciplinar não ofende a Constituição.” Súmula Vinculante 3: “Nos processos perante o Tribunal de Contas da União asseguram-se o contraditório e a ampla defesa quando da decisão puder resultar anulação ou revogação de ato administrativo que beneficie o interessado, excetuada a apreciação da legalidade do ato de concessão inicial de aposentadoria, reforma e pensão.” d) Princípio da razoável duração do processo: positivado com a EC-45/2004, determina que “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”. Em âmbito administrativo, o princípio mantêm relação com o princípio da eficiência. A Lei nº 9784/99 (art. 49) prevê que “Concluída a instrução de processo administrativo, a Administração tem o prazo de até trinta dias para decidir, salvo prorrogação por igual período expressamente motivada.” e) Princípio da oficialidade: o processo administrativo, conquanto também possa ser iniciado pelo interessado, deverá se desenvolver por impulso oficial. O art. 2º, p. único, XII, é expresso: “Nos processos administrativos serão observados, entre outros, os critérios de: impulsão, de ofício, do processo administrativo, sem prejuízo da atuação dos interessados” f) Princípio do formalismo moderado: consiste na previsão de ritos e formas simples, suficientes para propiciar um grau de certeza, segurança, respeito aos direitos dos sujeitos, o contraditório e a ampla defesa (art. 2º, IX, da Lei nº 9784/99). Alex Muniz Barreto (2ª Ed. 2010) ainda indica que, pela adoção deste princípio, pode-se invocar o raciocínio da instrumentalidade das formas, segundo o qual o ato processual não será considerado inválido se, mesmo praticado com forma diversa, não causar prejuízo ao interessado, convalidando-o. [...] O princípio da instrumentalidade das formas, no âmbito administrativo, veda o raciocínio simplista e exageradamente positivista. A solução está no formalismo moderado, afinal as formas têm por objetivo gerar segurança e previsibilidade e só nesta medida devem ser preservadas. A liberdade absoluta impossibilitaria a seqüência natural do processo. Sem regras estabelecidas para o tempo, o lugar e o modo de sua prática. Com isso, o processo jamais chegaria ao fim. (ROMS 199600778590, GILSON DIPP, STJ - QUINTA TURMA, DJ DATA:02/05/2000 PG:00150 JSTJ VOL.:00017 PG:00353 RIP VOL.:00007 PG:00297 RSTJ VOL.:00136 PG:00458.) 5. TIPOLOGIA DOS PROCESSOS ADMINISTRATIVOS Levando em consideração às peculiaridades de cada atividade administrativa, é possível distinguir as seguintes modalidades ou espécies de processos administrativos: Processos de gestão: ex. licitações, concursos públicos, progressões funcionais, etc. a) Processos em que há conflito de interesses Processos de outorga: a administração concede direitos ou vantagens pleiteadas pelo interessado. É comum identificar-se o exercício do poder de polícia (preventivo). Ex. licenciamento ambiental, permissão de uso de bens públicos, registro de marcas e patentes, isenção condicionada de tributos, etc. Processos de verificação ou determinação: o Poder Público verifica a conduta dos administrados, averiguando a sua regularidade. É característica não haver contraditório (pois não há incursão sobre interesse ou direito do administrado). b) Processos em que há acusado – sancionatórios ou punitivos Processos disciplinares (internos): envolvendo servidores públicos ou sujeitos em situação jurídica especial (ex. alunos de escolas públicas) Processos externos: visam a apurar infrações e aplicar sanções sobre administrados que não integram a organização administrativa, normalmente decorrente do exercício do poder de polícia (repressivo). 6. FASES DO PROCESSO ADMINISTRATIVO Em linhas gerais, podem ser identificadas as seguintes fases nas diversas espécies de processos administrativos: 1ª - Fase introdutória: é a primeira fase do processo administrativo, podendo ser instaurado de ofício pela administração ou pelo interessado. 2ª - Fase instrutória: trata-se da fase de produção de provas, podendo ser juntados documentos, realizadas perícias, exames, diligências, audiências, inquirição de testemunhas, oitiva dos acusados, etc. 3º - Fase do decisório: é a última fase do processo administrativo, na qual o órgão ou autoridade competente profere a decisão acerca do seu objeto. O art.48 da Lei nº 9784/99 estabelece o dever administrativo de decidir: “A Administração tem o dever de explicitamente emitir decisão nos processos administrativos e sobre solicitações ou reclamações, em matéria de sua competência”. Esta fase pode ser precedida pela “fase do relatório”, na qual a “comissão processante ou aquele que houver presidido o processo administrativo elabora a síntese dos fatos ocorridos durante a sua tramitação, contendo análise das provas produzidas, a narrativa dos fatos apurados e a apreciação do direito alegado, bem como a proposta conclusiva para a decisão da autoridade” (Barreto, p. 320).