MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ Procuradoria-Geral de Justiça Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Proteção à Saúde Pública Rua Mal. Deodoro, 1028, 5º andar, Curitiba - PR. ‘ Ofício-circular nº 17/2015 (mab) - CAO-Saúde Curitiba, 11 de maio de 2015. Senhor Presidente, Cumprimentando-o, apresentam-se as seguintes considerações, que se solicita venham a ser levadas formalmente para discussão e deliberação na iminente conferência municipal de saúde, para formulação de diretriz, tendente à incorporação no próximo plano municipal de saúde (Lei n. 8142/90), de estratégia para inserção do município na rede estadual de urgências e emergências, com adesão ao SAMU Regional, com indicadores, prazos e metas para o próximo quadriênio. Hoje a não integração da gestão municipal do SUS na rede de urgências e emergências, sem inserção no componente do SAMU, caracteriza uma fratura assistencial, com riscos potenciais à população, que merece ser enfrentada com propriedade na conferência municipal de saúde. O Sistema Único de Saúde – SUS – é sistema nacional de saúde, regido pelos princípios de universalidade, integralidade, igualdade, regionalização, descentralização e hierarquização (incisos I, II, IV, IX “a” e “b”, do art. 7º, da Lei n. 8080/90). É cediço que a execução dos serviços de saúde, marcadamente os de atenção básica, cabe aos municípios, pela regra do art. 18, I, da Lei n. 8080/90: Art. 18. À direção municipal do Sistema de Saúde (SUS) compete: Ilustríssimo Senhor Presidente Conselho Municipal de Saúde Secretaria Municipal de Saúde Estado do Paraná 1/17 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ Procuradoria-Geral de Justiça ‘ Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Proteção à Saúde Pública Rua Mal. Deodoro, 1028, 5º andar, Curitiba - PR. I - planejar, organizar, controlar e avaliar as ações e os serviços de saúde e gerir e executar os serviços públicos de saúde; É hoje inquestionável que a atenção básica deva ser prestada em caráter integral, incumbindo ao gestor local responsabilizar-se pela estrutura e insumos necessários à atenção para tanto (art. 18, I e V, da Lei Federal n. 8080/90). Regulamentando essa lei, a Portaria GM/MS n. 2.023/04, ao definir em seu art. 1º que os municípios sejam “responsáveis pela gestão do sistema municipal de saúde na organização e na execução das ações de atenção básica”, definiu em seu Anexo o que são ações de atenção básica, cujos trechos seguem a seguir: ANEXO RESPONSABILIDADES DOS MUNICÍPIOS E DO DISTRITO FEDERAL NA GESTÃO E EXECUÇÃO DA ATENÇÃO BÁSICA À SAUDE a) Garantia de acesso a serviços de saúde de qualidade e resolutivos na atenção básica, com território adscrito, viabilizando o planejamento, a programação e a atenção à saúde descentralizados. b) Garantia da integralidade das ações de saúde prestadas de forma interdisciplinar, por meio da abordagem integral e contínua do indivíduo no seu contexto familiar e social, englobando atividades de promoção da saúde, prevenção de riscos, danos e agravos; ações de assistência e reabilitação, assegurando atendimento às urgências médicas e odontológicas. A mesma norma organizacional, ao se referir à alta complexidade, imputa ao Estado a tarefa de "organizar e pactuar com os municípios o processo de referência intermunicipal das ações e serviços de média e alta complexidade a partir da atenção básica, 2/17 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ Procuradoria-Geral de Justiça ‘ Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Proteção à Saúde Pública Rua Mal. Deodoro, 1028, 5º andar, Curitiba - PR. de acordo com a programação pactuada e integrada da atenção à saúde", o que vai de encontro às determinações do art. 17, II e IX, da Lei n. 8080/90. Nesse mesmo sentido, a Portaria GM/MS n. 2488/2011, que instituiu a Política Nacional de Atenção Básica, fortalece a atenção básica como obrigação primordial da municipalidade: Compete às Secretarias Municipais de Saúde e ao Distrito Federal: I - pactuar, com a Comissão Intergestores Bipartite, através do COSEMS, estratégias, diretrizes e normas de implementação da Atenção Básica no Estado, mantidos as diretrizes e os princípios gerais regulamentados nesta Portaria; II - destinar recursos municipais para compor o financiamento tripartite da Atenção Básica; III - ser co-responsável, junto ao Ministério da Saúde, e Secretaria Estadual de Saúde pelo monitoramento da utilização dos recursos da Atenção Básica transferidos aos município; IV - inserir a estratégia de Saúde da Família em sua rede de serviços como estratégia prioritária de organização da atenção básica; V - organizar, executar e gerenciar os serviços e ações de Atenção Básica, de forma universal, dentro do seu território, incluindo as unidades próprias e as cedidas pelo estado e pela União; VI - prestar apoio institucional às equipes e serviços no processo de implantação, acompanhamento, e qualificação da Atenção Básica e de ampliação e consolidação da estratégia Saúde da Família; VII - Definir estratégias de institucionalização da avaliação da Atenção Básica; VIII - Desenvolver ações e articular instituições para formação e garantia de educação permanente aos profissionais de saúde das equipes de Atenção Básica e das equipes de saúde da família; IX - selecionar, contratar e remunerar os profissionais que compõem as equipes multiprofissionais de Atenção Básica, em conformidade com a legislação vigente; 3/17 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ Procuradoria-Geral de Justiça ‘ Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Proteção à Saúde Pública Rua Mal. Deodoro, 1028, 5º andar, Curitiba - PR. X - garantir a estrutura física necessária para o funcionamento das Unidades Básicas de Saúde e para a execução do conjunto de ações propostas, podendo contar com apoio técnico e/ou financeiro das Secretarias de Estado da Saúde e do Ministério da Saúde; XI - garantir recursos materiais, equipamentos e insumos suficientes para o funcionamento das Unidades Básicas de Saúde e para a execução do conjunto de ações propostas; XII - programar as ações da Atenção Básica a partir de sua base territorial e de acordo com as necessidades de saúde das pessoas, utilizando instrumento de programação nacional ou correspondente local; XIII - Alimentar, analisar e verificar a qualidade e a consistência dos dados alimentados nos sistemas nacionais de informação a serem enviados às outras esferas de gestão, utilizá-los no planejamento e divulgar os resultados obtidos; XIV - Organizar o fluxo de usuários, visando à garantia das referências a serviços e ações de saúde fora do âmbito da Atenção Básica e de acordo com as necessidades de saúde dos usuários; XV - manter atualizado o cadastro no sistema de Cadastro Nacional vigente, dos profissionais, de serviços e de estabelecimentos ambulatoriais, públicos e privados, sob sua gestão; e XVI - assegurar o cumprimento da carga horária integral de todos os profissionais que compõe as equipes de atenção básica, de acordo com as jornadas de trabalho especificadas no SCNES e a modalidade de atenção. Como se sabe, a atenção básica é o conjunto de ações de nível primário de assistência à saúde, que oferece a entrada no sistema para todas as necessidades do usuário. É o ponto de contato preferencial com o SUS, realizado pelas especialidades básicas de saúde (clínica médica, pediatria, obstetrícia e ginecologia). Tem por finalidade resolver os problemas mais freqüentes e relevantes de saúde da população. Caracteriza-se por conjunto de ações de saúde, no âmbito individual e coletivo, que abrangem a promoção e a proteção da saúde, a prevenção de agravos, o diagnóstico, o tratamento, a reabilitação e a manutenção da saúde. Desenvolve-se pelo exercício de práticas gerenciais e sanitárias democráticas e participativas, sob forma de trabalho em equipe, dirigidas a populações de territórios bem delimitados, pelas quais se 4/17 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ Procuradoria-Geral de Justiça ‘ Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Proteção à Saúde Pública Rua Mal. Deodoro, 1028, 5º andar, Curitiba - PR. assume a responsabilidade sanitária, considerando a dinamicidade existente no território em que vivem essas populações. “A atenção primária em saúde resolve mais de 80% dos problemas de saúde da população, o nível secundário cerca de 15% e o nível terciário aproximadamente 5% dos problemas de saúde.” (Atenção ambulatorial especializada. In GIOVANELLA, Ligia, et. al. Políticas e Sistemas de Saúde no Brasil. Rio de Janeiro: FIOCRUZ, 2009. p. 628). Quando a atenção básica não está bem estruturada, os serviços de atenção secundária e terciária (média e alta complexidade ambulatorial e hospitalar) acabam sendo sobrecarregados, por doenças e agravos NÃO PREVENIDOS, NÃO ATENDIDOS ou MAL RESOLVIDOS na atenção básica, que, então, tendem a piorar (gerando urgência) e acabam nos hospitais. É claro que, dentre as obrigações da atenção primária, não há dúvidas de que todas as gestões municipais do SU precisam manter porta de entrada de urgência e emergência ininterrupta. Se assim não o fosse, os princípios legais de universalidade de acesso, integralidade da assistência e resolutividade dos serviços de saúde seriam letra morta. Aliás, luz desses princípios, na atual Política Nacional de Urgências e Emergências, decorrente da PT GM MS n. 1600/2011, a atenção básica e a vigilância em saúde também são componentes da rede, tanto quanto os hospitais: Art. 4º A Rede de Atenção às Urgências é constituída pelos seguintes componentes: I - Promoção, Prevenção e Vigilância à Saúde; II - Atenção Básica em Saúde; 5/17 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ Procuradoria-Geral de Justiça ‘ Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Proteção à Saúde Pública Rua Mal. Deodoro, 1028, 5º andar, Curitiba - PR. III - Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU 192) e suas Centrais de Regulação Médica das Urgências; IV - Sala de Estabilização; V - Força Nacional de Saúde do SUS; VI - Unidades de Pronto Atendimento (UPA 24h) e o conjunto de serviços de urgência 24 horas; VII - Hospitalar; e VIII - Atenção Domiciliar. Disso se infere que a atenção básica em saúde – que todos os municípios precisam oferecer – se distingue dos serviços de urgência 24h e dos hospitais. A mesma Portaria regulamenta as atribuições da atenção básica na rede de urgências: Art. 6º O Componente Atenção Básica em Saúde tem por objetivo a ampliação do acesso, fortalecimento do vínculo e responsabilização e o primeiro cuidado às urgências e emergências, em ambiente adequado, até a transferência/encaminhamento a outros pontos de atenção, quando necessário, com a implantação de acolhimento com avaliação de riscos e vulnerabilidades. Isso significa que em todo o município é preciso haver sempre o primeiro cuidado, com acolhimento em ambiente adequado, com avaliação de riscos e vulnerabilidades. Nessa avaliação, havendo necessidade de transferência a outros pontos (hospitais, serviços de urgência 24h, SAMU, etc), a atenção básica, necessariamente inserida dentro da rede, e com os instrumentos imprescindíveis para a articulação, poderá acessar, de imediato, se necessário for, o serviço necessário para a transferência do paciente. 6/17 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ Procuradoria-Geral de Justiça ‘ Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Proteção à Saúde Pública Rua Mal. Deodoro, 1028, 5º andar, Curitiba - PR. Pela mesma Política, no parágrafo 3º, do art. 3º desta Portaria “O acolhimento com classificação do risco, a qualidade e a resolutividade na atenção constituem a base do processo e dos fluxos assistenciais de toda Rede de Atenção às Urgências e devem ser requisitos de todos os pontos de atenção” O acolhimento em todos os pontos de atenção às urgências e emergências, em especial na atenção básica, é decisivo para garantir a integralidade da assistência, alçada como princípio no art. 7º da Lei Orgânica da Saúde: Art. 7º As ações e serviços públicos de saúde e os serviços privados contratados ou conveniados que integram o Sistema Único de Saúde (SUS), são desenvolvidos de acordo com as diretrizes previstas no art. 198 da Constituição Federal, obedecendo ainda aos seguintes princípios: II - integralidade de assistência, entendida como conjunto articulado e contínuo das ações e serviços preventivos e curativos, individuais e coletivos, exigidos para cada caso em todos os níveis de complexidade do sistema; Em outras palavras: a integralidade no SUS não pode ser compreendida como tudo, ao mesmo tempo, para todos, e em qualquer momento, mas sim aquela ação de saúde que o usuário precisa, dentro de um sistema articulado e contínuo, dentro do Sistema, de forma articulada e contínua. Isso ganha contornos peculiares na urgência e emergência (inclusive odontológica), em que a articulação e a continuidade, para que o paciente receba aquilo que de fato precisa, em todos os níveis de complexidade do Sistema, são decisivas. É preciso se detectar – durante as 24 horas do dia, em ambiente de acolhimento, em avaliação técnica, quais os riscos potenciais do agravo sofrido pelo paciente naquele momento e, a partir 7/17 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ Procuradoria-Geral de Justiça ‘ Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Proteção à Saúde Pública Rua Mal. Deodoro, 1028, 5º andar, Curitiba - PR. disso, para qual serviço eventualmente precise ser de imediato transferido, ou para qual ponto possa ser encaminhado em momento oportuno. Manter essa porta de entrada ininterrupta, para nela proceder ao acolhimento e avaliação de risco, não exige a presença de médico durante 24h por dia. Ademais, a experiência demonstra que boa parte dos municípios brasileiros sequer consegue manter médicos em seu quadro próprio das equipes da Estratégia Saúde da Família para prestar serviços 8h diárias, quem dirá conseguir remunerar e manter médico em unidade de pronto-atendimento 24h. Essa porta de entrada na atenção básica, nos termos preconizados pela Política Nacional de Urgências e Emergências, precisa contar com acolhimento com classificação de risco e inserção na rede de urgências, para, sempre quando necessário – e de imediato – acessar e obter o serviço que o paciente precise, inclusive de socorro médico naquele momento. Em qualquer unidade básica de saúde bem estruturada, equipada e qualificada, pode funcionar essa porta de entrada 24h, com acolhimento e classificação de risco, por profissional de saúde treinado e capacitado para urgência e emergência. Contudo, isso acaba não sendo resolutivo (para o tratamento que o paciente precisa) nem eficaz para a administração pública, se a atenção básica não estiver devidamente inserida dentro da rede de urgências e emergências, fazendo efetiva parte daquele conjunto de componentes preconizado na multicitada Portaria. O mesmo Manual de Classificação de Risco do Ministério da Saúde adverte, na página 27: “A realização da classificação de risco isoladamente não garante uma melhoria na qualidade da assistência. É necessário construir pactuações internas e externas para a viabilização do processo, com a construção de fluxos claros por grau de risco, e a tradução destes na rede de atenção”. 8/17 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ Procuradoria-Geral de Justiça ‘ Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Proteção à Saúde Pública Rua Mal. Deodoro, 1028, 5º andar, Curitiba - PR. Por certo não será resolutivo um pronto atendimento municipal, com o devido acolhimento e competente classificação de risco por enfermeiro habilitado e capacitado, se, após detectar o risco e a necessidade imediata de transferência do paciente, não se tenha fluxo, organização e acesso imediato para o ponto necessário. Em outras palavras: se não se souber para onde levar o paciente em risco elevado e de que forma, sem condições para acessar o ponto de atenção necessário naquele momento (em geral pronto-socorro ou hospital), sem toda a organização que isso exige, o usuário correrá sérios riscos. Tome-se por exemplo pessoa com sintomas compatíveis com infarto agudo do miocárdio (principal causa de morte isolada no Brasil). Na literatura médica, o padrão-ouro de cuidados, para evitar a morte ou importantes sequelas irreversíveis, é a execução, de preferência em até 6h (seis horas), de angioplastia: procedimento de alta complexidade, praticada em centro cirúrgico de hospital com retaguarda de leito de UTI para possível complicação depois da cirurgia, por médico cirugião cardiologista. Quando efetua o acolhimento de um usuário com tal suspeita, na classificação de risco eficaz, o enfermeiro (na atenção básica ou em qualquer outro estabelecimento de saúde) precisa contar com a retaguarda da rede de urgências (articulação e continuidade), para que o usuário receba a angioplastia (e não o leito hospitalar) no mínimo espaço de tempo, a fim de evitar ou minimizar as sequelas. Essa retaguarda, dando a conectividade, com articulação eficaz (no “conjunto articulado e contínuo” previsto no art. 7º, II, da Lei n. 8080/90), para se encontrar em tempo real qual o serviço mais próximo que pode executar aquilo que o paciente precisa naquele momento e para deflagrar as providências para o imediato transporte, na atual rede de urgências e emergências do SUS, é promovida pelo SAMU e suas Centrais de Regulação Médica. É componente relevante, que deixou, há muitos anos, de ser mero conjunto de ambulâncias, ou, no jargão mais popular, “táxi sanitário”. 9/17 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ Procuradoria-Geral de Justiça ‘ Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Proteção à Saúde Pública Rua Mal. Deodoro, 1028, 5º andar, Curitiba - PR. A definição desse serviço, na Política Nacional de Urgências e Emergências, está contemplada também na mesma PT GM MS 1600/11, englobando a regulação médica: Art. 7º O Componente Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU 192) e suas Centrais de Regulação Médica das Urgências tem como objetivo chegar precocemente à vítima após ter ocorrido um agravo à sua saúde (de natureza clínica, cirúrgica, traumática, obstétrica, pediátricas, psiquiátricas, entre outras) que possa levar a sofrimento, sequelas ou mesmo à morte, sendo necessário, garantir atendimento e/ou transporte adequado para um serviço de saúde devidamente hierarquizado e integrado ao SUS. Parágrafo único. O Componente de que trata o caput deste artigo pode se referir a atendimento primário quando o pedido de socorro for oriundo de um cidadão ou de atendimento secundário quando a solicitação partir de um serviço de saúde no qual o paciente já tenha recebido o primeiro atendimento necessário à estabilização do quadro de urgência apresentado, mas que necessita ser conduzido a outro serviço de maior complexidade para a continuidade do tratamento. O grande diferencial que pode levar à integralidade da assistência na urgência são as centrais de regulação médica do SAMU. Suas definições, pela Portaria GM MS n. 2657/2004, são autoexplicativas: “A Regulação Médica das Urgências, operacionalizada através das Centrais de Regulação Médica de Urgências, é um processo de trabalho através do qual se garante escuta permanente pelo Médico Regulador, com acolhimento de todos os pedidos de socorro que acorrem à central e o estabelecimento de uma estimativa inicial do grau da urgência de cada caso, desencadeando a resposta mais adequada e equânime a cada solicitação, monitorando continuamente a estimativa inicial do grau de urgência até a finalização do caso e assegurando a disponibilidade dos meios necessários para a efetivação da resposta definitiva, de acordo com grades de serviços previamente pactuadas, pautadas nos preceitos de regionalização e hierarquização do sistema. É importante lembrar que, a fim de garantir resposta efetiva às especificidades das demandas de urgência, as grades de referência devem ser suficientemente detalhadas, levando em conta quantidades, tipos e horários dos procedimentos ofertados, bem como a especialidade de cada serviço, com este todo organizado em redes e linhas de atenção, com a devida 10/17 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ Procuradoria-Geral de Justiça ‘ Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Proteção à Saúde Pública Rua Mal. Deodoro, 1028, 5º andar, Curitiba - PR. hierarquização, para fins de estabelecermos a identidade entre as necessidades dos pacientes atendidos pelo SAMU-192 e a oferta da atenção necessária em cada momento. As grades de atenção deverão mostrar, a cada instante, a condição de capacidade instalada do sistema regionalizado e suas circunstâncias momentâneas. As Centrais SAMU-192, de abrangência municipal, micro ou macrorregional, devem prever acesso a usuários, por intermédio do número público gratuito nacional 192, exclusivo para as urgências médicas, bem como aos profissionais de saúde, em qualquer nível do sistema, funcionando como importante “porta de entrada” do sistema de saúde. Esta porta de entrada necessita, portanto, de “portas de saída” qualificadas e organizadas, que também devem estar pactuadas e acessíveis, por meio das demais centrais do complexo regulador da atenção, garantindo acesso à rede básica de saúde, à rede de serviços especializados (consultas médicas, exames subsidiários e procedimentos terapêuticos), à rede hospitalar (internações em leitos gerais, especializados, de terapia intensiva e outros), assistência e transporte social e outras que se façam necessárias. Vale salientar que, nos casos em que a solicitação seja oriunda de um serviço de saúde que não possuiu a hierarquia técnica requerida pelo caso, ainda que o paciente já tenha recebido um atendimento inicial, consideramos que este paciente ainda se encontra em situação de urgência nesse caso ele deverá ser adequadamente acolhido e priorizado pela Central de Regulação de Urgências, como se fosse um atendimento em domicílio ou em via publica. Por outro lado, se esse paciente já estiver fora da situação de urgência e precisar de outros recursos para a adequada continuidade do tratamento (portas de saída), a solicitação deve ser redirecionada para outras centrais do complexo regulador, de acordo com a necessidade observada. Esses fluxos e atribuições dos vários níveis de atenção e suas respectivas unidades de execução devem ser pactuados previamente, com o devido detalhamento nas grades de oferta regionais. As Centrais de Regulação de Urgências – Centrais SAMU-192 constituem-se em “observatório privilegiado da saúde”, com capacidade de monitorar de forma dinâmica, sistematizada e em tempo real, todo o funcionamento do Sistema de Saúde, devendo gerar informes regulares para a melhoria imediata e mediata do sistema de atenção às urgências e da saúde em geral. (...) Atribuições específicas: 11/17 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ Procuradoria-Geral de Justiça ‘ Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Proteção à Saúde Pública Rua Mal. Deodoro, 1028, 5º andar, Curitiba - PR. I - manter escuta médica permanente e qualificada para este fim, nas 24 horas do dia, todos os dias da semana, pelo número gratuito nacional das urgências médicas: 192; II - identificar necessidades, por meio da utilização de metodologia adequada, e classificar os pedidos de socorro oriundos da população em geral, a partir de seus domicílios ou de vias e lugares públicos; III - identificar, qualificar e classificar os pedidos de socorro oriundos de unidades de saúde, julgar sua pertinência e exercer a telemedicina sempre que necessário. Discernir sobre a urgência, a gravidade e o risco de todas as solicitações; IV - hierarquizar necessidades; V - decidir sobre a resposta mais adequada para cada demanda; VI - garantir os meios necessários para a operacionalização de todas as respostas necessárias; VII - monitorar e orientar o atendimento feito pelas equipes de Suporte Básico e Suporte Avançado de Vida; VIII - providenciar os recursos auxiliares de diferentes naturezas necessários para complementar a assistência, sempre que necessário; IX - notificar as unidades que irão receber pacientes, informando às equipes médicas receptoras as condições clínicas dos pacientes e possíveis recursos necessários; X - permear o ato médico de regular por um conceito ampliado de urgência, acolhendo a necessidade expressa por cada cidadão, definindo para cada um a melhor resposta, não se limitando apenas a conceitos médicos pré-estabelecidos ou protocolos disponíveis”. Assim, é possível se estabelecer, com segurança para a população, em qualquer município brasileiro (por menor que seja) porta de entrada 24h na urgência e emergência, mesmo tão somente na atenção básica, através de acolhimento e classificação de risco – desde que conectado e inserido a todos os pontos de atenção 12/17 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ Procuradoria-Geral de Justiça ‘ Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Proteção à Saúde Pública Rua Mal. Deodoro, 1028, 5º andar, Curitiba - PR. (até a alta complexidade hospitalar) que o paciente precisar, através de regulação médica de urgências, hoje executada pelo SAMU com suas centrais de regulação. A Norma Operacional a Norma Operacional de Urgências e Emergências no Paraná, validada pela Deliberação CIB-PR n. 363/2013, esclarece a abrangência das atividades das centrais de regulação de urgência: “O processo de regulação possui duas ações complementares: a regulação da urgência, e o controle operacional da frota assistencial. Enquanto a primeira envolve a solicitação, a situação clínica do doente, a gestão da assistência imediata e continuada do paciente e a gestão do acesso ao serviço médico de urgência incluindo o tratamento definitivo, a segunda se restringe aos aspectos logísticos do atendimento e do transporte. Ambas são igualmente relevantes, porém a segunda tem sua significância apenas quando integrada e complementar à primeira. (...) O controle operacional da frota, por sua vez, inclui não somente o manejo da frota de urgência, mas também a frota aeromédica / aquaviária e as atividades de atendimento programado ou eletivo, quando envolverem sua frota operacional. O processo de regulação médica da urgência tem início a partir da identificação do quadro por parte da equipe de regulação, e só se encerra, portanto, após o acolhimento definitivo do paciente no serviço médico capaz de prover a assistência emergencial necessária para a estabilização clínica do paciente, mesmo sem leito ainda disponível para internação. A partir desta etapa, tem início a regulação de acesso ao leito especializado”. Contudo, enquanto o município se não estiver integrado no SAMU, não conta com essa regulação de urgências e emergências, mas apenas com a Central Estadual de Regulação de Leitos, que não executa a regulação dos serviços de urgência e emergência, mas sim somente o acesso aos leitos hospitalares especializados, cuja busca segue padrões e tempos diversos, incompatíveis com a celeridade que o paciente 13/17 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ Procuradoria-Geral de Justiça ‘ Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Proteção à Saúde Pública Rua Mal. Deodoro, 1028, 5º andar, Curitiba - PR. em situação de urgência precisa. Em tal circunstância, pela sua própria condição, e também pelo maior risco, a inserção do paciente apenas pela lógica da regulação de leitos pode implicar em danos à melhor assistência ao usuário SUS, quando a administração municipal não atende as necessidades de urgência ora mencionadas – isso sem excluir, necessariamente, a atenção que seja conferida nos estabelecimentos de saúde locais. Tal circunstância, pela sua própria condição, implica em dano á melhor assistência ao usuário SUS, por a administração municipal não se inserir positivamente numa rede que melhor poderia atender as necessidades ora mencionadas, isso sem excluir qualquer outro ponto de atenção. Voltando ao exemplo do paciente em suspeita de infarto agudo do miocárdio: quando acolhido em qualquer porta de entrada, precisa ser precisamente avaliado, para ser imediatamente transferido para o estabelecimento que possa executar a angioplastia (procedimento médico de intervenção cirúrgica) – e não para um leito hospitalar, já que, em princípio, o paciente carece de atendimento interventivo, e não de leito. Quando admitido em qualquer ponto de atenção de urgência (mesmo em hospital, mesmo em consulta médica), sem a retaguarda da regulação médica de urgências do SAMU, a única regulação acessível é a de leitos especializados, cujo tempo de resposta é muito mais lento e inadequado, pois somente se destina para os casos em que já houve a estabilização do paciente. Ficará então muito mais do que aquelas seis horas do padrão-ouro de cuidados da medicina. Poderá morrer ou ficar com sequelas irreversíveis. Por razões como tais é que se reconhece que o SAMU diminuiu muito a mortalidade no país, não pelo mero aumento da frota de ambulâncias, mas, em especial, pela regulação médica que executa, aproximando-se da integralidade da assistência prometida pela Lei n. 8080/90. 14/17 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ Procuradoria-Geral de Justiça ‘ Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Proteção à Saúde Pública Rua Mal. Deodoro, 1028, 5º andar, Curitiba - PR. Aliás, hoje, a Norma Operacional de Urgências e Emergências no Paraná, validada pela Deliberação CIB-PR n. 363/2013, diferencia a regulação do serviço de urgência da busca do leito: “O direcionamento de pacientes para continuidade terapêutica mediante internação hospitalar em leitos especializados só pode ser adotado após o atendimento inicial e estabilização clínica, onde as situações de urgência tenham sido devidamente controladas, seja através de medidas terapêuticas em caráter ambulatorial ou hospitalar, o que pode incluir frequentemente a realização de procedimentos cirúrgicos de emergência. A ocupação de leito hospitalar é decorrência direta da modalidade terapêutica necessária para o paciente. Esta, por sua vez, só é viável após a determinação do diagnóstico definitivo (preferencialmente) ou sindrômico, e após os procedimentos emergenciais. Não é possível condicionar a medida diagnóstica ou terapêutica de urgência à pré-existência de leito para internação. Não é adequado cercear o acesso do paciente à medida de estabilização clínica condicionando a à existência de um recurso ou modalidade terapêutica que sequer esteja definitivamente estabelecida como imprescindível. A busca de leito especializado, portanto, deve ser amparada em um sistema gerencial efetivo, utilizado por equipe de regulação experiente, e concretizada assim que o paciente for retirado da condição de urgência. Desta conceituação depreende-se o papel integrado e complementar da regulação de leito especializado em função da regulação da urgência.” Todas essas ponderações são expostas em mero esforço de argumentação a respeito de que a porta de entrada de urgência e emergência, com resolutividade e acesso a todos os serviços necessários (inclusive de alta complexidade hospitalar), não se dá apenas com a oferta isolada de serviços de consultas médicas, como hoje normalmente se passa. 15/17 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ Procuradoria-Geral de Justiça ‘ Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Proteção à Saúde Pública Rua Mal. Deodoro, 1028, 5º andar, Curitiba - PR. Não raro as Secretarias Municipais de Saúde investem elevados valores para remuneração de plantões médicos para consultas em prontos-atendimentos e/ou hospitais, o que, como visto, não garante a resolutividade que o paciente pode precisar, nem a integralidade da assistência. Possivelmente outras despesas e outros fornecedores de serviço deixam de integrar o gasto público ante tal despesa elevada. Insiste-se no exemplo do infarto agudo do miocárdio, infelizmente tão comum. Aos mesmos riscos de morte ou sequelas irreversíveis, na prática, acaba sendo exposto o paciente atendido num estabelecimento local de saúde. A mera consulta médica, embora dê acolhimento e atenção ao usuário, não lhe garante acesso a angioplastia no tempo certo, pois é serviço de alta complexidade que em poucos estabelecimentos de saúde se oferecem, aos quais a municipalidade somente terá acesso através da regulação de leitos especializados, se não estiver inserida no SAMU. Ao atender um paciente em suspeita de em município não integrado ao SAMU, o médico deverá acionar a Central Estadual de Regulação de Leitos, que somente irá efetuar busca de leito hospitalar de cardiologia cirúrgica, o que, por certo, levará muito mais do que as seis horas recomendadas, senão dias ou até semanas. E essa unidade de atendimento não disparará nenhuma ambulância com equipe técnica e insumos para o transporte sanitário que o paciente possa necessitar naquele momento. Se eventualmente o quadro clínico piorar enquanto o usuário aguarda o leito cardíaco especializado (como, por exemplo, evoluir para dificuldades respiratórias, precisar então ser entubado e mantido em ventilação assistida), dificilmente essa central de regulação, ou a própria Secretaria Municipal de Saúde, conseguirá disponibilizar ambulância com tal suporte assistencial a tempo. O óbito, evitável de outro modo, pode se tornar inevitável. Enfim, a opção de manter porta de entrada municipal para urgências e emergências, se mantida isolada, não é garantidora de integralidade da assistência na urgência e emergência, hoje existente nos termos da Política Nacional de Urgências, da PT GM MS n. 1600/2011. 16/17 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ Procuradoria-Geral de Justiça ‘ Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Proteção à Saúde Pública Rua Mal. Deodoro, 1028, 5º andar, Curitiba - PR. É importante que os atores envolvidos no controle social, em especial ao protagonizar a conferência municipal de saúde, compreendam a fratura assistencial e seus riscos potenciais aos pacientes, que se enfrenta enquanto o município não está inserido na rede do SAMU regional. Por todas essas relevantes razões, solicita-se a adoção de todas as providências necessárias, para que, na próxima conferência municipal de saúde, seja discutida, analisada, deliberada e aprovada diretriz e estratégia, para incorporação no próximo plano municipal de saúde, de adesão do município no SAMU regional. É crucial que todos os municípios paranaenses façam parte da rede estadual de urgências, com adesão regular e formal ao SAMU. Na oportunidade, reiteramos manifestação consideração. Fernanda Nagl Garcez Promotora de Justiça Marco Antonio Teixeira Procurador de Justiça 17/17 de elevada