1 MANIFESTAÇÕES PULMONARES DA DOENÇA DO COLÁGENO Autores: Nataly Sacco Aluna do quarto ano médico Integrante da Liga de Pneumologia Faculdade de Medicina de Botucatu Simone Alves do Vale Médica da Disciplina de Pneumologia Departamento de Clínica Médica Faculdade de Medicina de Botucatu Capítulo 25 2 Introdução As doenças do colágeno (DC) são doenças sistêmicas com características autoimune que afetam principalmente as articulações, no entanto, as complicações pulmonares são frequentes e podem se manifestar isoladamente ou em concomitância ao quadro articular. O acometimento pulmonar nas doenças do colágeno é diverso e pode incluir o parênquima, as vias aéreas, a pleura, a circulação e os músculos respiratórios. É importante mencionar que o comprometimento pulmonar pode estar envolvido ao comprometimento sistêmico da doença de base, às infecções secundárias ou mesmo como reação adversa às medicações utilizadas para o tratamento das colagenoses.(1) Os pacientes que apresentam acometimento pulmonar possuem risco de morbi e mortalidade aumentado, este fato está associado a própria evolução do quadro de fibrose pulmonar, ou também por complicações como hemorragia alveolar e infecções pulmonares. A evolução clínica é muito variável, podendo apresentar caráter reversível ou irreversível e também pode ser lenta ou rapidamente progressiva.(2) Várias patologias podem comprometer o pulmão, entre elas as mais comuns são: artrite reumatóide (AR), esclerose sistêmica (ES), polimiosite/ dermatopolimiosite (PM/ DM), Síndrome de Sjögren (SS) e Lupus eritematoso sistêmico (LES). Por se tratar de um grupo heterogêneo de doenças sistêmicas, a incidência do comprometimento pulmonar é variável. É estimado que mais de 20% dos pacientes com doença do colágeno possam apresentar sintoma respiratório como manifestação inicial. Consequentemente, sempre deve ser pesquisado o envolvimento de doenças do colágeno oculta nos pacientes com doença pulmonar idiopática.(3) 3 Fisiopatologia Na maioria dos casos, o comprometimento pulmonar associado às doenças do colágeno ocorre em decorrência ao processo inflamatório aumentado. A inflamação pode ser definida pelo aumento de células inflamatórias como macrófagos e linfócitos e também pelo aumento de citocinas como interleucina 6 e fator de necrose tumoral alfa. Além disso, pode ser encontrado processo inflamatório nos vários compartimentos do pulmão, que pode ser encontrado em várias doenças pulmonares idiopáticas, o que dificulta o diagnóstico. Quadro clínico O sintoma principal nos pacientes que já apresentam comprometimento pulmonar é a dispneia, de caráter insidioso, mas com evolução de piora progressiva. No entanto, outros sintomas respiratórios podem ser relatados como tosse seca, chiado, dor torácica pleurítica e hemoptise.(3) No exame físico torácico, a alteração mais frequente é a presença de crepitações finas inspiratórias nas bases pulmonares na ausculta do tórax.(2) Como as doenças do colágeno podem apresentar manifestações sistêmicas, a identificação de comprometimentos articulares, de pele, gastrointestinais, renais e hematológicas ajudam a delinear o diagnóstico do quadro clínico. Diagnóstico O diagnóstico da doença pulmonar associado a doenças do colágeno é realizado pela correlação clínica, funcional e radiológico. Quando o paciente já apresenta diagnóstico da doença de base, e surgem sintomas respiratórios, estes devem ser investigados como possível manifestação pulmonar da doença do colágeno. Por outro lado, os casos em que a manifestação clínica inicial é pulmonar, a complementação da investigação diagnóstica deve ser 4 realizada seguindo exames funcionais, radiológicos e laboratoriais para confirmação etiológica da doença pulmonar. 1- Função Pulmonar O teste de espirometria simples, na maioria dos casos, revela alteração típica de doença restritiva, caracterizado pela redução da capacidade vital forçada (CVF), da redução do volume expirado forçado no primeiro segundo (VEF1) proporcionalmente em relação à CVF, o que mantém a relação VEF1/CVF normal. O diagnóstico de restrição pode ser confirmado pela identificação da redução da capacidade pulmonar total e do volume residual.(4) em teste de função pulmonar mais completa como a pletismografia. Além disso, a difusão de monóxido de carbono (DLCO) também se encontra reduzida nestas patologias e, estas alterações, são compatíveis às doenças de comprometimento intersticial. Por outro lado, estes achados não são específicos das doenças associadas ao colágeno e, portanto, deve ser sempre utilizada em conjunto com outros achados de exames clínicos, radiológicos e laboratoriais. 2- Radiograma de tórax O radiograma de tórax deve ser sempre avaliado como exame complementar quando houver hipótese diagnóstica de comprometimento pulmonar associado à doença do colágeno, por ser simples, de fácil acesso e de baixo custo. Por outro lado, o acometimento pode ser de vários aspectos e inespecíficos, independente da patologia de base. Estes achados incluem o comprometimento reticulonodular, nodular ou reticular; localizado ou difuso e periférico ou central. Além disso, pode ser identificada redução volumétrica importante nos casos mais extensos da doença. Também deve ser salientado que exame normal não exclui o comprometimento pulmonar, pois nas formas iniciais da doença ela é pouco sensível para detectar as alterações, desta forma, a tomografia computadorizada de alta resolução (TCAR) de tórax deve 5 ser sempre solicitada na avaliação das complicações pulmonares das colagenoses.(5) 3- Tomografia computadorizada de tórax de alta resolução (TCAR) Como já dito anteriormente, a TCAR de tórax apresenta sensibilidade melhor para detecção de alterações pulmonares em decorrência da melhor capacidade resolutiva das pequenas estruturas pulmonares. A avaliação da TCAR pode evidenciar o envolvimento de um ou de vários compartimentos simultaneamente, tais como o interstício, os vasos, o tecido linfático, as vias aéreas e a pleura.(6) Os achados podem ser diversos, como vidro fosco, opacidades intralobulares, espessamento dos septos interlobulares, consolidações, nódulos, cistos, bronquiectasias e bronquioloectasias de tração e padrão de pavimentação em mosaico. Padrões mais crônicos, como reticulado e faveolamento também podem ser encontrados. 4- Lavado broncoalveolar (LBA) A broncoscopia com lavado broncoalveolar (LBA) é exame mais invasivo que os citados anteriormente. Sua principal indicação é a exclusão de complicações infecciosas e de doenças malignas. A contagem de células do LBA pode identificar predomínio de determinado processo inflamatório, o que indica a possibilidade de doenças coexistentes, como por exemplo, a presença de eosinofilia no LBA, pode indicar diagnóstico de reação a drogas.(5) 5- Biópsia pulmonar Atualmente o papel da biópsia pulmonar cirúrgica é incerto para a histopatologia nos pacientes com diagnóstico de doença do colágeno estabelecida, pois a TCAR pode dar informações quanto ao padrão radiológico e extensão da DPI, com alto grau de confiança. O padrão tomográfico associado aos achados clínicos por terem boa correlação com o padrão histológico tornam a biópsia à céu aberto desnecessária.(7) Por outro lado se 6 não houver diagnóstico da doença latente, a biópsia pode auxiliar na determinação do diagnóstico, prognóstico e orientar decisões terapêuticas. 6- Histopatologia O padrão histopatológico mais frequente nas doenças do colágeno é a pneumonite intersticial não específica (PINE) exceto na AR, em que o padrão mais frequente é a pneumonite intersticial usual (PIU). Outro achado comum na AR é encontrar várias fases de evolução da doença no mesmo tecido pulmonar, ou seja, pode ser encontrado comprometimento agudo, subagudo e crônico.(5,2) Outra alteração presente nesta classe de doenças é a pneumonite em organização, que é mais comum na AR, DM/PM.(2) Tratamento: Não há consenso se todos pacientes com manifestação pulmonar de doenças do colágeno devem receber tratamento farmacológico. Recomenda-se tratamento com imunossupressor quando houver manifestações extratorácicas. Atualmente, para aqueles com comprometimento pulmonar, a recomendação de tratamento farmacológico está indicada para os pacientes que apresentam doença intersticial à TCAR e comprometimento clínico significante ou doença com piora progressiva. A doença de caráter progressivo pode ser determinada funcionalmente pela função pulmonar com a identificação de diminuição de 10% na CVF ou de 15 % na DLCO. Além disso, nesses casos deve-se avaliar a possibilidade de melhora com o tratamento e a existência de contraindicações ao tratamento farmacológico.(7) O tratamento das manifestações pulmonares das doenças do colágeno tem por objetivo a melhora funcional e da qualidade de vida, com o alívio dos sintomas e aumentar a sobrevida. O tratamento farmacológico é centrado no uso de agentes imunossupressores, porém os efeitos adversos e toxicidade são usuais durante o tratamento. Além disso, para avaliação da resposta ao tratamento e seguimento da doença, é indicada a realização de testes que 7 avaliam a dispnéia, a qualidade de vida e a capacidade funcional de exercício. A espirometria e os exames de imagem também devem fazer parte do seguimento do tratamento. Em relação às drogas utilizadas para o tratamento, os corticosteróides são utilizados amplamente, pois apresentam ação anti-inflamatória e imunossupressora, boa eficácia e ação rápida para conter o processo inflamatório. Outro fármaco imunossupressor utilizado é a ciclofosfamida, este com potência maior, está indicado quando há presença de vasculite sistêmica ou nefrite lúpica. A azatioprina também pode ser utilizada como droga alternativa nos casos de DC associado ao comprometimento pulmonar intersticial, entretanto, há necessidade de mais estudos para suas recomendações. Outro fármaco que pode ser prescrito é o Metotrexate (MTX), medicação efetiva no tratamento de AR, por outro lado não existem estudos que comprovem sua eficácia no tratamento de doença pulmonar intersticial relacionado à DC. Além disso, o MTX pode desencadear efeito adverso sério como lesão pulmonar induzida por drogas, o que dificulta a diferenciação da piora do quadro pulmonar em decorrência ao uso do fármaco ou pela evolução da doença de base.(7) Relato de caso Paciente de 38 anos, sexo masculino, branco, não tabagista. Foi encaminhado à avaliação pneumológica devido aos sintomas de tosse seca e dispnéia com evolução há dois anos e piora progressiva. Referia também dificuldade de deglutição para alimentos sólidos e alteração de coloração dos dedos quando expostos ao frio. Ao exame físico identificou-se crepitações finas nas bases pulmonares e discreto baqueteamento digital. Foram solicitados radiograma de tórax que mostrava redução volumétrica dos pulmões com padrão reticular difuso (Figura 1) e Tomografia Computadorizada de alta resolução (TCAR) de tórax mostrou áreas em vidro fosco em ambos os pulmões, principalmente nas bases e na periferia, associadas a importante espessamento de septos intra e interlobulares.(2,3) Espirometria com 8 insuficiência pulmonar ventilatória restritiva grave sem resposta ao broncodilatador (Tabela 1). Avaliação conjunta com reumatologia detectou esclerodactilia, telangectasia facial, microstomia, fenômeno de Raynaud, acroesclerose. A cintilografia de esôfago detectou adinamia de segmento inferior do esôfago. Feito diagnóstico de esclerose sistêmica foi indicado tratamento com sessões de pulsoterapia com ciclofosfamida a cada seis semanas. Apesar do tratamento instituído o paciente evoluiu com piora dos sintomas respiratórios, hipertensão pulmonar (HP) e hipoxemia crônica. Iniciou tratamento específico para HP com antagonista do receptor da endotelina e oxigenoterapia domiciliar prolongada. Atualmente, paciente apresentou melhora parcial dos sintomas com regressão da classe funcional (New York Association modificado para hipertensão pulmonar) de IV para III. Figura 1: Radiografia do tórax em PA : redução volumétrica dos pulmões com padrão reticular difuso. 9 Figura 2: TCAR do tórax com espessamento dos septos inter e intralobulares, com áreas de faveolamento. Redução volumétrica dos pulmões. Tabela 1: Função pulmonar: Insuficiência pulmonar restritiva grave, sem resposta ao broncodilatador Pré Bd % pred Pós Bd % pred CVF 1,40 39 % 1,45 40 % VEF1 1,21 40 % 1,28 43 % VEF1/CVF 0,86 103 % 0,88 105 % Discussão: A esclerose sistêmica é pouco freqüente e mais incidente no sexo feminino (3:1). Pode apresentar comprometimento de pele e órgãos internos. As principais manifestações pulmonares são doença pulmonar intersticial (DPI) e hipertensão pulmonar (HP) podendo comprometer em até 70% e 50% respectivamente, em estudos de autópsia.(7,8) É uma doença heterogênica caracterizada por disfunção endotelial e produção excessiva de colágeno e disfunção do sistema imunológico.(10) 10 A esclerodermia é dividida em difusa e limitada. A forma difusa tem evolução mais rápida e grave e mais relacionada a (DPI) enquanto que a forma limitada está mais relacionada à HP mas as duas formas podem estar associadas.(3,7) Relatamos o caso de um paciente que teve como sintomas iniciais da doença quadro apresentava respiratório, entretanto, o evolução crônica grave e comprometimento que após alguns intersticial anos de acompanhamento também manifestou hipertensão arterial pulmonar. Referências: 1- Costa AN, Baldi BG, Kairalla RA. Pneumopatias associadas às colagenoses. Pneumologia atualização e reciclagem. 2009; 295-308 2- Goh NSL. Connective Tissue Disease and the Lung. Clin Pulm Med 2009;16: 309–314 3- Frankel S, MD, Brown K. Collagen Vascular Diseases of the Lung. Clin Pulm Med 2006;13: 25–36 4- Pereira AC, Neder JA, et al. Diretrizes para testes de função pulmonar. J pneumol 2002; 28: 1-238 5- Antoniou K, Margaritopoulos G, Economidou F, et al. Pivotal clinical dilemmas in collagen vascular diseases associated with interstitial lung involvement. Eur Respir J 2009; 33: 882–896 6- Silva C, Müller N. Manifestações intratorácicas das doenças do colágeno na tomografia computadorizada de alta resolução do tórax. Radiol Bras. 2008;41(3):189–197 7- Fischer A, Brown K, Frankel S. Treatment of Connective Tissue Disease-Associated Interstitial Lung Disease. Clin Pulm Med 2009;16: 74–80 8- Kairala RA. Doença intersticial pulmonar na esclerodermia. J Bras Pneumol. 2005;31(4):i-iii 11 9- Woodhead F, Well AU, Desai SR. Pulmonary complications of connective tissue diseases. 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