O mercado e a saúde: ensaio de uma abordagem econômica

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O mercado e a saúde – ensaio de uma abordagem econômica aplicada à
saúde
Para que um mercado seja considerado aberto e operando livremente admite-se
que não haja nenhuma interferência ou controle externo às forças do próprio
mercado. Nesse caso, também são percebidas como interferência toda e qualquer
intervenção governamental, inclusive aquelas relacionadas com a persuasão moral,
compreendida como o apelo à consciência social, responsabilidade social ou
consideração do bem-estar público.
Dessa forma, em tese, as leis do mercado operando livremente por meio das
relações oferta e demanda, em que as empresas e consumidores buscarão
maximizar seus anseios – lucro e satisfação – devem ou deveriam ser capazes de
ajustar a disponibilidade dos bens e serviços a todas as necessidades existentes, a
preços justos e equilibrados, em um dado período de tempo. Porém, a realidade
corrobora essa teoria?
Assim, serão abordados aqui fundamentos econômicos que norteiam as relações de
oferta e demanda em um sistema de economia de mercado, além do
comportamento esperado dos ofertantes e consumidores. A partir desse enfoque
econômico, buscar-se-á contextualizar esse modelo em frente ao setor saúde,
discutindo sua aplicabilidade, sua limitação e restrições no tocante à efetiva
capacidade de o mercado regular adequadamente as relações nesse campo. Por
fim, será discutida a propagada e polarização ideológica existente no setor saúde,
ou seja, Estado versus mercado.
Renda monetária e demanda
Naturalmente não se tem o objetivo de desenvolver, neste tópico, uma teoria
completa da renda e, principalmente, da demanda. Pretende-se somente, a partir
de uma introdução simplificada à teoria da demanda, possibilitar uma compreensão
suficiente e necessária ao desenvolvimento do problema da regulação do setor
saúde pelas leis do mercado, que se fará doravante.
Os detentores dos fatores de produção – capital e trabalho – que integram um
sistema econômico são chamados de agentes econômicos. São eles os empresários,
outros proprietários de recursos, trabalhadores e consumidores, que têm a
propriedade e a propensão natural a transformarem-se todos em consumidores.
Isso ocorre em função da remuneração dos referidos fatores de produção, aos quais
chamamos de renda monetária – lucro, juros, aluguéis e salários. Obviamente,
outras pessoas que não recebem renda monetária diretamente, mas são
dependentes destes, são também consumidores (Montoro Filho, 1992).
Cada unidade familiar e/ou consumidor irá definir como alocar sua renda monetária
limitada, num dado período de tempo, em frente aos inúmeros bens e serviços
disponíveis, de maneira a maximizar seu bem-estar econômico. A essa propensão a
consumir, com base numa estrutura de preferências e numa restrição
orçamentária, denominamos demanda. Entretanto, objetivamente falando, não se
deve confundir procura com compra, nem oferta com venda propriamente dita.
Nesse campo, onde a demanda é um desejo de adquirir por unidade de tempo, dois
pressupostos relacionados com a atuação racional dos consumidores devem ser
considerados...
 sua capacidade de realizar escolhas com clareza;
 sua coerência decisória.
No mesmo sentido, destacamos também alguns fatores ou variáveis que
influenciam o desejo de adquirir e se apresentam como determinantes da demanda,
segundo Iunes (1995)...
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estrutura de preferências do consumidor;
a qualidade percebida sobre um bem ou serviço;
o preço do bem ou serviço;
preço de outros bens ou serviços;
a renda disponível do consumidor.
Em termos econômicos, ceteris paribus, podemos dizer que a demanda é função do
preço e atribuir a essa variável a maior relevância na determinação da demanda
por um bem ou serviço, havendo uma relação inversa entre o preço e a quantidade
a ser adquirida num certo período de tempo. A curva de demanda nos dá o
conjunto de todas as combinações possíveis entre preços e quantidades. (...)
Conforme analisa Iunes (1995: 103)... Essa relação inversa é intuitiva e se explica
por dois fatores: em primeiro lugar, porque os preços maiores reduzem a renda
disponível do consumidor e, portanto, reduzem a quantidade a ser adquirida; em
segundo lugar, porque nenhum bem ou serviço – incluindo os serviços de saúde ou
até mesmo a saúde – é considerado estar acima de todos os demais, o que implica
que qualquer bem ou serviço possui um substituto mais ou menos perfeito. O
consumidor estaria então substituindo o produto mais caro por outro(s) mais
acessível(is).
Como os preços de outros bens e serviços também são relevantes na determinação
da demanda de um produto específico, faz-se necessária a consideração, por ora,
da relação entre a procura por um bem e o preço dos outros bens. Naturalmente o
efeito a ser produzido dependerá do tipo de relação existente entre os dois bens ou
serviços comparados. Se forem produtos substitutos, a elevação no preço de um
provavelmente acarretará um aumento na quantidade demandada do outro.
Diferentemente, se os produtos forem complementares – tipo pão e manteiga,
medicamento injetável e seringa – uma alteração no preço de um produzirá uma
alteração no mesmo sentido daquele que é consumido conjuntamente.
Nesse contexto, considerando que a variável preço é relativa – em termos nominais
e reais – em frente à variável renda e esta, por sua vez, também se apresenta
como determinante da demanda, torna-se necessária a seguinte consideração...
qual a relação entre a procura de um bem ou serviço e a renda do consumidor?
De maneira geral, existe uma relação crescente e direta entre a renda e a demanda
por um bem ou serviço – bens normais –, na medida em que o indivíduo, ao
melhorar seu padrão de riqueza tenderá a aumentar também seu padrão de
consumo. Entretanto, essa regra não se aplica a todos os indivíduos nem a todas as
situações. Podem ocorrer alguns casos específicos em que tal regra não se aplique,
como...
consumo saciado – ocorre quando um indivíduo está plenamente satisfeito com o
consumo de um bem ou serviço, não alterando a quantidade procurada por unidade
de tempo, com a alteração da renda;
bens inferiores – produtos cuja demanda se reduz com o aumento da renda. Por
exemplo: banha, carne de segunda, produtos usados, etc. [...]
Fonte
SANTOS, Sílvio César Machado dos. O mercado e a saúde – ensaio de uma
abordagem
econômica
aplicada
à
saúde.
Disponível
em:
<http://portalteses.cict.fiocruz.br/transf.php?script=thes_chap&id=00004303&lng=
pt&nrm=iso>. Acesso em: 08 ago. 2005.
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