Banco Central e conselho monetário O Banco Central do Brasil é, na prática, um dos mais independentes do mundo há uma década. Fez uma desastrosa âncora cambial promovendo a valorização do real frente ao dólar sob o comando de Gustavo Franco, na década final do século passado. Desde 1999, sob dois diferentes governos e vários presidentes do banco, vem implementando o programa de metas inflacionárias que utiliza a taxa de juros como suposta âncora no combate à inflação. As diretorias do banco têm feito o que entendem ser adequado à chamada defesa da moeda. Por que então o recorrente impulso pela oficialização dessa independência e autonomia? Mas qual delas? A operacional ou a total? Têm ocorrido então sucessivas ondas de debates inconclusivos? Não por acaso, já que pesquisas têm revelado que, justamente do ponto de vista empírico, não tem sido possível chegar a uma conclusão sobre a eficácia ou não da independência/autonomia dos bancos centrais para a almejada estabilidade monetária. Há indicações tanto em uma direção quanto em outra. No artigo A proposta de independência do Banco Central: uma visão crítica, da autoria de Selene Peres Peres Nunes, da Secretaria do Tesouro Nacional/MF, e de Ricardo da Costa Nunes, também da Secretaria do Tesouro Nacional/MF, os seguintes são seus comentários finais: A proposição de que o sucesso da proposta de independência do banco central seria comprovado pela experiência de vários países que já a adotaram é também contestada com base no caráter individualizado da experiência da independência que torna difíceis as comparações. Há vários graus de independência distintos e a legislação nem sempre é um bom referencial, pois pode estar distanciada da prática. Conclui-se, portanto, que a independência é difícil de conceber e ainda mais difícil de mensurar, devendo-se buscar o grau de independência mais adequado às particularidades de cada país, considerando os objetivos de um banco central e a sua interação com a política econômica nos vários arranjos nacionais possíveis. Não é possível comprovar empiricamente que esse é o único caminho para a estabilidade de preços, ou mesmo que fator preponderante. Assim sendo, defendo neste artigo que é aceitável a independência/autonomia operacional, desde que em simultâneo à constituição de um Conselho da República que pode vir a ser o Conselho Monetário Nacional transformado. Este então ficaria encarregado da formulação integrada das políticas monetária, cambial e fiscal sob a evidente liderança do Presidente da República. A bem da verdade, mesmo nos países onde existe a tal independência é através da interação de diversas forças do governo e da sociedade que se formula a política econômica. Só a má-fé ou a ignorância podem pretender que a política monetária possa ser algo apenas tecnicamente determinável e separável da política tomada em seu sentido mais nobre. Pois bem, se no mundo real tem sido assim e se no Brasil a independência do Banco Central, ocorrida na prática, não produziu mais do que uma economia de baixa inflação e baixo crescimento, quais os interesses que se posicionam insistentemente sobre o pretendido Banco Central independente? É inevitável perceber que o regime de política econômica no Brasil de 10 anos para cá, ou mais precisamente, desde o Plano Real, não tem recebido grandes oposições das forças políticas e econômicas dominantes. As vozes que são efetivamente [...] ouvidas na sociedade, que comandam os meios de comunicação, nutrem apoio explícito ou implícito à política econômica vigente. São essas as forças oriundas das seguintes fontes... a tesouraria das grandes empresas do comércio e da indústria; as famílias proprietárias de alta ou média riqueza; os bancos e o sistema financeiro em geral. Não existe por parte delas uma efetiva movimentação pela mudança dos rumos mesmo quando algumas insinuem o contrário. Assim, é compreensível que a proposta do déficit nominal zero e de um certo banco central independente sejam coerentemente defendidas tanto por empresas financeiras quanto pelas ditas empresas produtivas, cujo símbolo maior é a FIESP - Federação das Indústrias do Estado de São Paulo. Esses setores, empresas e pessoas físicas seguem acumulando riqueza a despeito dos percalços da economia em seu conjunto quanto a ciclos de stop and go. É o que demonstram os balanços das grandes empresas comerciais e industriais e não apenas as tão proeminentes empresas financeiras. É necessário que sobrem recursos orçamentários para pagar as dívidas públicas a qualquer custo; custo esse a ser assegurado por um banco central independente. Por essa razão as forças que pretendem mudanças ficam tão isoladas socialmente, com o que algumas insistem em imaginar alianças produtivistas, como se no capitalismo moderno existisse uma contradição maior de interesses entre o chamado capital industrial e o capital bancário, tal como existia nos tempos do século XIX – Marx – ou mesmo nos tempos do Keynes das décadas de 1930 e 1940, em que essa oposição já desaparecia, mas não a ponto de impedir o economista Lord de acreditar em uma eutanásia do rentismo. Se as forças acima analisadas seguirem predominando, não há dúvida de que emplacarão [...] déficit zero/banco central independente – de novo, um certo banco central. O escape diante dessa armadilha não é fácil, como se sabe. Desde logo, ele implica sinalizar que as responsabilidades fiscal e monetária são tão necessárias quanto possíveis em uma outra estratégia que se venha a construir. Isto é importante para que não ocorram situações vulneráveis a vetos de mercado – tais como recusa de títulos públicos, fuga de capitais etc. Nesse sentido, pode-se combinar a mencionada autonomia operacional do Banco Central com a nova configuração do Conselho Monetário Nacional em que as decisões não se resumam a decisões oligopolísticas dos Ministros da Fazenda, do Planejamento e do Presidente do Banco Central com base nos palpites originados no mercado, isto é, fundados nos desejos dos proprietários da riqueza. Fora dessa combinação, a independência a seco mais déficit nominal zero é golpe certeiro contra o desenvolvimento e incerto quanto à verdadeira estabilização. 2 Fonte BRAGA, José Carlos de Souza. Banco Central e o Conselho Monetário. Disponível em: <http://www.desempregozero.org.br/artigos/banco_central_e_conselho_monetario .pdf>. Acesso em 24 jul. 2007. 3