EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA __ VARA DA FAZENDA PÚBLICA DA COMARCA DE CURITIBA O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ, representando interesses indisponíveis da sociedade, por seus agentes adiante subscritos, em exercício junto no Centro de Apoio e na Promotoria de Proteção à Saúde Pública, situados na Avenida Marechal Floriano Peixoto, n.º 1.251, CEP 80.230-110, em Curitiba/PR, usando das atribuições que lhes são conferidas pelos arts. 127, caput, e 129, III, da Constituição da República, e também amparados pelo art. 120, III, da Constituição do Estado do Paraná, e com fundamento no art. 25, IV, alínea “a”, da Lei Federal n.º 8.625, de 12-2-1993, em combinação com os arts. 57, IV, alínea “b”, da Lei Complementar Estadual n.º 85, de 27-12-1999; 3º, 5º, 11, 12 e 19, todos da Lei Federal n.º 7.347, de 24-7-1985, e 273 e 461, caput, parágrafos 3º e 4º, do Código de Processo Civil Brasileiro, e demais disposições pertinentes mencionadas ao longo desta petição (Lei nº 8.080/90, Lei nº 10.216/01, Lei Estadual nº 14.254/03), bem como no Inquérito Civil Público nº 03/03, em anexo, vem, respeitosamente, à presença de Vossa Excelência, propor a presente AÇÃO CIVIL PÚBLICA, com pedido de antecipação de tutela e de multa cominatória, contra o ESTADO DO PARANÁ, pessoa jurídica de direito público interno, ora representado pelo senhor Procurador-Geral do Estado, doutor Sérgio Botto de Lacerda, com endereço na Rua Conselheiro Laurindo, n.º 561, CEP 80.060-100, Centro, Curitiba-PR; e o MUNICÍPIO DE CURITIBA, pessoa jurídica de direito público interno, ora representado pelo senhor Procurador-Geral do Município, doutor Maurício de Sá Ferrante, com endereço na Avenida João Gualberto, 623, CEP 80.030-000, Alto da Glória, Curitiba-PR, pelas razões fáticas e jurídicas que, a seguir, deduz. CENTRO DE APOIO OPERACIONAL DAS PROMOTORIAS DE PROTEÇÃO À SAÚDE PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE PROTEÇÃO À SAÚDE DE CURITIBA Rua Marechal Floriano Peixoto, n.º 1.251 - Rebouças CEP: 80230-110 Fone: 250-4858/250-4863 PAGE 17 SÍNTESE DOS FATOS - CONSIDERAÇÕES O incluso Inquérito Civil Público nº 03/03, originado do Procedimento Administrativo Ministerial nº 105/03, foi instaurado pelo Ministério Público com vistas a apurar irregularidades narradas no relatório de visita realizado pela equipe técnica da Promotoria de Proteção à Saúde Pública de Curitiba e representantes da Secretaria Municipal de Saúde (fls. 6/8), bem como o constante em inspeção feita pelo Setor de Vigilância Sanitária da Secretaria Municipal de Saúde (fls. 12/15), documentos em que há comprovação de que o Estado do Paraná e o Município de Curitiba vêm, de maneira reiterada, atuando de forma ilícita no que tange ao (não) atendimento (ou atendimento insuficiente) à pessoas portadoras de transtornos psíquicos, alcoolistas e dependentes químicos, que acorrem diariamente ao Centro Psiquiátrico Metropolitano, CPM (situado na Travessa João Prosdócimo, 139, Alto da XV, nesta capital), órgão integrante da Secretaria Estadual de Saúde e do Instituto de Saúde do Estado do Paraná, conforme se pode notar nos documento de fls. 186/232, precarizada, por outro lado, as prestações devidas pelo Município de Curitiba na espécie, quer através da Central de Leitos Municipal, quer através da rede ambulatorial, que também não acolhe essa demanda, enumerado-se abaixo, pois, as principais falhas, omissões e inépcias encontradas no referido centro de atendimento e no sistema a que está integrado: a) insuficiência de leitos para pronto-atendimento e internamento de pessoas portadoras de transtornos mentais; os pacientes que chegam ao Centro Psiquiátrico Metropolitano ficam, muitas vezes, aguardando atendimento em ambulâncias, na porta do nosocômio por 6 e até 8 horas ou simplesmente retornam às suas residências sem a atenção médica cabível (fls.6/8, 183/184); b) ausência de profissional enfermeiro em todos os turnos operantes no pronto-atendimento (noturno e finais de semana), cf. fls. 13/14; c) ausência de profissional farmacêutico em todos os turnos operantes da farmácia (especialmente no turno da tarde), cf. fls. 13/14; d) área inadequada para observação dos pacientes em emergência psiquiátrica no prontoatendimento, cf. fls. 13/14; e) materiais acondicionados de forma desordenada, em locais impróprios, impedindo, inclusive, o acesso ao extintor de incêndio, cf. fls. 13/14; f) ausência de registro e controle dos medicamentos prescritos aos pacientes do CAPS, cf. fls. 13/14; g) ausência de escrituração das rotinas referentes aos pacientes, inclusive no que tange aos procedimentos adotados, medicamentos prescritos e horários de atendimento médico, fator que também pode prejudicar e/ou agravar as moléstias de que são portadoras essas pessoas (v. fls. 13/14); CENTRO DE APOIO OPERACIONAL DAS PROMOTORIAS DE PROTEÇÃO À SAÚDE PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE PROTEÇÃO À SAÚDE DE CURITIBA Rua Marechal Floriano Peixoto, n.º 1.251 - Rebouças CEP: 80230-110 Fone: 250-4858/250-4863 PAGE 17 h) precariedade das condições estruturais de forma geral, sem a devida manutenção, em situação de conservação prejudicadas, apresentando, dentre outras circunstâncias, infiltrações pelo telhado e mobiliário em estado comprometido (fls. 13/14); i) ausência de atendimento adequado a pacientes provindos do interior, os quais, na maior parte, voltam às cidades de origem sem exame médico apropriado, com a mera informação para que retornem no dia seguinte, sem qualquer garantia de internamento (fls. 6/8, 13/14). Diante desses fatos, cabe esclarecer, desde logo, que o Centro Psiquiátrico Metropolitano é entidade ligada à rede de atendimento (às vezes, constituindo-se no primeiro atendimento) à população portadora de transtornos psíquicos em Curitiba e de outras cidades do interior e do norte de Santa Catarina que não dispõem da especialidade, contando, em tese, com 4 tipos de serviços - CAPS, ambulatório infantil, ambulatório para adultos e pronto-atendimento, inexistindo, porém, qualquer instalação para internamento (ainda que provisório) para pacientes portadores de transtornos psíquicos, acomodações que já existiram no passado, mas foram desativadas... Saliente-se que as dimensões, fluxos, modalidades de atenção e objetivos no campo de atendimento a esse tipo de transtornos já está prévia e administrativamente regulamentado pelo próprio gestor de saúde1. As más condições do pronto-atendimento no Centro Psiquiátrico Metropolitano (que acolhe pacientes que chegam em situações de urgência/emergência, inclusive apresentando surtos que reclamam imediatos cuidados médicos) somadas ao desrespeito aos objetivos estabelecidos pelo próprio Estado quanto ao seu funcionamento (fls. 226), ou seja, a não realização de triagem dos pacientes para atendimento na unidade hospitalar ou seu encaminhamento a outros serviços ambulatoriais ou hospitalares, o não desenvolvimento de atividades referentes a recursos humanos para a saúde (fls. 186/232), como previsto, tornam a entidade, que é, repita-se, diretamente ligada à Secretaria Estadual de Saúde (SESA) e ao Instituto de Saúde do 1 Rede Assistencial em Saúde Mental – Paraná, obtida no site http://www.saude.pr.gov.br/saudemental/index.html Pronto atendimento (pacientes em situação de urgência e emergência). Ambulatórios: deve-se priorizar o atendimento ambulatorial, para evitar o processo de estigmatização da internação psiquiátrica e estimular a autonomia do cidadão. CAPS - Centro de Atenção Psicossocial: Serviço ambulatorial de atenção diária que funciona segundo a lógica do território. Atende prioritariamente pacientes com transtornos mentais severos e persistentes em que o comprometimento requer monitoramento intensivo e semi-intensivo. Deve ser indicado para a fase de reabilitação visando a reinserção social do cidadão. Auxilia na recomposição da estrutura interna e social da pessoa como instância dento do contínuo tratamento. Residência Terapêutica: Pacientes psiquiátricos que perderam a estrutura social e familiar e necessitam de acompanhamentos especializados e uma moradia temporária. Hospital-Dia - Transição após a alta do hospital integral. Hospital Clínico - Leitos Psiquiátricos em hospital geral. Hospital Psiquiátrico Integral - Indicado para casos específicos e somente quando esgotados todos os recurso extra-hospitalares. CENTRO DE APOIO OPERACIONAL DAS PROMOTORIAS DE PROTEÇÃO À SAÚDE PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE PROTEÇÃO À SAÚDE DE CURITIBA Rua Marechal Floriano Peixoto, n.º 1.251 - Rebouças CEP: 80230-110 Fone: 250-4858/250-4863 PAGE 17 Estado do Paraná (Decreto nº 1.421 e anexos – fls. 186/232), ineficiente para o atendimento médico a pacientes portadores de transtornos mentais. E mais: segundo relatório da própria Vigilância Sanitária constatou-se, dentre outros itens, a “ausência de profissional enfermeiro em todos os turnos operantes no pronto-atendimento; ausência de profissional farmacêutico em todos os turnos operantes da farmácia; área inadequada para observação de pacientes em emergência psiquiátrica no pronto-atendimento”. Por essas razões, autuou o CPM, como se vê à fls. 13/14 (Termo de Intimação nº 188852). Sabe-se que na sua rotina, o CPM recebe pacientes, em geral usuários do Sistema Único de Saúde. Em relação àqueles que conseguem ser examinados, e havendo indicação médica, busca leitos psiquiátricos, reportando-se ao Hospital Psiquiátrico Adauto Botelho (pertencente ao Estado do Paraná) e à Central de Leitos de Curitiba ou à sua Secretaria Municipal de Saúde, tentando obter vagas nos hospitais psiquiátricos da Capital. Amostragem sobre os péssimos resultados apresentados por esse sistema, apenas no mês de abril de 2003, revela “1069 pacientes devolvidos aos domicílios por falta de vaga” (fls. 8)2. Essa cena é completamente desorganizada, gerando informações contraditórias e fluxos equivocados, cujo único efeito concreto é o desabastecimento de serviços essenciais. A omissão da SESA, nesse aspecto, frustra o que lhe determina os arts. 17 e seguintes do Código Estadual de Saúde (L.E. nº 13.331/01): “Art. 17. Cabe a SESA/ISEP exercer em consonância com o plano estadual de saúde e após licenciamento ambiental pelo órgão competente, a função de regulação das ofertas de serviços de estabelecimentos prestadores de serviços de saúde, inclusive definindo os estabelecimentos de referência”. Sob esse aspecto, registraram-se, no tramitar do Inquérito Civil Público nº 03/03, em especial através dos documentos insertos à fls. 54/56, 99/101, 144/145, falhas cruciais no gerenciamento e oferta de vagas para internamento no setor de saúde mental, fatos que geram perplexidades e contradições, e que se revelam desde solicitações inadequadas, deduzidas pelo CPM perante a Central de Leitos Municipal, que por seu turno também não respondeu a contento a questão, pois demonstrou-se que alguns hospitais vinculados à rede pública costumavam (e costumam) apresentar capacidade ociosa – cf. se nota nas declarações insertas à fls. 122/123, prestadas pelo Diretor Clínico do Hospital Psiquiátrico Nossa Senhora da Luz e, apesar disso, deixava-se de disponibilizar vagas que, no entanto, existiam (!). Alheio a isso, o Centro Psiquiátrico Metropolitano continua a remeter pacientes de volta para suas residências (com freqüência em pontos distantes do Estado), sem o devido internamento, por (aparente) “impossibilidade” do mesmo (v. documento de fls. 109. A sofrerem essa situação, em agosto de 2003, foram 217 pessoas; em setembro de 2003, foram 219 pessoas e em outubro, foram 352 pessoas. Apesar dos números levantados pelo Ministério Público e pela Vigilância Sanitária, manifestou o diretor do CPM “a falta de registro estatístico dos serviços prestados” (ata de reunião, fls. 21). 2 CENTRO DE APOIO OPERACIONAL DAS PROMOTORIAS DE PROTEÇÃO À SAÚDE PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE PROTEÇÃO À SAÚDE DE CURITIBA Rua Marechal Floriano Peixoto, n.º 1.251 - Rebouças CEP: 80230-110 Fone: 250-4858/250-4863 PAGE 17 Por serem muito elucidativas, importa aprofundar a leitura das declarações do doutor Dagoberto Hungria Requião, diretor do Hospital Psiquiátrico Nossa Senhora da Luz: “sempre há sobra de leitos no Hospital Nossa Senhora da Luz; que referidos dados contradizem o depoimento do Dr. José Ignácio Cordero Illescas; (...) que o declarante atribui essa contradição de informações a talvez uma falta de estruturação administrativa melhor para que haja uma comunicação imediata e instantânea do internamento; (...) que sabe, através de outros médicos, que a situação do CPM é grave; (...) que desde que assumiu a Direção do Hospital Psiquiátrico Nossa Senhora da Luz, em maio de 2001, este nunca esteve completamente lotado, ou seja, sempre havia um número variável de leitos disponíveis, à exceção, em certos períodos, da Unidade de Dependência Química; que entende que o sistema municipal de atenção à saúde mental, principalmente se associado à estrutura estadual, tem relativa facilidade de atender, inclusive internar, a população que acorre diariamente em busca desse último tipo de atendimento, ao CPM; (...)que acredita que a avaliação médica feita no CPM, quando da chegada dos pacientes, principalmente do interior do Estado, em ambulâncias, poderia ser mais eficiente, encaminhando para atendimento ambulatorial aqueles pacientes que, adequadamente examinados, não necessitassem de leito hospitalar, principalmente por não se encontrarem em situação de urgênciaemergência psiquiátrica”; (fls. 122/123). Por igual, as declarações do doutor Hélio Rotemberg, Diretor da Clínica Rotemberg: “que a triagem, de maneira geral, incluindo o CPM, tem apresentado dificuldade no encaminhamento desses pacientes, inclusive pela resistência dos hospitais-gerais em receber pacientes com problemas psiquiátricos e clínicos; (...) que na visão pessoal do declarante, de uma forma geral, é possível imaginar que um problema como o que existe retratado nestes autos possa ser enfrentado com uma adequada formação profissional daqueles encarregados de dar atendimento àqueles que demandam atenção psiquiátrica, principalmente quando provindos de localidades mais distantes, mas também é importante se trabalhar com a idéia de pronto-socorro psiquiátrico, como atendimento emergencial de curta duração, que não substituiria aquele tipo de internamento que excedesse essas circunstâncias; (...) que a existência de médicos clínicos no CPM poderia identificar casos que não são propriamente de internamento psiquiátrico, desviando a demanda para o atendimento adequado em outro quadrante médico” (fls. 144/145) Essas circunstâncias foram ratificadas pelo mesmo médico no documento encartado à fls. 137, no sentido de que “a triagem de pacientes realizada no CPM não contempla uma avaliação da situação clínica”. Essa falha no encaminhamento de pacientes, desafortunadamente, persiste no tempo até o presente. O documento de fls. 137/138, subscrito pela psicóloga do Ministério Público, evidencia que a situação encontrada originalmente, por ocasião da visita do Ministério Público ao CPM, ainda é vigente (2.3.04). Aliás, o próprio Diretor do Centro Psiquiátrico Metropolitano reconhece o fenômeno: CENTRO DE APOIO OPERACIONAL DAS PROMOTORIAS DE PROTEÇÃO À SAÚDE PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE PROTEÇÃO À SAÚDE DE CURITIBA Rua Marechal Floriano Peixoto, n.º 1.251 - Rebouças CEP: 80230-110 Fone: 250-4858/250-4863 PAGE 17 ” que, eventualmente principalmente no período noturno, acontece de algumas pessoas serem atendidas pela recepcionista, que não chama o médico, e orienta os pacientes a retornarem no dia seguinte; que, em Curitiba, a demora para esse tipo de atendimento é, em média, de 4 a 6 meses; que aproximadamente 40% das pessoas que procuram o CPM não conseguem vagas para internamento, mesmo com indicação do CPM para tal; que há tendência nos últimos 10 dias de cada mês de minguarem mais as vagas em razão do fechamento de contas dos hospitais e de outros problemas de natureza administrativa, segundo supõe o declarante; que há ocasiões em que o médico do CPM, percebendo a necessidade imediata de tratamento ambulatorial para alguém, mas tendo em vista a demora de 4 a 6 meses para que o mesmo possa ser concedido, acaba optando pela internação; que essa distorção no sistema provém da ausência de recursos extra-hospitalares, isto é, principalmente ausência de vagas psiquiátricas em ambulatórios de Curitiba; que o declarante reconhece que há carência de recursos humanos, há carência de recursos financeiros e materiais; que o CPM, isoladamente, pouco ou quase nada pode fazer para resolver o problema da ausência de vagas” (fls. 54/56). Como se percebe, além da gestão inadequada, em face da demanda de atendimento ambulatorial e hospitalar, para uma clientela em sua quase totalidade formada por pessoas de baixíssimos recursos, quando não miseráveis, ocorrem, também, outras falhas tão ou mais graves de ordem estrutural (v.fls. 6/8). Avançando no exame fático dos autos, Maria das Dores Tucunduva, Assistente Social atuante junto ao Centro Psiquiátrico Metropolitano, em 1º de setembro do ano em curso, ratifica que, não raro, impõem-se às pessoas trato que avilta a sua dignidade, e que as condições gerais e de número insuficiente de profissionais corroboram para que todo o sistema funcione de modo claudicante: “o maior problema se encontra no pronto-atendimento, que atende pacientes em situação de risco; que a desativação de leitos em outros hospitais faz com que as pessoas fiquem esperando, em média, de 6 a 8 horas no Centro Psiquiátrico Metropolitano; que essa espera é derivada do aumento da demanda no Centro Psiquiátrico Metropolitano sem a devida adequação física e de pessoal; que os pacientes chegam ao Centro Psiquiátrico Metropolitano e os profissionais não têm pra onde encaminhá-los, uma vez que o serviço não está integrado a uma rede de serviços psicossociais; que existe falta de CAPS, ambulatórios em vários municípios da região metropolitana e litoral do Estado; que o Centro Psiquiátrico também não tem para onde encaminhar os pacientes de Curitiba, uma vez que não tem acesso à Central de Consultas especializadas, onde estão centralizadas as consultas para CAPS, ambulatórios, etc., fazendo com que os pacientes voltem às Unidades de Saúde e fiquem nas filas de tais Unidades por meses; que o número de vagas ambulatoriais no Centro Psiquiátrico Metropolitano é insuficiente para o atendimento da população da região metropolitana e litoral; que, internamente, pelo aumento da demanda e pelo fato de não ter havido uma melhora nas condições de atendimento, acaba não acontecendo um atendimento de qualidade ao paciente; que o paciente, quando chega em surto ou em crise, ele é contido no chão e, se medicado, não tem um leito de observação onde possa permanecer; que, se o paciente depender de transferência em ambulância, tem que ser removido pelo pessoal de enfermagem sem a utilização de maca, cadeira de rodas, etc.; que o CENTRO DE APOIO OPERACIONAL DAS PROMOTORIAS DE PROTEÇÃO À SAÚDE PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE PROTEÇÃO À SAÚDE DE CURITIBA Rua Marechal Floriano Peixoto, n.º 1.251 - Rebouças CEP: 80230-110 Fone: 250-4858/250-4863 PAGE 17 atendimento, às vezes, é feito inclusive dentro da ambulância; que, mesmo com dificuldade, todos os pacientes vêm sendo atendidos no pronto-atendimento; que, quanto à ausência de profissional enfermeiro em todos os turnos, continua apenas um profissional; que falta profissional enfermeiro à noite; que falta profissional farmacêutico durante o período da noite; que continua havendo ausência de pia para lavagem das mãos nos postos de enfermagem; que as condições estruturais continuam sem manutenção, em situação de conservação precária, com infiltrações no telhado, mobiliário em estado comprometido; que os pacientes do interior, quando não há disponibilidade de leitos, são devolvidos às cidades de origem após o atendimento no prontoatendimento; que os funcionários são ameaçados constantemente de agressão por pacientes em crise; que deveria ser discutida e implantada, pelo Estado e pelo Município, de maneira imediata, uma rede de atendimento integrada para pacientes portadores de transtornos psíquicos, pois essa falta é que sobrecarrega o Centro Psiquiátrico Metropolitano”. (fls. 183/184) Confirma-se, pois, a completa falta de integração e organização dos serviços de saúde mental entre o Estado do Paraná e o Município de Curitiba 3, certamente uma das principais raízes do contexto de privação de direitos fundamentais e de verdadeiro amesquinhamento da dignidade do ser humano que se está a presenciar. Não obstante tal descompasso, revela-se um certo desconhecimento e alheamento de escalões superiores da SESA em face da realidade diária de atendimento (melhor seria dizer de não atendimento aos usuários), que se reflete em posturas evasivas (Estado e Município se atribuindo reciprocamente a responsabilidade pela situação) e “intenções” de solução que pouco passam do papel (v.fls.26/29), o que, por outro lado, talvez seja uma das explicações do que acontece. A esse propósito, o termo de declarações da Coordenadora de Saúde Mental da Secretaria Estadual de Saúde, Cleuse M. Brandão Barleta, é elucidadtivo: “o CPM subordina-se à Diretoria Geral de Serviços Próprios, dentro da estrutura da Secretaria Estadual de Saúde; que tinha conhecimento de que foram encontradas irregularidades quanto ao fluxo de encaminhamentos no CPM, mas não sabia do teor das irregularidades relativas à Vigilância Sanitária (fls.13/14); que a responsabilidade pela assistência direta aos usuários cabe aos Municípios e que o papel do Estado é estimular que as Secretarias Municipais de Saúde implantem programas de saúde mental; que teve conhecimento de tais irregularidades (verificadas pela VISA) na reunião realizada no Ministério Público, através de informação verbal do Dr. Marco Antonio, Dra. Celeste e representantes da Secretaria Municipal de Saúde e Diretoria do CPM; que após essa reunião, ficou acordado que o CPM e o Município de Curitiba apresentariam ao Ministério Publico proposta para que o atendimento dos pacientes fosse adequado; que, em contato com a Coordenação do Município de Curitiba e o CPM, essa Coordenação encaminhou ao Ministério Público o documento de fls. 26/29, que tratava sobre a realização de projetos a médio e curto prazo; que, quanto às modificações que deveriam ser Veja-se nesse sentido, também :” que não sabe que tipo de articulação existe, se existe, entre a Central de Leitos do Estado e a Central de Leitos de Curitiba” (declarações de Luzia Viviane Fabre, médica coordenadora de saúde mental da Secretaria Municipal de Saúde, fls. 101); “... se há um esforço por parte dos gestores no sentido de melhorar as condições, têm dúvidas que esses esforços resultem positivamente, pois não vêem o devido entrosamento entre os Secretários de Estado e Municipal de Saúde. A relação existente entre esses entes é insuficiente” (relatório de reunião; manifestação de técnicos do DENASUS, fls. 160). 3 CENTRO DE APOIO OPERACIONAL DAS PROMOTORIAS DE PROTEÇÃO À SAÚDE PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE PROTEÇÃO À SAÚDE DE CURITIBA Rua Marechal Floriano Peixoto, n.º 1.251 - Rebouças CEP: 80230-110 Fone: 250-4858/250-4863 PAGE 17 implementadas no CPM, tem conhecimento de que diversas providências tem sido tomadas pela referida Diretoria, como por exemplo providências quanto a recursos financeiros para reforma da estrutura física, pedido de recursos humanos e contratação de pessoal, e capacitação de recursos humanos (prevista para o mês de novembro a capacitação específica para o pessoal de saúde mental dos Serviços Próprios); que, quanto ao atendimento dos pacientes, não tem conhecimento de como está o fluxo e o nível de satisfação dos usuários” (fls. 96/97). Colhidas as declarações da Coordenadora de Saúde Mental da Secretaria Municipal de Saúde tem-se que: “tem conhecimento das irregularidades encontradas pela Vigilância Sanitária no Centro Psiquiátrico Metropolitano; que o Centro Psiquiátrico é um prestador de serviço de saúde mental do Município; que o Centro Psiquiátrico é gerenciado pelo Estado, prestador público estadual; que a responsabilidade por regularizar os problemas encontrados no Centro Psiquiátrico é do Estado, cabendo ao Município apenas apontar as irregularidades e encaminhar ao Estado o relatório dos problemas; que não há uma co-gestão no sentido de regularizar os problemas do CPM; que o que dificulta o atendimento no CPM é a falta de vagas para internamento provisório; que no CPM não há leitos para internamento de pacientes; que também não existem leitos para observação dos pacientes (até 72 horas de observação)” (fls. 99/101). Torna-se, assim, solar o desajuste na implementação de uma correta política de saúde mental integrada, que é absolutamente necessária, nos precisos termos da L.F. nº 8080/904, por parte das autoridades competentes. A gravidade do contexto não deixa de extravasar para os meios de comunicação, que denunciam a falta de condições e de vagas para acolhimento de portadores de transtornos mentais, alcoolistas e dependentes químicos e o crescimento de uma já longa fila de espera por vagas para internamento (Gazeta do Povo, 18.2.04, fls. 117). Mais recentemente (sexta-feira, dia 27 de agosto de 2004, p. 3, Caderno “Paraná”), o mesmo periódico ilustrou o descalabro no atendimento a pacientes portadores de transtornos mentais no Centro Psiquiátrico Metropolitano (fls. 185), com destaque para a demora e a ausência de serviços condizentes.5 4 Art. 7°- As ações e serviços públicos de saúde e os serviços privados contratados ou conveniados que integram o SUS, são desenvolvidos de acordo com as diretrizes previstas no art. 198 da C.F., obedecendo, ainda, os seguintes princípios: (..) X- integração em nível executivo das ações de saúde, meio ambiente e saneamento básico” 5 Reportagem da Gazeta do Povo de 27 de agosto de 2004, p. 3: “(...)As cerca de 80 pessoas agendadas para o dia e a presença de apenas um médico, porém, frustraram suas expectativas. A gente chegou às 9h.30. Vimos pessoas entrando em crise porque não tomavam os remédios. A gente conversou com a assistente social e, às 17h00, meu filho conseguiu ser atendido”. Seguindo na mesma reportagem destaca-se:“Apesar do esforço individual das pessoas, o estado não dá a devida atenção à questão da saúde mental. Segundo ele, o incentivo à desospitalização de pacientes, considerado uma tendência mundial, precisa ter uma contrapartida. Se o paciente não está internado, precisa ter um lugar para procurar quando tem uma crise, por exemplo. Como os hospitais estão sendo fechados, há necessidade de locais que façam atendimento ambulatorial. Mas os governos não têm se preocupado com a CENTRO DE APOIO OPERACIONAL DAS PROMOTORIAS DE PROTEÇÃO À SAÚDE PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE PROTEÇÃO À SAÚDE DE CURITIBA Rua Marechal Floriano Peixoto, n.º 1.251 - Rebouças CEP: 80230-110 Fone: 250-4858/250-4863 PAGE 17 A continuidade das condições de mau (ou não) atendimento psiquiátrico (ambulatorial e hospitalar) ao longo dos meses permanecem inalteradas e foram atestadas em relatório da psicóloga lotada junto a esta Promotoria de Justiça, Celeste W. de Freitas, onde se destaca: “não há retaguarda para o fechamento do Hospital Pinheiros; nem tampouco infra-estrutura e condições para atender; a contenção muitas vezes é feita no chão; as agressões aos funcionários por parte dos familiares e pacientes são constantes; em virtude da irritação provocada devido à dificuldade em serem atendidos; há pacientes que ficam 10 horas esperando por atendimento. Contou ainda que no dia anterior havia 5 casos de adolescentes vindos do interior, medicados e contidos na própria ambulância. (...) a responsável pela Coordenação Estadual de Saúde Mental, admitiu que o CPM tem sido ineficiente como estrutura, podendo-se destacar alguns pontos de sua fala; há um problema de fluxo; o CPM apenas reflete o problema de saúde mental do Estado, que consiste na falta de uma rede de atenção; existe um conflito de relacionamento com o Município de Curitiba; há também um problema de gestão, pois o CPM, embora sob duas gestões (estadual e municipal – Curitiba) não se submete à gestão de Curitiba; o CPM conta com 27 médicos e quatro serviços, mas por exemplo, no serviço de CAPS, instituído com equipe para atender 220 pacientes por mês, são atendidos somente cerca de 50, pois só uma médica atende ali, perfazendo uma média de 1,5 paciente por dia” (fls. 180/181). É importante sublinhar que debalde foram todas as tentativas do Ministério Público de abreviar soluções, recusadas pelo Estado foram várias propostas de ajustamento partidas do Ministério Público no decorrer do presente ICP (inclusive sob o argumento de que o Estado não se submeteria à previsão de multa cominatória no instrumento, embora, anteriormente, em outras situações já o tivesse feito...) 6. Desse esforço apenas resultou perda de precioso tempo. Houve reuniões realizadas na Promotoria de Justiça de Proteção à Saúde Pública de Curitiba, envolvendo técnicos e gestores públicos, imediatamente após a inspeção que deflagrou o presente procedimento (fls. 17/21), surgiram “propostas de pactuação” (fls. 26/38 e 43/44), aconteceram inúmeros contatos informais, todos, porém, não modificaram o panorama exposto. A ingrata evolução dos acontecimentos esclareceu que tais propósitos pouco passavam de mero exercício retórica sanitária. Sob outro ângulo, para além daqueles problemas verificados no CPM, ora deduzidos, que exigem solução imediata, solicitou-se o concurso de auditoria geral (ainda em andamento) ao DENASUS, para identificar e avaliar, mais profunda e extensivamente, a partir dos parâmetros tópicos expostos neste caderno, qual o contexto de responsabilidade do Estado e de outros atores públicos, na eclosão de questão”.Referidas condições de tratamento, narradas de maneira clara no periódico e passivamente aceitas pelo Estado e pelo Município, gestores do Centro Psiquiátrico Metropolitano, atestam descaso inconcebível. 6 v. minuta preliminar constante à fls. 147/154 do ICP. CENTRO DE APOIO OPERACIONAL DAS PROMOTORIAS DE PROTEÇÃO À SAÚDE PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE PROTEÇÃO À SAÚDE DE CURITIBA Rua Marechal Floriano Peixoto, n.º 1.251 - Rebouças CEP: 80230-110 Fone: 250-4858/250-4863 PAGE 17 situações como a que em concreto se está a tratar nesta ação, envolvendo Curitiba e outras cidades no interior, que será objeto de indagações à parte (v. fls. 141)7. Não sendo possível, portanto, a fixação de qualquer composição com os gestores estadual e municipal (fls. 146/154 e 168/175) referente aos graves problemas levantados à fls. 6/8, 13/14, 180/181, 183/184 e 185, e considerando, ainda, o descumprimento da Recomendação Administrativa n° 02/03, expedida à fls. 87/89, que também pendia para esse objetivo, intentou o Ministério Público, sem outra alternativa, a presente ação. A SAÚDE COMO COROLÁRIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA Os fatos ora trazidos à consideração do Poder Judiciário são daqueles em que sobressai o profundo descaso com a dignidade de pessoas que, pela especial natureza de suas moléstias (muitas vezes alvo de preconceitos na sociedade), estão desprovidas de qualquer capacidade de reação, sequer são levadas “a sério”. É um contingente rigorosamente indefeso frente à verdadeira via crucis que lhe é imposta pelo Poder Público na busca da cura ou tratamento para seus males. Afronta os postulados éticos em que se ancora a Carta Política brasileira e todos os compromissos internacionais subscritos, ou adotados, pelo país8 a negativa de atendimento a portadores de distúrbios psiquiátricos, sobretudo quando há clara indicação médica para tanto, quer no plano ambulatorial, quer no plano hospitalar, obrigando-se pacientes (entre eles adolescentes e idosos, que têm preferência legal de atendimento) a perambular em ambulâncias pelas estradas, por dias seguidos, num vai-vém impiedoso, sem nenhuma garantia de que o amanhã trará a vaga ou tratamento ambulatorial indispensável (pelos números levantados, é possível afirmar que, na prática, converte-se numa verdadeira “loteria” conseguir cuidados em matéria de saúde mental para os que acorrem ao CPM). Alguns, quando logram atenção, como está nos autos, é no chão, no interior do próprio veículo que os conduziu, enfim nas circunstâncias mais dramáticas e impróprias. Com efeito, a Carta Federal proclama que a República Federativa do Brasil, enquanto Estado Democrático de Direito, tem como fundamento a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III). 7 Os técnicos do Departamento Nacional de Auditoria do SUS (DENASUS), em reuniões realizadas nos dias 13 e 14 de maio deste ano, cuja memória está à fls. 158/162, revelaram liminarmente sua convicção sobre “não verem o devido entrosamento entre os Secretários de Estado e Municipal de Saúde”, fazendo algumas indicações prospectivas em face do cenário de desorganização encontrado, concluindo pela “existência de seríssimos problemas com relação às internações psiquiátricas”. 8 Documento das Nações Unidas nº A/46/49, de 17 de dezembro de 1991, que dispõe sobre a Proteção às Pessoas Acometidas de Transtorno Mental e a Melhoria da Assistência à Saúde Mental, na medida em que todo usuário de serviços de saúde deve ter tratamento apropriado à sua condição de saúde. CENTRO DE APOIO OPERACIONAL DAS PROMOTORIAS DE PROTEÇÃO À SAÚDE PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE PROTEÇÃO À SAÚDE DE CURITIBA Rua Marechal Floriano Peixoto, n.º 1.251 - Rebouças CEP: 80230-110 Fone: 250-4858/250-4863 PAGE 17 Esse valor, a dignidade, não se realiza no plano prático quando incidentes lesões concretas ao direito de acesso às ações e serviços de saúde mental, saúde, aliás, que é o único bem considerado de relevância pública910 ao longo de toda a Constituição (art. 197), tal é a sua essencialidade e primariedade para o indivíduo e para a sociedade. A saúde, vinculada indissoluvelmente ao próprio bem vida, em situaçõeslimite, está acima, inclusive, da razão fazendária estatal, como se lê no seguinte pronunciamento do STF: “Entre proteger a inviolabilidade do direito à vida, que se qualifica como direito subjetivo inalienável assegurado pela própria Constituição da República (art. 5º, caput), ou fazer prevalecer, contra essa prerrogativa fundamental, um interesse financeiro e secundário do Estado, entendendo — uma vez configurado esse dilema — que razões de ordem ético-jurídica impõem ao julgador uma só e possível opção: o respeito indeclinável à vida.” (STF– Petição n.º 1246-1-SC - MIN. CELSO DE MELLO). Essa decisão também vem ratificar a natureza garantista da Constituição Federal, acima das mazelas da Administração Pública, postura de resto também assinalada na doutrina 11, pela qual os direitos e garantias fundamentais dos indivíduos e da sociedade preferem ao próprio Estado, que existe para protegê-los. 9 A análise semântica das palavras que compõem a expressão “relevância pública”, permite afirmar que relevância é a qualidade do que releva, ou seja, indica tudo “aquilo que se destaca em escala comparativa ou de valores; importância ou relevo”; e público, por sua vez, diz-se, entre outras coisas, do que é “relativo ou pertencente a um povo, a uma coletividade”. Logo, da simples combinação gramatical dos termos sob análise, pode-se concluir que relevância pública refere-se, grosso modo, a tudo o que uma determinada comunidade exalta como sendo algo de extremo significado, com elevado grau de importância e estima para o conjunto de seus membros. 10 Antonio Augusto Mello de CAMARGO FERRAZ e Antonio Herman de Vasconcelos e BENJAMIN, no artigo intitulado “O conceito de relevância pública na Constituição Federal” (in: Série Direito e Saúde/OPAS/OMS. N. 1, Brasília: OPAS, 1992. P. 29-39) apresentam uma síntese interessante acerca do significado da expressão “relevância pública”, inserta na CF: “... pensamos que seja possível desde logo estabelecer que a expressão “relevância pública” nos arts. 129, II e 197 da Constituição Federal está a significar: a qualidade de “função pública”, como verdadeiro dever-poder, que regra a garantia da saúde pelo Estado; a natureza jurídica de direito público subjetivo da saúde, criando uma série de interesses na sua realização – públicos, difusos, coletivos e individuais homogêneos; o limite da indisponibilidade, tanto pelo prisma do Estado como do próprio indivíduo, do direito à saúde; a idéia de que, em sede do art. 197, o interesse primário do Estado corresponde à garantia plena do direito à saúde e as suas ações e serviços, sempre secundários, só serão legítimas quando imbuídas de tal espírito; o traço de essencialidade que marca as ações e serviços de saúde.” (sem grifo no original) 11 “O ser humano é a única razão do Estado. O Estado está conformado para servi-lo, como instrumento por ele criado com tal finalidade. Nenhuma construção artificial, todavia, pode prevalecer sobre os seus inalienáveis direitos e liberdades, posto que o Estado é um meio de realização do ser humano e não um fim em si mesmo”(Ives Gandra da Silva Martins, in Caderno de Direito Natural-Lei Positiva e Natural, n°1, 1a ed., Centro de Estudos Jurídicos do Pará, 1985,p. 27). CENTRO DE APOIO OPERACIONAL DAS PROMOTORIAS DE PROTEÇÃO À SAÚDE PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE PROTEÇÃO À SAÚDE DE CURITIBA Rua Marechal Floriano Peixoto, n.º 1.251 - Rebouças CEP: 80230-110 Fone: 250-4858/250-4863 PAGE 17 A própria L.F. nº 10.216/01, que dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo em saúde mental, consagra em seu art. 1º : A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: (...) III - a dignidade da pessoa humana”; Essa ordem de valores não foi respeitada na espécie. Mais do que uma opção política de natureza discricionária, a garantia das ações e serviços de saúde é um dever inafastável dos governantes, ainda que seja necessário o remanejamento de verbas orçamentárias por insuficiência dos recursos para a saúde. Quando o Poder Executivo não garante efetividade ao direito à saúde, priorizando recursos para áreas administrativas menos relevantes à dignidade humana, cumpre à Magistratura, Poder que ganha contornos essenciais na concretização do Estado Democrático de Direito, fazer valer os comandos constitucionais estampados nas ações promovidas pelo Ministério Público, a quem o constituinte reservou o dever de guarda do respeito que é devido pelos Poderes Públicos e pelos serviços de relevância pública aos direitos fundamentais dos cidadãos, como o de acesso às ações e serviços de saúde. Assim sendo, o abandono de pacientes à própria sorte por falta de insumos possíveis e devidos é a negação de dois pilares do Estado Democrático de Direito: a cidadania e a responsabilidade dos governantes. Com esse agir (ou não-agir...) fere-se diretamente a idéia mais elementar de dignidade humana, estrutura fundante do nosso pacto social, cabendo pleitear a pronta tutela judicial para o asseguramento de direitos violados. O DIREITO Desde a implantação do Sistema Único de Saúde, o financiamento e a gestão de ações e serviços na área da saúde mental (sobressaindo aí a viabilização de tratamento adequado aos pacientes portadores de transtornos mentais) sempre foi cercada de polêmica e incompreensões. Isso explica, também, a lenta evolução no Brasil do movimento de desospitalização psiquiátrica, que provém de uma conjuntura mais ampla, denominada Reforma Psiquiátrica12, que abrigou idéias novas de humanização e de enfoque terapêutico, mas que, como se disse, levou décadas para apresentar os primeiros frutos legislativos no Congresso Nacional. 12 que focou não só a desospitalização, mas também a implantação de meios alternativos de tratamento psiquiátrico, como CAPS, Residências Terapêuticas, ambulatórios, etc. CENTRO DE APOIO OPERACIONAL DAS PROMOTORIAS DE PROTEÇÃO À SAÚDE PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE PROTEÇÃO À SAÚDE DE CURITIBA Rua Marechal Floriano Peixoto, n.º 1.251 - Rebouças CEP: 80230-110 Fone: 250-4858/250-4863 PAGE 17 Inaugurando modernamente esse novo olhar para grupos humanos historicamente desprotegidos13, e mirando, no início, as pessoas portadoras de deficiência, adveio a Lei Federal nº 7.853/89, que dispondo sobre o suporte que a elas deve ser oferecido, criou a proteção de referidos pacientes pela integração social e instituiu a tutela jurisdicional de interesses coletivos e difusos, disciplinando a atuação do Ministério Público, definindo crimes e dando outras providências. A partir desse diploma pioneiro, surgiu uma nova disciplina para o tratamento das pessoas acometidas de deficiência, estabelecendo-se novas normas gerais para sua efetiva proteção e integração social. O avanço seguinte, aí já no tocante à saúde mental, foi a entrada em vigor da Lei Federal nº 10.216/01 (antecedida, no Paraná, pela L.E. nº 11.189/95, com a mesma inspiração) que, gerada a partir de iniciativas do movimento sanitário e de legítimas pressões da sociedade civil, organizou politicamente uma definição e ampliação da tutela aos portadores de transtornos mentais, incrementando e aprimorando os serviços prestados pelo SUS, fornecendo resposta normativa às demandas na área, considerando suas especificidades (a Lei Federal nº 10.216/01, atuando no mesmo sentido da Lei Orgânica da Saúde - Lei Federal nº 8.080/90 -, resguarda os fatores determinantes e condicionantes da saúde, entre outros alimentação, moradia, saneamento básico, meio ambiente, trabalho, renda, educação, transporte, lazer, acesso a bens e serviços essenciais – v. art. 3º.) A conformação do direito a cuidados de saúde, que ora é negado a tantos, bem como ao respeito, em face da condição única e insubstituível de cada um enquanto ser humano portador de sofrimento mental, está consignada na mesma Lei Federal nº 10.216/0114, verbis: “Art. 2º Nos atendimentos em saúde mental, de qualquer natureza, a pessoa e seus familiares ou responsáveis serão formalmente cientificados dos direitos enumerados no parágrafo único deste artigo. Parágrafo único. São direitos da pessoa portadora de transtorno mental: I - ter acesso ao melhor tratamento do sistema de saúde, consentâneo às suas necessidades; II - ser tratada com humanidade e respeito e no interesse exclusivo de beneficiar sua saúde, visando alcançar sua recuperação pela inserção na família, no trabalho e na comunidade; 13 Relembre-se a postura adotada pelo antigo Código Civil, que “protegia” o doente pelo impedimento quase completo de que participasse de atividades no seu contexto social (inclusive definindo-o com termos que, atualmente, seriam completamente indevidos, como “loucos de todo o gênero”, por exemplo), o que, no fundo, mais retratava uma defesa da própria sociedade em relação a esses indivíduos do que expressava mecanismo de efetiva defesa dos mesmos. 14 E se transformou em espelho dos princípios constitucionais previstos no inciso III, do art. 1º, e inciso X, do art. 5º, da Constituição Federal. CENTRO DE APOIO OPERACIONAL DAS PROMOTORIAS DE PROTEÇÃO À SAÚDE PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE PROTEÇÃO À SAÚDE DE CURITIBA Rua Marechal Floriano Peixoto, n.º 1.251 - Rebouças CEP: 80230-110 Fone: 250-4858/250-4863 PAGE 17 V- ter direito à presença médica, em qualquer tempo, para esclarecer a necessidade ou não de sua hospitalização involuntária; VII - receber o maior número de informações a respeito de sua doença e de seu tratamento; Art. 3º É responsabilidade do Estado o desenvolvimento da política de saúde mental, a assistência e a promoção de ações de saúde aos portadores de transtornos mentais, com a devida participação da sociedade e da família, a qual será prestada em estabelecimento de saúde mental, assim entendidas as instituições ou unidades que ofereçam assistência em saúde aos portadores de transtornos mentais.” Em vista do que restou comprovado na espécie, mais diplomas legais e de regulação administrativa foram, também, desacatados, nomeadamente a Lei Estadual nº 13.331/01, que dispõe sobre a organização, regulamentação, fiscalização e controle das ações e dos serviços de saúde no Estado do Paraná, a Lei Municipal nº 9.000/96, que institui o Código de Saúde do Município de Curitiba, a Resolução do Conselho Federal de Medicina nº 1.246/88 (Código de Ética Médica), as Portarias nº 224/92 e 251/02, do Ministério da Saúde e a Lei Estadual nº 14.254/03, cujas incidência e especificidades serão abordadas a seguir. Falou-se, linhas atrás, da insuficiência (ou não “localização”) de vagas para internamento ou consultas ambulatoriais, principalmente para pessoas oriundas do interior, da inadequação das condições da área de recepção de pacientes em emergência psiquiátrica e da precariedade da situação estrutural do prédio anotadas no ICP15, tudo configurando, além do que já se disse, nítido contraste com os artigos 2º, 5°, III, 6º, I, ‘d’, e 7º, da Lei Federal nº 8.080/90 e com os incisos I e II, do parágrafo único, do art. 2º, da Lei nº 10.216/01, a saber: “Lei nº 8.080/90. Art. 2º A saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício”. “Art. 5° São objetivos do SUS: ... III- a assistência às pessoas por intermédio de ações de promoção, proteção e recuperação da saúde, com a realização integrada de ações assistenciais e das atividades preventivas” 15 Além da ausência de espaço físico e do número de profissionais adequado, a inobservância de padrões sanitários compatíveis com regras básicas de higiene , em especial no que respeita à assepsia e salubridade do ambiente hospitalar. CENTRO DE APOIO OPERACIONAL DAS PROMOTORIAS DE PROTEÇÃO À SAÚDE PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE PROTEÇÃO À SAÚDE DE CURITIBA Rua Marechal Floriano Peixoto, n.º 1.251 - Rebouças CEP: 80230-110 Fone: 250-4858/250-4863 PAGE 17 “Art. 6º Estão incluídas ainda no campo de atuação do Sistema Único de Saúde (SUS): I - a execução de ações: (...) d) de assistência terapêutica integral, inclusive farmacêutica”; “Art. 7º As ações e serviços públicos de saúde e os serviços privados contratados ou conveniados que integram o Sistema Único de Saúde (SUS), são desenvolvidos de acordo com as diretrizes previstas no art. 198 da Constituição Federal, obedecendo ainda aos seguintes princípios: I - universalidade de acesso aos serviços de saúde em todos os níveis de assistência; II - integralidade de assistência, entendida como conjunto articulado e contínuo das ações e serviços preventivos e curativos, individuais e coletivos, exigidos para cada caso em todos os níveis de complexidade do sistema; III - preservação da autonomia das pessoas na defesa de sua integridade física e moral; IV - igualdade da assistência à saúde, sem preconceitos ou privilégios de qualquer espécie” As carências no trato dos doentes também importa em negativa ao princípio da resolutividade, inscrito no mesmo art. 7º, acima assinalado, eis que as ações e serviços públicos de saúde devem ser desenvolvidos obedecendo a “capacidade de resolução dos serviços em todos os níveis de assistência”. Referido descaso também está decalcado na desatenção a preceito do Documento das Nações Unidas nº A/46/49, de 17 de dezembro de 1991, que, dispondo sobre a Proteção às Pessoas Acometidas de Transtorno Mental e a Melhoria da Assistência à Saúde Mental, explicita que: “todo usuário terá o direito de receber cuidados sociais e de saúde apropriados às necessidades de saúde, e terá direito ao cuidado e tratamento de acordo com os mesmos padrões dispensados a outras pessoas com problemas de saúde” ; “...todo usuário terá direito a ser tratado no ambiente menos restritivo possível, com o tratamento menos restritivo ou invasivo, apropriado às suas necessidades de saúde e à necessidade de proteger a segurança física de outros.” As ilicitudes também afrontam o Decreto Estadual nº 5.711/02, que regulamenta o Código Estadual de Saúde (Lei Estadual nº 13.331/01), pois em seu artigo 416 ordena-se que “os estabelecimentos prestadores de serviços de saúde, somente podem ser instalados e funcionar desde que possuam todas as dependências necessárias ao seu funcionamento e que tenham, após inspeções, CENTRO DE APOIO OPERACIONAL DAS PROMOTORIAS DE PROTEÇÃO À SAÚDE PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE PROTEÇÃO À SAÚDE DE CURITIBA Rua Marechal Floriano Peixoto, n.º 1.251 - Rebouças CEP: 80230-110 Fone: 250-4858/250-4863 PAGE 17 cumpridas todas as exigências da legislação vigente. E tanto isso não ocorreu na espécie que o CPM foi autuado pela Vigilância Sanitária (fls. 13). Ainda no mesmo diploma: “Art. 426. Os estabelecimentos prestadores de serviços de saúde devem: II. possuir quadro de pessoal legalmente habilitado e treinados periodicamente; III. observar instrumentos, a existência utensílios, de roupas instalações, equipamentos, e de materiais consumo indispensáveis e condizentes com suas finalidades, em bom estado de funcionamento e/ou conservação, e em quantidade suficiente ao número de pessoas atendidas” “Art. 427. Os estabelecimentos prestadores de serviços de saúde devem manter de forma organizada e sistematizada os registros de dados de identificação dos pacientes, de exames clínicos e complementares, de procedimentos realizados, da terapêutica adotada, da evolução e condições de alta, devendo estes dados serem prontamente disponibilizados à autoridade sanitária, sempre que solicitados”. “Art. 428. Os procedimentos de diagnóstico e terapia prestados pelos serviços de saúde, devem obedecer às normas e padrões científicos nacional e internacionalmente aceitos”. No tocante à degradação encontrada no imóvel em que funciona o Centro Psiquiátrico Metropolitano, também a Lei Municipal nº 9.000/96 está sendo descumprida, uma vez que inúmeros deveres (não observados) inerentes aos responsáveis legais pelo estabelecimento configuram infração sanitária: “Art. 42 - São deveres do responsável legal dos estabelecimentos de interesse à saúde: II - conservar estrutura física de acordo com a legislação sanitária vigente; III - manter os meios materiais, organização e capacidade operativa suficientes para o correto desenvolvimento das suas atividades; IV - dispor de pessoal suficiente, com habilitação técnica necessária e treinados periodicamente para garantir a qualidade dos produtos e serviços ofertados de acordo com a legislação sanitária vigente; CENTRO DE APOIO OPERACIONAL DAS PROMOTORIAS DE PROTEÇÃO À SAÚDE PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE PROTEÇÃO À SAÚDE DE CURITIBA Rua Marechal Floriano Peixoto, n.º 1.251 - Rebouças CEP: 80230-110 Fone: 250-4858/250-4863 PAGE 17 V- manter registros de atividades relativos aos produtos, substância e serviços, ficando os mesmos à disposição da autoridade de vigilância sanitária” “Art 59 - Todos os serviços de saúde deverão manter diariamente atualizados registros e outros modos de arquivamento de dados sobre pacientes”. “Art. 106 - São consideradas infrações sanitárias: XIV - fazer funcionar os estabelecimentos citados nos incisos I a VII deste artigo com materiais, equipamentos ou instrumentais em número insuficiente, em precárias condições de higiene, manutenção ou conservação, e/ou com qualquer outra alteração que possa comprometer a qualidade da atividade desenvolvida” A ausência de registro de controle dos medicamentos prescritos aos pacientes do CAPS (do CPM), bem como de escrituração das rotinas referentes aos demais pacientes, inclusive no que tange aos procedimentos adotados, remédios indicados e horários de atendimento médico ferem os artigos 69 e 70, da Resolução do Conselho Federal da Medicina n.º 1.246/88 - Código de Ética Médica16 , além de, obviamente, por em risco todo esse grupo. Semelhantes omissões são acrescidas de negativa de conhecimento aos pacientes acerca do tratamento que lhes é fornecido, e, ipso facto, frustrando a garantia dada pelo art. 2º, da Lei Estadual nº 14.254/0317, o que lhes pode acarretar prejuízos no atendimento, pois mascara a atenção não dispensada, esconde a eventual prescrição incorreta de determinado medicamento ou procedimento, etc. 16 Art. 69 - Deixar de elaborar prontuário médico para cada paciente. Art. 70 - Negar ao paciente acesso a seu prontuário médico, ficha clínica ou similar, bem como deixar de dar explicações necessárias à sua compreensão, salvo quando ocasionar riscos para o paciente ou para terceiros. 17 Art. 2º São direitos dos usuários dos serviços de saúde no Estado do Paraná: (...) VIII – ter acesso a qualquer momento ao seu prontuário medico ou outro prontuário, que deve ser elaborado de forma legível e que deve conter o conjunto de documentos padronizados do histórico do paciente, princípio e evolução da doença, raciocínio clínico, exames, conduta terapêutica, demais relatórios e anotações clínicas e, principalmente, constando todas as medicações com suas dosagens utilizadas, se inconsciente durante o tratamento ou parte dele; IX – ter seu diagnóstico e tratamento por escrito, identificado com o nome do profissional de saúde e seu registro no respectivo Conselho Profissional, de forma clara e legível; CENTRO DE APOIO OPERACIONAL DAS PROMOTORIAS DE PROTEÇÃO À SAÚDE PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE PROTEÇÃO À SAÚDE DE CURITIBA Rua Marechal Floriano Peixoto, n.º 1.251 - Rebouças CEP: 80230-110 Fone: 250-4858/250-4863 PAGE 17 Vulnerado também está princípio encartado no Documento das Nações Unidas nº A/46/49, de 17 de dezembro de 1991, que dispõe sobre a Proteção às Pessoas Acometidas de Transtorno Mental e a Melhoria da Assistência à Saúde Mental, verbis: “...o tratamento e os cuidados a cada usuário serão baseados em um plano prescrito individualmente, discutido com ele, revisto regularmente, modificado quando necessário e administrado por pessoal profissional qualificado”. O não preenchimento correto dos prontuários médicos viola, outrossim, as exigências fixadas nas Portarias MS/SAS nº 224/92 e 251/02, dentre as quais cita-se: “deve haver registro adequado dos procedimentos diagnósticos e terapêuticos efetuados nos pacientes” (item 8 do Auto de Infração da Secretaria Municipal de Saúde de Curitiba e itens “g” e “h” da Portaria de Instauração do Inquérito Civil Público nº 03/03). No tocante à falta de atendimento por enfermeiros e farmacêuticos, em horário integral, no CPM, tem-se desobediência à Lei Federal nº 10.216/01, em seu artigo 4º, § 2º, que assevera que: “o tratamento em regime de internação será estruturado de forma a oferecer assistência integral à pessoa portadora de transtornos mentais, incluindo serviços médicos, de assistência social, psicólogos, ocupacionais, de lazer, e outros”. Contraria, no mesmo viés, as Portarias SNAS nº 224 e 251, que explicitam, respectivamente, que os hospitais especializados em psiquiatria deverão contar com no mínimo um enfermeiro ao longo de 24 horas, sendo de sua atribuição, de maneira exclusiva e indelegável, as atividades de saúde previstas na Lei nº 7.498/8618, que não podem legalmente ser exercidas por outros profissionais. 18 “Lei Federal nº 7.498/86. Art. 2º - A Enfermagem e suas atividades auxiliares somente podem ser exercidas por pessoas legalmente habilitadas e inscritas no Conselho Regional de Enfermagem com jurisdição na área onde ocorre o exercício”. “Art. 11 - O Enfermeiro exerce todas as atividades de enfermagem cabendo-lhe: I - privativamente: a) direção do órgão de enfermagem integrante da estrutura básica da instituição de saúde, pública e privada, e chefia de serviço e de unidade de enfermagem; b) organização e direção dos serviços de enfermagem e de suas atividades técnicas e auxiliares nas empresas prestadoras desses serviços; c) planejamento, organização, coordenação, execução e avaliação dos serviços de assistência de enfermagem d) e) f) g) (vetados); h) consultoria, auditoria e emissão de parecer sobre matéria de enfermagem; i) consulta de enfermagem; j) prescrição da assistência de enfermagem; l) cuidados diretos de enfermagem a pacientes graves com risco de vida; m) cuidados de enfermagem de maior complexidade técnica e que exijam conhecimentos de base científica e capacidade de tomar decisões imediatas. II - como integrante da equipe de saúde: CENTRO DE APOIO OPERACIONAL DAS PROMOTORIAS DE PROTEÇÃO À SAÚDE PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE PROTEÇÃO À SAÚDE DE CURITIBA Rua Marechal Floriano Peixoto, n.º 1.251 - Rebouças CEP: 80230-110 Fone: 250-4858/250-4863 PAGE 17 Esse lapso contradiz, de ouro vértice, as Portarias nº 224 e 251, do Ministério da Saúde, uma vez que não existe uma completa e adequada “multiprofissionalidade na prestação de serviços” ao usuário (v. itens “a” e “b” da Portaria de Instauração do Inquérito Civil Público nº 03/03). No tocante aos farmacêuticos, que não estão presentes em todos os turnos operantes da farmácia, confronta-se o Decreto nº 85.878/81, que regulamentou a Lei Federal nº 3.820/60 (que disciplina sobre a profissão em apreço), em especial seu artigo 1º, I, que salienta ser “atribuição privativa do profissional farmacêutico o desempenho de funções de dispensação ou manipulação de fórmulas magistrais e farmacopéicas quando a serviço do público em geral ou mesmo de natureza privada”. Ou seja, se não há farmacêutico em todos os horários operantes no Centro Psiquiátrico isso pode sugerir que outrem indebitamente, em exercício ilegal de profissão e gerando perigo real aos pacientes, está manipulando medicamentos, ou que, simplesmente, os doentes que surgem nestes períodos de ausência, independente de sua gravidade, não recebem remédios. É explícita a Portaria SAS/MS nº 1.017, de 23 de dezembro de 2002, que dita em seu artigo 1º: “art. 1º - Estabelecer que as farmácias hospitalares e/ou dispensários de medicamentos existentes nos hospitais integrantes do Sistema Único de Saúde deverão funcionar, obrigatoriamente, sob a responsabilidade técnica de profissional farmacêutico devidamente inscrito no respectivo Conselho Regional de Farmácia. Parágrafo único – Os demais profissionais farmacêuticos deverão ser em número adequado ao porte do hospital e suficientes para o exercício das a) participação no planejamento, execução e avaliação da programação de saúde; b) participação na elaboração, execução e avaliação dos planos assistenciais de saúde; c) prescrição de medicamentos estabelecidos em programas de saúde pública e em rotina aprovada pela instituição de saúde; d) participação em projetos de construção ou reforma de unidades de internação; e) prevenção e controle sistemático da infecção hospitalar e de doenças transmissíveis em geral; f) prevenção e controle sistemático de danos que possam ser causados à clientela durante a assistência de enfermagem; g) assistência de enfermagem à gestante, parturiente e puérpera; h) acompanhamento da evolução e do trabalho de parto; i) execução do parto sem distocia; j) educação visando à melhoria de saúde da população”. CENTRO DE APOIO OPERACIONAL DAS PROMOTORIAS DE PROTEÇÃO À SAÚDE PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE PROTEÇÃO À SAÚDE DE CURITIBA Rua Marechal Floriano Peixoto, n.º 1.251 - Rebouças CEP: 80230-110 Fone: 250-4858/250-4863 PAGE 17 ações inerentes à sua atividade profissional na farmácia hospitalar e/ ou dispensário de medicamentos”. Como se isso tudo não bastasse, as irregularidades encontradas no Centro Psiquiátrico Metropolitano ainda se chocam com a previsão da recente Lei Estadual nº 14.254/03, notadamente no que concerne aos incisos I, IV e V, do seu art. 2º : “Art. 2º São direitos dos usuários dos serviços de saúde no Estado do Paraná: I – ter um atendimento humano, digno, atencioso e respeitoso, por parte de todos os profissionais de saúde; (...) IV – ter um local higienizado, digno e adequado para seu atendimento, bem como ter preservada sua segurança e integridade física nos estabelecimentos de saúde, públicos ou privados; V – receber do funcionário adequado, presente no local, auxilio imediato e oportuno para a melhoria de seu conforto, bem-estar e saúde”. O CABIMENTO DA PRESENTE AÇÃO CIVIL PÚBLICA - A LEGITIMIDADE PROCESSUAL ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO NA ESPÉCIE A ação civil pública, sem dúvida, é o instrumento processual apto a corrigir ofensa a direitos individuais e sociais indisponíveis decorrentes da persistência das circunstâncias ora ventiladas, e, sendo assim, ao Ministério Público, comprovadas as lesões daí decorrentes e sua natureza, impõe-se provocar a proteção jurisdicional visando a efetiva proteção dos valores em periclitação 19. A Constituição Federal, como é cediço, ampliou o campo de atuação do Ministério Público, atribuindo-lhe, no art. 127, a incumbência da defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis. Adicionou, ainda, seu art. 129, que dentre suas funções institucionais está 19 “Apelação Cível em mandado de segurança. Legitimidade do Ministério Público. Substituição Processual ao hipossuficiente. Compete ao Ministério Público a defesa dos interesses sociais e individuais indisponíveis. Sendo a saúde um dos direitos indisponíveis expressos na CF, não há de ser óbice ao Parquet atuar como substituto processual de pessoa hipossuficiente, menor e doente mental. Recurso conhecido e provido” (TJ/GO – Apelação Cível em mandado de segurança nº 59111-0/189 – Terceira Câmara Cível – Rel. Des. Felipe Batista Cordeiro – j. 04/09/2001). “Ação Civil Pública. Ministério Público. Legitimidade ativa. O MP é parte legítima para propor ação civil pública em defesa do patrimônio público e social, situação do Sistema Único de Saúde, no caso. (STJ – Resp 173578/MA - Segunda Turma – rel. Min. Helio Mosimann – j. 25/8/1998) CENTRO DE APOIO OPERACIONAL DAS PROMOTORIAS DE PROTEÇÃO À SAÚDE PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE PROTEÇÃO À SAÚDE DE CURITIBA Rua Marechal Floriano Peixoto, n.º 1.251 - Rebouças CEP: 80230-110 Fone: 250-4858/250-4863 PAGE 17 I – (...) II - zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados na Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia; (...) III – promover o inquérito civil público e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos; (...)” Tais comandos foram incorporados, por sua vez, pela Constituição Estadual, principalmente no art. 120, e pela Lei Orgânica do Ministério Público do Paraná (v. art. 57, V, da Lei Complementar n.º 85/99). Por outro lado, incumbe ao parquet, enquanto órgão responsável pela fiscalização do cumprimento das leis de proteção ao hipossuficiente exigir, por parte do Estado, a elaboração e concretização de política de saúde mental, assistência e promoção de ações de saúde aos portadores de transtornos mentais compatíveis com o preceituado pela Lei Federal nº 10.216/01 20. A saúde, direito individual e social (art. 6°, CF), está relacionada à existência e à sobrevivência humanas e é daí, precisamente, que exsurge para o Estado o dever-poder de garanti-la no interesse de cada um e da sociedade como um todo 21. Infere-se daí que a missão do Ministério Público está hoje ontologicamente relacionada à defesa da sociedade na luta pela manutenção do Estado de Direito e pelo respeito à cidadania. Esse papel deve ser exercido, se necessário, em oposição aos agentes do próprio Estado (gênero), pois, no sistema de freios e contrapesos concebido pelo constituinte, foram atribuídas ao parquet funções institucionais relacionadas diretamente à fiscalização dos atos do Poder Executivo. 20 Cumpre assinalar, finalmente, que a essencialidade do direito à saúde fez com que o legislador constituinte qualificasse, como prestações de relevância pública, as ações e serviços de saúde (CF, art. 197), em ordem a legitimar a atuação do Ministério Público e do Poder Judiciário naquelas hipóteses em que os órgãos estatais, anomalamente, deixassem de respeitar o mandamento constitucional, frustrando-lhe, arbitrariamente, a eficácia jurídico-social, seja por intolerável omissão, seja por qualquer outra inaceitável modalidade de comportamento governamental desviante.. 21 “O direito à saúde – além de qualificar-se como direito fundamental que assiste a todas as pessoas – representa conseqüência constitucional indissociável do direito à vida. O Poder Público, qualquer que seja a esfera institucional de sua atuação no plano da Federação brasileira, não pode mostrar-se indiferente ao problema da saúde da população, sob pena de incidir, ainda que por censurável omissão, em grave comportamento inconstitucional” (RE 248304-RS – Min. Celso de Mello, j. 19/9/2001)”. CENTRO DE APOIO OPERACIONAL DAS PROMOTORIAS DE PROTEÇÃO À SAÚDE PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE PROTEÇÃO À SAÚDE DE CURITIBA Rua Marechal Floriano Peixoto, n.º 1.251 - Rebouças CEP: 80230-110 Fone: 250-4858/250-4863 PAGE 17 De outra parte, o que legitima esta ação civil pública é o seu objeto, ou seja, a proteção ao direito constitucionalmente assegurado à saúde da população portadora de transtorno mental, alcoolistas e dependentes químicos que tem, indubitavelmente, caráter difuso, dada a sua natureza de indisponibilidade e o número indeterminável de seus titulares. A LEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM Conforme se verifica da documentação acostada, o CPM, o Município de Curitiba e o Estado do Paraná deixaram objetivamente de prover, como lhes incumbia, expressivo número de leitos para internamento de pessoas portadoras de transtornos mentais, além de não lhes fornecer consultas e atenção médica compatível. O Município de Curitiba, que exerce gestão plena do sistema municipal, o que equivale dizer que é diretamente responsável, dentre outros deveres, por integrar e articular-se na rede estadual, gerenciar unidades próprias, ambulatoriais e hospitalares, exercer a gestão de todo o sistema municipal, incluindo a gestão sobre os prestadores de serviços vinculados ao SUS, independente de sua natureza jurídica ou nível de complexidade, garantir o atendimento em seu território para sua população e para a população referenciada por outros municípios, disponibilizando serviços necessários, integrar os serviços existentes no município aos mecanismos de regulação ambulatoriais e hospitalares, e a quem compete, ainda, avaliar permanentemente o impacto das ações do Sistema sobre as condições de saúde de seus munícipes22, não cedeu vagas (leitos) e consultas, nem as tem presentemente disponibilizado para atenção e cuidados na área especializada. No caso vertente, a dupla responsabilidade pela inadequação de atendimento à população em face do Estado do Paraná e do Município de Curitiba é patente23, a partir da solidariedade de origem constitucional, estruturante do Sistema Único de Saúde, desde que as prestações aqui demandadas são cometidas a ambos os requeridos24. 22 23 cf. Norma Operacional de Assistência à Saúde (NOAS) – SUS 01/2002, item 55. Cumpre não perder de perspectiva que o direito público subjetivo à saúde representa prerrogativa jurídica indisponível assegurada à generalidade das pessoas pela própria Constituição da República. Traduz bem jurídico constitucionalmente tutelado, por cuja integridade deve velar, de maneira responsável, o Poder Público, a quem incumbe formular - e implementar - políticas sociais e econômicas idôneas que visem a garantir, aos cidadãos, inclusive àqueles portadores do vírus HIV, o acesso universal e igualitário à assistência farmacêutica e médico-hospitalar. 24 “Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: II - cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência” “Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”. CENTRO DE APOIO OPERACIONAL DAS PROMOTORIAS DE PROTEÇÃO À SAÚDE PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE PROTEÇÃO À SAÚDE DE CURITIBA Rua Marechal Floriano Peixoto, n.º 1.251 - Rebouças CEP: 80230-110 Fone: 250-4858/250-4863 PAGE 17 A Lei nº 8.080/90, por sua vez, disciplina a organização, direção e gestão do Sistema Único de Saúde, no que interessa, nos seguintes moldes: “Art. 4º - O conjunto de ações e serviços de saúde, prestados por órgãos e instituições públicas federais, estaduais e municipais, da Administração direta e indireta e das fundações mantidas pelo Poder Público, constitui o Sistema Único de Saúde.” “Art. 9° - A direção do Sistema Único de Saúde (SUS) é única, de acordo com o inciso I do artigo 198 da Constituição Federal, sendo exercida em cada esfera de governo pelos seguintes órgãos: I - no âmbito da União, pelo Ministério da Saúde; II - no âmbito dos Estados e do Distrito Federal, pela respectiva Secretaria de Saúde ou órgão equivalente; e III - no âmbito dos Municípios, pela respectiva Secretaria de Saúde ou órgão equivalente” . Semelhante previsão autoriza afirmar que, atualmente, há em matéria de saúde pública uma obrigação solidária entre ambas as esferas de governo, podendo de qualquer delas ser exigida sempre que alguma das normas supra referidas for descumprida. Nesse sentido, inclusive, já se manifestaram nossas Cortes25. Os requeridos, portanto, como integrantes e gestores solidários do Sistema Único de Saúde, são partes passivas legítimas na espécie. “Art. 198. As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes: I - descentralização, com direção única em cada esfera de governo; II - atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais”. 25 “Incumbe ao Estado (gênero) proporcionar meios visando a alcançar a saúde, especialmente quando envolvida criança e adolescente. O Sistema Único de Saúde torna a responsabilidade linear alcançando a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios” (RE 195192-RS – Rel. Min. Marco Aurélio – Segunda Turma, DJ 3/1/03)” “(...) A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios são solidariamente responsáveis pela saúde pública, sendo perfeitamente possível exigir-se do Estado do Paraná a concessão de medicamentos aos cidadãos necessitados (...)” (TJPR – AC 23674 – AI 143.371-0 – 2ª Câmara Cível – Rel. Des. Antonio Lopes de Noronha – v.u., j. 18/2/2004). CENTRO DE APOIO OPERACIONAL DAS PROMOTORIAS DE PROTEÇÃO À SAÚDE PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE PROTEÇÃO À SAÚDE DE CURITIBA Rua Marechal Floriano Peixoto, n.º 1.251 - Rebouças CEP: 80230-110 Fone: 250-4858/250-4863 PAGE 17 A TUTELA ANTECIPADA Para a concessão da tutela antecipada devem concorrer dois requisitos legais, quais sejam, a existência de prova inequívoca do alegado e a verossimilhança da alegação (fumus bonis juris) a lastrear a pretensão do autor26. Sobre os requisitos ensejadores da tutela antecipada ensina Teori Albino Zavascki: “Atento, certamente, à gravidade do ato que opera restrição a direitos fundamentais, estabeleceu o legislador, como pressupostos genéricos, indispensáveis à qualquer das espécies de antecipação de tutela, que haja prova inequívoca e verossimilhança da alegação. O fumus boni iuris deverá estar, portanto, especialmente qualificado: exige-se que os fatos, examinados com base na prova já carreada, possam ser tidos como fatos certos. Em outras palavras, diferentemente do que ocorre no processo cautelar (onde há juízo de plausibilidade quanto ao direito e de probabilidade quanto aos fatos alegados), a antecipação da tutela de mérito supõe a verossimilhança quanto ao fundamento de direito, que decorre de (relativa) certeza quanto à verdade dos fatos” (ZAVASCKI, Teori Albino. Antecipação de tutela, São Paulo: Saraiva, 1997, p.75/76). Sabe-se que a prova inequívoca não é aquela utilizada para o acolhimento final da pretensão, mas aquele conjunto de dados de convencimento apto a certificar ao julgador de que o autor pode, antecipadamente, diante de um quadro fático de probabilidade máxima, usufruir do direito postulado, antes mesmo do seu reconhecimento em sentença definitiva. No presente caso, a prova material inequívoca foi apresentada por meio de toda a documentação coligida no ICP, na qual destacam-se os atos derivados de visita da Promotoria de Justiça, os relatórios da Vigilância Sanitária e os diversos termos de declarações (v., ainda uma vez, fls. 6/8, 13/14, 17/21, 40, 54/56, 96/97, 99/101, 104/106, 117, 122/123, 137/138, 144/145, 158/162, 180/181, 183/185). 26 “Art. 273. O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação” (CPC) CENTRO DE APOIO OPERACIONAL DAS PROMOTORIAS DE PROTEÇÃO À SAÚDE PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE PROTEÇÃO À SAÚDE DE CURITIBA Rua Marechal Floriano Peixoto, n.º 1.251 - Rebouças CEP: 80230-110 Fone: 250-4858/250-4863 PAGE 17 Quanto à verossimilhança do direito invocado, entendida como um juízo de probabilidade que, conjugada à necessidade de prova inequívoca, conduz-nos à idéia de que se trata, em verdade, de uma probabilidade em grau máximo, é possível concluir que está ela cartesianamente evidenciada pelas análises técnicas, auto/termo de infração sanitária e pareceres dizendo que o Centro Psiquiátrico Metropolitano não vem cumprindo com os deveres mínimos de atendimento e de compatibilidade de estrutura para atendimento aos portadores de transtornos mentais. Isto posto, o mesmo art. 273 do CPC, em seus incisos, exige alternativamente outros dois requisitos: “I – haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação; ou II – fique caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu”. O receio de danos irreparáveis (periculum in mora)27 na espécie, mais que representar virtualidade ou potencialidade de lesão, já vem se constituindo em efetiva e permanente lesão à saúde de um número indeterminado de pessoas 28 que acorre diariamente às instalações do CPM, sem qualquer chance de acolhimento desejável. Portanto, remeter tal estado de coisas, gravíssimo, ao julgamento final da ação pode significar a persistência indefinida de décifits, omissões e incúria aqui demonstrados. Vale, nesta seara, recordar passagem de Franz Kafka, tristemente irônica, em “O Processo”: “quando a sentença não vem de uma vez, é o processo que se converte aos poucos em veredito”. Em sede de saúde coletiva, a escassez de investimentos e principalmente a falta de vontade política de resolver situações de verdadeiro descalabro, não pode ser admitida como realidade imutável e despida de qualquer conseqüência. O que se constatou no CPM não pode ser havido como destino imutável. Logo, é imprescindível a intervenção judicial para que os poderes públicos estadual e municipal, rompendo com sua inação, passem a prover o Centro Psiquiátrico e sua clientela de condições mínimas de estrutura física, recepção, pessoal especializado, higiene e salubridade, alocando os necessários recursos de atendimento, em estrita observância dos princípios básicos de organização e eficiência (art. 37, CF). 27 O risco que corre o processo de não mais ser útil ao interesse demonstrado pela parte (e pela sociedade, no caso em análise) quando do julgamento final. 28 As más práticas públicas atingem a todos indiscriminadamente, inclusive os que, eventualmente, detenham cobertura de planos de saúde que, como se sabe, não aportam assistência integral como o SUS e, assim, também estão fadados a sofrer os maléficos efeitos de semelhante (des) política de saúde quando excedida a cobertura terapêutica e têm, então, que recorrer à assistência pública de saúde para internar um familiar portador de transtorno mental. CENTRO DE APOIO OPERACIONAL DAS PROMOTORIAS DE PROTEÇÃO À SAÚDE PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE PROTEÇÃO À SAÚDE DE CURITIBA Rua Marechal Floriano Peixoto, n.º 1.251 - Rebouças CEP: 80230-110 Fone: 250-4858/250-4863 PAGE 17 Em suma, a palavra do Poder Judiciário será fundamental para ditar o final desta infeliz história. A TUTELA ANTECIPADA CONTRA O PODER PÚBLICO É da jurisprudência do eg. Tribunal de Justiça do Paraná acerca da tutela antecipada em situações de perigo para a saúde e existência humana: “AGRAVO DE INSTRUMENTO. TUTELA ANTECIPADA. FAZENDA PUBLICA. ESTADO DE NECESSIDADE. VIDA HUMANA. "Conquanto o Colendo Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento em plenário da medida liminar na ADC n. 4, tenha entendido pela impossibilidade da antecipação de tutela em face da Fazenda Pública, tal restrição dever ser considerada com temperamentos. A vedação não tem cabimento em situações especialíssimas, nas quais resta evidente o estado de necessidade e a exigência de preservação da vida humana”. (Proc. 126577800 – origem: 4ª Vara de Fazenda Pública, Falências e Concordatas, acórdão 22698, 1ª CC do TJ-PR, Rel. Airvaldo Stela Alves, julg. 11/2/2003). O col. Superior Tribunal de Justiça, em caso de necessidade urgente em matéria de saúde pública, definiu: “PROCESSUAL CIVIL.. TUTELA ANTECIPADA CONTRA A FAZENDA PÚBLICA. INAPLICABILIDADE DO ART. 1º, DA LEI N.º 9.494/97. 1. A tutela antecipada pressupõe direito evidente (líquido e certo) ou direito em estado de periclitação. É líquido e certo o direito quando em consonância com a jurisprudência predominante do STJ, o guardião da legislação infraconstitucional. 2. O STJ firmou entendimento no sentido de que, para efeito de reembolso dos hospitais que prestam serviços ao SUS, o fator de conversão para o REAL é o equivalente a CR$ 2.750,00 (dois mil, setecentos e cinqüenta cruzeiros reais) e não o valor criado pelo Ministério da Saúde, autoridade incompetente frente à atribuição exclusiva do Banco Central do Brasil. 3. Mercê do direito evidente, os hospitais que atendem parcela ponderável da população, fazendo às vezes do SUS, necessitam do reembolso iminente das verbas pelos seus valores reais para implementarem, em nome do Estado, o dever de prestar saúde a todos. A saúde, como de sabença, é direito de todos e dever do Estado. CENTRO DE APOIO OPERACIONAL DAS PROMOTORIAS DE PROTEÇÃO À SAÚDE PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE PROTEÇÃO À SAÚDE DE CURITIBA Rua Marechal Floriano Peixoto, n.º 1.251 - Rebouças CEP: 80230-110 Fone: 250-4858/250-4863 PAGE 17 4. A tutela antecipada contra o Estado é admissível quando em jogo direitos fundamentais como o de prestar saúde a toda a coletividade. Proteção imediata do direito instrumental à consecução do direito-fim e dever do Estado. 5. Tutela antecipatória deferida em favor de Hospitais, que lidam com a prestação de serviços à comunidade carente, visa a preservação do direito personalíssimo à saúde. Inaplicação do art. 1º, da Lei n.º 9.494/97. 6. A tutela antecipada é concebível tanto nos casos de periclitação do direito quanto nas hipóteses de direito evidente. É líquido e certo o direito dos hospitais ao percebimento dos valores de repasse dos montantes da conversão em URVs, fixada pelo Banco Central. Destarte, o pagamento a menor configura situação de periculum porquanto abala a capacidade de os hospitais implementarem as atividades necessárias à efetivação do direito constitucional à saúde. Direito evidente e em estado de periclitação. Manutenção da tutela antecipada. 7. É assente na doutrina que o provimento antecipatório é de efetivação imediata, auto-executável e mandamental, características inconciliáveis com a suspensividade da decisão. Não resistiria à lógica do razoável sustar provimento urgente, como sói ser a liminar antecipatória. Aliás, não foi por outra razão que a novel reforma do CPC esclareceu que o provimento antecipado submete-se à execução provisória, porém, completa”. (Recurso especial conhecido e desprovido. (RESP 441466-RS, Recurso Especial 2002/0074681-1, STJ, 1ª Turma, decisão em 22/4/2003, DJ 9/6/2003, p. 179, Rel. Min. Luiz Fux). Encontrando-se plenamente fundamentado o pedido da ação no dever de atendimento à população usuária de serviços de saúde mental, na assombrosa situação em que se encontra o estabelecimento em análise, e na relevância pública dos serviços que deixam diariamente de ser prestados pelo Estado e pelo Município de Curitiba (em função da sua negligência em disponibilizar profissionais para todos os períodos de atendimento hospitalar, providenciar a melhoria das condições sanitárias do Centro Psiquiátrico Metropolitano e alocar leitos e consultas especializadas) é inafastável, d.v., a antecipação da tutela. Diante das conseqüências, em muitos casos irreversíveis, que advêm das condutas do Estado do Paraná e do Município de Curitiba, é que se pleiteia a concessão da tutela antecipada com multa cominatória, no sentido de determinar-lhes, observadas suas responsabilidades no SUS: a) seja disponibilizado pelo gestor estadual, em até 30 dias, profissional enfermeiro para todos os turnos operantes no pronto-atendimento e CENTRO DE APOIO OPERACIONAL DAS PROMOTORIAS DE PROTEÇÃO À SAÚDE PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE PROTEÇÃO À SAÚDE DE CURITIBA Rua Marechal Floriano Peixoto, n.º 1.251 - Rebouças CEP: 80230-110 Fone: 250-4858/250-4863 PAGE 17 farmacêutico para todos os turnos operantes da farmácia do Centro Psiquiátrico Metropolitano; b) seja disponibilizada pelo gestor estadual, em prazo exíguo a ser determinado por Vossa Excelência, sala reservada e apropriada para a realização do atendimento de pacientes em emergência psiquiátrica, garantindo a sua privacidade, além de manter o local higienizado e digno, de maneira a preservar a segurança e a integridade física do paciente; c) seja determinada a devida avaliação médica (clínica e psiquiátrica) de cada paciente no Centro Psiquiátrico Metropolitano, provendo os gestores condições para que haja o seu imediato encaminhamento, quando confirmada a indicação de internamento, independente de sua procedência, para a rede hospitalar especializada (nesta incluída o Hospital Psiquiátrico Adauto Botelho), garantindo-se-lhe a devida vaga, ou, se for o caso, consulta médica e/ou assistência farmacêutica, ou, ainda, sua inserção em serviço intermediário de atenção à saúde mental (CAPS, hospital-dia, etc); d) seja elaborado pelo gestor estadual, de imediato, registro e controle dos medicamentos prescritos aos pacientes no CAPS – Centro de Assistência Psico-Social, que funciona anexo ao Centro Psiquiátrico Metropolitano (na forma de regulamentação expedida pelo Ministério da Saúde e por outros órgãos com atribuições na matéria); e) sejam realizadas pelo gestor estadual, de imediato, com relação aos pacientes do CPM, as rotinas de atendimento legalmente previstas, inclusive indicando quais os procedimentos adotados, os cuidados médicos recebidos (e suas datas), assim também se exigindo com as práticas de enfermagem; f) seja determinada ao gestor estadual, em prazo exíguo a ser estipulado por Vossa Excelência, a reforma no telhado e procedida a melhoria das condições do mobiliário (ou aquisição de novo) para o Centro Psiquiátrico Metropolitano, sanando as irregularidades apontadas no relatório de fls. 6/8, em especial aquelas que põem em risco a incolumidade física de usuários e de profissionais que lá atuam (dificuldade de acesso a extintores de incêndio), tudo em conformidade com as normas pertinentes da Vigilância Sanitária, em especial as do Código Municipal de Saúde, Lei nº 9.000/96, e Código Estadual de Saúde, Lei Estadual nº 13.331/01. tudo em conformidade com os arts. 273 e 461, §4º do CPC. CENTRO DE APOIO OPERACIONAL DAS PROMOTORIAS DE PROTEÇÃO À SAÚDE PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE PROTEÇÃO À SAÚDE DE CURITIBA Rua Marechal Floriano Peixoto, n.º 1.251 - Rebouças CEP: 80230-110 Fone: 250-4858/250-4863 PAGE 17 O PEDIDO Isso posto, protestando-se pela produção de todas as provas admitidas em direito, pleiteia-se: a) a citação dos requeridos nos endereços mencionados, para que, querendo, apresentem no prazo da lei a contestação que entenderem pertinente; b) o deferimento e confirmação da tutela antecipada, inaudita altera pars, pelas razões invocadas nos itens supra e na forma e procedimento compatíveis com a espécie; c) a cominação de multa diária, no valor de R$ 1.000,00 (um mil reais) para cada um dos requeridos, pelo não cumprimento de qualquer das disposições da tutela antecipada que lhes caiba obedecer e/ou seja-lhes determinado solidariamente o ressarcimento dos gastos comprovados a que qualquer cidadão seja submetido em conseqüência de omissão e/ou inadequação delineadas nos presentes autos, custeando-se, inclusive, eventual tratamento feito em hospitais psiquiátricos particulares, consultas, medicamentos, etc. d) seja julgada procedente a presente ação, nos termos ora propostos, condenando-se os requeridos, no âmbito de suas responsabilidades no SUS, a: d.1) disponibilizar o gestor estadual profissional enfermeiro em todos os turnos operantes no pronto-atendimento do Centro Psiquiátrico Metropolitano; d.2) disponibilizar o gestor estadual profissional farmacêutico para atuar em todos os turnos operantes da farmácia do Centro Psiquiátrico Metropolitano; d.3) dispor o gestor estadual de sala reservada e apropriada para receber pacientes em emergência psiquiátrica, garantindo-lhes a privacidade e condições técnicas adeqüadas de atenção, além de manter o local higienizado e digno, de maneira, inclusive, a preservar a segurança do usuário; d.4) providenciar e/ou realizar o gestor estadual a devida e prévia avaliação médica (clínica e psiquiátrica) de cada paciente no Centro Psiquiátrico Metropolitano, provendo condições, juntamente com o gestor municipal, para que haja o seu imediato encaminhamento, quando confirmada a indicação de internamento psiquiátrico, independente de sua procedência, para a rede hospitalar especializada (nesta incluída o Hospital Adauto Botelho) através da Central de Leitos, garantindolhe vaga, ou, se for o caso, consulta médica e/ou assistência farmacêutica, ou, ainda, sua inserção em serviço intermediário de atenção à saúde mental (CAPS, hospitaldia, etc); d.5) elaborar o gestor estadual registro e controle dos medicamentos prescritos aos pacientes no CAPS – Centro de Assistência Psico-Social, que funciona anexo ao Centro Psiquiátrico Metropolitano (na forma regulamentada pelo Ministério da Saúde e por outros órgãos com atribuições legais na área), assim como a escriturar as rotinas referentes aos pacientes do próprio CPM, inclusive no que tange aos CENTRO DE APOIO OPERACIONAL DAS PROMOTORIAS DE PROTEÇÃO À SAÚDE PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE PROTEÇÃO À SAÚDE DE CURITIBA Rua Marechal Floriano Peixoto, n.º 1.251 - Rebouças CEP: 80230-110 Fone: 250-4858/250-4863 PAGE 17 procedimentos adotados e horários de atendimento médico e do profissional de enfermagem; d.6) seja determinada ao gestor estadual a reforma no telhado e procedida a melhoria das condições (ou aquisição) de mobiliário ao Centro Psiquiátrico Metropolitano, sanando as irregularidades apontadas no relatório de fls. 6/8, em especial aquelas que põem em risco a incolumidade física de usuários e dos profissionais que lá atuam (dificuldades de acesso a extintores de incêndio), tudo em conformidade com as normas pertinentes da Vigilância Sanitária, em especial as do Código Municipal de Saúde, Lei nº 9.000/96, e Código Estadual de Saúde, Lei Estadual nº 13.331/01. e) a condenação dos réus nos ônus de sucumbência acaso cabíveis; f) a dispensa de pagamento das custas, emolumentos e outros encargos, conforme estabelecido no art. 18 da Lei de Ação Civil Pública. Dá-se à causa o valor de R$ 1.000,00 (mil reais) para efeitos fiscais. P. deferimento. Curitiba, 30 de setembro de 2004. MARCO ANTONIO TEIXEIRA Procurador de Justiça LUCIANE MARIA DUDA Promotora de Justiça CENTRO DE APOIO OPERACIONAL DAS PROMOTORIAS DE PROTEÇÃO À SAÚDE PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE PROTEÇÃO À SAÚDE DE CURITIBA Rua Marechal Floriano Peixoto, n.º 1.251 - Rebouças CEP: 80230-110 Fone: 250-4858/250-4863 PAGE 17