2001: O Brasil e a desaceleração mundial

Propaganda
Mesquita, Mario. “2001: O Brasil e a desaceleração mundial”. São Paulo: Valor Econômico, 03 de
agosto de 2001. Jel: F
2001: O Brasil e a desaceleração mundial
Mario Mesquita
Um ano que começou, pelo menos para o Brasil, de forma tão auspiciosa, tornou-se particularmente
difícil. Não bastassem fatores exógenos, a crise de energia e o aumento da incerteza política têm
contribuído para manter os preços dos ativos brasileiros sob pressão. Contudo, a deterioração de
perspectivas econômicas não é privilégio do Brasil, e tem de fato sido pior para diversos outros países
emergentes. Como pano de fundo para as dificuldades destas economias, temos significativa
desaceleração da economia mundial, liderada pelos EUA, e presente também na Europa e no Japão. Dado
o aumento de fluxos de capitais dos últimos anos, não é de se estranhar que os ciclos econômicos
nacionais pareçam estar ficando mais sincronizados.
A economia americana é a fonte maior de risco, e também de esperança, no cenário internacional. Sem
expectativa de uma recuperação rápida nos EUA, a controvérsia agora é sobre a persistência da atual
desaceleração. Certos analistas prevêem uma desaceleração prolongada, resultado do excesso de
investimento e alavancagem observado nos últimos anos. Um pouco mais otimistas, esperamos uma lenta
recuperação que só deve se firmar na segunda metade do ano que vem, quando a economia deve crescer
próximo a 3%, o dobro da taxa prevista para 2001. O excesso de alavancagem não inclui as pequenas e
médias empresas, que vêm liderando o crescimento do emprego e tendem a se beneficiar das quedas da
taxas de juros. Adicionalmente, o corte de impostos pode sustentar o consumo privado, pelo menos a
curto prazo. O maior risco seria de algum repique inflacionário, derivado de alta dos preços de energia e
de queda do dólar, que poderiam impedir um relaxamento adicional da política monetária.
Por sua vez, o Japão deve entrar em recessão, com preços e atividade econômica em queda. O Banco do
Japão ainda não conseguiu retirar a economia de sua armadilha da liquidez, e o endividamento do setor
público restringe o uso da política fiscal. Adicionando-se a este quadro a difícil situação de certas
instituições financeiras, fica difícil ter esperança em uma recuperação rápida. O risco maior para o Japão
seria a contínua paralisia do processo decisório derivada de dificuldades políticas.
Também a Europa deve mostrar uma deterioração da performance econômica nos próximos meses, mas
deve crescer mais rapidamente em 2002. O problema europeu parece de certa forma com o brasileiro. O
enfraquecimento do euro, e a alta dos custos de energia, provocaram uma aceleração inflacionária que
limita as possibilidades de cortes da taxa de juros pelo Banco Central Europeu. Assim, a capacidade de
resposta da política econômica à desaceleração fica limitada à política fiscal, que por sua vez é tolhida
pelos termos do acordo da União Monetária Européia.
Os países emergentes da Europa devem sofrer uma desaceleração neste ano, recuperando-se em 2002. A
Rússia, que apresentou crescimento excepcional no ano passado, deve sofrer um desaquecimento da
demanda doméstica e a estabilização dos preços do petróleo. A Turquia enfrenta risco pequeno mas não
insignificante de moratória (e uma hipotética moratória turca pode aumentar a probabilidade de uma
moratória argentina e vice-versa), e deve sofrer forte recessão. Já a Polônia, República Tcheca e Hungria
devem manter um crescimento relativamente robusto, de cerca de 4% a 5% em 2001-02, mas vão sentir
os efeitos da desaceleração da economia alemã. O maior risco é de um agravamento na crise da Turquia,
que poderia ter um forte contágio regional, e um agravamento da desaceleração na zona euro.
As economias emergentes da Ásia devem ter desempenho desigual em 2001-2. As grandes economias
fechadas, China e Índia, provavelmente continuarão a apresentar um crescimento sólido, 8% e 6% em
média, respectivamente, em linha com o seu desempenho recente. As demais economias emergentes da
Ásia, extremamente dependentes de exportações de bens com alto componente tecnológico, foram bem
afetadas pelo final do "boom high-tech" nos EUA, e seu crescimento médio deve cair de 6.3% em 2000
para apenas 2.6% em 2001. Na realidade, economias como Cingapura e Taiwan já apresentavam uma
contração no primeiro trimestre do ano, e o segundo trimestre foi ainda pior para diversas economias da
região. Além disso, a Ásia emergente ainda tem sistemas financeiros relativamente frágeis, que poderiam
sofrer com uma forte desaceleração econômica. Outros fatores de risco regional são a dependência do
setor de alta tecnologia americano; vulnerabilidade a uma queda do yen; e a situação política.
Na América Latina devemos ter uma desaceleração generalizada do crescimento, especialmente no
México, Brasil, Chile e Peru. A desaceleração reflete em primeiro lugar a mudança de ritmo na economia
americana, incerteza política e, claro, os efeitos da crise argentina, além da crise energética brasileira. A
maioria das economias da região deve ter um desempenho um pouco melhor em 2002, com a ajuda do
fortalecimento da economia americana e, no caso do Brasil, uma situação mais favorável no campo
energético. A Argentina deve continuar como o principal foco regional de incerteza.
Assim, se a taxa de crescimento esperada para o Brasil neste ano é um desapontamento, 2,5% segundo o
consenso de mercado, devemos observar que desaceleração é norma e não exceção num ano difícil. Se
não fosse a crise de energia o Brasil, assim como a China e Índia, economias relativamente fechadas ao
comércio internacional, deveria apresentar um desempenho bem acima da média dos demais países
emergentes.
Nestas circunstâncias, as autoridades devem deixar a taxa de câmbio encontrar seu nível de equilíbrio,
pois este é o melhor amortecedor contra a sucessão de choques externos que vem se abatendo sobre a
economia, e que pode continuar em 2002. Fica claro, também, que um possível novo acordo com o FMI é
justificável, e, como reconhecem até os adversários do governo, tornou-se de fato inevitável.
Download