Qual é o diagnóstico? O primeiro semestre terminou, e não há sinal

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Qual é o diagnóstico?
O primeiro semestre terminou, e não há sinal de estabilização da economia. Tudo indica
que a recessão vai continuar neste trimestre. Este ano será o quinto de uma
desaceleração que parece infindável. Está claro que algo sério está acontecendo na
economia, com reflexos importantes no resto, inclusive na política, que mergulha em sua
própria crise. Para alguns, o que houve foi a descoberta de que "o rei está nu"; para
outros, que "a maré baixou, e ficou claro quem nadava sem roupa". Para além das
metáforas de nudez, o que há com a economia? Sem um bom diagnóstico, fica difícil
avançar.
A visão de que a recessão atual é consequência das políticas de ajustes recémimplementadas pela equipe econômica não passa pelo teste do bom senso. A
desaceleração do PIB faz anos, e a destruição de empregos formais ocorre há mais de um
ano e meio. Nada no presente pode ter derrubado o passado, até porque os ajustes não
eram esperados, pelo menos por este governo.
Alguns sinais são importantes para se chegar ao diagnóstico correto. O primeiro foi que
não houve falta de gasto e de demanda na economia brasileira. Apesar de todos os
estímulos do governo (até o ano passado), a economia teimou em recuar. E não foram
poucos: crédito público amplo, gastos crescentes do governo, preços mantidos baixos
artificialmente, todo tipo de déficit. As políticas foram tão expansionistas que chegamos ao
limite da indisciplina e da perda de credibilidade, difíceis agora de retomar.
Mas nada disso adiantou. A economia saiu de uma taxa de crescimento médio de 4,5%
nos anos dourados para uma recessão de pelo menos -2% este ano. Pensando agora,
esse resultado não deveria surpreender: afinal, falta de gastos nunca foi o problema do
Brasil, que tem uma das menores taxas de poupança do mundo. Nenhuma sugestão de
estimular mais a demanda nesse contexto, por mais tentadora que possa parecer, será
bem-sucedida. Repetir o erro não mudará o resultado.
O segundo sinal é que, de fato, a maré global baixou. Olhando a região em volta, a
desaceleração é generalizada. Países tão distintos, como Chile e Venezuela, estão tendo
quedas de crescimento significativas. A desaceleração da China e a queda importante dos
preços das commodities provocaram um estrago geral. O fator comum não pode ser
ignorado no diagnóstico atual.
Mas nem todas as quedas são iguais. A Venezuela e a Argentina são os que sofrem mais.
O Brasil vem logo depois. É sempre tentador identificar num fator externo as razões das
nossas mazelas. Infelizmente, será um diagnóstico equivocado. A vulnerabilidade ao fim
do ciclo externo depende de fatores domésticos, assim como da reação de políticas
econômicas.
O diagnóstico de que a crise internacional seria a razão de todas as mazelas levou a uma
reação equivocada de políticas no Brasil. Hoje está claro que a reação equivocada aos
sinais de desaceleração magnificou o impacto da crise. O erro de diagnóstico custou caro.
É essencial não errar de novo no diagnóstico.
Nesse sentido, outro diagnóstico identifica nos erros de política econômica dos últimos
quatro anos a raiz de todos os problemas. É uma verdade parcial, que leva a um
diagnóstico também parcialmente correto.
Já me explico. A economia passa por ajustes muito relevantes. O ajuste fiscal é o mais
importante, mas temos em curso vários outros igualmente significativos, como o reajuste
de preços administrados que estavam reprimidos, a correção do déficit do balanço de
pagamentos (deixando o câmbio depreciar, intervindo menos), o ajuste parafiscal (créditos
públicos, programas diversos) e a volta da inflação ao centro da meta. Como todos esses
ajustes vão na direção certa, é necessário implementá-los (o que já é uma tarefa
hercúlea), para a economia se recuperar.
Porém, nem tudo que é necessário torna-se suficiente. Implementar os ajustes conserta os
desajustes passados, mas não leva automaticamente a um crescimento maior. Ajustes
não são reformas, entendidas como medidas que elevam a produtividade no Brasil. A
elevação da produtividade, sim, seria a condição suficiente para a volta do crescimento.
O diagnóstico que prefiro é que o alto custo de produzir no Brasil está bloqueando a
capacidade de a economia crescer. Refiro-me aos entraves de oferta da economia
brasileira. O custo Brasil é alto em várias dimensões: alta e incerta carga tributária, que
advém de gastos crescentes; falta de infraestrutura adequada; incertezas regulatórias;
problemas de gestão em geral; economia fechada e ineficiente; nível de educação;
crescimento dos salários acima da produtividade, elevando o custo unitário do trabalho.
Esses problemas ficaram evidentes depois do fim do ciclo favorável externo e foram
exacerbados pelas políticas de estímulo dos últimos anos, no bojo do que se denominou
na época de "nova matriz macroeconômica".
Hoje em dia, ficou evidente que não dá para continuar crescendo com esse custo elevado,
num mundo tão diferente. Esse diagnóstico de problema de oferta não é novo. Mas a
saída, para aqueles que o identificavam, era "fugir para frente". Embarcar em mudanças e
reformas que aumentassem a produtividade.
As reformas não vieram, e o problema ficou. A economia agora busca sua saída, forçando
o ajuste de custos. Problemas de oferta elevam preços e reduzem vendas. A recessão
incentiva a busca da eficiência, a redução de custos, para sobreviver. A inflação mais alta
este ano é a forma aceitável de diminuir rendas reais em economias que não aceitam
perdas nominais.
A economia brasileira precisa de uma boa dieta (redução de custos). Sem isso, não
conseguirá crescer de forma sustentável. Tudo indica que, na ausência de reformas
estruturais, esse processo de redução de custos será longo e penoso. Ou mais curto,
porém mais agudo.
Ilan Goldfajn é economista-chefe e sócio do Itaú Unibanco.
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