Maus presságios na América

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Belluzo, Luiz Gonzaga. “Maus presságios na América” São Paulo: Fokha de São Paulo, 06 de maio de
2001. Jel: F e D
Maus presságios na América
Luiz Gonzaga Belluzo
Primeiro, a notícia boa: a economia norte-americana cresceu 2% no primeiro trimestre, acima da marca
obtida no último trimestre do ano passado e das previsões dos analistas. Depois, veio a coisa ruim: as
análises do Livro Bege revelaram que a desaceleração da economia está se espalhando por quase todo o
território dos Estados Unidos.
O economista Dean Baker, do Financial Market Center (www.fmcenter.org), comentando o conhecido
relatório dos bancos da Reserva Federal, ressalta o enfraquecimento progressivo da produção
manufatureira em todo o país. O Fed de Chicago, por exemplo, avalia que, no Meio-Oeste, o nível de
encomendas para a indústria de equipamentos pesados pode ser considerado recessivo e que há um
tremendo excesso de estoque nas empresas de telecomunicações.
No ciclo recente, a indústria manufatureira e o setor de telecomunicações foram responsáveis por cerca de
50% do investimento total. As taxas de crescimento da capacidade instalada foram impressionantes. Nos
últimos três anos, os gastos das empresas na construção de nova capacidade evoluíram, atingindo, em
média, taxas superiores a 20% ao ano. O aumento do investimento foi ainda mais espetacular -cerca de
50% entre 1995 e 2000- nos setores que produzem equipamentos de computação e periféricos. Nesse
mesmo período, o crescimento do investimento foi de "apenas" 25% nas áreas de processamento de
informações e software (ver "Trade and Development Report", da Unctad).
Há poucas dúvidas de que esse surto de investimentos tenha sido movido por avaliações exuberantes
acerca dos resultados da nova economia, exacerbadas pela abusiva "inflação de preços" das ações nas
Bolsas. A rápida valorização conjunta dos ativos instrumentais (nova capacidade produtiva) e financeiros
ganhava força própria à medida que as expectativas mais absurdamente otimistas eram confirmadas.
Nesse clima, foi inevitável o rebaixamento dos critérios de concessão de crédito. Os bancos e demais
intermediários financeiros, ao passo que as projeções otimistas se confirmavam, lançaram-se à cata de
novos clientes. Passaram a inchar suas carteiras de ativos com dívidas de empreendimentos mais
arriscados, cuja recuperação estará ameaçada, mesmo que a economia não entre em recessão. Já é
possível observar quedas expressivas nos preços dos bônus emitidos por essas empresas de menor
reputação. A mera desaceleração do crescimento (admitindo-se que caia de 5% ao ano para 2%)
determinará uma queda suficientemente profunda no fluxo de receitas e de lucros.
Mas é ilusão imaginar que a fragilização financeira e a aproximação da "região dos riscos crescentes"
tenha atingido apenas os novos setores. A velha economia também não ficou a salvo do
sobreinvestimento. Além disso, as fusões e aquisições, a recompra das próprias ações no mercado e as
tentativas de diversificação produtiva também açularam a disposição ao endividamento.
Nessa situação, os riscos aumentam de ambos os lados -credores e devedores finais. O risco destes
aumenta porque as condições de cobertura dos compromissos financeiros assumidos se deteriora. O risco
dos credores aumenta por causa da deterioração da qualidade dos ativos e, no caso dos bancos como
intermediários, devido à sua posição simultaneamente credora e devedora. As quedas das taxas de juros
melhoram a posição dos bancos, mas, devido à deterioração das carteiras de empréstimos, não permitem
um alívio maior nas condições do crédito.
Tanto os problemas correntes -relativos sobretudo à geração de lucro, renda e emprego- quanto
patrimoniais (como o grau de endividamento e o risco das posições ativas e passivas) têm origem, no caso
que estamos analisando, nas variações dos fluxos, particularmente no investimento. Essas flutuações
podem desencadear movimentos de ajuste patrimonial de empresas (e famílias), apontando o caráter
cumulativo do declínio da acumulação produtiva. No caso da economia americana, a redução das taxas de
juros dificilmente conseguirá impedir uma "queima de capital", o que inclui a tentativa, por parte das
empresas, da redução do grau de endividamento e o sucateamento da capacidade excessiva.
Entre os componentes do gasto, o investimento é sabidamente o mais sensível às súbitas variações no
sentimento dos possuidores de riqueza. E foi exatamente esse componente do gasto que começou a
fraquejar já no final de 2000. O aspecto mais interessante da recente expansão americana foi a sua
congruência, em linhas gerais, com as hipóteses clássicas sobre o ciclo econômico, aquelas sugeridas por
Marx, Keynes, Kalecki e Minsky.
As hipóteses clássicas, no entanto, não incorporavam dois fenômenos correlacionados: o endividamento
das famílias e a generalização do chamado efeito riqueza. A valorização das ações estimulou e garantiu o
financiamento acelerado dos gastos de consumo, elevando significativamente a relação entre dívida e
renda disponível. Na etapa de desaceleração, tudo indica que o círculo virtuoso pode ser transformado
num circuito vicioso.
Até agora, o consumo, ajudado pelas sucessivas quedas de juros promovidas por Greenspan, conseguiu
conter o ritmo de desaceleração da economia dos Estados Unidos. Mas o anúncio recente da evolução das
taxas de desemprego e de contração da massa salarial pode ser o sinal que faltava para precipitar a
recessão.
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