“O dinheiro alheio”.

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Krugman, Paul. “O dinheiro alheio”. São Paulo: Folha de São Paulo, 19 de julho de 2001. Jel: B
O dinheiro alheio
Paul Krugman
Não era verdade quando Richard Nixon o disse, mas se tornou verdade hoje. Somos todos
keynesianos, agora -pelo menos quando olhamos para a nossa economia. Só damos conselhos
antikeynesiana a outros países.
Quando se trata da economia dos Estados Unidos, todos -mesmo as pessoas que imaginam ter
rejeitado o keynesianismo em nome de alguma doutrina mais aceitável para os defensores do livre
mercado- na prática vêem a atual desaceleração nos termos intelectuais definidos por John Maynard
Keynes há 65 anos. Em particular, todo mundo pensa que durante uma depressão precisamos de mais
gastos.
Antes de Keynes, a opinião dominante era a oposta: quedas econômicas seriam, supostamente, o
método pelo qual a mão invisível do mercado punia os excessos, e a melhor cura, ao que se acreditava,
era uma boa dose de austeridade, tanto no setor público como no privado.
Só como resultado da revolução keynesiana é que se tornou óbvio para todos -tão óbvio que as
pessoas deixaram de pensar a respeito- que o problema durante uma crise é a falta de gastos, e não o
excesso, e que a recuperação depende de que o público seja convencido a voltar a gastar.
Assim, a cada vez que você lê um artigo expressando preocupação quanto à possibilidade de que
o declínio na confiança dos consumidores possa nos conduzir à recessão, ou que os cortes nas taxas de
juros logo deflagrarão uma recuperação, ou até mesmo que dessa vez os cortes nos juros talvez não
bastem, você está lendo teoria econômica keynesiana. Como aquele sujeito que não sabia que estivera
escrevendo em prosa durante toda a sua vida, os autores talvez não saibam que são keynesianos -mas o
são.
E seria preciso procurar com muito afinco para encontrar alguém que considere que o governo
dos Estados Unidos deveria cortar seus gastos e elevar os impostos para compensar o impacto
inflacionário da desaceleração econômica deste ano, ou que pense que o Federal Reserve (o banco central
norte-americano) está errado ao cortar as taxas de juros para enfrentar a queda. Há quem diga que o Fed
exagerou -mas eles não se opõem à idéia em princípio.
Mas nós -e com essa palavra quero dizer as autoridades em Washington e os banqueiros em Nova
York- frequentemente receitamos para outros países essa espécie de economia de tratamento de canal que
jamais toleraríamos aqui nos Estados Unidos.
Ontem, o senador aposentado Howard Baker, nosso novo embaixador no Japão, disse a jornalistas
que não esperava que aquele país derrubasse o valor do iene. Além da descortesia -política cambial é um
assunto sensível, sobre o qual até mesmo o secretário do Tesouro dos Estados Unidos precisa manter a
circunspecção-, seu comentário foi parte de uma série de "dicas" de funcionários do governo norte-
americano, no sentido de que não gostaríamos de ver o Japão enfraquecendo sua moeda. Já que é muito
difícil imaginar uma estratégia de recuperação para o Japão que não envolva ao menos a possibilidade de
um iene muito mais baixo, significa dizer aos japoneses que eles não podem fazer o que fazemos
rotineiramente, ou seja, imprimir o dinheiro necessário para colocar a economia em ação de novo.
E, é claro, temos a Argentina. O que é mais chocante sobre a crise política e econômica lá não é
tanto sua severidade -ainda que seja espantoso presenciar a tortura agora infligida a um país que há três
anos era o queridinho de Wall Street- mas sim a completa falta de motivos para a situação.
Estamos falando de um governo cuja dívida não é de fato tão grande quando comparada à sua
economia, e cujo déficit orçamentário relativamente modesto se deve inteiramente à queda das atividades
econômicas, e que agora se vê forçado a cortes de gastos ainda mais severos, os quais certamente
agravarão a queda.
Isso não seria tolerado aqui -mas os banqueiros de Nova York agora dizem aos argentinos que
não resta outra alternativa. E Washington -não o governo Bush, que ao que parece assiste à implosão em
silêncio fantasmagórico, mas a elite conservadora e as instituições de pesquisa que ajudaram a colocar o
país em uma camisa-de-força institucional- concorda.
Será que é preciso que seja assim? O keynesianismo só é bom para os Estados Unidos e outros
países ocidentais seletos, mas não vale para mais ninguém? Talvez. Mas suspeito que o cerne do
problema seja o fato de que pequenos países -e mesmo grandes países que perderam sua autoconfiança,
como o Japão- se deixam intimidar com muita facilidade pelos homens de terno que lhes impõem
conselhos ditados por uma ideologia linha-dura que não seria imposta em seus países de origem.
Meu conselho seria que esses homens de terno fossem ignorados, e que os países fizessem o que
fazemos, e não o que dizemos.
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