Formulação numérica de limite inferior para

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Formulação numérica de limite inferior para
problemas de estabilidade de taludes em solos
reforçados
Liliane Stela Maris Rocha de Sousa
Aluna do Mestrado em Geotecnia - DECIV/EM/UFOP
Luiz Gonzaga Araújo
Professores Adjuntos - DECIV/EM/UFOP - E-mail: [email protected]
Christianne de Lyra Nogueira
Professores Adjuntos - DECIV/EM/UFOP
Resumo
A formulação de Limite Inferior para problemas de estabilidade pelo método dos
elementos finitos (MEF) é descrita nesse trabalho, podendo ser aplicada a meios
contínuos e reforçados. No caso de solos reforçados, apresentam-se as formulações para
análise através das técnicas do contínuo equivalente e discreta. Os exemplos estudados
mostram a potencialidade do método para solução de problemas práticos da engenharia
geotécnica.
Palavras-chaves: estabilidade, análise-limite, elementos finitos, solo reforçado.
Abstract
This paper presents the Lower Bound formulation for stability problems by the finite
element method (FEM), and its applicability to continuous media or reinforced soils. In
case of reinforced soils, two formulations are described using equivalent continuous
model and discrete model. The studied examples show the potentiality of the solution
method for practical problems in geotechnical engineering.
Key words: stability, limit analysis, finite elements, reinforced soil.
1. Introdução
Os problemas práticos de estabilidade em solos têm sido resolvidos, tradicionalmente,
pelo método do equilíbrio-limite. Nesse trabalho, é descrita a técnica do Limite Inferior,
via método dos elementos finitos (MEF) e programação linear (PL), a qual é empregada
para análise desses tipos de problemas, sob condição de deformação plana, em meios
contínuos ou reforçados, considerados rígidos idealmente plásticos. Ressaltam-se,
ainda, as metodologias do contínuo equivalente (Yu & Sloan, 1997) e discreta (Sousa,
2001), que podem ser utilizadas nas análises de problemas em meios reforçados.
A formulação para solos reforçados apresentada por Yu e Sloan considera o meio
reforçado como um contínuo equivalente, onde as condições de fluxo são escritas em
função das características de escoamento de seus componentes. Essa técnica tem sido
aplicada com sucesso por vários pesquisadores no estudo de fundações e taludes
reforçados e é indicada para problemas em que o espaçamento entre as camadas de
reforço é relativamente pequeno quando comparado à dimensão do problema.
Em Sousa (2001) encontra-se a formulação para solos reforçados pela técnica discreta
em que o solo e o reforço são tratados individualmente, considerando o reforço como
um sistema planar de espessura desprezível. Essa técnica é aplicável em problemas que
apresentam uma (ou poucas) camada(s) de reforço, viabilizando a discretização do meio
e do reforço.
2. Formulação do problema de estabilidade pelo teorema do limite inferior
A análise-limite é fundamentada em dois teoremas da plasticidade, conhecidos como
teoremas dos limites superior e inferior. Esses teoremas baseiam-se nas hipóteses
(Chen, 1975) de que o material é plástico ideal, que há associatividade do fluxo plástico,
que a superfície de escoamento é convexa e que ocorrem pequenas variações na
geometria até o ponto de início de colapso plástico.
O teorema do limite inferior, ou teorema estático, pode ser escrito na forma: "Qualquer
campo de tensões estaticamente admissível fornecerá um limite inferior da verdadeira
carga de colapso. Um campo de tensões é dito estaticamente admissível, quando
satisfaz às condições de contorno em tensões, ao equilíbrio e à condição de
escoamento" (Sloan, 1987).
O campo de tensões é modelado via MEF, discretizando-se o domínio do problema em
elementos triangulares de três nós, lineares em tensão, como ilustra a Figura 1. As
interfaces entre esses elementos podem apresentar descontinuidade de tensões
estaticamente admissíveis, Figura 2, porém deve haver continuidade das tensões
normais e cisalhantes.
Figura 1 - Elemento triangular.
Figura 2 - Descontinuidade de tensão entre dois elementos
triangulares
A formulação do problema (Sloan, 1987) consiste em escrever as condições de
equilíbrio em cada elemento (Equação 1) e nas interfaces entre elementos (Equação 2),
as condições de contorno em tensão (Equação 3) e, ainda, a condição de fluxo plástico
na forma linearizada (Araújo, 1997) do critério de escoamento (Inequação 4), sob a
seguinte forma:
(1)
(2)
(3)
(4)
onde Ae é a matriz de equilíbrio do elemento; e é o vetor das componentes de tensões
nodais no elemento; be é o vetor das componentes da força de massa do elemento; Aie é
a matriz de equilíbrio na interface entre dois elementos; ie é o vetor das componentes
de tensão nodais da interface; Ac é a matriz das condições de contorno em tensão; c é o
vetor das componentes de tensão nos pontos nodais numa aresta do contorno; bc é o
vetor das cargas aplicadas numa aresta do contorno; Ay é uma matriz de escoamento do
material;  é o vetor das componentes de tensão num ponto nodal e by é um vetor de
termos independentes das restrições de fluxo.
A montagem de todas as restrições de igualdade (Equações 1, 2, 3) e desigualdades
(Inequação 4) conduz ao problema de PL para obtenção de um campo de tensões
estaticamente admissível, que pode ser expresso sob a forma
Max c X (5)
(6)
onde c é o vetor dos coeficientes da função objetivo; X é o vetor global das
componentes de tensão nodais; A1 é a matriz global das restrições de igualdade que
contém as matrizes Ae, Aie e Ac; A2 é matriz global das restrições de desigualdade que
contém as matrizes Ay de cada ponto nodal; b1 e b2 são vetores de termos independentes.
A solução do problema de PL acima definido pode ser obtida usando, por exemplo, o
programa LINDO (Schrage, 1991).
3. Extensão da formulação para meios reforçados
A extensão da formulação para meios reforçados pode ser conduzida de duas formas:
considerando o meio como um contínuo equivalente (técnica do contínuo equivalente)
ou considerando o solo e o reforço individualmente (técnica discreta).
3.1 Técnica do contínuo equivalente
De acordo com essa técnica, o solo reforçado é modelado como um contínuo
equivalente, ou seja, o equilíbrio é escrito em termos das tensões no contínuo
equivalente (x, y, xy) e as restrições de fluxo são prescritas no solo, na interface soloreforço e no reforço, considerando o esquema de tensão indicado na Figura 3, supondo
que o reforço tem espessura d e está uniformemente distribuído no plano x-y com
espaçamento h (Yu & Sloan, 1997). Dessa forma, se d/h<<1, então as componentes de
tensão no solo (
) podem ser dadas por
Figura 3 - Tensões num meio reforçado.
onde  é o ângulo entre o plano horizontal e o plano do reforço; r é a tensão de tração
relativa no reforço (definida como a tensão de tração no reforço, , vezes a razão d/h).
Escrevendo o critério de escoamento do solo na forma linearizada e em termos das
componentes de tensão no solo, pode-se escrever as seguintes restrições de desigualdade
para as tensões no contínuo equivalente
(10)
onde é uma matriz de escoamento do solo; s é o vetor das componentes de tensão
nodal do contínuo equivalente, incluindo-se a tensão de tração relativa no reforço r , e
é um vetor de termos independentes.
O critério de escoamento da interface solo-reforço pode ser escrito, também, na forma
linearizada, em termos das componentes de tensão no contínuo equivalente da seguinte
forma:
(11)
onde
é uma matriz de escoamento da interface solo-reforço e é um vetor de termos
independentes.
O critério de escoamento do reforço, supondo que ele resista apenas aos esforços de
tração, pode ser escrito como
(12)
onde r é vetor da tensão à tração relativa em todos os pontos nodais do reforço, I é a
matriz identidade e é o vetor de componentes iguais à tensão de escoamento relativa
no reforço.
Um problema de PL similar ao apresentado nas Equações (5) e (6) pode ser montado
para análise de um problema de solo reforçado pela técnica do contínuo equivalente.
Nesse caso, porém, a matriz de restrições de desigualdade A2 deverá conter o arranjo
global das matrizes
e I. O vetor b2 passa a ter a contribuição dos vetores de
termos independentes
e da parcela . Detalhes sobre a definição desses vetores
e matrizes podem ser obtidos em Sousa (2001).
3.2 Técnica discreta
De acordo com essa técnica, o solo reforçado é modelado como um sistema discreto,
onde o solo, o reforço e a interface solo-reforço são tratados individualmente.
Segundo essa metodologia, além da condição de equilíbrio no elemento, na interface
dos elementos e no contorno, se faz necessário estabelecer o equilíbrio, também, no
reforço e na interface solo-reforço. Devendo, ainda, ser verificadas as condições de
escoamento da interface solo-reforço e o escoamento à tração do reforço.
3.2.1 Equilíbrio da interface solo-reforço
A interface solo-reforço é estudada como um elemento planar de espessura nula, como
esquematizado na Figura 4, onde o traço a-b representa o reforço e as linhas 1-2 e 3-4
representam os lados dos elementos que faceiam o reforço.
Figura 4 - Interface de solo-reforço.
O equilíbrio na interface é verificado impondo-se apenas a continuidade das tensões
normais (Figura 4), o que conduz ao seguinte sistema de equações
(13)
onde Asr é a matriz de equilíbrio na interface solo-reforço e sr é o vetor das
componentes de tensão nos pontos nodais da interface solo-reforço.
3.2.2 Equilíbrio do reforço
Supondo um elemento de reforço de comprimento dx (Figura 5), pode-se escrever a
seguinte equação de equilíbrio
(14)
Figura 5 - Equilíbrio do reforço.
ou ainda
(15)
onde T é o esforço de tração no reforço (definida como a tensão de tração, , vezes a
espessura, d, do reforço), s é a tensão cisalhante na face superior do reforço e i é a
tensão cisalhante na face inferior do reforço.
Escrevendo as tensões cisalhantes nas faces superior e inferior do reforço como,
respectivamente, funções lineares das tensões cisalhantes (3,4) nos pontos 3 e 4 e das
tensões cisalhantes (1 ,2 ) nos pontos 1 e 2 (Figura 4), pode-se chegar à seguinte
equação
(16)
onde L é o comprimento do elemento de reforço. Para que a tração no reforço tenha
variação linear, a seguinte condição deve ser obedecida
(17)
Das Equações 16 e 17, chega-se a
(18)
Integrando-se a Equação 18 ao longo do reforço, chega-se a
(19)
onde Ta e Tb são os esforços de tração nas extremidades a e b do elemento de reforço.
A continuidade da tensão de tração atuante entre dois elementos de reforço (Figura 6) é
garantida impondo-se que os esforços de tração nos pontos b e c sejam idênticos, ou
seja
Tb = Tc (20)
Figura 6 - Dois elementos de
reforço.
As expressões 17, 19 e 20 garantem o equilíbrio do reforço.
3.2.3 Escoamento da interface solo-reforço
Nessa técnica utiliza-se a mesma expressão da Equação 11 para modelar a condição de
fluxo plástico na interface solo-reforço. Entretanto, essa equação deve ser prescrita
apenas nos pontos nodais de interfaces de elementos onde haja reforço.
3.2.4 Escoamento à tração do reforço
O critério de escoamento adotado para o reforço é dado por
0  T Ty (21)
onde Ty é o esforço de escoamento à tração do reforço que deve ser verificado em cada
ponto nodal dos elementos de reforço.
4. Exemplos de estudos de estabilidade de taludes reforçados
Dois exemplos de taludes reforçados são apresentados, a fim de validar as
implementações computacionais realizadas e mostrar o desempenho da metodologia
proposta. No primeiro exemplo, verifica-se a estabilidade de um talude vertical
reforçado utilizando a técnica do contínuo equivalente e, no segundo, analisa-se, pela
técnica discreta, a estabilidade de um talude inclinado reforçado com apenas uma
camada de reforço.
4.1 Técnica do contínuo equivalente
Um talude vertical de 6m de altura constituído por um material não coesivo é reforçado
por um sistema de reforço onde dh<<1, Figura 7a.
Figura 7 - Estabilidade de talude reforçado - técnica do contínuo
equivalente.
Usando a técnica do contínuo equivalente, Yu e Sloan (1997) chegaram à seguinte
relação para o número de estabilidade ()
(22)
onde H é a altura do talude vertical,  é o peso específico do solo e 0 é a tensão de
escoamento à tração relativa no reforço.
O número de estabilidade é obtido pela maximização do peso específico do solo, pois
fazendo H=6m e 0=6 kPa, tem-se que  .Os resultados obtidos, utilizando-se a
malha de elementos finitos da Figura 7b e variando-se o ângulo de atrito do material,
são apresentados na Tabela I. Como pode ser observado, os valores obtidos pelo
presente trabalho  estão em boa concordância com os valores encontrados por Yu e
Sloan (Yu), validando, portanto, a implementação realizada.
Tabela I - Números de estabilidade para um problema de talude
reforçado.
4.2 Técnica discreta
Um talude de 4m de altura e inclinação de 63,43º (Figura 8a), constituído por um solo
puramente coesivo ( c=9,8kPa), é reforçado a meia altura (ponto C) por um reforço
horizontal de comprimento variável (5m e 7m).
Figura 8 - Estabilidade de talude reforçado - técnica discreta.
Nesse exemplo, apresentam-se as análises desenvolvidas por Asaoka et al. (1994),
empregando-se uma formulação de limite superior, e por Sousa (2001), empregando-se
a formulação de limite inferior para solos reforçados, utilizando-se a malha de
elementos finitos indicada na Figura 8b.
Em Asaoka et al. (1994), não são consideradas as propriedades do reforço, mas apenas a
condição que estabelece que o comprimento do reforço não varia na ruptura. Para efeito
de comparação, nesse estudo, o reforço e a interface solo-reforço foram considerados
rígidos, com tensões de escoamento ilimitadas, o que equivale a não prescrever as suas
restrições de fluxo. A condição de tensão de tração nula nas extremidades do reforço foi
imposta.
A solução do problema é obtida pela maximização do peso específico do solo eq e os
resultados são apresentados na Tabela II. Observa-se que o fator de segurança é pouco
sensível à inclusão de um reforço na altura média do talude em questão. Os fatores de
segurança encontrados são qualitativamente bastante próximos para os três métodos
empregados.
Tabela II - Fatores de segurança para o problema de talude reforçado.
5. Conclusão
Uma formulação de limite inferior para problemas de estabilidade, na condição de
deformação plana, para solos reforçados foi apresentada, onde o solo reforçado pode ser
modelado como um contínuo equivalente ou o solo e o reforço podem ser modelados
individualmente (análise discreta).
Os casos estudados com a implementação numérica realizada indicam a viabilidade de
uso da metodologia apresentada para a solução de problemas práticos de engenharia
geotécnica, como, por exemplo, estudos de estabilidade de aterros reforçados.
Agradecimentos
Essa pesquisa contou com o apoio financeiro da FAPEMIG e da Fundação Gorceix pela
concessão de bolsa de estudo para a aluna do mestrado em Geotecnia.
Referências Bibliográficas
ARAÚJO, L. G. Estudo numérico de problemas de estabilidade em materiais
geotécnicos através da análise limite. Rio de Janeiro: Puc, 1997. 196p. (Tese de
Doutorado).
ASAOKA, A., KODAKA, T., POKHAREL, G. Stability analysis of reinforced soil
structures using rigid plastic finite element method. Soils and Foundations, v. 34, n.1,
p.107-118, 1994.
CHEN, W. F. Limit analysis and soil plasticity. Amsterdam: Elsevier Science
Publishers, BV, 1975. The Netherlands.
SCHRAGE, L. LINDO - User's Manual. The Scientific Press. 1991.
SOUSA, L. S. M. R. Estudo numérico de problemas de estabilidade em solos
reforçados, via Análise Limite. Ouro Preto: UFOP, 2001. 76p. (Tese de Mestrado).
SLOAN, S. W. Lower bound limit analysis using finite elements and linear
programming. Report Nº 020.01.87, Australia: The University Of New Castle, 1987.
YU, H.S., SLOAN S.W. Finite element limit analysis of reinforced soils. Computers &
Structures, v. 63, n. 3, p. 567-577, 1997.
Artigo recebido em 26/03/2001.
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