UNIVERSIDADE GAMA FILHO PRÓ-REITORIA DA SAÚDE CURSO DE PSICOLOGIA PEDRO JOSÉ DOS SANTOS CARVALHO DE GOUVÊA TERAPIA COGNITIVO-COMPORTAMENTAL: Um caminho promissor para a superação da Fobia Social Rio de Janeiro 2009.2 PEDRO JOSÉ DOS SANTOS CARVALHO DE GOUVÊA TERAPIA COGNITIVO-COMPORTAMENTAL: Um caminho promissor para a superação da Fobia Social Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como requisito parcial para fins de graduação do curso de Psicologia da Universidade Gama Filho. Professor Orientador: LD SETEMBRINO DA SILVA BARROS Rio de Janeiro 2009.2 PEDRO JOSÉ DOS SANTOS CARVALHO DE GOUVÊA TERAPIA COGNITIVO-COMPORTAMENTAL: Um caminho promissor para a superação da Fobia Social Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como requisito parcial para fins de graduação do curso de Psicologia da Universidade Gama Filho. Aprovada em __ de _________________ de 2009. BANCA EXAMINADORA ________________________________________________________________ Prof. LD Setembrino da Silva Barros Universidade Gama Filho ________________________________________________________________ Prof. MS Luís Moacir Nascimento Pereira Universidade Gama Filho ________________________________________________________________ Prof. MS Luís Fernando Anguiano Universidade Gama Filho "É melhor tentar e falhar, que preocupar-se e ver a vida passar; é melhor tentar, ainda que em vão, que sentar-se fazendo nada até o final. Eu prefiro na chuva caminhar, que em dias tristes em casa me esconder. Prefiro ser feliz, embora louco, que em conformidade viver ..." (Martin Luther King) GOUVÊA, Pedro José dos Santos Carvalho de. Terapia cognitivo-comportamental: um caminho promissor para a superação da fobia sócia. Rio de Janeiro: P.J.S.C.Gouvêa. 2009, 56 p. Orientador: LD Setembrino da Silva Barros Monografia (Graduação) – Universidade Gama Filho, Curso de Psicologia, Rio de Janeiro, 2009 1. Fobia Social 2. Terapia cognitivo-comportamental. I. Barros, Setembrino da Silva, Profº. Orientador. II. Título RESUMO Este trabalho irá abordar o tema da fobia social, assim como aspectos gerais da timidez, e o processo de avaliação e intervenção na abordagem cognitivo-comportamental, além de um breve histórico desta. O objetivo principal deste estudo é trazer uma compreensão mais ampla da fobia social em um contexto clínico, onde infelizmente ela só veio receber mais atenção por parte dos pesquisadores recentemente. A partir dessa compreensão, pretende-se explorar como a terapia cognitivo-comportamental pode atuar para a melhoria do quadro, através de técnicas e procedimentos específicos. A metodologia utilizada para alcançar esses objetivos foi uma pesquisa bibliográfica, possibilitando uma reflexão abrangente e objetiva sobre o tema. Espera-se assim aumentar o interesse de pesquisadores e clínicos sobre a fobia social, para que possam intervir de forma mais eficaz com os pacientes. Palavras-chave: fobia social, timidez, terapia cognitivo-comportamental ABSTRACT This paper will address the issue of social phobia, and general aspects of shyness, and the process of assessment and intervention in cognitive-behavioral approach, and a brief history of this. The aim of this study is to bring a broader understanding of social phobia in a clinical setting, where unfortunately it only came to receive more attention from researchers recently. From this understanding, we intend to explore how the cognitive-behavioral therapy can work to improve the picture, using techniques and procedures. The methodology used to achieve these goals was a literature search, providing a comprehensive and objective reflection on the subject. This is expected to increase the interest of researchers and clinicians on social phobia, so they can intervene more effectively with patients. Keywords: social phobia, shyness, cognitive-behavioral therapy SUMÁRIO INTRODUÇÃO........................................................................................................................8 1. UM BREVE HISTÓRICO DA TERAPIA COGNITIVO-COMPORTAMENTAL....10 2. CONCEITO DE TIMIDEZ E FOBIA SOCIAL: ASPECTOS GERAIS......................17 3. A VISÃO COGNITIVO-COMPORTAMENTAL DA FOBIA SOCIAL.....................25 3.1. Avaliação cognitivo-comportamental................................................................................35 3.2. Conceituação cognitiva do caso.........................................................................................41 3.3. Aspectos gerais da terapia cognitivo-comportamental para fobia social...........................45 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS.............................................................................................53 REFERÊNCIAS......................................................................................................................55 8 INTRODUÇÃO Este trabalho traz um tema não muito comum de ser abordado pelos especialistas e estudiosos de saúde mental no que se refere às psicopatologias, mas que é extremamente relevante na área, no sentido de trazer muito sofrimento aos indivíduos que sofrem deste transtorno, devido à natureza de suas características, que é o transtorno de ansiedade social (TAS) ou, como é mais conhecido, Fobia Social. A fobia social, como um transtorno de curso crônico, e muito prevalente na clínica, pode tornar-se uma condição altamente incapacitante para o indivíduo, devido ao grau de limitação psicossocial que impõe. Ou seja, o indivíduo que sofre deste transtorno se vê diante de uma situação onde ele precisa interagir socialmente para ter uma qualidade de vida e até sobreviver, já que o homem é um ser social, e é literalmente prejudicado para exercer essa atividade devido ao medo. Muitas vezes pode parecer curioso e intrigante para os “leigos” ou indivíduos ditos “normais”, a natureza do transtorno. Ou seja, o homem como um ser altamente social e que sente ou deveria sentir prazer e satisfação em interagir com os outros, ter um medo irracional e persistente da própria sociedade e não conseguir se inserir à ela devido a esse medo. Essas manifestações são vistas muitas vezes como ‘‘frescura”, “comodismo”, ou até mesmo “fraqueza” do indivíduo por quem não entende e vivencia o problema. Tudo isso deve-se a falta de informação e divulgação sobre o transtorno, tanto da parte de especialistas quanto da parte do senso comum. Diante dessa situação desfavorável que envolve a fobia social, este estudo tem por objetivo principal ampliar a compreensão sobre a fobia social, analisando de forma abrangente as suas características e manifestações tendo como base uma visão cognitivocomportamental. Para isso, buscou-se uma articulação inicial entre a idéia de timidez e de fobia social, que muitas vezes torna-se imprecisa devido à semelhança entre as duas. Isso por sua vez dificulta o trabalho dos profissionais em diferenciar uma da outra e diagnosticar corretamente. Espera-se que esse trabalho sirva como fonte de inspiração para os profissionais de saúde mental, em especial os psicoterapeutas, para se aprofundarem no entendimento da fobia social, e conseqüentemente desenvolverem estratégias de intervenção mais eficazes com os pacientes. A fobia social, como uma categoria diagnóstica bastante comum, foi escolhida como tema a ser abordado justamente pela falta de estudos e pesquisas sobre ela, e 9 conseqüentemente pela pouca disponibilidade de tratamentos empiricamente validados e eficazes. A terapia cognitivo-comportamental (TCC), tem se mostrado uma abordagem terapêutica promissora para o quadro, assim como para outros transtornos de ansiedade, e provavelmente irá se tornar o tratamento padrão para a fobia social, associada ao tratamento farmacológico nos casos mais graves. Através de uma pesquisa bibliográfica, buscou-se fazer uma análise e uma reflexão sobre o tema aqui exposto, descrevendo e explicitando as principais idéias e teorias que envolvem a TCC, a fobia social, e uma breve visão geral da timidez também, visando estabelecer relações pertinentes entre o transtorno, o enfoque cognitivo, e os princípios de avaliação e de tratamento utilizados dentro deste referencial. A parte inicial do trabalho focaliza brevemente o surgimento da TCC em um contexto histórico, trazendo as principais condições que favoreceram o surgimento desta abordagem, passando pelos principais autores e seus respectivos modelos teóricos. Na seqüência do trabalho, serão apresentadas as conceituações gerais sobre a timidez e a fobia social como uma forma de introduzir a idéia sobre essas duas manifestações, com destaque para a diferença clínica em termos de psicopatologia. Em seguida, será abordada a visão cognitivocomportamental do transtorno, e também da ansiedade, apresentando suas possíveis causas, sintomas, fatores mantenedores e os modelos teóricos da fobia social ate então desenvolvidos. Diante disso, a parte clínica de avaliação, conceituação cognitiva e o processo de intervenção para fobia social serão focalizadas, descrevendo as formas e princípios básicos de avaliação nesta abordagem, o processo de conceituação e as técnicas e procedimentos de intervenção. Ao final, serão apresentadas as conclusões e as reflexões finais sobre o tema, visando incentivar o desenvolvimento de novas idéias, pesquisas e estratégias clínicas por parte dos profissionais de saúde mental. 1. UM BREVE HISTÓRICO DA TERAPIA COGNITIVO-COMPORTAMENTAL A psicoterapia, seja fundamentada em qualquer referencial teórico que for, não é e nem foi historicamente o único caminho utilizado para obter alívio e superação dos sofrimentos humanos. Reflexões filosóficas, doutrinas religiosas, envolvimento e relações comprometidas com a arte, auto-análise, são algumas das formas que os serem humanos lançavam mão na busca do bem-estar e da felicidade. Essas formas de lidar, enfrentar e superar os problemas pode funcionar ou não dependendo da situação, do indivíduo, do grupo social, do objetivo a que este se propõe, dentre outros fatores. Porém, em casos onde há um sério comprometimento da saúde mental do indivíduo, faz-se necessário considerar a possibilidade de uma intervenção psicológica cientificamente validada. Neste contexto, torna-se emergente a criação e o desenvolvimento de teorias e práticas psicológicas que contemplem estes objetivos. Quando nos propomos a investigar a história das teorias psicológicas que fundamentaram as práticas clínicas em psicoterapia, observa-se um predomínio de três abordagens psicológicas até aproximadamente a década de 70. São elas a psicanálise, o behaviorismo e o humanismo. A terapia cognitivo-comportamental (TCC), foi se desenvolvendo gradativamente e de forma mais consistente no início dos anos 70, podendo ser considerada como a “quarta força” no campo da psicoterapia. (DOBSON & SCHERRER apud KNAPP, 2004) Nesse período que antecedeu a criação da TCC, a corrente teórica dominante utilizada para explicar os fenômenos comportamentais observáveis era o behaviorismo, que mais tarde acabou resultando na terapia comportamental. Com o advento das ciências cognitivas, como a inteligência artificial, a psicolingüística e a psicologia cognitiva por volta da década de 50, apresentando uma visão mais refinada do comportamento humano, incorporando elementos cognitivos, e o afastamento da psicanálise e do behaviorismo por vários adeptos, com destaque para Albert Ellis - que desenvolveu o primeiro modelo de psicoterapia que dava clara ênfase a fatores cognitivos, a terapia racional-emotivo-comportamental (TREC) - surge uma nova abordagem terapêutica que apóia-se nas duas correntes teóricas e de certo modo as une, dando origem a um novo sistema de psicoterapia: a terapia cognitivo-comportamental (TCC). Como ocorre em todas as áreas do conhecimento humano, há um desenvolvimento gradual à medida que o pensamento sobre um determinado aspecto da realidade evolui através de estudos e pesquisas. 11 Não foi diferente em relação ao campo da psicologia e da psicoterapia. Necessidades teóricas e conceituais mais sólidas e mais complexas que explicassem o comportamento humano começavam a surgir. Os modelos estritamente comportamentais de explicação do fenômeno começavam a gerar insatisfação ao final dos anos 60. A idéia do comportamento humano como estímulo-resposta - central a esse modelo - começou a ser vista como simplista e insuficiente. Por outro lado, o modelo psicanalítico, que vinha em um movimento contrário ao modelo behaviorista e tinha um forte impacto no campo da psicologia começou a ser questionado e rejeitado. Avaliações como as de Rachman e Wilson (1980) apud Knapp (2004, p. 44 e 45), afirmando que “ainda não há indícios aceitáveis que sustentam a visão de que a psicanálise é um tratamento eficaz”, incentivaram ainda mais a busca por abordagens psicoterapêuticas alternativas. As condições para o desenvolvimento de uma abordagem inovadora no campo da psicoterapia pareciam estar cada vez mais favoráveis e emergentes. Paralelamente a esse questionamento da eficácia do tratamento psicanalítico, questionava-se também a eficácia de intervenções puramente comportamentais, que mostravam-se improdutivas para alguns transtornos, como o transtorno obsessivo por exemplo. Frente a esse contexto que se configurava a favor do desenvolvimento de novos métodos e formas de pensar a intervenção clínica, os pesquisadores e terapeutas começaram a se concentrar nos aspectos cognitivos do funcionamento humano, especialmente no processamento de informações. Além disso, as pesquisas realizadas acerca do tratamento cognitivo-comportamental tiveram um resultado positivo e mais eficaz em comparação com intervenções estritamente comportamentais, comprovando empiricamente e com evidências sólidas o papel dos fenômenos cognitivos nos problemas humanos. Isso incentivou uma série de pesquisadores e clínicos a investigarem mais a fundo esses processos e o interesse pela área cresceu gradativamente. (DOBSON & SCHERRER apud KNAPP, 2004) Em uma perspectiva histórica mais ampla, podemos delinear as origens filosóficas da terapia cognitiva, que podem ser referidas à filósofos como Zenão e Epíteto. Este escreveu “ Os homens são perturbados não pelas coisas, mas pelas opiniões que extraem delas”, já evidenciando um elemento cognitivo para o sofrimento humano. O estoicismo, filosofias orientais como o taoísmo e o budismo, enfatizaram que as emoções humanas são embasadas em idéias. O controle dos mais intensos sentimentos podem ser obtido através da mudança de nossas idéias. (BECK, 1997) 12 Freud (1900/1953) apud Beck (1997), por exemplo, apresentou inicialmente o conceito de que os sintomas e afetos baseiam-se em idéias inconscientes. A Psicologia Individual de Alfred Adler destacou a importância de entender o paciente dentro do campo de suas próprias experiências conscientes. Para ele, a terapia consistia em tentar compreender como a pessoa percebia e experimentava o mundo, e afirmou que as pessoas não sofrem das chamadas experiências traumáticas que passam, mas sim do sentido que extraem delas, ressaltando ainda que as situações ou experiências que vivenciamos não tem um significado prédeterminado, mas nós nos autodeterminamos através dos significados pessoais que damos à essas situações. Voltando à década de 60, refletindo acerca de suas pressuposições, o psiquiatra norteamericano Aaron Beck, começou a questionar seu próprio modelo teórico no qual fundamentava-se para tratar seus pacientes: a psicanálise. Ele começou a perceber que não estava obtendo resultados efetivos em seu trabalho clínico, e buscou soluções alternativas para superar esta dificuldade. Observando que os métodos e técnicas psicanalíticas não estavam tendo o resultado esperado, Beck se propôs a seguir um caminho diferente do qual havia aprendido em sua formação original. Ao invés de adotar uma postura de escuta passiva na maior parte do tempo, e buscar a origem dos sintomas em experiências infantis perturbadoras e no inconsciente, Beck resolveu adotar uma outra postura frente ao paciente e suas queixas, tanto no que diz respeito à passividade do analista, quanto no entendimento do paciente, e buscar um modelo alternativo para explicação dos fenômenos psicopatológicos que observava. A atenção de Beck voltou-se então para o conteúdo temático das cognições de pacientes depressivos que ele atendia, fator que o modelo psicanalítico ignorava em grande parte, e observou que essas cognições, em especial a visão de mundo, de si mesmo e do futuro destes pacientes tinham um papel significativo no desenvolvimento e na manutenção do transtorno depressivo. A partir disso, Beck concluiu que a depressão se tratava de um transtorno cognitivo e não afetivo como era entendido, revolucionando a maneira de pensar e compreender o quadro. (DOBSON & SCHERRER, apud KNAPP, 2004) A sua primeira descoberta e de fundamental relevância clínica no que diz respeito aos transtornos mentais, foi exatamente sobre a depressão. Com base em seus estudos empíricos e observações clínicas, Beck desenvolveu o modelo cognitivo da depressão, que mais tarde iria se estender a uma ampla variedade de transtornos. Esse modelo cognitivo da depressão afirmava que a cognição do paciente era o fator chave para a compreensão dos sintomas, e não a emoção, ou seja, a depressão era resultado de 13 distorções sistemáticas nos padrões de pensamento, e uma visão negativa e irrealista em relação a três aspectos fundamentais da experiência humana: a visão de si mesmo, do mundo e do futuro, denominada tríade cognitiva da depressão. Beck revela ainda que o depressivo desenvolve uma tendência aumentada de aplicar um viés negativo no processamento de informações, dando interpretações negativas exageradas as suas experiências de vida. Esse modelo cognitivo desenvolvido inicialmente para o transtorno depressivo, expandiu-se para outros transtornos mentais como foi dito, e resultou em um novo sistema de psicoterapia: a terapia cognitiva. O princípio básico que fundamenta a terapia cognitiva é que as nossas respostas emocionais e comportamentais são influenciadas de forma significativa pelo modo como interpretamos os eventos e situações de vida, e não pela situação em si. Isso pressupõe que as pessoas com transtornos emocionais tendem a apresentar erros sistemáticos e persistentes no processamento de informações e avaliações distorcidas dos eventos cotidianos, o que afeta o humor e o comportamento do indivíduo, gerando sofrimento para o mesmo. (BECK, 1997) A idéia chave então é a inter-relação que existe entre cognições, afeto, comportamento, ambiente, e a interpretação que o indivíduo faz dos eventos, e não o evento em si. Outro conceito fundamental da terapia cognitiva, que representa um avanço na compreensão do modelo desenvolvido por Beck e amplia a sua teoria é o conceito de esquemas. Ele definiu o termo como sendo: estruturas internas relativamente duradouras de características genéricas ou prototípicas armazenadas de estímulos, idéias ou experiências que são utilizadas para organizar novas informações de um modo significativo, deste modo determinando como os fenômenos são percebidos e conceitualizados1. Estes esquemas cognitivos seriam estruturados desde a infância do indivíduo a partir de experiências e aprendizagens prévias, permanecendo relativamente estáveis, rígidos e resistentes a mudança. Segundo Williams (1997) apud Knapp (2004) os esquemas funcionam basicamente como estruturas mediacionais entre o “real”, o processamento das informações do “real” e as respostas emocionais e comportamentais. Com base em seus pressupostos teóricos, a terapia cognitiva teria então como objetivo principal promover mudanças na estrutura cognitiva do paciente, desenvolvendo mudanças em seus padrões disfuncionais de avaliar e interpretar as situações do real, o que 1 CLARK, BECK, ALFORD, 1999 apud KNAPP, 2004, p.47. 14 conseqüentemente resultaria em mudanças positivas no humor e comportamentos mais adaptativos. Portanto, o foco principal são as cognições disfuncionais do indivíduo, e por meio de intervenções cognitivas promover a reestruturação cognitiva. Diante destes pressupostos inaugurou-se um novo modelo de funcionamento humano, baseado no paradigma de processamento de informações. Podemos mencionar também como pioneiro na criação e desenvolvimento da TCC o psicólogo Albert Ellis. Ele foi o fundador da terapia racional-emotivo-comportamental (TREC) em 1955, considerada por muitos o principal exemplo da abordagem cognitivocomportamental atual. Assim como Beck, Ellis tinha formação psicanalítica, e começou a ficar insatisfeito com a limitação dos métodos e técnicas psicanalíticas, questionando sua eficácia, o que de fato constatava na sua prática clínica. A partir de então, Ellis, também buscou desenvolver novos métodos e técnicas de trabalho para lidar com os problemas de seus pacientes e resolve-los, buscando mudanças rápidas e duradouras no alívio do sofrimento. Ele foi influenciado fortemente pela idéia do filósofo grego Epicteto já referido anteriormente, que propôs que o que causa o nosso sofrimento não são os acontecimentos, e sim a maneira como percebemos esses acontecimentos. Esse conceito tornou-se chave na formulação da TREC. Além deste filósofo, Ellis sofreu outras influências significativas como a do filósofo romano Marco Aurélio, da influente psicanalista dos anos 40, Karen Horney, de Alfred Adler, Bertrand Russel, além de teóricos do behaviorismo como Watson e Rainer, e teóricos existenciais como Martin Heidegger. (DOBSON & SCHERRER apud KNAPP, 2004) A TREC parte do princípio de que os fatores mais determinantes dos transtornos emocionais são as crenças irracionais do indivíduo, e que este tende a manter esses padrões irracionais de pensamento, gerando sofrimento emocional a si mesmo. Essas crenças irracionais segundo Ellis (1970), se caracterizam por serem rígidas e inflexíveis, não admitindo alternativas contrárias ou que desconfirmem o seu conteúdo. Geralmente essas crenças estão organizadas sob as formas de “eu tenho que”, “eu deveria”, “é absolutamente necessário que”, constituindo assim a base para o desenvolvimento do transtorno. Ellis (1970) desenvolveu um modelo explicativo para a compreensão das suas novas formulações teóricas. Esse modelo é denominado de A-B-C. O A refere-se ao ambiente, ou evento ativador, enquanto que o B refere-se aos pensamentos, suposições, interpretações e crenças que seriam ativados por A, e o C representa as conseqüências, físicas, emocionais e 15 comportamentais. Esse modelo ilustra com clareza e precisão a conexão recíproca entre o ambiente, as cognições, os afetos e o comportamento, e fundamenta o raciocínio da TREC. Uma diferença importante da TREC em relação a outras abordagens cognitivocomportamentais é a sua ênfase em uma filosofia racional. Seus objetivos principais estão centrados em identificar e modificar as crenças irracionais dos pacientes, desenvolvendo a flexibilidade de pensamento, a auto-aceitação, a tolerância à incerteza e a auto-orientação. Para se atingir esses objetivos a TREC se propõe a seguir uma metodologia científica e racional, utilizando técnicas cognitivas, emocionais e comportamentais, como por exemplo, o automonitoramento dos pensamentos, biblioterapia, técnicas de relaxamento, treinamento de habilidades, e principalmente o debate lógico-científico-racional com o paciente através de questionamentos e contestações das suas crenças irracionais. (ELLIS, 1979, 1980 apud KNAPP, 2004) Por fim, apesar dessas duas modalidades terapêuticas serem as mais conhecidas dentro do referencial cognitivo-comportamental, existem outros desenvolvimentos dentro desta área. Assim como em outros referenciais teóricos em psicoterapia, há uma grande variedade de linhas de pensamento e de atuação na TCC Apenas como uma forma de citar os modelos que também foram influentes e causaram impacto nesta abordagem ao longo dos anos, é interessante passar brevemente por eles. Um importante modelo é o de reestruturação racional sistemática (RRS), que surgiu na década de 70 com Marvin Goldfried (1974), onde o princípio central desenvolvido foi a dessensibilização sistemática como uma forma de auto-relaxamento. Outro modelo desenvolvido nos anos 70 foi o treinamento de auto-instrução de Donald Meichenbau (1973, 1977), focando a relação entre auto-instrução verbal e comportamento, com ênfase em técnicas de modelagem cognitiva, treinamento mediacional dirigido e auto-reforço. O treinamento de inoculação de estresse, que também se enquadra no referencial cognitivo-comportamental, surgiu também nos anos 70, e tinha como ponto chave de tratamento o desenvolvimentos de habilidades para lidar com níveis elevados de estresse, através de exercícios comportamentais a treinamento em habilidades cognitivas. Finalmente, ainda na década de 70, surgiram outras variações da TCC, como a terapia de resolução de problemas (TRP) e a terapia de autocontrole, baseada no modelo de auto controle da depressão de Rehm (1977). Mais recentemente na década de 80, deu-se o desenvolvimento de uma abordagem cognitiva estrutural na psicoterapia, introduzida por Guidano e Liotti, classificada como pós-racional. 16 Esse é um breve panorama histórico focalizando os principais fatores e acontecimentos que favoreceram e contribuíram para o nascimento e o desenvolvimento das terapias-cognitvo-comportamentais, assim como os modelos mais significativos dessa abordagem decorrentes desse contexto histórico. No próximo capítulo, este estudo irá abordar as idéias e pressupostos gerais a cerca da timidez e da fobia social. 2. CONCEITO DE TIMIDEZ E FOBIA SOCIAL: ASPECTOS GERAIS A timidez enquanto uma manifestação humana considerada “normal” pela nossa sociedade, é fundamental ser abordada no contexto deste estudo na medida em que ela está intimamente relacionada ao desenvolvimento da fobia social, sendo muitas vezes até confundida com o transtorno. Portanto faz-se importante expor algumas noções sobre ela, como veremos a seguir. Inicialmente, quando pensamos na idéia de timidez, costumamos associá-la a um determinado padrão de comportamento com características e manifestações específicas, cujo foco principal é a inibição em situações sociais. As pessoas em geral não tem dificuldades em descrever e identificar esses padrões de timidez que se apresentam em um indivíduo, de acordo com a cultura em que ele está inserido. De qualquer modo, podemos conceituar a timidez a partir de um olhar interno e um externo, que se manifesta no indivíduo com características comuns. De acordo com Miranda (2004), o olhar interno refere-se aos processos subjetivos que ocorrem no indivíduo. Apesar de ser uma área complexa podemos destacar alguns pontos dentro dessa conceituação que envolvem: o reconhecimento do indivíduo de sua limitação de interagir socialmente; o desejo de mudar; a presença de conflitos internos decorrentes do desejo de mudar e da dificuldade ou competência para isso; a presença marcante e intensa de fantasias, na medida em que o indivíduo não vivencia seus desejos e vontades no “mundo real”, há uma tendência a experiencia-los no campo das fantasias; e o comprometimento psicossocial não se apresenta de forma significativa. Por outro lado, podemos conceituar a timidez a partir de um olhar externo, ou seja, como sendo um padrão de comportamento caracterizado pela inibição em situações sociais, onde a pessoa não expressa espontaneamente seus pensamentos e sentimentos, e não interage ativamente. Ainda segundo o autor, esse padrão, em geral, é acompanhado de algumas alterações fisiológicas, como a aceleração dos batimentos cardíacos, suor excessivo nas mãos ou em outras partes do corpo, respiração irregular, dentre outros. A timidez se manifesta basicamente através de quatro categorias de resposta: física, psicológica, emocional e comportamental. (MIRANDA, 2004) A dimensão física refere-se aos sintomas somáticos da ansiedade, como taquicardia, sudorese, rubor facial, náuseas, dores de cabeça, entre outros. A dimensão psicológica refere-se ao processamento de informações disfuncional que o tímido tem, gerando interpretações e pensamentos distorcidos como: 18 “O outro é melhor do que eu”, “Eu estou agindo de maneira ridícula”, ou “Estão me avaliando e não sou interessante”. Esses pensamentos refletem a auto-imagem negativa que o tímido tem a respeito de si mesmo, e a visão dos outros como sendo muito críticos, exigentes ou maus. Já a dimensão emocional reflete sentimentos marcantes de vergonha e medo nas interações sociais, associados também a emoções muito recorrentes de insegurança e inferioridade. A dimensão comportamental se manifesta através de comportamentos típicos de “segurança” frente à situação social, avaliada como perigosa e ameaçadora, como por exemplo: falar muito pouco, desviar o olhar com facilidade não conseguindo manter contato visual por muito tempo, quando fala é de maneira hesitante, gestos pouco expressivos, entre outros. Um dos aspectos da timidez que é importante ser destacado refere-se aos medos específicos e a ansiedade que o indivíduo apresenta quando confrontado com as situações temidas. Para Beck e Emery (1985) apud Nardi (2000, p.110), “o medo central do tímido é o de ser o foco das atenções, de expor suas fraquezas e, em conseqüência, ter seu desempenho avaliado de modo desfavorável”. Isso demonstra a insegurança do tímido em relação ao seu valor pessoal e as suas competências interpessoais, ativada quando ele entra em contato com o olhar dos outros. Uma das formas mais freqüentes na qual a ansiedade se faz presente na timidez é quando o indivíduo antecipa mentalmente conseqüências negativas para os seus atos, aumentada pela expectativa de entrar nas situações temidas, levando à esquiva ou ao enfrentamento acompanhado de mal-estar considerável. Essa ansiedade experimentada previamente antes de entrar nas situações é denominada ansiedade antecipatória. Tessari (2001), revela que alguns fatores no caso específico da timidez geram ansiedade, como por exemplo: o perfeccionismo, não querer magoar o outro, possuir uma auto-imagem distorcida/negativa, medo de críticas, medo de errar, preocupações excessivas com o desempenho social, pensamentos e crenças equivocadas que o indivíduo estruturou a partir da infância, entre outros fatores. Para Echeburúa (1997), há uma distinção entre a timidez medrosa e a timidez autoconsciente. O autor nos diz que o tipo medroso tem origem na primeira infância e caracteriza-se por elevada ansiedade somática e inibição comportamental, enquanto que o tipo autoconsciente tem origem primeiro em torno dos 4 ou 5 anos, quando começa a ocorrer uma consciência do self, atingindo um pico entre os 14 e os 17 anos. Caracteriza-se por sintomas cognitivos, tais como auto-conceito negativo e preocupações excessivas com a opinião dos outros. 19 Diante do que foi exposto até aqui, podemos pensar a respeito das causas da timidez. Quando falamos de causas, estamos falando de um conjunto complexo de fatores que interagem e resultam em um determinado padrão de personalidade e comportamento que também são muito complexos. Entretanto, os estudos a respeito apontam que existe tanto um componente de predisposição genética quanto a influência do ambiente, ou seja fatores biológicos e ambientais estão em jogo no desenvolvimento e manutenção da timidez. (BRUCH & CHEEK, 1995 apud GOUVEIA, 2000) Por isso, é arriscado afirmar que alguém nasce tímido. A timidez é encarada como um traço de temperamento ou característica da personalidade, presente desde a infância, que não chega a ser determinante para o comportamento na vida adulta. Além disso, diferenças culturais também podem ser relevantes. Gouveia (2000), enfatiza que os fatores ambientais de maior relevância que contribuem para o desenvolvimento da timidez estão o ambiente familiar, onde pais muito críticos, exigentes, violentos, superprotetores, ou que também são tímidos tem uma influência significativa no comportamento e estruturação da personalidade do tímido, assim como experiências traumáticas na infância como abandono, rejeição, humilhações públicas, situações de perda, frustrações sociais dentre outras. Entretanto, a timidez não é considerada um transtorno clínico pela OMS, sendo encarada como ocorrência comum que não traz prejuízos significativos para o indivíduo, como já foi referido inicialmente. Contudo, os sintomas da timidez podem tomar uma forma, intensidade elevada e duração prolongada, desproporcionais a situação, comprometendo de forma significativa a vida do indivíduo, que resulta no que chamamos de Transtorno de Ansiedade Social (TAS) ou simplesmente Fobia Social. Nardi (2000) faz uma interessante comparação, dizendo que, assim como a tristeza é uma reação normal, adaptada e a depressão, a sua patologia, a ansiedade social é uma reação humana normal e útil, enquanto que o transtorno de ansiedade social ou fobia social é a sua patologia. O autor traz uma definição interessante do fenômeno: a ansiedade social é uma sensação difusa e desagradável de apreensão que precede qualquer compromisso social novo ou desconhecido, onde todos apresentam algum grau deste tipo de ansiedade. Essa ansiedade social pode ser dividida em dois componentes: 1- a consciência dos sintomas físicos e 2 - a consciência de estar nervoso ou amedrontado na antecipação ou em uma situação social (NARDI, 2000, p.1) 20 Todos nós, em determinadas situações sociais, experimentamos o sentimento de ansiedade, ficamos constrangidos ou envergonhados, principalmente quando somos o foco do olhar de outras pessoas. Entretanto, algumas pessoas apresentam esses sintomas em um nível de intensidade desproporcional à situação em questão, ou mesmo sem um motivo razoável como foi mencionado antes. Essa intensidade elevada dos sintomas frente às situações temidas, sua persistência, acompanhada de um padrão de evitação das mesmas, caracteriza a fobia social. Segundo o DSM-IV, podemos conceituar a fobia social como sendo: um transtorno caracterizado por um medo acentuado e persistente frente à situações sociais ou de desempenho, onde o indivíduo fica exposto ao julgamento e a críticas dos outros temendo se comportar de um modo humilhante ou embaraçante, mediante a demonstração de ansiedade ou desempenho inadequado, conseqüentemente temendo ser rejeitado ou desaprovado. O modelo cognitivo, que será aprofundado no próximo capítulo, entende que o indivíduo com fobia social teme exageradamente se comportar de forma embaraçosa ou humilhante, em função de suas crenças e expectativas disfuncionais à respeito de si, do mundo e dos outros. Em relação à sintomatologia presente no transtorno, esta é muito parecida com a de outros transtornos de ansiedade, como por exemplo, uma intensa inquietação interna, taquicardia, boca seca, tensão muscular, palpitações, sudorese, podendo até culminar em um ataque de pânico. Entretanto, outros sintomas que são mais específicos na fobia social incluem rubor, tremor e urgência urinária. (NARDI, 2000) Segundo Caballo (2003), podemos destacar algumas variáveis que caracterizam o transtorno e que ocorrem de forma sistemática: quando há contato interpessoal, está em jogo algum desempenho social como falar, escrever, comer, interagir, aumentando com o nível de formalidade da situação social e o grau em que o indivíduo sente-se exposto, sendo acompanhada de um forte desejo de fugir da situação ou evitá-la. De acordo com o DSM-IV, o indivíduo deve preencher os seguintes critérios para ser diagnosticado como tendo fobia social: A. Medo acentuado e persistente de uma ou mais situações sociais ou de desempenho, onde o indivíduo é exposto à pessoas estranhas ou ao possível escrutínio por outras pessoas. O indivíduo teme agir de um modo (ou mostrar sintomas de ansiedade), que lhe seja humilhante e embaraçoso. 21 B. A exposição à situação social temida quase que invariavelmente provoca ansiedade, que pode assumir a forma de um ataque de pânico ligado à situação ou predisposto por situação. C. A pessoa reconhece que o medo é excessivo ou irracional. D. As situações sociais e de desempenho temidas são evitadas ou suportadas com intensa ansiedade ou sofrimento. E. A esquiva, antecipação ansiosa ou sofrimento na situação social ou de desempenho temida interferem significativamente na rotina, funcionamento ocupacional, atividades sociais ou relacionamento do indivíduo, ou existe sofrimento acentuado por ter a fobia. F. Em indivíduos com menos de 18 anos, a duração é do no mínimo 6 meses. G. O temor ou esquiva não se deve aos efeitos fisiológicos diretos de uma substância, ou de uma condição médica geral, nem é melhor explicado por outro transtorno mental. H. Em presença de uma condição médica geral ou outro transtorno mental, o medo no critério A não tem relação com estes. A fobia social é o segundo transtorno mais diagnosticado, com 25% do total de fobias. Ela afeta em média 2% da população em geral, e tem caráter progressivo, se apresentando como timidez na infância e isolamento na adolescência. Habitualmente, é um transtorno de curso crônico, tendo seu início entre os 15 e 20 anos. (ECHEBURÚA, 1997) Segundo Gouveia (2000), é o transtorno de ansiedade mais freqüente, com prevalência de 13% ao longo do ciclo de vida, o que o situa como o terceiro transtorno psiquiátrico mais comum, seguindo-se à Depressão maior e à Dependência Alcoólica. O autor ainda destaca que a idade média de início é entre 15 e 16 anos, e a prevalência costuma ser de 15,5% nas mulheres e 11,1% nos homens. Apesar de ser um transtorno muito prevalente na clínica, de curso crônico, interferindo de forma significativa no funcionamento psicossocial, ocupacional, e familiar do indivíduo, e com altas taxas de co-morbidade, a fobia social foi de certa forma negligenciada por pesquisadores e clínicos, onde grande parte do que se sabe sobre o quadro e o seu tratamento foi descoberto recentemente. (LIEBOWITZ, 1985 HIRSCHFELD, 1995; LECRUBIER, 1998 apud KNAPP, 2004) Para se ter idéia dessa negligência, ela só foi incluída como uma categoria diagnóstica no DSM em 1980. Em 1987, os critérios para a fobia social foram revisados com a publicação do DSM-III-R, sendo revisados novamente com pequenas modificações na edição atual, o DSM-IV. Essa edição atual, o DSM-IV traz uma conceituação importante que exemplifica algumas preocupações específicas: 22 nas situações sociais ou de desempenho temidas, os indivíduos com fobia social experimentam preocupações acerca de embaraço e temem que outros os considerem ansiosos, débeis, malucos ou estúpidos. Eles podem ter medo de falar em público em virtude da preocupação de que os outros percebam o tremor em suas mãos ou voz, ou podem experimentar extrema ansiedade ao conversar com outras pessoas pelo medo de parecer que não sabem se expressar. Eles podem esquivar-se de comer, beber ou escrever em público, pelo medo de sentirem embaraço se os outros perceberem suas mãos trêmulas. Hazen e Stein (1995) apud Rangé (2001) fizeram um resumo das principais e mais comuns situações sociais de desempenho e/ou interacionais em que a ansiedade patológica pode se fazer presente. Dentre elas, destacam-se a de falar em público; escrever em público; usar banheiros públicos; comer e beber em público; sair com alguém do sexo oposto; falar com figuras de autoridade; conversar ao telefone; falar com estranhos; e manter contato visual com pessoas não familiares. Todas essas situações envolvem um alto grau de ansiedade e uma preocupação patológica com a avaliação e opinião dos outros quando o indivíduo é exposto à elas, e freqüentemente vem acompanhada de um padrão de evitação. Ainda segundo os autores, a situação de falar em público, por exemplo, com freqüência é avaliada como a mais temida entre os portadores de fobia social. Falcone (1995) apud Rangé (2001), refere que as preocupações em relação à falar em público se caracterizam essencialmente por pensamentos ansiosos em relação ao desempenho, e à possível percepção dos outros dos seus sinais de ansiedade. Pensamentos como: “E se os outros notarem que eu estou ansioso?”, “E se eles virem que minhas mãos estão tremendo?”, “E se eu gaguejar?”, “E se eu me esquecer totalmente do que eu devo dizer?”, “E se eu parecer estúpido?”, são muito comuns e acabam estimulando mais ainda a ansiedade inicial. A fobia social apresenta dois subtipos básicos: Circunscrita ou restrita, que é específica à uma ou duas situações públicas de desempenho ou interação verbal, como falar ou escrever em público, e a fobia social generalizada, que se estende a todas ou quase todas as situações sociais. Os quadros de fobia social circunscrita estão mais relacionados ao desempenho social, como por exemplo fazer uma exposição oral à uma platéia, enquanto que a generalizada, se relaciona na maior parte das vezes as situações de interação verbal. (AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION, 1987 apud KNAPP, 2004) O DSM-IV refere que “os indivíduos com o tipo generalizado, parecem mais propensos a manifestar déficits nas habilidades sociais e a ter severo prejuízo social e ocupacional”. 23 Estudos da área de captação epidemiológica (ECA) do Instituto Nacional de Saúde Mental, concluíram que o transtorno é mais freqüente em mulheres (1,5%__2,6%), do que em homens (0,9%__1,7%) corroborando os dados obtidos por Gouveia (2000) referidos antes, e em pessoas de classe social mais baixa. Contudo, esses estudos podem apresentar distorções, no sentido de que, socialmente, é mais fácil para a mulher admitir seus medos sociais do que os homens, por questões históricas e culturais de gênero. Além disso, nas amostras clínicas (ou seja, de pessoas em tratamento), a predominância de indivíduos com fobia social é ligeiramente masculina. Isso faz sentido quando pensamos que nas mulheres este tipo de manifestação é melhor aceita socialmente, enquanto que nos homens a demanda social exerce maior pressão. O transtorno de ansiedade social (TAS), também apresenta uma característica bastante comum, que diz respeito às comorbidades, ou seja, é bastante freqüente ele estar associado à outros transtornos psicológicos. Um estudo realizado apontou que 43% de 71 fóbicos sociais receberam um transtorno adicional do eixo I, mais comumente o transtorno de ansiedade generalizada. Outros transtornos do eixo I também são muito freqüentemente associados à fobia social, sendo esta primária ou não. Entre os transtornos associados mais comuns estão distimia, fobia simples, transtorno depressivo maior, e alcoolismo. (HOPE & HEIMBERG apud BARLOW, 1999) Este último, é muito prevalente, pois os indivíduos com fobia social costumam beber para reduzir a sua ansiedade nas situações temidas e melhorar o seu desempenho, onde reduzindo à ansiedade, aumenta a probabilidade de continuar bebendo. De acordo com Falcone e Figueira (2001) apud Rangé (2001), grande parte dos indivíduos portadores de fobia social, buscam tratamento por causa de outros transtornos associados à fobia social, mascarando o quadro clínico, e fazendo com que os pacientes recebam outro tipo de tratamento, como para depressão ou TAG por exemplo, e não para fobia social. Os autores referem também que 39,6% dos fóbicos sociais fazem uso de substâncias psicoativas. Um outro tema clinicamente relevante, refere-se à dificuldade na distinção entre a fobia social – principalmente a generalizada - do Transtorno de Personalidade Evitativa (TPE) e as suas possíveis relações. O TPE apresenta sintomas e características muito semelhantes à fobia social, com diferenças muito sutis, tornando difícil nesse caso, um diagnóstico correto e preciso. Por exemplo, o TPE se caracteriza por um padrão duradouro de evitação do contato interpessoal, medo de rejeição e medo de enrubescer ou desempenhar-se inadequadamente em situações sociais, que também são características da fobia social. 24 Apesar da falta de concordância dos pesquisadores em relação à co-morbidade da fobia social e do TPE todos eles concluíram que as características do TPE são comuns entre os fóbicos sociais, principalmente os que apresentam o subtipo generalizado. (HOPE & HEIMBERG apud BARLOW, 1999) É razoável pensar que os indivíduos com TPE sejam simplesmente os fóbicos sociais mais gravemente comprometidos, com diferenças quantitativas, mas não qualitativas, entre a fobia social com e sem o TPE. Além disso, existe pequena sustentação empírica que sugere que alguns indivíduos podem preencher os critérios para o TPE, sem preenche-los para a fobia social. Vimos que é bastante comum os profissionais confundirem dois ou mais diagnósticos diferentes que apresentam sintomas e características parecidas. Por essa razão, é imprescindível ter em mente os métodos e recursos para fazer essa distinção. Como o foco deste capítulo é a timidez e a fobia social, cabe aqui fazer uma distinção objetiva entre esses dois quadros, que pode ser examinada sob dois ângulos segundo Miranda (2004): características exteriores como os sinais e sintomas e pelo processo subjetivo. Sob o ponto de vista dos processos subjetivos, Miranda (2004) observa duas diferença sutis, mas significativas entre a timidez e a fobia social. Na fobia social, o número de autoreferências negativas é maior, ou seja, há mais áreas do “eu” avaliadas negativamente do que nos indivíduos tímidos. A segunda diferença refere-se a um maior desequilíbrio entre o autoconceito em relação à capacidade de lidar com as situações sociais interpretadas como ameaçadoras em fóbicos sociais. Na timidez ocorrem dúvidas em relação à capacidade de desempenho e uma visão do outro como potencialmente crítico, enquanto que na fobia social, somam-se percepções de muita vulnerabilidade pessoal e a percepção do outro como ameaça à sua integridade física e moral. A partir dessa descrição se torna mais fácil o estabelecimento de um diagnóstico correto e conseqüentemente a elaboração de um plano de tratamento adequado para o paciente. Contudo, assim como a fobia social e a timidez são manifestações altamente complexas, é fundamental que se amplie a compreensão sobre eles para o desenvolvimento de estratégias terapêuticas eficazes e duradouras. A partir do próximo capítulo, será especificada a perspectiva de compreensão da fobia social a partir do modelo cognitivo-comportamental, caminhando em direção ao processo de intervenção propriamente dito. 3. A VISÃO COGNITIVO-COMPORTAMENTAL DA FOBIA SOCIAL A fobia social como categoria diagnóstica, é inserida dentro dos transtornos de ansiedade no DSM-IV. Para alcançarmos uma compreensão mais ampla dos processos de ansiedade dentro de uma perspectiva cognitiva, é importante destacar como o próprio conceito de ansiedade é caracterizado segundo alguns autores. A abordagem cognitiva caracteriza-se basicamente pela idéia de que a ansiedade envolve processos de conhecimento, além da função dos estímulos. Qualquer que seja o seu conteúdo específico, ela é sempre um estado de desprazer, insegurança ou impotência. Segundo Lazarus (1966) apud Pessotti (1978, p.77), “a ansiedade é uma experiência de um estado afetivo disfórico”. O que difere a ansiedade de outros estados afetivos e lhe da especificidade é a sua dependência de uma ameaça, de uma percepção de perigo: caracterizase basicamente por ser um estado que resulta da percepção de um sinal ou estímulo que significa algo. É neste ponto que a abordagem cognitiva baseia sua idéia chave. Ou seja, não é a percepção de um som, por exemplo, que dispara a ansiedade, mas sim a percepção de um som com um significado específico. E a atribuição do significado é um processo cognitivo de interpretação, ou seja, a ansiedade resulta então da interpretação do estímulo como ameaça. O conceito de ameaça é fundamental neste contexto, e apresenta duas propriedades principais: primeiro, ele é antecipatório, ou seja, envolve expectativas de dano futuro, e segundo, ele é dependente de cognições, tais como percepção, aprendizagem, memória, julgamento, e pensamento. As respostas típicas de ansiedade, ocorrem quando uma situação contém estímulos que sugerem a impossibilidade de um desempenho funcional ou adequado diante de certos outros estímulos, que na experiência anterior do indivíduo, adquiriram o “poder” de alterar os seus estados afetivos. Esses estímulos podem ser percebidos no ambiente externo, ou fazer parte do próprio estado subjetivo do indivíduo. Podemos pensar então que algumas vezes o sistema psicológico do indivíduo é quem confere o valor de ameaça ao estímulo, e outras vezes o sistema psicológico é, de fato, ameaçado por ele. O desenvolvimento global da ansiedade, para Lazarus (1966) apud Pessotti (1978), pode resumir-se da seguinte maneira: um dado estímulo apresentado é avaliado como ameaça a algum sistema psicológico. Uma vez que a avaliação confira ao estímulo funções de ameaça, ocorrem reações de dois tipos: afetivas e comportamentais, típicas do estado de estresse. 26 Podemos pensar a ansiedade dentro desse modelo como sendo o estado de estresse quando produzido por uma ameaça. Portanto, quanto mais clara for a percepção da impossibilidade de dar livre curso a um comportamento, mais intensas serão as reações afetivas e comportamentais de estresse. Pessotti (1978) recorre à teoria de Mandler e Watson (1966) para ampliar a compreensão do fenômeno da ansiedade. Os autores revelam que os elementos básicos da ansiedade são os seguintes: a interrupção e o controle (ou expectativa de controle). Esses elementos são condições mutuamente excludentes, onde credita-se à interrupção o conteúdo aversivo da ansiedade, enquanto que o controle implica no planejamento de uma seqüência de eventos, ainda que nela se incluam estímulos aversivos esperados. A interrupção de uma seqüência em curso, leva à percepção da perda de controle, e dessa percepção resulta a alteração fisiológica que é parte do estado de ansiedade. A parte restante, que são os comportamentos inadequados conseqüentes da emoção disfórica, depende de mais uma condição: a percepção da inexistência de respostas ou comportamentos alternativos, ou seja, a não disponibilidade de tais respostas, ou ainda, a impotência. Dentro dessa teoria, entende-se que qualquer comportamento pertence a uma seqüência natural, aprendida ou esperada, em que alterações ambientais e a atividade dos organismos ocorrem simultaneamente, onde qualquer uma destas seqüências está sujeita à impasses devido à eventos estranhos. A intensidade dos efeitos fisiológicos ou comportamentais decorrentes desses impasses, é função do grau de impotência que produzem. Segundo os autores, “a impotência pode ser definida como a percepção da ausência de atividades alternativas que permitem prosseguir e completar a seqüência interrompida”. (MANDLER & WATSON, 1966 apud PESSOTTI, 1978, p.87) Essa impotência, portanto, é um déficit significativo do repertório de comportamentos do indivíduo, seja por carência de respostas, seja por falta de estímulos discriminativos que sugiram a viabilidade de uma resposta disponível no repertório de experiências anteriores. Isso provoca uma desorganização no desempenho comportamental que é característica da ansiedade. Um outro conceito-chave da teoria de Mandler e Watson, refere-se ao controle, que segundo os autores, vai além da simples possibilidade de manipulação ativa sobre as condições do organismo e do ambiente. Isso sugere que uma seqüência de comportamentos estará sob controle quando seu curso corresponde à expectativa do indivíduo, e haverá interrupção quando algum evento estranho implica em uma “quebra” da seqüência planejada. Por exemplo, quando um professor esquece um passo de uma aula preparada, temos uma interrupção com seu efeito automático: perda de controle. 27 No caso de um professor experiente, que já foi submetido várias vezes a tais interrupções e aprendeu maneiras efetivas de lidar com elas e continuar sua aula, os efeitos da ansiedade não serão tão intensos, o que não ocorre com um professor principiante. O que difere um do outro, é a percepção de respostas alternativas possíveis, que é deficiente no caso do professor principiante. Então, de acordo com essa teoria, a idéia de interrupção de uma seqüência aprendida ou esperada, mostra-se central, tratando assim de uma das fontes clássicas da ansiedade ao longo dos tempos: o imprevisto, a interrupção. Nardi (2000) aponta que a ansiedade difere do medo em sua definição. O autor coloca que a ansiedade é uma sensação difusa e imprecisa que leva o indivíduo a enfrentar as situações, agradáveis ou não, com sucesso. Já o medo, é ligado a uma situação ou objeto específico que apresenta perigo, real ou imaginário, que leva o indivíduo à evitá-lo. O autor nos remete ainda a um exemplo: Um exemplo é o medo de assalto. Todos evitamos as situações que nos possam deixar mais vulneráveis. Uma fobia, entretanto, é diferente do medo e se caracteriza por um medo excessivo, imensurável, de um objeto ou situação; comportamento de esquiva em relação ao objeto temido; grande ansiedade antecipatória quando próximo ao objeto em questão; e ausência de sintomas ansiosos quando longe da situação fóbica2. Tendo abordado algumas teorias da ansiedade pertinentes à esse estudo, podemos compreender um pouco melhor as bases deste estado afetivo em um enfoque cognitivo. Pensando especificamente na ansiedade social, temos algumas contribuições à respeito das suas causas, de como ela se desenvolve e se mantêm. A primeira linha de contribuição, referese à biologia, onde fatores biológicos seriam entendidos como a causa primária da fobia social. (SHEEHAN, 1966 apud MARKWAY, 1999) As explicações biológicas da fobia social foram extraídas principalmente da bioquímica, e da genética. As idéias principais, dentro desta concepção que poderiam contribuir para o desenvolvimento da fobia social são: irregularidades bioquímicas, predisposições genéticas, e a evolução de sensibilidade biológica à desaprovação, já que a fobia social seria em essência o medo da desaprovação dos outros. A outra linha de contribuição, refere-se aos fatores ambientais, onde três variáveis principais se destacam para o desenvolvimento da fobia social: experiências sociais negativas, modelos de comportamento de medo social, e transmissão incorreta de informações sobre 2 NARDI, 2000, p.2. 28 situações sociais. Essas linhas de estudo, tanto biológicas, quanto ambientais, que visam explicar as possíveis causas da fobia social, não podem ser analisadas isoladamente, ou seja, há um interação complexa entre diversos fatores biológicos e ambientais que contribuem para o desenvolvimento do transtorno e sugerem a sua origem. Contudo, é importante ressaltar que a fobia social é um transtorno multicausal. Tendo abordado os possíveis fatores causais da fobia social, vejamos agora os aspectos cognitivos, emocionais e comportamentais que funcionam basicamente como mantenedores do transtorno, fundamentados no modelo cognitivo. De acordo com esse modelo, o indivíduo fóbico, ao defrontar-se com a situação social temida, ativa suas crenças centrais de ser inadequado socialmente, apresentando alterações cognitivas típicas como: auto-afirmações depreciativas; avaliação negativa de seu desempenho social; atenção e memórias seletivas para situações de desempenho negativas no passado e no presente; e a presença de autoconsciência pública elevada. No nível fisiológico, o indivíduo apresenta sintomas de ansiedade como já foi destacado anteriormente, onde predominam: taquicardia, sudorese, espasmos musculares, náuseas, boca seca, tremores, rubor facial, entre outros. No nível comportamental, destacamse sintomas típicos como: evitação freqüente das situações temidas, habilidades sociais inibidas (ou não desenvolvidas) e comportamentos de segurança, que são evitações sutis, mas que freqüentemente passam despercebidas. (CLARK & WELLS, 1995; BUTLER & WELLS, 1995; RAPPE & HEIMBERG, 1997 apud KNAPP, 2004) Nardi (2000), ressalta que a abordagem comportamental entende as limitações sociais sofridas pelos indivíduos fóbicos como resultado de sua esquiva freqüente das situações sociais ou de desempenho. Segundo o autor, um aspecto importante na fobia social é a alta probabilidade do indivíduo de que a conseqüência negativa prevista, geradora de ansiedade antecipatória, venha a acontecer de fato. Isso sugere que o portador de fobia social não reflete racionalmente a cerca de previsões realistas, manifestando distorções catastróficas para o seu desempenho social. Em termos absolutos, podemos pensar que o fóbico social tem medo da sociedade como um todo. Isso vai de encontro a idéia de que existem processos sociais complexos que atuam como variáveis geradoras de ansiedade, e desencadeiam percepções de ameaça frente ao outro. Esse ´´outro´´ é visto como uma ameaça potencial, seja uma ameaça física ou moral, e que deve ser evitado. Qualquer contato social, por mais familiar que seja, é capaz de disparar um grau de ansiedade significativa, e que é sentida e interpretada pelo indivíduo como uma prova de que 29 é inadequado, inferior ou defeituoso. Isso explica em parte o freqüente comportamento de esquiva, adotado pelos fóbicos sociais para lidar com o seu temor. O autor destaca o seguinte: Os próprios sintomas ansiosos contribuem para que as conseqüências indesejáveis se tornem realidade. Um indivíduo com medo de falar em público, por exemplo, deseja ter um bom desempenho ao proferir uma palestra, mas ao passar pela situação, seu coração dispara, sua voz treme, ele esquece o conteúdo e nada sai como planejado. Este processo cria um ciclo vicioso em que a antecipação de um resultado negativo inevitável gera níveis elevados de ansiedade a cada novo confronto com a situação3. A possível explicação desta reação aparentemente paradoxal sugere que a falha do processamento cognitivo do indivíduo, que tende a distorcer a avaliação de suas experiências interpessoais está envolvida no processo. Neste contexto, o indivíduo experimenta pensamentos patologicamente negativos acerca de si, suas experiências e seu futuro, e seletivamente procura evidências que confirmem sua visão negativa, o que reforça suas crenças e perpetua os sintomas cognitivos, fisiológicos e comportamentais do transtorno. Esses erros sistemáticos de processamento, por sua vez, favorecem a manutenção das crenças distorcidas do indivíduo apesar das evidências contrárias, promovendo ativação da ansiedade e comportamento de esquiva. De acordo com Markway (1999, p.39), “o que o indivíduo pensa, e a forma como pensa, pode ter um enorme impacto sobre o seu comportamento”. Por exemplo, um indivíduo que comete um erro infantil de pronúncia em frente aos amigos pode interpretar o engano como uma oportunidade para riso, ou como um momento de descontração, e não pensar mais nisso. Enquanto que um outro indivíduo, que tenho tido a mesma experiência pode interpretála como altamente humilhante, e pode remoê-la por vários dias. O medo que os fóbicos sociais tem, em geral, são desencadeados basicamente por cognições disfuncionais que tomam tipicamente duas formas: distorções de probabilidade e distorções de severidade. As primeiras ocorrem quando o indivíduo antecipa exageradamente que algo ruim possa acontecer em determinada situação social, essencialmente a desaprovação ou rejeição dos outros. Enquanto que nas distorções de severidade, o indivíduo exagera a gravidade das conseqüências, caso algo ruim realmente aconteça. Isso indica o papel chave dos processos cognitivos na ansiedade social. É importante entender melhor o papel destas cognições disfuncionais na manutenção da fobia social. 3 Nardi, 2000, p.110. 30 Vamos analisar três cognições essenciais que contribuem para essa manutenção. A primeira refere-se aos pensamentos automáticos típicos que o indivíduo fóbico social tem. Os pensamentos automáticos são basicamente involuntários, e surgem com pouco ou nenhum esforço em nossa mente, sendo reações automáticas à qualquer situação que estejamos vivenciando no momento. Com freqüência as pessoas não se dão conta da ocorrência destes pensamentos, ou seja, passam desapercebidos, sendo a emoção associada mais facilmente reconhecida. (J. BECK, 1997) Indivíduos fóbicos sociais têm muitos pensamentos automáticos negativos em relação a si, ao seu desempenho e aos outros nas mais diversas situações em que ele se encontra tendo que estabelecer algum contato com os outros. Esses pensamentos automáticos negativos, por sua vez, tem origem em um nível de pensamento mais profundo e enraizado: as crenças centrais, e em um nível mais intermediário: as crenças subjacentes. Aqui faz-se importante uma breve explicação sobre as crenças centrais e as crenças subjacentes. Segundo J. Beck (1995) apud Knapp (2004, p.24): as crenças subjacentes, também conhecidas como crenças intermediárias ou pressupostos condicionais, são construções cognitivas disfuncionais, subjacentes aos pensamentos automáticos. São regras, padrões, normas, premissas e atitudes que o adotamos e que guiam a nossa conduta. Essas crenças de nível intermediário, podem tomar basicamente três formas específicas, como por exemplo, a forma condicional, pressupondo que se determinadas regras, normas e atitudes forem cumpridas, não haverá problemas. Por exemplo: “Se eu fizer o que os outros esperam, então irão gostar de mim”. Se esta suposição condicional for seguida com êxito, o indivíduo tende a se sentir confortável, com a sensação de que agiu da forma que considera adequada. Outra forma bastante comum que essas crenças são estruturadas é sob a forma de regras, que são afirmações do tipo “tenho que”, “deveria”. Por exemplo: “Tenho que ser perfeito em tudo que faço”; “Não devo me mostrar como sou, pois verão que sou incapaz”; dentre outras. E por último sob a forma de atitudes rígidas e inflexíveis, do tipo: “É terrível ser inadequado.”, ou “ “É desprezível agir assim.” As crenças centrais, por sua vez, são definidas como as idéias mais básicas e fundamentais do indivíduo a respeito de si, do mundo e das pessoas, sendo denominadas por alguns autores como esquemas. (J. BECK, 1997) 31 Elas são formadas nas experiências de aprendizado na infância, podendo ser tanto positivas (“Eu sou competente”), quanto negativas (“Eu sou vulnerável”). Essas crenças processam as informações que chegam até nós e, assim, determinam como percebemos os eventos, independente de como esses eventos se apresentam. Há uma tendência do indivíduo a percebê-los de forma absoluta e inflexível, de forma que se “encaixe” no conteúdo da sua crença. Beck (1964) postulou que as crenças centrais negativas, se encaixam essencialmente em duas categorias amplas: desamparo, e de não ser amado. Alguns indivíduos tem crenças que se encaixam em ambas as categorias. Tanto as crenças subjacentes, e principalmente as crenças centrais tem caráter rígido e absolutista como já foi mencionado. Elas servem como princípios gerais a respeito das pessoas, do mundo e de si mesma. No caso específico da fobia social, algumas das crenças disfuncionais mais comuns que contribuem para o quadro conforme Markway (1999) podem ser delineadas a seguir como: ´´Se eu ficar ansioso, não vou conseguir fazer nada com outras pessoas por perto´´; ´´Se eu cometer um erro, os outros não vão gostar de mim´´; ´´Se os outros pensam que eu não sou bom, isto deve ser verdade´´; ´´Se eu demonstrar alguma ansiedade, ou outros me julgarão fraco´´; ´´Se os outros me desaprovarem, não serei capaz de suportar´´. Muitas dessas crenças, e outras que possivelmente os fóbicos sociais têm, centram-se na idéia de perfeccionismo, e de evitar a desaprovação dos outros. O perfeccionismo aliás, é um problema comum nesses indivíduos. O perfeccionista tende a definir metas não-realistas e inatingíveis. Ele freqüentemente pensa que cometer um erro diante dos outros é inaceitável, e que precisa ser perfeito em tudo. Outro aspecto significativo que constitui a essência da fobia social, é o foco na desaprovação. Os indivíduos fóbicos acreditam fortemente que têm de ser amados e aprovados por todos, e sentem-se incapazes de lidar com a rejeição ou desaprovação. O problema principal deste tipo de crença é a inevitável frustração e perda de auto-estima, na medida em que ninguém é amado por todos e nem tem aprovação universal para todas as suas ações. O perfeccionismo e o medo patológico de ser desaprovado pelos outros, por sua vez, acaba gerando uma auto-crítica obsessiva que mantém e reforça a baixa auto-estima. O autor faz uma referência também as expectativas distorcidas que freqüentemente os fóbicos têm. Essas expectativas são influenciadas e tem origem nas crenças disfuncionais do indivíduo. No caso dos portadores de fobia social, há uma distorção cognitiva que toma a forma de expectativas catastróficas da ocorrência de desaprovação pelos outros, e a expectativa de não suportar a desaprovação caso ela realmente ocorra. 32 Os fóbicos sociais vêem a desaprovação como muito provável e muito grave, o que aumenta consideravelmente a sua ansiedade social. Focalizando agora alguns modelos cognitivos específicos da fobia social podemos citar o modelo desenvolvido por Clark e Wells (1995), que envolve algumas variáveis relevantes que o fóbico apresenta de forma sistemática. Essas variáveis incluem padrões inflexíveis, irrealistas e exageradamente elevados de adequação do desempenho social; suposições condicionadas sobre a avaliação social (“Se eu cometer um erro, vou ser rejeitado”); e idéias absolutistas e inflexíveis a cerca de si mesmo, ou seja, crenças centrais de “ser incapaz, inaceitável, anormal ou inferior.” Os autores ressaltam que na base destas crenças, está o intenso desejo de ser aceito por meio de um bom desempenho social e de uma marcada insegurança na própria capacidade de fazê-lo. Quando o indivíduo entra em contato com o estímulo fóbico (situação social), as crenças centrais negativas sobre si e os outros são automaticamente ativadas, gerando uma interpretação irrealista da situação como perigosa, e a conseqüente manifestação dos sintomas cognitivos, fisiológicos e comportamentais da ansiedade. Além disso, esse modelo destaca o papel da atenção autofocada que se faz presente no quadro, ou seja, o desvio da atenção do ambiente externo para dentro de si, o que reforça ainda mais suas crenças negativas e os sintomas ansiosos. Desse modo, constitui-se um círculo vicioso que mantém o quadro, ou seja, as cognições disfuncionais disparam os sintomas ansiosos, que reforçam tais cognições de inadequação social, enquanto que a atenção autofocada contribui para essa manutenção no sentido de impedir que o indivíduo desconfirme e corrija a sua visão distorcida, por meio de uma avaliação realista e objetiva do ambiente externo. (CLARK & WEELS, 1995 apud KNAPP, 2004) O modelo de Rapee e Heimberg (1997) diz que os indivíduos com fobia social mantém crenças negativas profundas em relação à auto-avaliação de seu desempenho social, e à opinião que os outros terão sobre ele na situação social temida, tendendo a deslocar o foco de atenção para fora da situação vivida. A idéia básica desse modelo, diz respeito as expectativas e previsões catastróficas iminentes de desaprovação social, anteriormente mencionadas, e a incapacidade de lidar com isso, decorrente de uma baixa confiança nos recursos de enfrentamento para lidar com ameaças, o que faz com que esses indivíduos apresentem déficits comportamentais significativos ao interagir socialmente, reforçando seu sistema de crenças negativas. Os autores referem que nessa perspectiva também há a produção um círculo vicioso: 33 Nessa situação, também se estabelece um círculo vicioso, onde o indivíduo se mantém em um processo de permanente comparação entre suas crenças de que será avaliado negativamente pelos outros, e aquilo que ele acredita serem os resultados esperados e adequados para uma situação social específica, seja de desempenho social, ou interação verbal4. Um outro modelo de Beck e Emery (1985), traz o conceito de esquema, definido por esses autores como “ o conjunto de regras que classificam, priorizam e interpretam a informação que entra na pessoa e facilita a recuperação de informação relevante a partir da memória”, como o conceito central. Os esquemas, segundo os autores, funcionam de modo a delinear uma tendência no processamento de informações que opera em todas ou quase todas as situações vivenciadas pelo indivíduo. Em indivíduos ansiosos, esses esquemas operam no modo da vulnerabilidade, ou seja, o indivíduo vê o mundo como um lugar perigoso, no qual ele deve constantemente ficar em alerta contra uma ameaça potencial. Em conseqüência, evidências neutras ou positivas são interpretadas erroneamente, desconsideradas ou negligenciadas. No transtorno de ansiedade social, a hipervigilância para indícios que indicam a possibilidade de avaliação negativa pelos outros é o foco principal. Esses indícios podem ser situacionais, como por exemplo, um comentário precipitado de um professor sobre as próximas apresentações em sala de aula; interpessoais, por exemplo, um conhecido que deixa de responder a uma saudação, ou internos, por exemplo, freqüência cardíaca acelerada, o que sinaliza a ansiedade que pode ser visível aos outros, ou interferir no desempenho de um comportamento exigido. Por limitar sua atenção aos indícios de ameaça social, a importância destes indícios pode, então, estar exagerada, de modo que uma gagueira claramente perceptível durante uma conversa, é interpretada desvalorização total do “eu”. (BECK & EMERY, 1985 apud BARLOW, 1999) Um último modelo cognitivo da fobia social que será aqui exposto refere-se ao modelo de auto-apresentação da ansiedade social de Schlenker e Leary (1982). Esse modelo sugere que a ansiedade social ocorre quando o indivíduo deseja causar uma boa impressão nos outros e duvida da sua capacidade de conseguir isso. Essas duas variáveis são centrais nesse modelo, ou seja, a preocupação está focada em atingir uma impressão positiva aos outros e a competência para fazê-lo. Segundo Leary (1988), fatores situacionais e de disposição podem aumentar a motivação do indivíduo para envolver-se no manejo da impressão. 4 Rapee e Heimberg, 1997 apud Knapp, 2004, p.229. 34 De acordo com o autor, o indivíduo pode estar excessivamente motivados para criar uma impressão positiva, por causa de uma alta necessidade de aprovação por exemplo. Entretanto, outros fatores devem ser levados em conta no que diz respeito a motivação e expectativa do indivíduo para alcançar o objetivo de manejo da impressão positiva. Entre eles estão as deficiências reais ou imaginárias em habilidades sociais, baixa auto-estima e baixa perspectiva de resultados. A baixa auto-estima, por exemplo, contribui para a intensificação da ansiedade social, porquê o indivíduo supõe erroneamente que os outros o considerarão tão inferior ou inadequado como ele mesmo se considera. No caso das deficiências percebidas nas habilidades sociais, ocorrem baixas expectativas de eficácia, ou seja, falta de confiança em que se possa desempenhar um dado comportamento adequadamente. Leary (1988), tomando como referência o conceito de Bandura (1977) de baixa perspectiva de resultados, sugere que tal característica pode resultar de uma baixa auto-estima ou de uma opinião negativa sobre a formação de impressão ou das interações sociais. (SCHLENKER & LEARY, 1982, 1988 apud BARLOW, 1999) Focalizando agora alguns aspectos comportamentais para a manutenção da fobia social, podemos destacar algumas formas não-adaptativas de lidar com a ansiedade ou enfrentá-la. Entre essas formas não-adaptativas, inclui-se principalmente a evitação ou esquiva das situações que geram ansiedade. Para o indivíduo ansioso socialmente, esta estratégia parece ser efetiva, pois produz um alívio temporário dos sintomas, porém a longo prazo ela mantém e reforça a ansiedade, sem resolver o problema. De acordo com Markway (1999), a evitação das situações temidas é uma das estratégias mais comuns de lidar com a ansiedade que os indivíduos encontram para obter alívio. Entretanto, evitar as situações, e obter um alívio temporário dos sintomas, gera outros prejuízos mais significativos à longo prazo. Um destes prejuízos refere-se a uma restrição da vida como um todo do indivíduo, além de não permitir que ele teste as suas crenças disfuncionais e descubra se estava ou não exagerando o perigo social. Na medida em que ele evita as situações, a autoconfiança diminui, e quanto menos confiante, mais ansioso o indivíduo estará quando se defrontar com uma situação socialmente temida, e mais tentado a evitar a situação ele estará, perpetuando o problema. Outro fator de manutenção importante da fobia social, é a preocupação. Essa preocupação refere-se a ficar remoendo a respeito de um perigo que pode ou não acontecer. Ela manifesta-se através de uma repetição obsessiva de pensamentos ansiosos, difíceis de controlar, e diminui a habilidade de gerar soluções ou de lidar efetivamente com a ansiedade. (MARKWAY, 1999) 35 No indivíduo fóbico social, essa preocupação está centrada basicamente no desempenho social, na reação dos outros, e no modo como ele irá lidar com essas reações, onde tais preocupações intensificam de forma significativa a ansiedade. Um foco comum de preocupação na ansiedade social, refere-se à uma auto-avaliação rígida e perfeccionista que o indivíduo faz do seu desempenho enquanto executa algo. Existe uma preocupação excessiva com a possibilidade de que o seu comportamento esteja sendo observado, se ele está se “saindo bem”, e o que os outros possam estar pensando à seu respeito. Segundo Markway (1999, p.43): a preocupação consigo mesmo atua como um estímulo que aumenta a ansiedade, ou seja, quando o indivíduo está muito preocupado com o seu desempenho, ou tenta adivinhar a reação dos outros, menos se concentra naquilo que está fazendo, e é mais provável que cometa um erro. E o fato de ter cometido um erro, pode torná-lo mais ansioso, afetando seu desempenho e aumentando as chances de cometer um erro temido. Tendo focalizado os aspectos teóricos da fobia social fundamentados na abordagem cognitivo-comportamental, os próximos itens irão abordar os aspectos práticos e operacionais do processo de intervenção passo a passo. Inicialmente, como em qualquer processo terapêutico, começaremos focalizando o processo de avaliação cognitivo-comportamental (ACC). 3.1. Avaliação cognitivo-comportamental Para qualquer tipo de intervenção clínica, independentemente do referencial teórico utilizado, é fundamental que seja realizada uma avaliação adequada do caso para que se possa planejar um tratamento apropriado. Este item será dedicado à essa etapa crucial da terapia, onde os seus princípios básicos devem estar bem esclarecidos para o terapeuta. Dentro da abordagem cognitivo-comportamental, a fase inicial da terapia é constituída por uma avaliação do paciente denominada avaliação cognitivo-comportamental (ACC). De um modo geral a ACC tem objetivos claros e bem definidos. Entretanto, esses objetivos podem sofrer algumas alterações ou adaptações dependendo da situação clínica. De acordo com Kirk (1997, p.19), o princípio básico da ACC “é que o indivíduo se comporta de maneiras que são determinadas por situações imediatas e pelas interpretações 36 que faz delas”. Este conceito constitui basicamente a essência do modelo cognitivo como já foi referido em capítulos anteriores, e deve ser encarado como princípio chave pelo terapeuta nesta etapa. O autor enfatiza que as características pessoais do terapeuta também são fundamentais no contexto da avaliação, no sentido de que o ambiente terapêutico é construído já nas primeiras sessões, o que de certo modo vai determinar a abertura, disposição e segurança do paciente em revelar informações importantes, muitas vezes angustiantes e difíceis de encarar por eles mesmos. Ele ressalta ainda que “isso será facilitado se houver uma atmosfera de cordialidade e de confiança, sem risco de censura, se o terapeuta tiver empatia com o paciente e estiver claramente empenhado em ajudá-lo a superar as dificuldades existentes.”5 Dado o caráter empírico da TCC, ou seja, a realização de experimentos freqüentes por parte do paciente nas sessões e fora delas, a meta inicial do tratamento é a elaboração de uma hipótese diagnóstica, e a partir daí a formulação de um plano de tratamento baseado nessa hipótese, de comum acordo, entre terapeuta e paciente. A hipótese e a formulação são testadas continuamente no curso do tratamento em exercícios de casa, experimentos diversos, material colhido nas sessões, e se necessário modificadas de acordo com o caso. O processo de avaliação, ao contrário do que muitos terapeutas pensam, ocorre ao longo de todo o tratamento, não se reduzindo apenas as primeiras sessões ou a uma determinada sessão onde o terapeuta estabelece uma hipótese diagnóstica, correndo-se o risco de cometer erros no planejamento terapêutico, ignorar informações novas relevantes, que poderiam alterar a formulação inicial e o planejamento. Entretanto, Kirk (1997), revela que os clínicos estão se tornando mais conscientes de que as categorias diagnósticas fornecem apenas indicações gerais sobre o tratamento que poderia ser aplicado, constituindo-se apenas como parte do processo de avaliação, que apesar de ser aparentemente fácil de manejar, pode se tornar complexo, principalmente para os iniciantes. Dentro deste entendimento, existem duas funções centrais no processo de avaliação que serão abordadas agora: a entrevista comportamental e a elaboração ou formulação do tratamento, bem como as qualidades terapêuticas da avaliação. A entrevista comportamental, é sem dúvida, o procedimento de avaliação mais utilizado na clínica e se constitui como uma ferramenta indispensável no processo. Caballo (2003, p.664), define a entrevista comportamental como “uma interação didática entre o 5 Kirk, 1997, p. 20. 37 paciente e o terapeuta, através da qual este busca a informação necessária para realizar a análise do problema do paciente.” De acordo com o autor, a entrevista tem objetivos diversos, onde inicialmente podemos delinear três objetivos básicos: O estabelecimento de uma relação terapêutica sólida com o paciente, enfatizando o papel ativo e colaborativo deste para o sucesso da avaliação e do tratamento. A coleta de informações necessárias para uma análise funcional precisa dos problemas presentes no paciente. A identificação dos comportamentos-meta para a intervenção. Tendo em mente esses objetivos iniciais, é importante que o terapeuta esteja disponível e apto para ter uma escuta ativa do relato do paciente sobre os problemas, focalizando tanto o conteúdo quanto a forma como o paciente fala. É bastante comum também que os paciente interpretem de maneira equivocada o que lhes é perguntado na entrevista, fazendo explanações muito detalhadas e demasiadamente longas dos problemas, o que não é útil nessa fase. Cabe ao terapeuta ouvir atentamente e transmitir ao paciente sua preocupação e o seu cuidado com ele, conduzindo a sessão adequadamente. Kirk (1997) enfatiza a importância de comentários empáticos do terapeuta durante as sessões de entrevista, como “isso é sem dúvida muito difícil/perturbador para você”, o que ajuda a aumentar a confiança e fortalece o vínculo terapêutico. Além disso, resumir ou sintetizar o que o paciente disse, mostrando que seus sentimentos encontram eco, o terapeuta consegue demonstrar que os problemas foram compreendidos corretamente, reforçando ainda mais o vínculo. O autor nos dá um exemplo: Depois de ouvir uma demorada descrição dos problemas de uma paciente o terapeuta disse: ‘Se estou certo, você está dizendo que se esforça muito para agradar as outras pessoas e coloca o bem-estar delas antes do seu, mas tenho a impressão de que isso faz com que as vezes se sinta muito agitada. Estou certo?6 De modo geral, podemos delinear um tempo médio de cinco à dez minutos de duração nessa fase, onde o papel do terapeuta fica sendo o de colher os dados relevantes acerca dos problemas relatados, ou seja, indicações de possíveis antecedentes e fatores mantenedores. É útil também fornecer uma síntese dos problemas ao paciente e solicitar um feedback a este. 6 Kirk, 1997, p. 29. 38 Quando mais de um problema é apresentado, terapeuta e paciente devem decidir em conjunto qual deles constituirá o foco principal da intervenção. Após essa etapa, a avaliação passa a focalizar como e quando cada problema começou e evoluiu, até chegar ao estado atual. A entrevista comportamental busca colher o maior número de informações relevantes perpassando itens básicos como: uma rápida descrição dos problemas; os precipitantes e fatores predisponentes; descrição do(s) comportamento(s) problema; contexto e variáveis moduladoras; fatores mantenedores; evitação; recursos de enfrentamento; histórico médico e psiquiátrico; tratamentos anteriores; crenças sobre o problema; engajamento; estado de humor; situação psicossocial; e formulação preliminar. (KIRK, 1997) Uma das características peculiares da TCC, é que ela é uma terapia psicoeducativa, e essa psicoeducação faz parte do processo de avaliação. Nesta fase, o paciente deve ser informado e educado sobre a abordagem cognitivo-comportamental, enfatizando que a meta é ele se tornar seu próprio terapeuta, no sentido de aprender habilidades que lhe possibilitarão lidar com os problemas presentes e futuros, o que de certo modo irá reforçar e manter a sua autonomia, diminuindo a probabilidade de se criar uma dependência do terapeuta. Além disso, o papel das tarefas e exercícios de casa deve ser enaltecido, explicando que a maior parte da terapia ocorre fora do consultório, no dia-a-dia, e que os resultados só acontecerão efetivamente na medida em que o paciente colocar em prática o que foi discutido e aprendido nas sessões. As informações sobre a estrutura do tratamento também devem ser abordadas na avaliação, como por exemplo, o número de sessões necessárias, a duração de cada uma delas, e o local onde ocorrerá o tratamento. A ACC desempenha uma função psicoeducativa geral no sentido de conscientizar e investigar junto ao paciente fatores internos e externos, que podem estar contribuindo ou mantendo os problemas dele, mas que podem não estar conscientes ou não serem considerados relevantes. Esses fatores internos e externos incluem: situações, estados fisiológicos, cognições, fatores interpessoais e familiares, comportamentos manifestos, e as relações entre cada um desses fatores e os problemas. Para Kirk (1997, p.21), “chamar a atenção do paciente para essas relações funcionais faz parte do aprendizado que ele deve receber sobre o modelo psicológico”. No processo de avaliação, deve ser ressaltada a possibilidade de mudança, o que aumenta a esperança e o otimismo do paciente em superar seus problemas, mudando o foco do estado atual, e focalizando o estado desejado. Entretanto, é importante estabelecer limites razoáveis sobre o que poderia ser realizado através do tratamento. 39 Por exemplo, não é razoável que um paciente agorafóbico possa estabelecer como meta nunca experimentar emoções desagradáveis, mas deveria ser possível ir ao supermercado sem se sentir mal. A avaliação permite também ao paciente se conscientizar que as variações no grau de intensidade das perturbações, ou seja, as recaídas, são de certo modo previsíveis em termos de eventos internos e externos, sendo deste modo controláveis. A postura terapêutica deve transmitir solidariedade e preocupação pelos problemas do paciente, sem emitir julgamentos, o que proporciona grande alívio e segurança, sobretudo se o paciente se sente constrangido, culpado ou sem esperanças, como ocorre freqüentemente. Uma última função importante a ser abordada na avaliação é investigar se há alguma coisa que deva ser tratada com urgência, como por exemplo, um intento suicida em um paciente deprimido. Tendo perpassado todas essas etapas preliminares da avaliação, o terapeuta já pode esboçar uma formulação e um plano de tratamento de comum acordo com o paciente. Apesar da entrevista ser encarada como o método de avaliação mais amplamente utilizado pelos terapeutas, existem outros instrumentos de avaliação que também podem ser de grande utilidade na formulação de um diagnóstico e de um plano de tratamento. É importante que dentro do referencial cognitivo-comportamental, o terapeuta esteja atento para analisar os problemas ou queixas do paciente dentro de quatro categorias: comportamental, fisiológica, cognitiva e emocional. Essas categorias comuns da experiência humana que estão envolvidas nas queixas do paciente, podem ser avaliadas com instrumentos que alcancem maior precisão no que se pretende avaliar. Uma forma de avaliação que é bastante utilizada na TCC, e que toma por base o método experimental fundamental à esta abordagem, são as medidas ou quantificações. Essas medidas podem ser utilizadas durante as sessões e entre elas, e apresentam algumas vantagens interessantes, que incluem: uma descrição mais exata do problema em relação a freqüência e intensidade; permitem ao paciente e terapeuta modificarem o tratamento quando necessário; podem ter efeitos terapêuticos, proporcionando ao paciente informações mais exatas sobre o seu progresso; e dão uma dimensão mais precisa ao terapeuta se as intervenções por ele utilizadas foram corretas e efetivas. (KIRK, 1997) Dito isso, focalizaremos agora brevemente o processo de avaliação na fobia social. Nesta avaliação, objetiva-se investigar os aspectos problemáticos do paciente de forma ampla e precisa para obter uma base sólida para a formulação do plano de tratamento, que deverá ser feito em conjunto com o paciente como já foi destacado antes. 40 Os princípios de avaliação para o paciente fóbico social seguem basicamente a mesma estrutura abordada neste item, mas com algumas especificidades, que incluem oito itens, devendo estes serem investigados de forma minuciosa: (MARZILLIER & WINTER, 1983; FALCONE, 1995; BECK, 1997 apud KNAPP, 2004) 1. Identificação de estímulos, ou seja, o levantamento de todos os fatores externos que possivelmente disparam o quadro e geram uma resposta de ansiedade. Isso inclui, situações, pessoas, eventos, etc. Exemplos podem ser: ir a festas, apresentar trabalhos em aula, interagir com o sexo oposto, comer em restaurantes, dentre outros. 2. Identificação de variáveis do organismo, ou seja, suas vulnerabilidades biológicas e psicológicas, relações e experiências familiares, sociais, e afetivas que podem ter contribuído para o desenvolvimento do transtorno, fatores de personalidade, dentre outros. 3. As respostas do paciente devem ser avaliadas em três níveis: Somático, que inclui os sintomas físicos e emocionais da fobia social, como taquicardia, sudorese, rubor facial, constrangimento, dentre outros. Deve ser avaliado tanto a intensidade quanto a freqüência dos sintomas; Nível cognitivo, que engloba os pensamentos, pressuposições e crenças disfuncionais do paciente sobre si, o mundo e as pessoas; E o nível comportamental, que foca principalmente os comportamentos de evitação, muito freqüentes no transtorno, e outros comportamentos disfuncionais que mantém e reforçam o quadro. 4. Identificação das conseqüências, ou seja, as expectativas disfuncionais negativas que o paciente tem acerca do que irá acontecer se ele se lançar nas situações sociais temidas. Por exemplo, sentir-se ridículo, ser rejeitado por alguém, fazer algo considerado estúpido, etc. 5. Motivação do paciente. Esse item é importante ser avaliado na medita em que a efetividade da TCC é em grande parte associada à motivação e participação ativa do paciente nas várias fases do processo. Segundo o autor, “o fóbico social, via de regra, apresenta baixa motivação para a TCC no período de avaliação, que tende a aumentar com o início da terapia, quando os níveis de ansiedade diminuem.” Neste caso, é fundamental a avaliação de comorbidades como a depressão, que é muito freqüente em pacientes com fobia social e afeta diretamente a motivação. 6. Identificação de fatores ambientais, ou seja, como é a rede social do paciente, incluindo familiares, amigos, ambiente de trabalho, etc. Esses fatores são 41 importantes na medida em que quanto maior o grau de comprometimento social e funcional do paciente, mais difícil fica o tratamento. Por exemplo, um paciente mesmo tendo o transtorno, pode receber apoio e afeto da família, manter um emprego, e ter um grupo de amigos, mesmo que pequeno, facilitando o processo. 7. Habilidades sociais. Esse item é de fundamental importância na avaliação e no tratamento do paciente fóbico social, pois na grande maioria dos casos, há um déficit de habilidades sociais envolvidos, que deverá ser investigado e trabalhado. Por exemplo, assertividade, fazer ou receber elogios, defender seus direitos, dentre outros. 8. O último item diz respeito à aparência pessoal do paciente. A avaliação deste aspecto visa identificar a presença de deformidades físicas, ou aparência descuidada, que dificultam a socialização do paciente. Tendo avaliado todas estas variáveis de maneira adequada, o terapeuta pode avançar para a próxima fase do processo terapêutico, construindo um diagrama de conceituação cognitiva do caso de forma colaborativa com o paciente. Essa fase, tendo como base a avaliação inicial, irá orientar e fundamentar as intervenções terapêuticas apropriadas para cada caso, e é chamada de formulação ou conceituação cognitiva do caso, que será abordada com mais detalhes no próximo item. 3.2. Conceituação cognitiva do caso A partir de uma avaliação inicial abrangente dos problemas do paciente compreendendo todos os seus aspectos fundamentais, como foi visto no item anterior, o terapeuta tem a sua disposição as ferramentas necessárias para avançar no processo terapêutico. O próximo passo, que será contemplado neste item, refere-se à conceituação cognitiva ou simplesmente formulação clínica do caso. Para um melhor entendimento do que seja a conceituação cognitiva em sua essência, é interessante recorrer a uma metáfora de Rangé (1995, p.33) que nos diz o seguinte: um modelo é uma tentativa de representação do real que, revelando algumas relações entre certos elementos, serve para operar na realidade (...) não diz a verdade, mas torna uma ação mais organizada, portanto mais fácil ou simples. 42 O autor nos dá o exemplo de um mapa. Ou seja, segundo ele, um mapa é um modelo, na medida em que é uma tentativa de representação de algum “lugar real” que contém certos elementos e relações entre eles, com o objetivo de nos auxiliar a encontrar um determinado lugar e nos orientar acerca dos passos e caminhos que devemos seguir para chegar a esse lugar. Podemos então pensar a conceituação clínica do caso como sendo um modelo de representação do paciente que evidencie o modo como ele está funcionando. A partir desse modelo pré-estabelecido, o terapeuta terá em mente as estratégias e intervenções mais adequadas ao paciente que irão orientar sua ação clínica. A conceituação permite ao terapeuta operacionalizar as bases do tratamento em termos cognitivos e comportamentais. Ela contempla os seguintes aspectos: relação lógica entre os problemas do paciente; uma explicação sobre o porquê o paciente desenvolveu estas dificuldades e o que as mantêm; possibilidades de se fazer previsões sobre o seu comportamento sob certas condições; possibilidade da formulação de um planejamento terapêutico; e por último propicia o fortalecimento da relação terapêutica e a adesão ao tratamento por parte do paciente. (RANGÉ,1995) De acordo com Persons (1989) apud Knapp (2004, p.27): a conceituação cognitiva é a habilidade clínica mais importante que o terapeuta cognitivo precisa dominar, pois, para um planejamento adequado e eficaz da terapia, um bom entendimento das distorções cognitivas e dos conseqüentes comportamentos mal-adaptativos do paciente é crucial. Então, é necessário uma base sólida do terapeuta para a construção de uma formulação adequada, sempre de forma colaborativa com o paciente. Não sendo assim, o tratamento como um todo fica comprometido, no sentido de que não se alcançará um entendimento cognitivo apropriado deste paciente e conseqüentemente as intervenções serão ineficazes, gerando frustrações de ambas as partes. É importante ressaltar, que o processo de conceituação é construído continuamente ao longo do tratamento, desde o primeiro contato com o paciente, sendo acrescentado ou alterado dados relevantes quando necessário. Não se deve em momento nenhum cristalizar a conceituação nas primeiras sessões, ou em alguma sessão subseqüente. O terapeuta deve operar de modo flexível em relação à ela, tendo sempre em mente que ela representa uma 43 hipótese e não a verdade absoluta. Sendo assim, ela deve ser refinada continuamente ao longo da terapia. Persons (1989) apud Knapp (2004, p.27) revela que “um sinal importante de que a conceituação do caso necessita ser revisada é o resultado pobre do tratamento, sendo uma indicação de que a dupla terapêutica pode estar trabalhando com hipóteses equivocadas”. Nesse caso, é importante uma atitude humilde do terapeuta admitindo seu equívoco abertamente ao paciente, e corrigindo suas falhas. Isso, ao contrário do que alguns podem pensar, não demonstra incompetência ou ineficácia do terapeuta, mas revela que ele também é um ser humano e comete erros, o que reforça o vínculo terapêutico. A conceituação deve ser estruturada seguindo algumas diretrizes específicas que servem como base para orientar o terapeuta. Na primeira etapa, deve-se estabelecer com o paciente uma lista de problemas a serem trabalhados seguindo uma hierarquia, ou seja, definindo uma ordem de importância para cada problema. Essa hierarquia é estabelecida colaborativamente com o paciente seguindo seus critérios pessoais e a análise do terapeuta. Por exemplo, um paciente deprimido com ideação suicida, o foco inicial seria trabalhar sobre essa questão, que tem caráter de urgência. Em uma outra situação, o paciente e o terapeuta poderiam escolher trabalhar inicialmente um problema de fácil manejo, como aprender uma certa habilidade, e assim por diante. Segundo Persons (1989) apud Rangé (1995), existem algumas diretrizes na elaboração de uma lista de problemas. Inicialmente investigar cuidadosamente todas as áreas da vida do paciente em que existem problemas presentes ou em potencial, mesmo não pertencendo a área “psi”. Essas áreas podem tomar uma abrangência ás vezes complexa, e serem negligenciadas ou desconsideradas. Podemos definir como áreas relevantes de investigação os sintomas ou transtornos psiquiátricos presentes e passados; problemas de relacionamento interpessoal, incluindo a rede social mais ampla do paciente, como família, amigos, cônjuge, filhos, etc; dificuldades profissionais, como as relações de trabalho, medo de crítica do chefe, insatisfação, baixo salário, etc; dificuldades financeiras; problemas médicos passados e presentes; problemas de moradia; dificuldades para atividades de lazer, como falta de tempo, ou falta de motivação para se divertir; dificuldades legais; e finalmente e identificação de problemas gerais, como infertilidade, problemas religiosos, etc. Esses problemas devem ser descritos de forma específica e objetiva, com a inclusão de um resumo breve esclarecendo a queixa. Rangé (1995) nos dá um exemplo: “Dificuldades na relação com a esposa: o paciente acha que sua esposa se dedica demais aos filhos e não consegue mudar isso.” 44 Essa lista de problemas deve incluir, evidentemente, a queixa principal, e ser descrita em termos comportamentais. Deve também incluir a descrição dos níveis de resposta, ou seja, os componentes comportamentais, emocionais, cognitivos e fisiológicos que integram o problema. Todos os problemas listados serão alvo de uma análise funcional que envolve a análise dos seguintes elementos: Estímulos, que são os eventos ambientais que disparam ou aumentam a probabilidade da ocorrência do problema; organismo, que compreende as variáveis bioquímicas, genéticas, neurológicas, motivacionais, etc; avaliação dos níveis de resposta, cognitivo, comportamental, afetivo e autonômico; e finalmente as conseqüências. Outras diretrizes incluem, a quantificação dos problemas, usar sempre que possível as palavras do paciente, e obter feedback do paciente sobre a concordância da lista. Rangé (1995) destaca a importância da formulação atender alguns critérios fundamentais como: ser útil, simples, teoricamente coerente, deve explicar o comportamento passado, dar sentido ao comportamento atual, e deve ser capaz de prever o comportamento futuro. Esses critérios, quando alcançados, servem como uma base segura para a construção de um planejamento terapêutico eficaz. É importante ressaltar também que, quando a formulação do caso estiver definida, deve-se realizar experimentos para confirmar ou não as hipóteses formuladas, e a partir daí é iniciado o processo de intervenção visando mudanças nas áreas delineadas, quando possível de maneira mensurável para possibilitar a avaliação precisa de resultados. Essa metodologia de avaliação é guiada por alguns princípios básicos e faz parte da essência da terapia cognitivo-comportamental, onde o terapeuta deve atuar sempre orientado por tais princípios. Ou seja, o terapeuta nesta abordagem deve entender e atuar no processo clínico como um cientista que formula uma hipótese ou suposição preliminar sobre o paciente e o seu funcionamento, testa a sua validade e avalia os resultados obtidos através das testagens clínicas. Rangé (1995, p.38) destaca que “a atuação clínica seria, portanto, um processo contínuo de testagem de hipóteses e de intervenções delas derivadas”. Entretanto, esse papel de investigador científico não deve deixar de levar em conta uma variável fundamental em qualquer abordagem teórica: a relação terapêutica. Isso significa que o terapeuta mesmo tendo desenvolvido uma formulação adequada do caso, deve estabelecer com o paciente uma relação de respeito, aceitação, e cordialidade, onde este se sinta compreendido e confortável para cooperar no processo. Essa relação de confiança favorece o ambiente terapêutico e a própria efetividade do tratamento, no sentido de testar e validar ou não as suas hipóteses. 45 A conceituação cognitiva do caso é construída pelo terapeuta na forma de um diagrama que expressa o funcionamento do paciente, e visa operacionalizar as principais variáveis subjetivas e objetivas deste. A primeira variável a ser investigada e registrada no diagrama são as situações. Ou seja, deve-se solicitar ao paciente que descreva três situações relevantes em sua vida, e a parir destas situações identificar os pensamentos automáticos desencadeados por cada uma, focalizando como este paciente interpreta cada situação. A partir dessa interpretação, deve-se verificar qual o significado pessoal que o paciente dá a situação e a si mesmo tendo vivenciado essa experiência. Esse significado pessoal revela as crenças centrais e subjacentes que também devem ser identificadas no processo. E finalmente, o terapeuta infere sobre os sentimentos experimentados e as estratégias comportamentais utilizadas. (RANGÉ,1995) O próximo passo é a investigação das experiências infantis relevantes do paciente, ou seja, as interações e vivências significativas com familiares ou outras pessoas relevantes que contribuíram para a instalação e o desenvolvimento dos problemas atuais. Para finalizar, quando o terapeuta chega a essa etapa, já tendo formulado ou conceituado cognitivamente o caso, ele avança para a formulação de um plano terapêutico. De acordo com o Rangé (1995), são necessários oito passos para o estabelecimento de um plano de tratamento: (1) uma conceituação do problema; (2) o desenvolvimento de uma relação colaboradora; (3) alguma motivação para o tratamento; (4) uma conceituação do caso; (5) o estabelecimento de metas; (6) a educação do paciente sobre o modelo cognitivo; (7) as intervenções cognitivo-comportamentais; e (8) a prevenção de recaídas. 3.3. Aspectos gerais da terapia cognitivo-comportamental para fobia social A terapia cognitiva tem características próprias e ferramentas que se aplicam de forma eficaz no tratamento da maioria dos transtornos mentais. Ela pode ser definida segundo Beck (1997, p.5) como sendo “uma abordagem estruturada, diretiva, ativa, de prazo limitado, e usada para tratar transtornos variados, como por exemplo, depressão, ansiedade, fobias, queixas somáticas, dentre outros”. Seu pressuposto básico está na idéia de uma racionalidade teórica em que o afeto e o comportamento de um indivíduo são em grande parte determinados pelo modo como ele estrutura a realidade, ou seja, a noção do modelo cognitivo como foi vista anteriormente. 46 O foco do tratamento então não são as situações, ou eventos problemáticos vivenciados pelo indivíduo, mas sim as cognições associadas à esses eventos. Essas cognições por sua vez, têm um impacto significativo no emocional e no comportamento do indivíduo, e vão delinear interpretações tendenciosas, ou seja, interpretações cuja a fonte é o sistema de crenças do indivíduo, estruturado ao longo da vida. Beck (1997, p.5), nos da um exemplo que ilustra essa situação: Se uma pessoa interpreta todas as suas experiências em termos de ser competente e adequada, seu pensamento pode ser dominado pela pressuposição ‘A menos que eu faça tudo com perfeição, eu sou um fracasso’, e conseqüentemente, essa pessoa reage às situações em termos de adequação, mesmo quando elas não estão relacionadas ao fato de a pessoa ser ou não pessoalmente competente. A partir disso, entende-se que há um modelo teórico estrutural no qual o terapeuta cognitivo baseia a sua atuação clínica. Ou seja, ele foca o seu olhar na inter-relação entre cognição, emoção, comportamento e ambiente, entendendo que essa inter-relação faz parte do modo de funcionar do ser humano. A TCC portanto, utiliza uma variedade de estratégias cognitivas e comportamentais para alcançar objetivos específicos no tratamento dos transtornos baseada nesse modelo. As técnicas cognitivas, por exemplo, visam identificar e testar percepções, pensamentos, crenças, e pressuposições disfuncionais do paciente. Estas técnicas consistem essencialmente em ensinar ao paciente as seguintes habilidades: (1) monitorar seus pensamentos automáticos negativos; (2) reconhecer as conexões entre cognição, afeto e comportamento; (3) examinar as evidências a favor e contra seu pensamento automático distorcido; (4) substituir estas cognições tendenciosas por interpretações mais realistas; e (5) aprender a identificar e alterar as crenças disfuncionais que o predispõe a distorcer suas experiências. Como já sabemos, a meta principal da TCC é aliviar a dor emocional, e quaisquer sintomas que geram um sofrimento significativo no paciente. Para isso, o terapeuta cognitivo se utiliza de procedimentos que visam focalizar as interpretações errôneas e comportamentos disfuncionais do indivíduo. Mas por outro lado, é fundamental que o terapeuta esteja atento, seja sensível e empatize com os aspectos emocionais intensificados e dolorosos do paciente, assim como ser capaz de identificar suas cognições disfuncionais e a ligação entre pensamentos negativos e sentimentos negativos. Tendo em vista esses aspectos e premissas básicas da TCC, será focalizado agora de que maneira ela pode ser aplicada no tratamento da fobia social. 47 De modo geral, podemos delinear alguns objetivos primários para pacientes com esse transtorno, são eles: diminuir a ansiedade antecipatória que antecede as situações sociais temidas, reduzir os sintomas fisiológicos de ansiedade associados, diminuir as cognições de auto-avaliação negativa e de avaliação negativa pelos outros, diminuir as evitações sociais, tratar comorbidades, diminuir as limitações do paciente e melhorar a qualidade de vida. (OTTO,1999; BEIDEL & TURNER, 1998 apud KNAPP, 2004) É importante que se avalie também a necessidade de um tratamento farmacológico integrado à TCC. Nos casos de fobia social circunscrita ou restrita, a indicação de exposição sistemática isolada tem se mostrado eficaz, com baixas taxas de recaídas. Entretanto, no caso da fobia social generalizada, onde os casos são muito incapacitantes e mais prevalentes, a combinação de técnicas cognitivas e comportamentais apresenta melhores resultados. O tempo de tratamento para fobia social na TCC gira em torno de 12 à 16 sessões semanais, em grupo ou individualmente. No caso da fobia social restrita, técnicas isoladas de exposição, com uma faixa de 10 a 12 sessões são efetivas. No subtipo generalizado, a terapia normalmente abrange um número maior de sessões, devido à gravidade maior dos sintomas, e as altas taxas de comorbidades, o que agrava o quadro clínico e prolonga o tratamento. (HEIMBERG, 2002 apud KNAPP, 2004) Podemos pensar a respeito de uma série de abordagens que se aplicam ao tratamento de pacientes com fobia social, mesclando técnicas comportamentais, com técnicas cognitivas. Porém, talvez o mais importante neste tipo de trabalho seja a necessidade de um espaço terapêutico estruturado para os pacientes, isto é, um ambiente em que se sintam livres para falar, sem serem julgados, e que tenham seu sofrimento compreendido. Portanto, é necessário ganhar a confiança do paciente e quebrar as barreiras que o impedem de se expressar. Dito isso, serão abordadas agora as principais técnicas cognitivas e comportamentais utilizadas para o tratamento da fobia social de maneira mais detalhada, dando ênfase ao treinamento de habilidades sociais (THS), que é indispensável. Dentre as técnicas comportamentais mais amplamente utilizadas, por exemplo, estão as técnicas de exposição e o próprio treinamento de habilidades sociais (THS). Segundo Nardi (2000, p.108), “a exposição com manejo da ansiedade tem sido a forma mais indicada para o subtipo circunscrito e o treino em habilidades sociais o mais adequado para o subtipo generalizado do transtorno.” A técnica de exposição, classificada como uma técnica comportamental e muito utilizada no tratamento de vários transtornos, consiste em levar o paciente ao enfrentamento das situações sociais temidas. Ela é aplicada baseada no princípio de que a ansiedade é uma resposta condicionada que irá diminuir através da habituação, e apresenta uma dificuldade 48 maior de se introduzir na fobia social do que em outros transtornos como a agorafobia ou o transtorno obsessivo-compulsivo. (NARDI, 2000) Uma das vantagens consideráveis da exposição é que ela permite a testagem e a desconfirmação das crenças centrais negativas do indivíduo de ser inadequado socialmente ou inferior. Os exercícios de exposição devem ser utilizados paralelamente ao trabalho de reestruturação cognitiva e podem ser aplicados durante as sessões individuais ou em grupo, na imaginação ou ao vivo, de forma sempre sistemática. O uso da exposição isolada no caso de fobia social generalizada é contra- indicado, porque variáveis cognitivas e emocionais que funcionam na manutenção da fobia como atenção autofocada, o processamento falho das informações, e o nível elevado dos sintomas ansiosos, impedem que o indivíduo corrija suas distorções negativas a partir da avaliação racional e objetiva de evidências de aprovação social nas situações. No início do tratamento, em pacientes muito sintomáticos, é indicado o uso da exposição imaginária, que apesar de menos efetiva, traz um grau de desconforto tolerável, e serve como “preparação” para a exposição ao vivo. Técnicas de manejo da ansiedade também são muito úteis no tratamento da fobia social, e normalmente são utilizadas em paralelo com as exposições planejadas como foi dito anteriormente. Essas técnicas incluem relaxamento, treinamento de respiração e redirecionamento da atenção. (BUTLER & WELLS, 1995 apud KNAPP, 2004) Os pacientes são orientados no aprendizado de técnicas de relaxamento de grupos musculares específicos, denominadas de relaxamento muscular progressivo (RMP), inicialmente com a ajuda do terapeuta e depois de forma independente. Segundo Hope e Heimberg (1999) apud Knapp (2004, p.236), “o racional cognitivo do relaxamento ensina ao paciente que esta técnica tem por objetivo o alívio dos sintomas fisiológicos da ansiedade.”. O treinamento de respiração também é uma técnica extremamente útil, no sentido de auxiliar no controle da ansiedade no início das exposições, além de ser de fácil aplicação e com efeitos de relaxamento rápidos. As técnicas de manejo da ansiedade devem ser utilizadas e praticadas de forma sistemática pelo paciente nas situações sociais que lhe despertam ansiedade para que possam ser efetivas. Será abordada agora uma técnica de extrema importância no tratamento da fobia social mencionada anteriormente: o treinamento em habilidades sociais (THS). Segundo Caballo (2006), a fobia social está intimamente relacionada à falta de habilidades sociais, sendo o treinamento neste tipo de habilidade essencial para que o paciente desenvolva sua autoconfiança e assertividade nas situações sociais. 49 A definição de habilidades sociais é complexa e muitas vezes divergentes dependendo do autor. Wolpe (1977, p.96), define habilidade social como “a expressão adequada, dirigida à outra pessoa, de qualquer emoção que não seja a resposta de ansiedade.” Além das habilidades sociais propriamente ditas, existe uma outra variável que também deve ser considerada neste contexto, que diz respeito as conseqüências. Existem três tipos básicos de conseqüência em relação à habilidade social: (LINEHAN, 1984 apud CABALLO, 2002) Eficácia no objetivo – para conseguir os objetivos da resposta Eficácia na relação – manter ou melhorar a relação com o outro na interação Eficácia no auto respeito – manter a auto-estima de pessoas hábeis socialmente Portando, deve-se levar em conta tanto a ação socialmente hábil em si quanto as conseqüências dessas ações. Caballo (2002, 2003) sugere quatro componentes da habilidade social: comportamental, cognitivo, fisiológico e situacional. De acordo com o autor, a classe de respostas principais que envolvem o conceito são iniciar e manter conversações; falar em público; expressões de amor, agrado e afeto; defesa dos próprios direitos; pedir favores; recusar pedidos; fazer elogios; aceitar elogios; expressão de opiniões pessoais, inclusive discordantes; expressão justificada de incômodo ou desagrado; desculpar-se ou admitir ignorância; pedido de mudança no comportamento do outro; enfrentar críticas; e solicitar um trabalho satisfatoriamente. A TCC para a fobia social, visa inicialmente identificar quais comportamentos do paciente apresentam maior déficit, e a partir daí trabalhar no sentido de desenvolvê-los. Como referido anteriormente, as habilidades sociais apresentam basicamente quatro componentes. O componente comportamental, por exemplo, pode ser subdividido em não-verbais, que incluem: olhar/contato visual, sorrisos, expressão facial e corporal, assentimentos com a cabeça, gestos, dentre outros; Paralinguísticos, que incluem: voz, tempo da fala, fluência da fala; Verbais, incluem: iniciar a conversação, retroalimentação, conteúdo geral (humor, perguntas, etc...); Componentes mistos mais gerais, que incluem: afeto, escolher o momento adequado, tomar a palavra, ceder a palavra, conversação em geral, saber escutar, dentre outros. (CABALLO, 2006) Os componentes cognitivos também são relevantes para se avaliar as habilidades sociais. Estes componentes podem ser entendidos como a percepção de formalidade, de familiaridade, do estado subjetivo e do ambiente externo do indivíduo. Por fim, os componentes fisiológicos das habilidades sociais incluem: a taxa cardíaca, pressão sanguínea, fluxo sanguíneo, respiração, dentre outros. (CABALLO, 2003) 50 É fundamental considerar o THS no tratamento de pacientes fóbicos sociais, pois na grande maioria dos casos, existe um déficit, maior ou menor, nestas habilidades. Ao utilizar esta ferramenta, o terapeuta estará proporcionando ao paciente a oportunidade de se sentir mais confiante e seguro ao enfrentar uma situação social, conseqüentemente reduzindo sua ansiedade antecipatória e durante a interação social, além de resultar em uma melhora do quadro por redirecionar a atenção autofocada do paciente. De maneira geral, o objetivo do THS é prover o paciente de um novo repertório comportamental, mais amplo e socialmente adaptado, devendo ser planejado de forma específica para cada caso. Ele é composto basicamente de duas etapas: avaliação e intervenção. A avaliação visa à identificação de déficits comportamentais, seus antecedentes e conseqüentes, respostas emocionais concomitantes e crenças distorcidas que estejam envolvidas com a emissão de comportamentos não habilidosos socialmente. Um dos tópicos importantes nesta fase é a identificação de pensamentos disfuncionais que podem estar associados ao comportamento socialmente inadequado. Na fase de intervenção, tendo identificado e avaliado as habilidades sociais deficientes e que precisam ser trabalhadas no indivíduo, inicia-se o processo de treinamento. Segundo Caballo (2006) esse treinamento envolve uma série de técnicas que incluem: instruções, modelação, ensaio comportamental, reforço positivo, tarefas de casa, e a reestruturação cognitiva. A técnica de instrução por exemplo, também conhecida como retroalimentação corretiva, proporciona ao paciente uma visão mais clara e precisa do grau de discrepância entre a sua “atuação real” e a sua percepção dessa atuação. Um tipo de instrução a um paciente com fobia social que tem dificuldade na classe de respostas iniciar e manter conversações poderia ser: “Seu contato visual não foi longo o bastante, aumente-o”. O ensaio comportamental segundo o autor, é a técnica mais utilizada no THS, e consiste basicamente em aprender a modificar respostas não-adaptativas, substituindo-as por novas respostas mais adequadas. Inicialmente, deve-se definir com o paciente as situações problemáticas e pedir que ele represente como age nessas situações. Nesse momento, avaliase crenças e pensamentos disfuncionais que estejam influenciando no comportamento inadequado. Após essa avaliação, discute-se com o paciente uma lista de direitos humanos básicos, que permite a ele criar um sistema de crenças em que ele mantenha o respeito por seus próprios direitos, assim como pelos direitos dos outros. Na etapa seguinte, traça-se um objetivo adequado à resposta do paciente e este avalia os objetivos através da técnica de solução de problemas, onde o terapeuta sugere respostas alternativas ao problema. 51 Assim o paciente representa o que foi sugerido, avaliando a sua atuação e repetindo o procedimento se for necessário. Ao final, é importante o feedback do paciente e a realização da tarefa de casa. As técnicas cognitivas também são fundamentais neste contexto, e fazem parte de um planejamento terapêutico integrado para a fobia social, que resulta em mudanças mais efetivas e duradouras no paciente. O objetivo principal destas técnicas, como já foi dito anteriormente, consiste basicamente em identificar, testar na realidade e corrigir as idéias distorcidas e as crenças disfuncionais do paciente. A partir disso, o paciente estará instrumentalizado e irá dispor de “armas cognitivas” para enfrentar e vencer as situações sociais temidas, antes percebidas como insuperáveis. De acordo com Clark e Wells (1995) apud Knapp (2004), as principais técnicas cognitivas envolvidas no tratamento da fobia social são: a modificação do autoprocessamento e a reestruturação cognitiva. O autoprocessamento consiste basicamente em mudar o foco de atenção do paciente em si mesmo (atenção autofocada), para a situação na qual ele se encontra ou o interlocutor no qual ele está interagindo, buscando evidências concretas que confirmem ou não o seu desempenho social inadequado ou avaliação negativa dos outros. Uma das formas de fazer isso, por exemplo, é solicitar uma atividade na qual o paciente tenha que se focar em como o interlocutor está vestido, ou o que realmente ele falou ou demonstrou, visando redirecionar a sua atenção autofocada. Com isso, o paciente é estimulado a desenvolver visões alternativas mais realistas e mais racionais de seu desempenho social, baseado em evidências concretas. As técnicas de reestruturação cognitiva freqüentemente estão associadas às técnicas comportamentais, especialmente à exposição, no tratamento da fobia social, no sentido de que a exposição é fundamental para a desconfirmação das crenças centrais de auto-avaliação negativa e avaliação negativa pelos outros como já foi dito. Segundo Heimberg (2002) apud Knapp (2004, p.234), “no contexto das exposições, os pacientes poderão revisar seus julgamentos errôneos sobre o suposto risco ao qual acreditam estar expostos nas situações temidas.” O uso de um Registro de Pensamentos Disfuncionais (RPD), é o mais comumente utilizado no trabalho de reestruturação cognitiva, possibilitando ao paciente identificar, avaliar e modificar pensamentos e crenças disfuncionais. Essa técnica é projetada de forma que o indivíduo possa registrar a situação aflitiva, os pensamentos automáticos ativados nesta situação, as emoções aflitivas e, a partir daí construir uma resposta alternativa mais realista, visando a redução dos sintomas. Uma última modalidade de tratamento que será brevemente abordada aqui, é a terapia de grupo cognitivo-comportamental (TGCC). 52 Esta abordagem tem se mostrado bastante eficaz demonstrando bons resultados no tratamento da fobia social, devido à possibilidade, por exemplo, de se criar exposições reais controladas, recriando as situações temidas no grupo, onde o terapeuta e os membros do grupo estão disponíveis para servir de role-players ou de audiência, o que seria inviável em uma abordagem individual. A TGCC consiste basicamente em trabalhar três aspectos: exposições simuladas às situações temidas, reestruturação cognitiva e prescrição de tarefas de casa. (HEIMBERG, 1991 apud BARLOW, 1999) As exposições compõe o foco principal da terapia neste modelo, onde as intervenções cognitivas são realizadas paralelamente antes, durante e depois de cada exposição, e as tarefas são prescritas de acordo com as exposições realizadas na sessão. A TGCC, apresenta algumas vantagens em relação ao tratamento individual segundo Sank e Shaffer (1984) apud Knapp (2004): aprendizado em grupo, possibilitando a troca de experiências; independência, onde os pacientes são encorajadas a se apoiarem mutuamente ao invés de desenvolver uma dependência extrema do terapeuta; identificação, gerando uma competição saudável que estimula a superação dos medos; identificação de problemas semelhantes, onde a natureza da fobia social provavelmente impediu que os indivíduos compartilhassem seus problemas, fazendo com que acreditassem ser os únicos a ter o transtorno; comprometimento público, onde só o fato de estar fazendo parte de um grupo, já evidencia-se uma intenção de mudança por parte do paciente; e encorajamento pelo sucesso dos outros, aumentando as expectativas positivas. Por fim, vale ressaltar que este tipo de abordagem, embora possa parecer paradoxal, no sentido de que o medo central do fóbico é justamente estar em contato e se expor diante do olhar dos outros, é extremamente vantajoso e produtivo, pois propicia ao paciente a oportunidade de confrontar diretamente seus medos sociais, testar suas crenças distorcidas diante de indivíduos que possuem os mesmos problemas, compartilhando as angústias, as aflições e o sofrimento gerado pelo transtorno, e a partir daí se desenvolver um aprendizado duradouro e concreto de habilidades sociais, formas mais realistas de pensar a respeito de si, do mundo e dos outros e até mesmo o estabelecimento de amizades dentro do grupo terapêutico. 53 CONSIDERAÇÕES FINAIS Desde o princípio julguei pertinente e oportuno abordar uma psicopatologia tão importante e complexa como a fobia social, mas ao mesmo tempo tão negligenciada de certa forma pelos estudiosos da área. Percebe-se e constata-se com facilidade a divulgação de estudos, pesquisas, protocolos de tratamento, e outros elementos referentes a uma variedade de transtornos emocionais e psicológicos, como a depressão, o transtorno de pânico, o transtorno obsessivo-compulsivo (TOC), fobias simples, e até mesmo a esquizofrenia como um transtorno mental grave. Entretanto, pouco se sabe e pouco se tem acesso à materiais e informações satisfatórias sobre a fobia social. Frente à essa carência de estudos sobre a fobia social, busquei focá-la aqui sob uma perspectiva cognitivo-comportamental, que é uma abordagem comprovadamente eficaz no tratamento de diversos transtornos de ansiedade, inclusive a fobia social, e que traz modelos teóricos bastante elucidativos, objetivos e atuais, para a explicação dos possíveis e prováveis fatores causais e de manutenção do transtorno. Esses modelos representam explicações sólidas e consistentes sobre o funcionamento do transtorno e trazem à luz estratégias de intervenção efetivas para lidar com ele, como o modelo de Rapee e Heimberg, por exemplo, visto no capítulo três. Uma das questões que não pode passar desapercebida nesta parte final do trabalho, é a severa limitação que o quadro impõe, e conseqüentemente o intenso sofrimento que produz no indivíduo. Tudo isso vem de uma estrutura subjetiva frágil, constituída a partir de experiências sociais e emocionais interpretadas com um valor de ameaça, de fraqueza e de inferioridade pelo indivíduo, resultando em um sistema de crenças negativas muito profundas, alem do papel dos fatores genéticos que o predispõe à desenvolver a fobia. Esse indivíduo, infelizmente está fadado á ter uma auto-imagem extremamente negativa de si, e uma visão dos outros e do mundo também negativas, sofrendo as conseqüências de sua maneira enraizada e rígida de ver a realidade. Diante disso, a terapia cognitivo-comportamental (TCC), vem a contribuir de forma significativa para o alívio do sofrimento destes indivíduos, podendo ser vista como uma valiosa “arma” cuja força e poder podem combater o transtorno e vencê-lo. Espera-se, de um modo geral, que a partir da leitura deste trabalho, as “mentes sociais”, ou seja, a consciência social se amplie na compreensão deste transtorno, tanto de profissionais, quanto do senso, e que a visão errônea das manifestações da fobia social como ´´frescura´´ ou ´´fraqueza´´ sejam 54 aos poucos desconstruídas, e passem a entendê-la de forma mais realista, como um transtorno que pode ser muito grave e levar inclusive ao suicídio. Para finalizar, gostaria de ressaltar o meu desejo de que este trabalho sirva de estímulo e fonte de inspiração para um aprofundamento maior no tema, que sem dúvida, merece maior atenção por parte daqueles que se propõe a estudar e atuar no campo da saúde mental, pois um indivíduo que esgota as suas possibilidades de conviver em sociedade devido ao medo extremo desta, deve ser olhado cuidadosamente pelos profissionais “psi” e por aqueles que lidam com indivíduos tímidos e fóbicos sociais, como a família, amigos, e a sociedade como um todo. 55 REFERÊNCIAS: BARLOW, David - Manual clínico dos transtornos psicológicos. Porto Alegre: Artmed, 1999 BECK, Aaron e col. Terapia cognitiva da depressão. Porto Alegre: Artmed, 1997 BECK, J.S - Terapia Cognitiva: teoria e prática. Porto Alegre: Artmed, 1997 CABALLO, Vicente E. Manual de avaliação e treinamento das habilidades sociais. Santos: São Paulo, 2006. CABALLO,Vicente E. Manual de técnicas de terapia e modificação do comportamento. 2. edição. Santos: São Paulo, 2002. CABALLO, Vicente E. Manual para o tratamento cognitivo-comportamental dos transtornos psicológicos. Santos: São Paulo, 2003. DSM-IV - Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais - 4ª edição. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995 ECHEBURÚA, Enrique. Vencendo a timidez. São Paulo: Mandarim, 1997 GOUVEIA, José - Ansiedade social: da timidez à fobia social. Coimbra: Quarteto, 2000 HAWTON, K.; SALKOVSKIS, P. M.; KIRK, J. e CLARK, D.M. Terapia cognitivocomportamental para problemas psiquiátricos: um guia prático. São Paulo: Martins Fontes, 1997 KNAPP, Paulo e colaboradores - Terapia Cognitivo-Comportamental na Prática Psiquiátrica. Porto Alegre: Artmed, 2004 MARKWAY, Bárbara. CARMIN, Cheryl. POLLARD, Alec. FLYNN, Teresa – Morrendo de vergonha: um guia para tímidos e ansiosos. São Paulo: Summus, 1999 MIRANDA, Ruy. Timidez e Fobia Social Home. Disponível em: <http://www.timidezansiedade.com> Acesso em: 15 de outubro de 2009 NARDI, Antônio - Transtorno de ansiedade social: fobia social – timidez patológica. Rio de Janeiro: Medsi, 2000 PESSOTTI, Isaias - Ansiedade. São Paulo: EPU, 1978 RANGÉ, Bernard. Psicoterapia comportamental e cognitiva de transtornos psiquiátricos. São Paulo: Psy, 1995 RANGÉ, Bernard. Psicoterapias Cognitivo-comportamentais: um diálogo com a psiquiatria. Porto Alegre: Artmed, 2001 56 TESSARI, Olga Inês. O que é a timidez? Como resolver? Disponível em: <http://www.ajudaemocional.com> Acesso em: 15 de outubro de 2009. WOLPE, J. Prática da terapia comportamental. Rio de Janeiro: Martins Fontes, 1977