Folha de São Paulo – 27 de julho de 2012

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Folha de São Paulo – 27 de julho de 2012
EDMAR BACHA, ECONOMISTA
Proteger indústria e ajudar setores é
política míope
Economista afirma que focar apenas as vendas no mercado interno é
pensar pequeno
Pedro Carrilho/Folhapress
O economista Edmar Bacha, um dos formuladores do Plano Real
MARIANA CARNEIRO
DE SÃO PAULO
Depois de se dedicar a debates como o combate à inflação, o economista
Edmar Bacha, 70, quer saber por que a indústria brasileira está encolhendo.
Um dos formuladores do Plano Real, Bacha reuniu 35 especialistas para ir
além da explicação câmbio & juros, que, segundo diz, não são o problema
verdadeiro.
O resultado será publicado no livro "Desindustrialização: O Que Fazer?",
organizado com a também economista Mônica de Bolle. Nesta entrevista,
Bacha antecipa à Folha parte do diagnóstico sobre a desindustrizalização.
Quando o Brasil começou a se desindustrializar?
De 1980 até 2004/2005, houve um processo paulatino de perda da
participação da indústria no PIB. E isso não preocupa.
Porque, quando se comparava o Brasil com outros países, a participação da
indústria era muito maior. Havia um excesso de indústria. O que discutimos é
o que ocorre a partir de 2005, com especial preocupação a partir de 2010.
O que mudou?
A partir de 2005, o Brasil foi beneficiado por uma enorme entrada de dólares,
provinda da melhoria dos preços das commodities que o Brasil exporta e de
uma entrada muito forte de capitais. É uma grande bonança externa. E o efeito
colateral dessa bonança é a desindustrialização.
É como uma doença?
Eu não acho que, necessariamente, seja uma doença. Você apenas alterou o
padrão de produção da economia. Não tem ninguém doente. Veja o Brasil de
hoje. A mão de obra está muito bem, superempregada e com salários muito
altos, como nunca teve. Só quem não está empregando é a indústria. A
indústria realmente vai mal, mas o Brasil vai muito bem.
Mas economistas sustentam que o crescimento está travado porque o
setor industrial está em crise.
A economia está em pleno emprego. Por que a popularidade da Dilma está tão
alta? Do ponto de vista do bem-estar, as pessoas estão muito bem. Há um
problema que a economia não cresce. Mas o estrangulamento do crescimento
ocorre porque os investimentos dos setores competitivos estão travados.
Que setores poderiam crescer e estão parados?
A construção civil, todo o complexo agromineroindustrial. Mas esses setores
dependem muito de infraestrutura, e o que ocorre é que estamos travados por
falta de infraestrutura, por falta de mão de obra qualificada.
Não vale a pena o governo tentar recuperar a indústria?
Não através do protecionismo, do crédito subsidiado, nem de medidas
pontuais.
Estamos falando de recuperar a capacidade de concorrer e de termos uma
indústria produtiva. Afora imposto, e de fato os impostos são extremamente
elevados, uma das maiores travas para recriar a indústria é a política do
conteúdo nacional.
O governo, em vez de resolver, está ampliando. Eu sou a favor de acabar com
a política de conteúdo nacional.
Mas o governo diz querer incentivar produtores locais.
É uma política míope, que resolve o problema localizado à custa de criar
danos maiores para a economia.
No pré-sal, por exemplo, a consequência dessa política, será que a gente não
vai chegar ao pré-sal. Pergunta ao Carlos Ghosn, da Renault, por que ele não
produz carro de boa qualidade no Brasil.
Tendo que comprar tudo aqui dentro não dá. Protegem a indústria de
componentes para criar o que chamam de "densificação da estrutura
produtiva". O que é preciso é se integrar às cadeias produtivas internacionais.
Como?
Não tem que fazer todas as partes do produto aqui. O comércio internacional é
crescentemente intrafirmas -multinacionais exportando para elas mesmas-,
intrassetorial -exporta-se seda e importa-se algodão- e intraproduto -cada
componente é feito num local e a montagem é feita noutro.
É assim que a Ásia está se estruturando e é assim que o México está
crescendo.
Qual o efeito para o Brasil?
Aqui, esse suposto nacionalismo fez com o Brasil se tornasse o país mais
colonizado do mundo. A participação de multinacionais no PIB é
extraordinariamente elevada. E por que elas não exportam? Porque é caro
produzir aqui. E por que é caro? Porque têm que comprar tudo aqui dentro,
não podem se integrar mundialmente, não podem fazer o que fazem na China.
A gente não deixa.
Mas a China também paga salários mais baixos.
A indústria concorre com a natureza, e ela é pródiga. Portanto, nosso ponto de
partida é mais alto. Somos como nos EUA. Eles sempre foram um país de
salários elevados, têm agricultura e mineração pujante e conseguiram
desenvolver sua indústria.
Mas eles também estão buscando retomar as indústrias que perderam.
A desindustrialização não é só brasileira. O mundo inteiro, exceto a China,
está se desindustrializando. É como se de repente descobrissem a existência de
Marte. A China é como se fosse Marte. Estava fechada, com um terço da
população mundial, e agora se abriu. Temos que arrumar um lugar para ela.
Mas, se é um fenômeno mundial, por que o Brasil deveria atuar? E como
teria êxito?
Não estamos dizendo para deixar a indústria cair. No Brasil, há um problema
específico, a participação da indústria no PIB está caindo mais do que em
outros países. Não é que não tenhamos que nos mexer. Ao contrário. Isso é
um problema, mas o que está sendo feito é errado.
Temos sugestões, e uma delas é mudar a estrutura de importação, diminuindo
os impostos para a compra de bens de capital e componentes. Tornar as
indústrias mais produtivas para que se integrem à cadeia mundial, em vez de
olharem apenas para o mercado interno. As avaliações sobre o problema são
muito chã, é o câmbio, é não sei mais o quê...
Então não é câmbio valorizado e juros altos?
As pessoas acham que mexendo nisso vão resolver o problema. Isso é um
equívoco. É preciso entender como isso ocorreu. Não é um monte de gente
malévola que apreciou o câmbio e botou os juros na lua.
Mas, ao focar juros e câmbio, perde-se a dimensão dos problemas reais e
substantivos, que provocam a perda de competitividade.
Quais são esses problemas?
Quando houve a bonança, não teve jeito, houve muito ingresso de capital e o
câmbio apreciou. O que fazer? Pôr uma barreira e não deixar entrar nenhum
tostão? Fazer igual a Cristina Kirchner? Vai dizer isso para as empresas que
precisam de capital e estão lançando ações.
Se existe uma bonança, vamos saber administrá-la. Frequentemente ela é tão
boa que as pessoas deixam de fazer o dever de casa. E, quando acabam, só
tem um buraco lá.
Economistas do governo afirmam que a bonança permitiu a emergência
da classe C.
Poderia ter sido melhor. Mas eu não sou contra isso e não acho que o modelo
foi apenas consumista. O investimento cresceu neste período. Mas também é
fato que a reação à crise a partir de 2008 só aumentou o consumo.
A reação à crise agravou a desindustrialização?
A desindustrialização não veio porque as pessoas consumiram. Se, em vez de
consumir, tivéssemos investido, importaríamos mais ainda. Não acho que veio
daí.
As pessoas dizem que o investimento está fraco porque a indústria está fraca.
Mas foi justamente quando a indústria enfraqueceu que o investimento
aumentou, entre 2005 e em 2011, quando passou de 15% para 20% do PIB.
Qual é a sua explicação?
A indústria é só 15% do PIB. E os outros 85%, que vão muito bem? O Eike
Batista deve ter investido.
Então, quais são os problemas reais da indústria?
A indústria é excessivamente tributada no Brasil, comparada com as indústrias
estrangeiras. Isso é um problema. Outro é que a indústria tem pouca
flexibilidade de comprar insumos de fora por causa dessa política de requisito
nacional e das altas tarifas cobradas na entrada de bens de capital e insumos.
O governo está tentando manter um modelo de indústria que não
funciona mais?
Eles têm uma mentalidade que talvez coubesse em 1950 e que já foi
exagerado em 1970. Hoje é um absurdo. Querem pensar em indústria no país
em função desse mercadinho interno que a gente tem, que é só 3% do PIB
mundial.
É também pensar pequeno a estratégia de curto prazo. Ficar tentando resolver
o problema de cada setor, um a um.
Está com problema o setor de componentes da indústria automobilística?
Azar.
O governo não deveria salvar certos setores, como têxteis e calçados?
Existem muitas indústrias de tecidos no Brasil que vão bem. Muitos dizem: a
indústria de calçados vai acabar. Mas nesse grupo tem uma empresa chamada
Alpargatas [fabricante das Havaianas]. Há muitas empresas que dão a volta
por cima. O processo de criação destrutiva é a maneira pela qual o capitalismo
se desenvolve e permite a incorporação de novas formas de fazer as coisas.
Essa política protecionista, de escolha de vencedores, constrange a capacidade
produtiva a ficar aqui dentro, nesse rame-rame. É preciso olhar além da
avenida Paulista [em alusão à Fiesp].
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