Geografia: a economia brasileira passa por um processo de desindustrialização? Pontos-chave A participação da indústria na economia brasileira é cada vez menor. Dados recentes sugerem que o Brasil passa por um processo de desindustrialização, fenômeno que se refere à perda acentuada da atividade industrial. Em 1985, a indústria de transformação respondia por 25% do PIB brasileiro. Desde então, foi perdendo substância e hoje em dia responde por menos do que 15% do PIB do país. Nos países desenvolvidos, a desindustrialização é um processo natural. Com o desenvolvimento econômico, a participação dos serviços sofisticados aumenta, e, em consequência, a participação da indústria de transformação cai. Mas não é o caso do Brasil. Esse processo foi causado por uma série de fatores como a competição com a economia chinesa, o câmbio sobrevalorizado (valorização da moeda), a falta de inovação, os juros elevados e os custos implícitos do sistema produtivo nacional. Quando foi a última vez que você comprou um produto fabricado no Brasil? É provável que a maior parte dos produtos que você use seja importada. Não por acaso. A participação da indústria na economia brasileira é cada vez menor. Dados recentes sugerem que o Brasil passa por um processo de desindustrialização, fenômeno que se refere à perda acelerada da atividade industrial. O principal problema está no setor de manufaturados. É ele que abrange a produção de bens com maior complexidade. Em 1985, a indústria de transformação, aquela que converte matérias-primas em produtos, respondia por 25% do PIB brasileiro. Desde então, foi perdendo substância e hoje em dia responde por menos do que 15% do PIB do país. Em 2014, o setor chegou a 10,9%, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A indústria tem por finalidade transformar matéria-prima em produtos que possam ser vendidos. Ela é uma das três atividades econômicas (ao lado dos serviços e da agropecuária) e possui grande importância para o Produto Interno Bruto (PIB) de um país. Desde que a indústria surgiu na Revolução Industrial, no fim do século 18, ela tem sido o motor de crescimento do capitalismo. A globalização e a tecnologia Após a Guerra Fria, o mundo sofreu um processo de globalização que trouxe a integração econômica dos continentes e o aumento dos fluxos internacionais de mercadorias. O capitalismo global é caracterizado por forte competição econômica, não apenas entre as empresas, mas entre os países. Um dos efeitos da globalização é a dispersão espacial da indústria. Ao invés de produzir em seu país de origem, empresas transnacionais montam unidades industriais em países que oferecem custos mais baratos. Nos anos 1990, países que até então eram considerados menos desenvolvidos entraram na rota da internacionalização da produção industrial como China, Singapura, Coreia do Sul, Taiwan, Indonésia e Índia. As economias emergentes conquistaram seu espaço no mercado mundial ao oferecer abundância de matéria-prima e baixos salários. Os países asiáticos foram os que alcançaram o maior crescimento, com destaque para a China. A partir de 1990, os chineses se tornaram gigantes do setor industrial, com uma política orientada para a exportação e investimento em infraestrutura. O país elevou a marca de 3% da produção global de manufaturados em 1990 para aproximadamente 20% em 2010, superando os Estados Unidos. Em três décadas, a China multiplicou o PIB em 17 vezes. A globalização também trouxe a inovação como um fator-chave de uma economia dinâmica. Novas tecnologias revolucionaram o modo como as pessoas se relacionam com o mundo. A produção de tecnologia de ponta se tornou um importante vetor de mudanças, em um ritmo cada vez mais acelerado. A inovação introduz novos produtos, processos e modelos de negócios. Isso não quer dizer que países em desenvolvimento não possam ter tecnologias inovadoras, como a indústria aeronáutica do Brasil e a eletrônica da China. Os serviços também ganharam cada vez mais importância na estrutura econômica. Nos países industrializados mais avançados a maior contribuição para o PIB vem atualmente do setor de serviços, não do industrial. Isso significa que a estrutura econômica está mais concentrada em itens de maior valor agregado. Até mesmo na indústria. A indústria é, hoje, uma grande consumidora de serviços que agregam valor: marketing, planejamento, logística, serviços financeiros e assistência técnica. Quanto mais complexa a estrutura industrial de um país, mais sofisticada é a rede fornecimento de serviços. O fenômeno da desindustrialização pode ser observado em cidades e em países industrializados. Seria um processo natural em locais que tiveram grande crescimento industrial e que atingiram seu pico de desenvolvimento, possuem uma estrutura industrial de ponta ou foram impactados por mudanças no mercado. Se nos países asiáticos o estímulo do desenvolvimento foram os baixos custos de produção, nos países desenvolvidos a inovação e o conhecimento se transformaram nos motores da economia. Com investimento em pesquisa e desenvolvimento, cada vez mais a vantagem competitiva dos países desenvolvidos não está na produção e exportação de manufaturas em si, mas no uso de tecnologia exclusiva, das atividades criativas, na força da marca e na criação de produtos diferenciados. Enquanto a montagem de um produto foi terceirizada para os países emergentes, os países ricos passaram a investir mais em educação. Novos polos industriais de tecnologia surgiram em diversos países, como o Vale do Silício, na Califórnia (EUA), que oferece um grande cenário de investimentos. São lugares que não se localizam mais nas áreas onde existe abundância de matérias-primas, mas próximos a importantes centros de pesquisa e de ensino universitário. Em países em desenvolvimento, a desindustrialização está muito mais ligada aos processos de substituição de importações. Esse pode ser o caso do Brasil. Aqui o setor de serviços já responde por 71% do PIB brasileiro. Mas não porque temos uma indústria de ponta. Segundo economistas, a desindustrialização no Brasil seria um processo precoce (a indústria ainda não teria atingido o seu potencial máximo) e se deve a deficiências internas, principalmente à perda da competitividade das empresas brasileiras, impactada com a falta de inovação local e a entrada maciça de produtos asiáticos no mercado doméstico. A industrialização brasileira e gargalos A industrialização no Brasil começou tardia, no início do século XX. Em 1920, o Brasil já possuía 200 mil operários nas indústrias. Durante o Estado Novo (1937-1945) a economia brasileira se caracterizou pela forte intervenção estatal do governo de Getúlio Vargas. Até 1950 foram criadas importantes companhias estatais no setor de base que foram fundamentais para o processo de desenvolvimento industrial, como a Companhia do Vale do Rio Doce, a Companhia Siderúrgica Nacional e a Petrobras. Na década de 1940 a atividade industrial teve um impressionante crescimento de 11,25% ao ano. Nas décadas seguintes houve um grande investimento em infraestrutura (portos, ferrovias, estradas, energia elétrica, etc.) e a indústria continuou a crescer, impulsionada pelo forte mercado consumidor interno. O processo se consolida até o final da década de 1970, período em que o Brasil possuía uma estrutura industrial diversificada e integrada. A partir de 1980, a indústria brasileira começa um período de declínio e estagnação e o país viveu um período de inflação alta. Nos anos 1990, o país fez uma abertura comercial e diminuiu as tarifas de importações, o que abriu o mercado para novos concorrentes. O mercado interno foi inundado por bens importados. A partir dos anos 2000, a inflação foi controlada (gerando estabilidade de preços) e houve o crescimento do consumo no Brasil, impulsionado por políticas públicas. Apesar desse cenário, os produtos manufaturados brasileiros perderam competitividade e espaço no mercado interno e global. O governo estimulou o consumo da população, mas a indústria não conseguiu melhorar a capacidade produtiva e crescer. Um dos principais problemas é que o custo de se produzir aqui é maior em relação aos asiáticos. Segundo dados de 2013 da FIESP (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo), o produto nacional é em média 34% mais caro do que um similar importado. Esse processo foi causado por uma série de fatores como a competição com a economia chinesa, o câmbio sobrevalorizado (valorização da moeda), a falta de inovação, os juros elevados (que dificultam financiamento e diminuem o consumo interno) e os custos implícitos do sistema produtivo nacional. Com os preços baixos praticados por países como a China, alguns setores da indústria brasileira não conseguiram suportar a entrada de produtos importados. É o caso do setor têxtil, que desde 1990 sofre problemas com a concorrência com produtos asiáticos. Para uma marca de roupas brasileira, compensa mais importar tecidos de outro país e focar apenas na criação da marca. Com baixa competitividade, muitas fábricas de tecido e confecções brasileiras fecharam. Em relação ao câmbio, uma taxa de câmbio competitiva influencia no preço da importação de insumos e nas exportações de produtos manufaturados. Se a moeda brasileira está muito forte, a indústria precisa aumentar os preços dos produtos que serão exportados e perde competitividade. Se a taxa está em equilíbrio, estimula os investimentos orientados para a exportação. Ela também influencia em decisões de investimentos de um empresário. Outro problema a ser enfrentado é o chamado “Custo Brasil”, uma expressão que se refere aos custos de produção e do ambiente de negócios do país, influenciando as condições de oferta: a tributação, acesso e tipos de financiamento, as relações do trabalho (custos para manter um trabalhador), a qualidade das estradas e portos e a infraestrutura. Segundo a Fiesp, o Brasil possui alta carga tributária, há um gargalo no sistema de escoamento da produção nacional (o que encarece o preço final de um produto) e a contratação de funcionários seria mais cara do que em outros lugares. Se o Brasil não consegue vender produtos a preços baixos, o caminho poderia ser a inovação e a modernização das empresas para agregar valor aos produtos. Mas seria necessário um investimento em novas máquinas, tecnologias, educação, modelos de gestão inovadores e pesquisa. A baixa qualidade da educação brasileira e as deficiências no ensino superior limitam a capacidade de inovar das empresas. Em termos de disponibilidade de engenheiros e cientistas, por exemplo, o relatório Global Competitiveness Report 2012-2013 avalia que o Brasil está na 113ª posição entre 144 países. A possibilidade do Brasil se tornar uma potência de inovação parece estar em um cenário ainda distante. Outras saídas para a recuperação da indústria seriam o investimento em novos mercados que o Brasil teria um potencial natural, como tecnologias e projetos de sustentabilidade ambiental, ou ainda, agregar valor em setores como a agricultura, pecuária e o extrativismo. Por exemplo, não exportar apenas a laranja, mas o suco já processado (uma manufatura). A ascensão das commodities Enquanto a indústria brasileira está estagnada, as commodities ganham cada vez mais espaço na atividade econômica do país. Commodities são matériasprimas negociadas nos mercados internacionais e consideradas produtos de baixo valor agregado. São esses produtos que seguram a atual balança comercial brasileira. Em 2001, commodities agrícolas, combustíveis e minerais respondiam por menos da metade das exportações brasileiras. Dez anos depois, esse valor subiu para 70% e o setor continua aumentando suas exportações e sua relevância no comércio internacional. Os principais produtos que o Brasil exporta são grãos como a soja, milho e algodão, metais como o minério de ferro e riquezas como o petróleo. Nos últimos anos, o Brasil exporta matériaprima para países como a China, que vende ao Brasil produtos industrializados. O aumento da população mundial e o crescimento de outros países geram uma maior demanda por recursos naturais e alimentos. Isso faz com que a comercialização de commodities continue a ganhar escala no Brasil. No entanto, a forte dependência das commodities na balança comercial pode gerar um risco em caso de queda nos preços desses produtos e por isso revitalizar a indústria nacional geraria um maior equilíbrio.