XXIV ENCONTRO da ANPOCS Título: A prestação de contas dos bancos centrais : O caso da CPI dos Bancos de 1999 no Brasil Autora: Inês Patrício FEA-UFF Introdução O conceito de confiança política é associado, nas democracias representativas, á prestação de contas democrática, horizontal e vertical. E as eleições, ou accountability vertical, não evitam problemas do tipo moral hazard ou adverse selection1, nem são boas garantias de punição e recompensa dos políticos por parte dos eleitores. Precauções auxiliares2, algum tipo de accountability horizontal, ou seja, o funcionamento dos freios e contrapesos clássicos das democracias representativas, constituem, em conseqüência, um suplemento de controle sobre os políticos. Entretanto, o tipo de prestação de contas que se advoga para os bancos centrais depende daquilo que se considera determinante da credibilidade, ou seja dos fundamentos econômicos da análise da credibilidade. A escola das expectativas racionais associa a credibilidade á independência do banco central e á escolha de um objetivo único a ser perseguido pelo banco, que é o da estabilidade de preços. Dentro dessa perspectiva, além dos bancos centrais não poderem de modo algum financiar os deficits do governo, um banco central só deve responder pela inflação, sendo ilógico que responda por variáveis reais, já que a moeda no longo prazo só pode afetar os preços. Os keynesianos não consideram a independência do Banco Central, nem eficiente nem democrática, e contrapõe-lhe a coordenação das políticas monetária e fiscal pelo executivo, sob controle do legislativo ou do judiciário.3 Segundo os keynesianos, a moeda não é neutra e a política 1 ver Stiglitz (1987) para uma explicação do que é o problema do moral hazard e adverse selection no contexto da literatura agente-principal. 2 Sobre o que significa o termo precauções auxiliares ver Pasquino em Constitutional Adjudication and Democracy (1997) e ainda Pasquino (1998). Este autor parte do ponto levantado por Sartori em The Theory of Democracy Revisited para mostrar a importância dos orgãos não-eleitos, ou da constitutional adjudication nos estados constitucionais, como parte das precauções auxiliares das democracias constituciomais: "a theory of democracy should also be nowadays a theory of constitutional democracy. (...) The starting point for such an inquiry would be in any event the classical doctrine of limited government from the 17th and 18th centuries." (Pasquino, 1997:5). Esta doutrina clássica da moderação considera que além das eleições, precauções adicionais se fazem necessárias para evitar o despotismo do rei ou das maiorias. Em Madison, FP n.51, Pasquino mostra que está resumida a tese das precauções auxiliares "A dependence on the people (repeated elections) is, no doubt, the primary control on the government; but experience has taught mankind the necessity of auxiliary precautions" A new doctrine of limited government - a post-democratic, not a pre-democratic one (Montesquieu)- seems to be a central question for contemporary political theory"(Pasquino, 1997:6). 3 Ver parte II da tese. Ver ainda Carvalho (1996); Blinder (1997); Rymes (1996), Levy (1996) e Shull (1996). monetária pode afetar o emprego e a renda4, não havendo razão para os bancos centrais serem isentos de responsabilidade sobre a variável emprego, ou outras variáveis como qualidade de vida ou estabilidade social. Diversos objetivos para um banco central e dependência em relação ao executivo (sem subordinação necessária da política monetária á fiscal), seriam nesse caso mais eficientes e mais democrático, que um só objetivo. Este trabalho discute o conceito de prestação de contas do banco central e mais especificamente o controle do banco central pelo legislativo. A seção 1 trata da prestação de contas dos bancos centrais, dos principais indicadores propostos para mensurá-la e do controle do legislativo sobre o banco. Nesta apresento ainda um jogo em que formalizo a interação entre o legislativo e o banco central, assumindo que estes têm interesses opostos em pontos relativos á definição de objetivos ou foco da prestação de contas, ao tipo de prestação de contas e ás consequências do controle legislativo. Concentro-me em três tópicos: 1) escolha de objetivos ou foco da política 2) transparência ou revelação de informações e 3) resultados finais do controle legislativo, ou seja a tomada ou não de uma atitude punitiva, jurídica, ou simples mudança do estatuto e da lei. O jogo valeria tanto para a hipótese de banco central independente quanto para a de banco central submetido ao Tesouro, variando apenas os pesos atribuídos pelo banco e pelos congressistas aos diversos itens. Da mesma maneira, seja a independência desejada ou não pelos congressistas, o que varia são os pesos em cada caso. Neste trabalho só trato dos controles do legislativo sobre o banco central, sem tocar no papel do judiciário. Controles, neste caso, são todos as formas de supervisão, restrição e inquérito que o poder legislativo detêm sobre as agências e que se exercem tanto sobre os procedimentos quanto sobre os resultados das ações da agência. Distingo o controle dos resultados da política monetária, do controle do tipo de procedimentos adotados pelo banco. A literatura sobre prestação de contas dos bancos centrais só tem dado importância ao primeiro tópico, responsabilidade quanto aos resultados, enquanto os procedimentos não são considerados. A responsabilidade pelos procedimentos interessa ao eleitor,5 enquanto a agência sempre prefere que se controlem os resultados. Não é a mesma coisa controlar a inflação via aumento das taxas de juros ou por meio de controles de preços e salários. Ainda, justificar empréstimos a 4 Rymes diz a este respeito: "central banks always have real effects, since the provision of liquidity service in Keynes'sense is there in the short and the long run. It is through such real effects... that they are able to move or prevent undesired movements of nominal magnitudes" (Rymes, 1996:183). 5 Ver a este respeito Ferejohn (1997): Ferejohn desenvolve um modelo em que prova que a agência sempre prefere a análise dos resultados, enquanto que o principal prefere que se analisem os procedimentos (isto em termos de ganhos). bancos falidos, por razões de estabilidade do sistema financeiro pode ser considerado tanto um favorecimento indevido a um banco específico quanto uma medida que a situação justifica. Dado que o princípio que fundamenta a accountability é o da necessidade de limitar a ambição política, ou seja o de que Ambition must counteract Ambition,6 a análise da prestação de contas do Banco Central terá por objetivo identificar o grau em que este princípio é observado nas democracias, relativamente á política monetária. A prestação de contas que me interessa analisar, com relação aos bancos centrais, está dentro do que se chama prestação de contas horizontal.7 E a teoria de que disponho é a dos constitucionalistas modernos, sobre os governos moderados, e sobre os mecanismos e engenharias que garantem a confiança nos governos moderados.8 Á partida deixo de lado a discussão sobre o problema de os dirigentes dos bancos centrais não serem eleitos. Porque as eleições não são bons instrumentos de accountability.9 O fato de os diretores dos Bancos Centrais não serem eleitos não é tão importante quanto a inexistência de freios e contrapesos á vontade dos dirigentes dos bancos centrais. Interessa, do meu ponto de vista, verificar se estes mecanismos funcionam e são eficazes, ou seja, dão conta dos objetivos para que foram criados, ou se pelo contrário apresentam deficiências comparáveis a outras formas de accountability10. 6 Ver o que diz Madison a este respeito no Federalist 51. Na parte I da tese defini accountability democrática a partir de Fearon (1996). Ver ainda Laver e Shepsele (1997) sobre accountability nas democracias parlamentares. Para uma análise detalhada das relações entre confiança, liberdade e freios e contrapesos ou do que significa horizontal accountability ver a Parte I desta tese. Ver ainda Finley (1983), Nippel (1994); Manin (1994, 1996) ; Pasquino (1994;1997; 1999); North e Weingast (1996) ; Hardin (1997); Brown (1998); O'Donnell (1998); Pizzorno (1996); Fontana (1994; 1996); Dunn (1969; 1990; 1997) 8 A ideia de associar moderação a equilíbrio e a necessidade de construir este equilíbrio á existência de um poder mais forte é de Madison. Ver Pasquino (998: 247): " l'existence d'un pouvoir plus fort que les autres justifie la necessite d'etablir une balance, car si les pouvoirs etaient egaux par nature, ils seraient spontanement dans une position d'equilibre. Cette thése enoncée par Madison est diferente de celle que l'on trouve chez Locke et Montesquieu". Ver tambem Pasquino (1998:151): "...,Le modéle americain represente la forme la plus claire et la mieux etablie du gouvernement moderé et anti-absolutiste Qui est á l'origine de la tradition du constitutionalisme libéral. La formulation du principe des "checks and balances" par Madison represente la meilleure réponse au probléme Qui consiste á trouver un mecanisme endogéne ("self-enforcing equilibrium") qui empêche les pouvoirs de l 'Ëtat (ou du gouvernement, comme on disait á l'epoque) de devenir des pouvoirs exorbitants." 9 ver Parte I da tese e trabalhos citados abaixo, principalmente Manin, Przeworski, e Stokes (1999) 10 Ver (Ferejohn (1986;1995); Przeworski e Stokes (1996), Manin, Przeworski e Stokes (1997) Maravall, (1997), Cheibub e Przeworski (1997); Zielinski (1997) . Ferejohn resume assim o problema da prestação de contas vertical ou eleições: "There are at least three impediments to accountability within democratic institutions. First, and most obvious is the structure of the voting rule itself. Officials in majoritarian institutions might not be accountable to minorities - at least not to insulated and underprivileged ones but more consensual voting rules are not accountable to majorities. Secondly, the electorate is a relatively heterogeneous entity which may not have well defined interests or preferences to which officials could, even in principle, be held accountable. Thirdly (...), elected officials enjoy an immense informational advantage over the voters which limits how accountable such principals can be to the voters'interests. 7 Uma outra questão diz respeito a serem os bancos centrais um quarto poder constitucional. Argumento no sentido no sentido de não se considerar o Banco Central um poder constitucional porque a liberdade não depende da sua existência. Definida liberdade negativamente, esta depende da Constituição e a Constituição exige a separação de poderes e a especialização de funções (como garantias da liberdade). A relação entre moeda e liberdade não foi levantada na teoria clássica da separação de poderes, nem encontramos nenhuma possibilidade de ser a autoridade monetária um quarto poder no modelo MadisonMontesquieu ou em qualquer das interpretações relevantes acerca desta doutrina. Mostro ainda que a teoria da escolha racional pode dar origem a duas versões distintas acerca do comportamento dos congressistas, segundo se considera que os representantes estão ou não convencidos da importância da independência do banco central. Numa das hipóteses (Lohman (1998), Maxfield (1997 )), o legislativo decide "manietar-se", no caso da política monetária, dando independência ao banco central, por conta do reconhecimento do problema da inconsistência no tempo da política monetária. Seria o caso do Bundesbank, por exemplo. Na segunda hipótese, o banco central seria apenas mais um caso clássico da delegação de poder a uma agência, pelo legislativo. Neste caso o legislativo delegaria poder á agência, sem todavia manietar-se, para evitar os custos eleitorais de decisões impopulares, ou de informação sobre matérias complicadas como as de política monetária, mas manteria o controle sobre as decisões. A análise do caso brasileiro nos anos 90 aponta para esta tese e não para a versão Lohman-Maxfield. Trato da teoria da escolha racional aqui, por ser esta a que norteia a maior parte dos modelos de credibilidade econômica do mainstream e por ser esta, simultaneamente, que estuda com maior atenção o comportamento do legislativo, dentro das premissas de maximização de utilidade individual. Se esta teoria pode originar duas hipóteses divergentes sobre comportamento legislativo quanto aos bancos centrais, é preciso testar qual delas se aplica aos diversos casos e porquê. Na seção 2 trato do caso brasileiro. Discuto o controle do Banco Central do Brasil (Bacen) pelo Legislativo Brasileiro detendo-me na análise da CPI dos bancos de 1999. Em 2.1 mostro de que maneira se tratou da prestação de contas do Banco Central do Brasil, desde a sua criação pela Lei 4595/64. Com base em entrevistas realizadas com deputados e especialistas em política monetária, a maioria destes ex-presidentes do BACEN, dou conta das These three impediments - each quite imposing - operate together to undermine optimism as to the possibilities of genuinely accountable democratic rule" (Ferejohn, 1997:2). principais ideias e teses acerca da prestação de contas do banco e do relacionamento deste com o congresso brasileiro. Na segunda seção trato do comportamento legislativo na CPI dos bancos de 1999. Procuro verificar em primeiro lugar, a hipótese de ser a interação Legislativo - Banco Central determinada pela compreensão dos políticos brasileiros das limitações impostas pela necessidade de credibilidade internacional (hipótese de Maxfield (1997). Em segundo lugar, quais as variáveis fundamentais para entender o tipo de controle exercido pelo Legislativo sobre o Banco Central do Brasil, nos anos 90. O pano de fundo do capítulo é a discussão em torno da independência do BACEN - Banco Central do Brasil, e da regulamentação do artigo 192 da Constituição Federal ( Projeto de Lei Complementar 47/91) que trata da organização do sistema financeiro. A Constituição de 1988, determinou no seu artigo 1992, que se regulamentasse um novo desenho para o sistema financeiro nacional. A regulamentação do artigo 192 deu origem a dois projetos, um da autoria do deputado José Serra, outro da autoria do deputado César Maia. Outros projetos foram apresentados e discutidos na Comissão Mista do Sistema Financeiro. Os documentos, atas e publicações relativas á discussão em torno destes projetos, de 1991 em diante, se tornaram um ponto de apoio importante da investigação. A promulgação da Lei 9.069 de 29 de Junho de 1998, a qual dispôe sobre o Plano Real, o Sistema Monetário Nacional, estabelecendo regras e condições de emissão do Real, representa um marco neste processo de reformulação institucional do Banco Central do Brasil e nas suas relações com o Congresso. No artigo 6 do Capítulo II, que trata da Autoridade Monetária, fica estabelecido que o presidente do Banco Central do Brasil irá submeter ao Conselho Monetário Nacional (CMN), trimestralmente, a programação monetária, que deverá ser aprovada pelo Senado Federal. Além disso, o presidente do Banco Central do Brasil deverá enviar, com a mesma periodicidade, relatório sobre a execução da programação monetária e o demonstrativo mensal das emissões de Real e das reservas internacionais. O mesmo tipo de disposição se encontra na Lei de Responsabilidade Fiscal, onde a prestação de contas do Banco Central é estabelecida de modo rígido, e que se encontra em processo de votação. É então o período que medeia entre a promulgação da Lei 9.069 e a aprovação da Lei de Responsabilidade Fiscal que serve de moldura para este estudo de comportamento legislativo. A independência do BACEN neste período, embora não formalmente definida, existiu na prática, já que o Presidente da República e o ministro da fazenda agiram no sentido de dar toda a liberdade ao banco na execução da política monetária.11 Esta independência não teve expressiva oposição dos deputados, os quais continuaram todavia a exercer um tipo de controle que se aproxima do "fire-alarm" descrito por McCubbins (1987). As razões para a referida independência do BACEN, segundo se conclui do estudo de caso, apesar da anuência do congresso, não se devem ao fato de que todos os congressistas, ou a maioria, aderiram ás teses de Cukierman (92), abdicando de interferir na política monetária. Como ponto de partida para a análise do comportamento legislativo e do ambiente institucional do período, tomo os estudos sobre as relações Executivo-Legislativo no Brasil, sobretudo aqueles que tornaram mais clara a importância do processo decisório no comportamento parlamentar e as características especiais do presidencialismo no Brasil. O caso da CPI dos bancos, embora não possa ser usado para generalizar nenhuma conclusão ou provar qualquer tese sobre o controle do banco central pelo legislativo, em diferentes tipos de presidencialismo, pode entretanto contribuir para a verificação de alguns das hipóteses levantadas anteriormente: 1) a hipótese de que o controle do banco central pelo legislativo aumenta a transparência da política monetária e induz os "policy-makers" a não violarem os objetivos da delegação; 2) A hipótese de ser a prestação de contas ao congresso a mais efetiva das modalidades de prestação de contas das atividades do banco, principalmente se confrontada com outras formas típicas, tal como relatórios anuais ou divulgação de resultados intermediários. A efetividade deste controle depende, por sua vez, de um conjunto de variáveis que afetam o comportamento dos congressistas e dos diferentes jogos possíveis entre os poderes; 3) A hipótese de que a credibilidade da política monetária não é afetada, e a confiança política aumenta, se o presidente e os diretores da política monetária se submeterem regularmente e não apenas de forma extraordinária a este controle.12 Inversamente, uma CPI pode diminuir 11 Rigolon (1993) estudou a independência do BACEN. Segundo ele, a independência legal do BACEN era, em 1993, significativamente inferior á da maioria dos países desenvolvidos e só maior que a de 13 países em desenvolvimento. Mas a partir de 1988 houve avanços consideráveis, como por exemplo a aprovação prévia pelo Senado do presidente e diretores do BACEN, os quais são como sempre foram indicados pelo presidente da República. A proibição de que o BACEN financie direta ou indiretamente o Tesouro Nacional e qualquer orgão ou entidade que não seja instituição financeira. 12 O conceito de credibilidade que aqui se utiliza pode ser tanto o dos modelos de expectativas racionais quanto qualquer outro, pois a prestação de contas ao congresso se aplica a todos os casos, mesmo aqueles em que o banco possui mais de um objetivo. Isto é, caso o banco seja independente e só tenha um objetivo, nenhum dos defensores deste modelo se oporia a controle do congresso como desestabilizador da credibilidade. Apenas, este controle teria de ser feito com relação a um único objetivo. Caso haja mais de um objetivo, não é a prestação de contas que desestabiliza, segundo o modelo, esta confiança e ter algum impacto sobre a credibilidade da instituição, caso não haja cooperação do banco e se não houver uma regularidade na prestação de contas efetiva; 4) A hipótese de que a prestação de contas é mais efetiva que a independência do banco central em tornar este responsável aos eleitores. A incapacidade de maior controle do Congresso sobre o Banco Central é explicada 1) pela dificuldade de obter informação e pela deficiência técnica dos congressistas 2) pela especificidade do período estudado, em que a presidência usou recursos para obter dos deputados tolerância para aprovação de medidas de política monetária em caráter de urgência, e 3) pela organização interna do Congresso. Por essa razão, a eliminação do déficit de democracia depende mais do controle efetivo do legislativo e do judiciário sobre o banco do que da legislação e dos estatutos dos bancos centrais. 1.1 Esta seção tem dois objetivos. O primeiro deles é examinar a literatura existente sobre prestação de contas dos bancos centrais e fazer alguns comentários sobre os conceitos de accountability propostos. O segundo objetivo é mostrar que os indicadores que se baseiam nos estatutos legais existentes, podem dar conta de alguns aspectos da prestação de contas dos bancos centrais mas não conseguem explicar as diferenças de accountability entre países com legislação e objetivos de política monetária semelhantes. Por essa razão, mais do que quantificar o grau de accountability de um banco central com base em estatutos e formalidades é necessário verificar de que maneira se exercem os controles sobre as atividades dos dirigentes dos bancos centrais. A minha proposta é que se analise o Banco Central como uma agência da esfera do executivo, a quem se delegou a política monetária, com um ou vários objetivos predeterminados e que pode ter maior ou menor autonomia estatutária em relação ao governo. Esta agência presta contas (direta ou indiretamente) ao legislativo e está submetida, conforme o sistema jurídico em que se insira, ás demais instâncias constitucionais. mas a própria existência desse novo objetivo, pois este implica num trade-off, trade-off implica em escolha, e escolha implica em política. Política implica em inflação. Uma vez que a forma e os instrumentos de prestação de contas se alteram conforme o tipo de concepção de política monetária e de acordo com as atividades exercidas pelo banco será necessário tratar de cada modo de prestação de contas em relação aos objetivos e políticas escolhidos. Em 1.2 discuto o conceito de prestação de contas a partir das versões de diferentes autores e mostro como esta prestação de contas é praticada em diferentes países. Na seção 1.3 trato da questão de ser o Banco Central um quarto poder constitucional. Na seção 1.4 mostro alguns dos indicadores propostos de accountability e a classificação atribuída por meio destes indicadores a diversos países. I.2 O conceito de prestação de contas de um banco central Não existe uma definição precisa do que seja prestação de contas de um banco central. A literatura existente ainda é escassa, mas tem aumentado exponencialmente, sem que haja um acordo quanto ao conceito. Tratarei desta literatura com detalhe, por ser especialmente importante neste momento de definição de um campo teórico prestar atenção aos conceitos e seu uso. Alguns pontos podem ser aclarados desde já. Primeiro, o sentido em que é usado o termo accountability quando nos referimos a bancos centrais. Há dois pontos de vista principais sobre política monetária e credibilidade e, em consequência, dois pontos de vista sobre independência e prestação de contas dos bancos centrais. Por essa razão, para facilitar a compreensão da literatura sobre prestação de contas dos bancos centrais, divido os autores em dois grupos. Os que são a favor e os que são contra a independência destes. No primeiro grupo há autores que endossam completamente a ideia de independência e vêm a prestação de contas, como complemento da independência ou como corolário desta.13 Neste grupo estão Haan, Amtenbrink e Eijffinger (1999), Bini Smaghi (1998), Eijffinger e de Haan (1996) ou Blinder (1998) e Mischkin (1999). Entre os autores deste grupo, alguns como Verdun, (1999), embora adiram á tese da necessidade da independência do banco central, põe a hipótese de ocorrerem conflitos distributivos, ou de um trade-off entre crescimento e inflação, o que é particularmente grave no caso do Banco Central Europeu, por neste caso os conflitos serem entre países. 13 Um dos ex-presidentes do Banco Central Brasileiro entrevistado para esta tese, concorda com a necessidade da independência para o Banco Central , mas acha impossível adotá-la se a sociedade não estiver unanimamente de acordo com ela, como no caso da Alemanha. (ver entrevista com Francisco Gros feita em Agosto de 1999). No segundo grupo, alguns autores consideram anti-democrática ou desnecessária, a independência ((Schull (1996) Levy (1996)), Carvalho (1996); Rymes (1996)), sugerindo que se aumentem os controles sobre os bancos centrais, ao invés de se lhes aumentar a autonomia. A maioria dos autores, sejam a favor ou contra a independência dos bancos centrais tratam de legitimá-la, ou criticá-la, com base em argumentos "majoritários".14 Se a democracia se define pela existência de eleições, é óbvio que qualquer orgão não-eleito padece de deficit democrático. O sentido que mais frequentemente se dá á prestação de contas, na literatura política sobre independência dos Bancos Centrais é considerá-la um pré-requisito da independência. Neste caso, a prestação de contas constitui-se num conjunto de práticas, em que diretores de bancos centrais independentes seriam avaliados em relação ao seu desempenho no que respeita ao único objetivo da estabilidade de preços. Bini Smaghi (1988) define prestação de contas dos bancos centrais da seguinte maneira: "accountability can be seen as part of a commitment technology by which the central bank provides economic agents with symmetric information, and thus deprives itself the possibility of following a policy different from the one it has announced, thus enhancing the credibility of its action" (Bini Smaghi, 1998: ). Repare-se que esta definição de prestação de contas como uma tecnologia de compromisso, é típica, como se viu, de uma determinada concepção de credibilidade monetária: a de que esta última depende do grau em que os agentes econômicos acreditam na exequibilidade de uma política anunciada ser implementada e cumprida até ao fim. Demertzis, Hallet e Vigi (1998) mostram bem esta relação entre prestação de contas de um banco central e desempenho econômico. Eles centram-se no desempenho e definem prestação de contas como a responsabilidade dos policy makers em relação ás metas que lhe são atribuídas. Isto é, os policy-makers são julgados em relação á proximidade das metas estabelecidas que o desempenho real atinge.15 O que fundamenta a maioria destes autores, teóricamente, é a tese de que a moeda é neutra e que os agentes agem seguindo expectativas 14 Ver por exemplo Haan, Amtenbrink e Eijffinger (1999:170) : " Parliament represents the views of the electorate. Therefore it is crucial that either the central bank is directly accountable to Parliament, or that the central bank is accountable to Government who in turns is, of course, accountable vis-á-vis Parliament. In the latter case, government should have instruments to influence the central bank as it otherwise cannot be held responsible for monetary policy (e.g. the possibility to override policy decisions of the central bank." 15 Nisto reside em parte a diferença entre accountability e transparência. Esta última diz respeito á visibilidade que o principal dá ao agente quanto ás suas ações. racionais, considerando que os Bancos Centrais, além de estabilizarem os preços, não afetam variáveis reais. Adiciona-se a esta a tese da escola da "escolha pública" de que governos discricionários, a quem se permita que controlem os bancos centrais, deixarão sempre os seus cidadãos em situação pior do que aquela em que se encontravam, porque obedecem a preferências de curto prazo com objetivos eleitorais. O resultado destas teses poderia ser, lógicamente, a eliminação dos bancos centrais, e sua substituição pelo free banking ou laissez-faire, mas a maior parte dos autores de que falo a seguir acreditam que os bancos centrais devam continuar existindo, impedidos, de alguma maneira, de provocarem equilíbrios inflacionários inconsistentes no tempo. O impedimento está no estatuto de independência do Banco Central. De acordo com estes autores, "o produto" do Banco Central independente é a estabilidade de preços e o Banco deve ser julgado pela capacidade demonstrada de produzir este produto. O Banco Central não é responsável pela definição da estabilidade de preços em si, enquanto objetivo de política, (este último sendo responsabilidade do governo), mas sim pela produção desta estabilidade. O governo determina o que significa estabilidade de preços e o banco deve ser capaz de alcançar esta meta. Dado que se assume que os bancos centrais agem apenas sobre a oferta de moeda, "fiat" e sem custos, e as variáveis reais no longo prazo não são afetadas, não faz sentido responsabilizar os Bancos Centrais por eventos reais.16 O conceito de deficit democrático Bini Smaghi (1998)17, Amtenbrink (1998) e Haan, Amtenbrink e Eijffinger (1999), Blinder (1988) e Cotarelli (1993) e de alguma maneira Mishkin (1999) não consideram a independência dos bancos centrais geradora de deficits democráticos, se houver mecanismos previstos de accountability. 16 Ver Levy, 1996:179: "To charge, therefore, central banks with governance over real events is inconsistent with the underlying quantity theory of money, when the money is costless fiat money (grifo do autor). Charging them with responsibility for real events is therefore perverse, is logically going to lead them to engage in policy error, and will cause them defensively to mask the fact that they cannot deliver by allowing how complex and difficult the conduct of monetary policy is. This will lead to economic inefficiencies in na economy whose monetary affairs are incorrectly governed, and will leave one of the principal ministries of a modern polity unaccountable for its conduct. Thus independent and accountable central banks are the ultimate institutions stemming from the proper application of modern economic and political theory. All this rests on the ultimate argument that central banks do nothing "real"." 17 Á frente, quandos e tratar de indicadores de prestação de contas ver-se-á que Bini Smaghi propõe como critério ex-ante de accountability, que o banco central mostre de que maneira a política monetária afeta outros objetivos que não meramente os inflacionários. Incorências á parte, o argumento próindependência mantém-se. Estes autores partem de um conceito de déficit democrático dos bancos centrais independentes, que a prestação de contas, em tese, tenderia a evitar.18 O déficit poderia ser reduzido com relatórios e audiências regulares ao congresso ( a representantes eleitos) por parte dos dirigentes dos bancos centrais e outros tipos de controles que variariam de país para país.19 Ignoram desse modo os aspectos contra-majoritários da democracia que a meu ver são tão importantes quanto os majoritários no que respeita a alguns aspectos da política monetária20. Numa concepção majoritária de democracia, qualquer maioria pode, com maior ou menor facilidade, mudar a lei. Nas democracias constitucionais não só isto é verdade como também se supõe que os juízes, em qualquer situação, podem declarar que a lei não se aplica.21 Por exemplo, um Banco Central cujo corpo diretor fosse eleito pelo povo e prestasse contas ao Legislativo, mas contra cujas determinações não possa haver apelo ao judiciário, seria menos democrático que um corpo não eleito que respeitasse a constituição e se submetesse ao exame da constuticionalidade dos seus atos. Ainda um país, uma união de países, em que um banco central independente se submetesse a formas regulares de prestação de contas a um Parlamento eleito, não padeceria, segundo estes autores, de nenhum deficit democrático, mesmo que por exemplo, não existisse um tribunal ou corte constitucional com poder de julgar as decisões do banco. O fato de que o parlamento é eleito e a prestação se faça regularmente na base de relatórios e audiências a representantes eleitos, é que conta aqui. Há uma unanimidade nestes autores em considerar que a independência é legítima por ser resultado de um ato do congresso, mas que esta não substitui mecanismos de accountability22. “Still, delegation of power to an unelected authority might be interpreted as a dilution of democracy: an empowered, but unaccountable central bank gives rise to a democratic deficit” (Briault, Haldane and King 1996). 19 Ver Haan, Amtenbrink e Eijffinger (1999) 20 O confisco da poupança durante o plano Collor é paradigmático. 21 Veja-se o que diz Brown (1998) a este respeito: "An accountable government with no independent judiciary is perfectly imaginable. It would lead to a majoritarian system in which individuals and political minorities would shoulder whatever burdens the political majority chose to impose upon them, with nothing but political remedies. An independent judiciary with no accountable government, however, is unimaginable. (...). But as long as the Constitution persists in holding on to the loyalty of most Americans, we would be well advised to think about the principles that it purports to carry forward for this polity. It places a high premium on liberty, defined to mean the protection of citizens from government, which is promoted by both majoritarian and nonmajoritarian means. It places a high premium on judgement that of representatives and that of judges, both of whom are entrusted with the duty to protect liberty (Brown, 1998:578). 22 "Indeed, the basic argument for the democratic accountability of central banks is that delegation of powers to unelected officials can only be acceptable in a democratic society if central banks are in one way or another accountable to democratically elected institutions. In a democratic society, Parliament represents the view of the electorate. Therefore it is crucial that either the central bank is directly 18 O argumento é que um banco central independente que conduza uma política monetária que não tenha apoio político, perderá mais tarde ou mais cedo a independência. Esta é a razão do êxito da independência do Bundesbank, o qual entretanto está inserido num ambiente institucional em que os freios e contrapesos funcionam efetivamente. Blinder (1998) considera que a independência e a prestação de contas não estão em conflito, antes são simbióticas: “To me, public accountability is a moral corollary of central bank independence. In a democratic society, the central bank’s freedom to act implies a obligation to explain itself to the public. Thus independence and accountability are symbiotic, not in conflict. The latter legitimizes the former within a democracy (Blinder, 1998:69). O que importa, para Blinder, é que representantes eleitos delegam a política monetária e nomeiam os presidentes do Banco Central. Para Cotarelli (1993), a independência só é viável se houver prestação de contas: "...é necessário lembrar que uma independência completa não seria um instrumento adequado contra a inflação. Para ser efetiva, esta independência deve ser pelo menos complementada por um mandato claro para alcançar a estabilidade de preços e pela prestação de contas dos diretores do Banco Central, das suas ações. Este mandato e esta prestação de contas tornam a independência do Banco Central consistente com as regras de uma sociedade democrática." (Cotarelli, 1993: ).23 Note-se que Cotarelli considera a democracia funcional á estabilidade de preços (não se pronuncia sobre a hipótese oposta). Mischkin (1999) supõe que a transparência e a accountability são fundamentais para constranger a política monetária discricionária de forma a que ela produza os efeitos desejados. O autor examina experiências internacionais com quatro tipos de regimes monetários básicos, todos utilizando algum tipo de âncora nominal24: 1) âncora cambial 2) meta accountable to Parliament, or that the central bank is accountable to government who in turn is, of course, accountable vis-a-vis Parliament.” (Haan, Amtembrink and Eijffinger, 1999: 170). 23 A respeito da democracia ser funcional á estabilidade de preços, Cotarelli afirma que alguns autores não estão convencidos de que uma definição estatutária de um mandato e regras de prestação de contas sejam suficientes para garantir políticas anti-inflacionárias, propondo soluções institucionais alternativas. Entre estas ele cita o "free-banking", ou seja a disciplina de mercado com muitos bancos competitivos em vez de um banco central, ou então o "currency-board", ou seja uma instituição que apenas trata da "currency" doméstica em troca da "currency"estrangeira, a uma taxa fixa e de acordo com a demanda. Ver também Goodhart, Cukierman e Selgin (1994). 24 Uma âncora nominal é qualquer restrição imposta sobre a moeda doméstica que ajuda a estabilizar preços, via expectativas. Como afirma Mischkin : " McCallum (1995) points out that the timeinconsistency problem by itself does not imply that a central bank will pursue expansionary monetary policy which leads to inflation. (...) However, even if the central bank recognizes the problem, there still will be pressures on the central bank to pursue overly expansionary monetary policy by the politicians. Thus, ovely expansionary monetary policy and inflation may result, so that the time-inconsistency problem remains: the time-inconsistency-problem is just shifted back one step. Thus even if the source of monetária 3) meta inflacionária e 4) política monetária e chega á conclusão que o grau de transparência e accountability alcançados em cada uma destas estratégias depende das instituições políticas, culturais e econômicas de cada país e de seu passado histórico. Trata-se mais de uma legitimização política da independência do que de necessidade técnica. Formalmente, como se viu na parte II da tese, os modelos econômicos de credibilidade dispensam este requisito, bastando a independência formal para que o perigo da inconsistência temporal na execução da política monetária seja evitado. Na verdade a teoria da escolha pública admite que as preferências de curto prazo de qualquer político determinam as suas ações, não havendo possibilidade de o política escapar á ditadura das preferências de curto prazo, ou seja, o desejo de reeleição. O único remédio é eliminar a política, independentemente de mecanismos de prestação de contas. Bini Smaghi tenta mostrar que não existe trade-off entre independência e accountability dos bancos centrais, se os dois conceitos forem definidos de forma apropriada. Neste caso, a prestação de contas seria vista como um complemento, ou até como um requisito necessário da independência. O autor afirma que a independência deve vir sempre acompanhada de um alto grau de prestação de contas, a qual deve ser tanto maior quanto maior for a independência do banco central. Há entre este autor e Cukierman, por exemplo, uma diferença crucial. Cukierman, ao tratar da credibilidade jamais se refere á prestação de contas como requisito para a sua obtenção. Não há entretanto consenso, entre os autores, sobre as relações entre accountability e independência, as quais mudam conforme o indicador de independência utilizado: Nolan e Schaling (1998), por exemplo, utilizando um indicador de prestação de contas desenvolvido em Haldane e King (1996) e o indice de independência de Eijffinger-Schaling chegaram á conclusão de que existe uma correlação negativa significativa entre independência dos bancos centrais e accountability. Já De Haan (1997) mostra que se se utilizam os indicadores de Grilli-Tabellini-Masciandaro e de Cukierman para a independência dos bancos centrais, esta relação desaparece. Não me parece pois muito produtivo, depois de examinar as conclusões destes estudos, insistir em testes econométricos das relações entre accountability e independência. Parece-me útil, entretanto, que se assuma que a democracia representativa se fundamenta em mecanismos de prestação de contas e nos incentivos legais ao exercício democrático da política monetária. E que uma das dificuldades práticas de quem quer quantificar a accountability dos bancos centrais é construir indicadores que time inconsistency is not within central banks, a nominal anchor may be needed to limit political pressures to pursue overly expansionary, time-inconsistent, monetary policies." (Mischkin, 1999:2). representem de forma realista esses incentivos, dado que os estatutos legais não são garantias efetivas de uma prática democrática. Quanto á transparência, é um requisito crucial da accountability embora não haja muita precisão no que se considera que seja um banco central transparente. A preocupação da literatura econômica com a transparência da política monetária, muitas vezes, é mais operacional que democrática. O consenso se dá em torno de que o público deve ser informado por minutas e relatórios das principais decisões quanto á política monetária e que a transparência aumenta a credibilidade do Banco Central, especialmente quando este não tem histórico de reputação capaz de induzila por si só. Embora se possa abdicar da prestação de contas na maioria dos modelos de credibilidade estudados, os aspectos relativos á transparência na exibição de indicadores intermediários e na disponibilização de informações relativas á política monetária vêm assumindo um papel muito importante nestes modelos. A prestação de contas passa a ter um duplo papel para os autores que absorvem estes modelos: de um lado é fundamental á credibilidade monetária, de outro diminui o deficit democrático. Seja por necessidade de legitimar a independência, seja porque a transparência se associa cientificamente á credibilidade, há uma tendência dos autores que tratam da prestação de contas a incorporarem esta última á independência, como corolário. Assim, como mostrarei á frente, o universo dos eleitores passa a adicionar-se ao universo do mercado, e aquilo que se considera relevante como informação para o mercado é também relevante para o eleitor. Características da Accountability Bini Smaghi vai tratar do tema da prestação de contas a partir de três elementos. O primeiro, é a distinção entre controle democrático e prestação de contas democrática. O controle democrático referir-se-ia, segundo ele, á capacidade de se exercerem pelo menos três restrições ao exercício do governo: 1) a existência de controles ex-ante ( a definição de regras e princípios por agentes eleitos democraticamente); 2) a capacidade de ouvir críticas e responder sobre o passado e o futuro do comportamento que pode ser posto em prática por uma agência eleita; e 3) mandato popular (a atribuição de poder através de procedimentos democráticos). O autor distingue controle democrático de prestação de contas democrática, para mostrar que os bancos centrais não possuem uma das características que ele considera fundamental para o controle democrático, e que é o mandato popular: “... as concerns the third one, it cannot be agreed that independent central banks receive a popular mandate to conduct policy and select policy objectives, since this would imply that they would become a complete separate branch of democratic power. The legitimation of central banks is instead obtained through the appointment, by the government, to perform specific objetives, in a independent manner. Independent central banks are nevertheless subject to ex ante control and answerability, since they must give account of their performance, within the limits of the delegation of power specified by the law” (Bini Smaghi, 1998:121). Esta distinção parece-me relevante na medida em que chama a atenção para o fato de que o banco central não pode ser um quarto poder, tese difundida na academia por alguns autores que defendem a associação estrita entre independência e estabilidade de preços. Vejam-se agora com mais detalhe os três pontos tratados por Bini Smaghi. O primeiro ponto diz respeito á forma como a prestação de contas é exercida. O segundo ponto diz respeito ao que Bini Smaghi chama resposta, (answerability) e o terceiro á transparência. A forma como a prestação de contas é exercida, depende de ser o banco central independente ou não. Se um banco central não é independente, este submete-se ao controle ex ante assim como toda a política do governo, de um modo geral. As regras e princípios que fundamentam este tipo de controle podem ser periódicamente revistas, dependendo dos objetivos do governo, sem necessidade de precisar antecipadamente quais os objetivos do governo para a política monetária. O mesmo não acontece quando o banco é independente. A independência, exige regras claras e princípios estabelecidos com antecipação que definam os limites de atuação do banco. Smaghi afirma que se as regras e princípios são deixadas a critério do Banco Central, este seria um corpo político com a possibilidade de escolher objetivos e políticas, e portanto teria dificuldades de manter a credibilidade. A este respeito pode ser feita a seguinte crítica a Bini Smaghi: mesmo um Banco Central independente, amarrado a objetivos, metas e instrumentos específicos, terá sempre de fazer escolhas que afetam grupos e indivíduos, o que portanto não inviabiliza a característica política da instituição. É impossível imaginar que os dirigentes dos Bancos Centrais sejam autômatos, obedecendo a regras estipuladas anteriormente pelo legislativo, sem nenhuma capacidade nem possibilidade de escolha. Nesse caso, a teoria supõe que o público ignora que o banco escolhe o tempo todo, entre diferentes instrumentos e políticas e que o poder dos bancos centrais é muito maior do que o simples executar de uma meta.25 Com respeito á "resposta", ou "answerability", esta tem como objetivo verificar se houve respeito aos princípios e regras estabelecidos para o Banco Central e, segundo Bini Smaghi, depende da forma como o controle ex-ante foi exercido: se não se especificou claramente que o objetivo do banco é o controle de preços, a prestação de contas será vaga e não permitirá que se associem decisões específicas de política monetária ao efetivo desempenho da inflação. Se o mandato do Banco for, ao contrário, precisamente definido, o público pode concentrara a atenção na performance da política monetária em relação aos objetivos primários. Por outro lado, se se admitem clausulas de escape que permitem aos bancos centrais em algumas ocasiões, desviarem-se das metas, como estas circunstâncias não podem ser precisadas ex ante, estas cláusulas podem representar uma desculpa para justificar desvios ex post das metas.26 O público não conseguirá julgar a contribuição efetiva do banco central á consecução daquele objetivo. Há três problemas principais de transparência, que estão associados, segundo Bini Smaghi, ao exercício da accountability: 1) O problema de choques temporários inesperados pelos quais o banco não pode ser responsabilizado e que resultam no não cumprimento das metas, ou a ocorrência de quaisquer fatores não monetários que afetem os preços. Com relação a este ponto, não há forma de os participantes do mercado saberem se estes desvios são temporários ou se são ou não causados por fenômenos monetários, sob a alçada do banco central. Quanto maior a reputação de um banco central maiores podem ser os ganhos deste se desviar temporariamente dos objetivos de longo prazo. É nesta situação que o segredo ou a ambiguidade do banco central se faz sentir com mais intensidade. Aqueles bancos centrais que aderem a um único objetivo, tendem a ter vantagens em abrir informações aos participantes do mercado. Já os bancos centrais que não aderem a um único objetivo, como por exemplo o FED, podem preferir que a informação sobre alguns temas ou decisões não seja tornada pública.27 Bancos sem histórico de reputação, 25 Levy (1996) diz, a esse respeito : On the other hand, any central bank has at least some discretion in monetary policy, unless it is either in the pocket of a dictator, or required by mandate to follow a mechanical rule, such as the central bank in Argentina where monetary policy is effectively determined by the currency board." (Levy, 1996:189). 26 "There is thus the risk when the target is not precisely defined, that the public is presented with a broad picture of the economic situation but is not in a position to assess the effective contribution of the action conducted by the central bank to the achievement of the specific objective. 27 Segundo Bini Smaghi "this line of reasoning has been used, in particular, by the FED, to justify the fact that information about the FOMC (Federal Open Market Commitee) meetings should not be disclosed, as requested by some market participants." (Bini Smaghi, 1998:125). como os que mudaram os estatutos há pouco tempo tendem a ser mais transparentes, evitando dessa maneira terem de ser mais ortodoxos do que o necessário. 2) o problema dos efeitos distributivos produzidos pela política monetária. Bini Smaghi afirma que estes efeitos podem ser exacerbados, se diferentes grupos da sociedade tiverem informação diferente sobre as intenções ou comportamento dos Bancos Centrais. Dado que os Bancos Centrais Independentes não têm efeitos distributivos, deve evitar-se, segundo o autor, que alguns grupos tenham informação privada e outros não, para evitar perda de credibilidade. 3) o problema da cooperação entre agentes econômicos: esta cooperação é mais fácil de se conseguir em presença de incerteza, quando há mais informação acerca do comportamento do banco central.28 Este critério de transparência de Bini Smaghi do meu ponto de vista é mais técnico que político, no sentido que a transparência se relaciona a metas de política monetária adstritas ao objetivo da estabilidade de preços, sem se referir á necessidade de especificar de que maneira tais metas e as tarefas a elas relacionadas afetam a economia e os não-participantes do mercado, que são a maioria da população. Também não se pensa em procedimentos que vão além do simples combate á inflação, como as tarefas de supervisão do sistema financeiro. Blinder trata da "transparência" como um direito dos eleitores (certamente Bini Smaghi não se oporia a esse direito, embora esteja mais concentrado nos efeitos de mercado da transparência): a política monetária, segundo Blinder, tem efeitos profundos na vida das pessoas, o que sugere que o banco deva explicar ás pessoas o que está fazendo, porque está fazendo as coisas dessa maneira e o que espera em consequência. Esta abertura permitiria ao público julgar as políticas adotadas tanto os que fossem afetados por elas imediatamente quanto os que fossem afetados por seus resultados.29 28 Bini Smaghi diz: "In the presence of uncertainty, the availability of information from the central bank enables economic agents to extract information not only on aggregate developments but also on their own behaviour, relatively to the rest of society. Agents can thus modify their own behavior, in particular if they observe that is deviant from, and less profitable than, the others, or to influence that of the other component of society." (...) "In summary, central bank transparency favours the achievement of a co-operative equilibrium between economic agents, which is a Pareto improvement" (Bini Smaghi, 1998:127). “Because monetary policy actions have profound effects on the lives of ordinary people, a central bank in a democracy owes these folks an explanation of what it is doing, why and what it expects to accomplish. As I often said while I was on the Fed, it’s their economy not ours. By offering a reasonably full and coherent explanation of its actions, the bank can remove much of the mistery that surrounds monetary policy, enable interested parties to appraise its decisions contemporaneously, and then – importantly – allow outsiders to judge its sucess or failures after the fact” Blinder (1998: 68-6) 29 De Haan, Amtenbrink e Eijffinger (1999) associam o grau de transparência de um Banco Central á quantidade e ao período de tempo em que os corpos decisórios do Banco são obrigados a publicar minutas das reuniões e das decisões que tomaram.30 Os autores admitem que possa haver "sound policy reasons not to reveal everything", como por exemplo as intervenções no mercado de capitais. Quando isto ocorre, seria conveniente que regras explícitas constituissem uma base legal para que certas minutas e decisões pudessem ser mantidas secretas (como por exemplo no novo Ato do Banco de Inglaterra) No extremo oposto destes autores encontram-se autores como o keynesiano Levy (1996) para o qual a independência dos bancos centrais deve ser limitada para não se afastar da vontade da maioria. Levy aponta dois elementos nos bancos centrais independentes que tornam esta independência antidemocrática31: 1) permitir a um grupo de homens e mulheres que pese trade-offs e faça escolhas que afetam profundamente as vidas dos cidadãos é antidemocrático, na medida em que os presidentes do Fed que servem no Federal Open Market Commitee são nomeados por corpos diretivos em grande parte eleitos por banqueiros e não por cidadãos. 2) Os critérios que se aplicam ás nomeações feitas pelo Presidente e confirmadas pelo Congresso são muito menos amplos que o conjunto de temas que é afetado pela política monetária. O Presidente e o Congresso avaliam os governadores do Federal Reserve apenas como guardiães da estabilidade de preços, do crescimento econômico geral e do sistema financeiro. Na verdade, os governadores tomam decisões que direta ou indiretamente afetam um conjunto muito vasto de políticas públicas. E os questionamentos nas audiências de confirmação destes governadores não refletem esta amplitude de temas. Para Levy um banco central independente só é consistente com a democracia se dois requisitos forem cumpridos: 1) As ações de política monetária só afetam os preços, não envolvendo nenhum trade-off social. Ou seja um Banco Central Independente não afeta o emprego nem outros aspectos importantes da economia ou da sociedade. Em qualquer outra hipótese, se o FED, em lugar dos representantes eleitos, escolher entre várias combinações de desemprego, inflação e crescimento estará violando a democracia. 30 "Where the reasons for a certain monetary policy decision lay open, it is easier to make a judgement and to hold central bank officials and or/government officials accountable for their behavior." De Haan, Amtenbrink and Eijffinger (1999:174). 31 O autor refere-se ao FED. 2) O Banco Central possui um método sistemático e objetivo de selecionar a política correta para obter o objetivo de estabilidade da moeda e de um sistema financeiro saudável. Se, ao contrário, o Banco Central puder somente perseguir políticas subjetivas e arbitrárias, como poderá a remoção de influências políticas melhorar o seu desempenho? 32 A conclusão do autor é que nenhuma destas condições está presente. A política monetária tem efeitos profundos na economia e na sociedade e a formulação da política monetária está longe de ser científica e objetiva.33 Por essa razão, argumenta que o governo dos Estados Unidos não deveria conceder ao Fed, nem maior independência, nem objetivos mais estreitos, mas ao contrário aumentar os seus níveis de accountability e fazê-lo justificar as suas ações em termos de todas as implicações da política monetária. Quanto ao Congresso e á Presidência deveriam ter maior controle sobre as escolhas políticas e sociais implícitas na política monetária, de forma a que estas políticas reflitam o desejo do povo.34 O autor discute primeiro a influência da política monetária no emprego, no deficit público, no deficit em conta corrente, no nível de vida, e algumas outras consequências sociais da política monetária, mostrando que a política monetária tem influência profunda em muitos aspectos da vida social. Em seguida o autor discute a ausência de um método consistente no Fed, concluindo que não há razão para acreditar que o Fed pode administrar a inflação sem causar ou agravar inúmeros problemas.35 32 Levy discute esta arbitrariedade com exemplos: " For example, if the Fed is inclined to risk a deep recession in na effort to lower inflation from 2.5 percent to 0, our ellected officials may not feel that the United Chances should take that chance" (Levy, 1996:191). 33 Neste ponto, Levy e Blinder têm opiniões quase coincidentes. Blinder diz a este respeito: "some economists take this idea a little too far and write models in which central bankers can control, say, nominal GDP, the inflation rate, or the unemployment rate on a period by period basis. Believe me, they cannot. If they could, monetary policy would be a good deal simpler than it is" (Blinder, 1998:6). 34 "Inflation is not so great or obvious a danger that Americans should be willing to undermine their democracy by giving the Federal Reserve more independence. Nor is it clear that doing do would improve economic performance. On the contrary, the Fed should be held more closely accountable for its actions. Congress should reject the arguments of those who would exclude unemployment from the monetary policy debate. It should also insist on the inclusion of numerous other important issues in the monetary policy debate: the national debt, the nation's international indebtedeness, U.S. competitiveness, the standard of living, social stability, the quality of life, and a broader consideration of what constitutes an inflation threat and what alternatives might exist to chronic monetary drag. Finally, Congress must take the Federal Reserve to task for aggravating problems in all ares affected by monetary policy. More independence for the Federal Reserve is about the last thing the American people need." (Levy, 1996:209). 35 Levy argumenta com dados de autores como Papadimitriou e Wray (1994): "Papadimitriou e Wray (1994) retrace the history of modern Fed intervention and observe that every method tried or seriously considered - targeting M1, M2, M3, P-star, gold and so on - has turned out to have serious problems, leaving the Fed, in the candid words of Governor Lawrense B. Lindsey, to "look at a whole raft of variables - we ignore nothing and focus on nothing" (Bradsher, 1994). Yet it is advantageous for the Fed to provide a rationale for its actions to Congress, and Chairman Greenspan emphasized real interest rate targets in 1994. Papadimitriou and Wray apply Mr Greenspan's suggested rule in their paper and find that it produces notably poor policy decisions" (Levy, 1996:205). O argumento de Levy tem um componente majoritário forte quando se refere ao Banco Central, distinguindo os diretores deste dos juízes da Suprema Corte : "Supreme Court justices are even more independent and powerful than governors, but they are not supposed to be concerned with the will of the people; rather, their responsibility is to represent and protect the U.S. Constitution, against, among other things, the "tyranny of the majority". (...). Federal reserve governors are in part regulators, and in such roles should enjoy considerable independence, but they also make monumental policy choices for the nation, choices that should be democratically determined. Reducing the accountability of those making these decisions would be a step in the wrong direction." (Levy, 1996: 191) O Banco Central Europeu, o Bundesbank e o Federal Reserve Bank Ás concepções majoritárias levantadas até agora, vale a pena contrapor a versão moderadamente contra-majoritária de Verdun (1999) sobre prestação de contas. O autor considera que a política monetária deve ser executada por uma forma de governo contra-majoritária. Segue uma interpretação de Majone (1996: 2, 1997a, 1997b) segundo o qual " When the need to create police credibility is at stake, a non-majoritarian mode of government is in fact the most likely way to achieve the desired policy outcome.". Verdun argumenta que a organização não-majoritária dos Bancos Centrais não trará problemas de accountability se a sua criação for compatível com um bom exemplo de governo "responsável" e "responsivo"36. Segundo o autor, existe na União Econômica e Monetária Europeia (EMU) um deficit democrático moderado. O que está em causa não é a independência do Banco Central Europeu em si, e o mandato de perseguir com exclusividade a estabilidade de preços, mas a ausência de algumas características que limitam bancos centrais também independentes em economias nacionais, como por exemplo o Bundesbank. O problema da União Monetária Europeia, está, conforma assinala Verdun, em ter desenhado o Banco Central Europeu á semelhança do Bundesbank, esquecendo o arcabouço institucional em que este está inserido: " It would also need to be accountable to the national and/or European political body, in that it showed that it was fulfilling its mandate" (Verdun, 1999:115). Embora construído á semelhança do Bundesbank, o BCE é ainda mais independente, uma vez que o Bundesbank está inserido num sistema de 36 Ver parte I da tese para entender diferença entre responsible and responsive checks and balances e o Parlamento Alemão tem o poder de mudar-lhe os estatutos. Mudanças no BCE só por tratado e se houver unanimidade de todos os Estados Membros da União Europeia. No Bundesbank não foi incorporado á constituição, mas sim ao estatuto do banco, que a estabilidade de preços é o objetivo único, enquanto que no Banco Central Europeu este objetivo está contido no Tratado de Maastricht 37, o que é um compromisso muito mais forte. Ao estudar o deficit democrático na União Econômica e Monetária Europeia, o autor constata ser este deficit democrático causado por três fatores: primeiro, o resultado da ausência de accountability parlamentar; segundo, o resultado da falta de transparência no processo de tomada de decisão; terceiro, o desenvolvimento assimétrico do processo de integração monetária comparado ao processo de integração política, orçamentária e fiscal. 38 O ponto levantado por Verdun, e que me interessa analisar, porque mostra que a maioria dos autores embora tenha endossado a tese da independência reluta em admitir que a moeda seja "neutra", é a distinção que Verdun entre "política eficiente" e política "redistributiva" (seguindo uma ideia de Majone, (1996)): a primeira tem como objetivo aumentar o bem-estar agregado, ou seja as condições de todos, ou de quase todos, indivíduos e grupos da sociedade, enquanto a segunda teria como objetivo melhorar as condições de um grupo ás custas de outro. No caso da União Econômica e Monetária da Europa parte-se do princípio que a política monetária tem por objetivo beneficiar a todos, o que significa, segundo Verdun, que é necessário garantir o objetivo primário da estabilidade de preços e ao mesmo tempo compatibilizar este objetivo com os princípios da Comunidade Europeia, (como está no Artigo 2 do Tratado da União Europeia). Neste se estabelece que a Comunidade tem como tarefa, além de criar um mercado comum e uma união econômica e monetária, promover um desenvolvimento harmonioso das atividades econômicas, um crescimento econômico sustentado e não-inflacionário, um alto nível de emprego e proteção social, a elevação da qualidade de vida, etc. Caso a estabilidade de preços não seja compatível sempre com crescimento econômico equilibrado na EU, terá de ser decidido, segundo Verdun, qual dos objetivos é prioritário. E como o Banco Central Europeu 37 O Tratado de Maastricht (o Tratado da União Europeia) foi assinado na cidade alemã de Maastricht em Dezembro de 1991 38 "This democratic deficit of EMU results from a lack of Parliamentary accountability, lack of transparency, na assymetrical development of monetray integration on the one hand, and lack of budgetary, fiscal and policy integration on the other hand." (...) EMU developed as a monetarist project as a result of the presence of widespread agreement on monetary policy objectives (i.e. price stability, and stable exchange rates) and the need for solid institutional provisions for the independent monitoring of monetary policies. There was no support for the establishment of a European "economic government" which would be responsible for the conduct of macro-economic policies." (Verdun, 1999:123). provavelmente será favorável a manter a estabilidade de preços, nesse caso será necessário pedir a introdução de uma regra majoritária: "However, if these targets clash, i.e. if price stability proves not all the times to be compatible with balanced economic growth throughout the EU, it will have to be decided which of the two objectives would have priority. The independent ECB is likely to safeguarding price stability. Hence, if a clash of the two targets occurs, i.e., if low inflation in EMU countries results in uneven levels of economic growth and levels of employment, a situation would have been reached where in fact EMU policies would be considered in Majone's terms "redistributive"policies. In this case it would be necessary according to the principles set out above, to demand that majoritarian rule be introduced, that is, to hold a public authority responsible."(Verdun, 1999:115). Cukierman, ou Lucas, teriam respondido a Majone e Verdun que estes não aprenderam corretamente a lição de macroeconomia. A teoria quantitativa da moeda mostra que a moeda afeta apenas preços e não emprego, e se os agentes econômicos formam expectativas de acordo com toda a informação disponível a profecia cumpre-se. Qualquer tentativa de aumentar emprego, no curto prazo, afrouxando a política monetária, terá apenas efeitos de longo prazo sobre os preços e não sobre variáveis reais. Por essa razão é necessário a autoridade independente e soberana para contrariar decisões majoritárias. E não é possível coordenar ou escolher a política monetária á fiscal, mas sim eliminar qualquer processo de escolha e subordinar a última á primeira. Mas Verdun considera que o problema da prestação de contas do banco central europeu está justamente na falta de uma entidade política que seja responsável por esta escolha: "It is this concern over the unequal spread of costs and benefits of EMU and the possible lack of political authority to be held responsible that is in the heart of the general concern about the EMU project." (Verdun, 1999:116). Faltou, acima de tudo,delimitar responsabilidades: não está claro que autoridade política se tornará responsável se o EMU tiver como consequência uma distribuição inusitada de custos e benefícios através da zona do Euro: "One can wonder what political body can be held accountable for any imperfections once EMU is fully operational. It also leads to the question who will be approachable and responsible if EMU leads to an unfair spread of costs and benefits across the regions, the Member States or even the various industrial sectors. Once it is clear what body is responsible it begs the question what measures can be taken to correct the imbalance. Obviously, as long as the ECB is fulfilling its mandate, i.e., is securing price stability, that body should not be held responsible De alguma forma esta entidade fora prevista, mas não adotada, durante a discussão sobre a união monetária. No Werner Report de 1970, um dos primeiros relatórios produzidos ao longo do processo de criação da União Europeia, ela aparece na forma de um Centro Europeu de Decisão para a Política Econômica (CDEP), um corpo supranacional de coordenação entre países, que prestaria contas ao Parlamento Europeu e limitaria o BCE. Mais tarde no Delors Report de 1989 não se mencionou nada equivalente, o que se explica pelas mudanças que tinham ocorido nas crenças acerca da política monetária e governo: " Whereas in the early 70's Keynesianism was the driven force behind economic governance in all the EC Member States, anti-inflationary policies became the doctrine of the 1980s, though some countries were more successful than others." (Verdun, 1999:120). Blinder e Levy, embora tratem de um caso totalmente distinto do BCE, como é o FED, levantam pontos que são de natureza comum para a discussão da prestação de contas democrática. O primeiro ponto que me parece relevante analisar em Blinder, é a ideia de que a independência do FED foi decisão de políticos sensatos que acharam necessário tornar constitucionalmente muito difícil mudar as decisões de política monetária. “Wise politicians made a once-for-all decision to limit their own power in this way, just as for example, the Constitution made it very difficult to change the length of the President’s term of office. What made this decision “democratic” is that elected members of Congress made it of their own free will.”(Blinder, 1998:67) Esta é a tese de Lohman (1998) e também é a explicação de Maxfield (1998) para a avalanche de bancos centrais independentes criados nos anos 90, principalmente em países em desenvolvimento. A história do FED, entretanto, mostra que os congressistas americanos procuraram evitar que a estrutura do FED refletisse exageradamente o peso de um grupo, o que aliás é absolutamente compatível com a tese dos pais fundadores sobre a tirania de grupos. Segundo Sylla (1995), no que se refere á origem deste banco e á definição dos seus estatutos, a história do FED aponta para uma tentativa dos congressistas de tentar libertá-lo tanto das interferências dos políticos quanto dos bancos privados. Não há uma aderência estrita ao problema da inconsistência temporal na política monetária. Para entender de que maneira o Fed se move entre múltiplas "constituencies" vale a pena ler o trabalho de Shull (1996), "Federal Reserve Independence: what kind and how much?". O autor mostra que se desenvolveram no interior do Congresso Americano dois tipos de críticas: uma crítica á excessiva influência de um grupo de indivíduos privados (grifo do autor), e outra, de cariz monetarista39: "Dissatisfaction with the consequences of "independence" has resulted in at least two distinct proposals to alter the Fed's current structure: (1) a congressional proposal that the federal government exert more influence, for example, by having the president select Reserve Bank presidents, on the view that control over money should not reside in the hands of a small group of private individuals; (2) a monetarist proposal that Federal Reserve operations and targets should be constrained by a "rule" having the force of law, on the view that, as currently organized, it will never exercise the proper control over money. These proposals with vastly different implications, have unified congressional critics and monetarists in opposition to the Federal Reserve." (Schull. 1996:217). O argumento de Schull sustenta-se em estudos baseados na teoria da escolha pública, os quais sugerem que o Fed é uma instituição política que responde a várias constituencies e ao auto-interesse. E a estrutura do Fed parece refletir esta vontade: " while it is apparent that the Fed has some freedom from political influence in setting its policy objectives and using (as well as inventing) instruments to reach its aims, the original debate on the Federal Reserve Act makes clear that the system was not organized to be a "cloistered sanctuary". Rather, Congress intend it to be responsive to a wide spectrum of political and private interests" (citado por Schull, 1996:216). O segundo ponto de Blinder é a ideia de que os objetivos do banco devem ser definidos por políticos eleitos e que isso garante a legitimidade das decisões do banco. Segundo Blinder, os principais dirigentes do banco devem ser nomeações políticas: "The bank's basic goals are chosen by elected politicians, not by unelected technocrats. So, for example, when people suggested to me that the FED should be content with 3% inflation, I answered that the Federal Reserve Act calls for “stable prices”, not “pretty low inflation”. “If citizens think that’s wrong, they should get the law changed” (Blinder, 1998:65). Aqui mais uma vez trata-se de um argumento de cariz majoritário: “When I went on the Federal Reserve Board in 1994, as a political appointee of President Clinton, I joined five other men and women who had been appointed by President Reagan or Bush. None of us have been 39 Ver também Sylla (1995) e os Federalist Papers n. 10. Schull diz " Banking interest, as mobilized through the American Bankers Association, had called for a central bank completely controlled by its member banks and free of government influence (the Aldrich plan). To the populist wing of the Democratic Party, this meant the perpetuation of Wall Street control of money and credit. The Wilson administration formulated a decentralized version of the Aldrich plan that would have distributed banker control regionally among Reserve Banks with a central board composed of six public members and three bankers. William McAdoo proposed complete federal government control with a bill to incorporate the central bank in the Treasury Department. (in Link, 1995:208, citado por Schull, 1996:216) elected to anything; but Bill Clinton, George Bush and Ronald Reagan had been. We obtained our political legitimacy from the men who appointed us; and they in turn got it the old-fashioned way : directly from the voters.” (Blinder, 1997: 68).Blinder afirma que as decisões dos bancos centrais deveriam ser reversíveis pelas autoridades políticas, mas apenas sob circunstâncias extremas: “A Federal Reserve decision on monetary policy can in principle be overturned by a act of Congress. And Fed governors can be removed from office for cause. These mechanisms have never been used, but America is wise to have them in place. Delegated authority should be retrievable” (Blinder, 1997:68). Entretanto, é admissível para o caso americano, que se estes políticos eleitos tivessem escolhido objetivos ou instrumentos que implicassem na negação de direitos constitucionais, seria absolutamente legítimo a um cidadão questionar estes objetivos, dentro da lei, e a um juiz ir contra a decisão do Banco central.40 Por último, a ideia de que em princípio toda a decisão do FED pode ser revertida, embora em circunstâncias excepcionais. Da mesma maneira que há decisões básicas que não podem ser revistas frequentemente, como por exemplo a Constituição dos Estados Unidos, cujas emendas requerem mais do que a maioria dos votos de ambas as casas do Congresso, a política monetária, graças á independência do FED também não pode ser alterada pelos representantes eleitos.41 40 Um dos textos que melhor apresenta o tema da judicial review, da prestação de contas e das concepções do "majoritarianismo" para o caso americano é o de Rebecca Brown (1998). A autora diz a esse respeito: " My claim is that political accountability - broadly, the requirement that public officials stand periodically for elections - has been misunderstood. Almost universally, it has erroneously been cast as the servant of the constitutional value of majoritarianism. Readers of the Constitution routinely look to the various textual provisions establishing different types of accountability as compelling evidence of a overarching constitutional commitment to a telos of majority rule. This understanding contains two important errors: First, it wrongly identifies majoritarianism as the primary constitutional value, and second, it misconceives the purpose of political accountability." (Brown, 1998:534) (...); e a autora prossegue defendendo a instituição do judicial review como minimizadora de tiranias (sendo este o verdadeiro móbil das instituições americanas como separação de poderes, checks and balances) " Thus, the structural feature of accountability for political actors can be understood, not as means to maximize the preferences of the majority of the people on matters of routine governance, as it has been widely understood, which is a purpose always in tension with a commitment to individual rights, but rather as a means primarily to minimize the risk of tyranny in government, which is not. Accountability serves this goal in two ways: by allowing the people to check abuse of power at the polls if they detect a threat and wish to eradicate it ( a traditionally majoritarian check on tyranny) and, more importantly, by involving the polity in standing behind a political structure which includes a judicial branch empowered to step in if the majority is itself carried away by na impulse to tyranize (a countermajoritarian check). (Brown, 1998:536). 41 A opinião de Blinder é a mesma de Stephen Cecchetti, vice presidente executivo e diretor de pesquisa do Federal Reserve bank de Nova Iorque. Num seminário sobre assuntos legais referentes a bancos centrais. Ao defender a adoção de regras pelos bancos centrais afirma: "I conclude, as others have also, that the way to reconcile the goals of accountability and independence is for central bank to be transparent. When central banks announce targets for monetary policy or are asked to explain their policy before na elected body, such as the Congress, there is both transparency in policy and accountability to the public" (Cecchetti, 1998:22). O mesmo se passa com a lei que regulamenta as atividades do Banco. Nos Estados Unidos, o presidente pode vetar uma mudança na lei que regula o Fed. Nesse caso, uma maioria de dois terços é necessária no Congresso para mudar a lei. Mas trata-se de um requisito bem menor do que no caso do Banco Central Europeu, onde seria necessário fazê-lo recorrendo a uma emenda na lei primária da Comunidade Europeia, o que requer unanimidade de todos os membros. 1.3 Os Indicadores de Prestação de Contas A maioria dos indicadores de prestação de contas sugeridos pela literatura, tenta quantificar algumas variáveis, retiradas dos estatutos e da legislação dos bancos centrais, que contribuiriam para diminuir o deficit democrático. Briault, Haldane e King (1996) criaram um índice de accountability baseado em quatro critérios: 1) se o Banco Central é sujeito a controle externo pelo Parlamento. 2) se são publicadas minutas das reuniões que decidem a política monetária. 3) Se o Banco Central publica um relatório de política monetária e de inflação de alguma espécie, além do boletim padrão 4) Se existe alguma cláusula que permite ao governo derrubar uma decisão do Banco Central. Bini Smaghi (1988) considera que estes critérios não representam a prestação de contas, simplificando demais o processo e desconhecendo o arcabouço institucional em que a prestação se faz. Como se viu na seção anterior, o que Bini Smaghi considera fazer parte da accountability diz respeito ao controle ex-ante e á "resposta". Nesse caso, se o governo pode ou não derrubar a decisão do Banco Central parece a Bini Smaghi fazer parte de um critério de independência, mas não de accountability (este é inclusivamente um dos critérios do índice de independência de Cukierman (92) ). 42 42 Cukierman (92) construiu três conjuntos de indicadores para a independência dos bancos centrais em 70 países. O primeiro grupo compreende "proxies" para a independência legal. Os outros dois capturam divergências entre independência legal e real: a rotatividade dos presidentes e um indicador baseado em respostas a um questionáriodadas por especialistas.Uma forma de medir a independência é verificar a extensão o Banco Central é livre de influências do governo na formulação e implementação das suas políticas, principalmente a política monetária. Uma variável chave desta medida de independência é o grau de liberdade que o banco central tem para mudar as taxas de juros públicas e selecionar os instrumentos de política e as técnicas com que intervêm no openmarket. Uma outra forma de assessar a independência é observar os procedimentos de nomeação e demissão dos dirigentes do banco central. Uma outra possibilidade é ver como o banco central se financia. Nos Estados Unidos, por exemplo, o banco se auto-financia a partir da renda de juros sobre o port-folio de títulos do governo que ele mantém para as operações de open market. Financiar-se a si próprio, significa que o banco não depende do Congresso para os seus gastos anuais e desse modo está isolado de pressões e do chamado "power of the purse". Rigolon (1993) Por outro lado, publicar, como está explicitado no critério 3, um relatório específico de inflação, parece a Bini Smaghi pouco acrescentar em relação ao que já virá contido no relatório padrão. Ao invés de criar um índice numérico, Bini Smaghi propõe um conjunto de critérios derivados do seu próprio conceito de prestação de contas. Estes critérios foram construídos com base em observação de práticas correntes em vários países, e têm como objetivo, mais que definir normas para bancos centrais, possibilitar uma forma de examinar as oportunidades que o Banco Central tem de se relacionar com a opinião pública, o mercado e outras instituições da sociedade. O autor divide estes critérios em três grupos principais: A. Relativos a Controles ex-ante: 1) o primeiro critério diz respeito á definição clara do objetivo estabilidade de preços - a definição do que venha a ser estabilidade de preços, o índice de preços a ser usado, a meta definida e o seu horizonte. 2) O segundo é o anúncio de uma meta operacional, que permita aos participantes do mercado controlar as intenções do banco com frequência, e seguir o impacto da política monetária no mercado.43 3) O anúncio de uma meta intermediária.44 Estima-se entre 18 e 24 meses o tempo em que a política monetária implementada provoca efeitos sobre o nível de preços, o que significa que a taxa de inflação observada informa somente sobre a política monetária passada. O anúncio da meta capacita o público a controlar as reações do Banco central a pressões inflacionarias. Estas se refletem em indicadores de vários tipos, como agregados monetários e de crédito, taxa de câmbio etc. 4) O anúncio de indicadores de acesso ás características da política monetária. Isto significa abrir informação sobre indicadores de política que permitam interpretar possíveis desvios da meta intermediária. Há aqui um cuidado adicional, porque excesso de 43 É preciso neste caso, segundo o autor, distinguir entre a meta operacional que é afetada pela ação do banco, mas que em última instância é determinada pelas condições do mercado, e os instrumentos de política monetária, como por exemplo a taxa de juros oficial. No caso do Banco Central Europeu, a meta operacional é a taxa do overnight, e os instrumentos de que dispõe o banco para influenciar esta taxa são o benefício e custo de depósitos e empréstimos no overnight, cujas taxas determinam o teto e o piso da taxa no overnight. Ainda o "repos" semanal e operações de fine-tuning. 44 Esta é geralmente um agregado monetário ou uma previsão de inflação, anunciada públicamente. O Fed não anuncia metas intermediárias, enquanto o Banco da Inglaterra publica suas previsões de inflação, as quais de fato representam metas intermediárias. indicadores pode gerar confusão e dar margem a que se pense que o Banco Central usa o indicador que melhor convier, conforme as circunstâncias. 5) A explicação de como a meta monetária ou de política monetária afeta outras políticas e objetivos. Mesmo se o objetivo primário é a estabilidade de preços, existem objetivos secundários, como por exemplo estabilidade do sistema financeiro ou sustentação das políticas econômicas do governo. Isto aumenta a transparência no diálogo entre instituições e ajuda a distinguir claramente entre as responsabilidades de cada. B. Critérios ex-post (relativos a resposta) : Este segundo grupo de critérios relaciona-se á resposta do Banco Central relativamente ás metas e indicadores anunciados acima. A transparência e a accountability aumentam com a publicação dos dados e a explicação dos principais desenvolvimentos relacionados ás variações da meta. Entre estes critérios encontram-se a publicação dos dados das variáveis intermediárias e a explicação do possível desvio da meta; a publicação da previsão de inflação e possível desvio da meta; a explicação das principais medidas de política, ou a ausência desta e razões alegadas, a explicação de como estas medidas afetam outras políticas.45 C. Critérios Relativos a Procedimentos Este terceiro grupo de critérios de prestação de contas refere-se aos procedimentos seguidos quando se tenta preencher os outros dois grupos de critérios. Estes procedimentos incluem relatórios públicos, através dos quais o banco central providencia dados sobre as metas e indicadores e explica sua políticas, as razões destas políticas, e o desempenho destas políticas relativamente ás metas pré-anunciadas. Além destes incluem-se também no grupo, audiências públicas no Parlamento, onde detalhes menos técnicos podem ser dados, através de sessões de perguntas e respostas. 45 Todos os bancos centrais têm esta prática de explicar as decisões de política monetária. No caso do Fed, como o Federal Opem Market Committee (FOMC) se reune a cada seis semanas, a explicação a ser dada ao público leva em consideração o caso de que a linha de política a ser anunciada é a taxa de financiamento do Fed das próximas seis semanas, um período longo de tempo. Nesse caso, é necessário levar em consideração contingências imprevistas, o que é uma das razões para se pedir segredo por um mês pelo menos [antes da divulgação de tal linha de política. Ainda, a participação do governo nas reuniões do corpo diretivo do banco, é outra oportunidade de trocar informações com as diferentes instituições que tratam da política econômica. 46 E a publicação das minutas dos meetings das reuniões, seja inteira seja resumidamente, oferece uma visão das razões da tomada de decisão por parte do corpo político. Esta informação pode chegar a um nível de desagregação grande, até ao ponto de tornar públicos os votos de cada membro do corpo diretor do banco, o que envolve uma prestação de contas individual. Com relação ao primeiro critério, o critério ex-ante que determina que se anuncie um objetivo prioritário, há uma grande variação entre países.47 O Fed, por exemplo, não anuncia um objetivo preciso em termos de taxa de inflação. O Banco Central americano tem explicitamente dois objetivos, conter a inflação (sem qualquer meta) e buscar o pleno emprego (no Fed Act e no Employment Act está assim definido "to furnish an elastic currency (...) so as to promote effectively the goals of maximum employment, stable prices and moderate interest rates")48. Ou seja não há uma tarefa única para o banco, prioritária. E o conceito estabilidade de preços foi definido de forma qualitativa como a "taxa de variação do nível de preços que não conduz a uma mudança no comportamento dos agentes econômicos". Já o Banco da Inglaterra tem uma meta clara de inflação, estabelecida pelo governo com o orçamento e que pode ser mudada a cada ano. Quanto ao Banco Central Europeu, este define precisamente estabilidade de preços (segundo o European Monetary Institute, uma inflação entre 0% e 2% é consensual entre bancos centrais). Não há consenso na literatura sobre o que deve ser a definição de estabilidade desejada de preços. Enquanto Bini Smaghi considera o Fed pouco claro, por não dar ao mercado um sinal preciso de seus objetivos quanto á inflação (além de ter mais que um objetivo prioritário) e o Banco da Inglaterra muito vulnerável ás imposições do business cycle, pelo horizonte de tempo limitado, em que pode mudar sua meta, Stiglitz, por exemplo, considera que inflação muito baixa pode ser um mal. Já um keynesiano concordaria com a existência de dois objetivos para o Fed e nunca com a supremacia da política monetária sobre a fiscal. Os critérios de Bini Smaghi supõe, no que diz respeito á definição de uma meta, que quanto mais precisa for esta, mais accountable é o banco. 46 Bini Smaghi afirma que, embora os participantes do mercado possam não estar informados acerca destas trocas de opinião, estas acabam por se refletir nas políticas. 47 Há um consenso de que os Bancos Centrais mais independentes tendem a enfatizar o objetivo de estabilidade dos preços e, adicionalmente da taxa de câmbio. Este é o caso do Bundesbank, do Swiss National Bank. Ver a esse respeito Rogolon (1993). 48 Ver Bini Smaghi (1998:135) Mas sendo a inflação um fenômeno complexo, diz Bini Smaghi, há aqui um trade-off entre simpliciade da meta anunciada públicamente e a complexidade do fenômeno inflacionário. Alguns comentários a respeito:. Há controvérsia com relação á adoção do regime de metas. Na década de noventa, países como a Nova Zelândia, Canadá, Reino Unido, Finlândia, Suécia, Espanha e Austrália, e finalmente o Brasil, aderiram a este regime.49 As evidências apontam para uma trajetória descendente de inflação nos países que adotaram este regime. Mas países que não adotaram o regime de metas, como Estados Unidos, Japão, Noruega, Dinamarca, Bélgica, Áustria e Portugal também apresentaram tendência de queda de inflação na década de 1990 relativamente á década de oitenta.50 Mishkin e Posen, que defendem o regime de metas, ao estudarem as três primeiras economias que adotaram as metas concluíram que a redução da variação dos preços nesses países foi resultado das forças que já estavam em movimento antes ( a Nova Zelândia, o Canadá e o Reino Unido enfrentavam desinflação e crescimento lento do PIB, e na Nova Zelândia, desde 1988, crescimento do desemprego.51 A maioria dos países que adotou esse regime implantou também cláusulas de escape. Estas têm sido utilizadas para excluir efeitos decorrentes de choques de oferta, tais como mudanças nos termos do comércio, nos impostos indiretos, desastres naturais, tarifas públicas, encargos governamentais e taxa de juros. O argumento para a cláusula de escape é que não sendo a meta obtida, não se atribui o desvio a inconsistência temporal das políticas adotadas, mas a variáveis não mensuráveis.52 Apresentar uma meta como causa da queda da inflação pode enganar o público, se realmente o regime de metas não tem nenhuma relação com a queda da inflação. A definição de uma meta (seja um ponto, seja um intervalo) obriga por vezes a autoridade monetária a malabarismos desnecessários com 49 O regime de metas inflacionárias propõe uma meta de crescimento para a inflação, que é anunciada no início de um determinado período. A meta, estabelecida pelo governo, deve ser perseguida pelo banco central, cujos dirigentes não devem se preocupar com outras variáveis macroeconômicas. 50 Sicsú (1999) cita Haldane, do Banco Central da Inglaterra e um dos maiores entusiastas do novo regime: "Metas de inflação têm sido propostas durante um período em que as pressões inflacionárias são benignas, em comparação com os anos 1970/80. Quanto da melhora na performance da inflação nos anos 90 pode ser atribuída á boa sorte (...) permanece uma questão aberta, em países com ou sem meta de inflação." 51 Ver Sicsú (1999) "Metas de Inflação: experiências" : "Mishkin e Posen afirmam tão somente que o novo regime é responsável pela manutenção das taxas inflacionárias em patamares aceitáveis. Mas até mesmo essa tímida conclusão não parece plausível, porque os países já mencionados que não têm metas de inflação também têm mantido suas taxas em níveis aceitáveis." 52 Ver Helder Mendonça (1999): "...Ao contrário do regime monetário anterior, (taxa de câmbio fixa), onde o público possuía informações claras sobre a política monetária, na nova estrutura há apenas um número e a promessa de que a meta será alcançada. índices, e pode convencer a opinião pública que a autoridade monetária deve ser responsabilizada por eventuais desvios da meta, quando, no máximo, a autoridade pode manipular alguns instrumentos como juros e câmbio e esperar que a recessão segure os preços e as expectativas. Se não há consenso acadêmico, a apresentação de uma meta é uma escolha de política monetária e sua imposição no estatuto do banco central como mecanismo de accountability ignora o caso de os eleitores rejeitarem o regime de metas. Por último, a análise das práticas e dos procedimentos que tornam a informação disponível mostra que não há muita diferença entre países: as práticas mais comuns dizem respeito a relatórios públicos, trimestrais ou quadrimestrais e audiências no Parlamento. Na Nova Zelândia, o Banco Central encaminha relatórios semestrais e outro anual, protocolados no Parlamento, ao Ministro das Finanças e este monitora o cumprimento das metas monetárias. Na Inglaterra, o Parlamento faz argüições periodicamente aos administradores do Bank of England.53 No caso do Banco da França as arguições são menos frequentes. No Japão, o ministro das Finanças supervisiona o Banco Central. Este presta depoimentos ao Parlamento, assim como o Fed se reporta semestralmente ao Congresso. No Chile, o BCC reporta-se anulamente ao Presidente da República e ao Senado.54 A qualidade dos relatórios pode variar dependendo também do que o público espera em cada país, isto é o mercado, o Parlamento e o mundo acadêmico. Como se verá no próximo capítulo, as relações entre o Parlamento (ou o Congresso) e o Banco Central dependem do tipo de controle adotado em cada caso, dos pesos que os Congressistas atribuem a cada ponto da política monetária, á mídia, e do peso que dão aos resultados de qualquer investigação.55 O próprio Bini Smaghi parece chegar a esta conclusão, quando diz ao final do seu artigo: "Contrarily to what has been suggested at times, the ECB looks "on paper" as na accountable institution, at least in comparison with other central banks. This will have to be checked in practice, on the basis of the behaviour of the ECB itself, but also on the effective role played by the bodies in charge of ensuring this accountability, such as the European Parliament, the EU council and the public at large." (Bini Smaghi, 1999:142). 53 A independência operacional deste banco ocorre em Maio de 1997. Antes desta ocorrer, o secretário do tesouro ( Chanceller of the Exchequer), representando o governo, controlava o estabelecimento dos instrumentos de política monetária. A partir desta data, o Banco passou a ter a responsabilidade de estabelecer a taxa de juros básica, e a intervir no curto prazo na taxa de câmbio. 54 Ver Rigolon (1993). 55 Enquanto que o Congresso dos Estados Unidos controla de forma intensa o Fed, o BCE pode ser considerado menos intensamente controlado. Um conjunto de indicadores de prestação de contas foi proposto por de Haan, Amtenbrink e Eiffinger (1999). Estes permitem classificar diferentes países e casos em relação aos seguintes pontos: os objetivos escolhidos pelo banco, a transparência dos procedimentos e a responsabilidade final da política monetária. A proposta dos autores baseiase no que diz a lei, óbviamente esclarecendo que um banco pode ser mais ou menos accountable do que manda a lei. De Haan, Amtenbrink e Eijffinger (1999) distinguem três características principais na accountability dos bancos centrais e a partir destes elaboram um questionário que visa avaliar o grau de accountability de um Banco Central56: 1 definição explícita e hierarquização de objetivos da política monetária 2 transparência 3 responsabilidade final com relação á política monetária Numa sociedade democrática, segundo eles, os políticos eleitos devem decidir explicitamente os objetivos da política monetária e hierarquizá-los. Isto significa que resta ao banco central a independência com relação aos instrumentos. A escolha de um único objetivo também simplifica o controle do desempenho do Banco Central pelas autoridades e opinião pública.57 Para eles, ser ou não o objetivo único, a estabilidade de preços, não é tào importante. O que conta para a maior accountability é que não haja possibilidade de escolha para os diretores do Banco e que haja clara priorização de objetivos: "First, democratically elected politicians should decide upon the objectives, and second, if there is no clear yardstick the central bank cannot really be held responsible fits policies." (De Haan, Amtembrink e Eiffinger, 1999:178). Com relação ao critério da transparência, os autores distinguem os seguintes aspectos: a) o Banco Central publica um relatório específico, adicionalmente ao relatório standard? b) as reuniões dos diretores são públicas, ou as minutas publicadas? c) O Banco Central explica públicamente de que maneira atingiu seus objetivos? Para os autores é fundamental que a lei prescreva certos procedimentos de esclarecimento sobre a política monetária. Um exemplo é o Inflation Report do Banco de Inglaterra, que revela informação sobre as 56 Ao construirem o indicador somam o número de respostas positivas a todos os aspectos que destacaram como representativos da prestação de contas. As respostas são todas referentes a 1997, com excepção da Inglaterra, onde o Novo Ato foi utilizado embora este só tenha sido aprovado em 1997. 57 " It is easier to control a narrowly defined target than a broadly defined objective (Lastra, 1997)" (de Haan, Amtembring e Eijffinjer (1999:173). ações das autoridades, os objetivos e as intenções destas. Se as minutas das reuniões são publicadas, a transparência aumenta.58 Com relação á responsabilidade final, há três pontos principais que os autores levam em consideração: a relação do Banco Central com o Parlamento; a existência de mecanismos de override e o procedimento de demissão do presidente ou governador do Banco Central. O Parlamento tem a responsabilidade última da política monetária pois pode mudar as regras e punir o banco com mudanças da sua base legal no caso de comportamento ilícito. As perguntas a serem feitas são neste caso: a) o Banco Central submete-se a controle do Parlamento? b) O governo pode dar instruções ao Banco? c) Há algum tipo de revisão no procedimento que leva á derrubada (overriding) da decisão do Banco? d) Pode o Banco apelar? e) Pode uma maioria simples no Parlamento mudar a lei que rege o Banco Central? f) Existe a possibilidade de demitir um Presidente do Banco Central com base no desempenho passado? No que respeita aos mecanismos de overriding distinguem entre o direito de impor instruções, o direito de aprovar, suspender e anular ou deferir decisões e o direito de censurar decisões, com base legal. Como exemplo os autores citam o Reserve Bank Act de 1989 que deu ao ministro das finanças da Nova Zelândia o direito de derrubar o objetivo da estabilidade de preços, através de uma ordem no Conselho (Order in Council). Quem estipula o objetivo do Banco neste caso é o governo. Já o governo alemão tem o direito de suspender uma decisão do conselho que governa o Bundesbank (Zentralbankrat), mas ao contrário do caso da Nova Zelândia, não tem o poder de mudar a política monetária. Neste caso, os autores avisam que é necessário que o mecanismo de override não seja usado como um instrumento de influência política indesejada , o que se obterá com a transparência do uso deste mecanismo e a possibilidade de uma revisão deste mecanismo por meio de apelação do Banco. O mecanismo de demissão funcionará como um instrumento de prestação de contas ex-post, que permitirá punir aqueles que obtiverem desempenho insuficiente. No caso da Nova Zelândia, o governador do Banco Central faz um trato com o ministro das finanças, o qual estabelece as metas que o primeiro deve alcançar, podendo demiti-lo se não obtiver resultados. 58 "Se isso não levar trinta anos, como na Alemanha" dizem os autores. Os autores dão uma importância maior á responsabilidade final e ao item "relação com o Parlamento". Se não houver controle direto do Parlamento sobre o Banco, o mecanismo de override é fundamental para a prestação de contas. A Tabela 1 mostra a classificação de diferentes paíse de acordo com os itens propostos pelos autores. A Tabela 2 mostra o indicador de Eijffinger-Schaling para a independência dos bancos centrais atualizado. E a Tabela 3 aponta os resultados da regressão entre a independência e a prestação de contas para os aspectos da accountability estudados pelos autores. Pela classificação dos autores a menor classificação é a do Banco Central Europeu. O Banco de Inglaterra apresenta um alto grau de accountability, maior do que o da Nova Zelândia. A crítica a ser feita a estes indicadores é aquela que os autores apontam: trata-se de um indicador baseado em estatutos legais. A história da prestação de contas dos bancos centrais põe em evidência o que os indicadores não conseguem medir. A organização legislativa, a organização constitucional e a maneira como se estabelecem as relações entre os poderes determinam um tipo de prestação de contas que pode aumentar ou diminuir a discricionariedade dos dirigentes dos bancos centrais, sem que isso fique evidente na legislação ou estatutos dos bancos. Isto é: a prestação de contas, embora possa ser quantificada por aspectos gerais tal como grau de transparência do banco central, depende também de como funcionam os freios e contrapesos das democracias representativas E estes se manifestam através das relações entre o Executivo, o Legislativo, o Judiciário. O banco central como qualquer agência tem seus objetivos definidos pelo Legislativo e toma decisões que podem ser revertidas por estes ou pelo judiciário. A quantificação destas relações é impossível, sendo mais interessante recorrer á teoria dos jogos e á história dos bancos centrais nas democracias para entender como esta prestação de contas funciona. Esta literatura sobre prestação de contas tem centrado a discussão nos bancos centrais independentes. Se o banco central não é independente formalmente, ou seja se é subordinado ao Tesouro ou ao executivo, a prestação de contas deste está inserida na prestação de contas geral do executivo e não é considerada. Entretanto a independência pura e total não existe, e é de situações de maior ou menor autonomia que se tem de tratar na maior parte das vezes. 59 Isto é, se considerarmos independência, uma situação em que o 59 É impossível uma independência total, já que por meio de emendas constitucionais é possível alterar os poderes de qualquer Banco Central, por maior que seja a sua autonomia banco central deve únicamente perseguir a estabilidade de preços, tomando decisões que vão inteiramente contra as decisões do governo eleito, mesmo bancos considerados totalmente independentes do ponto de vista estatutário jamais conseguiram atuar sempre contra a vontade do executivo. Vejamos diferentes situações. Um caso extremo de autonomia é o do Bundesbank, em que este fica desobrigado de levar em conta as políticas governamentais que não se coadunem com a sua função estatutária, de manter estável o valor da moeda, no próprio país e no exterior. Mesmo neste caso, o banco foi obrigado a ceder ao governo quando da querela acerca da política cambial adequada á unificação alemã, porque a opinião pública estava com o governo. No extremo oposto da autonomia, como no caso do Banco da França, cabe ao banco o aconselhamento das políticas monetárias e sua implementação, ficando explícitamente a cargo do governo a responsabilidade das decisões monetárias importantes. Entre um e outro extremos há casos intermediários de maior ou menor autonomia na prática, do que sugerem seus estatutos, como são o Japão ou Estados Unidos (ver Castello-Branco e Swinburne, 1993). 1.4 Pode o Banco Central Independente (ou a Autoridade Monetária) ser um Poder Constitucional? Análises recentes consideram o Banco Central um Modo Especial de Autoridade Política (ver Sola et alii, 1997), enfatizando o seu papel de guardião da moeda. Neste tipo de análise a situação dos dirigentes do Banco Central encontraria analogias na dos membros do judiciário, também não eleitos (não-accountable) e guardiães da Constituição.60 O fato dos juízes não serem eleitos conta pouco do ponto de vista da democracia representativa. O papel dos juizes (ou das Cortes Constitucionais) é atuar, como se viu, como garantia da confiança dos eleitores nos governos, ou seja como instrumento de moderação .61 60 Ver a este respeito o texto de Harald Waldrauch "Institutionalizing Horizontal Accountability: How Democracies Can Fight Corruption and the Abuse of Power" do The Austrian Institute for Advanced Studies (Viena) que é um resumo da conferencia the Third Vienna Dialogue on Democracy, 26-29 Junho de 1997: "Setting up autonomous institutions of horizontal accountability presupposes insulating them from state officials and from the people as well. Clearly, such institutions may come to clash with the principles of vertical accountability. Being unaccountable themselves, agencies of accountability are vulnerable to charges that they are undemocratic. Thus it is important not to overlook the ancient question: who guards the guardian?" . 61 Rebecca Brown (1998) explica de que maneira a prestação de contas enquanto pricípio político tem sido erroneamente atribuído a concepções majoritárias. "My claim is that political accountability broadly, the requirement that public officials stand periodically for election - has been misunderstood. Almost universally, it has erroneously been cast as the servant of the constitucional value of majoritarianism. Readers of the constitution rotinely look to the various textual provisions establishing A legitimidade não lhes vem de nenhuma maioria, mas justamente do fato de que podem evitar a tirania destas maiorias. Juízes são fiadores da liberdade. Cabe aos juízes diminuir o poder tirânico das maiorias, ou seja o seu papel é justamente contra-majoritário e moderador Os que se referem aos bancos centrais como quarto poder tendem a considerá-los “guardiões da moeda”, á semelhança dos "guardiães da constituição". Guardião da constituição é um termo que faz sentido nas democracias representativas. Já guardião da moeda não tem peso teórico equivalente no constitucionalismo, a não ser que moeda e constituição tivessem pesos equivalentes em garantir a liberdade e a confiança nas democracias representativas. Seria preciso demonstrar que a independência do banco central aumenta a liberdade nas democracias representativas. Aqueles que a definem como instrumento da estabilidade, ou aos bancos centrais como guardiãos da moeda, não demonstram de que maneira a estabilidade estrita da moeda é instrumento de liberdade.62 Na ditadura Salazarista, por exemplo, a moeda (o escudo) era estável, a mais estável da Europa e nem por isso a liberdade era maior do que na República de Weimar. As relações entre moeda e liberdade não estão também garantidas para o caso dos bancos centrais independentes. Principalmente quando se define liberdade como não-despotismo. As constituições não prevêm este quarto poder, deixando o banco na esfera do executivo ou sob o legislativo. Para entender a diferença (do ponto de vista das democracias) entre guardar a constituição e guardar a moeda, temos de recorrer aqueles autores que mostram a natureza do controle constitucional e do instituto do judicial review nas democracias e estados constitucionais modernos. Segundo Pasquino (1997), a cultura política americana imprimiu ao controle constitucional duas características importantes. A primeira diz respeito á distribuição de poder entre os ramos legislativo, executivo e judiciário do governo central e á divisão do poder político e das competências entre o governo federal e os estados (os quais preexistem á constituição). Esta divisão tinha como objetivo evitar qualquer forma de despotismo (ou concentração excessiva de poder nas mãos de um único orgão). A estrutura poliárquica de poder era, para os pais fundadores americanos, a melhor garantia de liberdade individual. Dado que a distribuição de competência entre os poderes central e local poderia gerar different types of accountability as compelling evidence of a constitutional commitment to a telos of majority rule. This understanding contains two important errors. First, it wrongly identifies majoritarianism as the primary constitutional value, and second, it misconceives the purpose of political accountability."(Brown, 1998:534). 62 evidentemente que aqui só se trata da definição de liberdade dos liberais. É absolutamente legítimo pensar que estes tenham uma única definição de liberdade, para a política e para a economia. conflitos entre diferentes agências quasi-soberanas, tornou-se necessário recorrer a uma potência que dirimisse os conflitos entre agências. O papel da corte constitucional, segundo Pasquino, é então manter o equilíbrio dentro da estrutura poliárquica de poder (principalmente entre Estados e Federação). A Suprema Corte Americana é nomeada pelo Presidente da República com o consentimento do Senado que representa os Estados.63 Esta ideia de conflito entre União e Estados Federados está também na raiz da introdução do controle constitucional na República de Weimar e na ideia de Hans Kelsen quanto á introdução de um Verfassungsgericht na Constituição Austríaca de 1920. A segunda característica do controle constitucional americano, como mostra Pasquino, tem a ver com o exercício do poder judiciário enquanto tal, ou seja o que se chama judicial review. Esta tem em parte relação com a interpretação americana da separação de poderes, em que o judiciário não é um poder subordinado. Pasquino diz: "The locus classicus of such doctrine is the celebrated opinion written in 1803 by the Chief Justice Marshall in the case Marbury vs. madison. The importance of that opinion lies in the surprising definition of the judiciary (surprising from the European continental point of view). Here we can read: (quote) "it is emphatically the province and duty of the judicial department to say what the law is. Those who apply the rule to particular cases, must of necessity expound and interpreter that rule. If two laws (and the constitution is a law) conflict with each other, the courts must decide on the operation of each....." (in Pasquino, 1997:9). Ou seja, Marshall não só estabeleceu o princípio da superioridade da constituição, como lei superior e principal, que não pode ser alterada por leis ordinárias, como atribuiu ao judiciário, e a qualquer tribunal o poder de interpretar a constituição, de forma a invalidar ou aplicar, leis aprovadas pelo parlamento eleito. Como conclui Pasquino : "Therefore, non accountable public officials can nullify the will expressed by the elective organs/agencies." (...) statutes passed by the Congress are not the only source of law (in the large sense of this word=droit, Recht); jurisprudence is a concurrent source so that we can say that the tradition of comon law produced in the first constitutional state what we call judicial review. Judges and Representatives are coordinate figures." (Pasquino, 1997:9). Nada que se pareça com os diretores de bancos centrais. Em nenhum sistema têm estatuto análogo ao dos representantes. 63 "Notice that here the constitution is conceived like a mechanism which can keep its self-enforcing equilibrium at the center (Madison, F.P. 51), but needs an umpire to avoid the break of the balance between the central political agency and the States". Entretanto há uma distinção a ser feita, entre ser a Constituição um mecanismo e ser uma norma. As normas constitucionais são "superestáveis" e ao contrário do poder executivo e do poder legislativo, a corte Constitucional não age motu próprio, só pode agir se acionado, portanto submete-se ao princípio da passividade. É importante saber quais atores são autorizados a apelar. (Pasquino, 1997:7) Há todavia alguns pontos que podem ser confundidos ou dar azo a analogias entre o papel dos juízes e o dos diretores de bancos centrais. Estes pontos dizem respeito á idéia de juízes enquanto um poder neutro vis a vis a idéia de bancos centrais enquanto guardiães da moeda. Se supusermos o caso de juízes como um poder "neutro", simples aplicadores da lei, e os diretores dos bancos centrais da mesma forma atuando como um poder neutro, sempre que atrelados a uma regra, como por exemplo na idéia de regra de expansão monetária de Friedman, esta neutralidade pode ser comparada, supondo que o papel dos juizes assim como o dos diretores do banco é da mesma natureza: ambos guardam sem interferir, respectivamente, a lei e a moeda Há que distinguir, entretanto, os fundamentos das duas "neutralidades". No caso dos juízes esta é defendida pelo modelo classificado como "bouche de la loi", em que a supremacia do legislativo é fundamental. Nada semelhante ao modelo americanos, em que o princípio de "ambição contra ambição" garante ao judiciário a interpretação e portanto o poder legislativo. O caso francês, mais próximo do primeiro modelo, fundamenta-se na supremacia do legislativo.64 Vejamos agora a tese da neutralidade da moeda assegurada pela obediência a uma regra monetária. A neutralidade aqui se fundamenta na idéia de que a regra evita a discricionariedade e garante a estabilidade da moeda, influenciando as expectativas dos agentes econômicos. Por sua vez, esta regra se torna necessária pois há a idéia de que a moeda também é neutra no longo prazo, ou seja não influencia as variáveis reais da economia. Mas não há aqui nenhum princípio de supremacia do banco enquanto poder legislador, e sim um simples princípio de política monetária ( a teoria monetarista). Se a regra é definida pelo Parlamento ou pelo Congresso, no modelo "bouche de la loi" cabe aos juízes garantir a sua aplicação. No modelo Ambição contra Ambição, os juízes podem cassar a regra se a supuserem contrária aos direitos básicos das minorias. Nos dois casos, a democracia não prevê para os diretores dos bancos centrais senão um papel subordinado e intermediário. Nesse caso, cabe aos juizes serem os guardiães da moeda ( e da lei) e não aos diretores de bancos centrais. Diretores de bancos centrais devem submeter-se a juízes sempre que minorias apelem para decisões ou atos administrativos destes bancos que supostamente violem princípios básicos constitucionais. A inflação é um mal, que pode tornar-se uma tragédia. Mas também a bomba atômica o é, e não se espera inventar um poder constitucional para cada mal da república. 64 Pasquino, 1997 diz a este respeito: "As Carré de Malberg, the most prominent law theorist of the French Third Republic used to say, the law, that is the will of the Parliament, is the only true expression of general will. Since the general will is a sovereign power it would be useless and in any event preposterous to check the sovereign. A Receita Federal desempenha um papel importantíssimo e não se pensa transformá-la num quarto poder. As agências do executivo, as agências independentes podem ser controladas e participar do controle de outros poderes, mas nenhuma constituição as nivela aos poderes já existentes. Política monetária e política ambiental são, nesta interpretação, políticas equivalentes, cujos efeitos podem ser checados e os poderes dos responsáveis por estas podem ser mais ou menos limitados. Se se admitir que os detentores do segredo da bomba atômica não devem ser checados porque isso põe em risco a vida da humanidade, é possível admitir uma agência independente para a bomba atômica, mas ainda assim não se trata de um poder semelhante ao judiciário. Guardar a bomba atômica não é o mesmo que guardar a constituição. O mesmo com a moeda. Bibliografia Amorim Neto, Otávio e Santos, Fabiano. 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