Aumenta número de países com juros negativos

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O Globo, 10 de fevereiro de 2016
Aumenta número de países com juros negativos
Crise leva BCs a cortarem taxas. Há US$ 6 tri em títulos com rentabilidade
negativa
Por: Lucianne Carneiro
Com apenas 40 dias, o ano de 2016 já provocou uma reviravolta nos
mercados globais. Nova turbulência na China, a queda do preço do petróleo
para menos de US$ 30 e a apreciação das moedas internacionais frente ao
dólar mexeram com as Bolsas e renovaram temores sobre o crescimento
global. A resposta das autoridades foi numa direção que parecia ter ficado
para trás, com políticas monetárias cada vez mais expansionistas, o que levou
o planeta a uma situação pouco usual de ter vários países ricos praticando
juros negativos em muitos de seus títulos de dívida pública. Ou seja, o
investidor que emprestar dinheiro a esses governos receberá no futuro menos
do que aplicou. Ontem, pela primeira vez na História, um título de longo
prazo de um país do G-7 ofereceu rentabilidade negativa: os bônus de dez
anos do governo japonês foram negociados por -0,035%.
E o Japão não está sozinho. Também praticam juros negativos em
alguns de seus títulos ou como taxa principal de referência o Banco Central
Europeu (BCE), o BC da Suécia, da Suíça e da Dinamarca. Segundo a
cálculos do J.P. Morgan, há hoje cerca de US$ 6 trilhões em títulos públicos
com juros negativos. Esse montante dobrou em apenas dois meses. E, há um
ano e meio, não havia nenhum bônus de dívida soberana com rentabilidade
abaixo de zero. Nesta quarta-feira, economistas do JP Morgan afirmaram que
investidores preocupados com os impactos negativos do dinheiro
superbarato sobre bancos e mercados globais podem precisar se preparar
para juros abaixo de zero em economias ao redor do mundo.
Dos Estados Unidos à Austrália, passando pelo Canadá, os países ricos que
ainda têm juros no terreno positivo estão recorrendo a novos estímulos
monetários ou adiando a elevação de suas taxas.
— Vivemos uma nova onda expansionista. Quando o Federal Reserve
(Fed, o banco central americano) aumentou os juros, parecia o início da
reversão da era do dinheiro barato no mundo, mas parece que essa era pode
ter sobrevida. Os acontecimentos do início do ano acenderam a luz vermelha
nos bancos centrais, que se viram na obrigação de dar um suporte à economia
— afirma o economista da Tendências Consultoria Silvio Campos Neto,
responsável pelo acompanhamento da economia internacional.
A turbulência na China foi o principal motivo para a mudança de
cenário, apontam especialistas. Ainda que houvesse um clima de incerteza
em relação ao crescimento chinês, a volatilidade das Bolsas intensificou a
preocupação com o chamado hard landing, ou pouso forçado da economia
chinesa. Ao mesmo tempo, os preços do petróleo chegaram a cair abaixo dos
US$ 30, após uma média de US$ 53,61 (do tipo Brent, referência do
mercado mundial) em 2015. O baixo nível da commodity pressiona para
baixo a inflação nos países ricos, elevando o risco de deflação. A perda das
Bolsas mundiais chegou a quase US$ 6 trilhões no primeiro mês do ano.
— O começo do ano foi marcado pela volatilidade nos mercados
internacionais por causa da China e as fortes quedas do preço do petróleo
ganharam destaque. Ao mesmo tempo, as moedas se depreciaram fortemente
em relação ao dólar, e há uma fuga de capitais em busca de mercados mais
seguros. Com isso, começamos a ver a reação das autoridades monetárias,
preocupadas com o possível impacto do mercado financeiro na economia
real, principalmente pelo aumento do custo do crédito. De novo, os bancos
centrais reagiram com mais expansão monetária — explica o economista da
MCM Consultores Antonio Madeira.
Durante o feriado do carnaval no Brasil, as Bolsas globais não tiveram
trégua e sofreram dois dias seguidos de queda. Na Europa, as perdas foram
maiores, em meio a preocupações com a solidez financeira dos bancos. A
Bolsa de Londres recuou 1% ontem, após ter caído 2,7% na véspera. Em
Frankfurt, a queda foi de 1,58%, após perdas de 3,3% na segunda-feira. As
ações do Deutsche Bank, maior banco da Alemanha, caíram mais 4% ontem
e, no ano, já acumulam perdas de 40%. O ministro das finanças alemão
Wolfgang Schäuble e o co-presidente do banco, John Cryan, tentaram
minimizar os temores do mercado. Schäuble disse que não “havia
preocupações” com o Deutsche, enquanto Cryan garantiu que o banco é
“sólido como uma rocha”.
BOLSAS DESPENCAM
A Bolsa de Tóquio caiu 5,4%, o maior tombo em quase três anos, em meio a
busca dos investidores por títulos seguros — o que provocou, como efeito
colateral, a forte redução dos juros pagos pelos bônus da dívida pública
japonesa. As Bolsas americanas fecharam ontem quase estáveis, porém, em
dois dias, o Dow Jones acumulou perdas de 2,42%. O petróleo teve forte
queda, de 7,79%, para US$ 30,32 o barril do tipo Brent.
No dia 29 de janeiro, o Banco Central do Japão surpreendeu o mercado
ao anunciar taxa de juros negativas no país e deixou em aberto a
possibilidade de novas reduções, em mais uma tentativa de estimular a
economia e combater a deflação. Antes disso, o presidente do Banco Central
Europeu (BCE), Mario Draghi, afirmou que o cenário para a inflação tinha
piorado e poderia recorrer a novos estímulos. Na Inglaterra, a previsão para
uma nova alta de juros foi adiada do fim deste ano para 2018. A expectativa
na Austrália é que a autoridade monetária recorra a um corte de juros em
algum momento do ano, para um novo recorde de baixa. E, nos EUA, parte
dos analistas já prevê que a o Federal Reserve (Fed) não vá elevar mais os
juros este ano. A presidente do Fed, Janet Yellen, fará um pronunciamento
no Congresso hoje, que deverá ser acompanhado com lupa pelos mercados.
Já o Banco Central brasileiro decidiu manter a taxa de juros na última reunião
do Comitê de Política Monetária (Copom), citando incertezas no mercado
internacional e doméstico. No caso brasileiro, no entanto, analistas dizem
que o contexto é diferente, com desequilíbrios que vão além do cenário
global.
— Sem dúvida, os bancos centrais dos países ricos mudaram de
posição. Hoje, se pudesse, o Federal Reserve voltaria atrás em sua decisão
de aumentar os juros. Os bancos centrais ficaram mais cautelosos com o que
pode acontecer com a segunda maior economia do mundo, se a transição do
modelo de crescimento chinês pode ser feita de forma organizada ou não —
diz o professor da FEA/USP Simão Davi Silber.
Segundo ele, a situação da política monetária no Brasil é diferente, mas o
banco central fez a coisa certa em mudar de postura, embora de forma
“desastrosa”. Ele lembra que as projeções são de uma nova recessão perto de
4% em 2016, nível semelhante ao de 2015.
Na avaliação do professor do Instituto de Economia da UFRJ Luiz Carlos
Prado, o que se vê neste início do ano não é exatamente uma retomada das
políticas monetárias expansionistas. Ele admite que há mais cautela entre os
bancos centrais, mas o que ocorre é que a expectativa de reversão que existia
não se confirmou:
— A política monetária frouxa é mais um sintoma que uma causa. É uma
resposta ao pouco dinamismo da economia. A economia mundial está sem
fôlego, com muito pouco vigor.
O elevado endividamento das famílias, das empresas e dos governos é
apontado por analistas como uma das principais razões para o ritmo fraco da
economia mundial, consequência ainda da crise financeira internacional de
2008. Com dívidas ainda elevadas, sobra menos espaço para consumo,
investimentos e gastos públicos, que ajudariam na recuperação da economia.
Antonio Madeira afirma que “as sequelas de 2008 foram muito fortes”, e que
os bancos centrais precisam enfrentar “ventos contrários” para cumprir seu
trabalho:
— Dois ventos contrários atrapalham o trabalho dos bancos centrais. De um
lado, há a reestruturação patrimonial das famílias, empresas e governos. Para
reduzir o endividamento, cortam compras e gastos públicos, adiam
investimentos, o que afeta a economia. Ao mesmo tempo, o saneamento dos
bancos os tornou mais cautelosos. Os padrões para emprestar ficaram mais
elevados.
DESIGUALDADE DE RENDA
No caso dos EUA, diz Luiz Carlos Prado, há outro fator que dificulta a
recuperação da economia via consumo, que é a piora da desigualdade de
renda:
— A participação dos mais ricos no total da renda aumentou, o que mexe
com a estrutura da demanda. Só que os mais ricos não consomem tanto, em
conjunto, quanto os mais pobres, que só tem como consumir mais através de
endividamento.
Para Silvio Campos Neto, há um excesso de capacidade produtiva no mundo:
— O fato de a inflação estar muito baixa é um sinal de anomalia e de lentidão
na retomada da demanda.
Um dos riscos da política monetária expansionista é a criação de bolhas. Isso
porque, com taxas de juros baixas, os investidores vão em busca de
alternativas de investimento que possam dar retorno maior. Assim, alguns
setores podem receber volume significativo de recursos. Mas analistas
minimizam esse risco no momento.
— Hoje, na leitura do mercado, não tem um grande candidato para virar uma
bolha, esse dinheiro pode ficar represado — diz o economista da Tendências
Consultoria.
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