Valor Econômico Terça-feira, 06/12/2005 Pág. A-12 Surpresa seria se o país continuasse a crescer, a despeito da política restritiva Um PIB medíocre mas absolutamente previsível Por André de Melo Modenesi Recentemente, o IBGE divulgou a taxa de crescimento do PIB do último trimestre. Para a maioria dos analistas uma grande surpresa: o PIB caiu 1,2% no terceiro trimestre em comparação com o anterior. Isso gerou mais uma rodada de revisões para baixo nas estimativas para o crescimento do ano, que deve ficar perto de 2%. Em fins de 2004, o consenso das previsões girava em torno de 3,5%. Afinal, em 2004 a economia brasileira apresentou um desempenho notável - principalmente levando-se em conta as taxas de crescimento das duas últimas décadas -, o que levou muitos analistas a anunciarem que a semi-estagnação tinha sido superada e a economia, finalmente, havia sido conduzida pelos iluminados do PT a uma trajetória sustentável de crescimento: foi decretado o fim do processo de stop and go. No entanto, não há razão para surpresa. Também não se pode culpar a crise política pela queda do PIB. O problema é que (in)felizmente a macroeconomia funciona. Para entender a forte reversão no crescimento econômico não precisa ser nenhum expert. Bastaria ter assistido às primeiras aulas de introdução à macroeconomia: a demanda agregada é igual a consumo + investimento + gastos do governo + saldo comercial. Atualmente, os componentes da demanda agregada estão fortemente comprimidos. Não por choques negativos imprevisíveis que justificariam a pseudo-surpresa, mas sim pela política econômica. Os gastos em investimento e em consumo de bens duráveis estão contidos por uma política monetária extremamente restritiva: a taxa de juros real no Brasil é uma das mais elevadas do mundo. Os gastos do governo - notadamente os investimentos - estão reprimidos por uma política fiscal fortemente contracionista: a meta de superávit primário será cumprida com larga folga. Ao que tudo indica, neste ano o superávit primário ficará acima da meta e também irá superar o registrado em 2004. Finalmente, o saldo comercial - apesar dos recordes que vem batendo - poderia ser ainda maior se a política cambial não fosse refém das metas de inflação. Não há dúvida de que o real está sobrevalorizado, o que deteriora o saldo comercial - as exportações tornam-se menos rentáveis e as importações ficam mais atraentes. No entanto, como o governo tem como prioridade a manutenção da estabilidade de preços, o ministro da Fazenda tem sido leniente com a sobrevalorização cambial. Isto porque uma redução na taxa de câmbio contribui para controlar a inflação, o que irá facilitar o cumprimento da meta neste ano. Infelizmente a economia brasileira ainda não entrou em uma trajetória de crescimento sustentado. Não por acaso ou por razões desconhecidas. Para o bem ou para o mal, a macroeconomia funciona e o mix monetário-cambial e fiscal recessivo tem sido decisivo para manter a economia desaquecida. Surpresa surgiria se, a despeito da orientação fortemente restritiva da política econômica, o PIB continuasse a crescer, contrariando os fundamentos da teoria macroeconômica. Controlar a inflação praticando as taxas de juros mais altas do mundo não é mérito para ninguém A superação da situação de stop and go pressupõe, dentre outras, duas medidas: a recuperação da eficácia da política monetária e uma reforma fiscal, capaz de reduzir a carga tributária (uma das maiores do mundo, cerca de 40%) e de melhorar a composição dos gastos do governo, permitindo uma ampliação do investimento público - na casa de insignificantes 0,6% do PIB. Não há dúvida de que elevações na taxa Selic contribuem para a estabilidade de preços. No entanto, a inflação brasileira tem se mostrado pouco sensível à taxa de juros: uma pequena redução da inflação requer uma elevação significativa da taxa Selic. Não se pode considerar bem-sucedida uma política monetária que, para manter a inflação em torno de 5,5%, requer uma taxa de juros real de 14% ao ano. Dito de outra forma, controlar a inflação praticando as taxas de juros mais altas do mundo não é mérito para ninguém. Há um motivo fundamental para explicar a baixa sensibilidade da inflação à taxa de juros: a alta participação dos preços administrados (ou controlados pelo governo) no IPCA, cerca de 30%. Como os preços administrados não são determinados pela interação entre oferta e demanda agregada, eles são insensíveis à taxa de juros. Além disso, os preços administrados apresentam uma taxa de crescimento significativamente superior à taxa de expansão dos demais componentes do IPCA ou dos preços livres. O elevado peso dos preços administrados na composição do IPCA faz com que os preços livres tenham de ser mantidos excessivamente reprimidos - pela manutenção da Selic em níveis muito elevados - para que a média da variação dos dois grupos de preços (ou o IPCA) permaneça em níveis compatíveis com as metas de inflação. Outros motivos também explicam a baixa sensibilidade da inflação à taxa de juros. A existência de pressões inflacionárias pelo lado dos custos tem sido negligenciada. Em meados da década de 1990, havia uma preocupação com o chamado "custo Brasil" que, apesar de ter saído do noticiário e de ser ignorado pela equipe econômica, ainda é relevante. São muitos os exemplos. O que mais chama a atenção - nem por isso o mais importante - é a fila quilométrica de caminhões que se forma todo ano na BR-277, no escoamento da safra de soja pelo Porto de Paranaguá. Essa é uma caricatura da ineficiência da economia brasileira que gera pressões inflacionárias nada desprezíveis. E as elevações da Selic - ainda que reduzam o potencial de repasse dos custos para preços - não atacam as causas de pressões inflacionárias com origem nos custos. Outra razão é o fato de um dos principais canais de transmissão da política monetária, o do crédito, ser pouco relevante na economia brasileira. O que se deve à reduzida importância do crédito no país: a relação crédito/PIB é de apenas 30%, ao passo que em economias desenvolvidas passa de 100%. Enquanto essas questões não forem resolvidas, as amarras da política econômica não poderão ser removidas sem que a inflação recrudesça e, portanto, a promessa do "espetáculo do crescimento" não deixará de ser mera retórica política. Enfim, no Brasil, a política econômica não pode se reduzir ao tripé metas de inflação-câmbio flutuanteequilíbrio fiscal. André de Melo Modenesi é professor do Ibmec e pesquisador do IE/UFRJ. Autor do livro "Regimes monetários: teoria e a experiência do real" (Editora Manole, 2005).