DANIELA BEZERRA COSTA A POSSIBILIDADE DE DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA NA RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA DAS SOCIEDADES LIMITADAS. UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS Faculdade de Direito Bacharelado em Direito Goiânia, nov. 2008 DANIELA BEZERRA COSTA A POSSIBILIDADE DE DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA NA RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA DAS SOCIEDADES LIMITADAS Monografia apresentada como exigência parcial para a obtenção do grau de Bacharel em Direito junto à Faculdade de Direito da Universidade Federal de Goiás – UFG, sob a orientação da Profª. Dra. Maria Cristina Vidotte Blanco Tarrega. Goiânia, nov. 2008 DANIELA BEZERRA COSTA A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA NA RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA DAS SOCIEDADES LIMITADAS Monografia defendida e aprovada em 12 de novembro de 2008 pela Banca Examinadora constituída pelos professores: Prof. Dra. Maria Cristina Vidotte Blanco Tarrega Presidente da Banca Prof. Mestranda. Maria Augusta Fernandes Justiniano Membro da Banca Prof. Ms.Waller Chaves da Costa Membro da Banca Dedicado, em gratidão, a minha família, minha base de apoio. AGRADECIMENTOS Agradeço a Deus pela vida e pela saúde. Agradeço aos meus pais Moisés e Rose, pelo apoio, pela força e ensinamentos ao longo dos anos vividos. Às minhas irmãs Dayana e Suzana, pelo companheirismo e amizade. À minha Tia Rosimar, que sempre me incentivou a buscar meus ideais. Aos meus grandes amigos, por tudo de bom que me proporcionaram. Pensamos demasiadamente sentimos muito pouco necessitamos mais de humildade que de máquinas. Mais de bondade e ternura que de inteligência. sem isso, a vida se tornará violenta e tudo se perderá. Charles ChaplinSUMÁRIO SIGLAS E ABREVIATURAS-------------------------------------------------------------- 9 RESUMO--------------------------------------------------------------------------------------- 11 ABSTRACT------------------------------------------------------------------------------------ 12 INTRODUÇÃO-------------------------------------------------------------------------------- 13 1 TEORIA DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA----1.1 Origem Histórica........................................................................................ 1.1.1 Contribuição de Rolf Serick.......................................................... 1.2 Conceito e Aplicabilidade......................................................................... 1.3 Teorias da Desconsideração..................................................................... 1.3.1 Teoria Maior................................................................................. 1.3.2 Teoria Menor................................................................................ 1.4 Pressupostos para aplicação da desconsideração da personalidade jurídica..................................................................................................... 1.4.1 Desvio de Finalidade.................................................................... 1.4.2 Confusão Patrimonial................................................................... 1.4.3 Abuso de Direito........................................................................... 1.4.3.1 Teorias do Abuso de Direito........................................ 1.4.3.2 Teoria Objetiva............................................................. 1.4.3.3 Teoria Subjetiva............................................................ 16 16 17 20 22 23 24 25 26 27 29 30 31 32 2 3 1.4.4 Abuso de Direito e Ato Ilícito...................................................... 1.4.2 Abuso de Direito e Fraude............................................................ 1.4.2 A crise da personalidade jurídica................................................. 34 36 37 RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA DOS SÓCIOS COTISTAS E A INTERPRETAÇÃO DA NORMA JURÍDICA TRIBUTÁRIA--------------------2.1 Responsabilidade Tributária dos Sócios.................................................. 2.1.1 Responsabilidade Indireta por Transferência.............................. 2.1.2 Responsabilidade Tributária por Substituição............................. 2.1.3 Responsabilidade Solidária.......................................................... 2.1.4 Responsabilidade de Terceiros – Análise da Responsabilidade do artigo 134 inciso VII e artigo 135 CTN...................................... 2.1.5 Excesso de Poder, Infração de Lei / Contrato Social e Dissolução Irregular da Sociedade................................................................... 2.2 Interpretação da Norma Tributária............................................................ 2.2.1 Métodos interpretativos e a interpretação da lei tributária............ 2.2.2 Princípios & Regras, qual deve prevalecer na interpretação das normas tributárias...................................................................................... 2.2.3 A importância de uma interpretação constitucional nas normas tributárias..................................................................................... 2.2.4 Princípio da legalidade no Direito Tributário & Princípio da razoabilidade: Análise das normas tributárias em relação à Responsabilidade Tributária.......................................................... 2.2.5 Os direitos fundamentais no Direito Tributário e a Segurança Jurídica. 40 POSSIBILIDADE DE DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA Á LUZ DO ART. 134 INCISO VII E 135 CTN-------------------------3.1 Posicionamentos favoráveis à desconsideração da personalidade jurídica na responsabilidade tributária.................................................................... 3.1.1 Relações entre o Direito Privado e o Direito Tributário.............. 3.1.2 Desconsideração da personalidade jurídica: Pressupostos para sua aplicação em matéria tributária................................................... 3.1.3 A desconsideração da personalidade jurídica como instrumento de superação para o desvirtuamento de sua finalidade.................... 3.1.4 A desconsideração da personalidade jurídica na Responsabilidade Tributária.................................................................................... 3.1.5 Medidas de Desconsideração da Personalidade Jurídica............ 3.2 Posicionamentos contrários à desconsideração da personalidade jurídica na Responsabilidade Tributária.................................................................... 3.2.1 Princípio da autonomia patrimonial e a personalidade jurídica no campo do Direito Tributário....................................................... 3.2.2 Os limites da intervenção do Estado sobre a personalidade jurídica no Direito Tributário........................................................................ 3.6 Entendimentos jurisprudenciais............................................................. 4.2 Elucidações finais.................................................................................. 69 40 42 43 44 45 50 56 57 60 63 65 66 69 71 73 74 75 76 81 84 86 87 89 CONCLUSÃO--------------------------------------------------------------------------------- 90 FONTES BIBLIOGRÁFICAS------------------------------------------------------------- SIGLAS E ABREVIATURAS art. Artigo CC Código Civil CDC Código de Defesa do Consumidor CLT Consolidação das Leis Trabalhistas CF Constituição Federal Cf. Confira CT Crédito Tributário CTN Código Tributário Nacional Dec.-lei Decreto-lei DJ Diário de Justiça GO Goiás Ibid. Ibidem Id. Idem ICMS Imposto sobre Circulação de Mercadoria e Serviços de Transporte e de Comunicação Inc. Inciso LC Lei Complementar Loc Cit. Locus citatum (Lugar Citado) Min. Ministro MP Medida Provisória n.º Número op. cit. obra citada. RDA Revista de Direito Administrativo RE Recurso Extraordinário Rel. Relator REsp. Recurso Especial RT Revista dos Tribunais RS Rio Grande do Sul STJ Superior Tribunal de Justiça STF Supremo Tribunal Federal RESUMO O trabalho visa verificar a possibilidade de desconsideração da personalidade jurídica na responsabilidade tributária das sociedades limitadas. A pesquisa partirá de duas perspectivas, as quais são: identificar a possibilidade de aplicação da norma civil estatuída no artigo 50 do Código Civil Brasileiro dentro das normas de responsabilidade tributária e verificar se as normas de responsabilidade do Código Tributário são hipóteses de desconsideração da pessoa jurídica no campo tributário. Para responder o problema exposto, será realizada uma interpretação sistemática buscando uma adequação das normas e princípios através de uma análise hermenêutica constitucional, no intuito de garantir maior justiça e segurança nas relações jurídicas tributárias. Palavras-chave: 1. Desconsideração da Personalidade Jurídica; 2. Responsabilidade Tributária; 3. Sociedade Limitada. ABSTRACT The present work intends to verify the possibility of disregard of leal entity in the tax liability of the limited societie. the research will depart from two perspectives, which are: identify the possibility of application of the civil norm decreed in article 50 of the Brazilian Civil Code inside of the tax liability norms and to verify if the norms of responsibility of the Code Tributary are hypotheses of disrespect of the leal entity in the tributary field. To answer the displayed problem, a systematic interpretation will be carried through searching an adequacy of the norms and principles through a constitutional hermeneutic analysis, in intention to guarantee greater justice and security in the legal tributary relationships. Word-key: 1. Disregard of leal entity; 2. Tax liability; 3. Limited society. INTRODUÇÃO A pessoa jurídica desempenha uma função própria, visando atender determinadas finalidades sociais relevantes. Todavia, toda e qualquer pessoa jurídica, pode ter sua função desvirtuada, auferindo finalidades contrárias ao fim perseguido pelos sócios e aquele previsto no ordenamento. Nesta seara, o Instituto da Desconsideração da personalidade Jurídica, disposto no artigo 50 CC/02, sobreveio como barreira à utilização de abusos praticados pela pessoa jurídica, que pretenda escapar de uma obrigação contratual ou legal, fraudar credores e ainda praticar atos em proveito próprio dos sócios. A aplicação do instituto em comento no campo do Direito Privado visa alcançar os reais sujeitos, que se ocultam para fins ilícitos e abusivos, utilizando-se do manto da pessoa jurídica para lesão de terceiros, subtração de deveres e prejuízos a particulares. No tocante ao Direito Público, em especial o Direito Tributário, a Teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica apóia-se numa visão muito específica do princípio da legalidade ou ainda da necessidade de regulamentar leis suscetíveis para fins de desconsideração da pessoa jurídica. Nesse sentido, faz-se necessário analisar, de forma pormenorizada os artigos que disciplinam a responsabilidade tributária, em especial o art. 134 caput inc.VII e art. 135 inc.III, verificando se é possível aplicabilidade da teoria da desconsideração da personalidade jurídica. Insurge desse modo, examinar se tais atos ou omissões praticados pela pessoa jurídica, em excesso de poder ou infração à lei e ao contrato social, ensejariam abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, como também evidenciar se hipóteses do CTN configurariam hipótese de desconsideração da personalidade jurídica. Diante de tais enunciações, iniciou-se um dissenso doutrinário e jurisprudencial em torno da aplicação, ou não, da Desconsideração da Personalidade Jurídica na seara tributária, tal questionamento se tornou relevante principalmente em conseqüência do redirecionamento das obrigações tributárias. Apresenta-se muito vasta e divergente a questão sobre a aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica em matéria tributária, precipuamente no tocante a responsabilidade pessoal dos sócios, o que torna ampla a seara para debates doutrinários e jurisprudenciais. Nesse diapasão, o entendimento de alguns jurisconsultos milita em uma interpretação mais ampla no direito tributário onde a pessoa jurídica não poderá acobertar abusos, irregularidades, fraudes perpetradas pelos sócios, e, portanto não pode ser regida por um direito absoluto, nos lindes do princípio da legalidade. De acordo com essa corrente, a norma civil (art. 50 CC/02) e as normas tributárias, convergem para aplicação da Teoria da desconsideração da personalidade jurídica, e independe de lei específica para responsabilização pessoal dos sócios, bastando haver entendimento jurisprudencial. Não obstante, a outra corrente defende que a desconsideração da pessoa jurídica, para fins de aplicabilidade nas relações tributárias, não deve ser admitida, vez que o próprio Código Tributário Nacional já limita as hipóteses em que são possíveis a “relativização” da pessoa jurídica, ou seja, o rol é taxativo e não permite ampliação. Logo, diante das considerações acima enunciadas, a pesquisa partirá da análise dos seguintes temas: a Desconsideração da personalidade Jurídica, Responsabilidade Tributária e Interpretação no Direito Tributário, de forma a esmiuçar cada tema e ao final fazer a junção de todos, tentando assim responder a problemática já exposta. Trata o primeiro capítulo da Teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica, no qual é realizado um estudo sobre a origem histórica, conceito, aplicabilidade enfocando as Teorias Maior e Menor, após seguem-se os estudos para os pressupostos de aplicação da Desconsideração, analisando o desvio de finalidade, a confusão patrimonial e o abuso de direito, fazendo uma distinção com o ato ilícito e a fraude. O primeiro capítulo encerra trazendo abordagem de Lamartine Correa sobre a crise da personalidade jurídica. O segundo capítulo aborda a responsabilidade tributária, em atenção aos artigos 134 inc.VII e 135 inc.III. Iniciam-se os estudos da responsabilidade tributária dos sócios abordando a responsabilidade indireta por transferência, por substituição e a solidária, em seguida é feita uma análise à luz dos artigos 134 e 135, bem como um exame da responsabilidade tributária sobre os seguintes focos: excesso de poder, infração de lei e infração de contrato social. No capitulo 02 a pesquisa buscará elencar os métodos de interpretação do Direito Tributário, os quais são: gramatical, lógico, histórico, teleológico e sistemático bem como, verificar qual o melhor método de interpretação no tocante as normas de responsabilidade tributária. Ainda no capítulo 2 abordará os princípios e regras, identificando qual deve prevalecer na interpretação das normas tributárias, bem como evidenciado a importância de uma interpretação constitucional nas normas tributária no intuito de garantir os direitos fundamentais do contribuinte bem como a segurança jurídica nas relações tributárias. Nesse precedente, os estudos de hermenêutica constitucional serão relevantes para questionar a validade da aplicação da Teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica expressa no Código Civil para ensejar a responsabilidade tributária dos sóciocotistas, como também para trazer à lume a melhor interpretação na análise do abuso da personalidade jurídica em matéria tributária. No Capítulo 3, a pesquisa adentrará na temática central, a qual é: a possibilidade de desconsideração da personalidade jurídica na responsabilidade tributária, analisando as duas correntes pro e contra, bem como expondo os entendimentos jurisprudenciais, e, ao final, posicionando quanto à melhor saída para problemática exposta. Outrossim, como referencial teórico, a pesquisa partirá dos estudos realizados por Ricardo Lobo Torres, em seu livro Normas de Interpretação e Integração do Direito Tributário, onde o autor fundamenta-se no pluralismo metodológico e técnicas modernas de hermenêutica como a Teoria da argumentação, a retórica e a pragmática, de forma a retirar da norma positiva o seu real objetivo, a fim de oferecer maior segurança nas relações jurídicas. O trabalho também pautará seu referencial teórico na obra de Claus – Wilhelm Canaris - Pensamento Sistemático e Conceito de Sistema na Ciência do Direito, buscando explicar e efetuar a adequação valorativa e a unidade interior da ordem jurídica, na medida em que interpreta a norma jurídica como um todo em si. O presente trabalho adota o método sistemático, em relação à análise das normas de responsabilidade tributária e a norma civil (art.50 CC/02), a fim de extrair o sentido e alcance de forma mais eficaz, conciliando com a segurança jurídica e a justiça, principalmente como meio de interação entre as regras, princípios e valores de forma a completar e concretizar uns aos outros. Ademais, o trabalho também realizará uma análise constitucional constante, a fim de verificar a validade legal da desconsideração da personalidade jurídica em matéria tributária. Capítulo 1: Teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica 1.1 Origem Histórica A Disregard Doctrine iniciou suas primeiras linhas durante o século XIX, onde intensificou cada vez mais a preocupação com a utilização da pessoa jurídica e os seus fins perseguidos, neste contexto a doutrina e jurisprudência buscaram instrumentos para reprimir os fins diversos daqueles previstos na lei. Inicialmente, não havia norma expressa que tratasse sobre o tema ou abordasse qualquer hipótese que responsabilizasse o sócio pelos atos praticados pela empresa. 1 O tema começou ser construído sobre uma afirmação de princípios considerados de maior importância, contudo foram nos países dos sistemas da Common Law, que a teoria ganhou força para desenvolver-se, deveras a jurisprudência norteamericana traz um célebre caso do Bank of United States & Deveaux, no ano de 1809, em que as cortes federais decidiram pela desconsideração da personalidade jurídica e consideraram as características dos sócios individuais. 2 Outro caso notável e com maior repercussão que o primeiro foi o caso inglês Salmon & Salomon, quando um empresário constituiu uma company, ficando ele com vinte mil ações e os demais sócios seis (todos da sua família), cada qual com uma única ação, a sociedade logo em seguida se mostrou insolvente, com ativo insuficiente para saldar os credores. O liquidante afirmou que a atividade da company era, na verdade, do empresário, que usara daquele artifício para limitar sua responsabilidade pessoal. 3 Doutrinariamente, a Disregard Doctrine, fundamentou-se na obra de Rolf Serick, que desenvolveu um estudo profundo do comportamento da pessoa jurídica e sobre a sua personalidade jurídica. A obra de Serick é dividida em três livros. No primeiro livro o autor aborda as possibilidades de aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica, partindo do conceito do abuso de direito, o segundo livro enfoca nos problemas em relação a norma e a pessoa jurídica, o ultimo livro faz uma síntese do resultado de sua pesquisa, evidenciando a importância de “relativizar” em determinados casos a personalidade jurídica. No Brasil o precursor da teoria foi Rubens Requião, que esboçou com magnificência o tema em uma Conferência proferida na Faculdade de Direito da 1 2 3 Cf. KOURY, Susy Elizabeth Cavalcante, A desconsideração da personalidade jurídica (disregard doctrine) e os grupos de empresas, 1998, p.63. Ibidem. Cf. DELGADO, José Augusto. A Desconsideração da Pessoa Jurídica e os seus Reflexos na Ordem Tributária. In: TORRES, Heleno Taveira; QUEIROZ, Mary Elbe (Coord.). Desconsideração da personalidade jurídica em matéria tributária. 2005, p. 434-435. Universidade Federal do Paraná, vale ressaltar que o texto dessa conferência foi encaminhado a Comissão Revisora do Código Civil, presidida por Miguel Reale, o qual recebeu como sugestão, posteriormente o autor ainda propôs sua alteração perante Comissão Especial do Código Civil, na Câmara dos Deputados.4 É cediço que os estudos de Rubens Requião contribuíram muito para a consolidação da teoria no Brasil, de fato com o advento do Código Civil de 2002 a Disregard Doctrine se consubstanciou em norma expressa, efetivando a sua solidez no ordenamento jurídico pátrio. Contudo antes do Código Civil, a Disregard Doctrine jurídica já aflorava em alguns textos legais, de fato o direito trabalhista já rompia com o dogma da autonomia da pessoa jurídica, conforme se vê no art.2º § 2 CLT. Aliás, é na seara trabalhista que a Teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica desenvolveu-se e expandiu-se, sendo amplamente utilizada. No tocante ao Direito Tributário, matéria sobre a qual debruçaremos os estudos parte de alguns doutrinadores atestam que o Código Tributário Nacional traz algumas hipóteses que poderiam invocar a desconsideração da personalidade jurídica, contudo, outra parte da doutrina defende que não se trata de aplicação da referida teoria. Como se vê, a teoria da desconsideração da personalidade jurídica foi adquirindo espaço inicialmente na jurisprudência dos tribunais, antes de se consolidar no ordenamento como lei. 1.1.1 Contribuição de Rolf Serick A obra de Rolf Serick5 foi considerada na época um dos trabalhos mais importantes nessa área. O autor inova pois vai além do conceito da pessoa jurídica, e, para tanto, busca fazer uma análise realista do instituto,não optando por doutrinas existentes, não obstante considera a pessoa jurídica como criação da lei. Os estudos de Serick dividem em três vertentes, no primeiro livro o autor analisa as possibilidades de aplicação da desconsideração em casos de abuso de direito, ressaltando o conceito de abuso de direito. 4 Considerando insatisfatória a redação daquele preceito, Rubens Requião propôs sua alteração por ocasião da Conferência que proferiu perante a Comissão Especial do Código Civil, na Câmara de Deputados. 5 Obra denominada: “Forma jurídica e realidade das pessoas jurídicas – Contribuição de Direito Comparado à questão da penetração destinada a atingir pessoas ou objetos situados atrás da pessoa jurídica” (tradução nossa). No segundo livro o autor estuda os problemas em relação a norma jurídica e a pessoa jurídica, no terceiro livro o autor resume os resultados de sua pesquisa, provando que em determinados casos é necessário desconsiderar a pessoa jurídica, bem como relativizar o princípio da autonomia patrimonial, desde que haja parâmetros rigorosos para a desconsideração, pois de qualquer modo o autor mantém uma postura de cautela quanto a aplicação. O autor alemão desconsidera a personalidade jurídica quando ocorre o abuso de direito por meio da fraude, contudo ressaltamos que Serick defende a Teoria Subjetiva do Abuso, sendo necessário haver o animus de prejudicar terceiros, ou seja, para desconsiderar a pessoa jurídica é importante haver a intenção do agente em fraudar, ademais para ter aplicabilidade a desconsideração deve estar normatizada. Ampliando o debate sobre o tema, o autor analisa que se a pessoa jurídica ultrapassar as barreiras impostas pelo ordenamento jurídico, não deve haver a preservação do princípio da autonomia patrimonial, pois neste caso houve a intenção de elidir a norma jurídica, no intuito de prejudicar terceiros. Para o autor, o abuso da pessoa jurídica autoriza o juiz - a fim de afastar o fim ilícito perseguido pelo sócio – não respeitar tal forma, afastando-se, então, do princípio da distinção natural entre o sócio e a pessoa jurídica, outrossim, conceituando o abuso, o autor alemão salienta que existe abuso quando por meio do instrumento da pessoa jurídica, procura-se afastar uma lei ou exonerar-se de obrigações contratuais ou ainda de prejudicar terceiros.6 Concernente aos sócios, Serick ressalta que o sócio pode participar da vida social, excluindo-se a própria responsabilidade da responsabilidade da sociedade desde que respeitados os limites impostos pela lei, e controlados pela autoridade judicial. Este papel do sócio, frente ao papel da sociedade, é que justifica o Princípio de Separação, ou Diferenciação, entre o sócio e a empresa – elemento essencial, característico da pessoa jurídica. Por outro lado, esta função social da sociedade é que autoriza, justificando, a confiança inata existente entre sócio e sociedade. 7 Cf. SERICK, Rolf, Forma e realtà della persona giuridica, 1966, p. 275 (tradução nossa) “ Se si abusa della forma della persona giuridica il giudice può, al fine di impedire che venga raggiunto lo scopo illecito perseguito, non rispettare tale forma, allontanandosi quindi dal principo della netta distinzione tra socio e persona giuridica.” 7 Cf. SERICK, Rolf, Forma e realtà della persona giuridica, 1966 p. 276 (tradução nossa) “Essa, per quanto attiene al diritto civile, è stata creata per servire, nell’ambito di onesti rapporti giuridici, come uno strumento che permette al singolo di partecipare allá vita giuridica ed econômica, com esclusione della própria responsabilità personale, in uma forma indipente dalle persone dei titolari delle quote sociali.” 6 Contudo, isto só é aceito na medida em que a pessoa jurídica atuar licitamente conforme a ela assinalada pelo ordenamento jurídico. Quem obtém ganho indevido atuando ilicitamente não merece qualquer tutela. Aqueles que obtêm ganho indevido devem de pronto, ser retirados do anteparo da pessoa jurídica, atrás do qual se escondem, de modo a identificar quem realmente atua em primeiro plano. 8 Não se pode justificar a desconsideração da pessoa jurídica utilizando-se a tutela da boa-fé, mas tão somente no abuso de forma especificada acima, nesses termos, Serick reforça que o princípio da autonomia patrimonial deve ser sempre prestigiado, desde que não ocorra a fraude ou o abuso de direito. Ao final de sua obra Serick conclui que apesar da pessoa jurídica ter sua autonomia patrimonial própria, tal princípio deve ser mitigado em casos específicos, segundo o autor é necessário relativizar a autonomia a fim de preservar o próprio instituto da pessoa jurídica, impende destacar que tal situação não invalida por completo este instituto. 1.2 Conceito e Aplicabilidade Para alcançar uma melhor definição da Desconsideração da Personalidade, é necessário trazer o pensamento de alguns jurisconsultos que cooperaram para a formação da teoria. Nesse sentido, Lamartine Correa de Oliveira, analisa o tema: “Os problemas de desconsideração envolvem freqüentemente um problema de imputação. O que importa basicamente é a verificação da resposta adequada à seguinte pergunta: no caso em exame, foi realmente a pessoa jurídica que agiu, ou foi ela mero instrumento nas mãos de outras pessoas, físicas ou jurídicas? E exatamente porque a nossa conclusão quanto à essência da pessoa jurídica se dirige a uma postura de realismo moderado, repudiamos os normativismos, os ficcionismos, os nominalismos, que essa pergunta tem sentido: se é em verdade uma ou outra pessoa que está a agir, utilizando a pessoa jurídica como escudo, e se é essa utilização da pessoa jurídica, fora de sua função, que está tornando possível o resultado contrário à lei, ao contrato ou às coordenadas axiológicas fundamentais da ordem jurídica (bons costumes, ordem pública), é necessário fazer com que a imputação se faça com predomínio da realidade sobre a aparência.” 9 Cf. SERICK, Rolf, Forma e realtà della persona giuridica, 1966 p.276-277 (tradução nossa) “Ma cio vale solo nella misura in cui la persona giuridica venga utilizzata, in maniera lecita, nell’ambito delle funzioni ad essa assegnate dall’ordinamento giuridico. Chi sfrutta la forma della persona giuridica per il conseguimento di fini non leciti non merita alcuna tutela. Questi deve essere pronto a vedersi togliere lo shermo della persona giuridica dietro la quale si cela e ad apparire personalmente in primo piano”. 9 Cf. OLIVEIRA, J. Lamartine Côrrea. A Dupla Crise da Pessoa Jurídica. 1979, nota 4, p.542-550. 8 Nesse mesmo entendimento, para Rubens Requião o direito, enfim, foi criado em atenção ao indivíduo, tendo por objetivo ordenar sua convivência com outros indivíduos. O exercício de seus direitos, embora privados, deve atender a uma finalidade social. A função social do direito, que se refere, sobretudo aos contratos e à propriedade, deve pelo indivíduo ser atendida. 10 Assim, aquele que utiliza o direito para acobertar atos ilícitos acautelados ou não previstos pela legislação, seja para prejudicar terceiros ou ainda para beneficiar ou privilegiar a si mesmo, não age de acordo com os princípios conjecturados em nosso ordenamento, vez que alteram o equilíbrio das relações jurídicas, e nesse precedente deve ser invocada a teoria da desconsideração da personalidade jurídica. Quanto à aplicabilidade, temos que embora o instituto procure combater as fraudes perpetradas e fins desvirtuados pelos sócios, tentando preservar os negócios jurídicos, bem como terceiros de boa-fé. A personalidade jurídica só será atingida no ponto em que haja o abuso de direito, não podendo “despersonificar” por completo a pessoa jurídica. Nesse sentido, Alexandre Couto Silva, expõe seu entendimento: A Disregard Doctrine não visa a desconstituição da personalidade jurídica, ou seja, a despersonificação. Desconsideração e despersonificação são diferentes. A despersonificação tem por finalidade a anulação da personalidade jurídica, por lhe faltar condições de existência, como nos casos de invalidade de contrato social ou dissolução de sociedades. Já a desconsideração visa desconsiderar, apenas no caso concreto, o instituto da pessoa jurídica.11 De fato, o ordenamento jurídico brasileiro consagra o princípio da autonomia patrimonial, de forma a manter a separação entre sociedades e sócios, portanto não há que se falar em “despersonificação”, a qual pressupõe a extinção da pessoa jurídica. Alias, vale salientar que a “despersonificação” invalidaria a Teoria da Realidade das Instituições Jurídicas adotada pelo ordenamento pátrio, que concebe a pessoa jurídica como realidade criada pelo direito. Realmente, a Teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica trazida à nossa doutrina pelo professor Rubens Requião, surgiu para desconsiderar no caso concreto, 10 Cf. REQUIÃO, Rubens. Abuso de Direito e Fraude através da Personalidade Jurídica (Disregard Doctrine) In: Aspectos Modernos de direito comercial: estudos e pareceres. 1988, pg.72-73. ponderando sempre na limitação de uma situação específica, em que a pessoa jurídica se oculta atrás de pessoas ou bens. Destarte, em relação aos outros fins legítimos e lícitos a pessoa jurídica permanece ilesa. 12 Portanto, a Teoria da Desconsideração não tem o fulcro de anular ou extinguir a personalidade jurídica, apenas desconsiderar determinadas situações em face de pessoas ou bens que se escondam com intuito de prejudicar terceiros ou ainda de auferir vantagens ilícitas, para todos os outros casos legítimos permanecem incólume a personalidade da empresa. Nesse sentido, temos que as hipóteses válidas para ensejar a aplicação da teoria validamente são: a) a forma abusiva da pessoa jurídica, com intuito de escapar de obrigação legal ou contratual, ou de fraudar terceiros credores, b) violação dos direitos societários c) prática de atos da pessoa física, em proveito próprio, utilizando-se da pessoa física. 13 1.3 Teorias da Desconsideração O instituto da Desconsideração da personalidade jurídica, como exposto anteriormente, foi aos poucos ganhando espaço no Direito Brasileiro, até se consolidar no ordenamento jurídico, embora esteja expresso em poucos artigos como: o artigo 50 do Código Civil Brasileiro; artigo 28 do Código de Defesa do Consumidor e artigo 18 da Lei 8.884/94 (Lei Anti-Truste)14. É um instituto oriundo do Direito Privado, sua aplicação básica está na relativização da personalidade jurídica em casos que haja uso abusivo da personificação da pessoa jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade e confusão patrimonial, dessa 11 SILVA, Alexandre Couto. Aplicação da desconsideração da personalidade jurídica no direito brasileiro. 1999, p.29. 12 Cf. REQUIÃO, Rubens. Abuso de Direito e Fraude através da Personalidade Jurídica (Disregard Doctrine) In: Aspectos Modernos de direito comercial: estudos e pareceres. 1988, p.63. 13 Cf. BRENNER, Ana Cristina. A desconsideração da personalidade Jurídica em Matéria Tributária. 2007. Disponível em: < www.apergs.org.br/doc/pdf_606.pdf > Acesso em: 16 jul. 2008. 14 Mencionamos, aqui, somente algumas leis que mais destacaram a teoria, embora alguns doutrinadores ampliem o rol de artigos, de forma a considerar outros artigos que retratam o instituto da Desconsideração de maneira implícita. forma, o instituto busca evitar que pessoas físicas aufiram vantagens diversas realizando atos irregulares acobertados pela pessoa jurídica. 15 Contudo, é com o advento do Código do Consumidor, que a Desconsideração da Personalidade Jurídica teve tratamento ampliativo no tocante a sua aplicabilidade, de maneira que desconhecendo todas as construções doutrinárias e jurisprudenciais anteriormente formuladas, foi necessário novamente aperfeiçoar seus conceitos quanto a sua aplicação. 16 Doutrinariamente existem duas teorias da desconsideração da personalidade jurídica que tentam justificar sua aplicação, as quais são: Teoria Maior e a Teoria Menor, dessa forma, convêm analisá-las separadamente. 1.3.1 Teoria Maior A Teoria Maior teve seu maior expoente na doutrina estrangeira com o alemão Rolf Serick, por meio de sua obra verificam-se algumas considerações relevantes, para Fabio Ulhoa a aplicação desta referida Teoria trouxe quatro pontos ou princípios fundamentais na aplicação da desconsideração. 17 O primeiro princípio ocorre quando existe abuso da forma da pessoa jurídica, é o caso em que um ato é praticado através da pessoa jurídica, visando frustrar a aplicação da lei ou descumprimento de obrigação contratual, com intuito de prejudicar terceiros. Nesse sentido, Rolf Serick afirma que “caso haja abuso da figura da pessoa jurídica, o juiz pode, objetivando impedir que seja alcançado o fim ilícito perseguido, desrespeitar dita figura, afastando-se, portanto, do princípio da distinção nítida entre sócio e pessoa jurídica.” 18 O segundo princípio defende a autonomia da pessoa jurídica, no sentido que não poderá haver a desconsideração da autonomia subjetiva da pessoa jurídica somente porque o propósito de uma norma ou uma obrigação contratual não foram alcançados, 15 Cf. BERNARDES, Flavio Couto. A Desconsideração da Personalidade Jurídica e a Responsabilidade Tributária, In: Desconsideração da Personalidade Jurídica em Matéria Tributária. São Paulo, Quartier Latin, p. 434. 16 Cf. SOUSA, Sueli Baptista de. Responsabilidade dos sócios na sociedade limitada. 2006. p.119-145. 17 Cf. COELHO, Fabio Ulhoa, Teorias da Desconsideração. In: TORRES, Heleno Taveira; QUEIROZ, Mary Elbe (Coord.). Desconsideração da personalidade jurídica em matéria tributária. 2005, p.261-263. 18 Cf. ROLF SERICK, Forma e realtà della persona giurídica, 1966, p.277 (tradução nossa). “Se si abusa della forma persona giuridica Il giudice puó, al fine di impedire che venga radiunto lo escopo illecito neste diapasão, Fabio Ulhoa esclarece que não basta somente a insatisfação do credor do negócio jurídico para ensejar a desconsideração.19 O terceiro princípio ressalta que para haver a desconsideração deve verificar se a pessoa física agiu pela pessoa jurídica, e a ultima situação sustenta que para haver a diferenciação entre duas pessoas distintas (física e jurídica) deve haver uma lei prevendo tal fato, ou seja, é necessária uma norma que disciplina sobre os negócios jurídicos entre dois sujeitos distintos para desconsiderar a autonomia da pessoa jurídica. Percebe-se que a desconsideração não tem o intuito de extinguir a autonomia da pessoa jurídica, pelo contrário o seu objetivo é a própria preservação desse instituto, no sentido de resguardar a sua forma e a sua finalidade social, a fim de evitar o desvirtuamento de seus propósitos em benefícios de seus sócios. Não poderíamos invocar a desconsideração apenas quando algum negócio jurídico for insatisfatório ou não tiver seu fim alcançado, segundo a Teoria Maior a aplicabilidade desse instituto é de natureza excepcional, de modo que só é possível desconsiderar a pessoa jurídica caso exista a fraude e o abuso no sentido de forjar a forma desta.20 1.3.2 Teoria Menor Diversamente do exposto na Teoria Maior, a Teoria Menor formulada por Fábio Konder Comparato21 é bem menos formulada do que aquela, e retrata a crise do princípio da autonomia patrimonial, nesta teoria não há preocupação com o instituto da pessoa jurídica, bastando simplesmente que o credor não tenha seu crédito satisfeito para invocar a desconsideração. Observa-se, portanto, que não há preocupação com a identificação dos abusos e fraudes ocasionados através do uso indevido da pessoa jurídica, para tal teoria basta o inadimplemento das obrigações contratuais para ensejar a eliminação da pessoa jurídica. perseguito, non rispettare tale forma, allontanandossi, quindi dal principio della netta distinzione tra soci e persona giuridica.” 19 Cf. COELHO, Fabio Ulhoa, Teorias da Desconsideração. In: TORRES, Heleno Taveira; QUEIROZ, Mary Elbe (Coord.). Desconsideração da personalidade jurídica em matéria tributária. 2005, p.261-263. 20 Cf. ROLF SERICK, Forma e realtà della persona giurídica, 1966, p. 264. 21 COMPARATO, Fábio Konder. O poder de controle na sociedade anônima. 1976, p. 273-5. De fato, a teoria não traz qualquer alento para a preservação do instituto da pessoa jurídica, ou ainda, para resguardar sua autonomia, e não há qualquer critério ou parâmetro, para limitar a atuação dos juízes na aplicação da desconsideração, ademais, tal teoria tornaria ineficaz o instituto da pessoa jurídica, permitindo abusos na própria aplicação da Disregard Doctrine. 1.4. Pressupostos para Aplicação da Teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica Procedendo a análise da Teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica, verifica-se pelo capítulo anterior a necessidade de critérios para delimitar a aplicação da teoria em comento, de fato a positivação da teoria no Código Civil de 2002, trouxe o desvio de finalidade e a confusão patrimonial como parâmetros para o superamento da pessoa jurídica. De acordo com a norma civilista, expressa no artigo 50, temos: Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica. Percebe-se que o abuso da personalidade jurídica elencada no art. 50 do Código Civil é uma espécie do abuso de direito, com efeito, tal artigo busca reprimir o uso indevido da pessoa jurídica, nesse sentido para Ricardo Lobo Torres o abuso de direito surge quando ultrapassados os limites da razoabilidade e da proporcionalidade na prática de negócios jurídicos ou na formação societária.22 Tal abuso de direito, contudo não pode ser confundido com a fraude, enquanto aquele existe pelo uso inadequado da pessoa jurídica, independentemente da culpa do agente, o segundo surge pelo objetivo de lesar credores em benefício próprio ou de outrem. Perfilha o mesmo entendimento Rubens Requião: Considera-se ato fraudulento, o negócio jurídico tramado para prejudicar credores, em benefício do declarante ou de terceiro. No abuso de direito não existe, propriamente, trama contra o direito de credor, mas surge do inadequado 22 Cf. TORRES, Ricardo Lobo. Normas de Interpretação e Integração do Direito Tributário. Rio de Janeiro. Renovar, 2000, pg.217 e 218. uso de um direito, mesmo que seja estranho ao agente o propósito de prejudicar o direito de outrem.23 Contudo, para alguns doutrinadores as hipóteses de fraude também estão inseridas na norma civilista, vez que fraude é uma forma de abuso, a exemplo de Edmar Oliveira Andrade Filho ressalta que se a ordem jurídica reprime o abuso, não faria sentido não reprimir em relação à fraude, que requer animus mais acentuado de prejudicar.24 Ante o exposto, com a "relativização" da personalidade jurídica, dois pressupostos tornam-se ainda inafastáveis para aplicar-se a Disregard Doctrine, mesmo após a sua positivação no ordenamento jurídico nacional, são eles: a fraude e o abuso de direito, e nesse sentido, também se torna relevante tecer ainda alguns comentários sobre o desvio de finalidade e a confusão patrimonial. 1.4.1 Desvio de Finalidade A primeira hipótese de desconsideração da personalidade jurídica é o desvio de finalidade, e corresponde ao uso anormal da pessoa jurídica. É cediço que toda empresa busca realizar determinadas finalidades relevantes, a qual está relacionada com o objeto social, em suma, podemos dizer que este instituto existe pelo exercício de propósitos sociais que por sua vez garantem a sua personalidade jurídica. Segundo Comparato, a pessoa jurídica tem dois elementos fundamentais, os quais são: a finalidade e os poderes para consegui-la. Dessa forma, quando existe uma função conseqüentemente existem uma competência atribuindo um poder próprio, e da função central, ligada ao seu fim, existem funções particulares exercidas por aqueles que são legitimados para exercer o fim geral.25 Neste diapasão, podemos compreender que a desconsideração é aplicada toda vez que existe um desvio da função resultante de ato abusivo ou fraudulento, praticado por aquele que deveria exercer a finalidade da pessoa jurídica. Em vista disso, tem relevância de ser o fato de o art. 46, I, do Código Civil de 2002 determinar na constituição da pessoa jurídica a declaração dos fins, contudo a função 23 Cf. REQUIÃO, Rubens. Abuso de Direito e Fraude através da Personalidade Jurídica (Disregard Doctrine) In: Aspectos Modernos de direito comercial: estudos e pareceres, 1988, p.72-73. 24 Cf. ANDRADE FILHO, Edmar Oliveira. A desconsideração da personalidade jurídica no Novo Código Civil. 2005, pg.84. 25 Cf. COMPARATO, Fábio Konder. O poder de controle na sociedade Anônima. 1976, p.283. geral não está somente ligada ao estatuto social, mas também a lei e aos princípios sociais, ao preceituar sobre o desvio de finalidade Elizabeth Cristina Campos Martins de Freitas amplia o conceito de finalidade, e conclui que: A finalidade referida no artigo não diz respeito apenas àquela presente nos estatutos sociais, mas, sim, também aos objetivos sociais da pessoa jurídica que motivam a própria personalização da pessoa jurídica. Tal fim social encontra-se assegurado nos arts. 5º XXIII, e 170 III, de nossa Magna Carta. 26 Assenta o mesmo entendimento Rubens Requião, ao afirmar que o direito deve atender sempre a uma função social, de fato o exercício de seus direitos, embora privados, deve atender a uma finalidade social, destarte o sujeito não poderá exercer seus direitos de maneira egocêntrica, mas visando sempre a finalidade social, caso contrário o ato seria abusivo, atentatório ao direito. 27 Assim, consoante ao desvio de finalidade, temos que a aplicação da desconsideração da personalidade jurídica deve-se apoiar em casos concretos, atuando sobre o ato abusivo e fraudulento, onde estejam devidamente comprovadas as vantagens ilícitas dos sócios. 1.4.2 Confusão Patrimonial O Código Civil trouxe uma inovação na aplicação da Disregard Doctrine, trazendo a confusão patrimonial como um dos critérios na superação da pessoa jurídica, tal inovação se deve pelas contribuições trazidas por Fabio Konder Comparato. Segundo o autor a confusão patrimonial não representava um desvio dos fins do estatuto social, portanto é necessária a criação de norma expressa que regulamentasse tal hipótese, por outro lado, a confusão patrimonial poderia ocorrer ainda que a atividade empresarial prevista nos estatutos ou atos constitutivos fosse desempenhada.28 Para Comparato a confusão patrimonial não é apenas a mera mistura de patrimônios dos sócios e da pessoa jurídica, conforme o autor a confusão patrimonial entre sociedade controlada e sociedade controladora é: 26 FREITAS, Elizabeth Cristina Campos Martins de. Desconsideração da personalidade jurídica - Análise à luz do Código de Defesa do Consumidor e do Novo Código Civil.2002, p. 267. 27 Cf. REQUIÃO, Rubens. Abuso de Direito e Fraude através da Personalidade Jurídica (Disregard Doctrine) In: Aspectos Modernos de direito comercial: estudos e pareceres, 1988, p.72-73. 28 COMPARATO, Fabio Konder. O poder de controle na Sociedade Anônima. 1976, p.367. o critério fundamental para a desconsideracao da personalidade jurídica externa corporis. E compreende-se, facilmente, que assim seja, pois a pessoa jurídica nada mais é, afinal, que é o maior interessado na manutenção desse principio, descumpre-o na prática, não se vê bem por que os juizes haveriam de respeita-lo, transformando-o, dessarte, numa regra puramente unilateral. 29 No tocante as sociedades limitadas, o que existe de fato é o total descaso em relação a distinção dos patrimônios dos sócios e da empresa, muito embora a lei estabeleça essa distinção, os sócios não se importam com essa separação, causando assim a confusão patrimonial. A principal conseqüência é a responsabilidade ilimitada de quem lhe dá causa.30 A limitação da responsabilidade significa que os débitos da pessoa jurídica, não alcançam o patrimônio individual dos sócios, nesse entendimento Maria Helena Diniz explica: Essa limitação da responsabilidade ao patrimônio da pessoa jurídica é uma conseqüência lógica de sua personalidade jurídica, constituindo uma de suas maiores vantagens. Se a pessoa jurídica não se confunde com as pessoas físicas que a compõem; se o patrimônio da sociedade personalizada não se identifica com o dos sócios, fácil será lesar credores, ou ocorrer abuso de direito, para subtrair-se a um dever, tendo-se em vista que os bens particulares dos sócios não podem ser executados antes dos bens sociais, havendo dívida da sociedade. 31 Ante o exposto, concluímos que a confusão patrimonial origina da “promiscuidade” entre os negócios jurídicos da sociedade e dos sócios, pois em muitos casos não há distinção dos bens da pessoa física e jurídica, o que impossibilita a transparência e legitimidade dos negócios realizados pela sociedade limitada, e de certa forma impede uma escrituração contábil correta. Por outro lado, a confusão patrimonial não é um critério suficiente para ensejar a desconsideração jurídica, sendo necessário o abuso de direito com intuito de prejudicar terceiros. 1.4.3 Abuso de Direito 29 Ibidem. Cf. XAVIER, José Tadeu Neves. A desconsideração da pessoa jurídica no Novo Código Civil. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro, out/dez.2002, p.143. 31 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. 2004, pg.272. 30 Como já exposto, há dois critérios primordiais para a aplicação da desconsideração da personalidade jurídica, quais sejam: o abuso de direito e a fraude. A norma civilista utiliza-se da palavra “abuso da personalidade jurídica”, muito embora entendemos que este é espécie do gênero abuso de direito. Para compreender a teoria do abuso de direito, Rubens Requião, a partir da observação de Josserand, sustenta que nem todo direito está contido na legalidade, de modo que ao redor do direito escrito, existem princípios, diretrizes, valores que se encontra em uma espécie de “superlegalidade.” 32 A busca do conceito, bem como as dúvidas sobre a existência do abuso como conceito jurídico autônomo, foi responsável pelo surgimento de diversas teorias, as quais, por sua vez, tentavam justificar ou negar o ato abusivo, identificando-o ou distinguindo-o do ato ilícito. A doutrina brasileira, antes da edição do Código Civil, entrou em divergência em relação qual teoria a adotar sobre o abuso de direito. De fato a maioria dos doutrinadores defendia o abuso de direito como uma espécie de direito subjetivo. A conseqüência principal deste entendimento é a busca pela reparação civil, ou seja, causando prejuízo a terceiros impõe-se a indenização. Por outro lado, existiam doutrinadores que combatiam a idéia subjetivista do abuso do direito. Assim, houve a separação daqueles que defendiam a teoria subjetivista e aqueles que seguiam a corrente objetiva, abaixo colacionamos o entendimento de cada teoria. 1.4.3.1 Teorias do Abuso do Direito A teoria do abuso de direito surge a partir da doutrina e jurisprudência durante o século XX, muito embora alguns doutrinadores afirmam que advêm do Direito Medieval, com os atos emulativos que consistiam em atos praticados pelos indivíduos com intuito de prejudicar terceiros, essa prática também tem vestígios no Direito Romano, a exemplo citamos o caso da perda da propriedade quando o titular se recusava a prestar caução de dano infecto.33 32 Cf. REQUIÃO, Rubens. Abuso de Direito e Fraude através da Personalidade Jurídica (Disregard Doctrine) In: Aspectos Modernos de direito comercial: estudos e pareceres, 1988, p.72-73. 33 Cf. BARROS, João Álvaro Quintiliano. O Abuso de Direito. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6944>, Acesso em: 23 jul. 2008. Para outros doutrinadores a origem do abuso de direito originou-se na França, no iniciou do século XIX, posteriormente promulgada no Código Napoleônico, onde põe parâmetros ao exercício absoluto e anti-social do direito de propriedade. Essa construção do abuso de direito tornou-se visível em 1808 com a condenação de um industrial, proprietário de uma fábrica de chapéus, que expelia na fabricação dos mesmos vapores desagradáveis pela vizinhança, tal situação configurou o abuso de direito de propriedade e de exercício de profissão.34 É durante o século XX que o conceito de Abuso de Direito passa a ser construído, emergindo duas correntes para tentar explicá-lo, as quais são: a Teoria Negativista/Subjetivista que têm como precursores Duguit, Rotondi e Planiol. A Teoria Afirmativista/Objetivista defendida por Savatier, Ripert e Josserand, intentando justificar ou negar o ato abusivo, identificando-o ou distinguindo-o do ato ilícito, ainda dentro de cada teoria, existente varias subdivisões o que confirma ainda uma insegurança quanto uma conceituação precisa do referido tema(referência). Conforme leciona Venosa, “as exigências de eqüidade vão pouco a pouco tomando forma. A noção de boa-fé ganha terreno. O direito pretoriano ameniza as fórmulas, decidindo de acordo com a boa-fé. É inafastável que tal procedimento coibia o uso abusivo de um direito”35, neste diapasão tentaremos esboçar uma melhor formulação sob a ótica da desconsideração da personalidade jurídica. 1.4.3.2 Teoria Objetiva Na teoria objetiva para configurar o abuso de direito não precisa haver o animus ou a culpa do titular do direito, contudo, não dispensou por completo à culpabilidade, caráter de elemento do abuso de direito, porém o que se observa é a conduta do sujeito. A teoria objetiva divide-se em cinco outras teorias que tentam explicar o abuso de direito sobre as seguintes perspectivas: o destino econômico, o fim social do direito, o motivo legítimo, o uso anormal do direito e por fim a teoria mista. 34 35 Cf. CLAPIS, Flávia Maria de Morais Geraibire. Desconsideração da Personalidade Jurídica, Dissertação (Mestrado em Direito), Pontífica Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2006, p.153. VENOSA, Sílvio de Salvo. Abuso de Direito. Revista da Faculdade de Direito das Faculdades Metropolitans Unidas de São Paulo, 1988. A primeira teoria do destino econômico é aquela que o ato abusivo praticado pelo titular do direito embora não trazendo qualquer vantagem ou beneficio próprio ou para si, causa danos e prejuízos econômicos à terceiros. A crítica feita a essa teoria é que o direito não tutela apenas interesses pessoais, mas, sobretudo a paz social.36 A teoria do fim social do direito como o próprio nome já menciona, o ato praticado pelo titular do direito deve ser exercido visando sempre o fim social, quando ocorrer o desvio desse fim estabelecido pelo legislador, surge o abuso de direito, a crítica a esta teoria reside na ausência de um conceito definido sobre o que seria tal finalidade social. O grande defensor desta teoria foi Louis Josserand, para o autor os direitos têm sua origem na comunidade e dela recebem sua finalidade. Assim cada um dirige-se a um fim do qual não pode o titular desviá-lo, foram feitos para a sociedade e não a sociedades para eles, de modo que sua finalidade está fora e acima deles próprios. 37 O referido autor encontrou dificuldades por este critério finalístico e ao final de sua obra propõe sua substituição pela teoria do motivo legítimo, que deriva da teoria do fim social, assim tal teoria propõe que o abuso de direito surge quando o sujeito não tem qualquer “motivo legítimo” para exercer seu direito. Assim tudo se reduz, pois, ao discernimento, de um lado, a função social e por outro, o motivo que o titular obedeceu ao caso concreto, se houver concordância, o direito foi exercido corretamente, caso contrário, o exercício se converte em abuso de direito.38 Sobre a questão, Silvio Rodrigues é enfático quando afirma que a: ...teoria (do abuso do direito) atingiu seu pleno desenvolvimento com a concepção de Josserand, segundo a qual há abuso de direito quando ele não é exercido de acordo com a finalidade social para a qual foi conferido, pois como diz este jurista, os direitos são conferidos ao homem para serem usados de uma forma que se acomode ao interesse coletivo, obedecendo à sua finalidade, segundo o espírito da instituição.39 A teoria do uso normal do direito preconiza que há abuso de direito quando o exercício de um direito é anormal, e gera prejuízos e riscos a terceiros, a maior crítica a 36 Cf. BARROS, João Álvaro Quintiliano. O Abuso de Direito. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6944>, Acesso em: 23 jul. 2008. 37 JOSSERAND, Louis. Del abuso de los derechos y otros ensayos. 1999, p. 02. 38 Ibidem, p. 05. 39 RODRIGUES, Silvio. Direito civil - Parte geral, 1994, p. 311. essa teoria é que ação humana está sujeita a riscos e prejuízos, não sendo suficiente o critério adotado para configurar o ato abusivo.40 A teoria mista conjuga o critério subjetivo e o critério objetivo para caracterizar o abuso de direito, conforme preleciona Daniel Boulos a teoria mista não possui relevância prática atualmente, pois quando se considera a teoria objetiva também se incorpora a teoria subjetiva, nesse sentido, quando o sujeito exerce o animus, certamente também frustrará o fim social e econômico.41 O direito pátrio adota a teoria objetiva, contudo não dispensou a culpabilidade prevista na teoria subjetivista, mas basta a configuração de um ato como abusivo, a irregularidade no exercício do direito ou o desvio da finalidade social para a qual ele foi concebido ou ainda a inexistência de interesse legítimo na sua realização. 1.4.3.4 Teoria Subjetiva A Teoria Subjetiva prevê duas correntes para o exercício abusivo de um direito, a primeira aponta o elemento intencional como imprescindível para a caracterização do abuso de direito. Nesse sentido Washington de Barros Monteiro, defensor desta, afirmava que para uns, seu elemento caracterizador repousa na intenção de prejudicar, assim, o critério identificador está somente na falta de interesse legítimo, de modo que se o titular do direito exerce de maneira diversa ao seu fim ou destino, sem motivo justificável, verificar-se-á o abuso dele. 42 Destarte, se um titular de um direito utilizando-se das faculdades conferidas pelo ordenamento jurídico, tem o animus de prejudicar terceiros, haverá o exercício de um direito, o qual deve ser afastado. Faz-se necessário ressaltar que a intenção de prejudicar outrem deve estar na prática do ato abusivo, pois, caso contrário, não configuraria o abuso, ainda que houvesse danos ou prejuízos a outrem, mas apenas o exercício regular de um direito. A outra corrente, ainda dentro da Teoria Subjetivista, defende que para configurar o abuso de direito é imprescindível a culpa por parte do titular, tal entendimento 40 Cf. BARROS, João Álvaro Quintiliano. O Abuso de Direito. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6944>, Acesso em 23 jul.2008. 41 Cf.BOULOS, Daniel M. Abuso de direito no novo Código Civil, 2006, p. 42. 42 Cf. MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil, 1964, p.292. não é o colecionado pelo direito pátrio, pois a responsabilidade civil decorrente do abuso de direito independe de culpa. Outrossim, percebe-se pelas duas correntes já expostas que a teoria subjetivista não tem aplicabilidade no ordenamento jurídico brasileiro, é de se observar, que, ao adotar a teoria subjetiva, estaríamos considerando os atos praticados em abuso de direito nas situações em que o exercício de direito configura-se culpa ou a ausência do animus, o que ocasionaria grandes injustiças. Seguindo a maioria dos doutrinadores, temos que a teoria subjetivista é insuficiente para coibir o abuso de direito, vez que torna-se difícil provar a intenção real do titular de um direito, como também torna quase impossível comprovar a culpa, nestes termos, tal teoria é inaplicável em nosso ordenamento. Assim, concluímos com o entendimento de Sílvio Sálvio Venosa que “a problemática surge quanto ao modo de se fixar no caso concreto o abuso. A dúvida maior é saber se por nossa legislação há necessidade do animus de prejudicar, ou se o critério objetivo da pouca valia do ato para o agente pode ser utilizado. Preferimos concluir, aderindo a parte da doutrina, que o melhor critério é o objetivista adotado pelo direito pátrio. O exercício abusivo de um direito não se restringe aos casos de intenção de prejudicar. Será abusivo o exercício do direito fora dos limites da satisfação do interesse lícito, fora dos fins sociais pretendidos pela lei, fora, enfim, da normalidade”. 43 1.4.3.5 Abuso de Direito e Fraude Embora a fraude não esteja expressa no artigo 50 do Código Civil, não podemos excluir a fraude como pressuposto para aplicação da desconsideração da personalidade jurídica, nesse sentido, como já exposto em linhas anteriores a fraude e o abuso de direito são elementos fundamentais para a aplicação da Disregard Doctrine. Há quem diga que a fraude seria uma forma de abuso de personalidade jurídica em sentido amplo, de qualquer modo, antes tecer qualquer comentário, passamos a analisar o conceito de fraude. Conforme define De Plácido e Silva, fraude traz consigo o sentido de engano, não como se verifica no dolo, em que ocorre a manobra fraudulenta para induzir outrem à prática de ato, de que lhe possa conferir dano, sobretudo existe o engano oculto para que o agente se esquive do cumprimento de sua obrigação ou tão somente para lograr terceiros. 44 Pelo conceito a fraude opera independentemente do dolo, o que no entendimento de Rubens Requião não ocorre. Deveras para Requião, o dolo é o elemento fundamental para caracterizar a fraude, aliás o elemento que diferencia os conceitos de fraude e abuso de direito, nesse sentido, o autor preleciona: Considera-se ato fraudulento, como o conceituam os revisores do Projeto de Código de Obrigações, no art. 67, 'negócio jurídico tramado para prejudicar credores, em benefício do declarante ou de terceiro”. No abuso de direito não existe, propriamente, trama contra o direito de credor, mas surge do inadequado uso de um direito, mesmo que seja estranho ao agente o propósito de um prejudicar o direito de outrem. 45 Segundo a lição romana havia a distinção entre os atos contra legem e os atos in frudem legis, ao estudar interpretação das leis, percebemos que verba legis são as palavras de lei, e a mens legis é o espírito da lei, ou seja, aquilo que buscavam expressar. Assim na interpretação da lei verifica-se, num primeiro momento (a interpretação gramatical ou literal), ou verbas legis (as palavras da lei), e num segundo momento (a interpretação lógica), a mens legis ( o espírito da lei)46 Nesse diapasão, percebe-se a importância de tal distinção, porque o problema da fraude à lei ocorre justamente no ponto em que observa-se apenas a letra da lei, mas o objetivo do agente é alcançar um fim contrário ao espírito da lei.47 Quando o ato vai contra as palavras e o espírito da lei, dizemos que ele é contrário à lei, ocorrendo a violação direita da norma jurídica, assim, para José Alves Moreira Alves, a fraude é uma espécie de gênero da violação da lei, quando contrário a lei ocorre violação direta, quando contrário ao espírito da lei ocorre a violação indireta.48 43 VENOSA, Sílvio de Salvo. Abuso de Direito. Revista da Faculdade de Direito das Faculdades Metropolitans Unidas de São Paulo, 1988. 44 SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. 1967. 45 Cf. REQUIÃO, Rubens. Abuso de Direito e Fraude através da Personalidade Jurídica (Disregard Doctrine) In: Aspectos Modernos de direito comercial: estudos e pareceres. 1988, p.72 46 Cf. ALVES, José Carlos Moreira. As figuras correlatas da elisão fiscal. 2003. p. 17-9. 47 A palavra lei é empregada no sentido amplo, para traduzir norma jurídica. 48 Cf. ALVES, José Carlos Moreira. As figuras correlatas da elisão fiscal. 2003. p. 17-9. Destarte, para Alvino Lima o próprio conceito de fraude consiste na frustração da lei, ela se dirige contra uma regra obrigatória, da qual o agente do ato fraudulento tenta escapar, com o propósito de afastar uma sanção.49 A fraude deve ocorrer quando caracterizada a intenção determinada ou o conhecimento de produzir prejuízo ao credor, vislumbramos os seguintes requisitos da fraude, os quais são: a má-fe do devedor e a intenção de gerar dano a outrem. No entendimento de Caio Mario da Silva Pereira, a fraude é uma manobra planejada com o intuito de prejudicar terceiro, e tanto se insere no negócio unilateral, como também ocorre no negócio bilateral, o propósito da fraude é levar os credores a um prejuízo, em benefício próprio ou alheio, subtraindo-lhes a garantia real que devem encontrar no patrimônio do devedor. 50 Pelas definições expostas no tocante a fraude, observamos algumas diferenças elementares em relação ao abuso de direito, de fato a fraude como já definido é a frustração da lei. Segundo Requião, a fraude ocorre pela intenção de prejudicar ou terceiro, diversamente no abuso de direito não há tal trama contra o direito do credor, contudo ocorre o que o autor chama de uso inadequado de um direito, ainda que não se configure por parte do autor o propósito de prejuízo a terceiros. 1.4.4 A Crise da Personalidade Jurídica Como já exposto anteriormente, a desconsideração da personalidade jurídica surgiu para evitar o uso inadequado da sociedade para ocultar intenções de vantagem dos sócios, a teoria veio justamente para relativizar o principio da autonomia patrimonial a fim de combater a utilização da sociedade, como instrumento de abuso e fraude, em detrimento de credores e terceiros o que culminou na chamada crise da personalidade jurídica. A nomenclatura oferecida por Jose Lamartine Correa retrata a crise do sistema, segundo o autor a “dupla crise da pessoa jurídica”, ocorre quando a norma não mais qualifica apropriadamente o ser (pessoa jurídica) que regula o sistema entra em crise51, o 49 50 51 ANDRADE FILHO, Edmar Oliveira. Desconsideração da personalidade jurídica no Novo Código Civil. 2005, p.98. PEREIRA, Caio Mario da Silva. Instituições de Direito Civil. 2000, p.185. OLIVEIRA, Jose Lamartine Correia de. A dupla crise da pessoa jurídica. 1979, p. 607. autor avança mais, analisando que “a ordem jurídica só tem sentido quando orientada basicamente por determinados valores sem os quais ela não tem justificativa possível.”52 Dos argumentos postos por Lamartine, observamos que a pessoa jurídica existe em razão de determinados fins relevantes, sendo que tais finalidades perseguidas devem estar de acordo com os valores e princípios do ordenamento jurídico caso contrário haveria a crise do instituto, em outro entendimento poderíamos afirmar que quando ocorrer um fim contrário ao que busca o “espírito” da lei, temos instalado um “conflito” da personalidade jurídica. Percebe-se que quando ocorre o desvio dos fins da pessoa jurídica, concomitantemente existe a perda a própria perda de identidade deste instituto, dessa forma Lamartine ressalta que a existência de um desvio concernente à função que lhe foi assinalada pelo legislador, abre espaço para o mais agudo sintoma de crise da função, que é a desconsideração da personalidade jurídica. O autor ainda acrescenta que a técnica de Disregard visa também evitar – por ser um instrumento que serve de inspiração à interpretação de algumas normas legais especificas – o surgimento concreto de novos casos de desvio. 53 Embora o uso irregular da pessoa jurídica decorrente de fins contrários ao Direito configure um conflito da sua personalidade, é imperioso ressaltar que não cabe a desconsideração por completo deste instituto, até porque como já exposto antes o propósito da desconsideração é sobre os atos contrários à finalidade que se propõe a pessoa jurídica. Assim, o objetivo em desconsiderar ao mesmo tempo busca preservar a própria pessoa jurídica, na medida em que traz maior transparência, boa-fé e motivação lícita, reprimindo o abuso de direito e albergando a função social como fundamento da liberdade de contratar. Capítulo 2: Responsabilidade Tributária dos Sócios Cotistas e a Interpretação da Norma Jurídica Tributária. 2.1 Responsabilidade Tributária 52 53 Ibidem, p.608. Ibidem. A responsabilidade é uma expressão utilizada para aqueles que devem arcar com as conseqüências pelo descumprimento de um dever jurídico. Tal dever jurídico é oriundo de uma obrigação que no Direito Tributário advém de uma determinação legal. É por isso que Hugo de Brito Machado ressalta que responsabilidade e dever jurídico não se confundem. A responsabilidade está sempre ligada ao descumprimento de um dever, ou seja, a não-prestação, que por sua vez comina em uma sanção. 54 Em outras palavras, dizemos que o sujeito passivo é o contribuinte e seria obrigado diretamente a um dever jurídico, por sua vez, o responsável é aquele que responde pelo contribuinte em razão da não observância de um dever especificado em lei. Ademais, cumpre ressaltar que dever jurídico e obrigação também não se confundem, Jose Souto Maior Borges salienta que “...a relação entre obrigação e dever jurídico não é uma relação entre espécie e gênero, mas uma relação entre forma e conteúdo.55 Esclarecemos: o dever jurídico existe quando a conduta é de observância obrigatória e prescrita em lei, pois caso seja descumprida ensejará uma sanção qualquer, por isso o dever jurídico é uma categoria formal, ao contrario da obrigação que é uma categoria dogmática, com particularidades em cada disciplina jurídica estudada. É relevante essa diferenciação entre obrigação e dever jurídico, porque embora a responsabilidade tributária siga todas as características oriundas da responsabilidade da Teoria das Obrigações do Direito Civil, existem exceções. A responsabilidade no Direito Pátrio decorre de expressa disposição legal, com efeito, o artigo 121 do CTN, qualifica dois tipos de possíveis sujeitos passivos: o contribuinte e o responsável, o primeiro tem relação pessoal e direta com o fato gerador, enquanto o segundo suas obrigações decorre de disposição expressa de lei.56 Para Ruy Barbosa Nogueira, é necessário haver “atributividade” que é o vínculo que imputa a autoria do fato tributado à pessoa que o realizou e como conseqüência lhe dá a qualidade de contribuinte ou devedor do tributo.57 54 MACHADO, Hugo de Brito, Curso de Direito Tributário, 2001, p.129. BORGES, José Souto Maior. Obrigação tributária (uma introdução metodológica), 1999, p.38-45. 56 Art. 121 Sujeito passivo da obrigação principal é a pessoa obrigada ao pagamento de tributo ou penalidade pecuniária. Parágrafo único. O sujeito passivo da obrigação principal diz-se:I - contribuinte, quando tenha relação pessoal e direta com a situação que constitua o respectivo fato gerador; II - responsável, quando, sem revestir a condição de contribuinte, sua obrigação decorra de disposição expressa de lei. 57 NOGUEIRA, Ruy Barbosa, Curso de Direito Tributário, 1999, p. 147. 55 A responsabilidade tributária ocorre quando um terceiro que não seja contribuinte não tenha relação direta e pessoal com o fato imponível gerador da obrigação principal, está obrigado, em caráter supletivo ou não, em sua totalidade ou parcialmente, ao pagamento ou cumprimento da obrigação. Ressalta-se, que embora, não exista uma relação íntima entre a conduta descrita na lei tributária estabelecida pela obrigação principal, para ser responsável é necessária a existência de algum vinculo entre o sujeito responsável e o fato tributável. Diante do exposto, percebemos que o objetivo da responsabilidade tributária é garantir e assegurar o crédito tributário, pois à medida que o patrimônio de um terceiro integra a relação jurídica, a satisfação da prestação tributaria se torna mais segura. Doutrinariamente há uma divergência quanto a classificação do artigo 134, não há preponderância entre as teorias da “responsabilidade indireta por transferência”, “responsabilidade subsidiária de terceiros”, “responsabilidade supletiva ou solidária”, todavia em relação ao artigo 135 já evidencia-se um entendimento majoritário, mantendose a responsabilidade por substituição. Antes de tecer qualquer comentário, convém seguirmos na análise separada de cada artigo, bem como estudar a responsabilidade indireta por transferência (substituição), subsidiária e solidária, bem como analisar os seguintes temas: o excesso de poder, infração de lei e infração do contrato social. 2.1.1 Responsabilidade Tributária por Transferência Na responsabilidade tributária por transferência, o dever jurídico é transferido para o responsável tributário, que se torna o sujeito passivo da relação, é o caso da sucessão causa mortis, onde a responsabilidade passa a ser do espólio, do cônjuge meeiro e dos sucessores. Segundo entendimento de Rubens Gomes de Souza citado por Edílson Carlos Fernandes, a sujeição passiva por transferência ocorre quando surge uma obrigação tributária contra determinada pessoa, que é o sujeito passivo direto, contudo, em virtude de uma situação adversa e posterior, transfere-se a responsabilidade para outra pessoa diferente (sujeito passivo indireto), que não tinha vínculo direto com o fato gerador. 58 58 FERNANDES, Edílson Carlos. Responsabilidade Tributária. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva (Coord.). Curso de direito Tributário. 2008. p. 270. A transferência ocorre quando embora exista um contribuinte ligado diretamente ao fato gerador, devido a circunstancias fáticas, e segundo o que dispõe a legislação aplicável, a responsabilidade pelo cumprimento da obrigação se transfere para outra pessoa, mas que mantém um vínculo ainda que indireto com o fato gerador. Tal exigência de vínculo entre o responsável com o fato gerador está expressa no artigo 128 do CTN, o qual dispõe: Art.128. Sem prejuízo do disposto neste Capítulo, a lei pode atribuir de modo expresso a responsabilidade pelo crédito tributário a terceira pessoa, vinculada ao fato gerador da respectiva obrigação, excluindo a responsabilidade do contribuinte ou atribuindo-lhe a este em caráter supletivo do cumprimento total ou parcial da referida obrigação. Cumpre ressaltar, que a Responsabilidade por Transferência engloba os casos de responsabilidade “Dos Sucessores”, “Solidária” e “De Terceiros”. 2.1.2 Responsabilidade Tributária por Substituição Na responsabilidade Tributária por Substituição, diferentemente da responsabilidade por transferência onde a obrigação tributária se transfere para um terceiro, na substituição como o próprio nome já diz, antes do surgimento do fato gerador a responsabilidade já é do terceiro (substituto). Destarte, na substituição tributária, uma terceira pessoa passa a ocupar a posição reservada ao contribuinte, excluindo a responsabilidade do contribuinte. Na substituição pura e simples, que ocorre quando o substituto assume o lugar reservado para o sujeito passivo originário (contribuinte) dentro da relação jurídica tributária, assumindo independentemente a referida obrigação junto à Administração Pública, nesse caso ocorre a exclusão da responsabilidade do contribuinte, que não é mais sujeito passivo dessa obrigação tributária.59 2.1.3 Responsabilidade Solidária 59 Cf. DINARI, Zelmo. Sujeitos Ativo e Passivo da Relação Jurídica Tributária. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva (Coord.). Curso de direito Tributário. p.184-185. A responsabilidade tributária solidária é bastante semelhante ao que ocorre na solidariedade civil. Na obrigação tributária tanto o contribuinte como o responsável são obrigados ao pagamento do crédito tributário. Sobre a solidariedade, a norma tributária, assim expõe: Art.124. São solidariamente obrigadas: I – as pessoas que tenham interesse comum na situação que constitua o fato gerador da obrigação tributária principal; II – as pessoas expressamente designadas em lei. No tocante à primeira situação, Edílson Carlos Fernandes esclarece que o referido “interesse comum”, que o inciso se refere não se limita apenas ao interesse jurídico, contudo é muito mais amplo, no sentido de considerar os interesses econômicos, sociais ou de qualquer natureza.60 Ressalta-se que o referido autor pondera pela existência de alguma relação entre o sujeito passivo indireto e o fato gerador, ademais, a solidariedade tributária não comporta benefício de ordem, e segue os efeitos do direito privado, ou seja, a quitação de um dos devedores aproveita a todos os demais.61 2.1.4 Responsabilidade Tributária Subsidiária A responsabilidade tributária subsidiária trata dos sujeitos passivos que somente respondem nos casos de impossibilidade de exigência do cumprimento da obrigação principal pelo contribuinte, nesse caso o benefício de ordem deve ser respeitado, ou seja, em primeiro lugar devem ser excutidos os bens do devedor principal (contribuinte), para depois serem executados os bens do devedor secundário. 2.1.4 Responsabilidade de Terceiros – Análise da Responsabilidade do artigo 134 inciso VII e artigo 135 CTN. 60 Cf. FERNANDES, Edílson Carlos. Responsabilidade Tributária. In In: MARTINS, Ives Gandra da Silva (Coord.). Curso de direito Tributário. 2008. p. 271. 61 Ibidem. Partindo da breve consideração sobre a responsabilidade tributária, passaremos a análise da Responsabilidade do artigo 134 inciso VII e 135 do CTN, onde temos a responsabilidade de terceiros. Os artigos em comento evidenciam os casos nos quais o ocorre falhas na administração do patrimônio do contribuinte ou falhas no cumprimento do dever jurídico, a diferença entre os dois artigos é que no primeiro caso o terceiro atua corretamente em suas atribuições legais, já no artigo 135 CTN houve atuação irregular com excesso de poder ou infração a lei ou contrato social. Na seção III que retrata a responsabilidade de terceiros, assim dispõe: Art. 134. Nos casos de impossibilidade de exigência do cumprimento da obrigação principal pelo contribuinte, respondem solidariamente com este nos atos em que intervierem ou pelas omissões de que forem responsáveis: (...) VII - os sócios, no caso de liquidação de sociedade de pessoas. Parágrafo único. O disposto neste artigo só se aplica, em matéria de penalidades, às de caráter moratório. Art. 135. São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos: I - as pessoas referidas no artigo anterior; II - os mandatários, prepostos e empregados; III - os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado. Analisando o artigo 134, nota-se que o caput do dispositivo legal é bastante confuso, pois bem, se não foi possível o cumprimento da obrigação principal pelo contribuinte e o responsável passa a assumir o pólo passivo da relação jurídica tributária o caso seria de responsabilidade subsidiária como já estudamos anteriormente, contudo o texto legal fala de solidariedade. Sobre a questão, Zelmo Dinari esclarece que o artigo 134 trata de responsabilidade solidária, mas em via subsidiária, segundo o autor os sujeitos ali elencados somente respondem nas hipóteses em que o contribuinte não cumpra sua obrigação tributária.62 62 Cf. DINARI, Zelmo. Sujeitos Ativo e Passivo da Relação Jurídica Tributária. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva (Coord.). Curso de direito Tributário. 2008, p.180. Apesar de o referido autor apontar a responsabilidade solidária em via subsidiária no artigo 134 do CTN, o mais apropriado é a responsabilidade tributária subsidiária pura e simples, porque como bem expõe o dispositivo legal é necessário dois requisitos: 1) a impossibilidade de exigência do cumprimento da obrigação principal pelo contribuinte; 2) participação efetiva de terceiros nos atos em que intervierem ou pelas omissões de que forem responsáveis. Nessa mesma linha de pensamento confirma Ricardo Lobo Torres. 63 Consoante ao artigo 135 do CTN, a responsabilidade de terceiro é pessoal, mas a classificação doutrinária em sua maioria entende que o artigo em tela trata-se de responsabilidade tributária por substituição, deveras analisando o artigo verifica-se que a obrigação tributária já nasce em nome de terceiro, o contribuinte não transfere sua obrigação a terceiro, a responsabilidade pelo dever jurídico (pagamento do tributo) é do substituído desde a ocorrência do fato gerador. Sendo a responsabilidade tributária subsidiária, a responsabilidade do terceiro no artigo 135 destitui a responsabilidade do contribuinte (pessoa jurídica), ademais, vale frisar que essa responsabilidade refere-se apenas a atos irregulares como excesso de poder ou infração de lei, estatuto ou contrato social. Noutro giro, impende destacar a responsabilidade tributária no caso da dissolução irregular da sociedade limitada, sobre o tema Ricardo Lobo Torres destaca: A mais controvertida de todas essas hipóteses é a da responsabilidade dos sócios, no caso de liquidação de sociedade de pessoas (...). Indagava-se a respeito da responsabilidade dos sócios da sociedade por cotas. Entendeu-se, de início (A. Baleeiro, op. cit., p. 447), que a sociedade por cotas de responsabilidade limitada não era uma sociedade de pessoas, pelo que seus sócios não responderiam pela dívida social. Depois de muita discussão o Supremo Tribunal Federal admitiu a responsabilidade do sócio da sociedade limitada, desde que, exercendo função de gerência, deixasse de pagar regularmente os impostos e não providenciasse a extinção da sociedade na forma prevista em lei; o STF conjugou o 134, VII, com o art. 135, III, equiparando o não-recolhimento de tributos à prática de atos com infração de lei, contrato social ou estatutos (Cf. RE 113.854, RTJ 124/365, cit., p. 241). O STJ, que seguia a orientação do STF, ultimamente vem firmando jurisprudência no sentido contrário, exigindo a prova de dolo e declarando que o simples inadimplemento não caracteriza infração legal (vide p. 269 – Ag. Reg. no RESP 252-303).”64 63 64 TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário. 2004. Págs. 264 a 266. Ibidem. Sobre o tema, o entendimento jurisprudencial no caso de dissolução irregular de sociedade é pacífico, de modo que quando a empresa é fechada sem a devida baixa na junta comercial, os sócios respondem pessoalmente pelos tributos da empresa. É por isso que Hugo de Brito de Machado assinala que as pessoas do artigo 134 inciso VII do CTN são pessoalmente responsáveis pelos créditos relativos nas obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infrações de lei, contrato social ou estatutos, e ainda os mandatários, prepostos e empregados, os diretores, gerentes e representantes de pessoas jurídicas de direito privado (artigo 135 CTN).65 No caso em tela, o autor ressalta a condição do sócio gerente que dissolve a empresa de maneira irregular respondendo não pelas hipóteses do artigo 134 do CTN, mas pela responsabilidade pessoal do artigo 135, pois o ato configura infração a lei e ao contrato social, assim é pelo fato de ser gerente não pela condição de sócio que configura a responsabilidade pessoal. Outro ponto relevante abordado por Luciano Amaro é no caso da sociedade for liquidada sem que haja condições econômicas para realizar o cumprimento de todas as suas obrigações fiscais, então os sócios podem ser responsabilizados, caso se evidencie que o patrimônio da empresa (oferecia condições para quitação dos tributos) foi para os sócios transferidos. 66 O referido autor analisa a responsabilidade quando o sócio age com dolo ao dissolver a sociedade, tentando desviar o patrimônio da empresa para o seu patrimônio particular, a situação em tela trata-se de responsabilidade pessoal, pois o sócio age em excesso de poder, é o caso típico de dissolução irregular. Importante também salientar que a norma tributária do artigo 135 do CTN os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado não respondem pessoalmente pelos tributos devidos pelas pessoas jurídicas, somente existirá a responsabilidade para estas pessoas se os créditos são oriundos de obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos. O entendimento, contudo é diferente no caso de inadimplemento do tributo devido, não há responsabilidade pelo fato da sociedade não recolher o tributo, nesse 65 66 Cf. MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 2006. Págs. 176-80. Cf. AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro. 2006. p. 327. sentido Hugo de Brito Machado ressalta que não se pode admitir que o não pagamento do tributo enseje uma infração de lei capaz de configurar tal responsabilidade, até porque isto levaria a extinguir a regra, fazendo prevalecer, em todos os casos, a exceção. 67 Nesse precedente o Superior Tribunal de Justiça vem se posicionando, pois ainda que configure infração legal o descumprimento da obrigação tributária principal não poderá imputar responsabilidade pessoal e direta em relação ao sócio da empresa, desde que não haja dolo ou fraude. Colacionamos algumas jurisprudências nesse sentido, in verbis: Tributário E Processual Civil - ICMS - Execução Fiscal - Redirecionamento Sócios De Sociedade Por Quotas – Responsabilidade Societária - Art. 135, III, CTN. I - A responsabilidade tributária prevista no art. 135, III, do CTN, imposta ao sócio-gerente, ao administrador ou ao diretor de empresa comercial só se caracteriza quando há dissolução irregular da sociedade ou se comprova a prática de atos de abuso de gestão ou de violação da lei ou do contrato. II - Os sócios da sociedade de responsabilidade por cotas não respondem objetivamente pela dívida fiscal apurada em período contemporâneo a sua gestão, pelo simples fato da sociedade não recolher a contento o tributo devido, visto que, o não cumprimento da obrigação principal, sem dolo ou fraude, apenas representa mora da empresa contribuinte e não "infração legal" deflagradora da responsabilidade pessoal e direta do sócio da empresa. III - Não comprovado os pressupostos para a responsabilidade solidária do sócio da sociedade de responsabilidade limitada há que se primeiro verificar a capacidade societária para solver o débito fiscal, para só então, supletivamente, alcançar seus bens. IV - Recurso Especial a que se dá provimento. 68 Tributário. Sociedade Anônima E/Ou Sociedade Por Quotas De Responsabilidade Limitada. Limites Da Responsabilidade Do Diretor E/Ou Do Sócio-Gerente. Quem está obrigada a recolher os tributos devidos pela empresa é a pessoa jurídica, e, não obstante ela atue por intermédio de seu órgão, o diretor ou o sócio-gerente, a obrigação tributária é daquela, e não destes. Sempre, portanto, que a empresa deixa de recolher o tributo na data do respectivo vencimento, a impontualidade ou a inadimplência é da pessoa jurídica, não do diretor ou do sócio-gerente, que só respondem, e excepcionalmente, pelo débito , se resultar de atos praticados com excesso de mandato ou infração à lei, contrato social ou estatutos, exatamente nos termos do que dispõe o artigo 135, inciso III, do Código Tributário Nacional. Recurso especial conhecido, mas improvido.69 Ante os ensinamentos e observações acima colacionados no que concerne a Responsabilidade de Terceiros, entendemos que em relação ao artigo 134 inciso VII a mais 67 Cf. MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 2006. p. 176-80. REsp. nº 121021/PR, Rel. Min. Nancy Andrighi, in DJU de 11/09/2000. 69 REsp nº 100739/SP, Rel. Min. Ari Pargendler, in DJU de 01/02/1999. 68 apropriada é a responsabilidade subsidiária de terceiros, não podemos falar em solidariedade. Nessas situações o cumprimento da obrigação fica a cargo do sujeito passivo secundário, ou seja, em caso de inadimplemento da obrigação tributária pelo contribuinte, o terceiro passa a responder pela obrigação do sujeito passivo originário. Consoante ao artigo 135 do CTN, seguimos a linha da grande parte da doutrina, e entendemos que se trata de responsabilidade pessoal, mas em via de substituição. 2.1.5 Excesso de Poder, Infração de Lei / Contrato Social e Dissolução Irregular da Sociedade. Tendo em vista que os requisitos para ensejar a responsabilidade tributária pessoal são: o excesso de poder, infração de lei, infração de contrato social, torna-se imperioso traçar algumas considerações, de modo a identificar no caso concreto as possibilidades de desconsideração da personalidade jurídica. Em relação ao excesso de poder, Claudia Rodrigues conceitua de maneira clara assinalando que se trata de desobediência às clausulas contratuais, ocorre na situação em que o mandatário exorbita dos poderes a eles outorgados, respondendo assim pessoalmente junto a terceiro pelos prejuízos que causar. Nesse sentido a autora se vale do conceito de abuso de poder em uma visão sistêmica do direito civil para concluir que ocorre o excesso quando o sujeito (gerentes, representantes, sócios ou diretores) pratica atos que o Direito autoriza, contudo, ultrapassa os limites de seu exercício. 70 É por isso que os atos praticados com extrapolação de poderes não se confundem com os atos das pessoas jurídicas. Pelo contrário, delas se distanciam, de modo que aquele que utiliza a pessoa jurídica para adquirir patrimônio autônomo e exercer direitos em nome próprio incorre nas chamadas infrações tributárias subjetivas. Nesse caso serão responsabilizados pessoalmente pela infração, não havendo que se falar em responsabilidade para a pessoa jurídica. E é exatamente isto que previu o legislador ao determinar a responsabilidade pessoal do agente no artigo 135 do Código Tributário Nacional ora comentado. 70 RODRIGUES, Cláudia. Conjuntura: Processo Administrativo. Revista Jurídica Consulex, mar. 2003, p.28. Quanto a infração à lei, Claudia Rodrigues entende ter um sentido mais amplo, para a autora a expressão atinge “valores maiores”, até mesmo em decorrência de atos ilícitos dolosos, embora seja clara que ambos os conceitos retratam os atos ilícitos em geral, o que incluem a infração ao contrato social ou estatutos, por ultrapassar os limites em que é construída a personalidade jurídica. 71 Derzi lecionou, sobre o alcance da expressão "infração à lei", o seguinte: O ilícito é assim prévio ou concomitante ao surgimento da obrigação (mas exterior à norma tributária) e não posterior, como seria o caso do não pagamento do tributo. A lei que se infringe é a lei comercial ou civil, não a lei tributária, agindo o terceiro contra os interesses do contribuinte. Daí se explica que, no pólo passivo, se mantenha apenas a figura do responsável, não mais a do contribuinte, que viu, em seu nome, surgir dívida não autorizada, quer pela lei, quer pelo contrato social ou estatuto.72 Nesse sentido, vale ressaltar o que foi exposto no Capitulo 01 sobre o ato ilícito e o abuso de direito, em relação ao ato ilícito verificamos que resulta de uma violação formal, onde pressupõe a existência de dispositivos legais que proíbam a conduta irregular, já no caso do abuso de direito, observamos que não há limites claros fixados em lei, pois estes serão regido pelos princípios do ordenamento, que contem os valores fundamentais. Assim, a autora retrata que nos casos de abuso de direito poderá haver a desconsideração da personalidade jurídica, ainda que não haja previsão legal, porque nesse caso houve violação dos princípios maiores do ordenamento jurídico, ou seja, fazendo uma ponderação daqueles princípios com a estrita legalidade do Direito Tributário prevaleceriam os princípios da motivação lícita. 73 De qualquer modo, no tocante a prática de atos ilícitos os administradores e sócios-gerentes têm responsabilidade pessoal quando agem com excesso de mandato, como também quando dentro das atribuições, ocorrerem com dolo ou culpa, ou ainda infração de lei, do estatuto ou do contrato. Outro ponto a ser abordado é a infração ao contrato social, que é exatamente os atos praticados em face do objetivo social da empresa, ou seja, é o desvio dos interesses estabelecidos no estatuto social, assim tanto os sócios-gerentes como os demais dirigentes com poderes de gestão não poderão desviar-se dos deveres imputado no estatuto, contrato social e na lei. 71 72 RODRIGUES, Cláudia. Conjuntura: Processo Administrativo. Revista Jurídica Consulex, mar. 2003, p.28. DERZI, Mizabel Abreu Machado. Direito Tributário Brasileiro. 2003, p.757. Outrossim, na responsabilidade do artigo 135 do CTN é imprescindível a comprovação da conduta dolosa como requisito da responsabilidade dos sócios na condição de gerentes e demais pessoas dirigentes de pessoas jurídicas, sob pena de não poder a execução recair sobre os bens destes indistintamente. Portanto, o importante é levar em conta a atuação dessas pessoas e o seu grau de participação no evento que deu origem às obrigações tributárias. Nesse diapasão, o Supremo Tribunal Federal já manteve sua posição: “o sócio não responde pelas obrigações fiscais da sociedade quando não lhe impute dolosa ou culposa, com violação da lei ou contrato social” 74 Em suma, percebe-se que a responsabilidade pessoal e direta dessas pessoas decorre da prática de atos não autorizados pelo contribuinte, com excesso de poderes ou infração de lei, contato social ou estatuto, e como conseqüência atribui a responsabilidade pessoal, por substituição, ao agente que o praticou. Ademais, inexistindo prova de que se tenha agido com excesso de poderes, ou infração de contrato social ou estatuto, não há que se falar em responsabilidade tributária dos dirigentes da pessoa jurídica a esse título ou a título de infração legal. Contudo, é de fundamental importância que se discrimine entre as infrações objetivas e subjetivas para provar a existência ou inexistência do fato ilícito. Nesse precedente, ensina Paulo de Barros Carvalho: a inexistência material do fato antijurídico, descaracterizando-o em qualquer de seus elementos constitutivos, com todas as dificuldades que lhe são inerentes. Enquanto, no setor das que na infrações subjetivas, em que o dolo e a culpa na compostura do enunciado do fato ilícito, a coisa se inverte, competindo ao Fisco, com toda a gama instrumental dos seus expedientes administrativos, exibir os fundamentos concretos que revelem a presença do dolo ou da culpa, como nexo entre a participação do agente e o resultado material que dessa forma se produziu. Os Embaraços dessa comprovação, que nem sempre é fácil, transmudam-se para a atividade fiscalizadora da Administração, que terá a incumbência intransferível de evidenciar não só a materialidade do evento como, também, o elemento volitivo que propiciou ao infrator atingir seus fins contrários às disposições da ordem vigente.75 Paulo Carvalho ainda acrescenta que é necessário provar o elemento subjetivo que compõe o fato típico, pois presunções não devem ser admitidas no que ser refere às infrações subjetivas, ate porque o dolo e a culpa não se presumem, mas se provam, de tal 73 RODRIGUES, Cláudia. Conjuntura: Processo Administrativo. Revista Jurídica Consulex, mar. 2003, p.28. RE. N. 95;011., 1ª t. Rel. Min. Néri da Silveira. Ac. de 4.6.82, RTJ Vol. 107, p. 1080. 75 CARVALHO, Paulo de Barros Curso de Direito Tributário. 2000. p. 505-6. 74 modo que o fato imputado como ilícito tributário deve ser demonstrado de maneira inequívoca. 76 A situação descrita pelo referido autor remete a hipótese de abuso de direito, pois no caso das infrações subjetivas, a falsa aparência do ato legítimo esconde uma ilegalidade, que deve ser comprovada pelo próprio Fisco. Por ultimo, temos a dissolução irregular de sociedade, e nesse aspecto cabe fazer algumas considerações. Preliminarmente é importante verificar o conceito de dissolução irregular, e posteriormente analisar se uma sociedade meramente inativa pode ser considerada como uma sociedade dissolvida. O Código Civil trouxe novas regras para dissolução das sociedades comercias disposto no artigo 1.033 que descreve as seguintes hipóteses: Art. 1.033. Dissolve a sociedade quando ocorrer: I - o vencimento do prazo de duração, salvo se, vencido este e sem oposição de sócio, não entrar a sociedade em liquidação, caso em que se prorrogará por tempo indeterminado; II - o consenso unânime dos sócios; III - a deliberação dos sócios, por maioria absoluta, na sociedade de prazo indeterminado; IV - a falta de pluralidade de sócios, não reconstituída no prazo de cento e oitenta dias; V - a extinção, na forma da lei, de autorização para funcionar. Existe ainda a possibilidade de dissolução pela via judicial como institui o artigo 1.035 do Código Civil. Ainda no artigo 1.036 do Código Civil, a dissolução prevista em lei ou no contrato social “incumbe ao administrador providenciar de imediato um liquidante e restringir a gestão própria aos negócios inadiáveis ficando vetada novas obrigações, inclusive de natureza tributaria”77. Caso o administrador crie novas obrigações tributarias responderá solidaria e ilimitadamente. Nesse precedente, observa-se que a dissolução é o desfazimento da sociedade por vencimento de seu prazo de duração; por deliberação dos sócios; por liquidação judicial ou extrajudicial, ou, ainda, por anulação judicial requerida por qualquer dos sócios, a par de outras causas previstas no contrato social. 76 77 CARVALHO, Paulo de Barros Curso de Direito Tributário. 2000. p. 505-6. GRUPENMACHER, Betina Treiger. Responsabilidade Tributária Pessoal do Sócio por Dívidas da Pessoa Jurídica.In: . In: TORRES, Heleno Taveira; QUEIROZ, Mary Elbe (Coord.). Desconsideração da personalidade jurídica em matéria tributária. 2005, p.412-30. Logo, não se pode considerar dissolvida uma sociedade meramente inativa, pois a sociedade inativa é sociedade dormente e, assim, capaz de ser reativada a qualquer momento por deliberação de seus sócios. 78 Vale ressaltar que a inatividade de uma sociedade não a exime do cumprimento das obrigações tributárias acessórias de posteriores multas resultantes do inadimplemento. Não é justificativa para deixar de manter contabilidade regular. E, assim, será considerada irregular com a conseqüência de recair sobre seus sócios, por substituição, a responsabilidade tributária. Sobre este tema vejamos o entendimento do Superior Tribunal de Justiça: EXECUÇÃO FISCAL. REDIRECIONAMENTO. DISSOLUÇÃO IRREGULAR. SOCIEDADE. O fechamento da empresa sem baixa na junta comercial constitui indício de que o estabelecimento comercial encerrou suas atividades de forma irregular. O comerciante tem obrigação de atualizar o seu registro cadastral nos órgãos competentes. Assim, tal circunstância autoriza a Fazenda a redirecionar a execução contra os sócios e administradores. Precedentes citados: EREsp 716.412-PR, REsp 839.684-SE, DJ 30/8/2006, e REsp 750.335-PR, DJ 10/4/2006.79 Por outro lado, o Superior Tribunal de Justiça também tem entendido, conforme jurisprudência, in verbis: EXECUÇÃO FISCAL. REDIRECIONAMENTO. SÓCIOS. DISSOLUÇÃO IRREGULAR. A Turma, ao continuar o julgamento, entendeu, por maioria, que, na hipótese, é possível presumir a dissolução irregular da sociedade e, em conseqüência, redirecionar a execução fiscal para seus sócios, visto que certificado por oficial de justiça que ela não mais existe no endereço indicado (art. 127 do CTN). No Direito Comercial, há que se valorizar a aparência externa da sociedade, e a mera suposição de que estaria a funcionar em outro endereço, sem que o tivesse comunicado à Junta Comercial, não pode obstar o crédito da Fazenda. 80 Assim, percebemos que nos casos de ausência ou insuficiência de patrimônio social em face de débitos de responsabilidade da pessoa jurídica, as recentes decisões do Superior Tribunal de Justiça sobre o tema têm reconhecido a legitimidade do redirecionamento da execução à pessoa dos sócios e administradores, quando houver indícios de dissolução irregular da sociedade. 78 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário, 2000, p. 505-6. REsp 985.616-RS, Rel. Min. Castro Meira, julgado em 6/11/2007. 80 REsp 800.039-PR, Rel. originário Min. Peçanha Martins, Rel. para acórdão Min. Eliana Calmon, julgado em 25/4/2006. 79 Nesse sentido, impende ressaltar que se a sociedade é simplesmente desativada sem cumprir suas obrigações tributarias, os bens particulares dos administradores ou sócios podem ser objetos de constrição, em uma possível execução fiscal. As jurisprudências abaixo ilustram bem o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça sobre o tema: EMBARGOS DE TERCEIRO. EXECUÇÃO. PENHORA INCIDENTE SOBRE BENS PARTICULARES DO SÓCIO. DISSOLUÇÃO IRREGULAR DAS EMPRESAS EXECUTADAS. CONSTRIÇÃO ADMISSÍVEL. O sócio de sociedade por cotas de responsabilidade limitada responde com seus bens particulares por dívidas da sociedade quando dissolvida esta de modo irregular. Incidência no caso dos arts. 592, II, 596 e 10 do Decreto n. 3.708, de 10.01.1919.Recurso especial não conhecido.81 PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. AUSÊNCIA DE INDICAÇÃO DE QUAISQUER DOS VÍCIOS PREVISTOS NO ART. 535 DO CPC. REJEIÇÃO. EFEITOS INFRINGENTES. IMPOSSIBILIDADE. (RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO FISCAL. SOCIEDADE POR QUOTAS DE RESPONSABILIDADE LIMITADA. EXISTÊNCIA DE INDÍCIOS DE DISSOLUÇÃO IRREGULAR. REDIRECIONAMENTO DA EXECUÇÃO PARA O SÓCIO GERENTE. POSSIBILIDADE) 1. A existência de indícios do encerramento irregular das atividades da empresa executada autoriza o redirecionamento do feito executório à pessoa do sócio (...) 2. In casu, consta expressamente do voto condutor do aresto impugnado a existência de inúmeros indícios que indicam a ocorrência de dissolução irregular da empresa executada.82 2.2 Interpretação da Norma Tributária. O ordenamento jurídico em uma visão simplificativa é composto por normas e princípios que estão explícitos ou implícitos, com conteúdos diversos, e nesta dinâmica procedimental costumeiramente são editadas normas sobre novos temas e matérias, alterando, suprimindo, complementado, reorganizando todas as regras existentes. O problema exposto neste trabalho diverge em duas posições, que são a afirmação e a negação da desconsideração da personalidade jurídica em matéria tributária, em ambos os posicionamentos observamos interpretações que tentam justificar cada corrente. 81 REsp. 140.564-SP (1997/0049641-4), Rel. Min. Barros Monteiro, 4.ª Turma do STJ, j. 21.10.2004, DJU 17.12.2004). 82 (EDcl no REsp 750.335-PR (2005/0078672-2), Rel. Min. Luiz Fux, 1.ª Turma do STJ, j. 28.03.2006, DJU 10.04.2006). Assim, diante da complexidade de conferir segurança e certeza ao Direito, a fim de evitar ambigüidades e imperfeições, é conferido ao aplicador do Direito o papel de descobrir o real sentido da regra jurídica, compreender o seu significado e extensão. Nesse sentido, Eros Roberto Grau tem que a interpretação do direito nada mais é do que a atividade de compreensão do significado das normas jurídicas, sendo que a atividade do interprete é justamente dar significado da norma.83 Assim, a atividade interpretativa não é um trabalho desordenado, é necessário obediência aos postulados da hermenêutica, e para tanto o hermeneuta deve considerar a norma num contexto dinâmico, com permanente mudança e integração, pois todos os comandos que a norma contém dependem de uma renovação constante adaptada a realidade social.84 Essa constante modificação dos acontecimentos e transformações sociais alteram o campo jurídico, nessa diretriz percebe-se que aquela intenção do legislador já não mais prevalece, mas somente a vontade da lei, em suma, o que importa é o direito “posto”, em outros termos: o legislador não é livre para criar qualquer direito posto (direito positivo), mas este mesmo direito transforma sua (dele) própria base. O direito pressuposto condiciona a elaboração do direito posto (positivo). Mas o direito posto transforma sua (dele) própria base. O direito que o legislador não pode criar arbitrariamente –insisto- é o direito positivo. O direito pressuposto condiciona a produção do direito posto (positivo). Mas o direito posto transforma sua (dele) própria base. Isto significa – afirmo-o em outros termos – que o direito pressuposto condiciona a elaboração do direito posto (direito positivo), mas este modifica o direito pressuposto.85 Nesse precedente, conclui José Eduardo Soares de Melo, a aplicação do Direito implica o exame e análise do conteúdo da norma jurídica, na busca do significado e aptidão para produzir os efeitos jurídicos, que se traduzem em direitos, obrigações e situações, daí por que dizemos que “a lei é mais sábia do que o legislador”.86 Destarte, tendo em vista a importância da interpretação dentro do Direito, passaremos a tratar neste capítulo da hermenêutica dentro nas relações tributárias, no 83 Cf. GRAU, Eros Roberto. Ensaio e Discurso sobre a Interpretação/Aplicação do Direito. p. 25-26. DE MELO, José Eduardo Soares. Interpretação e Integração da Legislação Tributária. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva (Coord.). Curso de direito Tributário. 2008, p.145. 85 Op. Cit. 86 Op. Cit. 84 intuito de alcançar uma saída que melhor se ajuste a realidade do caso concreto e aos postulados constitucionais, a fim de garantir segurança jurídica. 2.2.1 Métodos Interpretativos e a Interpretação da Lei Tributária Compreender a norma e seu verdadeiro significado exige do interprete a utilização de técnicas a afim de melhor adaptar a norma ao caso concreto, esta interpretação é feita por meio de métodos e critérios, os quais possibilitam esclarecer o texto legal. Ademais, como bem ressalta Ruy Barbosa Nogueira: Sendo o Direito uma ciência normativa, que visa a operatividade funcional da dogmática jurídica, dominada no Estado de Direito pelo principio geral da legalidade, com o fim de realizar a justiça e o bem comum, é necessário que o sistema do Direito atinja o próprio campo da interpretacao não só por meio de normas adequadas, mas também pela doutrina e jurisprudência, para impedir a incerteza. É, sem dúvida, um campo de difícil delimitação por colocar-se muitas vezes nos extremas da razão e da convicção humanas. Muitos são os autores que contestam a legitimidade das regras fixas ou formais de interpretação.87 Nesse precedente, impende realizar um breve exame dos métodos gerais de interpretação e aplicação da lei, a fim de verificar se são aplicáveis ao Direito Tributário, ou se o próprio Direito Tributário tem pontos específicos dentro da teoria da interpretação, da integração e da aplicação do Direito. Doutrinariamente temos cinco métodos interpretativos, os quais são: gramatical, lógico, histórico, teleológico e sistemático. O método gramatical “...considera as próprias palavras do texto legal, o entendimento vernacular e a literalidade, a construção gramatical, o significado semântico.” Dentro do Direito Tributário possui importância relativa, pois como já exposto anteriormente as palavras do texto normativo não mantém o sentido com o passar do tempo, ou seja, a vontade do legislador em nada mais interesse, mas somente a vontade da lei.88 Este método é o adotado em grande parte aos que são contrários a desconsideração da personalidade jurídica em matéria tributária, pois este método com o 87 88 NOGUEIRA, Ruy Barbosa. Curso de Direito Tributário. 1999, p.86. DE MELO, José Eduardo Soares. Interpretação e Integração da Legislação Tributária. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva (Coord.). Curso de direito Tributário, 2008, p.145-7. princípio da estrita legalidade do Direito Tributário, impede que outros casos de responsabilidade se estendam além dos enumerados nos artigos 134 e 135 do CTN. Já o método lógico é aquele “...que objetiva descobrir o pensamento e o sentido da lei aplicando princípios científicos da lógica, tais como: o principio da identidade, contrariedade, do terceiro excluído e da razão suficiente”.89 Esse método buscou resumir tudo à “...precisão matemática, enquadrar, em uma série de silogismos bem concatenados, todo o raciocínio do exegeta e aplicador do direito”. 90 O método histórico é aquele que retrocede ao passado para identificar o sentido da norma, de acordo essa concepção, o direito não se confunde com a vontade do legislador “...objetiva esclarecer o sentido da norma por um trabalho de reconstituição de seu conteúdo original, encontrando os documentos atinentes à elaboração da lei, procurando descobrir a intenção real do legislador”91 como também analisar as circunstâncias históricas e sociais a época de formação do texto legal. Este método tem pouca aplicação nas normas tributárias. Por sua vez o método teleológico “... enfatiza a finalidade da norma, o resultado colimado pelo legislador, convertendo em realidade o objetivo ideado”. 92 Assim, a interpretação deve ser realizada com o objetivo de atender as finalidades a fim de resguardar os institutos, valores fundamentais, princípios. Nesse sentido, temos que: Na esfera tributária, consistiria na observância do binômio direitos e garantias individuais/indisponibilidade do credito tributário, sendo vedado perseguir exclusivamente fins arrecadatórios, que se verificassem totalmente divorciados dos princípios e normas constitucionais. Exemplificativamente, nas prestações de transporte para o estrangeiro, em que o prestador de serviços fosse compelido a transportar a carga para outro transportador (mero subcontratado), não se poderia descaracterizar o preceito imunitário do ICMS, em atendimento à interpretação finalistica que visa desonerar as exportações nacionais, facilitando acesso das empresas do país no mercado internacional.93 Este método é utilizado pelos que defendem a desconsideração da personalidade jurídica na responsabilidade tributária. Relembrando o que foi exposto em relação a “infração à lei”, observou-se que o ilícito não é somente aquele previsto nas 89 DE MELO, José Eduardo Soares. Interpretação e Integração da Legislação Tributária. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva (Coord.). Curso de direito Tributário, 2008, p.145-7. 90 MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do Direito. 1998. p. 157. 91 Loc. Cit. 92 Loc. Cit. 93 NOGUEIRA, Ruy Barbosa. Curso de Direito Tributário. 1999, p.86. normas tributárias, mas aquele que fere aos objetivos e fins da pessoa jurídica, agindo o sócio contra os interesses do contribuinte, é perfeitamente possível a responsabilização pessoal do sócio. Por ultimo, o método sistemático é que considera a ordem jurídica como um sistema coerente de normas legais, as quais estão divididas em subsistemas (direito comercial, direito tributário, etc). Tal método é considerado para alguns doutrinadores auto-suficiente, capaz de resolver as questões jurídicas proposta. Sobre o método sistemático, Ricardo Lobo Torres, assim ressalta: o sistemático não é apenas lógico. Possui dimensão valorativa, pois visa compreender a norma dentro do sistema jurídico que é aberto, direcionado para valores – especialmente justiça e segurança – e dotado de historicidade. Fala-se hoje menos em método sistemático que em sistema de métodos. A idéia de diretriz é a unidade entre os vários ramos do Direito e as respectivas teorias, unidade entre os vários ramos do Direito e as respectivas teorias, unidade essa que não é fechada, por ser rica em sentido. O método sistemático, enfim, incorpora o critério teleológico, donde se conclui que do sistema jurídico emana a dimensão econômica e financeira.94 Diante do exposto, o que se observa na interpretação tributaria, é que existem pluralidade e equivalência, pois os métodos são aplicados conforme o caso concreto juntamente com os valores ínsitos das normas, ora em determinado momento se recorre ao método sistemático, ora ao teleológico, ora ao histórico, assim os métodos não se divergem, mas se complementam e intercomunicam. Portanto, como também ressalta Ricardo Lobo Torres, os métodos de interpretação devem ser estudados dentro da visão pluralista, ou seja, não existindo hierarquia, pois cada método tem igual peso, variando conforme o caso concreto e com os valores jurídicos da época de aplicação.95 Ademais, embora o Direito Tributário seja um ramo específico do Direito Público, integrado por preceito e diretrizes atinentes ao Poder Público, não pode ser considerado como um ramo autônomo sujeito a critérios específicos de interpretação, é importante adaptá-lo e conformá-lo às diretrizes gerais de interpretação das normas jurídicas, bem como aos princípios gerais de Direito. Assim, na legislação e na doutrina também encontramos regras especiais de interpretação do Direito Tributário, que devem ser aplicadas em cada caso concreto, mas o 94 95 TORRES, Ricardo Lobo. Normas de Interpretação e Integração do Direito Tributário. 1991, p. 85. Ibidem. requisito fundamental para o interprete no tocante a interpretação e a aplicação das leis tributarias é a sua observância com os preceitos constitucionais. Contudo, no presente trabalhamos adotamos como referencia o método sistemático na análise do problema exposto, como um instrumento a “traduzir e realizar a adequação valorativa e a unidade interior da ordem jurídica”96, partindo dessa premissa, verificaremos se existe possibilidade de desconsiderar a personalidade jurídica na responsabilidade tributária, em especial das sociedades limitadas. 2.2.2 Princípios & Regras, qual deve prevalecer na interpretação das normas tributárias. Partindo da análise da interpretação jurídica e seus métodos para análise da norma jurídica, podemos agora estudar a diferença entre regras e princípios dentro da órbita jurídica, como também analisar o seu alcance dentre da corrente positivista e pósposivista, e por fim verificar seus reflexos na interpretação da lei tributária quanto a possibilidade de desconsideração da personalidade jurídica nas normas de responsabilidade tributária. Os princípios, segundo a exposição de Karl Larenz e citado por Eros Roberto Grau, “são os pensamentos diretivos de uma regulação jurídica existente ou possível; (...)são pautas orientadoras da normacão jurídica que, mercê de sua forca de convicção, podem justificar decisões jurídicas, expressam especificações da idéia do direito.”97 Deveras uma comparação entre princípios e regras, Canotilho observa que a regra é apenas uma exigência, ou seja, algo que prescreve uma imposição, uma permissão, uma proibição, que pode ou não ser cumprida, obedece à lógica do tudo ou nada. Por sua vez, os princípios trilham um caminho diverso, que permitem o balanceamento de valores e interesses, não existe a exclusão de um princípio, mas a ponderação de eventuais conflitos, ademais o chamado “conflito de princípios” podem ser objeto de harmonização entre eles, e por fim os princípios tratam exatamente de problemas de importância, enquanto as regras apenas retratam questões de validade sem adentrar na relevância do caso concreto. 98 96 CANARIS, Claus-Wilhem, Pensamento Sistemático e Conceito de Sistema na Ciência do Direito. 2002, p.23. 97 GRAU, Eros Roberto. Ensaio e Discurso sobre a Interpretação/Aplicação do Direito. 2006, pg. 151-2. 98 Cf.CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional. 1991, pg. 173-4. Assim, no tocante a desconsideração da personalidade jurídica na responsabilidade tributária, o principal problema é saber o que vai prevalecer: Regra ou Principio? Se fundamentamos a resposta apenas no Princípio da Estrita Legalidade do Direito Tributário prevaleceria somente o que dispõe os dispositivos legais em relação as regras da responsabilidade tributária. Por outro lado, há situações em que o abuso de direito atinge limites axiológico-materiais, que não há limites definidos e fixados, nesse caso resta tão somente a aplicação dos princípios que regem o ordenamento jurídico. Outrossim, percebemos que o modelo constitucional que vigora, as normas constitucionais estão estruturadas sob a forma de princípios e regras, e tais princípios constitucionais tem grande caráter normativo. Todavia surge outra dúvida em relação ao alcance dessa normatividade dos princípios, se estivermos negando, poderíamos ignorar as garantias e direitos individuais , e por conseguinte negar o Estado Democrático de Direito.99 Diante das breves considerações, o caminho mais apropriado é uma interpretação da lei tributária paralela com os princípios constitucionais, porque os princípios têm função interpretativa e integrativa da lei, o que permite estar em um patamar superior às regras, ademais, para garantir a segurança jurídica é necessário resguardar os direitos fundamentais. Vale ressaltar que os princípios constitucionais além de servirem como baliza ao próprio Estado na preservação dos direitos fundamentais, também atuam como instrumentos de harmonia no ordenamento jurídico, nesse sentido, Jorge Miranda ressalta que “ação imediata dos princípios consiste em primeiro lugar em funcionarem como critérios de interpretação e de integração, pois são eles que dão coerência geral ao sistema.” 100 Nesse mesmo entendimento, Luiz Roberto Barroso, destaca: O ponto de partida do interprete há que ser sempre os princípios constitucionais que são o conjunto de normas que espelham a ordem jurídica que institui a ideologia da constituição, seus postulados básicos e seus fins Os princípios constitucionais são as normas eleitas pelo Constituinte como fundamentos ou qualificações essenciais do ordenamento.101 99 FERREIRA, Eliane Garcia. A interpretação da Lei Tributária e a Teoria dos Direitos Fundamentais. Disponível em: <http://www.fiscosoft.com.br/main_index.php?home=home_artigos&m=_&nx_=&viewid=133952.>Ace sso em: 15 set 2008. 100 MIRANDA, Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, 1991, p.226-7. 101 BARROSO, Luis Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição, 2003, p.226. Ante ao exposto, a análise das normas tributárias, em especial as de responsabilidade tributária, devem ser conjugadas à uma interpretação dos princípios constitucionais, pois estes são a diretriz do sistema jurídico conferindo maior congruência com a Carta Magna, nesse precedente Elaine Garcia Ferreira faz uma louvável observação: A Supremacia constitucional é fundamental para que se possa estabelecer um parâmetro de atuação do poder público no que tange a tributação e aos abusos na atividade pública como no âmbito legislativo, judicial ou no administrativo. Não se trata apenas de um conceito jurídico, se trata da efetividade de todo um mecanismo constitucional disponível que busca a aplicação do direito ao caso concreto.102 2.2.3 A importância de uma interpretação constitucional nas normas tributárias. Como exposto no capitulo anterior, para um melhor entendimento das normas tributárias é necessário uma análise conjunta dos preceitos e diretrizes constitucionais, nesse sentido, observa-se que a melhor interpretação da lei tributaria esta na relação casada com a Constituição Federal, e de fato, não poderia haver melhor compreensão se não fosse à luz da Carta Magna. Vale ressaltar, como ensina Celso Ribeiro Bastos, que a interpretação constitucional não despreza a interpretação jurídica de maneira geral, contudo oferece ao hermeneuta uma gama de particularidades que justificam o seu tratamento diferenciado, o hermeneuta tem um estudo próprio e independente dos demais métodos interpretativos presentes no nosso ordenamento jurídico, que confere autonomia e prática.103 Contudo, como bem esclarece Ivo Dantas, pelas lições de Carlos Maximiliano, que é necessário diretrizes, técnicas da interpretação constitucional, e para tanto, o autor expõe 5 (cinco) regras, os quais são: “a)- prevalência do conteúdo teleológico da Constituição, que é, ao mesmo tempo, instrumento de governo e instrumento de restrição aos poderes, devendo ser vista, sobretudo, como instrumento de amparo à liberdade individual; b)- proteção e garantia da liberdade e dignidade do homem resumem a finalidade maior da norma constitucional; c)- a interpretação constitucional sempre deve ser orientada no sentido da regra anterior; 102 FERREIRA, Eliane Garcia. A interpretação da Lei Tributária e a Teoria dos Direitos Fundamentais. Disponível em: <http://www.fiscosoft.com.br/main_index.php?home=home_artigos&m=_&nx_=&viewid=133952.>Ace sso em: 15 set 2008. 103 Cf. BASTOS, Celso Ribeiro R. Hermenêutica e interpretação constitucional, , 2002, p. 105-6. d)- nos casos de conflito (mesmo aparente) entre a liberdade e o interesse do governo, aquela deve prevalecer sempre; e)- o fim último do Estado é ter o exercício do poder dentro de seus limites.” 104 Deveras os postulados trazidos por Ivo Dantas, trazem os nortes para a interpretação constitucional, mas a própria aplicação da técnica hermenêutica só se convalida se conjugada com os princípios constitucionais, porque não basta interpretar a norma, é necessário verificar se guarda congruência com a Constituição Federal. Isso será importante, quando analisarmos a possibilidade de desconsideração da personalidade jurídica na responsabilidade tributária, porque caso os entendimentos sobre essa matéria não tenham fundamento constitucional válido, toda teoria, seja ela favorável ou contraria, não poderá subsistir. Ademais, o princípio constitucional serve como instrumento para uma aplicação adequada do dispositivo legal, como bem expõe Roque Antonio Carraza o principio possui uma função específica dentro do ordenamento jurídico pátrio, se torna de grande relevância, para uma correta aplicação dos atos normativos e das normas legais, Outrossim, em referência a Celso Antonio Bandeira de Mello, o autor ressalta que o menosprezo a qualquer princípio implica na ofensa não apenas um comando de lei, mas a todo o sistema de comandos, pois violar um princípio é muito mais grave do que transgredir uma norma, assim, sem outros cuidados, podemos sustentar que um princípiojuridico-constitucional é o que orienta a atuação de outras normas.105 Portanto, o principio caracteriza não por estabelecer um procedimento específico, mas, principalmente por instituir diretrizes, metas, é por isso que se torna muito valioso para o Direito tributário, sobretudo na aplicação de suas normas, pois o princípio tem valor extraído da Carta Magna. Aliás como bem lembra Roque Antonio Carraza: Portanto, tudo se congrega a indicar que as leis e demais atos normativos de igual ou inferior hierarquia, além de deverem obedecer às regras constitucionais, precisam ser interpretados e aplicados da forma mais congruente possível, com os princípios encartados no Código Supremo. À guisa de ilustração, se uma lei for equivoca ou tiver pluralidade de sentidos, deverá ser aplicada em sintonia com os princípios que a Constituição acolhe. 104 DANTAS, Ivo. Interpretação Constitucional: Normas Constitucionais Inconstitucionais. Disponível em: <www.esmese.com.br/grade_horaria_cpc/material_de_apoio/anual_noturno/anselmo/interpretacao%20co nstitucional.pdf>. Acesso em 24 set 2008. 105 Cf. CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 1994, pg. 33-34. Assim, é o princípio constitucional que confere o norte, a diretriz na interpretação e integração das normas tributária, mas, sobretudo no sistema jurídico como um todo, pois são eles que conferem coerência e sentido exato na ligação com as normas e demais princípios além de assegurar estrutura e coesão no ordenamento jurídico. 2.2.4 Princípio da Legalidade no Direito Tributário & Princípio da Razoabilidade: Análise das Normas Tributárias em relação à Responsabilidade Tributária. Não raro, perquire-se em matéria tributária a questão da legalidade e da constitucionalidade de determinadas execuções, alegando-se como fundamento os princípios da legalidade da “tipicidade fechada”. É por isso que Ricardo Lobo Torres ressalta ser necessário modificar o alcance e significado do princípio da legalidade tributária, tornando-o aberto à interpretação e à complementação judicial, tendo em vista que, o direito tributário, se utiliza de cláusulas gerais e de princípios indeterminados, impedindo, desta sorte, o fechamento total de seus conceitos.106 Por isso, importante a aplicação do princípio da razoabilidade e da proporcionalidade na análise das normas tributárias, segundo Ricardo Lobo Torres o princípio da razoabilidade, inspirado na doutrina americana, tem grande importância na temática da interpretação e da aplicação do direito financeiro, como também na aplicação das normas de direito tributário. 107 O princípio da razoabilidade e da proporcionalidade é importante no sentido de não responsabilizar pessoalmente o sócio pelo simples inadimplemento da obrigação tributaria, quando não age com dolo ou fraude, como já visto anteriormente. É com base nesses fundamentos que o STJ – Superior Tribunal de Justiça tem sistematicamente decidido que o fato de a sociedade estar em débito com obrigações fiscais não autoriza o Estado a recusar certidão negativa aos sócios da pessoa jurídica, justamente pelo absoluto grau de independência que há entre as duas personalidades. Portanto, a razoabilidade posterga a todos os princípios constitucionais vinculados à liberdade, à justiça e a segurança jurídica, e tal princípio se traduz também nas próprias relações jurídicas tributário. A este respeito, Celso Antonio Bandeira de Mello 106 107 Cf. TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário. Rio de Janeiro, 1997, p. 95. Ibidem, p. 113 ressalta que objetivo de garantir ao cidadão contra as intemperanças do Poder Público é o modo de garantir projeto político do Estado de Direito. Diante do exposto, tanto o princípio da estrita legalidade como o princípio da razoabilidade no tocante as normas de responsabilidade tributária deve ter reflexo com uma interpretação paralela com a Constituição Federal e com o modelo de Estado Democrático de Direito, Nesse sentido Eliane Garcia ressalta: A cidadania tributária é contemplada na medida em que o intérprete consiga entender o significado do Estado Democrático de Direito. Ter a consciência jurídica de que os direitos fundamentais estão conexos com a dignidade da pessoa humana abrilhantados por valores éticos superiores e devendo ser vistos como princípios axiológicos fundamentais. 108 Outrossim, trazendo à baila o prisma metodológico, verificamos que os princípios exercem a função sistematizadora, na medida que buscam a adequação de valores e a unidade interior da ordem jurídica, nesse precedente os princípios tem um papel relevante de ordenar internamente no intuito de garantir a segurança jurídica e a praticabilidade da aplicação do próprio Direito. 109 2.2.5 Os direitos fundamentais no Direito Tributário e a Segurança Jurídica. É cediço que o direito público é a parte do ordenamento jurídico que rege as relações e os interesses do Estado entre seus agentes e a coletividade, visando o bem estar comum, o direito tributário por ser um ramo do direito público confere prerrogativas que podem configurar ilicitudes ou abusos do direito na aplicação das normas, nesse entendimento, imperioso é avaliar/interpretar as normas tributárias em uma associação com os preceitos fundamentos constitucionais, a fim de garantir maior valia e segurança juridica nos casos concretos. Aliás, uma análise constitucional, se faz relevante até nos processos legislativos, pois o legislador de cada pessoa política, seja esta União, Estados, Município 108 FERREIRA, Eliane Garcia. A interpretação da Lei Tributária e a Teoria dos Direitos Fundamentais. Disponível em: <http://www.fiscosoft.com.br/main_index.php?home=home_artigos&m=_&nx_=&viewid=133952.>Ace sso em: 15 set 2008. 109 CANARIS, Claus-Wilhem, Pensamento Sistemático e Conceito de Sistema na Ciência do Direito.2002, p.26 e 88. ou Distrito Federal, no desejo de ser original, acaba exorbitando os limites que a Constituição lhe outorgou, e por conseguinte, acaba a incorrer no caminho da inconstitucionalidade. Assim no campo Tributário, as normas e princípios constitucionais foram bem claros no caminho que o legislador pode validamente percorrer. Ademais, observa-se que a Carta Magna disciplinou mecanismos de barreira ao Poder Público “ao mesmo tempo em que amparou o contribuinte com grande plexo de direitos e garantias, contra eventuais excessos do Poder Público”110, exemplo claro disso é a medida que “reconhece e garante o direito de propridedade (embora o submeta a função social) proibindo, inclusive, o confisco (art.150 IV CF)”111 Noutras palavras, Carrazza expõe a importância das previsões constitucionais, como forma de garantia do Estado de Direito, pois caso contrário estariamos num Estado de Polícia onde a atuação do governante é livre e desimpedida para agir em relação aos individuos, sem qualque freio ou medida restritiva que impedisse as arbitrariedades, em outro entendimento, os interesses públicos se revelam nada mais do que interesses prórprios dos governantes.112 Portanto é no Estado-Constitucional que temos uma maior segurança juridica nas relações Estado-Indivíduo, conferindo “aos indivíduos a titularidade de direitos públicos subjetivos e, portanto, de posições jurídicas ativas, que podem ocupar, nos eventuais confrontos que venham a ter com a autoridade pública.”113 Para Carraza, “os direitos do Estado em relação ao individuo sempre foram aceitos sem objeções. Só recentemente, porém, é que se começou a aceitar a existência de direitos individuais, em relação ao Estado.”114 Destarte, a Constituição de 1988 institue as sujeições que o Estado tem que submeter, de forma a garantir uma segurança jurídica, de um lado os direitos fundamentais constitucionais e de outro a limitação do Estado, não so proibindo de prejudica-los, como também forçando a traçar um caminho no sentido do “interesse público primário”.115 Assim, os direitos fundamentais (direitos e garantias individuais), tem como objetivo de balizar do Estado na ação de seus diversos poderes, como também é o pilar em que se fundamenta toda as atribuições que a lei lhe confere, razão pela qual “os direitos 110 Cf. CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário.1994, p.219. Loc. Cit. 112 Ibidem p. 220. 113 Ibidem p. 222. 114 Ibidem, p. 223. 115 Ibidem, p. 224. 111 aqui enumerados e protegidos formam o mínimo de exigências para que todos possam viver e desenvolver livremente suas atividades lícitas.”116 Ademais, quando mencionam-se direitos fundamentais não se incluem somente os direitos das pessoas físicas, mas também as pessoas jurídicas que de igual forma desfrutam de proteção jurídica. Outrossim, observa-se que o art. 5º da Constituição vai além, reconhece e garante os direitos que integram o patrimônio irretratável da personalidade humana, compelindo ao o ordenamento jurídico a acometer contra qualquer ato atentatório a tais direitos.117 Portanto, para garantir a segurança jurídica, criando condições de certeza e igualdade, mister se faz que o princípio da legalidade esteja em harmonia com os princípios fundamentais constitucionais. 116 117 Cf. CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário.1994, p.225. Ibidem, p. 226. Capítulo 03: Possibilidade de Desconsideração da Personalidade Jurídica: Análise do artigo 134, inciso VII e 135 CTN. 3.1 Posicionamentos Favoráveis à Desconsideração da Personalidade Jurídica na Responsabilidade Tributária. A desconsideração da personalidade em matéria tributária traz vários questionamentos, pois não há um consenso quanto a sua aplicação, assim, ao longo deste capítulo abordaremos primeiramente os posicionamentos daqueles que defendem a possibilidade de desconsideração na Responsabilidade Tributária, verificando se é possível elencar hipóteses de abuso de personalidade jurídica que enseje a aplicação da Disregard Doctrine para o conseqüente redirecionamento do ônus tributário aos sócios. Aos que militam a favor da desconsideração da personalidade jurídica, sustentam duas linhas temáticas, os quais são: “a pessoa física é o efetivo contribuinte, protegido por uma pessoa jurídica” e o outro ponto é a “existência da pessoa jurídica com aproveitamento pontual de sua proteção por sócios ou administradores”118 Em relação ao primeiro tema sustentam que é possível a desconsideração da pessoa jurídica tendo em vista o disposto no artigo 142 do Código Tributário Nacional que autoriza a autoridade fiscal identificará o sujeito passivo, ou seja, significa procurar aquele que realizou o fato gerador, este pensamento não considera se quer o princípio da autonomia patrimonial e tampouco releva a personalidade própria da pessoa jurídica. Nesse precedente, Aldemario Araujo Castro considera que se a responsabilidade pelo tributo devido existe, mas a pessoa jurídica é meramente formal, sendo um anteparo para aquele que efetivamente realizou o fato descrito em lei, portanto configurando uma proteção do patrimônio individual, a pessoa jurídica,nesse caso,será desconsiderada. 119 118 CASTRO, Aldemario Araujo. Aplicação no Direito Tributário da Desconsideração da Personalidade Jurídica. In: TORRES, Heleno Taveira; QUEIROZ, Mary Elbe (Coord.). Desconsideração da personalidade jurídica em matéria tributária. 2005, p. 489. 119 Alguns doutrinadores, como Aldemario Araújo Castro, para sustentar a desconsideração da personalidade jurídica em matéria tributaria, utilizam-se da Teoria da Ficção da Pessoa Jurídica, nosso ordenamento contudo adota a Teoria da Realidade das Instituições Jurídicas que concebe a pessoa jurídica como realidade criada pelo direito. E para tanto o referido autor utiliza-se de um exemplo simples: um profissional liberal, que constitui uma pessoa jurídica somente de fachada, ou seja, sem sede, sem empregados, com o objetivo de diminuir, através de deduções, os tributos devidos. Outra situação que configuraria a desconsideração da personalidade jurídica seria simulação, para Marcos Bernardes de Mello o que caracteriza a simulação é, precisamente, o ser não-verdadeira, intencionalmente, a declaração de vontade. Na simulação quer-se o que não aparece, não se querendo o que efetivamente aparece”.120 De fato o conceito acima citado confere com o disposto em lei (artigo 167 §1º inciso I CC/02), para Ferrara a orientação do Código Civil foi no sentido que a vontade divergente é que determina a nulidade, pois o direito assegura as vontades de caráter ilícito que expressam boa-fé e não as maliciosas que admitam os “caprichos”da autonomia privada, assim só é possível configurar a nulidade quando haver desconformidade entre a declaração e a intenção.121 Em relação a simulação, a saída no Código Tributário Nacional foi tentar afastar a aparência da pessoa jurídica para identificar o verdadeiro contribuinte, é o que tentou fazer o artigo 116, parágrafo único CTN, oferecendo um instrumento para própria Administração desconsiderar os atos com finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador, o artigo em si apresenta muitas particularidades, sendo obscuro em sua definição, acabou tornando-se inaplicável, precisando de lei complementar para definir sua aplicação. No tocante a responsabilidade tributária pura e simples, o Código não faz menção a qualquer hipótese de desconsideração da personalidade jurídica, apenas faz referência a casos de responsabilidade de terceiros onde são pessoalmente responsáveis pela obrigação, Aldemario Araujo Castro reconhece que o CTN não é taxativo para aplicar a desconsideração da personalidade jurídica, o CTN apenas iviabiliza implicitamente o seu uso.122 Contudo analisando o artigo 135 inciso III do CTN, observam-se que as hipóteses do dispositivo legal responsabiliza pessoalmente pelas obrigações tributária os diretores, gerentes e representantes das pessoas jurídicas de direito privado resultantes de excesso de poder ou infração de lei, contrato social ou estatutos, ou seja, a pessoa jurídica é considerada uma realidade jurídica e não uma aparência. 120 MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria do Fato Jurídico. Plano de Validade. 1995, p. 153. FERRARA, Francesco. A simulação dos negócios jurídicos. 1939, p. 45-6. 122 CASTRO, Aldemario Araujo. Aplicação no Direito Tributário da Desconsideração da Personalidade Jurídica. In: Desconsideração da Personalidade Jurídica em Matéria Tributária. 2005, p. 491. 121 Para alguns doutrinadores, dentre eles Aldemario Araujo Castro123, o artigo 135 configura uma hipótese de desconsideração da personalidade jurídica, sustentam tal corrente que embora a Disregard Doctrine tenha sido desenvolvida apenas no direito privado, ela pode ser aproveitada no campo tributário, sendo possível afirmar que o artigo 50 do Código Civil confirma a possibilidade de afastar a personalidade jurídica quando esta proteja patrimônios individuais em desfavor do Fisco. Aldemario Araujo Castro afirma que o artigo 50 do Código Civil é útil à autoridade fiscal no momento de constituir o crédito tributário porque confirma para o ordenamento jurídico brasileiro e para o direito tributário em particular, a possibilidade da desconsideração da personalidade jurídica, como também identificar o verdadeiro sujeito passivo da relação jurídica. 124 Nesse precedente, o agente da desconsideração da personalidade jurídica em matéria tributária não seria o juiz, mas a própria a autoridade fiscal, que tem a competência para desconsiderar a pessoa jurídica. Para consolo do contribuinte resta tão somente impugnar o ato administrativo da autoridade fiscal utilizando-se de todos os meios de defesa possíveis. A corrente que defende a aplicação da desconsideração da personalidade jurídica na seara tributária tenta validar seu posicionamento alegando que é necessário “um novo manejo formal de conceitos e categorias jurídicas com elementos adequados e suficientes de representação da realidade social”125, conjugados com “o princípio da transparência, o primado da ética, boa-fé e da motivação lícita, a repressão ao abuso de direito a função social como fundamento da liberdade de contratar.”126 Nas situações supra expostas, encontramos pleno cabimento para superação da personalidade jurídica no interesse da Fazenda Pública, todavia ressaltamos que sua aplicação depende de limites bem definidos. 3.1.1 Relações entre o Direito Privado e o Direito Tributário. 123 CASTRO, Aldemario Araujo. Aplicação no Direito Tributário da Desconsideração da Personalidade Jurídica. In: In: TORRES, Heleno Taveira; QUEIROZ, Mary Elbe (Coord.). Desconsideração da personalidade jurídica em matéria tributária. 2005, p. 476-98. 124 Loc. Cit. 125 Loc. Cit. 126 Loc. Cit. Em relação a interpretação das normas de Direito Tributário, o artigo 109 e 110 do Código Tributário Nacional não representa uma forma obrigatória para análise da norma tributária, mas representa uma diretriz hermenêutica em busca de um conceito que melhor se enquadre no caso concreto, em outras palavras, estes artigos apenas estabelecem uma baliza para o desenvolvimento, e não para conclusão, do processo de interpretação. É sobre este fundamento que alguns doutrinadores certificam que o legislador tributário não se encontra vedado para contruir seus conceitos nos preceitos do direito privado, ou seja, a lei tributária poderá modificar seus conceitos de direito privado para os seus próprios fins, valendo-se de uma interpretação sistemática. Contudo, o comando do artigo 110 do Código Tributário Nacional pretende não permitir a manipulação dos conceitos do direito privado, mas limitar possíveis investidas arbitrárias do legislador em aumentar a tributação. Por outro lado, alguns autores vislumbram uma relação entre o direito privado e o direito tributário destacam “a possibilidade do legislador tributário construir conceitos inexistentes ou em processo de formação do direito privado.”127 Nesse ponto, embora a tentativa de criar uma interpretação onde às normas de direito privado e direito tributário se conjugue, o processo de interpretação, como já visto no Capitulo 02, onde esmiúça bem a posição do hermeneuta em relação as normas tributárias, deve-se pautar numa interpretação paralela a Constituição Federal e com o modelo de Estado Democrático de Direito, de forma a garantir a própria cidadania tributária e a segurança jurídica. Ademais, observamos nas situações expostas que alguns doutrinadores tentam ampliar rol já existente nas normas de responsabilidade tributária através da desconsideração da personalidade jurídica nas situações que haja desvio de finalidade. 3.1.2 Desconsideração da Personalidade Jurídica: Pressupostos para sua aplicação em matéria tributária. A teoria abre caminho para que o magistrado desconsidere os efeitos da autonomia jurídica da sociedade para atingir os sócios, ou seja, responsabilizá-los dos atos 127 CASTRO, Aldemario Araujo. Aplicação no Direito Tributário da Desconsideração da Personalidade Jurídica. In: In: TORRES, Heleno Taveira; QUEIROZ, Mary Elbe (Coord.). Desconsideração da personalidade jurídica em matéria tributária. 2005, p. 476-98. que configure o abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial. Para Arnaldo Wald e Luiza Rangel de Moraes a responsabilidade tributaria em relação aos sócio-cotistas previsto no inciso III do artigo 135 do CTN, não decorre da desconsideração da personalidade jurídica, pois neste caso, os sócios são responsáveis em virtude de atos praticadas com excesso de poder ou infração a lei, do contrato social ou dos estatutos.128 Com razão, portanto, esclarece Domingos Afonso Krigerilho ao afirmar que os princípios fundamentais para referida teoria são: “a) não atribuição à pessoa dos sócios das condutas praticadas pela sociedade; b) distinção entre patrimônio da sociedade e patrimônio dos sócios; c) vida própria e distinta da de seus membros.” 129 Nesse precedente, Freddie Didier Junior reconhece que a autonomia da pessoa jurídica nesses casos não deve prevalecer, e a teoria da desconsideração da personalidade jurídica deve encarregar-se de barrar os possíveis abusos, decorridos do desvio de finalidade e da confusão patrimonial, o autor conclui que a aplicação da teoria nada mais é do que uma sanção de um ato ilícito, e as medidas punitivas são: a restrição da autonomia jurídica e da limitação da responsabilidade que a pessoa jurídica invoca.130 Ademais, cumpre ressaltar o que já foi exposto no Capítulo 01, a aplicação da Teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica não visa extinguir a pessoa jurídica, mas relativizar o principio da separação dos patrimônios da sociedade e dos sócios em determinado caso, de modo que permanece intacta a personalidade jurídica, e permite preservarem direitos e interesses de terceiros de boa-fé. 131 Diante do exposto, a desconsideração da personalidade jurídica no campo tributário é possível, não de modo amplo e sem limites como preceitua a Teoria Menor, mas de modo limitado as hipóteses elencadas no artigo 135 do CTN, ou seja, é possível a aplicação nos casos que configurem abuso de poder ou infração à lei, ao estatuto ou ao contrato social em detrimento de obrigações tributárias. 128 Arnaldo Wald & Luiza Rangel de Moraes. Desconsideração da Personalidade Jurídica e seus Efeitos Tributários. In: TORRES, Heleno Taveira; QUEIROZ, Mary Elbe (Coord.). Desconsideração da personalidade jurídica em matéria tributária. 2005, p.273. 129 Cf. KRIGERILHO, Domingos Afonso. Aspectos da Desconsideração da Personalidade Societária na Lei do Consumidor. Revista Jurídica. nov. 1994, p.17-27. 130 DIDIER JUNIOR, Freddie. Aspectos processuais da Desconsideração da Personalidade Jurídica. In: Desconsideração da Personalidade Jurídica em Matéria Tributária. 2005, p. 391. 131 Cf. SALOMÃO FILHO, Calixto. O novo direito societário. São Paulo. Ed. Malheiros, 1998, pg. 109. Para os alguns doutrinadores deve-se observar a seguinte lógica: houve abuso de personalidade caracterizado pelo desvio de finalidade? Caso positiva a resposta, devemos indagar: este desvio de finalidade está albergado nas hipóteses do artigo 135 inciso III do CTN? Caso positiva a resposta estamos diante de uma desconsideração da personalidade jurídica em matéria tributária totalmente válida. Em relação à confusão patrimonial, entendemos que só é possível a aplicação da referida teoria em casos quando exista fuga da obrigação tributária através da dissolução. 3.1.3 A Desconsideração da Personalidade Jurídica como Instrumento de Superação para o desvio de sua finalidade. Aqueles que defendem a desconsideração da personalidade jurídica em matéria tributária indicam a aplicação da teoria como caminho correto para superar o desvio de sua finalidade, acreditam que a separação entre o patrimônio da empresa e dos sócios é a forma certa para responsabilizar aqueles que agiram com abuso de direito, portanto é necessário abrandar o formalismo das normas de direito tributário, através de uma interpretação conjugada com o direito privado. 132 Para Renato Lopes Becho o Fisco não precisa desconsiderar a personalidade jurídica integral da empresa, e não há interesse em requerer a desconsideração a empresa, todavia somente na hipótese em que se comprove uma escrituração contábil não confiável, como desvios de dinheiro ou valores depositados em nome da pessoa jurídica para a física, será possível a desconsideração. 133 A situação em tela é o típico caso de dissolução irregular, quando da liquidação da sociedade com a distribuição dos bens em benefício dos sócios, em detrimento dos credores. Nesse entendimento Eduardo Domingos Bottallo também conclui que para desconsiderar a personalidade jurídica é necessário que o Fisco prove que a obrigação 132 133 Cf. CASTRO, Aldemario Araujo. Aplicação no direito tributário da Desconsideração da Personalidade Jurídica. In: TORRES, Heleno Taveira; QUEIROZ, Mary Elbe (Coord.). Desconsideração da personalidade jurídica em matéria tributária. 2005 p.481-95. Cf. BECHO, Renato Lopes. A responsabilidade Tributária e o Novo Código Civil. In: BORGES, Eduardo de Carvalho (Coord.). Impacto tributário do novo Código Civil, 2004, p. 54-5. tributária a cargo da empresa decorreu das hipóteses do artigo 50, somente nesse precedente é que se aplicará o artigo 135 inciso III do CTN.134 3.1.4 A Desconsideração da Personalidade Jurídica na Responsabilidade Tributária. No Brasil, a Disregard Doctrine em matéria tributária não tem unanimidade na doutrina e na própria jurisprudência, pois é necessário estabelecer limites bem definidos para não culminar em arbitrariedades do Estado, contudo existem casos em que são possíveis a aplicação da referida teoria, na Argentina, por exemplo, numerosos julgamentos afirmaram a possibilidade de desconsideração da personalidade jurídica com base no princípio da realidade econômica.135 Assim se verificada a desconsideração, seja por qualquer das hipóteses, desvio de finalidade e confusão patrimonial, o procedimento para relativizar foi desencadeado de modo que “mesmo que eventualmente se tenha atribuído aos sócios alguma espécie de responsabilidade por deveres tributários, normalmente é conservada a personalidade jurídica da sociedade, que se mantém lidima para todos os atos da vida civil.”136 Ademais, remanesce para o interprete analisar o caso concreto, a fim de identificar os casos de desvio de finalidade e confusão patrimonial através do abuso da personalidade jurídica e da simulação, a fim de tentar colher aquelas situações que configuram simulação para verificar uma necessária separação patrimonial entre os bens dos sócios e da sociedade. 137 Contudo analisando o artigo 134 inciso VII do Código Tributário Nacional, quando a responsabilidade dos sócios da sociedade limitada “no caso de liquidação”, cabe analisar se subsiste aos “testes” da desconsideração da personalidade jurídica do artigo 50 do Código Civil, pois neste caso como a sociedade limitada o sócio responde o valor de suas quotas, mas todos respondem solidariamente pela totalização do capital social, se não 134 Cf. BOTALLO, Eduardo Domingos. Alguns Reflexos do Código Civil no Direito Tributário. In: GRUPENMACHER, Betina Treiger (Coord.) Direito Tributário e o Novo Código Civil, 2004, p. 193. 135 Cf. ANDRÈS MUÑOZ, Guilhermo. A responsabilidade Tributária e a Desconsideração da Personalidade Jurídica. 1998, p. 207. 136 Ibidem. 137 Cf. TORRES, Heleno Taveira. Regime Tributário da Interposição de Pessoas e da Desconsideração da Personalidade Jurídica em Matéria Tributária. In: TORRES, Heleno Taveira; QUEIROZ, Mary Elbe (Coord.). Desconsideração da personalidade jurídica em matéria tributária. 2005, p.60. for constatada a confusão patrimonial ou o desvio de finalidade a sociedade permanece intacta. 138 Ademais, é preciso, ainda, analisar em quais condições excepcionais é possível a responsabilidade pessoal aos sócios, percebe-se que a responsabilidade patrimonial dos sócios está vinculada aos contratos sociais, assim, desrespeitando o preceito da autonomia patrimonial da pessoa jurídica através de atos ilícitos, principalmente no que se refere à separação patrimonial configura uma atribuição de responsabilidade pessoal. Para tentar explicar a tentar a aplicar o instituto da desconsideração em matéria tributária, é usada a teoria da aparência da pessoa jurídica para assegurar de forma mais eficaz a prestação jurídica em favor da Administração Tributária, exemplo disso é a inserção do parágrafo único do artigo 116 do Código Tributário Nacional com eficácia dependendo de regulamentação por lei. 139 Ademais, Betina Treiger Drupenmacher140 assinala que em relação a responsabilidade do sócio-cotista administrador, o Código Civil disciplina as hipóteses de ação dolosa e culposa no intuito de frustrar a arrecadação tributária. Destarte, caso a ação seja dolosa se aplica o artigo 50 desconsiderando a personalidade jurídica nas hipóteses de desvio de finalidade e confusão patrimonial, caso a prática culposa cause prejuízo à sociedade, o artigo 1.016 preceitua a responsabilidade solidaria perante a sociedade e os terceiros prejudicados. Alguns juristas, por várias vezes, utilizam-se da teoria da desconsideração da personalidade jurídica como fundamento legal do artigo 135 do CTN, como se verifica nas seguintes ementas abaixo: EXECUÇÃO FISCAL – SOCIEDADE POR QUAOTAS DE RESPONSABILIDADE LIMITADA – PENHORA DE BENS DE PATRIMÔNIO PESSOAL DE SÓCIO QUE NÃO EXERCEU FUNÇÃO DE DIREÇÃO – ART. 135 III DO CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL. I – A teoria da desconsideração da personalidade jurídica para coibir a fraude a credores há de ser utilizada no direito brasileiro, de acordo com os precisos termos dos arts. 16 do Decreto lei 3.708 e 135 do Código Tributário Nacional. Vale dizer, somente os sócios que tenham deliberado contra as regras contratuais 138 Cf. TORRES, Heleno Taveira. Regime Tributário da Interposição de Pessoas e da Desconsideração da Personalidade Jurídica em Matéria Tributária. In: TORRES, Heleno Taveira; QUEIROZ, Mary Elbe (Coord.). Desconsideração da personalidade jurídica em matéria tributária. 2005, p.60. 139 Cf. CARDOSO, Lais Vieira. As doutrinas de prevalência da substância sobre a forma diante do parágrafo único do art. 116 do Código Tributário Nacional - Revista Tributária e de Finanças Públicas, jan.fev. 2004.p.28/48. 140 GRUPENMACHER, Betina Treiger. Responsabilidade Tributária Pessoal do Sócio por Dívidas da Pessoa Jurídica. In: TORRES, Heleno Taveira; QUEIROZ, Mary Elbe (Coord.). Desconsideração da personalidade jurídica em matéria tributária. 2005. 2005, p.412-30. ou legais, com excesso de poderes, podem ser responsabilizados pessoal e ilimitadamente pelas obrigações sociais e tributárias. II – É impossível a penhora dos bens do sócio que jamais exerceu a gerência, a diretoria ou mesmo representasse a empresa executada.” “DECISÃO: Dar provimento ao recurso do primeiro apelante julgar prejudicado o recurso do segundo apelante.141 TRIBUTÁRIO – MANDADO DE SEGURANÇA – AGENTE DE RENDAS QUE SE NEGA A FORNECER CERTIFICADO DE REGULARIDADE CADASTRAL – EMPRESA SUPELATIVAMENTE MAJORITARIA DA IMPETRANTE ( 99,98 % DAS COTAS SOCIAIS ) COM DÉBITOS TRIBUTARIOS PENDENTES – DESCONSIDERACAO DA PESSOA JURIDCA – ORDEM DENEGADA – APELO DESPROVIDO. I – A doutrina da disregard of legal entity tem acentuada aplicação no terreno do direito tributário, para coartar a sonegação e evasão de impostos, quando se usa a personalidade da sociedade comercial como anteparo. II – Se a empresa devedora do fisco continua a existir apenas como cotista da impetrante, que passou a operar em seu lugar; se a ligação entre ambas é tão estreita e visceral, que não se pode fugir a suspeita de que se trata de um único organismo, provido de duas faces: uma real, outra aparente ou simulada; se o que a segunda apresenta de novo e apenas a denominação social, isto é, face postiça com que se pretende dissimular a fisionomia real da primeira; se o que os acionistas da empresa devedora pretendem não é criar nova forma de atividade, mas um aparência simulacro, a cuja sombra possa mover-se o organismo real, então, o ato administrativo que procura resguardar os interesses da fazenda pública, negando o certificado de regularidade cadastral, para impedir a participação dissimulada da inadimplente em licitações públicas, com base em instruções normativas nada tem de abuso ou lesivo. DECISÃO: Unânime.142 Pelo exposto, aqueles que defendem tal corrente afirmam que é totalmente possível aplicar as regras do artigo 50 do Código Civil nas normas de responsabilidade tributária do artigo 135 inciso III e 134 incisos VII do Código Tributário Nacional, de modo que se caracterizado o desvio de finalidade e a confusão patrimonial poderá ser acionado validamente as normas tributárias. Aqui os doutrinadores tentam justificar a desconsideração da personalidade tributária utilizando o método sistemático, contudo relembrando o exposto no Capítulo 02 a respeito da interpretação das normas tributárias deve estar em congruência com os princípios fundamentais constitucionais, para que possam subsistir. 3.1.5 Medidas de Desconsideração da Personalidade Jurídica. Apelação Cível n.º 3675195/DF – Acórdão n.º 81247 – 3ª Turma Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal. Julgamento em 21/11/1995. Rel. Des. Nancy Andrighi. Publ. DJ/DF 19/12/1995, pg. 19.351. 142 Apelação Cível – Acórdão n.º 12.735 – Segunda Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Paraná – Rel. Juiz Munir Karam – Publ. 09/09/1996. 141 A desconsideração da personalidade jurídica como visto no Capítulo 01, deve ser um instrumento empregado somente em situações excepcionais, quando presentes os fundamentos que validam sua aplicação, os quais são: confusão patrimonial e desvio de finalidade, pois caso contrário a própria pessoa jurídica estaria desprovida de qualquer segurança jurídica em relação aos propósitos que a guia, como autonomia patrimonial, responsabilidade etc. Ademais, que no tocante a responsabilidade civil da pessoa jurídica prevalece sempre o benefício de ordem, assim a supressão da personalidade jurídica é medida excepcional e que deve ser comprovada por meio de provas, e para aplicar a desconsideração existem duas funções, conforme assinala Heleno Torres Taveira143, os quais são: substantiva, empregada como meio sancionatório e instrumental, utilizada para alcançar diretamente os sócios Segundo o referido autor, na função substantiva a conduta dolosa do agente deve ser comprovada com o intuito manifesto de prejudicar o terceiro através da pessoa jurídica para que se possa qualificar o abuso de direito, por sua vez a função instrumental a desconsideração só poderá ser aplicada no caso de fundada receio de cometimento de ilícitos típicos ou atípicos.144 No caso das hipóteses de ilícitos atípicos, tendo em vista a dificuldade de se presumir todas as situações de possível verificação, os defensores da aplicação de Disregard Doctrine em matéria tributária argumentam que a regra geral prevista na norma civilista pode ser aplicável a todos os demais casos não previstos em lei. Outrossim, Condorcet Rezende lembra que: A aplicação da desconsideração encontra obstáculos, às vezes intransponíveis, até que a lei disponha a respeito, integrando a ‘desconsideração’ no sistema jurídico de que se trate; em alguns sistemas esses obstáculos, sobretudo em matéria tributária, atingem nível constitucional, e apenas através de emenda à Constituição poderão os Tribunais aplica - lá. Dado o regime de estrita legalidade que prevalece entre nós em matéria tributária, (...), a desconsideração da personalidade autônoma da pessoa jurídica em matéria fiscal depende de norma expressa. Aliás, se entendermos, como demonstra a maioria dos relatórios nacionais, que a responsabilidade fiscal dos administradores é um aspecto da aplicação do conceito de ‘desconsideração’, teremos no artigo 135 do Código Tributário Nacional regra expressa nesse sentido. 145 143 Cf. TORRES, Heleno Taveira. Regime Tributário da Interposição de Pessoas e da Desconsideração da Personalidade Jurídica em Matéria Tributária. In: In: TORRES, Heleno Taveira; QUEIROZ, Mary Elbe (Coord.). Desconsideração da personalidade jurídica em matéria tributária. 2005, p.51. 144 Ibidem. 145 REZENDE, Condorcet. Aspectos da desconsideração da personalidade societária em matéria fiscal. Revista de Direito Administrativo, n.178 3.2 Posicionamentos Contrários à Desconsideração da Personalidade Jurídica na Responsabilidade Tributária. Noutro giro, temos o posicionamento daqueles que são contrários a aplicação da Desconsideração da Personalidade Jurídica na Responsabilidade Tributária, para esta corrente as hipóteses do artigo 50 do Código Civil, não podem ser aplicada no Direito Tributário por não ter previsão legal para tanto, ademais, o próprio CTN já indica as possibilidades de responsabilidade pessoal do sócio de modo mais amplo do que as normas civis. Outro aspecto relevante é que a Disregard Doctrine não podem ser aplicada em matéria tributária, nesse precedente, Marçal Justen Filho explica que: “a regra do artigo 135 do Código Tributário Nacional não teve origem nas concepções indicadas como teoria da desconsideração da personalidade jurídica.”146 Para o referido autor a aplicação da Disregard Doctrine no direito tributário deve observar o principio do próprio Direito Público, qual é o princípio da legalidade, de modo que como o tributo não existe sem ter devida previsão legal. Assim “aquele que está obrigado ao pagamento da prestação tributária encontra-se em tal situação jurídica por exclusiva decorrência de, em última análise, ser portador de riqueza.”147 Analisando o tema da desconsideração da personalidade jurídica em matéria tributaria, à luz da obra de Marçal Justen Filho, observa que não seria possível invocar a teoria da despersonificação sob argumentos fundamentados na “função econômica e jurídica da conduta praticada pelo contribuinte”, até porque tal como bem explica Marçal não é facultado ao juiz "avaliar o caso concreto e estender a previsão normativa."148 Ademais, como bem ressalta Marçal Justen Filho “a tipicidade característica do direito tributário exclui a incidência da desconsideração, quando inexista expressa previsão normativa”149, ou seja, no direito tributário o princípio da estrita legalidade veda qualquer hipótese que estenda novos parâmetros para a responsabilidade tributária, ou outros meios que afete diretamente o contribuinte. 146 JUSTEN FILHO, Marçal. Desconsideração da personalidade societária no direito brasileiro. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1987, p. 107-11. 147 Ibidem. 148 JUSTEN FILHO, Marçal. Desconsideração da personalidade societária no direito brasileiro. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1987, p. 107-11. 149 Ibidem. Nesse mesmo entendimento, Heleno Taveira Torres também ressalta que sem lei especifica prevendo a possibilidade de desconsideração da pessoa jurídica em determinado caso concreto nenhuma hipótese de despersonificação terá eficácia para ser um meio válido para atingir pessoalmente os sócios. 150 Tais entendimentos devem-se ao fato que nas normas direito tributário prevalece o principio da estrita legalidade, e não poderá ser aplicada sem a presença de leis a prevendo, por isso a desconsideração não poderá ser admitida como meio válido para imputar aos sócios a responsabilidade pelas obrigações tributárias da empresa. Só ocorrerá a responsabilidade pessoal e ilimitadamente nos casos previstos do artigo 135 do inciso III, quando houver o excesso de mandato ou violação de lei, e quando devidamente comprovado a conduta dolosa em detrimento da obrigação tributária, este é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, conforme se verifica: TRIBUTÁRIO. SOCIO-GERENTE E/OU DIRETOR DE PESSOA JURIDICA DE DIREITO PRIVADO. RESPONSABILIDADE PESSOAL NÃOPAGAMENTO DE TRIBUTO. ART. 135, III DO CTN. DOLO. COMPROVACAO IMPRESCINDÍVEL. I – A responsabilidade do gerente ou diretor de pessoa jurídica de direito privado, pelo não-pagamento de tributo no prazo estipulado, decorre da atuação dolosa que deve ser cabalmente provada II – Recurso Especial conhecido, porem, improvido. (STJ, 2ª Turma, Resp 174532/PR, Rel. Min. Francisco Peçanha Martins, DJ 21/08/2000, pg. 108). Para Betina Treiger Grupenmacher a autonomia do administrador se usada dolosamente enseja sua responsabilidade tributária pessoal, contudo em relação ao sócio não administrador não é possível uma responsabilização pessoal, porque a este ultimo falta-lhe a autonomia que tem o primeiro, de modo que não é possível a execução de seus bens pessoais por dividas da pessoa jurídica. Aliás, como bem ressalta a própria autora “a responsabilização pessoal do sócio-cotista só é admissível até o montante do capital que não estiver integralizado.”151 150 Cf. TORRES, Heleno Taveira. Regime Tributário da Interposição de Pessoas e da Desconsideração da Personalidade Jurídica em Matéria Tributária. In: TORRES, Heleno Taveira; QUEIROZ, Mary Elbe(Coord.). Desconsideração da personalidade jurídica em matéria tributária. 2005, p.22-68. 151 GRUPENMACHER, Betina Treiger. Responsabilidade Tributária Pessoal do Sócio por Dívidas da Pessoa Jurídica. In: TORRES, Heleno Taveira; QUEIROZ, Mary Elbe (Coord.). Desconsideração da personalidade jurídica em matéria tributária. 2005, p. 420. Já Osmar Vieira da Silva152 em referência a José Lamartine Correa de Oliveira, defende que o Direito Brasileiro não vislumbra nos artigos 134, VI e 135, III, do Código Tributário hipóteses que demonstrem a existência das teses de desconsideração, os referidos artigos são apenas circunstancias esporádicas em que o sócio são responsáveis pessoalmente pela dívida da sociedade, não existe qualquer ruptura como o principio da separação entre a pessoa jurídica e o sócio-membro, como também não há quebra do principio da autonomia patrimonial, assim explica o autor: Em tal caso, há simplesmente uma questão de imputação. Quando o diretor ou o gerente agiu com desobediência a determinadas normas legais ou estatutárias, pode seu ato, em determinadas circunstâncias, ser inimputável à pessoa jurídica, pois não agiu como órgão (salvo problema de aparência) a responsabilidade será sua, por ato seu. Da mesma forma, quando pratique ato ilícito, dolosa ou culposa: responderá por ilícitos seu, por fato próprio. 153 Nesse mesmo entendimento ressalta Alexandre Couto Silva ao afirmar que a “formulação jurisprudencial de uma doutrina na desconsideração da personalidade jurídica só será possível com bases em considerações de equidade e justiça. Contudo no Direito Tributário brasileiro reina os princípios da estrita legalidade e da tipicidade.”154 Tal entendimento é reiterado pelo professor José Otávio Vianna Vaz que assinala que “embora trate, também, das sociedades despersonificadas, o Direito Tributário não aceita, em tese, a desconsideração da personalidade jurídica.”155 Nessa mesma linha de pensamento Edmar Oliveira Andrade Filho comenta que no Direito Tributário existe um limite material que não pode ser ultrapassado que é o principio da legalidade, de modo que sem a devida regulamentação a desconsideração da personalidade jurídica não pode ser utilizada em matéria tributária. Pois nestas relações jurídicas envolvem o emprego de “poder heterônomo” que diverge das relações de direito privado, e ainda que não fosse esse o argumento, prevalece o exposto no artigo 146 da Constituição Federal, onde somente lei complementar poderá dispor sobre matéria tributária. 156 Cf. DA SILVA, Osmar Vieira. Desconsideracao da personalidade jurídica – Aspectos processuais, 2002, p. 139. 153 Cf. ANDRADE FILHO, Edmar Oliveira. A desconsideração da personalidade jurídica no Novo Código Civil. 2005, pg.84. 154 SILVA, Alexandre Couto. Aplicação da desconsideração da personalidade jurídica no direito brasileiro. 1999, p.119. 155 VAZ, José Otávio de Vianna. A responsabilidade tributária dos administradores de sociedade no CTN. Belo Horizonte: Del Rey, 2003, pg. 84. 156 COMPARATO, Fábio Konder. O poder de controle na sociedade anônima. 1976, p. 273-5. 152 3.2.1 Princípio da Autonomia Patrimonial e a Personalidade Jurídica no Campo do Direito Tributário É cediço que o principio da autonomia patrimonial está enraizado no ordenamento jurídico pátrio, tendo em vista tal premissa, mister se faz analisar a autonomia patrimonial da pessoa jurídica bem como a personalidade jurídica a fim de identificar as possibilidades de desconsideração da personalidade jurídica expressa no artigo 50 do Código Civil com as hipóteses elencadas no artigo 134 inciso VII e 135 inciso III do Código Tributário Nacional. A autonomia patrimonial da pessoa jurídica é um efeito da sua personalidade, a personalização confere aos entes despersonalizados a capacidade de ser sujeito de direitos e obrigações, é a personalidade que confere a pessoa os direitos de se apresentar em seu próprio nome, de realizar negócios jurídicos, enfim exercer funções análogas as pessoas físicas. Essa personalização garante a pessoa jurídica o gozo de todos os direitos que lhe são necessários para realização de seus fins, observando as ressalvas características de sua natureza haja vista que personalização é uma criação jurídica conferido por lei para viabilizar determinados interesses e objetivos. . Em relação aos desdobramentos da personalização está justamente a autonomia patrimonial, que assegura independência entre o patrimônio da empresa e dos sócios, garante o chamado benefício de ordem. Para tornar válida a personalização é necessário que os fins da pessoa jurídica sejam lícitos, pois caso contrário estaria deturpando o funcionamento normal da pessoa jurídica, por isso o primordial dentro da sociedade não é o que a personalidade lhe confere, mas o fim, a aplicação que os sócios estão dando a esta pessoa jurídica, afinal, será a aplicação que dirá se ocorreu abuso da personalidade jurídica. Em outras palavras, dizemos que a desconsideração nega o preceito absoluto da personalidade jurídica para verificar se os atos dos sócios estão divergindo dos fins propostos pela pessoa jurídica, e sobre essa conclusão perquire-se: É possível desconsiderar certos atos da pessoa jurídica sob o fundamento de abuso da personalidade jurídica a fim de responsabilizar sócios – cotistas na relação jurídica tributária? Adentrando nesta pergunta, antes é preciso identificar em qual campo esta ocorrendo este “abuso de personalidade”, pois no campo privado já debruçamos bem sobre esta matéria no Capítulo 01 e concluímos que quando se tratar de confusão patrimonial e desvio de finalidade a Disregard Doctrine tem plena atuação, contudo no Direito Tributário essa atuação esbarra no principio da estrita legalidade. O objetivo próprio do principio da estrita legalidade em matéria tributária é preservar o contribuinte de investidas da Poder Publico é por isso que é preciso ter limites impostos ao Estado, para justamente preservar os direitos do contribuinte. Ademais, o próprio Código Tributário Nacional já deixa bem claro as hipóteses em que haverá responsabilidade pessoal, e vai além responsabilizando os sócios, como também os administradores, diretores e representantes de pessoas jurídicas de direito privado. Destarte no tocante não há como desconsiderar atos da pessoa jurídica sob o fundamento de abuso de sua personalidade, até porque para responsabilizar pessoalmente o sócio deve ser comprovada a conduta de fraude e dolo do sócio para ser responsabilizado pelos atos em excesso de poder, infração a lei, contrato social ou estatuto, nesse precedente o Superior Tribunal de Justiça vem mantendo o seu posicionamento, in verbis: TRIBUTÁRIO – EXECUÇÃO FISCAL – REDIRECIONAMENTO – RESPONSABILIDADE DO SÓCIO-GERENTE – DISSOLUÇÃO IRREGULAR DA SOCIEDADE NÃO CONFIGURADA - ART. 135 DO CTN – CDA – ÔNUS DA PROVA. 1. O sócio deve responder pelos débitos fiscais do período em que exerceu a administração da sociedade apenas se ficar provado que agiu com dolo ou fraude, e exista prova de que a sociedade, em razão de dificuldade econômica decorrente desse ato, não pôde cumprir o débito fiscal, ou ainda, que tenha havido dissolução irregular da sociedade. 2. In casu, o Tribunal de origem, como soberano das circunstâncias fáticas da causa, entendeu que não restou comprovada, pelo Fisco - cujo ônus lhe compete -, a prática de qualquer ato que possa enquadrar os embargantes, como sócio, no art. 134, VII (dissolução irregular, caracterizada pela extinção da empresa com desvio, em proveito os sócios, do patrimônio social), do CTN, ou como administrador, no art. 135, III (obrigação tributária resultante de ato praticado, pelo administrador, com 'excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos'), ambos do CTN. (fl. 378) 3. Ademais, consagra-se a presunção juris tantum de liquidez e certeza da certidão da dívida ativa. A Primeira Seção assentou entendimento segundo o qual: se a execução fiscal foi promovida apenas contra a pessoa jurídica e, posteriormente, foi redirecionada contra sócio-gerente cujo nome não consta da Certidão de Dívida Ativa, cabe ao Fisco comprovar que o sócio agiu com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatuto, nos termos do art. 135 do CTN, o que não houve no presente caso. Agravo regimental improvido.157 157 AgRg no REsp 961.846/RS, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 02/10/2007, DJ 16/10/2007 p. 366. 3.2.2 Os limites da intervenção do Estado sobre a personalidade jurídica no Direito Tributário. Diferentemente do Estado de Poder onde os governantes agiam livremente sem qualquer freio em relação aos indivíduos, o Estado Democrático de Direito os governantes sujeitam-se ao império da lei, o Poder Público tem sua conduta limitada as regras e normas, é a lei que dirá os instrumentos que o Poder Público poderá utilizar para a consecução de seus fins, é também a lei que garantirá os chamados direitos individuais. O projeto político adotado pela Constituição Federal (Estado Democrático de Direito) consagra juridicamente os direitos fundamentais resguardados contra possíveis intemperanças do Poder Público mediante a subordinação do poder à norma jurídica, ou seja, a atividade estatal desenvolve-se dentro dos limites estabelecidos pelo ordenamento constitucional. Nesse precedente, Roque Antonio Carrazza ressalta que a Constituição Federal “confere a toda e qualquer pessoa vários direitos irrenunciáveis e imprescritíveis (...). O exercício de tais direitos cria situações jurídicas ativas que são verdadeiros direitos subjetivos, oponíveis a qualquer pessoa, inclusive ao Estado.”158 Sabendo dessa limitação oponível ao Estado, aqueles que são contrários a desconsideração da personalidade jurídica na responsabilidade tributária dos sócios justificam seu posicionamento no fato das normas de direito tributário fundamentar no princípio da estrita legalidade, não podendo, portanto estender o rol dos artigos 134 e 135 do CTN Ademais, como já exposto a principio da legalidade é um meio de proteção aos contribuintes, de modo a garantir essencialmente a exigência de auto-imposição do Poder Público, nesse precedente Roque Antonio Carraza assinala que “o patrimônio dos contribuintes só pode ser atingido nos casos e modos previstos na lei, que deve ser geral, abstrata, igual para todos, não-confiscatoria”159. Outrossim, vale ressaltar que tanto o Poder Legislativo como o Poder Executivo devem respeitar a legalidade. Aliás, não podemos esquecer que as normas jurídicas que limitam a atuação do Estado frente aos direitos fundamentais também conferem segurança jurídica ao contribuinte, pois cria condições de certeza e igualdade nas relações jurídicas, na medida 158 159 Cf. CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário.1994, p.219-26. Ibidem. em que subtrai qualquer indício de arbítrio e permite garantir o principio da isonomia no campo tributário. A segurança jurídica pressupõe também uma conjugação com o princípio da boa-fé, como bem ressalta Roque Antonio Carraza a boa-fé “irradia efeitos tanto sobre o Fisco, quanto sobre o contribuinte, exigindo que ambos respeitem as conveniências e interesses do outro e na incorram em contradição com sua própria conduta.”160 Por fim, vale ressaltar o exposto por Heleno Taveira Tôrres: A sociedade, apesar de ter origem no exercício de autonomia privada, também sujeita-se à intervenção do Estado, mas exclusivamente nas hipóteses de justificado interesse público relevante, por se encontrar subordinada ao controle da legalidade não só quanto aos seus atos de constituição, mas também quanto à execução dos seus atos de gestão e atuação no mercado. 161 3.3 Entendimentos jurisprudenciais Durante todo o estudo colacionamos vários entendimentos jurisprudências que ora defendem a desconsideração da personalidade jurídica, ora afastam sua aplicação no campo tributário, antes do Código Civil pairavam incertezas quanto ao instituto da Disregard Doctrine, atualmente questionam-se se a regra geral da desconsideração da personalidade jurídica expressa no artigo 50 do atual Código Civil tem aplicação ampla de modo a ser aplicada nas relações jurídicas tributárias. Ao longo do trabalho percebemos que tanto as normas de direito civil como as normas de direito tributário apresentam suas particularidades específicas, sabendo disso transcrevemos abaixo o atual entendimento do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal sobre a matéria, assim, vejamos: AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO FISCAL. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. ART. 135 DO CTN. INDÍCIOS DE DISSOLUÇÃO IRREGULAR. RESPONSABILIDADE VINCULADA AO FATO GERADOR DO DÉBITO TRIBUTÁRIO. – O art. 135, inciso III, do Código Tributário Nacional, impõe a responsabilização pessoal de diretor, gerente e representante de pessoa jurídica de direito privado pela dívida tributária originada de abuso de direito. Irrelevância jurídica da participação ou não na distribuição de lucros da empresa. 160 161 Cf. CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 1994, p.219. Cf. TORRES, Heleno Taveira. Regime Tributário da Interposição de Pessoas e da Desconsideração da Personalidade Jurídica em Matéria Tributária. In: TORRES, Heleno Taveira; QUEIROZ, Mary Elbe (Coord.). Desconsideração da personalidade jurídica em matéria tributária. 2005, p.60. – A existência concreta de indícios de dissolução irregular de sociedade autoriza a desconsideração da personalidade jurídica, com a afetação do patrimônio. – A responsabilidade não é prejudicada pelo fato de a inscrição do débito na dívida ativa ter ocorrido após o desligamento daquele contra o qual a Fazenda Pública almeja redirecionar a execução fiscal, pois o ato de gestão está vinculado ao fato gerador do tributo.162 Na jurisprudência acima o relator Ministro José Delgado considera a hipótese do artigo 135 inciso III como sendo uma aplicação da Desconsideração da Personalidade Jurídica, ocorre que as hipóteses do artigo só tratam de responsabilidade pessoal do sóciogerente, na situação acima a responsabilização do sócio decorrente da liquidação irregular da sociedade é vista como uma forma de suprimento da personalidade jurídica. SOCIEDADE CIVIL. RESPONSABILIDADE DO SÓCIO-GERENTE. DISSOLUÇÃO REGULAR POR FORÇA DE INSOLVÊNCIA CIVIL. A jurisprudência tem identificado como ato contrário à lei, caracterizador da responsabilidade pessoal do sócio-gerente, a dissolução irregular da sociedade, porque a presunção aí é a de que os bens foram distribuídos em benefício dos sócios ou de terceiros, num e noutro caso em detrimento dos credores; não se cogita, todavia, dessa responsabilidade, se a sociedade foi dissolvida regularmente, por efeito de insolvência civil processada nos termos da lei. Recurso especial não conhecido.163 Na jurisprudência supra, foi feita uma relevante observação, pois em relação aos casos de dissolução irregular há responsabilização pessoal do sócio pelo fato dos bens serem distribuídos em benefício dos sócios, nesta situação podemos dizer que houve realmente abuso de personalidade através da confusão patrimonial. TRIBUTÁRIO. SOCIEDADE ANÔNIMA E/OU SOCIEDADE POR QUOTAS DE RESPONSABILIDADE LIMITADA. LIMITES DA RESPONSABILIDADE DO DIRETOR E/OU DO SÓCIO-GERENTE. Quem está obrigada a recolher os tributos devidos pela empresa é a pessoa jurídica, e, não obstante ela atue por intermédio de seu órgão, o diretor ou o sócio-gerente, a obrigação tributária é daquela, e não destes. Sempre, portanto, que a empresa deixa de recolher o tributo na data do respectivo vencimento, a impontualidade ou a inadimplência é da pessoa jurídica, não do diretor ou do sócio-gerente, que só respondem, e excepcionalmente, pelo débito , se resultar de atos praticados com excesso de mandato ou infração à lei, contrato social ou estatutos, exatamente nos termos do que dispõe o artigo 135, inciso III, do Código Tributário Nacional. Recurso especial conhecido, mas improvido.” 164 162 STJ, REsp n.º 652.906/RS, relator o Ministro José Delgado, Primeira Turma, unânime, julgado em 11.10.2005, DJ de 06.02.2006. 163 REsp nº 45366/SP, Rel. Min. Ari Pargendler, DJ de 28/06/99. 164 REsp nº 100739/SP, Rel. Min. Ari Pargendler, DJ de 01/02/99. Na situação acima, percebemos que houve uma clara separação da pessoa jurídica com os sócios no tocante a responsabilidade tributária, ademais só há responsabilidade dos sócios no que preceitua o artigo 135 inciso III do CTN. 3.4 Elucidações Finais. Ante aos ensinamentos doutrinários e jurisprudenciais colacionados neste capítulo, bem como o exposto no Capítulo 01 e Capitulo 02, encontramos agora fundamentos para avaliar e tomar posição quanto à possibilidade de aplicação da desconsideração da personalidade jurídica na responsabilidade tributária da sociedade limitada. Outrossim, o rol dos artigos 134 e 135 do CTN além de ser taxativo é uma forma de relativização da pessoa jurídica, ou seja, há uma quebra do princípio da autonomia patrimonial a fim de responsabilizar o sócio que indevidamente incorreu no excesso de poder, infração de lei, contrato social ou estatutos. Verificamos que alguns doutrinadores tentam aplicar a desconsideração da personalidade jurídica com base na Teoria da Ficção da pessoa jurídica, na qual defendem que a pessoa jurídica é um ente de mera aparência, servindo como um escudo para possíveis abusos ou proteção do patrimônio dos sócios. Tal posicionamento não deve subsistir, porque a pessoa jurídica é um ente criado pelo direito com personalidade, que garante vontade própria e defesa de seus próprios interesses. Por outro lado, se a pessoa jurídica é constituída de “fachada” no intuito de praticar ilícitos, deve o Fisco comprovar a conduta fraudulenta e dolosa dos sócios para ensejar a responsabilidade pessoal daquele que incorreu na prática de tais atos. Ademais, aqueles que defendem a Disregard Doctrine em matéria tributária utilizam-se de uma interpretação sistemática, a fim de considerar as normas de direito privado integrantes do direito tributário, nesse precedente tentam extrair os meios subsistentes para validar a desconsideração do campo tributário. Sobre esse entendimento, temos que essa interpretação só poderá permanecer observando os caminhos constitucionais de modo a garantir a cidadania tributária e a segurança jurídica. Outrossim, tendo em vista a dificuldade de se presumir todas as situações possíveis de ilícitos praticados pelos sócios, temos que as hipóteses do artigo 134 e 135 do CTN englobam de modo geral os casos de abuso de personalidade jurídica. A única lacuna que verificamos se dá no caso do sócio não administrador, nessa situação o sócio não tem a autonomia do sócio-administrador, de modo que torna impossível a execução de seus bens por dívidas da pessoa jurídica. De certa forma o Código Tributário Nacional age corretamente, pois o sóciocotista não tem determinação nas decisões da empresa, portanto não pode incorrer nas penalidades do excesso de poder, infração a lei ou estatuto praticado pelo sócio administrador, em todo caso a responsabilidade pessoal do sócio-cotista só atinge o montante do capital que não estiver integralizado. Noutro giro, a desconsideração da personalidade jurídica em matéria tributária só é possível caso haja previsão legal para albergar novos ilícitos atípicos, contudo, como já ressaltamos as hipóteses do artigo 134 e 135 do CTN tratam de forma geral as situações de abuso de personalidade, já sinalizando a penalidade do sócio. Aliás, o princípio da legalidade é o que confere segurança jurídica ao contribuinte frente às intemperanças do Poder Público, garantindo a certeza de igualdade nas relações jurídicas tributárias. CONCLUSÃO Antes as considerações trazidas à baila, percebemos que o Instituto da Desconsideração da Personalidade Jurídica, retratado no Capítulo 01, visa combater as fraudes perpetradas e fins desvirtuados, tentando preservar os negócios jurídicos, bem como terceiros de boa-fé, a personalidade jurídica só será atingida no ponto em que haja o abuso de direito, não podendo haver a desconstituição por completo da pessoa jurídica. De modo que em relação aos fins legítimos e lícitos, a pessoa jurídica permanecerá ilesa. No tocante as Teorias da Desconsideração da Personalidade Jurídica, observamos que a Teoria Maior é a utilizada no direito civilista pátrio, pois é de natureza excepcional, de modo que só é possível desconsiderar a pessoa jurídica caso verifica-se a fraude e o abuso no sentido de forjar a forma desta. Outrossim, consoante aos pressupostos de aplicação da desconsideração da personalidade jurídica, os quais são: desvio de finalidade e confusão patrimonial, averiguamos que é necessário identificar o ato abusivo e fraudulento, onde estejam devidamente comprovadas as vantagens ilícitas dos sócios para ensejar a responsabilidade pessoal dos sócios, por isso torna-se relevante também comprovar o abuso de direito. E sobre o tema abuso de direito, observamos que basta a configuração de um ato como abusivo, irregularidade no exercício do direito ou o desvio da finalidade social para que enseje o abuso de direito propriamente dito, não é necessário provar a intenção de prejudicar terceiro conforme preceitua a teoria subjetiva. Ademais, verificamos a diferença sutil entre abuso de direito e ato ilícito, e identificamos que o ilícito, sendo resultante da violação de limites formais, a lei deverá limitar o exercício do direito, por outro lado, o abuso de direito não há limites fixados, pois neste caso os limites serão dados pelos princípios que regem o ordenamento jurídico. Ao final do primeiro capítulo ressaltamos a crise da personalidade jurídica salientando que a perda da identidade da pessoa jurídica abre espaço para a crise da função que lhe foi conferida pelo legislador, nesse precedente a desconsideração da personalidade serve para evitar o desvio da finalidade bem como preservar a própria pessoa jurídica, na medida em que busca reprimir o abuso de direito e albergar a função social como fundamento da liberdade de contratar No segundo capítulo expomos a responsabilidade tributária tendo como foco o artigo 134 e 135 do CTN, bem como os temas excesso de poder, infração de lei e infração de contrato social, identificamos a diferença em cada ponto, como também salientamos o exposto no primeiro capitulo sobre atos ilícitos e o abuso de direito, evidenciamos alguns julgados. Noutro giro, o capitulo 2 focou a importância da interpretação da norma tributária, no sentido de conferir segurança e certeza ao Direito como também de evitar ambigüidades e imperfeições ao aplicador do Direito. Através de uma abordagem hermenêutica constitucional à luz de um pensamento sistemático, o segundo capítulo caminhou no sentido de verificar a validade ou não da desconsideração da personalidade jurídica em matéria tributária, bem como evidenciar caminhos para garantia da segurança jurídica e motivação lícita na relação jurídica tributária entre e o Estado e o contribuinte. Nesse precedente evidenciamos a relevância do método sistemático e a sua dimensão valorativa dentro do sistema jurídico como diretriz na unificação dos vários ramos do Direito, ademais, salientamos que o ponto de partida na interpretação da norma tributária deve sempre partir dos postulados constitucionais. Ao final do segundo capítulo ressaltamos que para garantir a segurança jurídica criando condições de certeza e igualdade, mister que se garantam os direitos que integram o patrimônio irretratável da personalidade humana, balizando o Estado na ação de seus diversos poderes. No terceiro capítulo adentramos na temática central do presente trabalho, inicialmente ressaltamos os posicionamentos favoráveis e contrários à desconsideração da personalidade jurídica em matéria tributária. Os que militam a favor ressaltaram basicamente que é perfeitamente possível que as hipóteses de desconsideração da personalidade jurídica estatuídas na norma civilista do artigo 50 tem aplicação no campo tributário. Tal corrente sustenta que a pessoa jurídica é um instituto meramente formal, e destacam que é perfeitamente possível a possibilidade do legislador tributário construir conceitos inexistentes ou em processo de formação do direito privado. Por outro lado, a corrente contrária observa que a regra do artigo 135 do CTN não teve origem nas concepções da Teoria da desconsideração da personalidade jurídica, ademais não é facultado o juiz avaliar o caso concreto e estender os preceitos normativos já estabelecidos no próprio Código Tributário. Outrossim, a corrente contrária ressalta que o Direito Tributário é regido pelo princípio da estrita legalidade de modo que exclui a incidência da desconsideração quando não exista previsão legal. Ademais, vale ressaltar que as normas de responsabilidade tributária têm condições válidas para responsabilizar aquele que incorre no abuso da personalidade jurídica, prova disso é que o rol de pessoas do artigo 135 do CTN incluem os mandatários, prepostos, empregados, diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado, além das pessoas referidas no artigo 134. Por todo o exposto durante o trabalho, trilhamos nosso posicionamento no sentido que a desconsideração da personalidade jurídica estatuída no Código Civil não tem aplicação nas normas tributárias concernentes à responsabilidade tributária, o motivo repousa no fato que o próprio Código Tributário Nacional já delimita as condições válidas para atingir pessoalmente o sócio-cotista ante a conduta dolosa e fraudulenta. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS KOURY, Susy Elizabeth Cavalcante, A desconsideração da personalidade jurídica (disregard doctrine) e os grupos de empresas, Forense, Rio de Janeiro, 1998, p.63. DELGADO, José Augusto. A Desconsideração da Pessoa Jurídica e os seus Reflexos na Ordem Tributária. In: Desconsideração da Personalidade Jurídica em Matéria Tributária. São Paulo, Quartier Latin, 2005, pg. 434-435. SERICK, Rolf, Forma e realtà della persona giuridica, 1966, pg.275 OLIVEIRA, J. Lamartine Côrrea. A Dupla Crise da Pessoa Jurídica. São Paulo, Saraiva, 1979, nota 4, pg.542-550. 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