pl-5646-2016-desconsideracao-da-personalidade-juridica-nt

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NOTA TÉCNICA
PROJETO DE LEI Nº 5646/2016, dispõe
sobre a aplicação do instituto da
desconsideração da personalidade jurídica no
âmbito da justiça do trabalho, nas relações
consumeristas e dá outras providências.
Encontra-se na pauta da Comissão de Desenvolvimento Econômico e Social o Projeto de Lei
da Câmara n° 5646 de 2016, que disciplina o procedimento de declaração judicial de
desconsideração da personalidade jurídica e dá outras providências.
A proposição é composta de seis artigos regulamentando o instituto da desconsideração da
personalidade jurídica, quando da sua aplicação na Justiça do Trabalho e nas relações
consumeristas.
As regras sugeridas constituem, com a devida vênia, retrocesso legislativo, na medida em
que não trazem nenhuma vantagem ao bom empregador, causarão enormes prejuízos aos
trabalhadores e consumidores, que enfrentarão novas e maiores dificuldades para a satisfação de
créditos reconhecidos judicialmente.
Resgatamos do processualista Carlos Ramos Oliveira a seguinte passagem histórica
registrada em 1938: “Nada de complicações processuais que possam retardar e dificultar a marcha
e a solução dos casos que lhe são afetos. Nada de prazos dilatados. Nada de provas tardias. Nada
de formalismos inúteis e prejudiciais. Nada disso. A jurisdição do trabalho deve ser simples e
célere (Justiça do Trabalho. Revista do Trabalho, p. 65, fev. 1938).
De há muito, o Código de Defesa do Consumidor (Art. 28), assim como o Código Civil (Art.
50), admitem a desconsideração da personalidade jurídica da sociedade, para fins de atingimento
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dos bens dos seus sócios, toda vez que a personalidade jurídica constituir obstáculo à satisfação das
dívidas do executado.
Com efeito, de acordo com o CDC e o CC, o juiz poderá desconsiderar a personalidade
jurídica da empresa sempre que houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou
ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social, falência, estado de insolvência, ou
encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração. Também pode
haver a desconsideração naquelas situações em que os bens da sociedade não lhe cobrirem as
dívidas, independentemente do motivo, conforme art. 1023 do Código Civil: “Se os bens da
sociedade não lhe cobrirem as dívidas, respondem os sócios pelo saldo, na proporção em que
participem das perdas sociais, salvo cláusula de responsabilidade solidária”.
Exigir-se que, doravante, a desconsideração da personalidade jurídica somente possa ocorrer
nas restritas situações indicadas no projeto, excluindo-se as hipóteses de irregularidade, má
administração ou mesmo ausência de bens suficientes da sociedade, acarretará grave prejuízo ao
trabalhador, que não terá onde buscar a satisfação do seu crédito.
Assim, a necessidade de iniciativa da parte, a previsão de automática suspensão do processo,
com instauração do mesmo em autos apartados, a atribuição ao credor do ônus da prova quanto à
presença dos pressupostos legais que autorizam a desconsideração da personalidade jurídica da
sociedade, a citação dos sócios para se defenderem no prazo de 15 dias; que serão contados a partir
da respectiva citação; a exigência de contraditório prévio, a previsão de necessária ouvida do
Ministério Público; e a impossibilidade de atingir os bens particulares dos sócios ou
administradores que não tenha praticado ato abusivo da personalidade em detrimento dos credores
da pessoa jurídica e em proveito próprio, tornam o incidente de desconsideração da personalidade
jurídica previsto no referido projeto incompatível com o processo do trabalho, por revelar-se, na
prática, manifestamente contrário aos princípios jurídicos trabalhistas do impulso oficial, da
concentração dos atos, da celeridade e da efetividade, da simplicidade das formas,
incompatibilidade essa que inviabiliza a aprovação desse projeto.
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Um aspecto que importa ressaltar diz respeito à exigência de apresentação de requerimento
para que seja apreciado o incidente de desconsideração, consoante artigo 2º e artigo 4º do projeto.
Tal exigência não é compatível com o processo do trabalho, em que prevalece o jus postulandi, e no
qual os atos de execução são praticados de ofício pelo magistrado.
A execução no Processo do Trabalho dá-se de ofício. Ela se desenvolve por impulso oficial
em razão da vulnerabilidade do trabalhador, princípio previsto na norma do art. 878, caput, da CLT
de forma expressa.
A possibilidade da execução de ofício singulariza a processualística trabalhista brasileira
desde seu surgimento, sob a inspiração dos princípios da indisponibilidade dos direitos do trabalho
e da efetividade da jurisdição.
Não é necessário maior esforço para concluir que o grau de efetividade da execução
trabalhista cairia significativamente caso fosse exigida a iniciativa do credor trabalhista para
aplicar-se a desconsideração da personalidade jurídica, especialmente considerando-se a
circunstância de que as ferramentas eletrônicas de pesquisa patrimonial encontram-se concentradas
no juízo da execução.
Vale ressaltar que a fraude patrimonial é presumida diante do descumprimento da obrigação
trabalhista, motivo pelo qual a desconsideração da personalidade jurídica na Justiça do Trabalho
não deve depender de formalidades e tampouco necessitar de prévia citação do sócio.
Aliás, a prévia ciência do sócio tende a esvaziar a constrição de bens objetivada pela
desconsideração da personalidade jurídica da sociedade empresarial, porquanto daria oportunidade
a conhecidas medidas de ocultação patrimonial.
É preciso ter em conta que os riscos da atividade econômica incumbem à sociedade e aos
sócios (CLT, art. 2º, caput), não podendo ser transferidos ao empregado, que assumiria tal ônus
caso a insuficiência do patrimônio da sociedade pudesse tornar ineficaz a execução trabalhista.
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As normas procedimentais do processo civil, na precisa lição de Jorge Luiz Souto Maior,
devem ser compreendidas “[...] como complementos que sirvam à utilidade do processo do trabalho
e não como escudos que inviabilizem a efetividade da prestação jurisdicional trabalhista...”
Outra incompatibilidade do projeto decorre da exigência de contraditório prévio. Nada
obstante o contraditório não deva ser antecipado para não prejudicar a execução forçada do direito
ao qual o executado opõe resistência, não se pode cogitar de violação ao princípio do contraditório,
já que o sócio atingido em seu patrimônio tem remédio próprio para discutir referida decisão dentro
do processo de execução, seja via embargos à execução (ou à penhora) ou exceção de préexecutividade, quando cabível.
Com efeito, na desconsideração da personalidade jurídica realizada na execução trabalhista o
contraditório apresenta-se na modalidade de contraditório diferido: a defesa do sócio executado é
oportunizada após a garantia do juízo pela penhora (CLT, art. 884).
O projeto, como apresentado, decerto aumentará a crise de efetividade da execução
trabalhista, que conta atualmente com uma taxa de congestionamento à ordem de 67%.
Como visto, a proposição não se coaduna com a ordem constitucional, na forma da Emenda
Constitucional n° 45/2004, que impõe ao Estado-Juiz, e, portanto, a todo o Poder Judiciário, a
prestação jurisdicional num prazo razoável (art. 5°, LXXVIII, CF), o que implica em distribuir
justiça de modo a garantir ao cidadão respostas rápidas.
Num desenho processual moderno – onde predomina a tendência pelas tutelas de urgência e
a execução de forma mais célere, inclusive a provisória –, afigura-se, com a devida venia, como
retrocesso a proposição em exame, que nada mais faz do que oferecer obstáculos à efetividade
processual, em desacordo, inclusive, com o teor dos projetos, já aprovados pelo Congresso, no bojo
do Pacto de Estado por um Judiciário mais Rápido e Republicano.
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O uso das ferramentas tecnológicas em favor da execução, como revela a experiência do
sistema de solicitação de bloqueios denominado de Bacen-Jud, é uma conquista da sociedade
brasileira, assim como a institucionalização da teoria da desconsideração da personalidade jurídica
da empresa, que visam inibir o desvirtuamento da pessoa jurídica no sentido de não ser utilizada por
seus sócios para causar prejuízo a terceiros, subvertendo inclusive a desejável harmonia do
ambiente concorrencial, em detrimento do bom empresário.
Os demais aspectos do projeto, em substância, também em nada inovam na direção da
celeridade e da eficiência da máquina judiciária. Ao contrário, estabelecem uma série de entraves,
sob o mando de garantias ao devedor, contribuindo, assim, para o desprestígio da justiça em nosso
país.
Diante de todo o exposto, a ANAMATRA manifesta-se CONTRARIAMENTE ao mérito
do Projeto de Lei nº 5646/16.
Brasília, 20 setembro de 2016.
Germano Silveira de Siqueira
Presidente da Anamatra
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