Castro, Antonio Barros de. “Nada depende de nós” São Paulo: Folha de São Paulo, 3 de janeiro de 2001. Nada depende de nós ANTONIO BARROS DE CASTRO A frase que serve de título para este artigo dá início a uma (rara) entrevista do economista Roberto Frenkel, de tom fortemente pessimista, ao jornal argentino "Página/12" (30 de dezembro de 2000). A frase choca, mas pode-se perfeitamente ponderar que apenas sintetiza um sentimento amplamente compartilhado no país. O atual governo argentino defrontou-se, ao assumir, com uma situação extremamente difícil, caracterizada por forte deterioração tanto no plano fiscal como no das contas externas. As primeiras tentativas de inverter a situação, porém, evidentemente falharam: não atraíram capitais externos nem tampouco reativaram o gasto interno. A rigor, a leve recuperação ensaiada em meados de 1999 rapidamente se desfez, sendo o crescimento de 2000 (sobre a deprimida base do ano anterior) praticamente nulo. Mais que isso, o país chegou, nos últimos meses, à borda do que é eufemisticamente referido como "cessação de pagamentos ao exterior". O apoio internacional ("blindagem" financeira) que o país está em via de conseguir permitiria, segundo muitos, uma correção do quadro atual e uma preparação para o crescimento mais adiante. Como entender, então, o pessimismo expresso por Frenkel? Voltemos à entrevista. Suponhamos que tudo dê certo, diz o autor. Ou seja, que a taxa de juros baixe (no mundo), que o euro se valorize e que melhorem as relações de troca (razão entre os preços médios das exportações e os das importações) do país. Nesse caso, a economia poderia crescer 4% ou 5%, admite Frenkel. Contudo, para cada ponto percentual de crescimento do PIB, as importações cresceriam 3,5 pontos e as exportações, não. Além disso, como não estamos mais no mundo pré-crises asiática e russa, ou pré-colapso do Nasdaq -e a dívida acumulada argentina é hoje proporcionalmente muito maior-, não seria possível a repetição de um boom como o verificado de meados de 1996 a meados de 1998. Em suma, ficaria logo evidente a fragilidade do crescimento. "Nesse caso, aguentaríamos um ano mais", fulmina Frenkel. Do ponto de vista de um observador brasileiro, os argumentos de Frenkel são, sem dúvida, impressionantes. Afinal, a vulnerabilidade externa da nossa economia é hoje amplamente admitida. Três importantes diferenças são, no entanto, constatáveis a olho nu. Primeiramente, ao contrário da Argentina, os sinais procedentes da macroeconomia, particularmente no plano fiscal, são positivos, o que contribui decisivamente para um clima de maior confiança. Além disso, no caso brasileiro, o (modesto) crescimento das exportações vem sendo liderado por produtos como aeronaves, veículos motorizados e aparelhos eletrônicos, e isso não tem paralelo na Argentina. Ali, definitivamente, imperam os produtos primários com baixo ou nulo grau de elaboração -o que patentemente amplifica a dependência da evolução dos preços externos. Ainda no plano das políticas voltadas para as atividades produtivas, o quadro brasileiro difere sem dúvida do argentino. Assim, segundo Frenkel, "haveria que estar ocupando-se seriamente do famoso tema da competitividade, questão que passa pela tecnologia, pelo crédito às pequenas e médias indústrias e pelo desenvolvimento de redes. Todo esse trabalho microeconômico que ninguém no governo faz". O mesmo, por mais crítico que se seja em relação às políticas industrial e tecnológica aqui ensaiadas, não pode ser dito em relação ao Brasil. Finalmente, transferindo a análise para um outro plano, a virtual unanimidade na Argentina quanto ao "nada depende de nós" também não encontra paralelo no Brasil. E o efeito deletério dessa crença sobre o clima geral da sociedade não pode ser exagerado. Afinal, numa situação em que existem sérios problemas sociais (inclusive em agravamento), a impressão de que o sistema político não pode gerar mudanças é, em última análise, insuportável.