O genoma do crescimento da economia brasileira

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Barros, Luiz Carlos Mendonça de “O genoma do crescimento da economia brasileira” São
Paulo: Folha de São Paulo, 19 de fevereiro de 2001. Jel: E
O genoma do crescimento da economia brasileira
Luiz Carlos Mendonça de Barros
O IBGE acaba de divulgar as primeiras informações sobre o crescimento de nossa economia no ano
passado. Antes de olharmos com mais detalhes esses números, gostaria de parabenizar o IBGE, na
pessoa de seu presidente, Sergio Besserman, pela rapidez com que essa tradicional instituição
trabalhou. Em tempos de vacas magras, com o orçamento apertadíssimo e ainda digerindo os
trabalhos sobre o Censo, é uma performance extraordinária e que precisa ter nosso reconhecimento.
Mas vamos aos números!
O crescimento do PIB em 2000 superou as mais otimistas das expectativas, chegando a 4,20%. No
último trimestre de 1999 as expectativas de crescimento da economia brasileira para 2000 estavam
na faixa de 3% a 3,5%. No meio do ano os analistas já falavam em algo como 3,5% a 4,0%. Houve,
portanto, uma aceleração contínua do crescimento na medida em que os meses passavam. Alguns
setores tiveram crescimento bem acima da média, como a indústria de transformação, que cresceu
5,5%, o setor extrativo-mineral (petróleo), que cresceu 11%, e os serviços de telecomunicações, que
se expandiram a uma taxa de mais de 16%. Santo Sérgio Motta mais uma vez.
Hoje já se trabalha com um crescimento da ordem de 4,5% para o ano de 2001. Alguns analistas
mais conservadores já falam até na necessidade de uma desaceleração do crescimento para evitar
um superaquecimento da economia e a volta da inflação. Um exagero evidente, mas que acabou
sendo sancionado na última reunião do Comitê de Política Monetária do Banco Central, com a
interrupção do processo gradativo de queda da taxa Selic. Voltaremos a essa questão no fim desta
coluna.
Nossa primeira reflexão de hoje tenta entender quais foram as principais forças que agiram na
economia ao longo do ano passado e que resultaram nesse crescimento mais elevado. A primeira -e,
certamente, a mais importante delas- foi o aumento expressivo do crédito ao consumidor para a
compra de bens duráveis, como eletrodomésticos e automóveis. Apesar das taxas de juros ainda
elevadas, o consumidor brasileiro, sentindo-se mais seguro em relação a seu emprego, depois de um
ano de cinto apertado, voltou às compras com financiamento dos bancos. O grande beneficiário
dessa maior oferta de crédito foi o setor automobilístico, que cresceu 24% em relação ao terrível
ano de 1999 para o setor. O mesmo fenômeno aconteceu com TVs e outros eletrônicos de consumo
doméstico.
Uma segunda força importante na aceleração da atividade econômica foi a recuperação de nossas
exportações de manufaturados, como produtos têxteis, calçados e automóveis. Nesse caso, a
recuperação da taxa de câmbio foi fundamental. Um exemplo dessa força pode ser encontrado no
crescimento industrial do Rio Grande do Sul, onde setores tradicionais, como couro e calçados,
recuperaram sua capacidade competitiva nos mercados internacionais e permitiram que a produção
industrial do Estado crescesse quase 9% no ano passado. Minas e São Paulo foram outros Estados
que também impulsionaram a expansão de sua atividade industrial, com o crescimento das
exportações de manufaturados.
Outra marca de nosso crescimento em 2000 foi a ausência da expansão da chamada massa salarial,
isto é, a soma de todos os salários e outros rendimentos do trabalho, como causa da maior atividade
econômica. Nesse caso, são as próprias estatísticas do IBGE que mostram a estagnação dos
rendimentos do trabalho, na verdade uma pequena queda. Essa é a principal explicação para o
crescimento bem menor do que a média, em alguns casos até com queda de produção, de setores
industriais produtores dos chamados bens de salário. É o caso de segmentos da indústria
alimentícia, de remédios, de bens de consumo doméstico e, principalmente, da construção civil
(crescimento de pouco mais de 2%).
A recuperação do nível de emprego e um esperado aumento do salário médio, contribuindo para o
aumento dos rendimentos dos assalariados, deve ser neste ano um dos fatores mais importantes para
a manutenção de um bom ritmo de atividade econômica. O aumento da demanda via endividamento
dos consumidores deve ter sua importância reduzida em razão da pressão a ser exercida sobre os
orçamentos domésticos pela elevação do endividamento pessoal verificado no ano passado.
Somente uma queda mais expressiva dos juros bancários, conjugada com aumento dos prazos dos
financiamentos, é que pode manter o endividamento pessoal como fator importante do aquecimento
da economia.
A divulgação dos números do crescimento da economia desencadeou uma verdadeira onda de
advertências por parte de alguns economistas e analistas de mercado. Segundo esses, o Brasil estaria
entrando, perigosamente, em um momento de superaquecimento da demanda interna, com riscos
iminentes de aumento da inflação pela escassez de produtos em alguns mercados. Como medida
preventiva, pregaram uma interrupção na queda dos juros internos, que vem sendo seguida
meticulosamente pelo Banco Central. De um desses pessimistas ouvi a menção de que o Brasil,
como um ex-viciado em álcool, não pode ainda entrar em um período de crescimento acelerado,
pois voltaria ao antigo vicio da inflação.
Gostaria de dividir com o leitor da Folha alguns argumentos contrários a essa posição mais
defensiva em relação à continuidade da queda dos juros. O primeiro é que, mesmo com esse
crescimento expressivo do ano passado, na maioria dos setores de nossa economia estamos
observando apenas uma volta ao nível de atividade dos primeiros anos do Plano Real. Um bom
exemplo é o setor de televisores, que vendeu 8 milhões de unidades em 1997, caiu ao nível de 4
milhões em 1999 e recuperou a marca dos 6 milhões no ano passado. No setor automobilístico
também estamos voltando agora aos índices de 1996 e 1997. Crescimento, mesmo, só a partir deste
ano, sendo que, em setores como o automobilístico, houve um importante aumento da capacidade
produtiva no período.
Um segundo ponto relevante é que, dentro de uma conjuntura estável e de grande confiança dos
investidores, como a que estamos vivendo agora, a ocorrência do chamado hiato de produtos -nome
técnico para demanda maior do que oferta- é condição necessária para que haja um aumento do
investimento privado. Como nossa economia hoje é aberta, eventuais descasamentos de produção
enquanto os investimentos são realizados serão cobertos por importações, e não aumentos de
preços. Pelo contrário, se a mensagem que o governo passa ao mercado é que ele pisará no breque
monetário em situações como essas, não teremos investimentos adicionais na estrutura produtiva do
país.
Luiz Carlos Mendonça de Barros, 58, engenheiro e economista, é sócio e editor do site de economia
e política Primeira Leitura. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo FHC).
Internet: www.primeiraleitura.com.br
E-mail: [email protected]
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