Alta do crédito no Brasil corrige cenário anormal Causou certo furor midiático a recomendação do BIS (Banco Internacional de Compensações) de que o Brasil moderasse a taxa de expansão do crédito doméstico. A estatística que serviu de base para o tal "puxão de orelha" foi a seguinte: nos últimos três anos, o crédito por aqui cresceu, em média, e por ano, 13,5 pontos percentuais a mais do que o PIB. É fato não passível de contestação que o crédito cresceu muito velozmente como proporção do PIB desde 2004, tendo passado, em oito anos, de cerca de 25% do PIB para os atuais 50%. Mas há motivos para preocupação? Num mundo sob os efeitos de uma crise financeira de dimensões épicas, a resposta que parece mais natural é "sim, óbvio". Mas creio que essa resposta está equivocada no caso brasileiro. Viremos a pergunta de ponta-cabeça: é possível que, na verdade, o patamar de 25% de 2004 fosse, ele sim, uma anomalia? A julgar pelos dados de crédito relativos a países similares ao Brasil, a situação corrente é que deveria ser considerada como normalidade. O puxão de orelha, nesse caso, se é que houve, não faz sentido. O ponto central aqui é: o sistema financeiro brasileiro é bem sólido, tendo conquistado elevada reputação internacional a partir da reestruturação realizada no âmbito do Proer, em 1995. Os bancos são bem capitalizados - a principal medida de capital como proporção dos ativos totaliza 16%, bem acima da média mundial-, a regulamentação imposta pelo Banco Central é extraprudente (mesmo antes da Basileia 3), e a inadimplência, mesmo tendo se elevado recentemente, é moderada para os padrões internacionais, como o próprio BIS indica nos gráficos de seu documento. Diga-se que, nesse mesmo estudo, o Brasil aparece como um dos únicos países no qual a provisão para devedores duvidosos supera a taxa de inadimplência dos bancos. O crédito aqui cresceu rapidamente porque: 1) os juros reais desceram da estratosfera; 2) o governo nos últimos 12 anos consolidou a política fiscal; 3) no começo do governo Lula ocorreram mudanças estruturais favorecendo o crescimento do crédito imobiliário (que de pífio passou a pequeno). Repasse a lista citada e note que você não encontrará os perjúrios cometidos alhures: juros reais extravagantemente baixos; súbita desregulamentação dos mercados privados de crédito; empréstimos oficiais para financiamento do valor total de imóveis para tomadores sem renda e emprego. Sim, com endividamento das famílias acima de 20% da renda, é bem provável que a evolução do endividamento daqui a diante seja mais modesta. Isso é salutar e já está em curso, por aumento de cautela dos próprios bancos. Mas não se deve exagerar a questão do comprometimento da renda com pagamento de juros e principal, pois a dívida é relativamente curta, os juros na ponta são cadentes e a renda cresce robustamente. Para nossa sorte, quando o tema é crédito, Brasil não é Estados Unidos. Carlos Eduardo Soares Gonçalves- Professor titular do Departamento de Economia da FEA-USP. Artigo publicado no jornal Folha de S.Paulo em 26/06/2012.