Valter Bezerra Dantas Geometria Analítica e Vetores Atualidade e Simplicidade no Ensino da Geometria 8. Vetores unitários, fatoração de vetores. As funções trigonométricas, como seno e co-seno foram inicialmente definidas para ângulos agudos que correspondiam aos ângulos menores de triângulos retângulos. O seno do ângulo corresponde, no tal triângulo retângulo, a razão entre a medida do cateto oposto ao ângulo considerado e a medida da hipotenusa, para o cosseno emprega como numerador a medida do cateto adjacente. O seno e o cosseno são números reais positivos entre zero e um que devem obedecer à relação fundamental cos2θ + sen2θ = 1, conseqüência do teorema de Pitagoras. Quando a hipotenusa do triângulo retângulo é igual a um, o seno e o cosseno são as medidas dos catetos oposto e adjacente ao ângulo considerado. Vamos colocar um tal triângulo retângulo com hipotenusa sobre um sistema cartesiano de coordenadas da forma abaixo (o espaçamento entre as linhas verticais ou horizontais não foi escolhido unitário): Então cada ângulo entre zero e noventa graus determina um único ponto com coordenadas (cosθ, senθ) no primeiro quarto da circunferência unitária, de raio um e centrada na origem, que chamamos de circunferência trigonométrica. Este é o ponto de partida para a generalização da definição de seno e cosseno para qualquer ângulo, senθ e cosθ são a coordenada y e a coordenada x do ponto determinado na circunferência unitária pelo ângulo θ, medido a partir do eixo x no sentido anti-horário. Esta definição serve tanto para ângulos positivos quanto negativos, sendo os ângulos negativos medidos a partir do eixo x no sentido anti-horário. Também serve para ângulos maiores do que 360°, entendo que damos mais do que uma volta completa ao determinar o ângulo a partir do eixo x. É natural que a identificação que fazemos, entre ângulos que diferem por múltiplos de 360°. Agora seno e cosseno são números reais positivos ou negativos, com módulo entre zero e um, satisfazendo a relação fundamental cos2θ + sen2θ = 1, que indica a pertinência do ponto (cosθ,senθ) à circunferência unitária ou trigonométrica. Percebamos como a trigonometria, com a definição moderna de seno e cosseno, fica naturalmente ligada à geometria analítica. Não cansamos de ressaltar que este esboço da apresentação da geometria que aqui propomos pressupõe um trabalho anterior ou paralelo com trigonometria. Associamos cada ângulo θ ao ponto P(θ)=(cosθ,senθ) da circunferência trigonométrica, a este ponto associamos o seu vetor de posição u(θ)=<cosθ,senθ>. Este vetor, aplicado à origem (0,0) do sistema de eixos, a leva ao ponto P(θ). Dizemos que um vetor é unitário quando tem norma igual a 1, um vetor unitário agindo na origem do sistema de eixos sempre leva este ponto até a circunferência trigonométrica, todo vetor unitário tem a forma u(θ) = <cosθ, senθ>, sendo determinado pelo seu ângulo de direção θ. Para θ = 0º, u(θ) = <1,0>, para θ = 30º, u(θ) = <√3/2,1/2>, para θ ~ 36,87º, u(θ) = <4/5,3/5>, para θ = 45º, u(θ) = <√2/2,√2/2>, para θ ~ 53,13º, u(θ) = <3/5,4/5>, para θ = 60º, u(θ) = <√3/2,1/2>, para θ = 90º, u(θ) = <0,1>. Notamos que temos um e somente um vetor unitário para cada direção possível. Valter Bezera Dantas Consideremos um vetor não nulo v = <a,b>, escrevendo a = ||v|| cosθ, b = ||v|| senθ, temos: v = <a,b> = <||v|| cosθ, ||v|| senθ> = ||v|| <cosθ, senθ>, isto é v = ||v|| u(θ). Desta forma um vetor qualquer pode ser escrito como o produto escalar do seu módulo ||v|| por um vetor unitário u(θ) = <cosθ, senθ>, cujas componentes são o cosseno e seno de sua direção. Interpretamos a expressão v = ||v|| u(θ) como uma fatoração do vetor v, o primeiro fator carrega a informação sobre o módulo, o segundo fator carrega a informação sobre a direção e sentido. Se v e u(θ) agem na origem do sistema de eixos como acima, u(θ) leva (0,0) no ponto (cosθ,senθ) da circunferência trigonométrica. Esta fatoração do vetor com módulo vezes vetor unitário é por vezes de interesse prático, quando a efetuamos para a velocidade vetorial de um automóvel, escrevendo v = ||v|| u(θ), somos levados a interpretações interessantes. Em movimento retilíneo, quando aceleramos, o velocímetro mostra as variações no módulo da velocidade, ||v|| aumenta, porém u(θ) permanece constante. Já no movimento circular uniforme, o velocímetro não mostra qualquer variação e ||v|| é constante, porém o vetor velocidade varia, dado que u(θ), tal qual a direção θ da velocidade, varia ao longo da curva. Valter Bezerra Dantas Geometria Analítica e Vetores Atualidade e Simplicidade no Ensino da Geometria 9. A rotação de vetores de 90° nos sentidos horário (direita) e anti-horário (esquerda, volver!). Dizemos que o vetor w é uma rotação por um ângulo α do vetor v quando w tem o mesmo módulo do vetor v, ||w||=||v||, porém tem um ângulo de direção θ + α, que corresponde ao ângulo de direção de v adicionado de α (se α é positivo dizemos que a rotação é anti-horária, se é negativo, que a rotação é horária). Para rodar um vetor, basta obter seu módulo e sua direção, manter o módulo e adicionar o ângulo pretendido na direção. Nos preocuparemos neste tópico com rotações α = 90° (no sentido anti-horário) e α = 90°, no sentido horário. Para estes casos particulares o diagrama abaixo, com bandeirinhas, nos permite, a partir das componentes do vetor inicial v, concluir rapidamente quais são as componentes do vetores w e w', resultados das rotações horárias e anti-horárias de v. Reparem, caros colegas, que este argumento intuitivo, especializado no caso de vetores com módulo unitário, é o que empregaríamos para explicar a um estudante que cos(θ+90°) = -sen(θ), sen(θ+90°) = cos(θ), cos(θ-90°) = sen(θ), sen(θ-90°)= -cos(θ). Pelas bandeirinhas vemos que a partir das componentes de v=<a,b>, obtemos as componentes da sua rotação de 90° no sentido anti-horário, w=<-b,a> trocando as componentes de ordem, mas trocando o sinal da segunda, que vai para o lugar da primeira. Analogamente obtemos sua rotação de 90° no sentido horário w'=<b,-a>, trocando as componentes de ordem, mas trocando o sinal da primeira, que vai para o lugar da segunda. Historicamente, o primeiro sistema vetorial conhecido foi o dos números complexos, o complexo z=a+ib era interpretado como o vetor v=<a,b>. Notem que então a rotação de +90° corresponde a multiplicar o complexo z por +i, enquanto que a rotação de -90° corresponde a multiplicar o complexo z por -i. De fato, i (a+ib) = -b+ia, -i (a+ib) = b - ia. Assim sendo, desde o início do trabalho com vetores, os amantes destas setas sabem girá-las de 90° e esta ferramenta pode ser muito útil. 12.1 Área, determinantes 2x2 e produto de Grassmann entre vetores, origem histórica da regra de Cramer. Começamos por considerar dois vetores, A = a1 i + a2 j, B = b1 i + b2 j, com direção entre zero e 90 graus, sendo a direção de A menor do que a direção de B. Imaginemos que A age na origem (0,0) do sistema de eixos, deslocando este ponto até (a1,a2), em seguida B age neste último ponto, deslocando-o até o ponto (a1+b1,a2+b2), imaginemos também as ações efetuadas na ordem oposta, primeiro B age em (0,0) levando-o em (b1,b2), em seguida age A, levando este último em (a1+ b1, a2+ b2). Desenhando as representações destas quatro ações temos o paralelogramo em que sempre pensamos ao efetuar a soma vetorial de duas forças representadas por A e B. A soma vetorial A+B desloca o ponto (0,0) diretamente ao ponto final (a1+ b1, a2+ b2). A área deste paralelogramo cujos lados estão naturalmente associados às ações de A e B é igual a área de um retângulo, menos a área de dois triângulos retângulos, menos a área de dois trapézios. A(ret) = (a1+ b1) (a2+ b2) = a1a2 + a1b2 + b1a2 + b1b2, A(trg1) = (½) (a1a2), A(trg2) = (½) ( b1b2), A(trp1) = {(½) (a2 + (a2 + b2))} b1 = a2b1 + (½) (b2b1), A(trp2) = {(½) (b1 + (a1 + b1))} a2 = b1a2 + (½) (a1a2), subtraindo da primeira área as quatro seguintes, eliminamos os fracos, sobrevivem apenas os fortes, daí temos para a área do paralelogramo: A(paralelogramo) = a1b2 - a2 b1, o interessante é que coincide com o determinante de uma matriz dois por dois cujas colunas ou linhas são dadas pelas componentes dos dois 'vetores-lados' dos paralelogramo. Podemos pensar em uma operação com vetores em que, a partir dos vetores A=a1i+a2j e B=a1i+a2j, a operação retorna como resultado o número real A*B=a1b2-a2b1, correspondente ao determinante da matriz dois por dois na qual os vetores A e B são as colunas, ou da matriz em que estes vetores são as linhas. Chamamos esta operação de produto asterisco de dois vetores, denotamos seu resultado por A*B. Seria mais correto denominar esta operação com vetores de produto de Grassmann, este grande matemático, que inventou o tal produto, afirmou em notas auto-biográficas que o teria inventado a partir de uma sugestão que seu pai lhe havia feito quando era apenas estudante (vide E. Crowe, A History of Vector, Analysis, Dover). Dado que o Grassmann está morto mesmo, iremos chamar o produto de produto asterisco. O produto asterisco tem várias propriedades que podemos demonstrar a partir da sua definição, as duas primeiras propriedades na tabela abaixo reafirmam a anti-simetria do produto asterisco, se pensamos no determinante, a primeira correspondente à troca de sinal do determinante, quando trocamos suas linhas (ou colunas), a segunda ao fato de que um determinante se anula quando tem linhas iguais. As propriedades três e quatro mostram compatibilidade entre o produto asterisco e outras duas operações com vetores, a soma e o produto por escalar, este produto pode ser distribuído com relação à soma vetorial tanto à direita quanto à esquerda, enunciamos apenas tal propriedade à direita, mas dada a anti-simetria do produto, também vale à esquerda. Os escalares transitam à vontade no produto, podem passar de A para B ou serem colocados em evidência. Propriedades do produto asterisco (a1b2a2b1) A*B= -B*A (anti-simetria) A*A=0 (quadrado igual a zero) A*(B+C)=A*B+A*B (bi-linearidade) (λA)*(B)=(A)*(λB)=λ(A*B) (bilinearidade) |A*B| = ||A|| ||B|| senθ (significado geométrico) Quanto à última das propriedades, afirma que o módulo do determinante ou produto asterisco coincide com o produto dos módulos dos vetores envolvidos vezes o seno do ângulo entre eles. Concluiremos que no cálculo de área que fizemos mais acima, já tínhamos mostrado a quinta propriedade para um caso particular, aquele em que as direções dos vetores envolvidos no produto variavam entre zero e noventa graus e que a direção de B era maior do que a de A. Antes, comentamos que o ângulo que aparece na quinta propriedade é o que chamamos de ângulo entre os vetores A e B. O ângulo entre dois vetores é definido como o menor ângulo entre as representações dos dois vetores quando estas partem de um mesmo ponto inicial. Este é o ângulo que empregamos para escrever a área de um triângulo como metade do produto entre os lados multiplicado pelo seno do ângulo entre eles, em nosso caso estes lados correspondem às representações dos vetores A e B. Notem que o paralelogramo cuja área calculamos mais acima tem o dobro da área do triângulo com lados ||A|| e ||B||. Portanto, ao obter que a área do paralelogramo era dada pelo determinante, obtivemos que a1b2-a2b1 = ||A|| ||B|| senθ. isto é, a quinta propriedade em um caso particular. Entretanto reparem que se trocamos os vetores de ordem o determinante troca de sinal enquanto que a área não. Por conseguinte a prova que fizemos, foi apenas para um caso particular, não vale em geral. Para ver o que dá o determinante em geral, consideraremos as normas e as direções dos vetores A e B. O que faremos é fatorar cada vetor como o produto do seu módulo pelo vetor unitário que indica sua direção, tendo feito isto escrevemos o seu produto asterisco e empregamos a fórmula do seno da diferença. Para tanto sejam α e β as direções dos dois vetores, então, fatorando-os: a1= ||A|| cosα e a2= ||A|| senα, b1= ||B|| cosβ e b2= ||B|| senβ, daí calculamos o determinante diretamente: a1b2 - a2b1 = ||A||cosα ||B||senβ - ||A||senα ||B||cosβ = ||A|| ||B|| sen(β-α), empregamos a fórmula para obter esta expressão, que veremos, implicará na propriedade da quinta linha da tabela. Repare que a diferença β-α entre as direções dos dois vetores está relacionada, mas não é exatamente igual ao ângulo θ entre eles. Temos neste momento duas fórmulas: |A*B| = ||A|| ||B|| senθ (I) A*B = ||A|| ||B|| sen(β-α) (II) a primeira delas foi a afirmada na tabela, queremos prová-la. A segunda delas foi a que obtivemos com a fatoração dos vetores e a aplicação da lei do seno da diferença. A segunda dá o valor exato do produto asterisco com sinal, a primeira delas dá apenas o módulo deste produto. São fórmulas diferentes, θ é o menor ângulo entre os vetores e β - α é a diferença entre a direção do segundo e do primeiro vetores envolvidos no produto. Para mostrar que (II) implica em (I), basta notarmos que temos quatro possibilidades, (i) β > α e β - α <180°, neste caso β - α = θ, a diferença de direções coincide com o menor ângulo, (ii) β > α e β - α >180°, neste caso β - α = 360° - θ, mas ainda assim senθ = |sen(β-α)| e (I) implica em (II), (iii) α > β e α - β <180°, neste caso α - β = θ, portanto senθ = sen(α-β) = |sen(β-α)| e (I) implica em (II), (iv) α > β e α - β >180°, neste caso α - β = 360° - θ, portanto senθ = sen(β-α), terminando a prova. Fica estabelecida a validade em geral da fórmula I, como conseqüência da fórmula II, que havia sido provada com a fatoração dos vetores e a fórmula do seno da diferença. O módulo do produto asterisco, ou do determinante, mede a área do paralelogramo formado por A e B, se ||A|| for considerado o comprimento da base, ||B||senθ corresponde à sua altura, e... ...a1b2 - a2b1 = ||A|| ||B|| senθ mede sua área: ... aliás quem mede a área de paralelogramos também mede a área de triângulos, o triângulo com vértices P=(2,3), Q=(4,5) e R=(3,7) tem sua área igual à metade da área do paralelogramo formado pelos vetores PQ=<2,2> e PR=<1,4>, ou seja, (½) |PQ*PR| = (½) |(2)(4)-(2)(1)| = (½) 6 = 3. Aliás, o produto asterisco a1b2-a2b1=||A||||B||senθ também pode ser um detetor de alinhamentos, o produto apenas se anula se um dos vetores é nulo ou se o ângulo entre eles é 0 ou 180º, casos de alinhamento ou oposição (alinhamento negativo), que são resumidos pelo conceito de proporcionalidade de vetores. Assumindo que o vetor nulo é proporcional a qualquer vetor, a1b2-a2b1=0 se e somente se A e B são proporcionais. Aliás, com o produto asterisco obtemos fórmulas práticas para medir áreas cercadas por poligonais, conta-se a lenda que um fazendeiro percorreu a fronteira poligonal de sua fazenda, o "Rancho Tonyheart", situada lá perto de Paraibuna, acompanhado por seu filho, o engenheiro Bob Golla: (i) andou 44.721 metros a 63,43° a leste do norte, bem marcados por sua bússola americana, (ii) 28.284 metros no rumo noroeste, (iii) 28.284 metros no rumo sudoeste, (iv) 17.321 metros 26,56° a oeste do norte, (v) 28.284 metros no rumo sudoeste, (vi) finalmente 31.623 metros 56,31° a leste do sul, voltando ao seu ponto de partida. Seu filho que o acompanhava de calculadora em punho, fixou um sistema de eixos, com os eixos x e y apontando nas direções oeste-leste e norte-sul como usualmente se faz... e a origem no ponto de partida. Então converteu os deslocamentos para a notação de componentes, ... e a partir do seguinte diagrama, ... empregou o produto asterisco para calcular a área da propriedade, que correspondia à área de quatro triângulos, com lados A1 e A2, A2 e A3, A3 e A4, A4 e A5, onde A1=<i>, A2=A1+<ii>... e assim por diante... deixamos para o leitor o cálculo da área da fazenda. Calculemos, também como exemplo, a área da região delimitada pela poligonal fechada de vértices (0,0), (2,3), (1,5), (-2,4) e (-5,-3). Vamos desenhar a tal poligonal com o programa mathematica, ... e vemos que a região pode ser dividida em três triângulos, cujos lados correspondem aos vetores de posição R1=<2,3> e R2=<1,5>, R2 e R3=<-2,4>, R3 e R4=<-5,-3> , respectivamente. Podemos calcular o produto estrela destes pares de vetores, obter as áreas dos triângulos e somá-las, de novo com o mathematica... levando-nos à área envolvida pela poligonal. Por mais útil que a fórmula (I) nos seja, dá menos informação do que a fórmula (II), notemos que no exercício acima, a direção de R1 é maior do que a de R2, a direção de R2 é maior do que a de R3, a direção de R3 é maior do que a de R4 ...e pela fórmula (I) os três produtos asteriscos calculados são positivos. Isto ocorreu pela forma especial que nossa região tem, pode ser contornada por um movimento cujos vetores de posição tem direção cada vez maior e o ângulo entre dois deles não passa de 180°, mas o que ocorreria se a região tivesse a forma seguinte... ... vemos que ainda assim a área seria à metade da soma dos produtos asteriscos, área = (½) {R1*R2 + R2*R3 + R3*R4} ... o sinal que aparece no segundo produto não nos atrapalha, mas ajuda! O produto asterisco de vetores foi descoberto muito antes das matrizes e determinantes, muito antes da regra de Cramer. Ao que parece, a origem da regra de Cramer está ligada ao produto asterisco. O autor E. Crowe, em "A History of Vector Analysis", hoje reeditado pela editora Dover, comenta que o primeiro aparecimento que conhece da regra de Cramer ocorre num artigo de Cauchy, estudando um sistema de duas equações e duas incógnitas com o emprego do produto de Grassmann, ou asterisco. Notamos que um sistema 2x2 típico, isto é o conjunto das duas equações escalares (1) e (2) abaixo, onde x e y são incógnitas e as outras quantidades algébricas são dadas, a1x + b1y = c1 (1), a2x + b2y = c2 (2), se tomamos A=a1i+a2j, B=b1i+b2j e C=c1i+c2j, o par de equações pode ser escrito como uma única equação vetorial onde x e y são variáveis enquanto os três vetores são dados, x A + y B = C (3), assim o fez Cauchy em seu artigo, estudou a equação (3) vetorialmente, em vez de trabalhar com o conjunto formado pelas equações (1) e (2). Notem que o produto asterisco a1b2 - a2b1 = ||A|| ||B|| senθ entre A e B corresponde ao determinante da matriz restrita de coeficientes do sistema Somente no caso de proporcionalidade entre A e B, ou nulidade de um destes vetores, este determinante dá zero, ou por ter duas linhas (ou colunas) proporcionais, ou por ter uma linha (ou coluna) nula (notem que A e B são colunas da matriz, mas as conclusões que tiramos sobre as linhas, também tiramos sobre as colunas, dadas as duas maneiras possíveis de se definir o produto asterisco). Notem que no caso de uma linha nula o sistema é possível indeterminado, pois temos de fato apenas uma equação. No caso de duas linhas proporcionais temos duas equações redundantes e novamente sistema possível indeterminado ou duas equações que se contradizem e sistema impossível. Então no caso de nulidade do produto asterisco de A e B o sistema é impossível ou possível indeterminado, da equação (3) percebemos a diferença geométrica entre as duas possibilidades, se A e B forem proporcionais e não nulos, o vetor C também tem que ser proporcional a eles para que o sistema seja possível indeterminado. No caso de um dos vetores ser nulo, o vetor C deve ser proporcional ao outro para que o sistema seja possível indeterminado. Quando o produto asterisco não é nulo, repetimos aqui as manipulações de Cauchy que empregam as propriedades do produto asterisco e mostram que então o sistema é possível e determinado, mais do que isto apresentam a solução na forma que hoje chamamos regra de Cramer. Faz-se então o produto asterisco dos dois lados da equação (3) pelo vetor A à esquerda, emprega-se daí as propriedades do produto asterisco listadas na tabela acima para obterse: A*(xA + yB) = A*C portanto x (A*A) + y (A*B) = A*C e como (A*A) = 0, y = (A*C)/(A*B) (4) ...analogamente, fazendo o produto asterisco dos dois lados da equação por B à direita, temos: (xA + yB)*B = C*B portanto x ( A*B) + y (B*B) = C*B e como (B*B) = 0, x = (C*B)/(A*B) (5) notem que as equações (4) e (5) correspondem à regra de Cramer para a solução do sistema quando este é possível e determinado. Este artifício para resolver sistemas 2x2 com o produto asterisco, foi empregado pelo matemático Cauchy quando os vetores começavam a ser descobertos, muito antes das matrizes, dos determinantes e da regra de Cramer serem conhecidos. 13.2 A fórmula clássica com determinantes 3x3 encontradas em textos e apostilas de EM, aplicações. Consideremos um triângulo com vértices P=(xP,yP), Q=(xQ,yQ) e R=(xR,yR), podemos associar dois deslocamentos aos lados deste triângulo, um que leva P em Q, o outro que leva P em R. Tais deslocamentos correspondem à ação dos vetores A=(xQ-xP)i+(yQ-yP)j e B=(xR-xP)i+(yR-yP)j. Notemos então que: e da igualdade entre (1) e (2) temos a opção de calcular um determinante 3x3 a partir das coordenadas dos vértices do triângulo em vez de calcular uma matriz 2x2 a partir das componentes dos vetores naturalmente associados aos lados do mesmo... talvez por referir-se diretamente as coordenadas de vértices, talvez pela sua forma fácil de ser lembrada, é a segunda forma a forma clássica nas apostilas e textos do EM. A desvantagem de apresentá-la isoladamente, sem menção à sua relação com o produto de Grassmann, é a de não ligar esta fórmula com a álgebra vetorial, mas até isto faz sentido, como ressaltamos várias vezes, a Geometria Analítica que se ensina no nosso EM é sem vetores. Certamente, para apresentar-se a versão 2x2, ter-se-ia que introduzir o conceito de vetor, ou ao menos de deslocamento. Nos texto do EM e apostilas dos cursinhos aparece a fórmula A =(½) |D|, para a área do triângulo com vértices P, Q e R, onde D é o determinante: ...fórmula muito útil nos vestibulares como vemos nos exemplos que seguem. A demonstração desta fórmula pode ser feita diretamente, sem falar em vetores, escolhendo bem um triângulo e colocando-o dentro de um retângulo, ...então a área do triângulo é igual à área do retângulo menos as áreas de três triângulos retângulos: A(retângulo) = (xQ - xP) (yR - yP) = xQ yR - xQ yP - xP yR + xP yP, A(ΔP?Q) = (½) (xQ - xP) (yQ - yP) = (½) {xQ yQ - xQ yP - xP yQ + xP yP}, A(ΔQ?R) = (½) (xQ - xR) (yR - yQ) = (½) {xQ yR - xQ yQ - xR yR + xR yQ}, A(ΔR?P) = (½) (xR - xP) (yR - yP) = (½) {xR yR - xR yP - xP yR + xP yP}, ...cancelam-se os fracos e do confronto, algo sobrevive dos fortes, para que obtenhamos: A(ΔPQR) = (½) {(xR yP - xP yR) + (xQ yR - xR yQ) + (xP yQ - xQ yP)}, metade da expansão de Laplace do tal determinante 3x3 na terceira coluna (cheia de uns), e temos uma prova direta de que metade do determinante 3x3 é igual à área do triângulo escolhido. Notem que, analogamente ao caso 2x2, trocando a ordem dos vértices, o determinante pode trocar o sinal, mas a área não. (226, p.72) -CESCEA- A distância do ponto (a,-b) à reta que passa pelos pontos (a,b) e (-a,-b) é: (A) |2ab|/√(a2+b2), (B) |2a|/√(a2+b2), (C) 2√(a2+b2), (D)|a+b|/√(a2+b2), (E) n.r.a. (para escolher). Comentários: Aqui convém fazer alguns comentários. Existe uma fórmula que dá a distância de um ponto P a uma reta que esteja descrita pela sua equação geral, assim uma opção seria escrever a equação geral da reta e depois calcular a distância do ponto à reta pela tal fórmula. Entretanto, se a reta passa por dois pontos de coordenadas conhecidas, Q e R, como neste caso, uma solução rápida é dividir a área do paralelogramo determinado por P, Q e R pelo comprimento do segmento que liga Q e R, O diagrama é auto-explicativo, basta dividirmos a área do paralelogramo pelo comprimento do segmento QR para encontrar a distância procurada, façamos as contas no mathematica, (227, p.73) -GV- A área da figura hachurada no diagrama ao lado vale: (a)4.0, (b)3.5, (c)3.0, (d)5.0, (e)4.5 (múltipla escolha). Podemos efetuar a diferença entre as áreas de dois triângulos, um com vértices (0,1), (4,0) e (4,4), outro com vértices (0,1), (4,0) e (3,2). sendo (e) a opção correta. Terminamos por notar que em vários textos de EM a equação de reta, dados dois pontos, é escrita com o emprego do determinante 3x3, a idéia é a de que se os pontos dados P=(xP,yP), Q=(xQ,yQ) pertencem a tal reta, um terceiro ponto, (x,y), para também pertencer à reta, deve estar alinhado com os dois pontos dados, isto é, o triângulo formado pelos três deve ter área zero, isto é: 12.3 Uma palavrinha sobre a lei dos senos e algumas de suas conseqüências. A lei dos senos admite prova muito simples, seguimos aqui Coxeter em "Elementary Geometry Revisited" onde o grande matemático parte da propriedade de que o ângulo inscrito é metade do circunscrito. Seja dado um triângulo ΔABC, com vértices A, B e C, lados a, b, c e ângulos α, β e γ, ordenados da forma usual. Desenhamos a circunferência circunscrita ao tal triângulo, então desenhamos o diâmetro CJ e a corda JB desta circunferência. Abaixo distinguimos os casos em que α é agudo e obtuso, respectivamente. Aparecem os triângulos auxiliares ΔBJC e ΔCJB, que veremos, são triângulos retângulos. No caso agudo, o ângulo oposto ao lado a do triângulo auxiliar que aparece coincide com o ângulo α, pois estes dois ângulos são ângulos inscritos correspondentes ao mesmo ângulo circunscrito, que é ∠ COB. No caso obtuso, o ângulo φ, oposto ao lado a no triângulo auxiliar, é o suplemento de α, visto que a soma do ângulo circunscrito correspondente a este com o ângulo circunscrito correspondente àquele dá ∠ COB + ∠ BOC = 360°. No caso obtuso temos senφ = senα, dada a igualdade dos senos de ângulos suplementares. Tanto no caso obtuso quanto no caso agudo o triângulo inscrito é um triângulo retângulo, pois o ângulo ∠ JBC é reto, dado que é ângulo inscrito oposto ao diâmetro, associado ao ângulo circuncrito ∠ JOC = 180°. Neste triângulo retângulo a hipotenusa é o diâmetro da circunferência circunscrita enquanto que o lado a é oposto ao ângulo α no caso agudo e oposto ao ângulo φ = 180° - α no obtuso. Estas considerações levam-nos, nos dois casos, a: senα = a / 2R ⇒ a / senα = 2R, onde R é o raio da circunferência circunscrita. Como poderíamos fazer construções análogas para β e γ, temos: (a/senα) = (b/senβ) = (c/senγ) = 2R, a esta Coxeter chama de lei dos senos estendida, que não apenas afirma a igualdade entre os quocientes dos lados por seus ângulos opostos, mas também a igualdade de tais quocientes com o diâmetro da circunferência circunscrita ao triângulo. Reparem que para a lei dos senos não estendida, onde apenas afirmamos que os quocientes dos lados pelos senos dos ângulos opostos são iguais entre si, pode-se fazer uma prova muito mais rápida. Para tanto basta lembrarmos que a área de um triângulo, como comentamos mais acima, pode ser escrita como metade do produto de dois lados pelo seno do ângulo entre eles. Calculando a tal área de três formas diferentes, obtemos a igualdade: (½) ab senγ = (½) bc senα = (½) ca senβ, dividindo estas igualdades por (½)abc temos a identidade entre os três quocientes. A lei dos senos implica na fórmula para o seno da soma e portanto também na fórmula para o seno da diferença (com alguns artifícios, também na fórmula para o cosseno da soma e cosseno da diferença). Para efetuar a prova, basta notarmos que em um triângulo qualquer ΔABC como o acima, vale a relação: a = b cosγ + c cosβ (*) Notem que (*) corresponde a uma soma de projeções quando tanto β quanto γ são agudos, ...porém é uma diferença de projeções quando um destes ângulos é obtuso (notemos, na figura da direita, em que β é obtuso, como a propriedade cos(180°-β) = - cosβ, relação conhecida entre ângulos suplementares, garante (*) mesmo neste caso). Partindo de (*), basta substituirmos nesta fórmula as relações: a = 2R senα, b = 2R senβ, c = 2R senγ, todas decorrentes da lei dos senos, para obter: 2R senα = 2R senβ cosγ + 2R senγ cosβ, dado que α + β + γ = 180°, senα = sen(180°-(β+γ)) = sen(β+ γ) (novamente empregamos a igualdade entre os senos de ângulos suplementares). Substituindo esta relação e cancelando o termo comum 2R na fórmula mais acima obtemos a fórmula para o seno da soma: sen(β+ γ) = senβ cosγ + senγ cosβ. Terminamos por notar que a área de um triângulo pode ser escrita como A=(½)absenγ, empregando a lei dos senos, senγ=c/2R e obtemos que A=abc/4R. A área é metade do quociente entre o produto dos lados e diâmetro da circunferência circunscrita. Também é conhecida a fórmula que dá a área como metade do produto da soma dos lados pelo raio da circunferência inscrita no triângulo, ou como mais se prefere dizer, o produto do semi-perímetro pelo raio da circunferência inscrita, ...para tanto o diagrama acima é auto-explicativo.