1 Esperança no futuro Vol. 68 nº 04 ABRIL 2014 - Entrevista Conjuntura Econômica Kalinka Iaquinto, de Brasília O secretário do Tesouro Nacional está otimista com a situação fiscal do Brasil. E justifica apresentando percentuais. Arno Augustin informa que a dívida liquida do país passou de 60% do PIB, em 2002, para 33,8%, no ano passado; a dos estados saiu de 20% para 10,7%; e a dos municípios caiu de 2,6% para 1,9%. Para ele, 2015 será um ano de bom crescimento para o país, já que a tendência favorável dos indicadores fiscais deve continuar e o efeito da crise internacional provavelmente será menor. “Estamos muito seguros quanto à equação fiscal para 2014”, assegura, pois o conjunto dos benefícios, de incentivos, que a economia precisou em função da crise internacional, foram feitos e, para 2014, não haverá novos de incentivos à economia. E também não deverá haver repasses significativos ao BNDES, assim como capitalização dos bancos públicos. Augustin disse que o Tesouro socorrerá as distribuidoras com R$ 4 bilhões, para suportarem os efeitos da crise energética. Conjuntura Econômica — Quais medidas o Tesouro prevê adotar diante de uma economia bastante enfraquecida? Arno Augustin — Estamos trabalhando com um cenário de melhora da economia. Trabalhamos com uma economia que, no quarto trimestre de 2013, teve um crescimento de 0,7% do PIB, bem acima do esperado por muitos e surpreendeu parte importante dos analistas, num processo em que o crescimento no ano de 2,3% não é o dos nossos sonhos, mas é bem melhor do que o de 2012. Portanto, estamos enxergando um processo de recuperação da economia. Isso fica mais claro se analisarmos os bens de capital. Também eles tiveram um processo de queda, mas estão em recuperação. O nosso cenário é de recuperação da economia e mesmo que não haja uma mudança muito significativa no próximo período, a mudança que já houve em termos de patamares de crescimento ainda vai repercutir positivamente na receita. A receita tem um delay, um tempo entre o período em que a economia se recupera e que ela cresce. Estamos agora justamente no momento em que a receita vai se recuperar em relação ao momento anterior. Além desse fenômeno, temos o fato de que boa parte dos tributos que estavam em demandas judiciais e, portanto, não estavam sendo pagos, foram equacionados no final de 2013 e agora voltam à base das empresas. Então, nossa estimativa é que todos esses fenômenos — mesmo que o crescimento não se altere muito significativamente — levem a uma tendência favorável da arrecadação. Estamos muito seguros quanto à equação fiscal para 2014. O conjunto dos benefícios, de incentivos que a economia precisou em função da crise internacional, em razão desse momento de menor crescimento, já fizemos e estamos, para este ano, com um planejamento de não haver novos processos de incentivos à economia. E tudo isso repercute favoravelmente no fiscal. Como o senhor analisa a visão dos investidores estrangeiros frente a essa postura do governo? Os investidores estrangeiros têm visto o Brasil de forma muito positiva e isso pode ser demonstrado facilmente. O investimento feito por eles cada vez mais ocupa uma parcela maior da dívida interna. Isso significa que estão entrando para investir na nossa dívida e confiam, portanto, nela e também nas nossas emissões externas. Todas elas mostram um elevadíssimo interesse de outro país, nós temos demonstrado isso com demanda bem superior ao que a gente lança de título e, portanto, o desempenho objetivo da nossa dívida mostra que o investidor estrangeiro enxerga o país com fundamentos sólidos. Isso talvez não fique presente para algum analista que não faça a análise numérica, quantitativa, do que está acontecendo com os títulos brasileiros. Mas, quem fizer vai chegar a essa conclusão: os fundamentos se refletem em um mercado que enxerga positivamente isso. Eventualmente algum economista de banco, algum analista do mercado pode dar uma visão menos positiva do país, que a gente respeita, mas no geral é para precificar. É normal no mercado que se você quer posicionar o conjunto do mercado mais a favor desse ou daquele investimento que você seja crítico a isso ou àquilo. No caso do fiscal, infelizmente tem 2 muito disso no processo. Só que o mercado mesmo não enxerga assim, tanto é que os títulos têm bom desempenho e a participação do estrangeiro tem crescido bastante. E quando falamos sobre o corte anunciado recentemente, isso foi positivo? Como o senhor avalia o rebaixamento feito pela S&P? A decisão da agência S&P de alterar a classificação de risco do Brasil é inconsistente com a solidez e os fundamentos do Brasil. O próprio texto da agência distribuído para a imprensa destaca com clareza diversos pontos positivos do Brasil: sua sólida estrutura institucional; as fortalezas do balanço do governo, tanto do lado fiscal quanto do externo, as quais garantem margem de manobra e capacidade para enfrentar choques externos; a composição da dívida, que se mantém sólida, quase totalmente em moeda local e em sua maioria em parcela fixa ou atrelada à inflação; e um nível de endividamento externo líquido gerenciável. Independentemente de quaisquer avaliações, reafirmamos nosso compromisso com o cumprimento da meta de superávit primário de 1,9% do PIB neste ano, com a continuação da consolidação fiscal neste e nos próximos anos, com a prioridade ao investimento e com a promoção do crescimento sustentável de longo prazo. Como avalia as críticas feitas ao que se chamou de “contabilidade criativa”, para o fechamento das contas? É possível fechar as contas sem as receitas não recorrentes como Refis e receitas com concessões? O Brasil aderiu à estatística internacional do Fundo Monetário Internacional (FMI) e ela diz que esses recursos são primários. E nós respeitamos a estatística internacional. Ela é assim desde que se instituiu o primário aqui no Brasil. Desde que nós começamos a série, os critérios são esses. Eles não foram alterados. Então, é muito difícil fazer um debate em que de um lado só há adjetivos, não fatos. Você citou concessões, como se elas não fossem receitas. No caso brasileiro as concessões passaram a ser receitas recorrentes, que existirão todos os anos, essa é a grande diferença das concessões nas receitas. Vou dar dois exemplos: as concessões de aeroportos serão recebidas por 20, 25, 30 anos. Então nós vamos ter R$ 1,5 bilhão a cada ano em função do tipo de concessão que nós fizemos. A Libra teve um valor, digamos assim, in natura, mas a partir daí ele é uma partilha, ou seja, tudo que for explorado vai ser pago ao longo dos próximos anos ao país. Portanto, é a típica concessão que tem recorrência de receita. Eu respeito todas as opiniões, mas seguimos a estatística internacional e vamos continuar seguindo. Não seria correto, só porque alguém gostaria de ter críticas ao governo, que deixássemos de fazer estatística correta só porque com ela o primário é um bom primário. Ou seja, é uma crítica não objetiva, não substantiva, é uma crítica adjetivada. Vou dar alguns outros exemplos: dividendos. O Brasil já teve déficit nas estatais, isso era muito ruim, agora ele tem superávit nas estatais, e isso é muito bom. Mas aí alguém diz que dividendo não deveria ser considerado. Por quê? Sempre foi considerado. A estatística diz que considera, qual é o problema? É uma crítica adjetivada, uma insatisfação porque os resultados são bons. Enquanto adeptos de um processo de debate o mais profundo possível, achamos tudo normal. Agora, não é uma crítica que tenha fundamento algum e, de qualquer forma, nós temos sido conservadores nas projeções dos decretos de programação, exatamente para tirar qualquer tipo de dúvida que esse tipo de ambiente possa gerar. Quando falamos em termos de sustentabilidade do cenário fiscal, há quem diga que temos um problema de estrutura. Como o senhor avalia isso? As principais despesas da União estão sob absoluto controle e em queda. É o caso do pessoal, da conta de juros — que embora não seja primário é uma despesa grande —, e é o caso da Previdência. Ou seja, nós evoluímos muito para termos as principais contas equacionadas. Não temos mais o mesmo tipo de descontrole que havia no passado em algumas áreas. Nosso gasto com pessoal vai de 4,9% do PIB (2002) para 4,3% (2013), o juros da dívida pública cai de 7,7% (2002), 8,5% (2003) do PIB para 4,7%, é a projeção para 2014, ou 5,2%, em 2013. O déficit da Previdência também está em queda. As principais contas da União estão estruturadas de forma positiva e em queda, e isso é um elemento importante de análise fiscal. As receitas de concessões, dividendos, são receitas recorrentes, fazem parte do primário em 2013, farão em 2014, fizeram em 2012, 2011, 2010, não são receitas que ocorrem num ano. Elas ocorrem todos os anos em valores 3 expressivos. Dividendos, por exemplo, mudou completamente o patamar, eles cresceram bastante. Por quê? Porque as empresas da União hoje têm melhor desempenho. Então isso é posicionamento que a gente respeita, mas ele não tem base. Qual é a despesa da União que está crescendo e que vai causar prejuízo fiscal? Qual é o problema na receita que vai causar prejuízo fiscal? Pelo contrário, nós temos tido uma capacidade de aumentar a receita com diminuição de alíquotas e com diminuição de tributos, ou seja, a situação ideal. A situação ideal para um país é ele conseguir arrecadar mais — o que temos feito —, e ao mesmo tempo fazer um programa de desoneração — o que também temos feito. Não é negativo. É evidente que se você está fazendo programas de desoneração, tem espaço para isso. Poderia inclusive reverter as desonerações se fosse necessário, se fosse conveniente do ponto de vista macroeconômico. E de alguma forma nós estamos fazendo em alguns casos pontuais. O mesmo vale para as despesas. As que têm crescido são educação, despesa com características econômicas semelhantes às do investimento. Elas significam melhoria da capacidade de trabalho do país, melhoria da sua força de trabalho, da sua qualidade, da sua qualificação, significa um custo a menos, significa aumento de produtividade, de competitividade. A outra parte das despesas são investimentos. Felizmente isso está ocorrendo, investimentos crescentes e com efeito macroeconômico favorável. E, a partir principalmente deste ano e do ano que vem, nós vamos ter uma participação mais forte dos investimentos e das concessões, que são investimentos que vão ser realizados e sem o custo fiscal de investimentos feitos diretamente pelo Estado. Esse processo de concessão, de portos, de rodovias, de ferrovias, de aeroportos, de petróleo, de energia elétrica, significa uma melhoria importante em termos de capacidade de o país ter investimento, ter mais infraestrutura, sem o impacto fiscal mais pronunciado. Do nosso ponto de vista, a equação de médio e longo prazo está muito bem equacionada. Na minha visão, nós estamos muito mais equilibrados hoje do que estávamos há dez ou oito anos. Não temos riscos futuros? Os “esqueletos” de uma forma geral diminuíram. Tínhamos no passado muitos esqueletos que foram, aos poucos, deixando de existir. Então os riscos a médio prazo são menores. Foi feita uma reestruturação no passado que levou à criação de uma empresa que se chama Empresa Gestora de Ativos (Emgea), que era gerenciadora de ativos na qual a União, na época, 2000, 2001, transferiu para ela um conjunto de ativos do sistema financeiro. E isso tem dado primário negativo todos os anos. Isso está terminando. Aos poucos foi diminuindo. De forma geral, entendo que hoje o Brasil tem bem mais condições de enxergar o futuro com tranquilidade. O senhor falou sobre as desonerações, mas elas cumpriram, de fato, seu objetivo? Ou serviram apenas para segurar os empregos? Não compreendo como é que um país que tem tido esse comportamento de emprego é um país que não atingiu seus objetivos. Nós tivemos em todos esses anos uma queda importante do desemprego. Estamos com o desemprego no Brasil em um nível muito baixo. Historicamente, o mais baixo, e com tendência de queda. Obviamente significa maior formalização do emprego, assim como preservação e contratação. Tudo isso mostra um desempenho favorável em termos de emprego com reflexo favorável na Previdência. Ano passado o déficit da Previdência aumentou um pouco, mas tem razões pontuais, ou seja, o fato de que houve mais demandas judiciais em 2013 e aumento bem menor do salário mínimo para 2014. O efeito da desoneração não é de aumentar o gasto, pois toda desoneração é paga pelo Tesouro. Ela entra na conta de despesas. Toda desoneração é neutra para o déficit da Previdência. Por quê? Porque o que se perde, nós pagamos. Assim foi estruturado o desenho das desonerações. Mas o que falar em termos de resultados de produtividade? A competitividade da economia foi uma das nossas maiores preocupações. Um país que vivia, como os demais, um momento mundial que levou a um aumento muito forte de competição, precisava olhar a competitividade. Nós fizemos isso reposicionando o câmbio, o que no início não é bom, mas no médio e longo prazo é positivo para a economia, e um reposicionamento estratégico de juros, também menores. A taxa média bem menor do que no passado e as 4 desonerações da folha têm alto efeito de melhorar a competitividade, aliás, elas são feitas basicamente para isso. Nosso produto, quando exportado, pagava contribuição sobre folha salarial. Portanto, desonerá-la e substituir por outro tipo de tributação é favorável para o comércio exterior. A desoneração tem um efeito muito positivo. Sei que muita gente é crítica, mas eu sempre acho bom olhar os números. E em relação aos juros? Neste ano já ocorreu certa elevação e há previsão tanto do BC quanto do Fed de nova alta para 2015. Como ficam dívida pública e superávit primário diante desse cenário? O principal efeito dos juros americanos, muito importante para o Brasil, já ocorreu. A mudança de rumos registrada em 2013, do patamar de juros americanos, foi muito forte e toda vez que isso aconteceu em outros momentos da história do país teve enorme repercussão. De agora em diante a gente pode ver algum efeito? Pode, mas bem menor do que já houve. Isso no que concerne aos juros americanos. No que concerne ao Brasil, como disse, reitero, acho que o patamar de juros numa forma geral no Brasil é melhor. Ele tem uma tendência estrutural de queda e é isso que vai acontecer. Nós temos uma dívida liquida em queda, já foi 60% do nosso PIB (2002) e hoje está em 33,8% (2013) e nossa projeção para o ano é de 33,6%. Obviamente a dívida líquida decorre de um determinado primário e de uma previsão de juros. A soma dessas duas coisas mostra uma redução de dívida para o ano que vem de novo. É com esse cenário que estamos trabalhando. E o senhor teria uma ideia de qual seria o primário capaz de estabilizar a relação dívida-PIB? O governo vem trabalhando com a fixação do primário a cada ano. Fixamos 1.9 para 2014 porque achamos que é um bom primário, diminui a dívida e também ancora o conjunto de eventos que precisamos considerar quando fixamos o primário, que é a própria política de crescimento do país. Em 2014, estamos fazendo uma política de não existência de novos estímulos econômicos. Ano que vem eu não sei, vai ser avaliado. Agora, eu percebi na sua pergunta um tom de pessimismo para o ano que vem. É um pessimismo absolutamente injustificado. Ou seja, a inflação está em queda. Mas aí alguém diz, mas no ano que vem vai ser pior. Por que vai ser pior no ano que vem? Nós reposicionamos o câmbio, os juros americanos já subiram, a inflação está em queda, por que vai ser pior? Acho que 2015 vai ter um bom crescimento. Acho que a tendência favorável dos indicadores fiscais vai continuar, o efeito da crise internacional possivelmente será menor, então não vejo porque seria pior. Existe a possibilidade de fechar um primário sem o uso de recursos extraordinários? O primário é feito de acordo com uma regra. A existência de Refis ou de concessões é algo normal. O Refis é uma receita que não entrou nos meses anteriores. Por que não entrou? Porque a empresa optou por não pagar. Por que optou por não pagar? Porque ela tinha, por exemplo, uma demanda judicial. Em 2012, 2013, a arrecadação sofreu com o fato de que havia algumas demandas do Supremo que não foram julgadas, demorou a ficar claro qual era o sentido do julgamento do Supremo, e, quando ficou claro, nós fizemos o Refis e as empresas pagaram. Em 2013, pagaram esses valores no final do ano, qual o problema? Em 2014 tinham de pagar novamente. Então não é uma coisa assim tão fora. Nós até temos algo para atualizar do Refis em 2015 e 2014, talvez se faça isso. E concessões a mesma coisa. Não há a excepcionalidade no sentido negativo, ou seja, de que é uma receita de um ano só. Agora, se alguém faz uma análise e de fato tem algumas receitas em que um ano é maior, noutro é menor, é bom fazer a análise, mas também é bom fazer a análise das despesas. Então, o ano passado o Brasil teve uma seca muito forte no Nordeste, a maior em 100 anos. Ela nos custou muito em termos fiscais. Nós estamos em 2012, 2013 e 2014 de novo, em anos hidrológicos muito ruins, que implicam dados fiscais muito fortes. Supostamente o Brasil não vai ter ano hidrológico ruim para o resto da vida. Especificamente nesse momento, estamos em um ano que tem problemas relevantes e que não tem nenhum motivo para supormos que vão permanecer para sempre. Estamos tranquilos quanto à sustentabilidade da nossa equação fiscal e isso se tem demonstrado. Passa ano, passa ano e a dívida cai. 5 Nos últimos anos houve ampliação dos financiamentos aos estados, mesmo aos que não tinham notas tão boas, e o que se observa é que em vez deles aumentarem investimento, elevaram o gasto público. Como o senhor avalia isso e de que maneira reverter a situação? Teremos a mesma política em 2014? Primeiro um esclarecimento, certamente você está falando de uma mudança que nós fizemos em uma portaria que incluía novos padrões mais rígidos. O que a portaria dizia é que em um determinado patamar podia ser autorizado pelo próprio setor, um vinha para mim e outro para o ministro — ordenamos as alçadas. E o fato de ordenar a alçada, não significa que o estado não tem condição. Nenhum dos projetos que nós mandamos para o Senado é de algum estado que não tivesse boas condições. Inclusive, todos os estados têm uma situação melhor hoje. A dívida dos estados caiu de 20% para 10,7% do PIB. Uma demonstração de melhora significativa da situação fiscal dos estados. A situação fiscal dos municípios é igual. Caiu de 2,6% para 1,9%. Essa melhoria faz com que, por hora, eles tenham condições de tomar novos financiamentos. Isso não é uma má notícia, é uma boa notícia. Eles pagaram suas dívidas e hoje têm condições de pagar seus financiamentos. Boa parte dos financiamentos que a gente manda para o Senado são o que a gente chama de reestruturações, dívidas que o estado tinha com a União e que ele pré-paga e toma no mercado com juros mais baixos. Isso é liberdade, é melhoria, não é mais o poder público federal, a União, não é mais a mãe do país que fica dando empréstimo para eles. Isso faz com que não só a dívida caia, como o perfil dela se altere. Vão para o mercado internacional, organismos multilaterais. É um trabalho de melhoria da situação fiscal. Não é verdade que eles não estão investindo, cresceu o investimento dos estados. Mas o que se observa é que gastos com custeio também cresceram. Não sei que gastos de custeio cresceram, teria que fazer uma análise específica, mas, de forma geral, a situação fiscal nos estados é melhor. Nos municípios também. É normal que, uma vez que eles devam menos, o primário tenda a cair. O resultado do primário é a diferença entre as receitas primárias — não entram as receitas de operação de crédito — e as despesas primárias. Se eles têm que pagar a dívida, eles são obrigados a fazer uma despesa do primário, ou seja, investimentos com pessoal etc. menores. No dia em que eles não tiverem mais dívida nenhuma, o primário deles tende a não existir. Por outro lado, eles aumentaram investimentos. Isso é bom, é importante. A infraestrutura pública do Brasil precisa de mais investimentos. Agora, isso é uma luta permanente. Por exemplo, trabalhamos com dureza as contas de Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), fazemos análises de despesa de pessoal, eles têm que estar em dia com isso para poder tomar empréstimos, é um estímulo para eles estarem em dia. Acho que a gestão da dívida estadual tem permitido uma melhoria da situação fiscal dos estados. É simples, pega estado por estado e você vai ver que todos reduziram sua divida em relação à receita e ao PIB. Por quê? Porque estão pagando a dívida, a arrecadação cresceu, formalizou muito mais o Brasil, a nota fiscal eletrônica, os controles interestaduais da própria União — um ajuda o outro. Fomos gerenciando, não vamos permitir que voltem os títulos. Como era no passado? Os estados e municípios podiam lançar títulos, e isso gerou um endividamento não controlável. Isso foi proibido, proibimos novamente em 2010, por mais dez anos, e vamos manter essa proibição porque achamos importante. O endividamento deles tem de ser com dívidas estruturadas, de longo prazo, só para investimentos, a partir de análises que a gente faz. Há um controle disso e tem que continuar havendo. Não é verdade simplesmente que os estados têm piorado a situação fiscal. O fato deles terem tido um primário um pouco menor é uma tendência. Ano passado ele foi menor, assim como em 2012 porque nós fizemos um programa emergencial de empréstimo para manter investimentos, porque estavam em uma situação de diminuição de receita, e a pior coisa que poderia acontecer para o Brasil era eles pararem aqueles investimentos que estavam em andamento. Muito mais importante para o Brasil é manter a capacidade de retomar rapidamente após a crise e ter infraestrutura pública do que parar tudo. Acostumar um estado a investir não é uma operação simples, leva anos. Então eles retomaram, estão começando a tomar medidas de projetos de prazos mais longos. Para este ano a política em relação aos estados vai ser a mesma? 6 Ano passado a gente praticamente não deu novos limites para os estados e este ano vamos manter. Por que isso? Porque como eu disse, já em 2013, no segundo semestre, e em 2014, estamos achando que não devermos continuar a ter uma política mais forte de estímulo à economia. Não há novas desonerações previstas, assim como não deverá haver espaço de limites novos aos estados ao longo de 2014. Essa é a nossa política. A participação do BNDES tem sido muito grande e consistente nos últimos anos. Como ele deve se comportar no futuro? O BNDES é um banco de repasse de recursos ao sistema financeiro privado com taxas menores, então, o que se chama do valor do BNDES é o valor que eventualmente a União repassa ao banco para que faça políticas. Políticas não necessariamente feitas por ele, uma parte sim, mas a maior pelos bancos privados. O fato de haver um valor expressivo para sustentar investimento, é uma opção que foi feita porque o Brasil precisa melhorar sua taxa de investimento. O programa principal do BNDES se chama Programa de Sustentação do Investimento (PSI), ou seja, para isso há recursos alocados. Mas, agora, assim como nos construímos o PSI, construímos uma série de saídas para que não sofressem os efeitos da crise internacional. Mas achamos que já se chegou num patamar suficiente, não devendo se ampliar. Se houver algum repasse esse ano vai ser menor, mas, de uma forma geral, capitalização dos bancos públicos nós não vamos fazer. O BNDES tem recursos significativos à sua disposição, esperamos que a crise internacional diminua. O Brasil já começou a retomar um pouquinho seu crescimento e, portanto, o remédio já foi aplicado, agora esperamos a melhora do paciente. Não achamos necessário aplicar mais doses nesse momento. O que tinha de ser feito já foi feito e para 2014 não deverá haver repasses significativos do BNDES, não haverá capitalização dos bancos públicos e a própria participação deles nós esperamos que possa diminuir em relação ao primário. Porque ela cresceu quando havia uma retração dos privados. Então a gente não podia deixar a economia descoberta. Isso não está mais acontecendo, então não há motivos para os bancos públicos manterem o ritmo de crescimento que tinham. Aqui não é que seja correto ou incorreto, nesse momento nós não achamos adequado e vamos trabalhar para que essa participação possa ser menor. Secretário, qual o impacto das medidas no setor de energia para as contas públicas? O sistema elétrico brasileiro sofreu com uma seca muito pronunciada e temos um nível de energia hidrelétrica menor nesse momento, e isso tem impacto econômico muito forte. Não achamos que esse impacto pudesse ser colocado exclusivamente no Tesouro e sim distribuir esse momento negativo com todos os atores. O Tesouro vai entrar com uma parte, R$ 4 bilhões, vamos tomar financiamento no mercado para que as distribuidoras possam saldar seus compromissos, porque são muito altos e para os quais não há tarifas nesse momento e para que suportem até a correção da tarifa, que é na sequência, que nós construímos esse empréstimo de R$ 8 bilhões. E, além disso, que é a parte mais importante da nossa ação, vamos eliminar um problema do nosso atual sistema, que é a chamada descontratação involuntária. As distribuidoras e as geradoras participam de um leilão organizado pelo poder público, pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE), em que as distribuidoras dizem quanto é preciso comprar de energia em determinado período, e a geradora diz: “olha eu tenho tanto para oferecer a tal preço”. Faz-se um leilão e a distribuidora então contrata energia. A norma do modelo é contratação. Como houve seca em 2013, no leilão do final do ano passado parte importante da energia não foi contratada. Isso gerou uma anomalia. O que vamos fazer? Um novo leilão por um prazo maior, porque esses leilões são de curto prazo. Ao fazer por um prazo maior, aquela geradora que optou por vender no mercado spot vai vender porque é mais interesse fazer uma venda de cinco ou oito anos por um preço médio do que ter um ano muito bom e depois ter seis ou sete nem tanto. De que maneira o Tesouro pode contribuir direta ou indiretamente para o bom desempenho da economia brasileira? Nosso papel é o de trabalhar para que os fundamentos do país possam continuar a melhorar. Então temos a função de trabalhar para que a União tenha fundamentos de médio e longo prazo sólidos, uma dívida melhor gerenciada, papéis no exterior que melhorem a condição das empresas brasileiras de tomar recursos no exterior, controle das despesas do governo federal, análise dos estados, enfim, fazer toda essa análise fiscal e também a análise das concessões e, com isso, construir uma equação de médio e longo prazo de sustentabilidade fiscal. Trabalhamos para que a 7 curva da dívida líquida/PIB no Brasil continue a cair. Esse é o indicador mais importante e ele está em queda. Agora, isso só continua em queda trabalhando. Despesa pública, por exemplo, todos os anos tem contingenciamento. Se não tiver, a tendência é termos uma despesa pública menos eficiente.