120... 150... 200 km por hora

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ESTADÃO
22/06/2016
120... 150... 200 km por hora
FELIPE SALTO E JOSÉ ROBERTO AFONSO
22 Junho 2016 | 05h 00
Esta antiga música do cantor Roberto Carlos ilustra bem o desafio do ajuste fiscal
que se impõe ao Brasil: ou tiramos o pé do acelerador ou bateremos o carro. A
dívida bruta do País, já elevadíssima para uma economia emergente, é agravada
pelos juros mais altos do mundo. A economia sofre a pior crise desde 1929, por
isso a arrecadação de tributos está no fundo do poço. A tempestade perfeita se
completa com uma crise política sem precedentes.
O governo interino de Michel Temer não se furtou a enfrentar esses problemas e
procurou responder com um “novo regime fiscal”. O seu ponto de partida é uma
proposta de emenda constitucional para limitar o crescimento anual do gasto
primário federal à inflação do ano anterior.
O teto ora proposto é comparado aos limites de velocidade no tráfego, que são
essenciais para disciplinar o trânsito, mas desde que acompanhados de uma série
de outras regras, restrições e multas previstas no Código de Trânsito Brasileiro.
Não basta colocar uma placa na estrada com o limite máximo de velocidade de
120 km/h. É necessário ter fiscalização e previsão e aplicação de sanções que
levem o condutor a agir de maneira responsável. Da mesma forma, construir um
novo regime fiscal exige disciplinar as receitas, as despesas, a dívida pública e o
patrimônio. A recente proposta é como a placa que passará a informar o limite
máximo, mas que, sozinha, será insuficiente para dirimir os enormes equívocos e
excessos cometidos na direção das contas públicas.
A boa notícia é que já tramitam no Congresso Nacional alguns projetos que
ajudariam a formar um bom código fiscal. É o caso daqueles que tratam das
normas gerais de orçamentos e contabilidade pública, da responsabilidade de
empresas estatais, da criação do conselho de gestão fiscal, da responsabilidade
fiscal nos Estados e do controle da dívida federal.
Aliás, fixar limites para a dívida da União é crucial para assegurar sucesso à
limitação do gasto. A experiência internacional mostra que muitos dos países que
adotaram o teto para o gasto também fixaram limite para a dívida. No caso do
Brasil, bastaria aprovar o projeto de resolução nos termos do substitutivo do
senador José Serra, no plenário do Senado, para o limite entrar em vigor. O texto
prevê uma trajetória gradual de redução da dívida em proporção da receita no
prazo de 15 anos.
Alerta. Outro entrave para calibrar de forma adequada a velocidade máxima do
gasto é que pelo menos 14 rubricas da despesa pública estão sujeitas a algum tipo
de indexação ou vinculação. Elas representam R$ 700 bilhões. Não por outro
motivo, o professor Edmar Bacha tem alertado que o teto poderá paralisar o
governo, se não for bem feito. Bacha também tem lembrado, diante de nosso vício
de atentar apenas para o resultado primário (que não considera os juros pagos
pelo setor público), a importância do déficit nominal.
Se o déficit primário federal for de R$ 170 bilhões, até o final do ano, com juros
pagos em torno de R$ 460 bilhões (sendo metade referente aos custos das
operações cambiais e compromissadas do Banco Central), o déficit nominal
poderá chegar a impressionantes R$ 630 bilhões, ou 10,5% do Produto Interno
Bruto (PIB). O superlativo desses números é inversamente proporcional à
qualidade do debate público sobre os efeitos fiscais das políticas do Banco
Central.
O Poder Executivo não pode perder os ventos favoráveis sentidos pelos agentes
econômicos, e para isso precisará criar fatos novos.
Emblemático seria apoiar e aprovar, dentre outras regras, o limite de velocidade
máxima também para a dívida da União. É uma regra que completa e fortalece o
regime de responsabilidade fiscal, enquanto se adota uma estratégia sólida para
superar a depressão econômica, a principal salvação para as contas públicas. Só
crescendo muito, mas muito mesmo, será possível gastar menos, bem menos.
São, respectivamente, economista pela FGV/EESP e coautor do livro ‘Finanças
Públicas: da Contabilidade Criativa ao Resgate da Credibilidade’, a ser publicado
em agosto pela civilização brasileira; e doutor em economia pela Unicamp,
pesquisador do IBRE/FGV e professor do Instituto Brasiliense de Direito Público
(IDP)
http://economia.estadao.com.br/noticias/geral,120-150-200-km-porhora,10000058522
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