1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE ITAPIRA Peças de Informação Autos n°37/08 – Promotoria de Justiça da Cidadania Ação “Civil Pública” 1 EXCELENTÍSSIMA SENHORA DOUTORA JUÍZA DE DIREITO DE UMA DAS VARAS CÍVEIS DA COMARCA DE ITAPIRA, ESTADO DE SÃO PAULO. O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO, por intermédio da Promotoria de Defesa dos Direitos Constitucionais do Cidadão de Itapira, com gabinete sito na praça Coronel Souza Ferreira, s/n°, Centro, edifício do Fórum, município e Comarca de Itapira, Estado de São Paulo, vem, respeitosamente, à presença de Vossa Excelência, com base no art. 129, inciso III, da Constituição da República e art. 5º da Lei nº 7.347/85, propor, pelo rito comum ordinário, a presente AÇÃO CIVIL PÚBLICA, com incluso pedido de liminar antecipatório, contra a PREFEITURA MUNICIPAL DE ITAPIRA, pessoa jurídica de direito público interno, representada pelo Prefeito Municipal Antônio Hélio Nicolai, com domicílio no Paço Municipal situado na rua João de Moraes, nº490, Centro, município de Itapira, Estado de São Paulo, e da FAZENDA DO ESTADO DE SÃO PAULO, pessoa jurídica de direito público interno, com domicílio legal em sua Capital, São Paulo, representado juridicamente, nos termos do art. 12, I do Código de Processo Civil e art. 99, I da Constituição Estadual, pelo Procurador-Geral do Estado, com domicílio na rua José Bonifácio, nº 278, São Paulo/SP, pelas razões de fato e de direito a seguir aduzidas. 1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE ITAPIRA Peças de Informação Autos n°37/08 – Promotoria de Justiça da Cidadania Ação “Civil Pública” 2 DOS FATOS Consta dos documentos anexos que DANIEL FERNANDES APORTA portador da cédula de identidade (RG/SSP-SP) 21.321.653, residente na Avenida Comendador Virgolino de Oliveira, n°11, nesta cidade de Itapira está acometido de grave doença, a saber, transtornos mentais e comportamentais devidos ao uso de cocaína (catalogada na Classificação Internacional de Doenças – CID – 10, pelo código F.14), observado o laudo médico e relatórios de atendimento médico anexos (três laudas), firmados pelo Médico público José Marcelino C. Ceccon (CRM-SP n°123.506-S), do Hospital Municipal de Itapira, na data de hoje. Ainda nos termos dos relatórios médicos antes referidos, o interessado necessita, urgentemente, de internação psiquiátrica, solicitada pelo Médico já nominado, para tratamento de sua moléstia, conforme ficha de solicitação de internação psiquiátrica subscrita pelo facultativo público (uma lauda). O doente pretende submeter-se voluntariamente à internação, apresentando agitação psicomotora, risco de heteroagressividade, quadro delirante ou alucinatório, não estando em contenção física, não usando atendimento extra-hospitalar nem recebendo continência sócio-familiar – ou seja, caso não seja internado, corre risco de vida e de saúde e coloca em risco a vida e a saúde das demais pessoas, especialmente familiares. O usuário é pessoa de poucas posses e não possui condições de custear este tratamento. Conforme termo de declarações anexo, em duas laudas, de seu sogro, sr. Aparecido Rodrigues de Abreu, DANIEL solicitou vaga para internação e tratamento psiquiátrico, mas não a conseguiu. Não lhe foi informada data para disponibilização da vaga. Malgrado DANIEL pretenda se submeter à internação, ele e sua família sofrem com efeitos da grave doença – pois já vendeu a maioria das coisas que possuía em casa, para custear o uso da droga e 1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE ITAPIRA Peças de Informação Autos n°37/08 – Promotoria de Justiça da Cidadania Ação “Civil Pública” 3 tem tamanhos distúrbios que o sr. Aparecido e sua filha não deixam DANIEL ficar em companhia do próprio filho. Não obstante a premente necessidade de DANIEL receber o adequado tratamento médico, o fato é que nem o SUS, através do Estado de São Paulo, nem a Prefeitura Municipal de Itapira, vêm lhe proporcionando o tratamento, incorrendo o interessado em risco de graves prejuízos à saúde e em perigo de vida para si e seus familiares. Isto é comprovado (a omissão estatal na prestação do serviço público) não somente pela declaração do familiar do doente (Aparecido Rodrigues de Abreu), como, igualmente, pelas anexas duas certidões (duas laudas) da Secretaria da Promotoria de Justiça, dando conta da falta de vaga para internação psiquiátrica voluntária do enfermo; assim como dos trâmites excessivamente formais, burocráticos e lentos para a obtenção da vaga desejada. DO DIREITO O Ministério Público tem legitimidade para propor a presente ação, visto tratar-se de direito individual indisponível – direito à saúde e à vida. Ademais, tem legitimidade para zelar pelo respeito dos Poderes Públicos à regularidade do serviço público – dentre quais, o de saúde. Neste sentido, o art. 127, caput, e 129, incs. II e III da Constituição Federal: “Art. 127. O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.” “Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público: 1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE ITAPIRA Peças de Informação Autos n°37/08 – Promotoria de Justiça da Cidadania Ação “Civil Pública” 4 II – zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia; III - promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos; “ A Constituição da República prevê a saúde como direito social básico de todas as pessoas e dever do Estado, garantindo, dessa forma, o acesso universal e igualitário às ações e aos serviços de saúde: “Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.” “Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.” A Lei Orgânica Nacional de Saúde (Lei n°8.080/90), não destoa dos mandamentos constitucionais e estabelece, igualmente, a responsabilidade estatal pela adequada prestação de serviços de saúde às pessoas, nos termos de seu artigo 2°. Em caso análogo, no qual se postulava a concessão gratuita de medicamento pelo Poder Público a paciente portador do vírus HIV, foi estabelecido em julgado do STF, RE(AgRg)271.286-RS, no qual relator o Exmo. Min. CELSO DE MELLO, sobre a concretização do mandamento veiculado no art. 196, acima transcrito: “EMENTA: PACIENTE COM HIV/AIDS FINANCEIROS - DIREITO À VIDA E À - PESSOA DESTITUÍDA DE RECURSOS SAÚDE - FORNECIMENTO GRATUITO DE MEDICAMENTOS - DEVER CONSTITUCIONAL DO PODER PÚBLICO (CF, ARTS. 5º, CAPUT, E 196) - PRECEDENTES (STF) - RECURSOS DE AGRAVO IMPROVIDO. O DIREITO PÚBLICO À SAÚDE REPRESENTA CONSEQUÊNCIA CONSTITUCIONAL INDISSOCIÁ-VEL DO DIREITO À 1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE ITAPIRA Peças de Informação Autos n°37/08 – Promotoria de Justiça da Cidadania Ação “Civil Pública” 5 VIDA. O direito público subjetivo à saúde representa prerrogativa jurídica indisponível assegurada à generalidade das pessoas pela própria Constituição da República (art. 196). Traduz bem jurídico constitucionalmente tutelado, por cuja integridade deve velar, de maneira responsável, o Poder Público, a quem incumbe formular - e implantar - políticas sociais e econômicas idôneas que visem a garantir, aos cidadãos, inclusive àqueles portadores do vírus HIV, o acesso universal e igualitário à assistência farmacêutica e médico-hospitalar. - .......... O Poder Público, qualquer que seja a esfera institucional de sua atuação no plano da organização federativa brasileira, não pode mostrar-se indiferente ao problema da saúde da população, sob pena de incidir, ainda, que por censurável omissão, em grave PROGRAMÁTICA comportamento NÃO PODE inconstitucional. TRANSFORMÁ-LA A EM INTERPRETAÇÃO PROMESSA DA NORMA CONSTITUCIONAL INCONSEQÜENTE. O caráter programático da regra inscrita no art. 196 da Carta Política - que tem por destinatários todos os entes políticos que compõem, no plano institucional, a organização federativa do Estado brasileiro - não pode converter-se em promessa constitucional inconseqüente, sob pena de o Poder Público, fraudando justas expectativas nele depositadas pela coletividade, substituir, de maneira ilegítima, o cumprimento de seu impostergável dever, por um gesto irresponsável de infidelidade governamental ao que determina a própria Lei Fundamental do Estado. DISTRIBUIÇÃO GRATUITA DE MEDICAMENTOS A PESSOAS CARENTES. O reconhecimento judicial da validade jurídica de programas de distribuição gratuita de medicamentos a pessoas carentes, inclusive àquelas portadoras do vírus HIV/AIDS, dá efetividade a preceitos fundamentais da Constituição da República (arts. 5º, caput, e 196) e representa, na concreção de seu alcance, um gosto reverente e solidário de apreço à vida e à saúde das pessoas, especialmente, a não ser a consciência de sua própria humanidade e de sua essencial dignidade. Precedentes do STF.” A Constituição Paulista também reconhece a saúde como direito de todos e obrigação do Estado, garantindo o acesso universal e igualitário às ações e ao serviço de saúde, em todos os níveis (art. 219 e § único). O Código de Saúde do Estado de São Paulo (Lei Complementar Estadual nº 791/95), no que concerne ao tema em pauta, estabelece que: a) o direito à saúde é inerente à pessoa humana, constituindo-se em direito público subjetivo (art. 2º, § 1º); 1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE ITAPIRA Peças de Informação Autos n°37/08 – Promotoria de Justiça da Cidadania Ação “Civil Pública” 6 b) o estado de saúde, expresso em qualidade de vida, pressupõe (i) condições dignas de alimentação e nutrição, assim como o acesso a esses bens; (ii) reconhecimento e salvaguarda dos direitos do indivíduo, como sujeito das ações e dos serviços de assistência em saúde, possibilitando-lhe exigir serviços de qualidade prestados oportunamente e de modo eficaz; (iii) ser tratado por meios adequados e com presteza, correção e respeito (art. 2º, § 3º, I, IV, “a” e “c”); c) no território de nosso Estado, as ações e serviços de saúde implicam co-participação e atuação articulada do Estado e dos Municípios na sua execução e desenvolvimento, constituindo o Sistema Único de Saúde (art. 4º e § 1º; art. 9º, I; art. 11); d) as ações e serviços assistenciais prestados pelo Sistema Único de Saúde são gratuitos, vedada a cobrança, de qualquer tipo de despesa (art. 12, II, “a”); e) compete ao Estado, em caráter complementar, executar ações e serviços de assistência integral à saúde e de alimentação e nutrição (art. 17, I, “a” e “e”); f) compete ao Município executar ações e serviços de assistência integral à saúde e de alimentação e nutrição (art. 18, III, “a” e “e”). Observa-se, portanto, que ao refundar a República do Brasil em 1988, os Constituintes elencaram a cidadania e a dignidade da pessoa humana como fundamentos da democracia a ser instalada (CF, art. 1º). Arrolaram como objetivos fundamentais da nova República: a construção de uma sociedade livre, justa e solidária; a garantia do desenvolvimento nacional; a erradicação da pobreza e da marginalização; a redução das desigualdades sociais e regionais; e, ainda, a promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (CF, art. 3º). 1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE ITAPIRA Peças de Informação Autos n°37/08 – Promotoria de Justiça da Cidadania Ação “Civil Pública” 7 Ora, aqueles que se propõem a cumprir tais objetivos, com tais princípios, devem criar as condições que permitam e favoreçam o desenvolvimento integral da pessoa, portanto, a viabilidade da vida, que implica, dentre outras coisas, a promoção, a defesa e a recuperação da saúde individual e coletiva. Por isso, a saúde ganhou tratamento especial na Constituição, com seção própria e ênfase no acesso universal e igualitário às ações e serviços. A Carta Paulista traduz, para o contexto regional, os direitos estatuídos na Lei Maior e é complementada pelo Código de Saúde do Estado, que expressamente reconhece a saúde como direito público subjetivo. Ressalte-se que as Constituições da República e do Estado e a legislação infraconstitucional dão ênfase à descentralização e municipalização das ações e serviços públicos de saúde, constituindo um sistema único (SUS), com competência definida em lei. Em nosso Estado, compete originariamente à direção municipal do SUS executar ações e serviços de assistência integral à saúde, cabendo à direção estadual atuar em caráter complementar. Ou seja, no caso de não-oferecimento ou oferta irregular desses serviços pelo Município, o Estado deve supri-los. Neste sentido, basta a leitura das normas da Constituição Federal, artigo 198; Lei n°8.080/90, arts. 8°, 15, 16, 17 e 18; que estabelecem a existência de uma rede regionalizada e hierarquizada de atendimento à saúde pelas três esferas de governo do Executivo (União, Estados, Municípios). Como se vê, não se trata de um conjunto de normas programáticas. As Constituições e as leis tratam de assegurar efetividade social ao direito fundamental à saúde, em toda a sua amplitude, reconhecendo-o como direito público subjetivo. 1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE ITAPIRA Peças de Informação Autos n°37/08 – Promotoria de Justiça da Cidadania Ação “Civil Pública” 8 Nem se alegue que a concessão da tutela jurisdicional requerida na presente Ação Civil Pública, consistente na internação psiquiátrica antes especificada implica em indevida intromissão no poder discricionário do administrador. O poder discricionário da Administração não é absoluto, sob conseqüência de conferir ao Administrador, no caso, ao Prefeito ou ao Secretário de Saúde, o poder divino de decidir sobre a vida ou morte do munícipe desprovido de recursos econômicos, através do gratuito serviço de internação psiquiátrica. Hely Lopes Meirelles (in Direito Administrativo Brasileiro, Ed. RT, 16ª ed., 1991), define poder discricionário como o direito concedido à Administração de modo explícito ou implícito, para a prática de atos administrativos com liberdade na escolha de sua conveniência, oportunidade e conteúdo. Mais adiante o nobre jurista adverte que poder discricionário não se confunde com poder arbitrário. Discricionariedade e arbítrio são atitudes inteiramente diversas. Discricionariedade é liberdade de ação administrativa, dentro dos limites permitidos em lei; arbítrio é ação contrária ou excedente da lei. Ato discricionário, quando autorizado pelo direito, é legal e válido; ato arbitrário é sempre ilegítimo e inválido. Óbvio é que o desrespeito pelos requeridos às normas constitucionais federal e estadual, condenando o interessado aos males de sua enfermidade implica em ato administrativo arbitrário, suscetível, pois, de correção pelo Poder Judiciário. Não encontram os requeridos respaldo na simplória alegação de falta de recursos ou de competente dotação orçamentária. Sob o dever de eficiência cravado à Administração pelo art. 37, caput, da Constituição Federal indubitável é que inúmeras outras despesas públicas mereceriam corte, vg, com propaganda oficial, café para repartições 1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE ITAPIRA Peças de Informação Autos n°37/08 – Promotoria de Justiça da Cidadania Ação “Civil Pública” 9 públicas, etc., antes da supressão dos recursos destinados à aquisição do vital medicamento para a interessada. Já restou decidido, inclusive, no Pedido de Suspensão de Segurança nº 702-PR(98/0061247-5), no qual requerente o Estado do Paraná e requerido o Des. Rel. do Mandado de Segurança nº 69.321-8, do TJ do Paraná: “Os obstáculos apontados pelo Estado, a fim de inviabilizar o pleito liminar dos Impetrantes revelamse frágeis: a aquisição de medicamentos essenciais à preservação da vida do enfermo pode ocorrer em regime de urgência; previsão orçamentária geral, para compra de medicamentos destinados à farmácia do SUS certamente há. Caso contrário, ao administrador é lícito remanejar rubricas, prática usual da Administração Pública.” Os instrumentos processuais de defesa jurisdicional desses direitos são encontrados na Constituição (CF, art. 129, II e III) e na legislação ordinária, em especial na Lei da Ação Civil Pública (LACP, arts. 1º, IV) corpo de normas que mantém o espírito emancipador da Constituição da República. Sobreleva-se, nesse passo, o instituto da Ação Civil Pública de tutela dos interesses individuais indisponíveis, coletivos e difusos, para a qual legitima-se o Ministério Público (LACP, art. 5º). No caso presente, trata-se de direito individual indisponível, o direito à saúde, de cuja defesa está legitimado o Ministério Público, a teor do que dispõe o art. 127, in fine, da Constituição de 1988. Analisando questão absolutamente semelhante ao E. Supremo Tribunal Federal decidiu: “Tal como pude enfatizar, em decisão por mim proferida no exercício da Presidência do Supremo Tribunal Federal, em contexto assemelhado ao da presente causa (Pet 1.246-SC), entre proteger a inviolabilidade direito à vida e à saúde que se qualifica como direito subjetivo inalienável assegurado a todos pela própria Constituição da República (art. 5º, “caput” e art. 196) ou fazer prevalecer, contra essa prerrogativa fundamental, um interesse financeiro e secundário do Estado, entendo - uma vez 1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE ITAPIRA Peças de Informação Autos n°37/08 – Promotoria de Justiça da Cidadania Ação “Civil Pública” 10 configurado esse dilema - que razões de ordem ético-jurídica impõem ao julgador uma só e possível opção: aquela que privilegia o respeito indeclinável à vida e à saúde humana, notadamente daqueles, como os ora recorridos, que têm acesso, por força de legislação local, ao programa de distribuição gratuita de medicamentos, instituído em favor de pessoas carentes. Cumpre assinalar, finalmente, que a essencialidade do direito à saúde fez com que o legislador constituinte qualificasse, como prestações de relevância pública, as ações e serviços de saúde (CF, art. 197), em ordem a legitimar a atuação do Ministério Público e do Poder Judiciário naquelas hipóteses em que os órgãos estatais, anomalamente, deixassem de respeitar o mandamento constitucional, frustrando-lhe, arbitrariamente, a eficácia jurídico-social, seja por intolerável omissão, seja por qualquer outra inaceitável modalidade de comportamento governamental desviante.”[1] Apreciando Recursos de Agravo interpostos contra decisões de Juízos da Comarca de Ribeirão Preto, tirados em Ações Civis Públicas promovidas pelo Exmo. Promotor de Justiça daquela comarca, Dr. Sebastião Sérgio da Silveira (suas petições iniciais serviram de modelo para a presente peça inaugural), que questionavam a concessão de liminar, o E. Tribunal de Justiça de São Paulo rechaçou as preliminares levantadas pela Fazenda do Estado, asseverando: “Medicamentos para o tratamento de portador de hepatite “C” – O reexame necessário da sentença que condena a Fazenda Pública, não impede sua sujeição a antecipação de tutela, decisão interlocutória de caráter provisório – a proteção da vida humana prevalece sobre a necessidade de se evitar a irreversibilidade do provimento – O Judiciário não invade a esfera de outro poder, quando apenas determina que o Executivo cumpra sua obrigação legal e constitucional – Não se declara nulidade processual quando a repetição do ato se tornou desnecessária.”[2] “Estando provado nos autos que o autor está necessitando de certa medicação, por expressa indicação do profissional competente, o Estado por qualquer de seus entes políticos, seja a União, o Estado-Membro ou Município está obrigado a fornece-lo, pena de vulneração do mais importante dos direitos garantidos constitucionalmente. Afinal, se a vida perece de que adiantará aos cidadãos outros direitos. O Estado de São Paulo não compreendeu bem, o que profundamente lamentável, que o que está em causa é o direito à vida, bem supremo, que é tutelado constitucionalmente. Não é hora de buscar em certa retórica vazia do direito, uma maneira de subtrair-se à imposição constitucional. Se o 1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE ITAPIRA Peças de Informação Autos n°37/08 – Promotoria de Justiça da Cidadania Ação “Civil Pública” 11 Estado não atingiu, ainda o grau ético necessário a compreender essa questão, deve ser compelido pelo Poder Judiciário, guardião da Constituição, a faze-lo.”[3] ”Ação Civil Pública – Liminar – Ajuizamento pelo Ministério Público em face da Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto e do Governo do Estado visando a imposição de obrigação de fazer consistente fornecimento de medicamentos, sob pena de multa diária – Concessão com base no art. 12 da Lei 7.347/87 – Pressupostos legais – Recurso desprovido.”[4] Uma vez, portanto, que a PREFEITURA MUNICIPAL DE ITAPIRA e o GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO, por intermédio dos respectivos serviços de saúde, ao não oferecerem eficiente e gratuitamente necessária internação psiquiátrica ao doente, descumprindo assim a Constituição Federal e legislação infraconstitucional pertinente e ofendendo direito individual indisponível, devem ser compelidos judicialmente a proceder ao fornecimento dos remédios necessários ao tratamento do paciente. DOS PEDIDOS LIMINARES ANTECIPATÓRIOS Justifica-se a concessão de medida liminar, independentemente de justificação, como autoriza o artigo 12 da Lei nº 7347/85 e, para impor/ordenar aos réus: 1. O cumprimento da obrigação de fazer consistente NA imediata INTERNAÇÃO PSIQUIÁTRICA DO DOENTE INTERESSADO (Daniel Fernandes Aporta), EM VINTE E QUATRO HORAS E pelo prazo necessário, a critério médico, sob pena de pagamento de multa diária de R$ 500,00 (quinhentos reais), a ser revertido para fundo previsto pelo art. 13, da Lei nº 7.347/85; e eventual crime de desobediência e ato de improbidade administrativa; A plausibilidade do direito ameaçado de lesão — fumus boni iuris — está demonstrada pelo reconhecimento do direito à saúde como direito 1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE ITAPIRA Peças de Informação Autos n°37/08 – Promotoria de Justiça da Cidadania Ação “Civil Pública” 12 público subjetivo de todos, bem assim pelos laudos médicos que acompanham a inicial e prova oral e documental (certidões) de omissão em serviço público; e o periculum in mora manifesta-se na necessidade de se controlar, urgentemente, o grave quadro de saúde sofrido pelo interessado, que poderá se agravar ainda mais caso não receba o tratamento indicado. DOS PEDIDOS PRINCIPAIS Diante de todo o exposto e do constante da documentação inclusa, que desta petição faz parte integrante, propõe o MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO a presente ação, para que o MUNICÍPIO DE ITAPIRA e o ESTADO DE SÃO PAULO sejam condenados: a) a adotar, em definitivo, o procedimento cuja imposição foi objeto de pedido liminar antecipatório – proceder à internação psiquiátrica do paciente indicado, em vinte e quatro horas e enquanto persistir a necessidade médica, sob pena de responder por multa diária nos moldes já referidos e de crime de desobediência e ato de improbidade administrativa; b) pagar as custas processuais. Posto isso, requer o autor a citação dos réus, nas pessoas do Prefeito Municipal e do Procurador-Geral do Estado, para querendo, contestarem a presente Ação Civil Pública, sob pena de revelia e confissão. Protesta por todos os meios de prova admitidos em direito, em especial juntadas de novos documentos e perícia. 1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE ITAPIRA Peças de Informação Autos n°37/08 – Promotoria de Justiça da Cidadania Ação “Civil Pública” 13 Dá-se a causa o valor de R$ 1.000,00. Itapira, 16 de setembro de 2008. ALEXANDRE DE PALMA NETO Promotor de Justiça -------------------------------------------------------------------------------[1] RE 267.612-RS, Rel. Min. Celso Mello, publicado no DJU 23.8.2000. [2] T.J.S.P., A.I. nº 174.300-5/3-00-Ribeirão Preto, 8ª Cam. Cível, rel. Des. Teresa Ramos Marques, j. 16.08.200. [3] T.J.S.P., A.I. nº 170.097-5/6-00 – Ribeirão Preto, 3ª de Direito Público, Rel. Des. Magalhães Coelho, j. 26.09.2000. [4] T.J.S.P., A.I. nº 160.733-5/1-00, 2ª Vara de Ribeirão Preto, Rel. Des. Paulo Travain.