CAPÍTULO 21 CONTROLE PELO GRUPO O indivíduo está sujeito a um controle mais poderoso quando duas ou mais pessoas manipulam variáveis que têm um efeito comum sobre seu comportamento. Isso acontece quando duas ou mais pessoas se pro põem a controlá-lo do mesmo modo. Geralmente a condição fica satisfeita quando os membros de um grupo competem por recursos limi tados. Um sistema social, no sentido do capítulo XIX, então se estabele ce, no qual o reforço positivo de um é negativo para outro. Na expres são “os despojos de guerra” o reforço do conquistador é designado pelo efeito aversivo sobre o conquistado. A criança que toma um brinquedo de outra é assim reforçada, mas a perda do brinquedo é aversiva para a outra criança, O pretendente bem-sucedido inevitavelmente cria uma condição aversiva para os outros pretendentes. Desde que um indivíduo possa afetar todos os membros do grupo desse modo, o contracontrole do grupo poderá ser empreendido em conjunto. Todos os outros membros vêm a se constituir naquilo que podemos designar de grupo controlador. O grupo age como uma unida de na medida em que seus membros são afetados do mesmo modo pelo indivíduo. Não precisa ser altamente organizado, mas geralmente algu ma organização se desenvolve. Os procedimentos controladores adqui rem certa uniformidade advinda das forças coesivas que levam o indiví duo a tomar parte na ação do grupo (capítulo XIX) e de seu modo de transmissão de uma geração para outra. A principal técnica empregada no controle do indivíduo por qual quer grupo de pessoas que viveram juntas por um período de tempo suficiente, é a seguinte: O comportamento do indivíduo é classificado como “bom” ou “mau”, ou, com o mesmo efeito, “certo” ou “errado” e reforçado ou punido de acordo com isso. Não precisamos procurar muito por uma definição desses termos controversos. Geralmente se denomina o comportamento de um indivíduo bom ou certo na medida em que reforça outros membros do grupo, e mau ou errado na medida em que é aversivo. Os procedimentos reais do grupo podem não ser completamente consistentes com essas definições. A classificação inicial pode ter sido acidental: um aspecto conspícuo do comportamento que se relacionava apenas adventiciamente com eventos reforçadores ou aversivos veio a ser classificado com bom ou mau de acordo com isso. Nossa definição se aplica literalmente à origem de um procedimento supersticioso como esse, mas não tem nenhum efeito presente Uma classificação do comportamento pode continuar válida muito tempo depois de ter sido ultrapassada: muitas vezes o comportamento conti nua a ser rotulado como bom ou mau embora, através de alguma mu dança nas condições, já não seja mais reforçador ou aversivo. A classificação também pode ser deficiente por causa de falha na estrutura do grupo. Todos os membros podem não participar da mesma medida. Como um ato pode ter diferentes efeitos sobre diferentes mem bros, alguns destes podem, por isso, classificá-lo como bom e outros como mau, subdivisões do grupo podem entrar em conflito na direção de seu controle. Por exemplo, o uso da força física é geralmente aversi vo para os outros e por isso denominado mau, mas pode ser classificado como bom por aqueles que exibem comportamento semelhante no con trole de uma terceira facção; seja de dentro ou de fora do grupo. O comportamento que é imediatamente reforçador pode ter um efeito aversivo a longo prazo. O comportamento de sedução ou de exercer “influência indevida”, muitas vezes é eficiente através do reforço positi vo, mas as conseqüências finais podem levar a vítima, bem como outros, a classificá-lo como mau. O grupo como um todo raramente redige uma classificação formal do comportamento como bom ou mau. Inferimos a classificação de nossa observação dos procedimentos controladores. Uma espécie de classificação informal ocorre, entretanto, quando os próprios termos vêm a ser usados no reforço. Talvez os reforçadores generalizados mais comuns sejam os estímulos verbais “Bom”, “Certo”, “Mau” e “Erra do”. São usados, juntamente com reforçadores condicionados e incon dicionados como elogios, agradecimentos, carinhos, gratificações, favores, ameaças, repreensões, censuras e críticas, para modelar o comportamento do indivíduo. Os procedimentos controladores vigentes geralmente são óbvios. O bom comportamento é. reforçado, e o mau punido. A estimulação aversiva condicionada gerada pelo mau comportamento como resultado da punição se associa com um padrão emocional comumente denomina do “vergonha”. O indivíduo responde a isso quando “sente-se envergo nhado dele mesmo Parte do que sente são respostas de glandulas e muscu los lisos registradas pelo denominado detector de mentiras (capi tulo X). A importância desse instrumento na detecção da mentira base ia-se no fato de que mentir é freqüentemente punido. Outra parte da 4 reação de vergonha é uma mudança marcante nas disposições normais o ofensor social age de uma maneira envergonhada. Qualquer dessas 310 O comportamento de pessoas em grupo condições emocionais pode ser direta ou indiretamente aversiva, caso em que se combinam com outra estimulação aversiva condicionada no fornecimento de reforço para o comportamento que substitui ou de algum modo reduz a probabilidade da resposta punida. O melhor exem plo desse comportamento é o autocontrole. O grupo também reforça diretamente a prática do autocontrOle. POR QUE O GRUPO EXERCE CONTROLE Ao explicar qualquer exemplo dado de controle de grupo temos que mostrar como o comportamento do controlador interage com o do controlado em um sistema social. Também devemos mostrar que ambos são adequadamente explicados por variáveis especificadas. Em um dado exemplo, o bom comportamento por parte de A pode ser positivamente reforçado por B, porque gera uma disposição emocional em B para “fazer bem” a A. Essa explicação não é muito satisfatória porque sim plesmente recorre a uma tendência permanente de fazer bem. Mas pare ce claro, simplesmente como matéria de observação, que o comporta mento de favorecer outros se modifica por circunstâncias emocionais apropriadas e que o bom comportamento da parte de outro é um caso em pauta. A mãe reforça o filho com uma demonstração de afeição quando o comportamento da criança é especialmente bom ou certo. Outra possibilidade é que o grupo retorce apropriadamente o bom comportamento porque assim aumenta a probabilidade de comporta mento semelhante no futuro. A gratificação pode ser dada para garantir um serviço semelhante no futuro; assim não tem nada a ver com a gratidão enquanto há disposição emocional para favorecer outros. A comunidade também ensina a cada membro a agradecer ou elogiar o indivíduo que se comporta bem e a fazer isso mesmo quando o próprio membro não for diretamente afetado. Um ato de hero(smo é aclamado por muitas pessoas que não foram, no caso, reforçadas positivamente. O procedimento educacional gera bom comportamento no indivíduo asse gurando o comportamento reforçador apropriado por parte do grupo. As disposições emocionais que levam os membros de um grupo a punir o mau comportamento, infelizmente, são mais óbvias. Qualquer um que prejudique outros, priveos de propriedade, ou interfira no seu comportamento, gera uma elevada inclinação para o contra-ataque. No vamente, esta afirmação é meramente um apelo a um aumento observa do na tendência dos indivíduos para agir agressivamente sob certas circunstâncias, mas há variáveis fora do campo da emoção que funcio Controle pelo grupo 311 nam na mesma direção. Se a agressão de A é momentaneamente reduzi da pela contraagressão de 8 (vimos, é claro, que o efeito a longo prazo é diferente), B será reforçado. O comportamento de B ao punir A pode então ser devido simplesmente ao reforço operante. Alega-se às vezes que uma disposição emocional para contra-atacar é a variável básica — que sempre “batemos numa criança quando temos raiva”, e que qual quer interpretação do comportamento como “intelectual” é uma mera racionalização (capítulo XVIII). Mas o procedimento poderia se origi nar na ausência de uma variável emocional; pode-se punir um compor tamento indesejável simplesmente reduzindo a probabilidade de que volte a ocorrer. As agências educacionais também encorajam o uso da punição para controlar o mau comportamento, e geram uma tendência para exercer o controle mesmo que o próprio indivíduo não esteja en volvido no momento. A agência pode funcionar através de variáveis emocionais — por exemplo, gerando ressentimento ou indignação com respeito a desonestidade, roubo, ou assassínio — ou através do reforço operante apelando para as conseqüências. O EFEITO DO CONTROLE DO GRUPO O controle exercido pelo grupo funciona para desvantagem, pelo menos temporária, do indivíduo. O homem que foi positivamente refor çado por dar suas posses e serviços a outros pode achar-se inteiramente espoliado. O grupo gerou um comportamento que, embora receba reforço positivo de acordo com o bom comportamento, também cria condições fortemente aversivas para o indivíduo. Entre as formas de bom comportamento reforçadas pela comunidade estão procedimentos de autoconti-ole nos quais o comportamento que poderia resultar em um reforço extensivo é enfraquecido. Que o indivíduo sofra quando o mau comportamento for punido é mais que óbvio. A própria punição é aversiva, e o comportamento que funciona com vantagem para o indi víduo às custas de outros é, pelo menos temporariamente, suprimido. A punição também é a principal variável responsável pelo comportamento de autocontrole, o qual, como vimos, também reduz o reforço primário. Em resumo, o efeito do controle do grupo entra em conflitos com o forte comportamento primariamente reforçado do indivíduo. Restrin giu-se o comportamento egoísta, e o altruísmo é encorajado. Mas o indi víduo lucra com esses procedimentos porque é parte do grupo controla dor com respeito a cada outro indivíduo. Pode estar sujeito ao controle, mas se empenha em procedimentos semelhantes no controle do com312 O comportamento de pessoas em grupo Controle pelo grupo portamento de outros. Esse sistema pode alcançar um “estado estável” no qual as vantagens e desvantagens do indivíduo chegam a um ponto de equilíbrio. Nesse estado um controle razoável sobre o comporta mento egoísta fica contrabalançado pelas vantagens que obtém como membro do grupo que controla o mesmo comportamento egoísta de outros. É claro, o poder do grupo é enorme. Mesmo o tirano político, o pai despótico, o líder em um bando de crianças, ou qualquer outro indivíduo excepcionalmente forte geralmente acaba por se sujeitar ao grupo como um todo, O de menor talento pode ser inteiramente traga do por ele. Ao discutir a Psicoterapia no capítulo XXIV consideraremos algumas das conseqüências do controle excessivo. Felizmente, o grupo raras vezes age eficientemente o bastante para levar sua vantagem ao limite. O poder total provavelmente nunca é sentido. As classificações do comportamento como “bom”, “mau”, “certo” ou “errado” rara mente são muito nítidas. E não são apoiadas consistentemente por todos os membros do grupo. Certas subdivisões organizadas do grupo, entretanto, podem fazer melhor uso de seu poder, como veremos na quinta seção. JUSTIFICAÇÃO PARA O CONTROLE DO GRUPO Certas questões familiares no campo da ética podem ter ocorrido ao leitor, O que se quer significar com o bem? Como será possível encorajar as pessoas a praticar uma “vida justa”? E assim por diante. Nossa explicação não responde a questões como essa no espírito em que geralmente elas são feitas. Dentro do esquema de referência de uma ciência natural certos tipos de comportamentos são observados quando as pessoas vivem juntas em grupos — tipos de comportamento que são dirigidos para o controle do indivíduo e que operam com vantagem para outros membros do grupo. Definimos “bom” e “mau”, ou “certo” e “errado”, com respeito a um dado conjunto de procedimentos. Explica mos os procedimentos notando os efeitos que têm sobre o indivíduo e de volta sobre os membros do grupo, de acordo com os processos bási cos do comportamento. Geralmente a ética se preocupa em justificar os procedimentos controladores em vez de meramente descrevê-los. Porque um determi nado tipo de comportamento é classificado como bom ou mau? Algu mas vezes se respondeu a questão asseverando que “bom” e “mau” foram definidos por entidades sobrenaturais. Embora uma ciência do comportamento pudesse ajudar no planejamento de procedimentos educacionais que encorajassem as pessoas a serem boas e que as dissua diriam de serem más de acordo com uma dada autoridade, dificilmente pode impingir a validade de uma definição como essa. Quando puder ser demonstrado que uma classificação leva a resultados que são positiva mente reforçadores para o indivíduo que revela a palavra da autoridade, outro tipo de explicação estará disponível. Essa explicação não precisa questionar o efeito final, possivelmente benéfico, de uma classificação. Tentativas têm sido feitas a fim de evitar o recurso à autoridade, para se achar outras bases para uma definição. Alegou-se que uma determinada forma de comportamento individual, ou o procedimento controlador que o produz, deve ser recomendado se for possível de monstrar que trabalha para o “maior bem do maior número”, que aumenta “a soma total da felicidade humana”, que mantém o “equilí brio” do grupo, etc. Entretanto, o problema original permanece porque temos ainda que justificar o critério. Por que escolhemos o bem maior ou a soma total da felicidade humana, ou o equilíbrio, como base para uma definição? Uma ciência do comportamento poderia ser capaz de especificar o comportamento que traria a felicidade, mas a questão continua; a questão agora é saber se a ciência pode decidir se a felicida de é o “melhor” no sentido ético. Aqui novamente podemos ser capazes de mostrar que os procedimentos que se justificam em termos de felicidade têm conseqüências que são reforçadoras para os proponentes dessa justificação. É sua felicidade que é primariamente afetada. Mas isso também é irrelevante para o efeito final da classificação. Critérios como “o bem maior para o maior número” representam um tipo de explicação, baseada no princípio dos máximos e dos míni mos, que muitas vezes mostrou-se útil nas ciências físicas. No campo do comportamento, contudo, a definição do que está sendo elevado ao máximo ou diminuído ao mínimo não é satisfatória — como podería mos suspeitar da enorme quantidade de discussão que expressões como “o bem maior” tem provocado. Mesmo que esses conceitos pudessem ser definidos, o procedimento de caracterizar um procedimento contro lador como preocupado com o máximo ou mínimo de uma entidade, é muito diferente de uma ánalise em termos das variáveis relevantes. Não é impossível que os dois possam ser demonstrados como compatíveis se as dimensões físicas puderem ser atribuídas à coisa elevada ao máximo, mas isso não tem sido feito no estudo tradicional da etica O programa de uma ánalise funcional do comportamento oferece um curso de ação no qual o problema da definição dessas entidades pode ser evitado. 314 O comportamento de pessoas em grupo Obviamente, um importante aspecto de qualquer grupo é a medida em que exerce controle sobre cada um de seus membros. Retornaremos na sexta seção à questão de se uma ciência do comportamento humano provê uma base para determinar o meio mais expediente para esse con trole. Este problema é independente de uma ánalise dos procedimentos contrôladores vigentes.