Caso Clínico: Pericardite Aguda na criança Apresentação:Bruno Augusto A. Martins Coordenação: Sueli R. Falcão www.paulomargotto.com.br Brasília, 14/6/2011 Identificação: 7 anos, masculino, pardo, natural de Bom Jesus da Lapa-BA, procedente da zona rural de Gameleira-BA. Queixa principal: “dor no peito” há 10 dias. HDA: pai informa que criança iniciou há 10 dias com quadro de dor torácica moderada, em pontada, constante, sem relação com alimentação ou esforços, sem fator de melhora, que irradiava para região epigástrica. Como sintomas associados, cita febre constante (39-40°C), calafrios, e tosse produtiva intermitente, sem expectoração. HDA Procurou atendimento no Hospital de Sítio da Mata-BA. Após o 2° dia de internação, em uso de Buscopan®, iniciou dor na perna esquerda, de forte intensidade, associada a edema ascendente, hiperemia e aumento de temperatura local. Recebeu alta hospitalar, sendo prescrito analgésico. Após 2 dias, com a persistência do quadro, procurou atendimento na UPA local, apresentando taquidispnéia. Realizou radiografia da perna, que evidenciou "alteração", sendo transferido para o HRS. Criança foi transferida para a UTI do HRAS no mesmo dia. Antecedentes pessoais: Nascido de parto normal, sem intercorrências, a termo, peso ao nascer de 4800g. Desenvolvimento neuropsicomotor adequado. Teve pneumonia aos 3 meses de idade. Tem traço falciforme. Nega alergias medicamentosas, traumas. Hábitos de vida: Reside em zona rural, casa de alvenaria de 13 cômodos. Refere banhos esporádicos em represa. Exame físico REG, glasgow 15, acianótico, hidratado, taquipnéica, afebril, em uso de O2 sob cateter nasal 3l.min. PA: 111X65 mmHg. AR: diminuição do MV em hemitórax esquerdo. ACV: RCR, 2 T, BNF, sem sopros. FC: 132 bpm. ABD: normotenso. MIE: edemaciado, doloroso, com flogose. Pulsos palpáveis. Boa perfusão. Paciente admitido na UTI do HRAS com diagnóstico de pneumonia, em uso de ceftriaxona e oxacilina. Durante passagem no HRS, recebeu transfusão de 1 bolsa de concentrado de hemácias. Também foi diagnosticado trombose de veia poplítea esquerda, detectada através de ecodoppler. Instituída terapêutica com enoxaparina 2,1 mg/kg/dia. Segundo contato do HRS, apresentava-se com leucocitose de 32.000/mm³, uréia: 23 mg/dl e creatinina: 0,4 mg/dl. 3ºDIH Paciente persiste com picos febris, porém apresenta-se estável hemodinamicamente, sem uso de drogas vasoativas. REG, normocorado, hidratado, reativo, ativo. SAT: 99% ,PA: 82x53 mmHg. AR: MVF diminuído à esquerda, com creptos no hemitórax direito. Presença de tiragem de fúrcula e subcostal. ACV: RCR, 2T, bulhas hipofonéticas, sem sopros. FC: 131 bpm. Turgência jugular à 45°. Presença de pulso paradoxal. ABD: plano, tenso, edemaciado, doloroso à palpação profunda. Borda inferior hepática a 3 cm de RCD. EXT: perfusão de 2 seg, edema no membro inferior esquerdo, abdome e bolsa escrotal. Radiografia de tórax ECG 3ºDIH Ecocardiograma evidenciou derrame pericárdico de grau acentuado, hiperrefringente sugestivo de conteúdo sanguinolento ou fibrinóide, com sinais de restrição ao enchimento ventricular e pulso paradoxal. 4ºDIH Paciente submetido a pericardiotomia, com saída de aproximadamente 300 ml de secreção piossanguinolenta, sendo colocado dreno pericárdico em selo d’água. 4ºDIH Hb 10,6 Ht 31,9 Leuco 32.400 Neut 82% Seg 76% Bast 3% Prom 0 Miel 2% Meta 1% EOS 0 MONO 0 BAS 6% LIN 12% PLT 434.000 7º DIH 9º DIH Drenado abscesso em panturrilha esquerda. 12º DIH Cultura de líquido pericárdico: Staphylococcus aureus sensível à oxacilina. Ecocardiograma: presença de derrame pericárdico com lâmina maior na região posterior medindo 16mm. Observa-se presença de fibrina. Não há sinais de tamponamento. 14º DIH Paciente transferido para a enfermaria, em bom estado geral, com dreno de pericárdio pérvio, drenando secreção seropurulenta. Em uso de de oxacilina (D14/D28) e enoxaparina 40 mg/dia. 18º DIH Ferida em membro inferior esquerdo drenando pequena quantidade de secreção purulenta. Radiografia de perna esquerda revela discretas áreas radiotransparentes na metáfise distal da tíbia esquerda. 20º DIH FE 81%. Câmaras cardíacas normais, valvas normais , função dos ventrículos normal, espessamento pericárdico com mínimo derrame posterior. Não há sinais de restrição diastólica dos ventrículos no momento. Paciente perdeu o dreno pericárdico. 24ºDIH 09:19- criança evolui com quadro de dor abdominal. Ao exame: BEG, hipocorado (+/4+), hidratado, acianótico, anictérico, taquidispnéico, ativo e reativo. Edema bipalpebral. TAX:37ºC. PA:90X50 mmHg. ACV: RCR, 2T, bulhas hipofonéticas, sem sopros. Turgência jugular discreta. FC: 144 bpm. AR: MVF bilateral, sem ruídos adventícios. Tiragem subcostal e de fúrcula. FR:50irpm. Abdome: semigloboso, normotenso, fígado a 6 cm do RCD e a 8cm do AX, doloroso à palpação, rombo. RHA presentes e normoativos. Extremidades: bem perfundidas. Sem edemas. Pulsos palpáveis e simétricos. 24º DIH 10:11- realizado ecocardiograma que revelou derrame pericárdico volumoso, anterior e posterior, com bastante fibrina, com restrição diastólica e hipertrofia de VD. 20:18- realizada pericardiocentese com saída de volumosa secreção sanguinolenta. Paciente evolui com instabilidade hemodinâmica, apresentando-se sob VM. 23:40- paciente vai à óbito. Pericardite aguda na criança Anatomia Mediastino médio Saco fibrosseroso de parede dupla Fibroso Seroso Cavidade do pericárdio 10-15 ml na criança Funções Classificação das pericardites Aguda (<6 semanas) Efusiva Fibrinosa Subaguda (6 semanas a 6 meses) Crônica ( >6 meses) Efusiva Aderente Efusiva-aderente Constritiva Goyle KK, Walling AD. Diagnosing pericarditis. Am Fam Physician. 2002 Nov 1;66(9):1695-70 Fisiopatologia 1. Vasodilatação local 2. Aumento da permeabilidade vascular 3. Exsudação leucocitária Serosa Serofibrinosa Hemorrágica Purulenta Classificação etiológica Idiopática (benigna) Infecciosa Viral: Coxsackie, ECHO, influenza, EPB, parotidite, varicela-zoster, CMV Bacteriana: estafilococo, pneumococo, estreptococo, H. influenzae, meningo, TB, gram-negativos, anaeróbios. Fúngica: histoplasma, Blastomyces, Nocardia, Aspergillus, Candida. Parasitária: Toxoplasma, Tripanosoma, Echinococcus. Doenças do tecido conectivo Febre reumática, AIJ, LES, esclerose sistêmica, sarcoidose. Metabólico-endócrino Cardiologia em pediatria: temas fundamentais. Ebaid, Munir; Atik, Edmar; Ikari, NM; Afiune, JY. São Paulo: Roca, 2000 (Série Incor) Classificação etiológica Secundária a neoplasias Estados de hipersensibilidade: síndrome pós-pericardiotomia. Secundária a agentes físicos Secundária a agentes químicos Procainamida, hidralazina, fenilbutazona, isoniazida, quimioterápicos. Outros Dissecção de aorta, febre familiar do Mediterrâneo, talassemia, SIDA, doença de Kawasaki. Cardiologia em pediatria: temas fundamentais. Ebaid, Munir; Atik, Edmar; Ikari, NM; Afiune, JY. São Paulo: Roca, 2000 (Série Incor) Quadro clínico Dependerá: 1. Da etiologia; 2. Da quantidade e velocidade de acúmulo de líquido no saco pericárdico; 3. Da presença de espessamento pericárdico ou de aderências; 4. Da presença ou não de afecção cardiovascular associada. Quadro clínico Precordialgia Dor em pontada que piora em decúbito dorsal e à inspiração profunda. Melhora na posição sentada, inclinando-se para frente. Tosse Dispnéia Dor abdominal Vômitos Febre Exame físico Atrito pericárdico Abafamento de bulhas Pulso paradoxal Turgência jugular Taquicardia Ictus impalpável Sinal de Ewart Diagnóstico Pelo menos 2 dos 4 critérios: 1. Dor torácica característica 2. Atrito pericárdico 3. Alterações eletrocardiográficas sugestivas 4. Derrame pericárdico Masud H. Khandaker, MD, PhD; Raul E. Espinosa, MD; Rick A. Nishimura, MD; Lawrence J. Sinak, MD; Sharonne N. Hayes, MD; Rowlens M. Melduni, MD; and Jae K. Oh, MD. Pericardial Disease: Diagnosis and Management. 2010 Mayo Foundation for Medical Education and Research. Exames complementares Radiografia de tórax Aumento de área cardíaca: moringa d’água. Eletrocardiograma 1ª fase Acompanha a dor: supra de ST com aspecto côncavo e onda T positiva e apiculada, poupando V1 e aVR. Às vezes, pode aparecer um infradesnível de PR. Eletrocardiograma 2ª fase Ocorre alguns dias após: retorno do ST à linha de base e aplainamento da onda T. 3ª fase Ocorre 1-2 semanas após: inversão da onda T. 4ª fase Semanas ou meses após: normalização do ECG. Pericardite aguda Goyle KK, Walling AD. Diagnosing pericarditis. Am Fam Physician. 2002 Nov 1;66(9):1695-70 IAM Goyle KK, Walling AD. Diagnosing pericarditis. Am Fam Physician. 2002 Nov 1;66(9):1695-70 Repolarização precoce Goyle KK, Walling AD. Diagnosing pericarditis. Am Fam Physician. 2002 Nov 1;66(9):1695-70 Eletrocardiograma Exames complementares Ecocardiograma Bom método diagnóstico. Facilidade de execução. Exames complementares TC e RNM Avaliação de defeitos congênitos ou massas mediastinais. Cintilografia Pode demonstrar a presença de inflamação cardíaca e derrame pericárdico. Exames complementares Punção pericárdica Biópsia Estabelecimento da etiologia nas pericardites com derrame. Estabelecimento da etiologia nas pericardites sem derrame. Pericardioscopia Minimamente invasivo Visibilização e biópsia do pericárdio. Tratamento Objetivos: Alívio dos sintomas e resolução das causas etiológicas. Monitoração contínua de sinais de tamponamento cardíaco Critérios de internação (pericardite viral ou idiopática) Febre alta Derrame pericárdico volumoso Envolvimento miocárdico Tamponamento cardíaco Pacientes imunodeprimidos Pacientes anticoagulados Tratamento Pericardiocentese Permite abordagem terapêutica e diagnóstica Indicações Tamponamento cardíaco Pericardite purulenta Malignidade Durani et al. Myocarditis and Pericarditis in Children. Pediatr Clin N Am 57 (2010) 1281–1303 Pericardite viral e benigna aguda A maioria dos casos é branda. O tamponamento é raro. Coxsackie B, influenza, echovírus, adenovírus. Quase sempre acompanhada de miocardite. O curso clínico pode variar, mas, o prognóstico é bom. Tratamento: Repouso AINES- ibuprofeno/indometacina, salicilatos. Colchicina Corticóides Pericardite purulenta Geralmente secundária à disseminação de outros sítios de infecção: pneumonia, epiglotite, meningite, osteomielite. Principais agentes: S.aureus, H.influnzae tipo b, Neisseria meningitidis. Processo grave, com evolução fulminante que culmina no tamponamento cardíaco e morte. Pode evoluir para pericardite constritiva. Tratamento: drenagem aberta e antibioticoterapia guiada pela sensibilidade do agente. Esquema empírico: oxacilina + aminoglicosídeo. Pericardite tuberculosa Rara em crianças. Curso insidioso, com perda ponderal, sudorese noturna, dispnéia e precordialgia. Pericardiocentese: líquido serossanguinolento com predomínio de linfócitos. ADA> 40-50 UI/l Tratamento: esquema clássico para TB por 9-15 meses. Complicação: pericardite constritiva. Pericardite reumática Na maioria das vezes, é componente da pancardite. Diagnóstico predominantemente clínico. O tamponamento cardíaco é raro. A punção não é feita de rotina. Tratamento: corticóide. Síndrome pós-pericardiotomia Aparecimento de derrame pericárdico 10-15 dias após cirurgia cardíaca. Reação de hipersensibilidade inespecífica ao trauma. Deve-se descartar endocardite e insuficiência cardíaca. Autolimitada. Responde bem aos AINEs. O uso de corticóides está indicado nos casos graves. Prognóstico Geralmente benigna e Complicações Pericardite constritiva Derrame pericárdico Pericardite recorrente Tamponamento cardíaco autolimitada. 80% se recuperam em até 3 semanas Fatores de risco Sexo feminino Derrame volumoso Tamponamento Ausência de melhora com o uso de AINEs. Durani et al. Myocarditis and Pericarditis in Children. Pediatr Clin N Am 57 (2010) 1281–1303 Tamponamento cardíaco Relacionado com a elasticidade do pericárdio, o volume e a taxa Aumento da pressão intrapericárdica de acúmulo do derrame. Extrema gravidade. Pode estar associado a qualquer etiologia. Redução do enchimento ventricular Neoplásicas Redução do débito cardíaco Tamponamento cardíaco Quadro clínico ECG Pulso paradoxal Complexos de baixa voltagem Tríade de Beck Alternância elétrica 1. Hipotensão 2. Turgência jugular 3. Abafamento de bulhas Tratamento Pericardiocentese Ponte para a pericardiocentese: reposição volêmica. Tamponamento cardíaco Pericardite constritiva Aderências, calcificações e enrijecimento pericárdico. Quadro clínico Hipotensão, taquicardia reflexa Sinal de Kussmaul Ruído tipo Knock Secundária: Pericardites virais TB Neoplásica Pós-cirúrgica ECG Alterações inespecíficas do ST-T. Ecocardio TC e RNM Tratamento Pericardiectomia Bibliografia Cardiologia para o clínico geral. Nelson- Tratado de pediatria. Pediatria Básica: Pediatria Clínica Especializada - Eduardo Marcondes & Flavio Adolfo Costa Vaz & Jose Lauro Araujo Ramos & Et Al. Cardiologia em pediatria- temas fundamentais. Munir Ebaid. Goyle KK, Walling AD. Diagnosing pericarditis. Am Fam Physician. 2002 Nov 1;66(9):1695-70. Durani et al. Myocarditis and Pericarditis in Children. Pediatr Clin N Am 57 (2010) 1281– 1303. Masud H. Khandaker, MD, PhD; Raul E. Espinosa, MD; Rick A. Nishimura, MD; Lawrence J. Sinak, MD; Sharonne N. Hayes, MD; Rowlens M. Melduni, MD; and Jae K. Oh, MD. Pericardial Disease: Diagnosis and Management. 2010 Mayo Foundation for Medical Education and Research. Anatomia Orientada Para a Clínica - Keith L. Moore. Gray's Anatomy for Students- Richard Drake, Wayne Vogl, Adam Mitchell. http://www.sbc-sc.org.br/sistema/categorias/materias/assets/palestras/22-09-2006/04DrJamilCherem_pericarditeaguda.pdf OBRIGADO! Ddos Bruno Augusto A. Martins e Nickerson Lemos Ddos Virgilio, Nickerson e Bruno HD