TRANSTORNOS RELACIONADOS A SUBSTÂNCIAS Dra. Débora Naomi de Souza Médica Psiquiatra Setor de Álcool e Drogas CAISM INTRODUÇÃO 4,2% da população mundial consome drogas ilícitas; complicações clínicas e sociais causadas por tais substâncias são consideradas um problema de saúde pública; todos os profissionais de saúde são fundamentais para o tratamento destes pacientes. O uso de substâncias psicoativas e suas implicações sofreram mudanças ao longo da história HISTÓRIA O consumo de plantas psicoativas remonta aos ancestrais do homem. Homens e plantas – o consumo de estimulantes como folhas de coca e tabaco ajudavam os hominídeos a suportar fome e fadiga. Plantas dos deuses – a necessidade do homem de se relacionar com o divino e seu mundo aparentemente mágico => curandeiros como uma das primeiras formas de religião e consumo de drogas (estados alterados de consciência) HISTÓRIA A palavra fármaco deriva do grego pharmak – “aquilo que tem o poder de transladar as impurezas” Phármakon – alimento utilizado nas cerimônias => “aquilo que poderia causar o bem ou o mal, a vida ou a morte”. Hipócrates – separação entre técnica médica e magia. HISTÓRIA Outras civilizações na Antigüidade: Egito (ópio, cerveja), Mesopotâmia, Índia, China HISTÓRIA Civilizações pré-colombianas: maias (cacau), astecas (mescalina), incas (coca) => a América Central possui o maior número de plantas com propriedades psicoativas, em especial alucinógenas. Civilizações Amazônicas: fins religiosos (pajés) – ayuhuasca – preparada a partir do cipó do jagube e da chacrona. Idade Média – moral cristã – o consumo de substâncias psicoativas, outrora inserido em rituais pagãos, foi terminantemente proibido. HISTÓRIA Séc. XIX – Romantismo => finalidade puramente recreativa (vinhos a base de coca, salões de ópio); surgimento de complicações e danos físicos, psicológicos e sociais. Interesse extraordinário pelas drogas psicoativas através da busca de conhecimentos sobre o sistema nervoso humano e o funcionamento da mente Grandes progressos farmacológicos a partir do século XIX : isolamento dos princípios ativos Séc. XX – intolerância e proibição do consumo. Nos EUA, perseguição ao ópio, proibição da cocaína e Lei Seca. HISTÓRIA Décadas de 60 e 70 – acentuada condescendência com o consumo de drogas => experimentação de novos costumes e questionamentos sociais, exaltação de um modo de vida marginal. A associação entre uso de drogas e infecção pelo HIV marcou o final do século XX – revolução nas políticas de saúde pública Já o conceito de adição ou transtorno só veio a e desenvolver ao longo dos últimos 200 anos EPIDEMIOLOGIA CEBRID, 2005 EPIDEMIOLOGIA CEBRID, 2005 EPIDEMIOLOGIA Um terço da população masculina de 12 a 17 anos declarou já ter sido submetida a tratamento para dependência química. As classes socioeconômicas C e D apresentaram as maiores porcentagens. A taxa de dependentes de álcool do sexo masculino é de 3 vezes a do feminino. Ligeira predominância no sexo masculino para dependência de tabaco DIAGNÓSTICO DIAGNÓSTICO Uso nocivo ou abuso dano á saúde; Dependência relação disfuncional entre indivíduo e seu modo de consumir uma substância psicoativa. DIAGNÓSTICO COMPORTAMENTO DEPENDENTE um comportamento é dito dependente quando é excessivo, compulsivo, fora do controle e psicológica ou fisicamente destrutivo costuma envolver o uso de drogas e álcool, mas também pode ser referente a outras formas como comer compulsivamente, jogo compulsivo, fazer exercícios, trabalhar, uso da internet, ou estudar.... CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS 3 OU MAIS NO ÚLTIMO ANO – CID 10 a) b) c) d) e) f) Compulsão para o consumo – fissura Perda de controle com relação a início, quantidade e término Tolerância; Síndrome de abstinência; Estreitamento do repertório; Persistência no uso apesar de danos físicos, sociais. NEUROBIOLOGIA DA DEPENDÊNCIA Sistema Límbico: regulação do sistema emocional NEUROBIOLOGIA DA DEPENDÊNCIA Circuito de recompensa :área relacionada com a sensação de prazer Estímulos elétricos nessas regiões provocam sensação de prazer e levam a repetidas tentativas de estimulação. NEUROBIOLOGIA DA DEPENDÊNCIA TEORIAS Biológica: genética, estrutura bioquímica favorável, doenças psiquiátricas que favorecem o uso Psicológica: “traumas”, fase oral, dificuldades de relacionamento,problemas de personalidade, “pervertidos e psicopatas”, alívio de sintomas e problemas psicológicos TEORIAS Social: disponibilidade de drogas na comunidade; permissividade e exemplo de pais e cuidadores; pressão social p/ fazer parte de determinado grupo; violência e marginalidade (exposição); meio em que iniciou o uso; dificuldade de acesso a orientação das conseqüências; estímulo social positivo à manutenção do hábito TOXICOLOGIA GERAL DAS SUBSTÂNCIAS PSICOATIVAS Intoxicação: manifestação de sinais e sintomas decorrentes da interação de uma substância com o organismo. Divide-se em: 1) Exposição: via de introdução, dose/concentração, propriedades físico-químicas, tempo e frequência, susceptibilidade individual 2) Toxicocinética: absorção, distribuição, biotransformação, armazenamento e eliminação 3) Toxicodinâmica : mecanismo de ação tóxica dano biológico 4) Clínica: sinais e sintomas TOXICOLOGIA GERAL DAS SUBSTÂNCIAS PSICOATIVAS 1) 2) 3) Os principais fatores que influenciam a toxicidade de um agente químico são: Vias de administração (associadas com a dose): oral, transdérmica (aplicação nas mucosas ou na pele), inalada (ou pulmonar), injetável Duração da exposição (aguda ou crônica) Freqüência da exposição TOXICOLOGIA GERAL DAS SUBSTÂNCIAS PSICOATIVAS Depressoras do SNC: álcool, ansiolíticos, opióides Estimulantes do SNC: nicotina, anfetaminas e anfetamínicos, cafeína, cocaína Perturbadoras do SNC: maconha, alucinógenos, inalantes (solventes orgânicos voláteis) TRANSTORNOS RELACIONADOS AO ÁLCOOL Etanol: participação dos sistemas dopaminérgicos, serotoninérgicos e principalmente GABAérgicos; assim o sistema de recompensa associado ao uso do álcool inclui também estrururas que usam o GABA como neurotransmissor, como o córtex, o cerebelo, o hipocampo, os colículos superiores e inferiores das amígdadas Intoxicação: a excitação manifesta que ocorre em baixas doses na intoxicação por álcool resulta da depressão de mecanismos inibitórios. TRANSTORNOS RELACIONADOS AO ÁLCOOL o 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. Gravidade dos sintomas: depende de maneira geral da concentração de álcool no sangue: Desinibição ( p.ex., comportamento sexual ou agressivo inadequado, juízo crítico deteriorado, labilidade afetiva). Sonolência, estupor ou coma Atenção e memória deterioradas Fala indistinta Incoordenação Marcha instável nistagmo TRANSTORNOS RELACIONADOS AO ÁLCOOL Abstinência: a cessação ou redução da ingesta de álcool após seu uso prolongado está associada a síndrome de excitabilidade neuronal com atividade noradrenérgica e adrenocortical aumentada. Tremores: de 6 a 8 horas Sintomas psicóticos: 8 a 12 horas Convulsões: 12 a 24 horas Delirium Tremens: em 72 horas TRANSTORNOS RELACIONADOS AO ÁLCOOL -SAA Ansiedade ou agitação psicomotora Tremor craving Hiperatividade autonômica (taquicardia, hipertensão, sudorese, hipertermia, arritmia) Insônia Distorções sensoriais ou alucinações (p.ex., transitórias visuais, táteis ou auditivas) Náuseas ou vômitos Convulsões delirium TRANSTORNOS RELACIONADOS AO ÁLCOOL Delirium tremens: forma mais grave da SAA Até 1 semana após cessação do uso Mortalidade: 20% Além dos sintomas de delirium, inclui: 1) Hiperatividade autônoma, como taquicardia, diaforese, febre, ansiedade, insônia e hipertensão 2) Distorções perceptivas, mais freqüentemente alucinações visuais ou táteis 3) Níveis flutuantes de atividade psicomotora, variando de hiperexcitabilidade a letargia TRANSTORNOS RELACIONADOS A COCAÍNA Bloqueio competitivo da recaptação de dopamina pelo transportador de dopamina -> aumento da dopamina na fenda sináptica, com ativação de receptores dopamínicos tipo 1 (D1) e 2 (D2) Potente qualidade aditiva Métodos de uso: inalação do pó, fumada, aplicação endovenosa. Crack: forma extremamente potente da base livre da cocaína Altas doses estão associadas a convulsões, depressão respiratória, doenças cerebrovasculares e infartos do miocárdio TRANSTORNOS RELACIONADOS A COCAÍNA 1) 2) 3) 4) 5) 6) 7) 8) 9) Alterações de comportamento, como euforia ou embotamento, ansiedade, tensão, julgamento comprometido Taquicardia ou bradicardia Dilatação das pupilas Pressão sanguínea aumentada ou abaixo do normal Calafrios Náuseas ou vômitos Fraqueza muscular, dor torácica ou arritmias Agitação ou retardo psicomotor Confusão , convulsões, discinesias, distonias ou coma TRANSTORNOS RELACIONADOS A ANFETAMINAS Anfetaminas clássicas: dextroanfetamina , metanfetamina, metilfenidato Liberação de catecolaminas , principalmente dopamina, nos terminais pré-sinápticos “anfetaminas de designer” : 3,4-metilenodioxianfetamina (MDMA); N-etil-3,4metilenodioxianfetamina (MDEA); 5-metóxi-3,4metilenodioxianfetamina (DOM) -> efeitos neuroquímicos sobre os sistemas tanto serotoninérgico quanto dopaminérgico e efeitos comportamentais que refletem tanto atividades tipo anfetamínicas quanto alucinógenas TRANSTORNOS RELACIONADOS A ANFETAMINAS 1) 2) 3) 4) 5) 6) 7) 8) 9) Alterações de comportamento, como euforia ou embotamento, ansiedade, tensão, julgamento comprometido Taquicardia ou bradicardia Dilatação das pupilas Pressão sanguínea aumentada ou abaixo do normal Calafrios Náuseas ou vômitos Evidência de perda de peso Agitação ou retardo psicomotor Confusão , convulsões, discinesias, distonias ou coma TRANSTORNOS RELACIONADOS A ANFETAMINAS Efeitos a curto prazo do MDMA: senso de proximidade com outras pessoas, trismo, taquicardia, bruxismo, boca seca, alerta aumentado, luminosidade dos objetos, tremores, palpitações, diaforese, dificuldade de concentração, parestesias, insônia, ondas de calor ou frio, maior sensibilidade ao frio, tontura ou vertigem, alucinações visuais, visão turva. TRANSTORNOS RELACIONADOS A CANNABIS A planta cannabis sativa contém mais de 400 substâncias ativas; o principal componente é o delta9-THC. Canabinóides afetam os neurônios de monoaminas e GABA TRANSTORNOS RELACIONADOS A CANNABIS Alterações comportamentais: p. ex. Comprometimento na coordenação, euforia, ansiedade, sensação de lentificação no tempo, comprometimento no julgamento, retraimento social Conjuntivas hiperemiadas Apetite aumentado Boca seca taquicardia TRANSTORNOS RELACIONADOS A ALUCINÓGENOS Alucinógenos presentes na natureza: psilocibina ( cogumelos), mescalina (cacto peiote), harmina, harmalina, ibogaína, dimetiltriptamina. Alucinógeno sintético: dietilamina do ácido lisérgico (LSD) Agonista parcial nos receptores pós-sinapticos de serotonina Flashbacks: recorrência espontânea e transitória da experiência induzida pela substância TRANSTORNOS RELACIONADOS A ALUCINÓGENOS Intensa ansiedade ou depressão Mudanças na percepção (p. ex., percepções intensas, despersonalização, desrealização, ilusões, alucinações, cinestesias) Transtornos do pensamento (idéias de referência, paranóia, deterioração do teste de realidade) Deterioração do juízo crítico Excitação autonômica ( dilatação pupilar, taquicardia, sudorese, palpitações, borramento da visão, tremores, incoordenação) TRANSTORNOS RELACIONADOS A OPIÓIDES “ópio”- suco da papoula Papaver somniferum, que contém aproximadamente 20 alcalóides do ópio incluindo a morfina heroína, codeína, hidromorfona, meperidina, metadona, pentazocina, propoxifeno Atuam em receptores de opiáceos; também têm efeito sobre os sistemas dopaminérgicos e noradrenérgicos TRANSTORNOS RELACIONADOS A OPIÓIDES Euforia inicial seguida por apatia Disforia Deterioração do juízo crítico, da atenção ou da memória Analgesia Constipação Constrição pupilar Sonolência Depressão respiratória, arreflexia, hipotensão, taquicardia Apnéia, cianose, coma TRANSTORNOS RELACIONADOS A SOLVENTES E INALANTES Solventes, colas, propulsores de aerossois, solventes de tintas, combustíveis (p. ex., gasolina, removedor de verniz, fluido para isqueiro, tinta em spray, cola de sapateiro…) Gases anestésicos (éter, óxido nitroso) Compostos aditivos: tolueno, acetona, benzeno, tricloroetano, percloroetileno, tricloroetileno, 1,2dicloropropano, hidrocarbonetos halogenados. inalação, ingestão oral Fluidização das membranas; amplificação do sistema GABA TRANSTORNOS RELACIONADOS A SOLVENTES E INALANTES Alterações comportamentais ou psicológicas: apatia, agressividade, comprometimento no julgamento, no funcionamento social Tontura Nistagmo Fraca coordenação Fala arrastada Marcha instável Letargia Reflexos deprimidos Retardo psicomotor Tremor Fraqueza muscular Visão turva ou diplopia Estupor/coma Euforia TRANSTORNOS RELACIONADOS A SEDATIVOS-HIPNÓTICOS Diversos compostos químicos, agrupados em razao da similaridade de seus efeitos (ativação do sistema GABAérgico): Benzodiazepínicos: ansiolíticos, hipnóticos, antiepilépticos, anestésicos, relaxantes musculares Utilizados no tratamento da ansiedade, transtornos ansiosos, abstinência de álcool Barbitúricos: secobarbital, pentobarbital (“amarelos”), barbital e fenobarbital TRANSTORNOS RELACIONADOS A SEDATIVOS-HIPNÓTICOS normal alívio da ansiedade perda da inibição sedação sono anestesia geral coma morte aumento da dose TRANSTORNOS RELACIONADOS A NICOTINA 1,1 bilhão de fumantes no mundo fumo: 4 milhões de mortes/ano mundo Brasil 80 mil mortes/ano Bronquite crônica, câncer broncogênico, infarto do miocárdio, doenças cerebro-vasculares, quase todos os casos de DPOC e câncer nos pulmões. Pacientes psiquiátricos: 70% dos pacientes com TAB, 90% dos pacientes com esquizofrenia Nicotina: age como um agonista no subtipo nicotínico de receptores de acetilcolina TRANSTORNOS RELACIONADOS A NICOTINA Abstinência: inicia-se duas horas após o último cigarro fumado, alcançando pico nas primeiras 24 a 48 hs, podendo durar semanas ou meses – avidez pela nicotina, tensão, irritabilidade, dificuldade de concentração, sonolência, dificuldade paradoxal para dormir, redução da PA e FC, aumento de apetite e tensão muscular, desempenho motor diminuído TRATAMENTO Avaliação inicial: Tratamento de qualquer emergência ou problema agudo; Elaboração de um diagnóstico precoce acerca do consumo de drogas; Identificação de complicações clínicas, sociais ou psíquicas; Investigação de comorbidades psiquiátricas; TRATAMENTO Avaliação inicial: (cont) Motivação do indivíduo para a mudança; Estabelecimento de um vínculo empático com o paciente; Determinar o nível de atenção especializada de que o paciente necessitará. TRATAMENTO Estágios de mudança: PRÉ-CONTEMPLAÇÃO CONTEMPLAÇÃO DETERMINAÇÃO AÇÃO MANUTENÇÃO RECAÍDA TRATAMENTO Atenção Primária (aconselhamento, intervenção breve); Ambulatório Especializado; CAPSad; Hospital Dia; Internação Psiquiátrica. TRATAMENTO TRATAMENTO ABORDAGENS ESPECÍFICAS Entrevista motivacional; Prevenção de recaída; Redução de danos; Medicações. ABORDAGENS ESPECÍFICAS Medicações: - Intoxicação Aguda; - Abstinência; - Complicações Clinicas; - Comorbidades Psiquiátricas; - Dependência: Dissulfiram, Naltrexona,Acamprosato. OBRIGADA!