INTOXICAÇÃO POR DEPRESSORES DO SNC Toxicologia Clínica – 1º Semestre de 2009 Letícia Soares ETANOL Uma das substâncias psicoativas mais consumidas pela sociedade Desde a década de 50 a OMS admitiu como problema médico. Criação dos Alcoólicos Anônimos: 1935 por dois alcoolistas quando os EUA proibiu a produção, venda ou transporte de bebidas causadoras de intoxicação Cinética Hidrossolúvel, rapidamente absorvido no estômago (20%) e ID (80%) Pode ser absorvido pela aspiração do seu vapor A absorção é rápida no início e declina posteriormente mesmo com alta cc. no estômago Presença de alimentos no estômago retarda a absorção, no ID é independente e rápida Cinética A Cmáx plasmática é atingida entre 30 e 90 minutos após a ingestão. Distribui-se rapidamente, com níveis nos tecidos semelhantes ao níveis plasmáticos Se difunde rápido na membrana hemato-encefálica Sangue > cérebro > rins > pulmão > coração > paredes intestinais > musc. Estriado > fígado > >ossos e tecido adiposo Cinética Cerca de 90 a 98% é metabolizado no fígado através da oxidação, com cinética de ordem zero (constante ao longo do tempo e independente da conc. plasmática) Quantidade oxidada é proporcional ao peso corpóreo e ao peso do fígado: adulto metaboliza cerca de 7 a 10 g de álcool por hora. Principal via é a álcool desidrogenase Cinética Deficiência na aldeído desidrogenase provoca efeitos adversos Uso crônico aumenta a atividade da AID eliminando o álcool mais rapidamente Álcool Acetaldeído AD Acetato AID Acetil CoA AMP Toxicodinâmica Aumenta a inibição sináptica mediada pelo GABA e aumento do fluxo de íons cloreto na membrana dos neurônios. Doses elevadas de álcool aumentam diretamente a permeabilidade ao cloreto. Uso crônico indica redução do GABA no cérebro Outros mecanismos de ação estão em estudo Toxicidade Aguda Sedação, diminuição da ansiedade, fala pastosa, ataxia, diminuição da capacidade de julgamento, desinibe o comportamento. Em baixa dose aparente estimulação do SNC, mecanismos inibitórios de controle fazem que outras áreas tenham suas atividades desinibidas. As alterações dependem da dose ingerida, do metabolismo, peso corporal, tolerância e sensibilidade. Toxicidade Aguda Clínica: comportamento mal-adaptativo, rubor facial, ataxia, falta de atenção, deficiência na memória de curta duração A concentração plasmática é necessária para não confundir os sintomas com outra patologia, mas é difícil na prática. Pode ser estimada pela concentração do ar expirado, técnica dos bafômetros, no ar expirado a conc. equivale a 0,05% da presente no sangue Toxicidade Aguda – relação nível plasmático e efeitos 1,0g/l – prejudica a coordenação motora voluntária 2,0g/l – atinge o controle motor e emocional do SNC, perda do autocontrole, agressividade 3,0g/l – confusão mental 4,0g/l – pode causar coma e até a morte por depressão respiratória. Obs: 1,0 a 1,5g/l geralmente já é intoxicação aguda Tratamento Quando não há perda da consciência basta esperar Se estiver agitado pode administrar cautelosamente um sedativo – BZD é contra-indicado. Lavagem gástrica Glicose IV após administração de tiamina (consumida no metabolismo da glicose – depleção – encefalopatia) Monitoramento dos sinais vitais e medidas de suporte Casos graves pode proceder com hemodiálise pois é hidrossolúvel Toxicidade Crônica Elevação do VCM devido à deficiência de ácido fólico, podendo levar à anemia megaloblástica. Úlceras e gastrite, pancreatite má absorção, diabetes, esteatose hepática, hepatite alcoólica e cirrose. Associado ao câncer hepatocelular e do TGI. Neuropatia periférica por deterioração dos nervos dos membros superiores e inferiores. Alterações cognitivas: memória, atenção, demência Miocardiopatia: elevação da PA, do colesterol, AVC, IAM Síndrome alcoólica fetal Toxicidade Crônica Síndrome alcoólica fetal: abortos espontâneos, RN de baixo peso, malformações faciais, lábio leporino, retardo mental Abstinência Se inicia algumas horas após a ingestão e dura de 5 a 7 dias Início: tremores, ansiedade, insônia, desconforto do TGI Agrava: agitação, irritabilidade, sudorese, febre, taquicardia, elevação da PA, náusea e vômito Evolui: confusão, desorientação, delírio, alucinação, convulsões e coma Tratamento da Abstinência ISRS: diminui a preferência e o consumo de álcool em animais experimentais. Dissulfiram: inibe a ação da AID, o acúmulo de acetaldeído provoca os efeitos indesejáveis de náusea, vômito, mal-estar. Naltrexona: antagonista opióide, bloqueia o efeito euforizante, diminui o desejo e as recaídas. Acamprosato: agonista GABAérgico e antagonista do glutamato (excitatório) – diminui o desejo e a hiperatividade INTOXICAÇÃO POR BENZODIAZEPÍNICOS E BARBITÚRICOS SEDATIVOS - HIPNÓTICOS Drogas utilizadas para incentivar o sono ou produzir sedação com diminuição da ansiedade. Sedativos (ansiolíticos): Diminuem a ansiedade, exerce efeito calmante com pouco ou nenhum efeito sobre as funções motoras ou mentais, com grau de depressão do SNC mínimo. Hipnóticos: Produzem sonolência, estimulam o início e a manutenção do sono, com depressão mais profunda do SNC. BARBITÚRICOS Até 1960 eram os sedativos – hipnóticos mais utilizados. São profundos depressores do SNC, inclusive do Centro Respiratório. Possuem menor janela terapêutica que os BZD. Maior ação é a produção de sedação, hipnose ou anestesia através da depressão do SNC CLASSIFICAÇÃO São classificados de acordo com a duração de seus efeitos O aumento do número de carbonos aumenta a lipossolubilidade e consequentemente aumenta a toxicidade. TOXICOCINÉTICA ABSORÇÃO DISTRIBUIÇÃO BIOTRANSFORMAÇÃO EXCREÇÃO ABSORÇÃO Principalmente no intestino delgado Absorção muito rápida para o sangue. DISTRIBUIÇÃO Maior afinidade pelos tecidos com alto teor lipídico Ligação protéica variável: 5 a 88% Níveis de circulação fetal comparável ao plasma materno BIOTRANSFORMAÇÃO Biotransfomação: Sistema microssomal hepático Seus metabólitos geralmente são inativos Não é completa nos de ação longa EXCREÇÃO Principalmente renal Dependente do pH, alcalinização da urina favorece a ionização de vários derivados barbitúricos, dificultando a reabsorção tubular TOXICODINÂMICA Facilitam a ação inibitória do GABA no SNC, parecem aumentar a duração da abertura dos canais cloreto. Em altas concentrações podem ser GABAmiméticos, ativando diretamente os canais cloreto. São menos seletivos, deprimem também ações de neurotransmissores excitatórios, por isso são menos seguros (depressores do SNC mais profundos) INTOXICAÇÃO Fenobarbital: dose letal estimada é 1,5 g, podendo chegar a 16 g com o desenvolvimento de tolerância Concentração tóxica sérica: 4 a 90µg/ml Concentração sérica letal: 4 a 120 µg/ml Intoxicação – Manifestações Clínicas SNP: Depressão Seletiva ganglionar, diminui a excitação nicotínica levando à hipotensão Sistema Respiratório: Depressão do impulso respiratório, de mecanismos responsáveis pelo ritmo respiratório. Intoxicação – Manifestações Clínicas Sistema Cardiovascular: doses terapêuticas afetam pouco a PA e FC - Doses elevadas diminuem a contração do miocárdio e deprimem a musculatura dos vasos Sistema Digestivo: Diminuem o tônus da musculatura do TGI, retardando seu esvaziamento Intoxicação – Manifestações Clínicas Leve: sonolência, ataxia, confusão mental, linguagem incompreensível, alterações visuais subjetivas Moderada: sono profundo ou torpor, com pouca manifestação espontânea Grave: pupilas normais, mióticas ou midriáticas; frequentemente se alternam miose-midríase; reflexo à luz preservado ou pupilas fixas; sinais vitais são instáveis Para os barbitúricos uma dose 10 vezes maior que a terapêutica pode ser fatal se não tratar a tempo. INTOXICAÇÃO AGUDA Coma é o principal sinal de intoxicação aguda por barbitúricos, mas é necessário o diagnóstico laboratorial Cerca de 6,5% dos casos apresentam lesões na pele caracterizadas por bolhas grandes – triagem para barbitúricos TOXICOLOGIA FETAL Todos atravessam a barreira placentária porém o fluxo sanguíneo é menor que para o cérebro. Possível efeito teratogênico nos 3 primeiros meses da gravidez No período pré-parto pode causar depressão respiratória, sedação, defeitos de coagulação e abstinência no neonato. São detectáveis no leite materno, principalmente os de ação longa como fenobarbital e podem atuar no SNC do lactente. TOLERÂNCIA O uso em curtos intervalos de tempo acarreta tolerância, desenvolvendo resistência aos efeitos hipnóticos No caso da presença contínua, o organismo se acostuma e a incorpora em seu funcionamento. Assim, responde cada vez com menor intensidade aos efeitos da droga consumida, necessitando aumentar a dose para obter os mesmos efeitos. Tolerância metabólica: indutor enzimático, resultando na eliminação mais rápida, diminuindo o tempo de ação terapêutica O aumento de doses muito elevadas aumenta o risco de morte súbita por overdose DEPENDÊNCIA Se desenvolve após o uso contínuo por 1 ou 2 meses A droga utilizada em quantidades e freqüências elevadas, o organismo estabelece um novo equilíbrio em seu funcionamento e adaptando-se à droga de tal forma que, na sua falta, funciona mal. A dependência é caracterizada por um impulso forte de se administrar a droga à qual se habituou,gerando um mal-estar intenso ("fissura"), na ausência da mesma. SÍNDROME DE ABSTINÊNCIA Conjunto de sinais e sintomas decorrentes da falta de drogas em usuários dependentes Abstinência após retirada abrupta: debilidade, ansiedade, alucinações, delírios, convulsões OVERDOSE Super dose ou dose excessiva. Popularmente, esse termo é utilizado para denominar a exposição aguda à doses excessivas de uma droga de abuso, pode provocar a falência de órgãos vitais como coração e pulmões. TRATAMENTO Não há antídoto para os barbitúricos Terapias de Suporte: - Estabilização e manutenção dos sinais vitais; - Descontaminação doTGI, como barbitúricos diminuem a motilidade e o esvaziamento gástrico é indicado LG e emese para pacientes conscientes; Aumento da eliminação: doses de CA diminuem a meia vida sérica do fenobarbital (1g/Kg de peso); Alcalinização urinária aumenta de 5 a 10 x a velocidade de excreção do fenobarbital Hemodiálise em casos mais graves BENZODIAZEPÍNICOS Estão entre os fármacos mais prescritos em todo mudo desde a introdução do clordiazepóxido em 1960 Inovação: O tratamento medicamentoso dos transtornos de ansiedade e distúrbio do sono era feito por drogas de ação cumulativa e tóxica ou até capazes de induzir forte tolerância e abstinência: - Brometos – anos 30, - Barbitúricos – início dos anos 50 Hipnóticos / Sedativos Ansiolíticos Estazolam (Noctal) Flunitrazepam (Rohypnol) Flurazepam (Dalmadorm) Midazolam (Dormonid) Nitrazepam (Sonebom) Triazolam (Halcion) Alprazolam (Apraz, Frontal) Bromazepam (Lexotam) Clobazam (Frisium) Clordiazepóxido (Psicosedin) CLASSIFICAÇÃO São classificados de acordo de acordo com sua meiavida plasmática: - Longa duração: diazepam, 60 horas Média duração: alprazolam, 20 horas Curta duração: midazolam, até 6 horas www.medstudents.com EFEITOS FARMACOTERAPÊUTICOS Redução da ansiedade Redução da agressividade Sedação Indução do sono (manutenção) Redução do tônus muscular Efeito anticonvulsivante TOXICOCINÉTICA ABSORÇÃO DISTRIBUIÇÃO BIOTRANSFORMAÇÃO EXCREÇÃO ABSORÇÃO Bem absorvidos pelo TGI São altamente lipossolúveis, proporcionando uma absorção completa e rápida Cmáx varia de 0,7 a 2,5 horas Pode ser influenciada por alimentos DISTRIBUIÇÃO São bem distribuídos pelos tecidos e possuem lipossolubilidade suficiente para atingir o cérebro Alta ligação com as proteínas plasmáticas (98 a 85%) A redistribuição a partir do cérebro se inicia para os tecidos de elevada perfusão, como músculo esquelético e depois tecido adiposo. BIOTRANSFORMAÇÃO Metabolismo hepático – depuração: Reação de Fase I: oxidação microssomal Reação de Fase II: conjugação com o ácido glicurônico para formar glicuronídeos que são excretados na urina BIOTRANSFORMAÇÃO Muitos metabólitos de Fase I são ativos e com meia-vida maior do que a droga original, podendo resultar em depressão indesejável do SNC como sedação diurna. Ex: diazepam, clorazepato e clordiazepóxido. Drogas de longa duração podem causar efeito cumulativo com o uso de doses múltiplas, como sono excessivo. EXCREÇÃO Os metabólitos hidrossolúveis são excretados principalmente pelo rim, cerca de 2% é eliminado inalterado na urina TOXICODINÂMICA Ligam-se a componentes moleculares do receptor GABA no SNC, que atua como canal de cloreto, aumentando a ligação do NT GABA ao seu sítio de ação, Potencializam a inibição GABAérgica, resultando em diminuição da taxa de deflagração de neurônios. Não ativam diretamente ou abrem os canais de cloreto, por isso, são mais seguros TOXICODINÂMICA Sistema Cardiovascular: Pacientes com doença cardiovascular pode ter aumento da sensibilidade à essas drogas. Sistema Respiratório: Pode exarcebar problemas respiratórios em pacientes com doença pulmonar crônica e apnéia do sono. TOXICOLOGIA Muitos efeitos adversos das drogas desta classe resultam da depressão das funções do SNC relacionada com a dose. A maioria dos casos graves de superdosagem envolvem polifarmácia, que diminui a segurança dos BZD. Idosos devem receber aproximadamente iguais a metade àquelas administradas a adultos jovens porque são mais sensíveis (efeito de confusão). TOLERÂNCIA Uso crônico desenvolve tolerância, o efeito de sedação é o primeiro a atenuar e depois o ansiolítico Principalmente com uso prolongado de doses acima da terapêutica Não depende da indução enzimática Alteração do número ou da sensibilidade de receptores BZD, modificações no acoplamento de GABA ao seu receptor DEPENDÊNCIA Dependência física é evidenciada em pacientes com tratamento prolongado (> 6 meses), principalmente com BZD de ação curta Dependência psíquica também ocorre, embora tenham baixo potencial de abuso Abstinência: disforia, ansiedade, agitação, insônia, vertigem, anorexia, náusea, vômito, hiperreflexia e convulsões INTOXICAÇÃO São fármacos relativamente seguros. Depressão respiratória e cardiovascular só ocorrem em situações especiais como injeção IV muito rápida ou disfunção hepática. Morte por overdose isolada é rara, geralmente envolve associação com outros depressores do SNC Associação com barbitúrico é a mais severa pois têm efeito aditivo Pacientes devem ser informados do risco da ingestão de álcool Benzodiazepínicos e a Gravidez O uso desses medicamentos durante a gravidez podem fazer com que o recém-nascido apresente sinais de abstinência. Os benzodiazepínicos também podem ser passados através do leite materno INTOXICAÇÃO AGUDA Sonolência, letargia, sedação, ataxia, confusão mental, dificuldade de fala, hiporreflexia e amnésia Ritmo e frequência cardíaca, diâmetro e reflexo pupilar permanecem normais na ausência de hipóxia Raramente há coma profundo e depressão grave do SNC Excitabilidade paradoxal: reações de agitação, ansiedade, nervosismo, hostilidade e agressão INTOXICAÇÃO LEVE Doses Baixas: Pode produzir sonolência, comprometimento do discernimento e diminuição da capacidade motora. Os BZD podem causar também amnesia anterógrada relacionada com a dose e comprometimento da função cognitiva. As drogas de ação longa provocam efeito de ressaca (elevada meia-vida). INTOXICAÇÃO GRAVE Doses altas: letargia ou estado de exaustão Em pacientes com doenças cardiovascular, respiratória ou hepática o aumento da sensibilidade é comum. Dose letal: varia de acordo com o paciente e circunstâncias. Se descobrir e tratar rápido raramente a evolução é fatal, mesmo com ingestão de altas doses. TRATAMENTO Manutenção das vias respiratórias e dos sinais vitais Descontaminação em caso de ingestão: Não induzir vômito (ação inicia em 30 minutos) CA e catártico para pacientes conscientes LG para paciente inconsciente Suporte: Abstinência: doses decrescentes de bzd de ação curta Manter equilíbrio hidroeletrolítico Hipotensão: fluidos endovenosos e vasopressores se necessário ANTÍDOTO Flumazenil: bloqueia a ação dos BZD Antagonista competitivo, com alta afinidade pelo receptor GABA Não antagoniza os efeitos de outros sedativos-hipóticos, do etanol, opióides ou anestésicos gerais sobre o SNC Indicações: Intoxicações graves em que se desconhece o agente Intoxicações graves por BZD OBRIGADA