novas estratégias de diagnóstico da fibrose cística

NOVAS ESTRATÉGIAS DE DIAGNÓSTICO
DA FIBROSE CÍSTICA
Paola Ameixoeira Vaz de Lima
Rio de Janeiro
2012
ii
PAOLA AMEIXOEIRA VAZ DE LIMA
Aluna do curso de Farmácia
Matrícula 0823800085
NOVAS ESTRATÉGIAS DE DIAGNÓSTICO
DA FIBROSE CÍSTICA
Trabalho de Conclusão de Curso, TCC,
apresentado ao Curso de Graduação em
Farmácia, da UEZO como parte dos requisitos
para a obtenção do grau de Farmacêutico, sob
a orientação do Professor André Luiz Fonseca
de Souza.
Rio de Janeiro
Julho de 2012
iii
NOVAS ESTRATÉGIAS DE DIAGNÓSTICO
DA FIBROSE CÍSTICA
Elaborado por Paola Ameixoeira Vaz de Lima
Aluna do curso de Farmácia da UEZO
Este trabalho de Graduação foi analisado e aprovado com
Grau:
Rio de Janeiro, 03 de Julho de 2012.
_______________________________________
Prof. André Luiz Fonseca de Souza, Ph.D., da UEZO – Presidente
______________________________________
Prof.ª Isabele Barbieri dos Santos, Ph.D., da Fiocruz
_______________________________________
Prof.ª Alessandra Micherla Rodrigues do Nascimento, Ph.D., da UEZO
RIO DE JANEIRO, RJ - BRASIL
Julho de 2012
iv
DEDICATÓRIA
Dedico este trabalho...
A Deus, por ser o bem mais precioso da minha vida e por ter me
guiado durante esta longa jornada.
A minha família, que tanto fez por mim para que eu chegasse até
aqui.
A todos aqueles que, de alguma forma, contribuíram para o meu
sucesso e torceram pela minha vitória.
v
AGRADECIMENTOS
Agradeço a Deus por ter me capacitado ao longo desses quatro anos e por
jamais ter me abandonado nos momentos mais difíceis.
Aos meus pais, Paulo e Rose, que nunca deixaram de acreditar em mim e,
por me amarem tanto, sacrificaram seus próprios sonhos em favor dos meus, e,
mesmo em meio a tantas dificuldades, não mediram esforços para que eu
chegasse até aqui.
A minha avó, Arlette, pelo amor e cuidado que teve por mim durante toda
minha vida, pelas orações que tanto me ajudaram e pelas companhias nos dias
de prova.
Ao meu amor, Esdras, que apesar das horas de lazer e diversão deixadas
de lado, sempre esteve ao meu lado, acreditando e torcendo por mim.
Aos meus amigos Marlon e Rosilane, que foram tão importantes para mim
e enfrentaram comigo momentos de alegria e de aflição durante esses quatro
anos. Sem vocês esta jornada não teria graça. Obrigada pela companhia, pelo
carinho e pelas risadas.
Ao meu Orientador Dr. André Luiz, que tanto se dedicou em me passar um
pouco do seu enorme conhecimento nesses últimos anos.
A todos aqueles que, de alguma forma, contribuíram para meu crescimento
e me ajudaram a conquistar mais esta vitória, sempre me incentivando a
prosseguir nesta jornada.
vi
RESUMO
A fibrose cística (FC) é uma doença genética letal, de herança autossômica
recessiva, mais comum entre pacientes de cor branca. Embora seja uma doença
genética, na qual o defeito básico acomete células de vários órgãos, nem todos
os indivíduos expressam respostas clínicas na mesma intensidade. Várias
manifestações clínicas, principalmente pulmonares e digestivas, podem ocorrer
durante a vida dos pacientes. A incidência de FC varia de um a cada 2000-3000
nascimentos em países de predominância caucasiana. Embora a maioria dos
casos seja diagnosticada na infância ou adolescência, uma pequena parcela
(entretanto crescente) é diagnosticada na idade adulta. Decorrente de mutações
ocorridas no gene CFTR (que codifica proteína de mesmo nome – do inglês,
cystic fibrosis transmembrane condutance regulator), cuja função principal é o
transporte de cloreto através das células de vários órgãos, a FC é caracterizada
pelo transporte defeituoso nestas células. Atualmente, a maior causa de
morbidade nestes pacientes é causada pelos períodos de exacerbação pulmonar
(CFPE – do inglês, cystic fibrosis periods exacerbation), que dão origem aos
danos pulmonares irreversíveis. Devido ao comprometimento patológico que a FC
pode causar em seus pacientes, essa doença assume grande importância e o
diagnóstico precoce é decisivo para um melhor prognóstico. Sendo assim, o
presente estudo teve como objetivo revisar a literatura no que tange aos métodos
mais qualificados para se diagnosticar a FC, e também analisar estudos em curso
sobre novos métodos de diagnóstico que visam prever a ocorrência destes
períodos em sua fase inicial, para então tratar o paciente com a terapia mais
adequada.
Palavras-chave: Fibrose cística, Exacerbação pulmonar, Diagnóstico, CFTR.
vii
ABSTRACT
Cystic fibrosis (CF) is a lethal genetic disease, autosomal recessive, more
common among white patients. Although it is a genetic disease which the basic
defect affects cells of different organs, not all individuals express clinical
responses at the same intensity. Many clinical manifestations, especially lung and
digestive, may occur during the life of CF patients. The incidence of CF varies
from one in 2000-3000 births in a predominantly Caucasian countries. Although
most cases are diagnosed in childhood or adolescence, a small portion (though
growing) is diagnosed in adulthood. From occurring mutations in the CFTR gene
(which encodes the protein of the same name - cystic fibrosis transmembrane
regulator condutance), whose main function is the transport of chloride through the
cells of various organs, cystic fibrosis is characterized by defective transport of
these cells. Currently, the major cause of morbidity in CF patients is caused by
periods of pulmonary exacerbation (CFPE - cystic fibrosis exacerbation Periods),
whose periods give rise to irreversible damage to the lungs. Due to pathological
impairment that CF can have on their patients, the disease is of great importance
and early diagnosis is crucial to a better prognosis. Therefore, this study aimed to
review the literature concerning the methods most qualified to diagnose CF, and
also examine ongoing studies on new diagnostic methods that aim to predict the
occurrence of these periods in its initial phase, and then treating patients with the
most appropriate therapy.
Key Words: Cystic fibrosis, Pulmonary exacerbation, Diagnostic, CFTR.
viii
“Há sonhos que apenas são.
Outros rompem os umbrais oníricos,
revestem-se de realidade e nos motivam
para realizações cada vez maiores.”
Roque Félix
ix
LISTA DE FIGURAS
Figura 1. Sobrevida dos pacientes com FC entre os anos de 1940-2000 ............. 5
Figura 2. Localização do gene CFTR .................................................................... 7
Figura 3. Mutação delta F508 ................................................................................ 8
Figura 4. Deficiências da proteína CFTR .............................................................. 9
Figura 5. Estrutura da proteína CFTR ................................................................. 13
Figura 6. Domínios da proteína CFTR ................................................................. 14
Figura 7. Fisiopatogenia da FC ........................................................................... 16
Figura 8. Hipocrasia ............................................................................................ 17
LISTA DE TABELAS
Tabela 1. Mutações identificadas no gene CFTR .................................................. 8
Tabela 2. Diagnóstico diferencial da FC .............................................................. 19
Tabela 3. Como ocorre a doença pulmonar na FC .............................................. 22
Tabela 4. Manifestações clínicas mais freqüentes nos pacientes com FC .......... 23
Tabela 5. Mutações mais freqüentes que causam fibrose cística ........................ 26
Tabela 6. Manifestações digestivas da FC e suas complicações ........................ 31
Tabela 7. Manifestações digestivas da FC e suas complicações.........................34
x
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ABC
do inglês, ATP-binding-cassete
ADP
Adenosina Difosfato
ATP
Adenosina Trifosfato
ATT
Adenosina-timinatimina
cAMP
Adenosina Monofosfato Cíclica
CFPE
Período de Exacerbação da Fibrose Cística
CFTR
Cl
Regulador Transmembrânico da Fibrose Cística (do inglês, Cystic
Fibrosis Tansmembrane Condutance Regulator)
Cloro
Cl-
Cloreto
Cr
Cromo
∆F508
Mutação Delta F508 (Deleção de uma fenilalanina na posição 508)
DNA
Ácido desoxirribonucléico
DPOC
Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica
IL-8
Interleucina-8
IgA
Imunoglobulina-A
IP
Insuficiência pancreática
K
Potássio
MSD
Domínio transmembranar (do inglês, membrane spanning domains)
xi
N
Nucleotídeo
Na
Sódio
NaCl
Cloreto de Sódio
NBD
PAP
Domínio de ligação de nucleotídeos (do inglês, nucleotide binding
domain)
Canal de cloreto retificador externo (do inglês, Outwardly rectifying
chloride channel)
Proteína associada à prancreatite
PCR
Reação em cadeia da polimerase (do inglês, Polymerase Chain Reaction)
Pi
Fosfato inorgânico (do inglês, inorganic phosphate)
PKA
Proteína quinase dependente de AMPc
R
Regulador (referente ao domínio regulador)
RNAm
Ácido ribonucléico mensageiro
Se
Selênio
TIR
Tripsina Imunorreativa
V
Vanádio
VEF1
Volume Respiratório Forçado em 1 Segundo
ORCC
xii
SUMÁRIO
Página
RESUMO................................................................................................................ vi
ABSTRACT ........................................................................................................... vii
LISTA DE FIGURAS .............................................................................................. ix
LISTA DE TABELAS .............................................................................................. ix
LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS .................................................................. x
1. INTRODUÇÃO ................................................................................................. 14
2. OBJETIVOS ..................................................................................................... 16
2.1. OBJETIVOS ESPECÍFICOS ................................................................... 16
3. REVISÃO DA LITERATURA ........................................................................... 17
3.1. FIBROSE CÍSTICA ................................................................................. 17
3.1.1. Epidemiologia........................................................................... 17
3.1.2. Gene CFTR ............................................................................... 19
3.1.3. Proteína CFTR .......................................................................... 25
3.2. SINTOMATOLOGIA ................................................................................ 28
3.2.1. Manifestações Pulmonares da FC .......................................... 32
3.3. DIAGNÓSTICO ....................................................................................... 35
3.3.1. Teste Do Suor ........................................................................... 37
3.3.2. Análise de Mutações................................................................ 38
3.3.3. Insuficiência Pancreática ........................................................ 40
3.3.4. Detecção de Enzimas Nas Fezes ............................................ 41
xiii
3.3.5. Detecção de Enzimas No Sangue ........................................... 41
3.3.6. Diagnóstico Pré-Natal .............................................................. 42
3.3.7. Triagem Neonatal ..................................................................... 43
3.3.8. Diagnóstico Diferencial ........................................................... 44
3.4. CFPE ...................................................................................................... 44
3.5. ESTUDOS EM CURSO .......................................................................... 46
3.5.1. Análise Salivar ......................................................................... 46
3.5.2. Utilização de biomarcadores bacterianos ............................. 48
4. CONCLUSÃO .................................................................................................. 51
5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................ 52
14
1. INTRODUÇÃO
Fibrose cística (FC) é uma doença autossômica recessiva, letal, cuja
incidência varia de um para cada 2000 ou 3000 nascimentos em vários países de
população caucasiana, sendo menos freqüente em negros. É decorrente de
mutações ocorridas no gene regulador transmembrânico da fibrose cística (do
inglês, cystic fibrosis transmembrane condutance regulator) também chamado
CFTR que codifica a proteína (de mesmo nome) responsável pelo transporte de
íons através da membrana celular, estando envolvida na regulação de fluxo de
Na+, Cl-, e água.
CFTR é um tipo de proteína pertencente à família de proteínas
transportadoras ABC (ATP-binding cassette) ou traffic ATPase. Estas proteínas
transportam moléculas como glicídios, peptídeos, fosfato inorgânico, cloreto e
cátions de metais através da membrana apical das células epiteliais localizadas
nos pulmões, fígado, pâncreas, intestinos, trato reprodutivo e pele.
O resultado das mutações no gene CFTR é o transporte defeituoso de
cloreto nas células. Em estudos in vitro sugerem que mutações diferentes podem
causar defeitos diferentes na produção de proteína e sua função. Os mecanismos
pelos quais essas mutações perturbam a função do CFTR são: defeito na
produção de proteína, o processamento, a regulação do canal, condutância, além
dos níveis reduzidos da proteína. A redução ou eliminação da excreção de cloreto
através do canal CFTR, provoca maior fluxo de íon sódio para preservar o
equilíbrio eletroquímico e, conseqüentemente de água, por ação osmótica. Isso
produz secreções desidratadas e viscosas, associadas com obstrução, destruição
e fibrose de vários ductos exócrinos.
Devido ao fato de esta proteína estar inserida em diversos órgãos, o seu
mau funcionamento acarreta em diversas alterações, como: doença pulmonar
obstrutiva crônica em quase todos os indivíduos afetados; insuficiência
pancreática; íleo meconial; diabetes melitus associada à doença pancreática;
doença obstrutiva do trato biliar; e azoospermia no caso de pacientes do sexo
masculino.
15
Seu diagnóstico é sugerido por estas características clínicas, além de
exames laboratoriais para a sua confirmação, dentre eles o teste do pezinho,
teste do suor, exame de sangue, DNA, testes de escarro e períodos de
exacerbação pulmonar aguda (do inglês, CFPEs). É importante ressaltar que são
nesses períodos que ocorrem os danos pulmonares irreversíveis e que estes são
a maior causa de morbidade em pacientes com FC (LIMA, 2012).
Devido ao comprometimento patológico que a FC pode causar em seus
pacientes, essa doença assume grande importância e o diagnóstico precoce é
decisivo para um melhor prognóstico. A partir desta proposta, estudos recentes
buscam cada vez mais alternativas viáveis de diagnóstico a fim de intervir antes
do início de uma resposta inflamatória, evitando os danos associados às vias
aéreas.
Embora uma série de ensaios de biomarcadores com base em marcadores
inflamatórios tem sido desenvolvida, que prevê medidas úteis e importantes da
doença durante esses períodos, tais fatores são tipicamente elevados somente
uma vez que o processo de exacerbação foi iniciado (LIMA, 2012). A necessidade
de se identificar biomarcadores que possibilitem a previsão da exacerbação
pulmonar em sua fase inicial proporcionaria uma oportunidade de intervir antes do
estabelecimento de uma resposta imunológica, o que evitaria os danos
pulmonares irreversíveis e seus riscos à vida do paciente, implicando assim no
avanço dos cuidados de fibrose cística.
16
2. OBJETIVO
O objetivo deste trabalho é revisar a literatura acerca dos avanços no
diagnóstico da fibrose cística pulmonar a fim de relacioná-los com a prevenção
das exacerbações pulmonares.
2.1. OBJETIVOS ESPECÍFICOS
Este trabalho tem como objetivos específicos:
1. Definição de fibrose cística;
2. Caracterização do gene CFTR;
3. Caracterização da proteína CFTR;
4. Sintomatologia;
5. Diagnóstico;
6. Novas estratégias de diagnóstico da Fibrose Cística.
17
3. REVISÃO DA LITERATURA
3.1. FIBROSE CÍSTICA
A fibrose cística é uma das mais comuns graves doenças genéticas
autossômicas recessivas em populações de ascendência européia do norte
(LIMA, 2012). Também conhecida como Mucoviscidose, a Fibrose Cística é uma
doença genética autossômica (não ligada ao cromossomo x) recessiva (na qual
são necessárias mutações nos dois cromossomos do par afetado para a doença
se manifestar) causada por um distúrbio nas secreções de algumas glândulas,
nomeadamente as glândulas exócrinas (glândulas produtoras de muco)
(Disponível em: www.fibrosecistica.com, acesso em jan. 2012).
A Fibrose Cística é uma doença hereditária cuja maior prevalência ocorre
em indivíduos de etnia caucasiana. Embora seja uma doença genética, em que o
defeito básico acomete células de vários órgãos, nem todos os indivíduos
expressam respostas clínicas na mesma intensidade. As principais manifestações
clínicas são pulmonares e digestivas e podem ocorrer durante a vida dos
pacientes com fibrose cística (RIBEIRO; RIBEIRO; OLIVEIRA RIBEIRO, 2006).
3.1.1 Epidemiologia
A fibrose cística é a mais comum desordem autossômica recessiva em
caucasianos, com uma freqüência de aproximadamente 1 em cada 2.500
nascidos
vivos.
As
manifestações
clínicas
incluem
infecção
pulmonar,
insuficiência pancreática, elevados níveis de cloro no suor, infertilidade, e
síndrome de pseudo-Bartter. A doença pulmonar é a principal causa de
morbidade e mortalidade (ROLIM, 2012).
Nos Estados Unidos, a fibrose cística é reconhecida em aproximadamente
1:2500
e
1:17.000
nascidos
vivos
em
populações
brancas
e
pretas,
respectivamente (RICHARD, 2010).
Geralmente, as mutações do gene da FC são mais prevalentes no Norte e
Europa Central e em pessoas que derivam dessas áreas. Uma incidência
18
intermediária é provável, embora menos bem documentada em não-europeus
brancos. A FC é considerada rara nos índios americanos, populações asiáticas, e
nos nativos negros da África. Tem sido sugerido que a freqüência relativamente
baixa em populações que vivem em localizações geográficas tropicais e
semitropicais está relacionada com diversas conseqüências no passado de perda
de sal excessivo nos heterozigotos, bem como homozigotos para o gene da FC
(RICHARD, 2010).
Em populações de brancos, 2% a 5% são portadores de uma mutação no
gene CF. Essas pessoas não têm estigmas clínicos de FC. Embora um certo
número de produtos químicos ou alterações fisiológicas têm sido descritos em
heterozigotos, estas alterações podem ser identificadas apenas numa base
estatística (RICHARD, 2010).
A Fibrose Cística foi, durante anos, responsável pela morte precoce de
seus portadores, devido a não existência de tratamentos adequados que
pudessem prolongar a sobrevida, além de seu diagnóstico ser dificultoso ou até
mesmo tardio. Contudo, com o passar dos anos e com os altos investimentos
aplicados nesta área foi possível oferecer melhores tratamentos, mais eficazes e
que promoveram o aumento da sobrevida dos pacientes com Fibrose Cística
(Figura 1). Destaque para o ano de 1990, em que houve um início e aumento
crescente da produção científica nacional sobre fibrose cística.
Figura 1: Sobrevida dos pacientes com Fibrose Cística entre os anos de 19402000.
Fonte: RIBEIRO, 2006.
A Fibrose Cística deve-se a mutações ocorridas no gene CFTR, o qual
codifica a proteína (de mesmo nome) responsável pelo transporte de íons através
da membrana celular, estando envolvida na regulação de fluxo de Cl -, Na+ e
19
água. A proteína CFTR funciona como um canal transportador de íons cloreto,
sódio e outras moléculas como glicídios, peptídeos e fosfato inorgânico. Uma
deficiência nesta proteína causa redução na excreção do cloro, com aumento da
eletronegatividade intracelular, resultando em maior fluxo de sódio, resultando na
produção de um muco viscoso (ROGERS et al., 2011).
A Fibrose Cística Pulmonar é caracterizada por um ciclo de obstrução das
vias aéreas, infecção bacteriana crônica e inflamação vigorosa que resulta em
bronquioectasia. Mais de 90% das pessoas com FC morrem como conseqüência
de lesão pulmonar progressiva resultante de infecção bacteriana (ROGERS et al.,
2011).
A FC engloba-se num grupo de patologias denominadas D.P.O.C (doença
pulmonar obstrutiva crônica) que se caracterizam por haver uma obstrução
crônica das vias aéreas, diminuindo a capacidade de ventilação. Afeta tanto o os
pulmões
como
também
o
sistema
gastrintestinal
(Disponível
em:
www.fibrosecistica.com, acesso em jan. 2012). Pacientes com FC têm
tipicamente períodos de remissão clínica intercalados com episódios agudos de
aumento de sintomas respiratórios, conhecida como cystic fibrosis period
exacerbation (CFPE). Estes períodos estão diretamente ligados aos danos
irreversíveis causados aos pulmões destes pacientes, o que os leva a morbidez e
morte precoce (ROGERS et al., 2011).
Embora a FC seja uma doença multissistêmica, o envolvimento do pulmão
é a principal causa de morbidade e mais de 90% de mortalidade (MISHRA et al,
2005).
3.1.2. Gene CFTR
Em 1989 foi identificado o gene da fibrose cística através da análise
seqüencial do DNA (FARIA et al., 1997). O gene da fibrose cística localiza-se no
braço longo do cromossomo 7, no lócus q31 (Figura 2), é formado por 250kb de
ácido desoxirribonucléico (DNA), com 27 éxons e tem a propriedade de codificar
um ácido ribonucléico mensageiro (RNAm) de 6,5kb, que transcreve uma
proteína transmembrana, reguladora de transporte iônico, composta de 1.480
20
aminoácidos, conhecida como CFTR (RIBEIRO; RIBEIRO; OLIVEIRA RIBEIRO,
2006).
Figura 2: Localização do gene CFTR no cromossomo 7.
Adaptado de: GENETICS HOME REFERENCE, 2012.
Mais de mil mutações já foram descritas no gene da fibrose cística (Tabela
1). A deleção de três pares de bases, adenosina-timinatimina (ATT) foi
identificada no gene CFTR, éxon 10, o que resulta na perda de um único
aminoácido, fenilalanina na posição 508 da proteína (Figura 3). Essa mutação é
denominada DF508; “D” significa supressão e “F”, abreviação do aminoácido
fenilalanina (REIS; DAMACENO, 1998).
21
Tabela 1: Mutações identificadas no gene
CFTR
Adaptado de: ROLIM et al., 2010.
Figura 3: Mutação delta F508. Deleção da trinca de bases CTT.
Adaptado de: Gene Gateway – Exploring Gene and Genetics Disorders.
As mutações no gene da fibrose cística, causadas pela presença de dois
alelos, provocam ausência de atividade, ou funcionamento parcial da CFTR,
provocando redução na excreção do cloro, com aumento de eletro negatividade
intracelular, resultando em maior fluxo de sódio para preservar o equilíbrio
22
eletroquímico e secundariamente de água para a célula por ação osmótica
(RIBEIRO; RIBEIRO; OLIVEIRA RIBEIRO, 2006).
A principal mutação mais conhecida identificada no gene da FC é a
deleção de 3 pares de bases que levam à ausência da fenilalanina na posição
508 da proteína CFTR (∆F508). Isso resulta em uma célula epitelial onde a
proteína CFTR está ausente na membrana plasmática e, conseqüentemente, há
uma falha no transporte de cloretos. Essa mutação ocorre em torno de 70% dos
casos no norte da Europa e pode variar significativamente entre os diferentes
grupos étnicos (BARTH; PITT, 1998).
As mutações CFTR podem agrupar-se em cinco classes funcionais
diferentes (Figura 4).
Figura 4: Deficiências da proteína CFTR em virtude da mutação genética.
Adaptado de: RIBEIRO; RIBEIRO; OLIVEIRA RIBEIRO, 2006.
As mutações no gene CFTR foram classificadas em cinco grupos
diferentes de acordo com o mecanismo pelo qual eles interrompem a função do
CFTR (ROWNTREE, HARRIS, 2003). As mutações I, II e III conferem formas
clínicas mais graves e as mutações IV e V conferem manifestações clínicas mais
leves (RIBEIRO; RIBEIRO; OLIVEIRA RIBEIRO, 2006).
a) Classe I – Mutações que afetam a biossíntese: Cerca de metade das
mutações no CFTR é esperada para impedir a síntese adequada de todo o
comprimento da proteína CFTR. As mutações de classe 1 no gene CFTR incluem
os fenótipos mais graves, devido a nenhuma proteína a ser sintetizada. Estas
mutações, sendo a G542X mais comum, previnem a síntese de uma proteína
estável ou resultam na produção de uma proteína truncada, devido à criação de
23
um códon de terminação prematuro. As proteínas truncadas são geralmente
instáveis, são reconhecidas por proteínas chaperonas no retículo endoplasmático
e são rapidamente degradadas. Mutações promotoras previstas são susceptíveis
de ter efeitos semelhantes, reduzindo o nível de transcrição, bem como 'stop' de
mutações que reduzem o nível de todo o comprimento do mRNA por splicing fora
do éxon contendo a mutação (ROWNTREE, HARRIS, 2003).
b) Classe II – Mutações que afetam a maturação da proteína: Mutações de
classe II resultam na falta de proteína funcional na membrana celular. A mutação
F508, uma deleção de três bases que codifica um resíduo fenilalanina na posição
508 no interior do primeiro domínio NBD, resulta em dobragem da proteína CFTR
e, portanto, deslocamento da proteína madura. ∆F508 foi classificada como uma
mutação de classe II com base na análise em um sistema de expressão
heterólogo que demonstrou que F508 CFTR foi sintetizado, mas não para
amadurecer ou proceder para além do retículo endoplásmico (ROWNTREE,
HARRIS, 2003).
c) Classe III – mutações que afetam a regulação do canal de cloreto: As
mutações do gene CFTR na classe de proteínas produto III que é traficada para a
membrana celular, mas, em seguida, não respondem à estimulação de cAMP.
Todas as mutações atribuídas a esta classe estão localizados dentro das pregas
de ligação de nucleotídeos, e são susceptíveis de afetar a ligação de ATP ou o
acoplamento de ligação de ATP para a ativação do canal, tal como por prevenção
da transmissão de uma alteração conformacional. O G551D é um exemplo de
uma mutação classe III (ROWNTREE, HARRIS, 2003).
d) Classe IV – Mutações que afetam a condutância de cloreto: Mutações
Classe IV incluem os casos onde o gene CFTR codifica uma proteína que está
corretamente traficada para a membrana celular e responde a estímulos, mas
gera uma reduzida corrente de cloreto (por exemplo, R117H). A maioria das
mutações da classe IV, analisadas até à data estão localizados dentro dos
domínios de membrana de expansão. A expressão de vários mutantes deste tipo
num sistema heterogênico resultou na produção de uma corrente de cloreto de
que foi ativado por cAMP. Estudos mais recentes de mutações de classe IV no
CFTR localizado dentro do éxon 13 que codifica o domínio regulador têm
24
demonstrado que estas mutações podem ter efeitos diferentes sobre os níveis de
condutância de cloreto (ROWNTREE, HARRIS, 2003).
e) Classe V – mutação que altera a quantidade de proteínas na membrana:
A proteína permanece normal havendo uma diminuição da sua quantidade.
Recentemente, Mishra et al. (2005) descreveram a mutação de classe VI.
Nela inclui mutações que causam o comprometimento da proteína CFTR, devido
à baixa estabilidade da proteína.
O gene CFTR fornece instruções para fabricar a proteína CFTR. Esta
proteína funciona como um canal através da membrana de células que segregam
muco, suor, saliva, lágrimas, e enzimas digestivas. O canal de transporte de
partículas carregadas negativamente chamados íons cloreto para dentro e para
fora das células. O transporte de íons cloreto ajuda a controlar o movimento da
água nos tecidos, o que é necessário para a produção de muco que flui
livremente pelos tecidos. O muco é uma substância escorregadia que lubrifica e
protege a mucosa das vias respiratórias, sistema digestivo, sistema reprodutivo, e
outros órgãos e tecidos (Disponível em: ghr.nlm.nih.gov/gene/CFTR. Acesso em
mar. de 2012).
Doenças causadas por mutações no gene CFTR alteram a produção,
estrutura, ou a estabilidade do canal do cloreto. Todas estas alterações impedem
o canal de funcionar adequadamente, o que compromete o transporte de íons
cloreto e do movimento de água para dentro e para fora das células. Como
resultado, as células que revestem as passagens dos pulmões, pâncreas, e
outros órgãos produzem o muco que é anormalmente espesso e viscoso. O muco
anormal obstrui as vias aéreas e glândulas, levando aos sinais e sintomas
característicos da fibrose cística (GENETICS HOME REFERENCE, 2012).
Nas vias aéreas ocorrem alterações no líquido de superfície com
desidratação das secreções mucosas e aumento da viscosidade, favorecendo a
obstrução do ducto, que se acompanha de reação inflamatória e posterior
processo de fibrose (RIBEIRO; RIBEIRO; OLIVEIRA RIBEIRO, 2006).
25
3.1.3. Proteína CFTR
O CFTR é um canal de cloreto epitelial fosforilação-dependente. Ele
está localizado principalmente na membrana apical, onde proporciona uma via
para a circulação de cloreto para todos os epitélios e regula a taxa de fluxo de
cloreto. Assim, o CFTR é central na determinação do transporte trans-epitelial de
sal, o fluxo de fluido, e as concentrações de íons. Na bobina secretora do
intestino, pâncreas e glândulas sudoríparas, CFTR desempenha um papel chave
no fluido e secreção de eletrólito e, em glândulas sudoríparas duto e epitélios das
vias aéreas, participa no fluido e absorção de eletrólito (SHEPPARD, WELSH,
1999).
A função biológica do regulador transmembrânico da fibrose cística ou
começou a ser decifrada em 1953 com a observação de que o suor dos pacientes
continha altos níveis de eletrólitos (DISAINT AGNESE et al., 1953). Normalmente,
como as secreções isotônicas viajam das glândulas sudoríparas para a superfície
da pele, as células epiteliais dos ductos reabsorvem NaCl resultando em suor
hipotônico. Porém, os ductos de suor de pacientes com fibrose cística são
impermeáveis aos cloretos. Portanto, o NaCl continua nas secreções e o suor é
salgado. (MATOS, 2005)
O gene da FC codifica o CFTR que é uma proteína de 1480
aminoácidos. O CFTR é um canal de cloreto (Figura 1) cuja maior função está no
processo de absorção/secreção de cloretos das células epiteliais. Esse canal
pode ser detectado no epitélio de alguns órgãos como pâncreas, glândulas
sudoríparas, ductos genitais masculinos, túbulos renais, pulmões, jejuno e cólon
(BARTH; PITT, 1998).
A estrutura de CFTR se assemelha a de uma série de outras proteínas
de transporte de solutos e coloca o produto do gene FC na superfamília de
proteínas ABC (RICHARD, 2010). A proteína CFTR consiste em dois domínios de
membrana, dois domínios de ligação de nucleotídeos (NBDs), e um domínio
regulador, que controla a atividade do canal.
Também chamada de canal de cloro, é sintetizada no núcleo, sofre
maturação
em
organelas
citoplasmáticas
(fosforização
e
glicosilação),
26
localizando-se na membrana apical das células. A CFTR é essencial para o
transporte de íons através da membrana celular, estando envolvida na regulação
do fluxo de Cl-, Na+ e água (RIBEIRO; RIBEIRO; OLIVEIRA RIBEIRO, 2002). A
figura 5 mostra a estrutura proposta para o CFTR.
Figura 5: Estrutura proposta da proteína CFTR. Adaptado de: KOBOLDT, 2011.
A expressão CFTR é restrita a células epiteliais e é encontrada em
níveis moderados de
pâncreas humano,
glândulas
salivares,
glândulas
sudoríparas, intestino e do trato reprodutivo. No pulmão, CFTR é expresso em
níveis baixos na superfície do epitélio das vias aéreas e talvez a níveis mais
elevados dentro de determinadas regiões de glândulas submucosas (RICHARD,
2010).
Estes locais de expressão de CFTR são consistentes com locais de
disfunção
do
tecido
em
pacientes
com
FC.
Estudos
bioquímicos
e
27
imunohistoquímica descrevem uma localização na membrana apical para o CFTR
na maioria epitélios, embora este também possa ser inserido na membrana
basolateral de suor ductal dos epitélios (RICHARD, 2010).
Como dito anteriormente, a mutação ocorrida no gene CFTR vai
influenciar de uma maneira ou de outra, na função da proteína.
A fibrose cística resulta de mutações num locus gênico único no braço
longo do cromossomo 7. Este lócus codifica uma proteína grande que tem vários
domínios transmembranares, dois domínios citoplasmáticos, e numerosos sítios
de fosforilação contendo um domínio regulador (R). As estruturas primárias e
secundárias das proteínas do produto do gene CFTR se assemelham a outras
proteínas
da
membrana
que
atuam
como
bombas
(por exemplo,
os
transportadores ABC) (RICHARD, 2010).
A proteína CFTR contém 1480 aminoácidos compreendendo duas
metades homólogas. É constituída por duas regiões da membrana que
compreendem 6 subunidades, dois domínios de ligação de nucleotídeos (NBD) e
um domínio citoplasmático de regulação, únicos dentro da família ABC, os quais
contém muitos sítios potenciais para a fosforilação do substrato por cinases de
proteínas (Figura 6) (ROWNTREE, HARRIS, 2003).
Figura 6: Os domínios presentes na estrutura da proteína CFTR. Modelo
mostrando a estrutura de domínio proposta do regulador transmembrânico da
fibrose cística (CFTR). MSD, domínio transmembranar; NBD, domínio de ligação
de nucleotídeos; R, o domínio regulador; PKA, dependente de AMPc da proteína
quinase. Adaptado de: SHEPPARD, 1999.
28
As funções do CFTR como um canal de cloreto adenosina-monofosfato
cíclica dependente (cAMP), desempenha um papel importante no transporte de
cloreto através das superfícies epiteliais apicais. O CFTR pode também ter outras
funções, por exemplo, no transporte de bicarbonato, e a proteína interage
diretamente com outras moléculas, sugerindo um papel regulador para CFTR
(ROWNTREE; HARRIS, 2003).
A principal função do CFTR nos canais das glândulas sudoríparas é a de
reabsorver os íons cloreto luminais e aumentar a reabsorção do sódio via canais
de sódio. Por isso nos canais sudoríparos a perda da função do CFTR induz um
decréscimo da absorção do cloreto de sódio e produção de suor hipertônico
(ROBBINS; COTRAN, 2005).
Nos epitélios respiratório e intestinal o canal CFTR forma uma das mais
importantes vias para secreção luminal ativa de cloreto. Nesses locais, as
mutações do CFTR resultam em perda ou redução da secreção do cloro para
dentro do lume. A absorção ativa do sódio luminal é também aumentada (devido
a perda da atividade de inibição do canal de sódio) e ambas essas alterações do
íon aumentam a absorção passiva de água pelo lume, baixando o conteúdo de
água da camada fluida superficial que reveste as células da mucosa. Por isso,
diferentemente do que ocorre nos canais sudoríparos, não existe diferença na
concentração de sal da camada líquida superficial das células mucosas
respiratórias e intestinais nos indivíduos normais versus os portadores de fibrose
cística (ROBBINS; COTRAN, 2005).
Apesar das diferentes categorias de mutação, a anormalidade no gene da
FC irá, invariavelmente, provocar um transporte anormal de íons na superfície da
célula epitelial e, como conseqüência, irá causar a desidratação das secreções
(BARTH; PITT, 1998).
3.2. SINTOMATOLOGIA
As principais manifestações clínicas da fibrose cística são síndrome de má
absorção devido à insuficiência pancreática exócrina, perda excessiva de
eletrólitos no suor (fato que predispõe as crianças menores a episódios de
29
depleção salina, especialmente diante de vômitos e/ou diarréia e durante o verão,
doença pulmonar obstrutiva crônica, dentre outras. Todas elas iniciam
comumente no primeiro ano de vida, levando a um quadro de desnutrição com
crescimento pôndero-estatural e amadurecimento ósseo retardados (DORNELAS
et al., 2000).
Embora o defeito básico esteja presente em células de vários órgãos, nem
todos os indivíduos expressam respostas clínicas nas mesmas intensidades e
formas. Elas podem ser muito variadas, multissistêmicas e ocorrer desde o
período intra-uterino. A falência respiratória é a causa de morte em mais de 90%
dos pacientes (RIBEIRO; RIBEIRO; OLIVEIRA RIBEIRO, 2006).
A presença de dois alelos com mutações no gene da FC provoca ausência
de atividade, ou funcionamento parcial da CFTR, causando redução na excreção
do cloro e aumento da eletronegatividade intracelular, resultando em maior fluxo
de Na para preservar o equilíbrio eletroquímico e, secundariamente, de água para
a célula por ação osmótica. Ocorre então, desidratação das secreções mucosas e
aumento da viscosidade, favorecendo a obstrução dos ductos, que se
acompanha de reação inflamatória e posterior processo de fibrose (Figura 7)
(RIBEIRO; RIBEIRO; OLIVEIRA RIBEIRO, 2002).
Figura 7: Fisiopatogenia da Fibrose Cística. Adaptado de: RIBEIRO; RIBEIRO;
OLIVEIRA RIBEIRO, 2002.
30
O defeito básico acomete células de vários órgãos, e nem todos os
indivíduos expressam respostas clínicas semelhantes. As manifestações clínicas
podem ser muito variáveis e ocorrer precocemente, ou na vida adulta. O
acometimento do trato respiratório associa-se com a maior morbidade e é causa
de morte em mais de 90% dos pacientes (RIBEIRO; RIBEIRO; OLIVEIRA
RIBEIRO, 2002).
Esta anomalia no gene CFTR normalmente é diagnosticada logo na
infância precoce e o quadro clínico típico, neste escalão etário, é de atraso de
crescimento, esteatorréia e infecções respiratórias freqüentes, além disso,
denota-se, com o avançar da idade uma distorção no ângulo normal das unhas
(Figura 8) (Disponível em: medicina.med.up.pt . Acesso em mar. de 2012).
Figura 8: Hipocratismo (do inglês, “Clubbing”).
Adaptado de: FRANCISCAN ST. MARGARET HEALTH, 2011.
O "Clubbing" (ou hipocratismo) resulta de níveis crônicos e baixos de
sangue oxigenado. A ponta dos dedos aumenta ou "engorda" e as unhas ficam
extremamente curvadas da frente para trás (Disponível em: medicina.med.up.pt .
Acesso em mar. de 2012).
Quando uma criança nasce com fibrose cística, os sintomas geralmente
aparecem no primeiro ano de vida, embora, ocasionalmente, podem se
31
desenvolver mais tarde. O muco espesso e pegajoso no corpo afeta vários
órgãos, principalmente os pulmões e o sistema digestivo (RIBEIRO; RIBEIRO;
OLIVEIRA RIBEIRO, 2002).
A fibrose cística se apresenta de muitas maneiras e “imita” um número de
outras patologias clínicas. Suas apresentações usuais incluem o início precoce
dos sintomas do trato respiratório, tosse, particularmente persistente e infiltrados
pulmonares recorrentes ou refratárias. Habituais apresentações gastrointestinais
incluem íleo meconial em aproximadamente 15% dos pacientes e esteatorréia
(RICHARD, 2010).
As manifestações digestivas são, na sua maioria, secundárias à
insuficiência pancreática (IP). A obstrução dos canalículos pancreáticos por
tampões mucosos impede a liberação das enzimas para o duodeno,
determinando má digestão e má absorção de gorduras, proteínas e hidratos de
carbono. Causa também diarréia crônica, com fezes volumosas, gordurosas,
pálidas, de odor característico e, finalmente, desnutrição calórica protéica,
acentuada por outros fatores inerentes à FC (RIBEIRO; RIBEIRO; OLIVEIRA
RIBEIRO, 2002).
A IP está presente em cerca de 75% dos fibrocísticos ao nascimento, em
80-85% até o final do primeiro ano, e em 90% na idade adulta. Os pacientes que
não desenvolvem IP têm melhor prognóstico, pois conseguem manter um melhor
estado nutricional. A primeira manifestação da IP na FC é o íleo meconial
(obstrução do íleo terminal por um mecônio espesso), que aparece em 15-20%
dos pacientes. Porém, a maioria dos diagnósticos de íleo meconial (90%) é
relativa à FC. Portanto, deve-se ressaltar a importância de tratar todo paciente
com íleo meconial como FC até prova em contrário. Outra manifestação que pode
ocorrer ainda no período neonatal, em cerca de 5% dos FC, é edema
hipoproteinêmico secundário à IP (RIBEIRO; RIBEIRO; OLIVEIRA RIBEIRO,
2002).
O acometimento hepatobiliar é reconhecido desde a primeira descrição da
FC, e está presente em mais de 50% das necropsias. Em estudos prospectivos,
25% dos pacientes apresentam alterações laboratoriais, cerca de 5% são
sintomáticos, e 2% morrem por doença hepatobiliar. A secreção anormal de íons
32
pelo epitélio das vias biliares leva a aumento da viscosidade, com diminuição do
fluxo biliar, predispondo à obstrução biliar e à reação inflamatória, culminando
com fibrose biliar (RIBEIRO; RIBEIRO; OLIVEIRA RIBEIRO, 2002).
As manifestações nutricionais e metabólicas freqüentes podem ser
observadas na Tabela 2. Outras manifestações incluem atraso puberal,
azoospermia, baqueteamento digital, hérnia inguinal, osteopatia hipertrófica, suor
salgado e vasculite, que são conseqüências do defeito básico, secundárias a sua
evolução ou às complicações da doença e, até mesmo, do tratamento (RIBEIRO;
RIBEIRO; OLIVEIRA RIBEIRO, 2002).
Tabela 2: Diagnóstico diferencial da Fibrose Cística
Adaptado de: RIBEIRO; RIBEIRO; OLIVEIRA RIBEIRO, 2002.
Dentre outros sinais e sintomas presentes na Fibrose Cística está “pele
salgada”; desidratação; diarréia contínua ou volumosa, com aparecimento de
fezes fétidas e gordurosas; pólipos nasais ou desvio de septo (requer cirurgia);
colapso pulmonar (pneumotórax); diabetes; cálculos biliares; baixa densidade
óssea (baixos níveis de vitamina D).
3.2.1 Manifestações Pulmonares da FC
O declínio da função pulmonar ocorre devido a defeitos básicos
associados à função anormal desse regulador (CFTR), resultando em
33
desidratação das secreções originada pela disfunção combinada com o tecido
danificado devido à seqüela de infecções bacterianas anteriores (MATOS, 2005).
A infecção crônica do trato respiratório é uma das manifestações clínicas
predominantes da fibrose cística (FC) e é responsável por 75 a 85% das mortes
entre os pacientes com FC. A susceptibilidade dos pacientes à infecção pulmonar
já foi reconhecida desde a descrição da doença, em 1940 (GOVAN; DERETIC,
1996), mas a expectativa de vida desses pacientes cresceu muito nos últimos 50
anos, principalmente pelas melhoras no tratamento da doença pulmonar nessa
população, que chega a atingir, em média, 30 anos de idade, variando nos
diferentes países (PIRES, 2005).
No sistema respiratório, o trato superior é colonizado por uma grande
variedade de microrganismos que incluem a microbiota normal enquanto o trato
respiratório inferior é mantido em um estado estéril pelos mecanismos de defesa
do hospedeiro. Estes defensores consistemem barreiras físicas e barreiras
endocíticas e fagocíticas. A falha em qualquer dessas barreiras resulta na
suscetibilidade à infecção pulmonar (MATOS, 2005).
O número de microrganismos associados à infecção pulmonar em
pacientes com FC é relativamente limitado. Staphylococcus aureus, Haemophilus
influenzae e Pseudomonas aeruginosa mucóide e não mucóide são os patógenos
mais comuns, mas o complexo Burkholderia cepacia, Stenotrophomonas
maltophilia, Achromobacter xylosoxidans, Aspergillus spp., micobactérias não
tuberculóides e vírus respiratórios podem também ser potenciais patógenos.
Pseudomonas aeruginosa é o microrganismo mais isolado em escarro de
pacientes com fibrose cística. A idade de aquisição de P. aeruginosa varia a partir
da infância até a idade adulta e a colonização crônica ocorre mais
freqüentemente na adolescência, estando comumente associada ao declínio
progressivo da função pulmonar. (SAIMAN; SIEGEL, 2004).
O acometimento do aparelho respiratório é progressivo e de intensidade
variável. O curso clínico é determinado por muco viscoso e depuração mucociliar
diminuído, predispondo à sinusite, bronquite, pneumonia, bronquiectasia, fibrose
e falência respiratória (RIBEIRO; RIBEIRO; OLIVEIRA RIBEIRO, 2002).
34
Os pulmões são praticamente normais intra-útero e nos primeiros meses
de vida, exceto por pequenas dilatações e hipertrofia das glândulas submucosas
da traquéia. As alterações se iniciam nas pequenas vias aéreas (RIBEIRO;
RIBEIRO; OLIVEIRA RIBEIRO, 2002).
A colonização bacteriana secundária à retenção de secreção favorece
metaplasia
do
epitélio
brônquico,
impactação
mucóide
periférica
e
desorganização da estrutura ciliar. Formam-se rolhas mucopurulentas nos
brônquios e bronquíolos, com infiltração linfocitária aguda e crônica. O
envolvimento
parenquimatoso
é
menos
freqüente,
mas
podem
ocorrer
pneumonias de repetição, principalmente em pacientes mais jovens. Com a
evolução, formam-se bronquiestasias, geralmente após o segundo ano de vida,
preferencialmente nos lobos superiores, decorrentes da incapacidade do paciente
esterilizar o trato respiratório suprimir o processo inflamatório endobrônquico
(RIBEIRO; RIBEIRO; OLIVEIRA RIBEIRO, 2002).
As bronquiectasias favorecem colapsos das vias aéreas, aprisionamento
de ar e áreas focais de pneumonia hemorrágica. A hipóxia leva a alterações da
vasculatura pulmonar, dilatação das artérias brônquicas e neoformação vascular
próximo às áreas de bronquiectasias. Estas predispõem à ocorrência de shunt
pulmonar, e a ruptura desses vasos pode levar à hemorragia pulmonar (RIBEIRO;
RIBEIRO; OLIVEIRA RIBEIRO, 2002).
A manifestação respiratória mais comum é a tosse crônica persistente, que
pode ocorrer desde as primeiras semanas de vida, perturbando o sono e a
alimentação do lactente. Muitas crianças apresentam-se com história de
bronquiolite de repetição, síndrome do lactente chiador, infecções recorrentes do
trato respiratório ou pneumonias recidivantes. Com a evolução da doença, ocorre
uma
diminuição
da
tolerância
ao
exercício.
Alguns
pacientes
são
oligossintomáticos por vários anos, o que não impede a progressão silenciosa
para bronquiectasias (RIBEIRO; RIBEIRO; OLIVEIRA RIBEIRO, 2002).
A doença pulmonar evolui em praticamente 100% dos fibrocísticos para
cor pulmonale. Nas fases avançadas, os pacientes têm tórax enfisematoso,
broncorréia purulenta, principalmente matinal, freqüência respiratória aumentada,
dificuldade expiratória, cianose periungueal e baqueteamento digital acentuado.
35
Nessa fase, queixam-se de falta de ar durante exercícios e fisioterapia, e,
posteriormente, em repouso (RIBEIRO; RIBEIRO; OLIVEIRA RIBEIRO, 2002).
As complicações incluem hemoptises recorrentes, impactações mucóides
brônquicas, atelectasias, empiema, enfisema progressivo, pneumotórax, fibrose
pulmonar e osteopatia hipertrófica (RIBEIRO; RIBEIRO; OLIVEIRA RIBEIRO,
2002).
As vias aéreas superiores são comprometidas na totalidade dos pacientes,
na forma de pansinusite crônica, com reagudizações, otite média crônica ou
recorrente, anosmia, defeitos de audição e rouquidão transitória. A polipose nasal
recidiva ocorre em aproximadamente 20% dos pacientes e pode ser a primeira
manifestação da doença (RIBEIRO; RIBEIRO; OLIVEIRA RIBEIRO, 2002).
A Tabela 3 mostra um resumo dos principais eventos que ocorrem nos
pulmões decorrentes da FC (RIBEIRO; RIBEIRO; OLIVEIRA RIBEIRO, 2002).
Tabela 3: Como acontece a doença pulmonar na Fibrose Cística.
Mutação genética
Defeito na proteína CFTR
Transporte anormal de água e eletrólitos
Produção de secreção de muco espesso e viscoso
Colonização e infecção crônica das vias aéreas
Acúmulo de DNA derivado de neutrófilos e de secreções ricas
em elastase
Obstrução das vias aéreas e mais infecção
Doença pulmonar obstrutiva crônica
Adaptado de: RIBEIRO; RIBEIRO; OLIVEIRA RIBEIRO, 2002.
Como visto, as doenças pulmonares como pneumonias, bronquioestasias,
com tendência à colonização por Pseudomonas aeruginosa e Staphylococcus
aureus são os principais fatores limitantes para a longevidade dos pacientes com
fibrose cística, devido aos danos pulmonares irreversíveis causados ao paciente
(DORNELAS et al., 2000).
3.3. DIAGNÓSTICO
O diagnóstico de fibrose cística (FC) deve ser feito o mais precocemente
possível. Nos Estados Unidos, o diagnóstico de FC já consegue ser confirmado
36
em 71% dos pacientes fibrocísticos ao completarem o primeiro ano de vida. No
Brasil a média de idade ao se fazer o diagnóstico de FC foi de 4,5 anos em 1995
(REIS; DAMACENO, 1998).
É essencial que se confirme ou que se exclua o diagnóstico de FC o mais
precocemente possível, mas, além disso, ele deve ser executado com elevado
grau de precisão, para que se evite a realização desnecessária de outros testes e
para se fornecer de imediato uma terapêutica apropriada. Logo após a
confirmação do diagnóstico, deve-se avaliar o prognóstico, além de se poder
fazer o aconselhamento genético e de assegurar ao paciente acesso a serviço
médico especializado. Na maioria dos casos, o diagnóstico de FC é altamente
sugerido pela presença de uma ou mais manifestações clínicas típicas da doença
(Tabela 4) e, em seguida, confirmado pela demonstração de concentração
elevada de cloro no suor (REIS; DAMACENO, 1998).
Tabela 4: Manifestações clínicas mais freqüentes nos pacientes com fibrose
cística, à época do diagnóstico (n= 20.096)
Manifestações Clínicas
Nº
%
Sintomas respiratórios agudos ou persistentes
10.141
50,5
Desnutrição/Baixo crescimento físico
8.628
42,9
Esteatorréia/Fezes anormais
7.024
35,0
Íleo meconial/Obstrução intestinal
3.788
18,8
História familiar
3.368
16,8
Distúrbios eletrolíticos
1.094
5,4
Prolapso retal
677
3,4
Triagem neonatal
459
2,3
Pólipos nasais/Sinusopatia
404
2,0
Genótipo
242
1,2
Doença hepatobiliar
175
0,9
Adaptado de: REIS; DAMACENO, 1998.
O diagnóstico clínico de fibrose cística deve ser cogitado diante dos
seguintes elementos: 1) presença de fibrose cística na irmandade ou em
parentes, ou referência de um óbito inexplicável na família, com quadro clínico
compatível com fibrose cística; 2) presença de íleo meconial; 3) infecções
respiratórias de repetição; 4) a ocorrência de doença pulmonar obstrutiva crônica
não relacionada ao tabagismo; 5) diarréia crônica, especialmente se apresentar
fezes esteatorréicas; 6) déficit pôndero-estatural em crianças com ingestão
37
alimentar razoável e alguma manifestação respiratória e/ou digestiva; 7) edema e
anemia no primeiro semestre de vida. Dos exames complementares, o que
realmente firma o diagnóstico é o teste do cloro no suor com aumento da
excreção de cloro e/ou sódio no suor. O suor é induzido por iontoforese por
pilocarpina, segundo a técnica de Gibson & Cooke. Uma concentração de cloro
no suor maior que 60mmoles/l em duas ocasiões diferentes, em amostras
contendo pelo menos 100mg de suor, confirma o diagnóstico de fibrose cística
(DORNELAS et al., 2000).
Nos países desenvolvidos, a maioria dos pacientes tem diagnóstico
firmado antes dos dois anos de idade. No Brasil, 40 a 50% dos casos são
diagnosticados após três anos de idade. É responsabilidade do pediatra geral
estar alerta para as manifestações clínicas da FC, para melhor orientar os
exames diagnósticos (RIBEIRO; RIBEIRO; OLIVEIRA RIBEIRO, 2002).
Por ordem de especificidade, o diagnóstico de FC deveria ser realizado: (1)
pelo achado de duas mutações no gene FC, ou (2) por dois testes do suor
alterados, ou (3) pela presença de pelo menos uma das seguintes manifestações
clínicas epidemiológicas:
– doença pulmonar obstrutiva / supurativa ou sinusal crônica;
– insuficiência pancreática exócrina crônica;
– história familiar de FC;
– triagem neonatal pelo método da tripsina imunorreativa (TIR)
– medida da diferença de potencial na mucosa nasal
Muitos sinais e sintomas que aparecem na FC são encontrados em
doenças de elevada incidência em nosso meio (doenças respiratórias, diarréias e
desnutrição), devendo o pediatra estar atento para possibilidade da FC
(RIBEIRO; RIBEIRO; OLIVEIRA RIBEIRO, 2002).
3.3.1. Teste Do Suor
Padrão áureo para o diagnóstico da FC, com elevada sensibilidade e
especificidade (>95%), baixo custo e não invasivo. Atualmente, o único
procedimento aceitável é o da dosagem quantitativa de cloretos no suor, obtidos
38
pelo método da ionoforese por pilocarpina, padronizados por Gibson & Cooke. A
quantidade de suor deve ter no mínimo 100mg (RIBEIRO; RIBEIRO; OLIVEIRA
RIBEIRO, 2002).
A estimulação térmica, coleta de suor sem estimulação, e métodos de
condutividade ou de osmolaridade não devem ser usados para diagnóstico, por
apresentarem resultados falso-positivos e negativos (RIBEIRO; RIBEIRO;
OLIVEIRA RIBEIRO, 2002).
Os pacientes portadores de FC com suficiência pancreática são
caracterizados por um curso clínico mais suave, melhor estado nutricional, função
pulmonar e diagnóstico mais tardio. A variabilidade da expressão fenotípica da
FC é dependente de fatores como mutações do gene, carga genética e fatores
ambientais (LEMOS et al., 2004).
É importante salientar que o teste de suor normal não exclui o diagnóstico
de formas atípicas de FC. Atualmente os casos duvidosos podem ser
confirmados através do estudo genético (MATOS, 2005).
3.3.2. Análise de Mutações
A identificação de duas mutações conhecidas confirma o diagnóstico de
FC, sendo decisivo naquele paciente que apresenta quadro clínico compatível e
teste do suor não conclusivo (RIBEIRO; RIBEIRO; OLIVEIRA RIBEIRO, 2002).
A análise das mutações é de alto custo, e, no Brasil, são poucos os
centros capacitados em realizá-la (MATOS, 2005). A varredura das 25 mutações
mais freqüentes detecta 80 a 85% dos alelos de pacientes com FC33. Dessa
forma, a confirmação do diagnóstico pelo teste genético é extremamente
específica, porém não muito sensível (RIBEIRO; RIBEIRO; OLIVEIRA RIBEIRO,
2002).
A identificação do gene da FC, assim como das suas mutações, que se
relacionam com as manifestações clínicas - relação genótipo-fenótipo -, levantou
a possibilidade de se utilizar a análise das mutações (teste de DNA) para
substituir com maior precisão o teste de suor em determinadas circunstâncias.
Inúmeros problemas de interpretação clínica surgiram nos últimos cinco anos em
39
decorrência do grande número de mutações descritas. A presença de mutações
sabidamente relacionadas com a FC, em cada alelo, prediz, com elevado grau de
certeza, que aquele indivíduo tem FC. Uma lista das mutações mais freqüentes
está relacionada na Tabela 5 (REIS; DAMACENO, 1998).
Tabela 5 - Mutações mais freqüentes que causam fibrose cística
Mutação
Frequência (%)
E. E. U. U. Brasil*
∆F508
66,0
47,0
G542X
2,4
5,5
G551D
1,6
0,2
N133K
1,3
2,6
W1282X
1,2
R533X
0,7
0,8
621+1G>T
0,7
1717-1G>T
0,6
* em pacientes caucasóides
Adaptado de: REIS; DAMACENO, 1998.
A confirmação do diagnóstico de FC baseado no teste genético de DNA é
extremamente específico, porém não muito sensível. Algumas mutações podem
aparecer somente em grupos populacionais especiais, como nos judeus, ou em
situações atípicas, por exemplo, pacientes com suficiência pancreática com baixa
estatura como único sintoma ou então, em pacientes que apresentam níveis
normais ou limítrofes de concentração de eletrólitos no suor. Mesmo com a
melhora da sensibilidade dos testes genéticos, uma grande parcela dos pacientes
com FC será portador de uma mutação não identificada (REIS; DAMACENO,
1998).
Em resumo, em indivíduos com manifestações clínicas consistentes com
FC, a identificação de duas mutações conhecidas de FC, em laboratório
credenciado, confirma o diagnóstico de FC. O achado de uma única mutação
deve ser associado à confirmação de disfunção da CFTR, além de manifestações
clínicas compatíveis com FC. A não detecção de mutações não afasta o
diagnóstico de FC. Deve ficar bem claro que, na maioria absoluta dos casos, o
diagnóstico será confirmado pelo teste de suor positivo e não pela identificação de
duas mutações da FC. Entretanto a análise genética dos pacientes com FC é
40
desejável no sentido de se obter informações prognósticas complementares
(REIS; DAMACENO, 1998).
3.3.3. Insuficiência Pancreática (IP)
A confirmação da IP pode sugerir FC, uma vez que grande parte dos
fibrocísticos tem IP, sendo importante quantificar a sua intensidade, para melhor
adequarmos a terapia de reposição enzimática. Existem vários métodos descritos
para avaliar a função exócrina do pâncreas, conforme relatado a seguir
(RIBEIRO; RIBEIRO; OLIVEIRA RIBEIRO, 2002).
Teste da secretina pancreosimina: teste padrão áureo para quantificar a
função pancreática exócrina. Consiste na determinação de pH e das
concentrações de bicarbonato e enzimas pancreáticas no suco duodenal, colhido
por tubagem duodenal, após estimulação com secretina. Tem as inconveniências
de ser invasivo e de alto custo (RIBEIRO; RIBEIRO; OLIVEIRA RIBEIRO, 2002).
Dosagem da gordura fecal: descrito em 1949, por Van de Kamer, ainda é
usado para avaliar má digestão e má absorção de gorduras. Consiste na coleta
das fezes de 72 horas e determinação da gordura fecal extraída com éter de
petróleo. Apesar da praticidade e do baixo custo, tem a inconveniência da coleta
de todas as fezes durante 72 horas (difícil no lactente) (RIBEIRO; RIBEIRO;
OLIVEIRA RIBEIRO, 2002).
Coeficiente de absorção de gordura: método que avalia a relação entre
uma quantidade de gordura ingerida (5g/kg/dia) e a quantidade de gordura
excretada.Tem o inconveniente da coleta durante 72 horas (RIBEIRO; RIBEIRO;
OLIVEIRA RIBEIRO, 2002).
Esteatócrito: método descrito por Phuapradit e col., em 1981, modificado
por Tran e col., consiste na diluição de uma pequena amostra de fezes,
centrifugação e quantificação da coluna de gordura. A inconveniência é sua
variabilidade, que pode ser contornada com a média de algumas medidas.
Existem as vantagens do baixo custo, pequena amostra de fezes e praticidade
(RIBEIRO; RIBEIRO; OLIVEIRA RIBEIRO, 2002).
41
Microscopia: a coloração de uma amostra diluída de fezes com solução de
Sudan é um método qualitativo de baixa sensibilidade e especificidade (RIBEIRO;
RIBEIRO; OLIVEIRA RIBEIRO, 2002).
3.3.4. Detecção de Enzimas Nas Fezes
Quimiotripsina: a atividade, nas fezes, desta enzima pode ser medida na
prática; porém, a sensibilidade do método é de 64% e especificidade de 89%, e
não pode ser usado nas crianças em terapia de reposição enzimática (RIBEIRO;
RIBEIRO; OLIVEIRA RIBEIRO, 2002).
Elastase: a determinação da elastase fecal, com Kit Elisa, usa 2 anticorpos
monoclonais contra epítopos específicos da elastase pancreática humana, tem
uma correlação significativa com a elastase duodenal e concentrações de
amilase, tripsina e bicarbonato. É método sensível (96%) e específico (100%),
não sofrendo influência da terapia de reposição enzimática. Tem como
desvantagem o alto custo (RIBEIRO; RIBEIRO; OLIVEIRA RIBEIRO, 2002).
Lípase
imunorreativa:
método
de
determinação
imunológica
da
concentração de lipase, em amostra de 3-5g de fezes diluídas em NaCl 0,9%.
Tem sensibilidade de 87% e especificidade de 97% para detectar IP, e não é
afetado pela terapia de reposição enzimática (RIBEIRO; RIBEIRO; OLIVEIRA
RIBEIRO, 2002).
Nitrogênio fecal: existe boa correlação entre a excreção de gordura fecal e
a dosagem de nitrogênio fecal na insuficiência pancreática (RIBEIRO; RIBEIRO;
OLIVEIRA RIBEIRO, 2002).
3.3.5. Detecção de Enzimas No Sangue
Proteína associada à prancreatite (PAP): é uma proteína sintetizada após
dano pancreático. Pode estar presente no sangue dos fibrocísticos logo ao
nascimento. É um método útil quando combinado com outros testes (RIBEIRO;
RIBEIRO; OLIVEIRA RIBEIRO, 2002).
42
Triglicérides: a dosagem de triglicérides, antes e 2 horas após uma
refeição rica em gorduras, é um indicador da função pancreática, embora seja
influenciado por numerosos fatores (RIBEIRO; RIBEIRO; OLIVEIRA RIBEIRO,
2002).
Tripsina imunorreativa (TIR): o aumento do tripsinogênio no sangue foi
observado pela primeira vez por Crossley e confirmado por outros autores.
Admite-se que o aumento da tripsina seja secundário ao refluxo de secreção
pancreática, provocado pela obstrução dos dutos pancreáticos. O teste pode ser
realizado com amostra de sangue recolhido sobre papel de filtro, como na coleta
para fenilcetonúria e hipotireoidismo. A dosagem de TIR é um indicador indireto
da doença, pois avalia apenas a integridade da função pancreática. As
proporções de falso-positivos e falso-negativos são relativamente elevadas
(RIBEIRO; RIBEIRO; OLIVEIRA RIBEIRO, 2002).
Existem poucos trabalhos randomizados controlados, na literatura, que
asseguram a efetividade e eficácia da triagem neonatal na FC. Apesar das
controvérsias, este teste está sendo implantado no Brasil como parte do “teste do
pezinho” ampliado. Portanto, o pediatra geral deverá interpretá-lo corretamente.
Quando o teste for positivo (valores acima do padrão adotado, 70 ou 140 ng/ml),
deverá ser repetido num intervalo de 15-30 dias, e caso persista positivo, o
paciente deverá ser submetido ao teste do suor, para confirmar o diagnóstico de
FC. O teste com a TIR negativo não exclui FC com suficiência pancreática
(RIBEIRO; RIBEIRO; OLIVEIRA RIBEIRO, 2002).
3.3.6. Diagnóstico Pré-Natal
O diagnóstico pré-natal tem sido realizado em núcleos familiares de FC.
Para a realização do diagnóstico molecular, é essencial conhecer as mutações
dos pais. Um segundo passo é obter células nucleadas fetais, colhidas na 10ª
semana de gestação, por biópsia de vilosidades coriônicas, ou na 17ª semana,
pela aminiocentese. A análise do DNA por PCR permite identificar se o feto tem
ou não FC (RIBEIRO; RIBEIRO; OLIVEIRA RIBEIRO, 2002).
43
Infelizmente, muitas vezes as mutações dos pais não são conhecidas.
Nesses casos, utiliza-se a análise indireta, através de polimorfismo intragênico.
Para essa análise, é necessário que o casal já tenha um filho fibrocístico, e que
tenhamos encontrado polimorfismos que sejam informativos. Para uma maior
exatidão do diagnóstico pré-natal, o aconselhável é a utilização dos dois métodos
(RIBEIRO; RIBEIRO; OLIVEIRA RIBEIRO, 2002).
Com o avanço das técnicas de reprodução in vitro, tem sido possível a
realização do diagnóstico de pré-implantação. Por meio de micro manipulação,
um blastômero de cada embrião é separado e analisado por meio da PCR em
célula única. Com isso, é possível escolher os embriões que serão implantados.
Essa técnica permite a casais que já tenham filho fibrocístico programar uma
gestação sem o risco para FC. As questões éticas, culturais, emocionais e
econômicas destes procedimentos exigem a atuação de equipe multiprofissional
(RIBEIRO; RIBEIRO; OLIVEIRA RIBEIRO, 2002).
3.3.7. Triagem Neonatal
O nascimento é um momento impar para fazer o diagnóstico de doenças
crônicas. A identificação precoce de pacientes assintomáticos oferece a
possibilidade de tratamento preventivo e aconselhamento genético. O estudo
genético, apesar da especificidade 100%, tem sensibilidade dependente do
número e freqüência das mutações no gene da FC, na população estudada, além
do elevado custo. Os testes bioquímicos e imunoquímicos, já utilizados para
triagem neonatal, apesar de menor custo, apresentam sensibilidade e
especificidade relativamente baixas (RIBEIRO; RIBEIRO; OLIVEIRA RIBEIRO,
2002).
Os programas experimentais, com triagem neonatal, realizados com
milhões de crianças na Europa, não trouxeram conclusões objetivas. A realização
da triagem neonatal na população em geral é controversa, envolve complexas
questões sociais, culturais, política de saúde, éticas e emocionais. Muitos
especialistas não consideram justificável a triagem populacional, enquanto não
restam dúvidas quanto à importância da triagem em familiares com história de
44
FC, que é apropriada e deve ser estimulada (RIBEIRO; RIBEIRO; OLIVEIRA
RIBEIRO, 2002).
3.3.8. Diagnóstico Diferencial
Várias manifestações clínicas e doenças devem ser lembradas no
diagnóstico diferencial de FC (Tabela 6). Se levarmos em conta a grande
sensibilidade e especificidade do teste do suor, a facilidade da técnica de
realização, o baixo custo e seu caráter não invasivo, este teste deveria ser
realizado sempre que houvesse qualquer possibilidade diagnóstica (RIBEIRO;
RIBEIRO; OLIVEIRA RIBEIRO, 2002).
Tabela 6: Manifestações digestivas da Fibrose Cística e suas complicações
Manifestações Clínicas
Nº
Insuficiência pancreática
Diabetes
Pancreatite
Dor abdominal
Refluxo gastroesofágico
Desnutrição
Diarréia crônica
Anemia
Esteatorréia
Hipovitaminose
Ascite
Hipoproteinemia
Fibrose
Depleção salina
Cirrose
Alcalose metabólica
Colecistite
Edema
Colelitíase
Efeito de massa no quadrante inferior
Colestase
direito
Íleo meconial
Constipação
Prolapso retal
Equivalente meconial
Adaptado de: RIBEIRO; RIBEIRO; OLIVEIRA RIBEIRO, 2002.
3.4. CFPE (Do inglês, cystic fibrosis period exacerbation)
Exacerbações pulmonares na fibrose cística são eventos freqüentes e
responsáveis por uma proporção substancial da carga de morbidade e
mortalidade nesta doença (PARKINS; ELBORN, 2010). Períodos de exacerbação
pulmonar aguda são a causa mais importante de morbidade em pacientes com
fibrose cística, e pode estar associado com uma perda da função pulmonar.
45
Intervir antes do início de uma resposta inflamatória substancialmente aumentada
pode limitar os danos associados às vias aéreas (ROGERS et al., 2011).
Em termos gerais, a fibrose cística das vias aéreas é considerada
dominada por infiltração neutrofílica persistente, com IL-8 e elastase de neutrófilos
elevados nas secreções dessas vias. Há evidências de que citocinas próinflamatórias e outros mediadores são anormalmente elevados em pacientes com
FC. Em relação à carga de infecção, tem sido sugerido que a desregulação
resulta diretamente do defeito subjacente da FC. No entanto, a inflamação é
aumentada em locais de interações epitélio-patógeno das vias aéreas e é elevada
durante o CFPE (ROGERS et al., 2011).
A resposta inflamatória elevada que caracteriza o CFPE forma um ciclo de
feedback (ou retroalimentação) positivo. Neutrófilos ativados liberam grandes
quantidades de proteases, elastase e outros. Além disso, quando esses
neutrófilos quebram, eles liberam grandes quantidades de DNA com alto peso
molecular que aumenta ainda mais a viscosidade das secreções endobrônquicas,
o que dificulta a depuração mucociliar. Desta forma, um ciclo vicioso de infecção
crônica e inflamação ocorre, o que encoraja a persistência de patógenos,
promovendo a obstrução do lúmen das vias aéreas e causando a destruição da
arquitetura das paredes das vias aéreas (ROGERS et al., 2011).
A infecção crônica das vias aéreas com repetidos episódios de
exacerbação bronco-pulmonar aguda continua a ser a principal causa de morte
de indivíduos com FC. Apesar de nossa atual compreensão da base molecular do
fenótipo da FC, relativamente pouco conhecimento existe sobre a fisiopatologia
das exacerbações pulmonares agudas (PARKINS; ELBORN, 2010).
Os 10 sinais e sintomas que indicam a exacerbação pulmonar na fibrose
cística são: aumento da tosse, aumento da produção de escarro, febre, anorexia e
perda de peso, absenteísmo na escola ou no trabalho, diminuição da tolerância
aos exercícios, diminuição na saturação de oxigênio, novos achados na ausculta
pulmonar, novos achados à radiografia de tórax e redução de mais de 10% no
VEF1 (MATOS, 2005).
Fatores de risco para exacerbação pulmonar incluem anterior infecção viral
do trato respiratório superior, asma concomitante, menores valores basais de
46
função pulmonar, aumento da idade, diabetes relacionada com a FC
concomitante e infecção crônica por Pseudomonas aeruginosa ou complexo
Burkholderia cepacia (PARKINS; ELBORN, 2010).
As exacerbações pulmonares têm um impacto negativo significativo na
qualidade de vida, e estão associados com a sobrevivência a curto-prazo e
resultam em aumento das despesas em saúde e aumento da taxa de declínio da
função pulmonar (PARKINS; ELBORN, 2010).
Um dos principais problemas no diagnóstico CFPE é a falta de uma
definição consensual do que o constitui. O diagnóstico geralmente gira em torno
de decisão de um clínico para tratar uma constelação dos sintomas. Sintomas
relatados pelo paciente podem ser um complemento importante para o médico
avaliar sinais clínicos no diagnóstico da CFPE (ROGERS et al., 2011).
As razões para a ocorrência de CFPE muitas vezes não são conhecidas,
embora um número de possíveis causas foram sugeridas. Estes incluem a
aquisição de novas variedades de espécies de bactérias, a expansão de
populações bacterianas existentes nas vias aéreas, blocos de células bacterianas
planctônicas liberadas a partir de populações biofilme, a expressão de fatores de
virulência bacteriana, infecções virais e poluição do ar ambiente (ROGERS et al.,
2011).
3.5 ESTUDOS EM CURSO
3.5.1. Análise Salivar
A saliva é um fluido corporal fácil de ser coletado devido o acesso e
procedimento não invasivo, tanto a proveniente de um único par de glândulas
como a acumulada na cavidade bucal, conhecida como saliva total. É abundante,
secretada numa taxa relativamente regular e contém alguns elementos que a
tornam de interesse nas análises biológicas. Os testes salivares têm apresentado
correlações positivas com os sanguíneos e a saliva tem sido usada em análises
clínicas para diagnóstico de doenças, monitoramento de drogas terapêuticas e
estudos de doenças das glândulas salivares (VIEIRA, 2008).
47
A saliva é um líquido balanceado composto em mais de 99% de água e
menos de 1% de sólidos, principalmente proteínas e eletrólitos. Cerca de 0,5 a 1,0
litro de saliva é secretado por dia pelas glândulas salivares. Esse fluido contribui
para várias funções bucais, dentre elas, capacidade tampão, ação antibacteriana,
mastigação, deglutição, fala, e lubrificação do epitélio (FEJERSKOV; KIDD, 2005).
Os indivíduos com FC apresentam alteração na composição salivar, uma
vez que a doença afeta o transporte de íons através da membrana celular,
envolvendo o fluxo de Cl e Na. Pouco se sabe sobre a composição salivar e suas
correlações com a FC. Esse conhecimento pode contribuir para o melhor
entendimento da doença (VIEIRA, 2008).
O estudo realizado por Vieira (2008) comparou os elementos traço na
saliva de indivíduos com FC e indivíduos saudáveis, utilizando o método de coleta
de saliva total estimulada e análises por espectroscopia, e demonstrou diferença
estatisticamente significante na concentração dos elementos Na, K, V, Cr e Se
(p<0,05) entre indivíduos portadores de FC e indivíduos saudáveis, sendo os
níveis dos elementos vanádio, cromo e selênio, encontrados em menor
quantidade nos indivíduos portadores de FC (Tabela 7). O padrão de distribuição
de Na nas amostras de saliva dos indivíduos com FC foi maior em comparação
aos saudáveis, mostrando que o resultado da análise de saliva segue o padrão do
teste do suor.
Tabela 7: Elementos com diferença estatística significativa entre os grupos
Fonte: VIEIRA, 2008.
48
Outro estudo realizado por Vieira (2008) procurou identificar diferenças
entre a composição protéica da saliva de crianças com FC e crianças saudáveis,
que pudessem ser usadas para discriminar a saliva de pacientes com FC em
comparação às de indivíduos saudáveis.
A saliva de pacientes com FC revelou maior concentração da
imunoglobulina IgA, possivelmente porque os pacientes com FC são mais
propensos às infecções que o grupo controle. Esta imunoglobulina tem função
bem descrita na literatura e sua ocorrência nos indivíduos com Fibrose Cística
possivelmente é em função da pré-disposição dos pacientes com FC a
recorrentes infecções das vias aéreas (VIEIRA, 2008).
A saliva contém muitos componentes de resposta imune inata e adaptativa,
crucial para a defesa local do hospedeiro. A interação entre imunidade inata e
adaptativa é pré-requisito para a saúde, uma vez que a mucosa é a porta de
entrada para agentes infecciosos. Os indivíduos com FC apresentam infecções
recorrentes. Isto pode justificar uma alteração significativa dos componentes das
respostas imunes e a nítida presença da IgA encontrada neste trabalho (VIEIRA,
2008).
Ainda não se pode concluir se essas alterações estão acontecendo em
função de alterações glandulares provocadas pela mutação no gene CFTR, ou
em função das recorrentes infecções das vias aéreas sofridas pelos FC (VIEIRA,
2008).
3.5.2. Utilização de biomarcadores bacterianos
Rogers et al. (2011) discutiu as principais considerações na concepção e
ensaio de testes de diagnóstico que poderiam prever exacerbações pulmonares,
na premissa de que falta de um marcador da doença específico ou um unificador,
indicador comumente aceito para iniciar o tratamento para um CFPE dificulta a
melhoria do atendimento ao paciente.
Seria ideal se os biomarcadores que podem ser identificados tivessem a
capacidade de refletir, diretamente, o objetivo da atividade da doença em vez de
confiar inteiramente em marcadores clínicos. Fatores envolvidos no início do
49
percurso de iniciação CFPE podem ser úteis como marcadores preditivos,
permitindo uma intervenção mais precoce (ROGERS et al., 2011).
Infecções bacterianas nas vias aéreas são atualmente monitoradas através
de microbiologia de rotina. Embora úteis para a vigilância de longo prazo da
progressão da doença, estes dados não são susceptíveis de fornecer detalhes
suficientes para serem preditivos do início do CFPE (ROGERS et al., 2011).
O
objetivo
da
intervenção
precoce
seria
reduzir
rapidamente
o
desenvolvimento de uma resposta inflamatória completa e encurtar e reduzir a
gravidade da CFPE, com a esperança de prevenir o desenvolvimento de lesão
pulmonar irreversível (ROGERS et al., 2011).
Desta forma, um marcador efetivo e reprodutível de diagnóstico para as
fases iniciais de um CFPE poderia oferecer a possibilidade de modificações na
terapia da doença, que poderia evitar a perda permanente da função pulmonar e
morbidade e mortalidade associadas (ROGERS et al., 2011).
Em seu trabalho, Rogers et al. (2011) examinou o potencial de fatores
microbianos para fornecer biomarcadores para a detecção precoce do início do
CFPE, bem como os desafios que devem ser superados para a vigilância
molecular como diagnóstico para ser implantado rotineiramente. Seu uso
potencial na FC é especialmente atraente, dadas as diversas manifestações da
fibrose cística das vias aéreas e resposta à terapia em pacientes individuais CF.
Para a utilização destes biomarcadores, Rogers et al. (2011) levou em
conta duas áreas fundamentais: o grau em que eles refletem biologicamente
processos informativos para previsão de início do CFPE, e sua adequação para
uso como uma ferramenta de diagnóstico de rotina.
Embora as medições de biomarcadores inflamatórios do escarro obtido a
partir de um mesmo paciente em diferentes ocasiões têm se mostrado
reprodutível (porém não especificamente como preditores de CFPE), eles podem
variar consideravelmente entre os pacientes (ROGERS et al., 2011).
É essencial que o biomarcador que está sendo medido seja facilmente
disponível a partir de amostras que podem ser rotineiramente coletadas de
pacientes, tais como sangue, urina, ar exalado, saliva ou de expectoração. Os
ensaios devem ser suficientemente barato, tanto para realizar e em termos de
50
equipamentos, especialização ou reagentes, a fim de permitir o uso repetido na
vigilância de rotina (ROGERS et al., 2011).
Infecções bacterianas das vias aéreas são tipicamente crônicas. As
interações entre estas bactérias e o hospedeiro, que podem dar origem a
episódios de CFPE, portanto, são pouco prováveis que sejam caracterizáveis por
ensaio de presença/ausência, e requerem uma análise mais detalhada. Por
exemplo, a caracterização de fatores como a abundância relativa das espécies e
de expressão gênica de perfis pode ser necessário. No entanto, em cada caso, a
resposta do hospedeiro a mudanças nas populações das vias respiratórias
bacterianas (e up-regulation resultante da resposta inflamatória entre os
leucócitos e/ou células epiteliais) deve ser o foco da análise (ROGERS et al.,
2011).
De uma perspectiva de bactérias, mecanismos de potencial podem ocorrer
através de rotas diferentes. Tais mecanismos poderiam incluir a ativação de
neutrófilos e células epiteliais quando detectada a presença de células
bacterianas nas vias aéreas. Outros mecanismos podem envolver o up-regulation
da resposta imune através da secreção de compostos específicos por bactérias
nas vias aéreas. No caso de desencadear uma resposta inflamatória, os ensaios
devem concentrar-se na detecção e contagem de células bacterianas. Para outros
mecanismos, os ensaios devem ser dirigidos para a medição dos níveis de ambos
os compostos secretados nas vias aéreas ou a transcrição dos genes que os
codificam por células bacterianas (ROGERS et al., 2011).
Portanto, pode ser mais apropriado para analisar a sua presença nas
secreções respiratórias, através da enumeração de partículas virais, com dados
comparados com um limiar associado a sintomas respiratórios, em vez de um
ensaio de presença / ausência simples. No entanto, enquanto uma perspectiva
promissora, a identificação de biomarcadores apropriados para prever um CFPE
requer uma investigação mais aprofundada. É importante considerar se e como
essa comunidade, composta por bactérias, fungos e vírus eucarióticos e espécies
fago, contribui para a CFPE desencadeante, e, como tal, apresenta alvos
potenciais para o projeto de biomarcadores de diagnóstico (ROGERS et al.,
2011).
51
4. CONCLUSÃO
A fibrose cística é uma doença que possui grande importância nos estudos
de diagnóstico. A doença pulmonar da FC é caracterizada por um ciclo vicioso de
obstrução das vias aéreas, infecção bacteriana crônica e inflamação vigorosa,
que resultam em bronquiectasias.
Atualmente, a maior causa de morbidade e mortalidade de pacientes com
esta doença se dá pelos períodos de exacerbação pulmonar aguda. Períodos
estes que podem estar diretamente associados com uma perda da função
pulmonar.
Daí a necessidade de se implantar testes de diagnóstico eficientes que
possam prever um evento desta gravidade. Embora uma série de ensaios com
biomarcadores inflamatórios têm sido desenvolvidos, proporcionando medidas
úteis e importantes para a doença durante estes períodos, tais fatores são
normalmente elevados apenas uma vez que o processo de exacerbação foi
iniciado.
Biomarcadores permitem medidas objetivas e melhora na avaliação de
processos biológicos normais e patogênicos, além de garantir uma intervenção
terapêutica mais eficaz. Eles têm se mostrado úteis no diagnóstico e
caracterização
de
uma
ampla
gama
de
patologias,
incluindo
doenças
cardiovasculares, renais e metabólicas, bem como sepse e câncer.
Identificar biomarcadores que possam prever o início da exacerbação
pulmonar seria uma oportunidade de intervir antes do estabelecimento de uma
resposta imunológica, o que implicaria grandiosamente para o avanço dos
cuidados da fibrose cística. No entanto, o impacto que tais biomarcadores
poderiam causar na medicina diagnóstica depende da sua capacidade de
informar tomada de decisão clínica e, assim, melhorar o resultado do paciente.
No mais, como uma perspectiva de estudo em diagnóstico, a identificação
de
biomarcadores
preditivos
de
CFPE
requer
uma
investigação
mais
aprofundada, o que não tira o fato de que, mesmo em fase inicial, os estudos
apresentados têm potencial para serem úteis no tratamento de doenças
respiratórias da fibrose cística.
52
4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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