NOVAS ESTRATÉGIAS DE DIAGNÓSTICO DA FIBROSE CÍSTICA Paola Ameixoeira Vaz de Lima Rio de Janeiro 2012 ii PAOLA AMEIXOEIRA VAZ DE LIMA Aluna do curso de Farmácia Matrícula 0823800085 NOVAS ESTRATÉGIAS DE DIAGNÓSTICO DA FIBROSE CÍSTICA Trabalho de Conclusão de Curso, TCC, apresentado ao Curso de Graduação em Farmácia, da UEZO como parte dos requisitos para a obtenção do grau de Farmacêutico, sob a orientação do Professor André Luiz Fonseca de Souza. Rio de Janeiro Julho de 2012 iii NOVAS ESTRATÉGIAS DE DIAGNÓSTICO DA FIBROSE CÍSTICA Elaborado por Paola Ameixoeira Vaz de Lima Aluna do curso de Farmácia da UEZO Este trabalho de Graduação foi analisado e aprovado com Grau: Rio de Janeiro, 03 de Julho de 2012. _______________________________________ Prof. André Luiz Fonseca de Souza, Ph.D., da UEZO – Presidente ______________________________________ Prof.ª Isabele Barbieri dos Santos, Ph.D., da Fiocruz _______________________________________ Prof.ª Alessandra Micherla Rodrigues do Nascimento, Ph.D., da UEZO RIO DE JANEIRO, RJ - BRASIL Julho de 2012 iv DEDICATÓRIA Dedico este trabalho... A Deus, por ser o bem mais precioso da minha vida e por ter me guiado durante esta longa jornada. A minha família, que tanto fez por mim para que eu chegasse até aqui. A todos aqueles que, de alguma forma, contribuíram para o meu sucesso e torceram pela minha vitória. v AGRADECIMENTOS Agradeço a Deus por ter me capacitado ao longo desses quatro anos e por jamais ter me abandonado nos momentos mais difíceis. Aos meus pais, Paulo e Rose, que nunca deixaram de acreditar em mim e, por me amarem tanto, sacrificaram seus próprios sonhos em favor dos meus, e, mesmo em meio a tantas dificuldades, não mediram esforços para que eu chegasse até aqui. A minha avó, Arlette, pelo amor e cuidado que teve por mim durante toda minha vida, pelas orações que tanto me ajudaram e pelas companhias nos dias de prova. Ao meu amor, Esdras, que apesar das horas de lazer e diversão deixadas de lado, sempre esteve ao meu lado, acreditando e torcendo por mim. Aos meus amigos Marlon e Rosilane, que foram tão importantes para mim e enfrentaram comigo momentos de alegria e de aflição durante esses quatro anos. Sem vocês esta jornada não teria graça. Obrigada pela companhia, pelo carinho e pelas risadas. Ao meu Orientador Dr. André Luiz, que tanto se dedicou em me passar um pouco do seu enorme conhecimento nesses últimos anos. A todos aqueles que, de alguma forma, contribuíram para meu crescimento e me ajudaram a conquistar mais esta vitória, sempre me incentivando a prosseguir nesta jornada. vi RESUMO A fibrose cística (FC) é uma doença genética letal, de herança autossômica recessiva, mais comum entre pacientes de cor branca. Embora seja uma doença genética, na qual o defeito básico acomete células de vários órgãos, nem todos os indivíduos expressam respostas clínicas na mesma intensidade. Várias manifestações clínicas, principalmente pulmonares e digestivas, podem ocorrer durante a vida dos pacientes. A incidência de FC varia de um a cada 2000-3000 nascimentos em países de predominância caucasiana. Embora a maioria dos casos seja diagnosticada na infância ou adolescência, uma pequena parcela (entretanto crescente) é diagnosticada na idade adulta. Decorrente de mutações ocorridas no gene CFTR (que codifica proteína de mesmo nome – do inglês, cystic fibrosis transmembrane condutance regulator), cuja função principal é o transporte de cloreto através das células de vários órgãos, a FC é caracterizada pelo transporte defeituoso nestas células. Atualmente, a maior causa de morbidade nestes pacientes é causada pelos períodos de exacerbação pulmonar (CFPE – do inglês, cystic fibrosis periods exacerbation), que dão origem aos danos pulmonares irreversíveis. Devido ao comprometimento patológico que a FC pode causar em seus pacientes, essa doença assume grande importância e o diagnóstico precoce é decisivo para um melhor prognóstico. Sendo assim, o presente estudo teve como objetivo revisar a literatura no que tange aos métodos mais qualificados para se diagnosticar a FC, e também analisar estudos em curso sobre novos métodos de diagnóstico que visam prever a ocorrência destes períodos em sua fase inicial, para então tratar o paciente com a terapia mais adequada. Palavras-chave: Fibrose cística, Exacerbação pulmonar, Diagnóstico, CFTR. vii ABSTRACT Cystic fibrosis (CF) is a lethal genetic disease, autosomal recessive, more common among white patients. Although it is a genetic disease which the basic defect affects cells of different organs, not all individuals express clinical responses at the same intensity. Many clinical manifestations, especially lung and digestive, may occur during the life of CF patients. The incidence of CF varies from one in 2000-3000 births in a predominantly Caucasian countries. Although most cases are diagnosed in childhood or adolescence, a small portion (though growing) is diagnosed in adulthood. From occurring mutations in the CFTR gene (which encodes the protein of the same name - cystic fibrosis transmembrane regulator condutance), whose main function is the transport of chloride through the cells of various organs, cystic fibrosis is characterized by defective transport of these cells. Currently, the major cause of morbidity in CF patients is caused by periods of pulmonary exacerbation (CFPE - cystic fibrosis exacerbation Periods), whose periods give rise to irreversible damage to the lungs. Due to pathological impairment that CF can have on their patients, the disease is of great importance and early diagnosis is crucial to a better prognosis. Therefore, this study aimed to review the literature concerning the methods most qualified to diagnose CF, and also examine ongoing studies on new diagnostic methods that aim to predict the occurrence of these periods in its initial phase, and then treating patients with the most appropriate therapy. Key Words: Cystic fibrosis, Pulmonary exacerbation, Diagnostic, CFTR. viii “Há sonhos que apenas são. Outros rompem os umbrais oníricos, revestem-se de realidade e nos motivam para realizações cada vez maiores.” Roque Félix ix LISTA DE FIGURAS Figura 1. Sobrevida dos pacientes com FC entre os anos de 1940-2000 ............. 5 Figura 2. Localização do gene CFTR .................................................................... 7 Figura 3. Mutação delta F508 ................................................................................ 8 Figura 4. Deficiências da proteína CFTR .............................................................. 9 Figura 5. Estrutura da proteína CFTR ................................................................. 13 Figura 6. Domínios da proteína CFTR ................................................................. 14 Figura 7. Fisiopatogenia da FC ........................................................................... 16 Figura 8. Hipocrasia ............................................................................................ 17 LISTA DE TABELAS Tabela 1. Mutações identificadas no gene CFTR .................................................. 8 Tabela 2. Diagnóstico diferencial da FC .............................................................. 19 Tabela 3. Como ocorre a doença pulmonar na FC .............................................. 22 Tabela 4. Manifestações clínicas mais freqüentes nos pacientes com FC .......... 23 Tabela 5. Mutações mais freqüentes que causam fibrose cística ........................ 26 Tabela 6. Manifestações digestivas da FC e suas complicações ........................ 31 Tabela 7. Manifestações digestivas da FC e suas complicações.........................34 x LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ABC do inglês, ATP-binding-cassete ADP Adenosina Difosfato ATP Adenosina Trifosfato ATT Adenosina-timinatimina cAMP Adenosina Monofosfato Cíclica CFPE Período de Exacerbação da Fibrose Cística CFTR Cl Regulador Transmembrânico da Fibrose Cística (do inglês, Cystic Fibrosis Tansmembrane Condutance Regulator) Cloro Cl- Cloreto Cr Cromo ∆F508 Mutação Delta F508 (Deleção de uma fenilalanina na posição 508) DNA Ácido desoxirribonucléico DPOC Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica IL-8 Interleucina-8 IgA Imunoglobulina-A IP Insuficiência pancreática K Potássio MSD Domínio transmembranar (do inglês, membrane spanning domains) xi N Nucleotídeo Na Sódio NaCl Cloreto de Sódio NBD PAP Domínio de ligação de nucleotídeos (do inglês, nucleotide binding domain) Canal de cloreto retificador externo (do inglês, Outwardly rectifying chloride channel) Proteína associada à prancreatite PCR Reação em cadeia da polimerase (do inglês, Polymerase Chain Reaction) Pi Fosfato inorgânico (do inglês, inorganic phosphate) PKA Proteína quinase dependente de AMPc R Regulador (referente ao domínio regulador) RNAm Ácido ribonucléico mensageiro Se Selênio TIR Tripsina Imunorreativa V Vanádio VEF1 Volume Respiratório Forçado em 1 Segundo ORCC xii SUMÁRIO Página RESUMO................................................................................................................ vi ABSTRACT ........................................................................................................... vii LISTA DE FIGURAS .............................................................................................. ix LISTA DE TABELAS .............................................................................................. ix LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS .................................................................. x 1. INTRODUÇÃO ................................................................................................. 14 2. OBJETIVOS ..................................................................................................... 16 2.1. OBJETIVOS ESPECÍFICOS ................................................................... 16 3. REVISÃO DA LITERATURA ........................................................................... 17 3.1. FIBROSE CÍSTICA ................................................................................. 17 3.1.1. Epidemiologia........................................................................... 17 3.1.2. Gene CFTR ............................................................................... 19 3.1.3. Proteína CFTR .......................................................................... 25 3.2. SINTOMATOLOGIA ................................................................................ 28 3.2.1. Manifestações Pulmonares da FC .......................................... 32 3.3. DIAGNÓSTICO ....................................................................................... 35 3.3.1. Teste Do Suor ........................................................................... 37 3.3.2. Análise de Mutações................................................................ 38 3.3.3. Insuficiência Pancreática ........................................................ 40 3.3.4. Detecção de Enzimas Nas Fezes ............................................ 41 xiii 3.3.5. Detecção de Enzimas No Sangue ........................................... 41 3.3.6. Diagnóstico Pré-Natal .............................................................. 42 3.3.7. Triagem Neonatal ..................................................................... 43 3.3.8. Diagnóstico Diferencial ........................................................... 44 3.4. CFPE ...................................................................................................... 44 3.5. ESTUDOS EM CURSO .......................................................................... 46 3.5.1. Análise Salivar ......................................................................... 46 3.5.2. Utilização de biomarcadores bacterianos ............................. 48 4. CONCLUSÃO .................................................................................................. 51 5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................ 52 14 1. INTRODUÇÃO Fibrose cística (FC) é uma doença autossômica recessiva, letal, cuja incidência varia de um para cada 2000 ou 3000 nascimentos em vários países de população caucasiana, sendo menos freqüente em negros. É decorrente de mutações ocorridas no gene regulador transmembrânico da fibrose cística (do inglês, cystic fibrosis transmembrane condutance regulator) também chamado CFTR que codifica a proteína (de mesmo nome) responsável pelo transporte de íons através da membrana celular, estando envolvida na regulação de fluxo de Na+, Cl-, e água. CFTR é um tipo de proteína pertencente à família de proteínas transportadoras ABC (ATP-binding cassette) ou traffic ATPase. Estas proteínas transportam moléculas como glicídios, peptídeos, fosfato inorgânico, cloreto e cátions de metais através da membrana apical das células epiteliais localizadas nos pulmões, fígado, pâncreas, intestinos, trato reprodutivo e pele. O resultado das mutações no gene CFTR é o transporte defeituoso de cloreto nas células. Em estudos in vitro sugerem que mutações diferentes podem causar defeitos diferentes na produção de proteína e sua função. Os mecanismos pelos quais essas mutações perturbam a função do CFTR são: defeito na produção de proteína, o processamento, a regulação do canal, condutância, além dos níveis reduzidos da proteína. A redução ou eliminação da excreção de cloreto através do canal CFTR, provoca maior fluxo de íon sódio para preservar o equilíbrio eletroquímico e, conseqüentemente de água, por ação osmótica. Isso produz secreções desidratadas e viscosas, associadas com obstrução, destruição e fibrose de vários ductos exócrinos. Devido ao fato de esta proteína estar inserida em diversos órgãos, o seu mau funcionamento acarreta em diversas alterações, como: doença pulmonar obstrutiva crônica em quase todos os indivíduos afetados; insuficiência pancreática; íleo meconial; diabetes melitus associada à doença pancreática; doença obstrutiva do trato biliar; e azoospermia no caso de pacientes do sexo masculino. 15 Seu diagnóstico é sugerido por estas características clínicas, além de exames laboratoriais para a sua confirmação, dentre eles o teste do pezinho, teste do suor, exame de sangue, DNA, testes de escarro e períodos de exacerbação pulmonar aguda (do inglês, CFPEs). É importante ressaltar que são nesses períodos que ocorrem os danos pulmonares irreversíveis e que estes são a maior causa de morbidade em pacientes com FC (LIMA, 2012). Devido ao comprometimento patológico que a FC pode causar em seus pacientes, essa doença assume grande importância e o diagnóstico precoce é decisivo para um melhor prognóstico. A partir desta proposta, estudos recentes buscam cada vez mais alternativas viáveis de diagnóstico a fim de intervir antes do início de uma resposta inflamatória, evitando os danos associados às vias aéreas. Embora uma série de ensaios de biomarcadores com base em marcadores inflamatórios tem sido desenvolvida, que prevê medidas úteis e importantes da doença durante esses períodos, tais fatores são tipicamente elevados somente uma vez que o processo de exacerbação foi iniciado (LIMA, 2012). A necessidade de se identificar biomarcadores que possibilitem a previsão da exacerbação pulmonar em sua fase inicial proporcionaria uma oportunidade de intervir antes do estabelecimento de uma resposta imunológica, o que evitaria os danos pulmonares irreversíveis e seus riscos à vida do paciente, implicando assim no avanço dos cuidados de fibrose cística. 16 2. OBJETIVO O objetivo deste trabalho é revisar a literatura acerca dos avanços no diagnóstico da fibrose cística pulmonar a fim de relacioná-los com a prevenção das exacerbações pulmonares. 2.1. OBJETIVOS ESPECÍFICOS Este trabalho tem como objetivos específicos: 1. Definição de fibrose cística; 2. Caracterização do gene CFTR; 3. Caracterização da proteína CFTR; 4. Sintomatologia; 5. Diagnóstico; 6. Novas estratégias de diagnóstico da Fibrose Cística. 17 3. REVISÃO DA LITERATURA 3.1. FIBROSE CÍSTICA A fibrose cística é uma das mais comuns graves doenças genéticas autossômicas recessivas em populações de ascendência européia do norte (LIMA, 2012). Também conhecida como Mucoviscidose, a Fibrose Cística é uma doença genética autossômica (não ligada ao cromossomo x) recessiva (na qual são necessárias mutações nos dois cromossomos do par afetado para a doença se manifestar) causada por um distúrbio nas secreções de algumas glândulas, nomeadamente as glândulas exócrinas (glândulas produtoras de muco) (Disponível em: www.fibrosecistica.com, acesso em jan. 2012). A Fibrose Cística é uma doença hereditária cuja maior prevalência ocorre em indivíduos de etnia caucasiana. Embora seja uma doença genética, em que o defeito básico acomete células de vários órgãos, nem todos os indivíduos expressam respostas clínicas na mesma intensidade. As principais manifestações clínicas são pulmonares e digestivas e podem ocorrer durante a vida dos pacientes com fibrose cística (RIBEIRO; RIBEIRO; OLIVEIRA RIBEIRO, 2006). 3.1.1 Epidemiologia A fibrose cística é a mais comum desordem autossômica recessiva em caucasianos, com uma freqüência de aproximadamente 1 em cada 2.500 nascidos vivos. As manifestações clínicas incluem infecção pulmonar, insuficiência pancreática, elevados níveis de cloro no suor, infertilidade, e síndrome de pseudo-Bartter. A doença pulmonar é a principal causa de morbidade e mortalidade (ROLIM, 2012). Nos Estados Unidos, a fibrose cística é reconhecida em aproximadamente 1:2500 e 1:17.000 nascidos vivos em populações brancas e pretas, respectivamente (RICHARD, 2010). Geralmente, as mutações do gene da FC são mais prevalentes no Norte e Europa Central e em pessoas que derivam dessas áreas. Uma incidência 18 intermediária é provável, embora menos bem documentada em não-europeus brancos. A FC é considerada rara nos índios americanos, populações asiáticas, e nos nativos negros da África. Tem sido sugerido que a freqüência relativamente baixa em populações que vivem em localizações geográficas tropicais e semitropicais está relacionada com diversas conseqüências no passado de perda de sal excessivo nos heterozigotos, bem como homozigotos para o gene da FC (RICHARD, 2010). Em populações de brancos, 2% a 5% são portadores de uma mutação no gene CF. Essas pessoas não têm estigmas clínicos de FC. Embora um certo número de produtos químicos ou alterações fisiológicas têm sido descritos em heterozigotos, estas alterações podem ser identificadas apenas numa base estatística (RICHARD, 2010). A Fibrose Cística foi, durante anos, responsável pela morte precoce de seus portadores, devido a não existência de tratamentos adequados que pudessem prolongar a sobrevida, além de seu diagnóstico ser dificultoso ou até mesmo tardio. Contudo, com o passar dos anos e com os altos investimentos aplicados nesta área foi possível oferecer melhores tratamentos, mais eficazes e que promoveram o aumento da sobrevida dos pacientes com Fibrose Cística (Figura 1). Destaque para o ano de 1990, em que houve um início e aumento crescente da produção científica nacional sobre fibrose cística. Figura 1: Sobrevida dos pacientes com Fibrose Cística entre os anos de 19402000. Fonte: RIBEIRO, 2006. A Fibrose Cística deve-se a mutações ocorridas no gene CFTR, o qual codifica a proteína (de mesmo nome) responsável pelo transporte de íons através da membrana celular, estando envolvida na regulação de fluxo de Cl -, Na+ e 19 água. A proteína CFTR funciona como um canal transportador de íons cloreto, sódio e outras moléculas como glicídios, peptídeos e fosfato inorgânico. Uma deficiência nesta proteína causa redução na excreção do cloro, com aumento da eletronegatividade intracelular, resultando em maior fluxo de sódio, resultando na produção de um muco viscoso (ROGERS et al., 2011). A Fibrose Cística Pulmonar é caracterizada por um ciclo de obstrução das vias aéreas, infecção bacteriana crônica e inflamação vigorosa que resulta em bronquioectasia. Mais de 90% das pessoas com FC morrem como conseqüência de lesão pulmonar progressiva resultante de infecção bacteriana (ROGERS et al., 2011). A FC engloba-se num grupo de patologias denominadas D.P.O.C (doença pulmonar obstrutiva crônica) que se caracterizam por haver uma obstrução crônica das vias aéreas, diminuindo a capacidade de ventilação. Afeta tanto o os pulmões como também o sistema gastrintestinal (Disponível em: www.fibrosecistica.com, acesso em jan. 2012). Pacientes com FC têm tipicamente períodos de remissão clínica intercalados com episódios agudos de aumento de sintomas respiratórios, conhecida como cystic fibrosis period exacerbation (CFPE). Estes períodos estão diretamente ligados aos danos irreversíveis causados aos pulmões destes pacientes, o que os leva a morbidez e morte precoce (ROGERS et al., 2011). Embora a FC seja uma doença multissistêmica, o envolvimento do pulmão é a principal causa de morbidade e mais de 90% de mortalidade (MISHRA et al, 2005). 3.1.2. Gene CFTR Em 1989 foi identificado o gene da fibrose cística através da análise seqüencial do DNA (FARIA et al., 1997). O gene da fibrose cística localiza-se no braço longo do cromossomo 7, no lócus q31 (Figura 2), é formado por 250kb de ácido desoxirribonucléico (DNA), com 27 éxons e tem a propriedade de codificar um ácido ribonucléico mensageiro (RNAm) de 6,5kb, que transcreve uma proteína transmembrana, reguladora de transporte iônico, composta de 1.480 20 aminoácidos, conhecida como CFTR (RIBEIRO; RIBEIRO; OLIVEIRA RIBEIRO, 2006). Figura 2: Localização do gene CFTR no cromossomo 7. Adaptado de: GENETICS HOME REFERENCE, 2012. Mais de mil mutações já foram descritas no gene da fibrose cística (Tabela 1). A deleção de três pares de bases, adenosina-timinatimina (ATT) foi identificada no gene CFTR, éxon 10, o que resulta na perda de um único aminoácido, fenilalanina na posição 508 da proteína (Figura 3). Essa mutação é denominada DF508; “D” significa supressão e “F”, abreviação do aminoácido fenilalanina (REIS; DAMACENO, 1998). 21 Tabela 1: Mutações identificadas no gene CFTR Adaptado de: ROLIM et al., 2010. Figura 3: Mutação delta F508. Deleção da trinca de bases CTT. Adaptado de: Gene Gateway – Exploring Gene and Genetics Disorders. As mutações no gene da fibrose cística, causadas pela presença de dois alelos, provocam ausência de atividade, ou funcionamento parcial da CFTR, provocando redução na excreção do cloro, com aumento de eletro negatividade intracelular, resultando em maior fluxo de sódio para preservar o equilíbrio 22 eletroquímico e secundariamente de água para a célula por ação osmótica (RIBEIRO; RIBEIRO; OLIVEIRA RIBEIRO, 2006). A principal mutação mais conhecida identificada no gene da FC é a deleção de 3 pares de bases que levam à ausência da fenilalanina na posição 508 da proteína CFTR (∆F508). Isso resulta em uma célula epitelial onde a proteína CFTR está ausente na membrana plasmática e, conseqüentemente, há uma falha no transporte de cloretos. Essa mutação ocorre em torno de 70% dos casos no norte da Europa e pode variar significativamente entre os diferentes grupos étnicos (BARTH; PITT, 1998). As mutações CFTR podem agrupar-se em cinco classes funcionais diferentes (Figura 4). Figura 4: Deficiências da proteína CFTR em virtude da mutação genética. Adaptado de: RIBEIRO; RIBEIRO; OLIVEIRA RIBEIRO, 2006. As mutações no gene CFTR foram classificadas em cinco grupos diferentes de acordo com o mecanismo pelo qual eles interrompem a função do CFTR (ROWNTREE, HARRIS, 2003). As mutações I, II e III conferem formas clínicas mais graves e as mutações IV e V conferem manifestações clínicas mais leves (RIBEIRO; RIBEIRO; OLIVEIRA RIBEIRO, 2006). a) Classe I – Mutações que afetam a biossíntese: Cerca de metade das mutações no CFTR é esperada para impedir a síntese adequada de todo o comprimento da proteína CFTR. As mutações de classe 1 no gene CFTR incluem os fenótipos mais graves, devido a nenhuma proteína a ser sintetizada. Estas mutações, sendo a G542X mais comum, previnem a síntese de uma proteína estável ou resultam na produção de uma proteína truncada, devido à criação de 23 um códon de terminação prematuro. As proteínas truncadas são geralmente instáveis, são reconhecidas por proteínas chaperonas no retículo endoplasmático e são rapidamente degradadas. Mutações promotoras previstas são susceptíveis de ter efeitos semelhantes, reduzindo o nível de transcrição, bem como 'stop' de mutações que reduzem o nível de todo o comprimento do mRNA por splicing fora do éxon contendo a mutação (ROWNTREE, HARRIS, 2003). b) Classe II – Mutações que afetam a maturação da proteína: Mutações de classe II resultam na falta de proteína funcional na membrana celular. A mutação F508, uma deleção de três bases que codifica um resíduo fenilalanina na posição 508 no interior do primeiro domínio NBD, resulta em dobragem da proteína CFTR e, portanto, deslocamento da proteína madura. ∆F508 foi classificada como uma mutação de classe II com base na análise em um sistema de expressão heterólogo que demonstrou que F508 CFTR foi sintetizado, mas não para amadurecer ou proceder para além do retículo endoplásmico (ROWNTREE, HARRIS, 2003). c) Classe III – mutações que afetam a regulação do canal de cloreto: As mutações do gene CFTR na classe de proteínas produto III que é traficada para a membrana celular, mas, em seguida, não respondem à estimulação de cAMP. Todas as mutações atribuídas a esta classe estão localizados dentro das pregas de ligação de nucleotídeos, e são susceptíveis de afetar a ligação de ATP ou o acoplamento de ligação de ATP para a ativação do canal, tal como por prevenção da transmissão de uma alteração conformacional. O G551D é um exemplo de uma mutação classe III (ROWNTREE, HARRIS, 2003). d) Classe IV – Mutações que afetam a condutância de cloreto: Mutações Classe IV incluem os casos onde o gene CFTR codifica uma proteína que está corretamente traficada para a membrana celular e responde a estímulos, mas gera uma reduzida corrente de cloreto (por exemplo, R117H). A maioria das mutações da classe IV, analisadas até à data estão localizados dentro dos domínios de membrana de expansão. A expressão de vários mutantes deste tipo num sistema heterogênico resultou na produção de uma corrente de cloreto de que foi ativado por cAMP. Estudos mais recentes de mutações de classe IV no CFTR localizado dentro do éxon 13 que codifica o domínio regulador têm 24 demonstrado que estas mutações podem ter efeitos diferentes sobre os níveis de condutância de cloreto (ROWNTREE, HARRIS, 2003). e) Classe V – mutação que altera a quantidade de proteínas na membrana: A proteína permanece normal havendo uma diminuição da sua quantidade. Recentemente, Mishra et al. (2005) descreveram a mutação de classe VI. Nela inclui mutações que causam o comprometimento da proteína CFTR, devido à baixa estabilidade da proteína. O gene CFTR fornece instruções para fabricar a proteína CFTR. Esta proteína funciona como um canal através da membrana de células que segregam muco, suor, saliva, lágrimas, e enzimas digestivas. O canal de transporte de partículas carregadas negativamente chamados íons cloreto para dentro e para fora das células. O transporte de íons cloreto ajuda a controlar o movimento da água nos tecidos, o que é necessário para a produção de muco que flui livremente pelos tecidos. O muco é uma substância escorregadia que lubrifica e protege a mucosa das vias respiratórias, sistema digestivo, sistema reprodutivo, e outros órgãos e tecidos (Disponível em: ghr.nlm.nih.gov/gene/CFTR. Acesso em mar. de 2012). Doenças causadas por mutações no gene CFTR alteram a produção, estrutura, ou a estabilidade do canal do cloreto. Todas estas alterações impedem o canal de funcionar adequadamente, o que compromete o transporte de íons cloreto e do movimento de água para dentro e para fora das células. Como resultado, as células que revestem as passagens dos pulmões, pâncreas, e outros órgãos produzem o muco que é anormalmente espesso e viscoso. O muco anormal obstrui as vias aéreas e glândulas, levando aos sinais e sintomas característicos da fibrose cística (GENETICS HOME REFERENCE, 2012). Nas vias aéreas ocorrem alterações no líquido de superfície com desidratação das secreções mucosas e aumento da viscosidade, favorecendo a obstrução do ducto, que se acompanha de reação inflamatória e posterior processo de fibrose (RIBEIRO; RIBEIRO; OLIVEIRA RIBEIRO, 2006). 25 3.1.3. Proteína CFTR O CFTR é um canal de cloreto epitelial fosforilação-dependente. Ele está localizado principalmente na membrana apical, onde proporciona uma via para a circulação de cloreto para todos os epitélios e regula a taxa de fluxo de cloreto. Assim, o CFTR é central na determinação do transporte trans-epitelial de sal, o fluxo de fluido, e as concentrações de íons. Na bobina secretora do intestino, pâncreas e glândulas sudoríparas, CFTR desempenha um papel chave no fluido e secreção de eletrólito e, em glândulas sudoríparas duto e epitélios das vias aéreas, participa no fluido e absorção de eletrólito (SHEPPARD, WELSH, 1999). A função biológica do regulador transmembrânico da fibrose cística ou começou a ser decifrada em 1953 com a observação de que o suor dos pacientes continha altos níveis de eletrólitos (DISAINT AGNESE et al., 1953). Normalmente, como as secreções isotônicas viajam das glândulas sudoríparas para a superfície da pele, as células epiteliais dos ductos reabsorvem NaCl resultando em suor hipotônico. Porém, os ductos de suor de pacientes com fibrose cística são impermeáveis aos cloretos. Portanto, o NaCl continua nas secreções e o suor é salgado. (MATOS, 2005) O gene da FC codifica o CFTR que é uma proteína de 1480 aminoácidos. O CFTR é um canal de cloreto (Figura 1) cuja maior função está no processo de absorção/secreção de cloretos das células epiteliais. Esse canal pode ser detectado no epitélio de alguns órgãos como pâncreas, glândulas sudoríparas, ductos genitais masculinos, túbulos renais, pulmões, jejuno e cólon (BARTH; PITT, 1998). A estrutura de CFTR se assemelha a de uma série de outras proteínas de transporte de solutos e coloca o produto do gene FC na superfamília de proteínas ABC (RICHARD, 2010). A proteína CFTR consiste em dois domínios de membrana, dois domínios de ligação de nucleotídeos (NBDs), e um domínio regulador, que controla a atividade do canal. Também chamada de canal de cloro, é sintetizada no núcleo, sofre maturação em organelas citoplasmáticas (fosforização e glicosilação), 26 localizando-se na membrana apical das células. A CFTR é essencial para o transporte de íons através da membrana celular, estando envolvida na regulação do fluxo de Cl-, Na+ e água (RIBEIRO; RIBEIRO; OLIVEIRA RIBEIRO, 2002). A figura 5 mostra a estrutura proposta para o CFTR. Figura 5: Estrutura proposta da proteína CFTR. Adaptado de: KOBOLDT, 2011. A expressão CFTR é restrita a células epiteliais e é encontrada em níveis moderados de pâncreas humano, glândulas salivares, glândulas sudoríparas, intestino e do trato reprodutivo. No pulmão, CFTR é expresso em níveis baixos na superfície do epitélio das vias aéreas e talvez a níveis mais elevados dentro de determinadas regiões de glândulas submucosas (RICHARD, 2010). Estes locais de expressão de CFTR são consistentes com locais de disfunção do tecido em pacientes com FC. Estudos bioquímicos e 27 imunohistoquímica descrevem uma localização na membrana apical para o CFTR na maioria epitélios, embora este também possa ser inserido na membrana basolateral de suor ductal dos epitélios (RICHARD, 2010). Como dito anteriormente, a mutação ocorrida no gene CFTR vai influenciar de uma maneira ou de outra, na função da proteína. A fibrose cística resulta de mutações num locus gênico único no braço longo do cromossomo 7. Este lócus codifica uma proteína grande que tem vários domínios transmembranares, dois domínios citoplasmáticos, e numerosos sítios de fosforilação contendo um domínio regulador (R). As estruturas primárias e secundárias das proteínas do produto do gene CFTR se assemelham a outras proteínas da membrana que atuam como bombas (por exemplo, os transportadores ABC) (RICHARD, 2010). A proteína CFTR contém 1480 aminoácidos compreendendo duas metades homólogas. É constituída por duas regiões da membrana que compreendem 6 subunidades, dois domínios de ligação de nucleotídeos (NBD) e um domínio citoplasmático de regulação, únicos dentro da família ABC, os quais contém muitos sítios potenciais para a fosforilação do substrato por cinases de proteínas (Figura 6) (ROWNTREE, HARRIS, 2003). Figura 6: Os domínios presentes na estrutura da proteína CFTR. Modelo mostrando a estrutura de domínio proposta do regulador transmembrânico da fibrose cística (CFTR). MSD, domínio transmembranar; NBD, domínio de ligação de nucleotídeos; R, o domínio regulador; PKA, dependente de AMPc da proteína quinase. Adaptado de: SHEPPARD, 1999. 28 As funções do CFTR como um canal de cloreto adenosina-monofosfato cíclica dependente (cAMP), desempenha um papel importante no transporte de cloreto através das superfícies epiteliais apicais. O CFTR pode também ter outras funções, por exemplo, no transporte de bicarbonato, e a proteína interage diretamente com outras moléculas, sugerindo um papel regulador para CFTR (ROWNTREE; HARRIS, 2003). A principal função do CFTR nos canais das glândulas sudoríparas é a de reabsorver os íons cloreto luminais e aumentar a reabsorção do sódio via canais de sódio. Por isso nos canais sudoríparos a perda da função do CFTR induz um decréscimo da absorção do cloreto de sódio e produção de suor hipertônico (ROBBINS; COTRAN, 2005). Nos epitélios respiratório e intestinal o canal CFTR forma uma das mais importantes vias para secreção luminal ativa de cloreto. Nesses locais, as mutações do CFTR resultam em perda ou redução da secreção do cloro para dentro do lume. A absorção ativa do sódio luminal é também aumentada (devido a perda da atividade de inibição do canal de sódio) e ambas essas alterações do íon aumentam a absorção passiva de água pelo lume, baixando o conteúdo de água da camada fluida superficial que reveste as células da mucosa. Por isso, diferentemente do que ocorre nos canais sudoríparos, não existe diferença na concentração de sal da camada líquida superficial das células mucosas respiratórias e intestinais nos indivíduos normais versus os portadores de fibrose cística (ROBBINS; COTRAN, 2005). Apesar das diferentes categorias de mutação, a anormalidade no gene da FC irá, invariavelmente, provocar um transporte anormal de íons na superfície da célula epitelial e, como conseqüência, irá causar a desidratação das secreções (BARTH; PITT, 1998). 3.2. SINTOMATOLOGIA As principais manifestações clínicas da fibrose cística são síndrome de má absorção devido à insuficiência pancreática exócrina, perda excessiva de eletrólitos no suor (fato que predispõe as crianças menores a episódios de 29 depleção salina, especialmente diante de vômitos e/ou diarréia e durante o verão, doença pulmonar obstrutiva crônica, dentre outras. Todas elas iniciam comumente no primeiro ano de vida, levando a um quadro de desnutrição com crescimento pôndero-estatural e amadurecimento ósseo retardados (DORNELAS et al., 2000). Embora o defeito básico esteja presente em células de vários órgãos, nem todos os indivíduos expressam respostas clínicas nas mesmas intensidades e formas. Elas podem ser muito variadas, multissistêmicas e ocorrer desde o período intra-uterino. A falência respiratória é a causa de morte em mais de 90% dos pacientes (RIBEIRO; RIBEIRO; OLIVEIRA RIBEIRO, 2006). A presença de dois alelos com mutações no gene da FC provoca ausência de atividade, ou funcionamento parcial da CFTR, causando redução na excreção do cloro e aumento da eletronegatividade intracelular, resultando em maior fluxo de Na para preservar o equilíbrio eletroquímico e, secundariamente, de água para a célula por ação osmótica. Ocorre então, desidratação das secreções mucosas e aumento da viscosidade, favorecendo a obstrução dos ductos, que se acompanha de reação inflamatória e posterior processo de fibrose (Figura 7) (RIBEIRO; RIBEIRO; OLIVEIRA RIBEIRO, 2002). Figura 7: Fisiopatogenia da Fibrose Cística. Adaptado de: RIBEIRO; RIBEIRO; OLIVEIRA RIBEIRO, 2002. 30 O defeito básico acomete células de vários órgãos, e nem todos os indivíduos expressam respostas clínicas semelhantes. As manifestações clínicas podem ser muito variáveis e ocorrer precocemente, ou na vida adulta. O acometimento do trato respiratório associa-se com a maior morbidade e é causa de morte em mais de 90% dos pacientes (RIBEIRO; RIBEIRO; OLIVEIRA RIBEIRO, 2002). Esta anomalia no gene CFTR normalmente é diagnosticada logo na infância precoce e o quadro clínico típico, neste escalão etário, é de atraso de crescimento, esteatorréia e infecções respiratórias freqüentes, além disso, denota-se, com o avançar da idade uma distorção no ângulo normal das unhas (Figura 8) (Disponível em: medicina.med.up.pt . Acesso em mar. de 2012). Figura 8: Hipocratismo (do inglês, “Clubbing”). Adaptado de: FRANCISCAN ST. MARGARET HEALTH, 2011. O "Clubbing" (ou hipocratismo) resulta de níveis crônicos e baixos de sangue oxigenado. A ponta dos dedos aumenta ou "engorda" e as unhas ficam extremamente curvadas da frente para trás (Disponível em: medicina.med.up.pt . Acesso em mar. de 2012). Quando uma criança nasce com fibrose cística, os sintomas geralmente aparecem no primeiro ano de vida, embora, ocasionalmente, podem se 31 desenvolver mais tarde. O muco espesso e pegajoso no corpo afeta vários órgãos, principalmente os pulmões e o sistema digestivo (RIBEIRO; RIBEIRO; OLIVEIRA RIBEIRO, 2002). A fibrose cística se apresenta de muitas maneiras e “imita” um número de outras patologias clínicas. Suas apresentações usuais incluem o início precoce dos sintomas do trato respiratório, tosse, particularmente persistente e infiltrados pulmonares recorrentes ou refratárias. Habituais apresentações gastrointestinais incluem íleo meconial em aproximadamente 15% dos pacientes e esteatorréia (RICHARD, 2010). As manifestações digestivas são, na sua maioria, secundárias à insuficiência pancreática (IP). A obstrução dos canalículos pancreáticos por tampões mucosos impede a liberação das enzimas para o duodeno, determinando má digestão e má absorção de gorduras, proteínas e hidratos de carbono. Causa também diarréia crônica, com fezes volumosas, gordurosas, pálidas, de odor característico e, finalmente, desnutrição calórica protéica, acentuada por outros fatores inerentes à FC (RIBEIRO; RIBEIRO; OLIVEIRA RIBEIRO, 2002). A IP está presente em cerca de 75% dos fibrocísticos ao nascimento, em 80-85% até o final do primeiro ano, e em 90% na idade adulta. Os pacientes que não desenvolvem IP têm melhor prognóstico, pois conseguem manter um melhor estado nutricional. A primeira manifestação da IP na FC é o íleo meconial (obstrução do íleo terminal por um mecônio espesso), que aparece em 15-20% dos pacientes. Porém, a maioria dos diagnósticos de íleo meconial (90%) é relativa à FC. Portanto, deve-se ressaltar a importância de tratar todo paciente com íleo meconial como FC até prova em contrário. Outra manifestação que pode ocorrer ainda no período neonatal, em cerca de 5% dos FC, é edema hipoproteinêmico secundário à IP (RIBEIRO; RIBEIRO; OLIVEIRA RIBEIRO, 2002). O acometimento hepatobiliar é reconhecido desde a primeira descrição da FC, e está presente em mais de 50% das necropsias. Em estudos prospectivos, 25% dos pacientes apresentam alterações laboratoriais, cerca de 5% são sintomáticos, e 2% morrem por doença hepatobiliar. A secreção anormal de íons 32 pelo epitélio das vias biliares leva a aumento da viscosidade, com diminuição do fluxo biliar, predispondo à obstrução biliar e à reação inflamatória, culminando com fibrose biliar (RIBEIRO; RIBEIRO; OLIVEIRA RIBEIRO, 2002). As manifestações nutricionais e metabólicas freqüentes podem ser observadas na Tabela 2. Outras manifestações incluem atraso puberal, azoospermia, baqueteamento digital, hérnia inguinal, osteopatia hipertrófica, suor salgado e vasculite, que são conseqüências do defeito básico, secundárias a sua evolução ou às complicações da doença e, até mesmo, do tratamento (RIBEIRO; RIBEIRO; OLIVEIRA RIBEIRO, 2002). Tabela 2: Diagnóstico diferencial da Fibrose Cística Adaptado de: RIBEIRO; RIBEIRO; OLIVEIRA RIBEIRO, 2002. Dentre outros sinais e sintomas presentes na Fibrose Cística está “pele salgada”; desidratação; diarréia contínua ou volumosa, com aparecimento de fezes fétidas e gordurosas; pólipos nasais ou desvio de septo (requer cirurgia); colapso pulmonar (pneumotórax); diabetes; cálculos biliares; baixa densidade óssea (baixos níveis de vitamina D). 3.2.1 Manifestações Pulmonares da FC O declínio da função pulmonar ocorre devido a defeitos básicos associados à função anormal desse regulador (CFTR), resultando em 33 desidratação das secreções originada pela disfunção combinada com o tecido danificado devido à seqüela de infecções bacterianas anteriores (MATOS, 2005). A infecção crônica do trato respiratório é uma das manifestações clínicas predominantes da fibrose cística (FC) e é responsável por 75 a 85% das mortes entre os pacientes com FC. A susceptibilidade dos pacientes à infecção pulmonar já foi reconhecida desde a descrição da doença, em 1940 (GOVAN; DERETIC, 1996), mas a expectativa de vida desses pacientes cresceu muito nos últimos 50 anos, principalmente pelas melhoras no tratamento da doença pulmonar nessa população, que chega a atingir, em média, 30 anos de idade, variando nos diferentes países (PIRES, 2005). No sistema respiratório, o trato superior é colonizado por uma grande variedade de microrganismos que incluem a microbiota normal enquanto o trato respiratório inferior é mantido em um estado estéril pelos mecanismos de defesa do hospedeiro. Estes defensores consistemem barreiras físicas e barreiras endocíticas e fagocíticas. A falha em qualquer dessas barreiras resulta na suscetibilidade à infecção pulmonar (MATOS, 2005). O número de microrganismos associados à infecção pulmonar em pacientes com FC é relativamente limitado. Staphylococcus aureus, Haemophilus influenzae e Pseudomonas aeruginosa mucóide e não mucóide são os patógenos mais comuns, mas o complexo Burkholderia cepacia, Stenotrophomonas maltophilia, Achromobacter xylosoxidans, Aspergillus spp., micobactérias não tuberculóides e vírus respiratórios podem também ser potenciais patógenos. Pseudomonas aeruginosa é o microrganismo mais isolado em escarro de pacientes com fibrose cística. A idade de aquisição de P. aeruginosa varia a partir da infância até a idade adulta e a colonização crônica ocorre mais freqüentemente na adolescência, estando comumente associada ao declínio progressivo da função pulmonar. (SAIMAN; SIEGEL, 2004). O acometimento do aparelho respiratório é progressivo e de intensidade variável. O curso clínico é determinado por muco viscoso e depuração mucociliar diminuído, predispondo à sinusite, bronquite, pneumonia, bronquiectasia, fibrose e falência respiratória (RIBEIRO; RIBEIRO; OLIVEIRA RIBEIRO, 2002). 34 Os pulmões são praticamente normais intra-útero e nos primeiros meses de vida, exceto por pequenas dilatações e hipertrofia das glândulas submucosas da traquéia. As alterações se iniciam nas pequenas vias aéreas (RIBEIRO; RIBEIRO; OLIVEIRA RIBEIRO, 2002). A colonização bacteriana secundária à retenção de secreção favorece metaplasia do epitélio brônquico, impactação mucóide periférica e desorganização da estrutura ciliar. Formam-se rolhas mucopurulentas nos brônquios e bronquíolos, com infiltração linfocitária aguda e crônica. O envolvimento parenquimatoso é menos freqüente, mas podem ocorrer pneumonias de repetição, principalmente em pacientes mais jovens. Com a evolução, formam-se bronquiestasias, geralmente após o segundo ano de vida, preferencialmente nos lobos superiores, decorrentes da incapacidade do paciente esterilizar o trato respiratório suprimir o processo inflamatório endobrônquico (RIBEIRO; RIBEIRO; OLIVEIRA RIBEIRO, 2002). As bronquiectasias favorecem colapsos das vias aéreas, aprisionamento de ar e áreas focais de pneumonia hemorrágica. A hipóxia leva a alterações da vasculatura pulmonar, dilatação das artérias brônquicas e neoformação vascular próximo às áreas de bronquiectasias. Estas predispõem à ocorrência de shunt pulmonar, e a ruptura desses vasos pode levar à hemorragia pulmonar (RIBEIRO; RIBEIRO; OLIVEIRA RIBEIRO, 2002). A manifestação respiratória mais comum é a tosse crônica persistente, que pode ocorrer desde as primeiras semanas de vida, perturbando o sono e a alimentação do lactente. Muitas crianças apresentam-se com história de bronquiolite de repetição, síndrome do lactente chiador, infecções recorrentes do trato respiratório ou pneumonias recidivantes. Com a evolução da doença, ocorre uma diminuição da tolerância ao exercício. Alguns pacientes são oligossintomáticos por vários anos, o que não impede a progressão silenciosa para bronquiectasias (RIBEIRO; RIBEIRO; OLIVEIRA RIBEIRO, 2002). A doença pulmonar evolui em praticamente 100% dos fibrocísticos para cor pulmonale. Nas fases avançadas, os pacientes têm tórax enfisematoso, broncorréia purulenta, principalmente matinal, freqüência respiratória aumentada, dificuldade expiratória, cianose periungueal e baqueteamento digital acentuado. 35 Nessa fase, queixam-se de falta de ar durante exercícios e fisioterapia, e, posteriormente, em repouso (RIBEIRO; RIBEIRO; OLIVEIRA RIBEIRO, 2002). As complicações incluem hemoptises recorrentes, impactações mucóides brônquicas, atelectasias, empiema, enfisema progressivo, pneumotórax, fibrose pulmonar e osteopatia hipertrófica (RIBEIRO; RIBEIRO; OLIVEIRA RIBEIRO, 2002). As vias aéreas superiores são comprometidas na totalidade dos pacientes, na forma de pansinusite crônica, com reagudizações, otite média crônica ou recorrente, anosmia, defeitos de audição e rouquidão transitória. A polipose nasal recidiva ocorre em aproximadamente 20% dos pacientes e pode ser a primeira manifestação da doença (RIBEIRO; RIBEIRO; OLIVEIRA RIBEIRO, 2002). A Tabela 3 mostra um resumo dos principais eventos que ocorrem nos pulmões decorrentes da FC (RIBEIRO; RIBEIRO; OLIVEIRA RIBEIRO, 2002). Tabela 3: Como acontece a doença pulmonar na Fibrose Cística. Mutação genética Defeito na proteína CFTR Transporte anormal de água e eletrólitos Produção de secreção de muco espesso e viscoso Colonização e infecção crônica das vias aéreas Acúmulo de DNA derivado de neutrófilos e de secreções ricas em elastase Obstrução das vias aéreas e mais infecção Doença pulmonar obstrutiva crônica Adaptado de: RIBEIRO; RIBEIRO; OLIVEIRA RIBEIRO, 2002. Como visto, as doenças pulmonares como pneumonias, bronquioestasias, com tendência à colonização por Pseudomonas aeruginosa e Staphylococcus aureus são os principais fatores limitantes para a longevidade dos pacientes com fibrose cística, devido aos danos pulmonares irreversíveis causados ao paciente (DORNELAS et al., 2000). 3.3. DIAGNÓSTICO O diagnóstico de fibrose cística (FC) deve ser feito o mais precocemente possível. Nos Estados Unidos, o diagnóstico de FC já consegue ser confirmado 36 em 71% dos pacientes fibrocísticos ao completarem o primeiro ano de vida. No Brasil a média de idade ao se fazer o diagnóstico de FC foi de 4,5 anos em 1995 (REIS; DAMACENO, 1998). É essencial que se confirme ou que se exclua o diagnóstico de FC o mais precocemente possível, mas, além disso, ele deve ser executado com elevado grau de precisão, para que se evite a realização desnecessária de outros testes e para se fornecer de imediato uma terapêutica apropriada. Logo após a confirmação do diagnóstico, deve-se avaliar o prognóstico, além de se poder fazer o aconselhamento genético e de assegurar ao paciente acesso a serviço médico especializado. Na maioria dos casos, o diagnóstico de FC é altamente sugerido pela presença de uma ou mais manifestações clínicas típicas da doença (Tabela 4) e, em seguida, confirmado pela demonstração de concentração elevada de cloro no suor (REIS; DAMACENO, 1998). Tabela 4: Manifestações clínicas mais freqüentes nos pacientes com fibrose cística, à época do diagnóstico (n= 20.096) Manifestações Clínicas Nº % Sintomas respiratórios agudos ou persistentes 10.141 50,5 Desnutrição/Baixo crescimento físico 8.628 42,9 Esteatorréia/Fezes anormais 7.024 35,0 Íleo meconial/Obstrução intestinal 3.788 18,8 História familiar 3.368 16,8 Distúrbios eletrolíticos 1.094 5,4 Prolapso retal 677 3,4 Triagem neonatal 459 2,3 Pólipos nasais/Sinusopatia 404 2,0 Genótipo 242 1,2 Doença hepatobiliar 175 0,9 Adaptado de: REIS; DAMACENO, 1998. O diagnóstico clínico de fibrose cística deve ser cogitado diante dos seguintes elementos: 1) presença de fibrose cística na irmandade ou em parentes, ou referência de um óbito inexplicável na família, com quadro clínico compatível com fibrose cística; 2) presença de íleo meconial; 3) infecções respiratórias de repetição; 4) a ocorrência de doença pulmonar obstrutiva crônica não relacionada ao tabagismo; 5) diarréia crônica, especialmente se apresentar fezes esteatorréicas; 6) déficit pôndero-estatural em crianças com ingestão 37 alimentar razoável e alguma manifestação respiratória e/ou digestiva; 7) edema e anemia no primeiro semestre de vida. Dos exames complementares, o que realmente firma o diagnóstico é o teste do cloro no suor com aumento da excreção de cloro e/ou sódio no suor. O suor é induzido por iontoforese por pilocarpina, segundo a técnica de Gibson & Cooke. Uma concentração de cloro no suor maior que 60mmoles/l em duas ocasiões diferentes, em amostras contendo pelo menos 100mg de suor, confirma o diagnóstico de fibrose cística (DORNELAS et al., 2000). Nos países desenvolvidos, a maioria dos pacientes tem diagnóstico firmado antes dos dois anos de idade. No Brasil, 40 a 50% dos casos são diagnosticados após três anos de idade. É responsabilidade do pediatra geral estar alerta para as manifestações clínicas da FC, para melhor orientar os exames diagnósticos (RIBEIRO; RIBEIRO; OLIVEIRA RIBEIRO, 2002). Por ordem de especificidade, o diagnóstico de FC deveria ser realizado: (1) pelo achado de duas mutações no gene FC, ou (2) por dois testes do suor alterados, ou (3) pela presença de pelo menos uma das seguintes manifestações clínicas epidemiológicas: – doença pulmonar obstrutiva / supurativa ou sinusal crônica; – insuficiência pancreática exócrina crônica; – história familiar de FC; – triagem neonatal pelo método da tripsina imunorreativa (TIR) – medida da diferença de potencial na mucosa nasal Muitos sinais e sintomas que aparecem na FC são encontrados em doenças de elevada incidência em nosso meio (doenças respiratórias, diarréias e desnutrição), devendo o pediatra estar atento para possibilidade da FC (RIBEIRO; RIBEIRO; OLIVEIRA RIBEIRO, 2002). 3.3.1. Teste Do Suor Padrão áureo para o diagnóstico da FC, com elevada sensibilidade e especificidade (>95%), baixo custo e não invasivo. Atualmente, o único procedimento aceitável é o da dosagem quantitativa de cloretos no suor, obtidos 38 pelo método da ionoforese por pilocarpina, padronizados por Gibson & Cooke. A quantidade de suor deve ter no mínimo 100mg (RIBEIRO; RIBEIRO; OLIVEIRA RIBEIRO, 2002). A estimulação térmica, coleta de suor sem estimulação, e métodos de condutividade ou de osmolaridade não devem ser usados para diagnóstico, por apresentarem resultados falso-positivos e negativos (RIBEIRO; RIBEIRO; OLIVEIRA RIBEIRO, 2002). Os pacientes portadores de FC com suficiência pancreática são caracterizados por um curso clínico mais suave, melhor estado nutricional, função pulmonar e diagnóstico mais tardio. A variabilidade da expressão fenotípica da FC é dependente de fatores como mutações do gene, carga genética e fatores ambientais (LEMOS et al., 2004). É importante salientar que o teste de suor normal não exclui o diagnóstico de formas atípicas de FC. Atualmente os casos duvidosos podem ser confirmados através do estudo genético (MATOS, 2005). 3.3.2. Análise de Mutações A identificação de duas mutações conhecidas confirma o diagnóstico de FC, sendo decisivo naquele paciente que apresenta quadro clínico compatível e teste do suor não conclusivo (RIBEIRO; RIBEIRO; OLIVEIRA RIBEIRO, 2002). A análise das mutações é de alto custo, e, no Brasil, são poucos os centros capacitados em realizá-la (MATOS, 2005). A varredura das 25 mutações mais freqüentes detecta 80 a 85% dos alelos de pacientes com FC33. Dessa forma, a confirmação do diagnóstico pelo teste genético é extremamente específica, porém não muito sensível (RIBEIRO; RIBEIRO; OLIVEIRA RIBEIRO, 2002). A identificação do gene da FC, assim como das suas mutações, que se relacionam com as manifestações clínicas - relação genótipo-fenótipo -, levantou a possibilidade de se utilizar a análise das mutações (teste de DNA) para substituir com maior precisão o teste de suor em determinadas circunstâncias. Inúmeros problemas de interpretação clínica surgiram nos últimos cinco anos em 39 decorrência do grande número de mutações descritas. A presença de mutações sabidamente relacionadas com a FC, em cada alelo, prediz, com elevado grau de certeza, que aquele indivíduo tem FC. Uma lista das mutações mais freqüentes está relacionada na Tabela 5 (REIS; DAMACENO, 1998). Tabela 5 - Mutações mais freqüentes que causam fibrose cística Mutação Frequência (%) E. E. U. U. Brasil* ∆F508 66,0 47,0 G542X 2,4 5,5 G551D 1,6 0,2 N133K 1,3 2,6 W1282X 1,2 R533X 0,7 0,8 621+1G>T 0,7 1717-1G>T 0,6 * em pacientes caucasóides Adaptado de: REIS; DAMACENO, 1998. A confirmação do diagnóstico de FC baseado no teste genético de DNA é extremamente específico, porém não muito sensível. Algumas mutações podem aparecer somente em grupos populacionais especiais, como nos judeus, ou em situações atípicas, por exemplo, pacientes com suficiência pancreática com baixa estatura como único sintoma ou então, em pacientes que apresentam níveis normais ou limítrofes de concentração de eletrólitos no suor. Mesmo com a melhora da sensibilidade dos testes genéticos, uma grande parcela dos pacientes com FC será portador de uma mutação não identificada (REIS; DAMACENO, 1998). Em resumo, em indivíduos com manifestações clínicas consistentes com FC, a identificação de duas mutações conhecidas de FC, em laboratório credenciado, confirma o diagnóstico de FC. O achado de uma única mutação deve ser associado à confirmação de disfunção da CFTR, além de manifestações clínicas compatíveis com FC. A não detecção de mutações não afasta o diagnóstico de FC. Deve ficar bem claro que, na maioria absoluta dos casos, o diagnóstico será confirmado pelo teste de suor positivo e não pela identificação de duas mutações da FC. Entretanto a análise genética dos pacientes com FC é 40 desejável no sentido de se obter informações prognósticas complementares (REIS; DAMACENO, 1998). 3.3.3. Insuficiência Pancreática (IP) A confirmação da IP pode sugerir FC, uma vez que grande parte dos fibrocísticos tem IP, sendo importante quantificar a sua intensidade, para melhor adequarmos a terapia de reposição enzimática. Existem vários métodos descritos para avaliar a função exócrina do pâncreas, conforme relatado a seguir (RIBEIRO; RIBEIRO; OLIVEIRA RIBEIRO, 2002). Teste da secretina pancreosimina: teste padrão áureo para quantificar a função pancreática exócrina. Consiste na determinação de pH e das concentrações de bicarbonato e enzimas pancreáticas no suco duodenal, colhido por tubagem duodenal, após estimulação com secretina. Tem as inconveniências de ser invasivo e de alto custo (RIBEIRO; RIBEIRO; OLIVEIRA RIBEIRO, 2002). Dosagem da gordura fecal: descrito em 1949, por Van de Kamer, ainda é usado para avaliar má digestão e má absorção de gorduras. Consiste na coleta das fezes de 72 horas e determinação da gordura fecal extraída com éter de petróleo. Apesar da praticidade e do baixo custo, tem a inconveniência da coleta de todas as fezes durante 72 horas (difícil no lactente) (RIBEIRO; RIBEIRO; OLIVEIRA RIBEIRO, 2002). Coeficiente de absorção de gordura: método que avalia a relação entre uma quantidade de gordura ingerida (5g/kg/dia) e a quantidade de gordura excretada.Tem o inconveniente da coleta durante 72 horas (RIBEIRO; RIBEIRO; OLIVEIRA RIBEIRO, 2002). Esteatócrito: método descrito por Phuapradit e col., em 1981, modificado por Tran e col., consiste na diluição de uma pequena amostra de fezes, centrifugação e quantificação da coluna de gordura. A inconveniência é sua variabilidade, que pode ser contornada com a média de algumas medidas. Existem as vantagens do baixo custo, pequena amostra de fezes e praticidade (RIBEIRO; RIBEIRO; OLIVEIRA RIBEIRO, 2002). 41 Microscopia: a coloração de uma amostra diluída de fezes com solução de Sudan é um método qualitativo de baixa sensibilidade e especificidade (RIBEIRO; RIBEIRO; OLIVEIRA RIBEIRO, 2002). 3.3.4. Detecção de Enzimas Nas Fezes Quimiotripsina: a atividade, nas fezes, desta enzima pode ser medida na prática; porém, a sensibilidade do método é de 64% e especificidade de 89%, e não pode ser usado nas crianças em terapia de reposição enzimática (RIBEIRO; RIBEIRO; OLIVEIRA RIBEIRO, 2002). Elastase: a determinação da elastase fecal, com Kit Elisa, usa 2 anticorpos monoclonais contra epítopos específicos da elastase pancreática humana, tem uma correlação significativa com a elastase duodenal e concentrações de amilase, tripsina e bicarbonato. É método sensível (96%) e específico (100%), não sofrendo influência da terapia de reposição enzimática. Tem como desvantagem o alto custo (RIBEIRO; RIBEIRO; OLIVEIRA RIBEIRO, 2002). Lípase imunorreativa: método de determinação imunológica da concentração de lipase, em amostra de 3-5g de fezes diluídas em NaCl 0,9%. Tem sensibilidade de 87% e especificidade de 97% para detectar IP, e não é afetado pela terapia de reposição enzimática (RIBEIRO; RIBEIRO; OLIVEIRA RIBEIRO, 2002). Nitrogênio fecal: existe boa correlação entre a excreção de gordura fecal e a dosagem de nitrogênio fecal na insuficiência pancreática (RIBEIRO; RIBEIRO; OLIVEIRA RIBEIRO, 2002). 3.3.5. Detecção de Enzimas No Sangue Proteína associada à prancreatite (PAP): é uma proteína sintetizada após dano pancreático. Pode estar presente no sangue dos fibrocísticos logo ao nascimento. É um método útil quando combinado com outros testes (RIBEIRO; RIBEIRO; OLIVEIRA RIBEIRO, 2002). 42 Triglicérides: a dosagem de triglicérides, antes e 2 horas após uma refeição rica em gorduras, é um indicador da função pancreática, embora seja influenciado por numerosos fatores (RIBEIRO; RIBEIRO; OLIVEIRA RIBEIRO, 2002). Tripsina imunorreativa (TIR): o aumento do tripsinogênio no sangue foi observado pela primeira vez por Crossley e confirmado por outros autores. Admite-se que o aumento da tripsina seja secundário ao refluxo de secreção pancreática, provocado pela obstrução dos dutos pancreáticos. O teste pode ser realizado com amostra de sangue recolhido sobre papel de filtro, como na coleta para fenilcetonúria e hipotireoidismo. A dosagem de TIR é um indicador indireto da doença, pois avalia apenas a integridade da função pancreática. As proporções de falso-positivos e falso-negativos são relativamente elevadas (RIBEIRO; RIBEIRO; OLIVEIRA RIBEIRO, 2002). Existem poucos trabalhos randomizados controlados, na literatura, que asseguram a efetividade e eficácia da triagem neonatal na FC. Apesar das controvérsias, este teste está sendo implantado no Brasil como parte do “teste do pezinho” ampliado. Portanto, o pediatra geral deverá interpretá-lo corretamente. Quando o teste for positivo (valores acima do padrão adotado, 70 ou 140 ng/ml), deverá ser repetido num intervalo de 15-30 dias, e caso persista positivo, o paciente deverá ser submetido ao teste do suor, para confirmar o diagnóstico de FC. O teste com a TIR negativo não exclui FC com suficiência pancreática (RIBEIRO; RIBEIRO; OLIVEIRA RIBEIRO, 2002). 3.3.6. Diagnóstico Pré-Natal O diagnóstico pré-natal tem sido realizado em núcleos familiares de FC. Para a realização do diagnóstico molecular, é essencial conhecer as mutações dos pais. Um segundo passo é obter células nucleadas fetais, colhidas na 10ª semana de gestação, por biópsia de vilosidades coriônicas, ou na 17ª semana, pela aminiocentese. A análise do DNA por PCR permite identificar se o feto tem ou não FC (RIBEIRO; RIBEIRO; OLIVEIRA RIBEIRO, 2002). 43 Infelizmente, muitas vezes as mutações dos pais não são conhecidas. Nesses casos, utiliza-se a análise indireta, através de polimorfismo intragênico. Para essa análise, é necessário que o casal já tenha um filho fibrocístico, e que tenhamos encontrado polimorfismos que sejam informativos. Para uma maior exatidão do diagnóstico pré-natal, o aconselhável é a utilização dos dois métodos (RIBEIRO; RIBEIRO; OLIVEIRA RIBEIRO, 2002). Com o avanço das técnicas de reprodução in vitro, tem sido possível a realização do diagnóstico de pré-implantação. Por meio de micro manipulação, um blastômero de cada embrião é separado e analisado por meio da PCR em célula única. Com isso, é possível escolher os embriões que serão implantados. Essa técnica permite a casais que já tenham filho fibrocístico programar uma gestação sem o risco para FC. As questões éticas, culturais, emocionais e econômicas destes procedimentos exigem a atuação de equipe multiprofissional (RIBEIRO; RIBEIRO; OLIVEIRA RIBEIRO, 2002). 3.3.7. Triagem Neonatal O nascimento é um momento impar para fazer o diagnóstico de doenças crônicas. A identificação precoce de pacientes assintomáticos oferece a possibilidade de tratamento preventivo e aconselhamento genético. O estudo genético, apesar da especificidade 100%, tem sensibilidade dependente do número e freqüência das mutações no gene da FC, na população estudada, além do elevado custo. Os testes bioquímicos e imunoquímicos, já utilizados para triagem neonatal, apesar de menor custo, apresentam sensibilidade e especificidade relativamente baixas (RIBEIRO; RIBEIRO; OLIVEIRA RIBEIRO, 2002). Os programas experimentais, com triagem neonatal, realizados com milhões de crianças na Europa, não trouxeram conclusões objetivas. A realização da triagem neonatal na população em geral é controversa, envolve complexas questões sociais, culturais, política de saúde, éticas e emocionais. Muitos especialistas não consideram justificável a triagem populacional, enquanto não restam dúvidas quanto à importância da triagem em familiares com história de 44 FC, que é apropriada e deve ser estimulada (RIBEIRO; RIBEIRO; OLIVEIRA RIBEIRO, 2002). 3.3.8. Diagnóstico Diferencial Várias manifestações clínicas e doenças devem ser lembradas no diagnóstico diferencial de FC (Tabela 6). Se levarmos em conta a grande sensibilidade e especificidade do teste do suor, a facilidade da técnica de realização, o baixo custo e seu caráter não invasivo, este teste deveria ser realizado sempre que houvesse qualquer possibilidade diagnóstica (RIBEIRO; RIBEIRO; OLIVEIRA RIBEIRO, 2002). Tabela 6: Manifestações digestivas da Fibrose Cística e suas complicações Manifestações Clínicas Nº Insuficiência pancreática Diabetes Pancreatite Dor abdominal Refluxo gastroesofágico Desnutrição Diarréia crônica Anemia Esteatorréia Hipovitaminose Ascite Hipoproteinemia Fibrose Depleção salina Cirrose Alcalose metabólica Colecistite Edema Colelitíase Efeito de massa no quadrante inferior Colestase direito Íleo meconial Constipação Prolapso retal Equivalente meconial Adaptado de: RIBEIRO; RIBEIRO; OLIVEIRA RIBEIRO, 2002. 3.4. CFPE (Do inglês, cystic fibrosis period exacerbation) Exacerbações pulmonares na fibrose cística são eventos freqüentes e responsáveis por uma proporção substancial da carga de morbidade e mortalidade nesta doença (PARKINS; ELBORN, 2010). Períodos de exacerbação pulmonar aguda são a causa mais importante de morbidade em pacientes com fibrose cística, e pode estar associado com uma perda da função pulmonar. 45 Intervir antes do início de uma resposta inflamatória substancialmente aumentada pode limitar os danos associados às vias aéreas (ROGERS et al., 2011). Em termos gerais, a fibrose cística das vias aéreas é considerada dominada por infiltração neutrofílica persistente, com IL-8 e elastase de neutrófilos elevados nas secreções dessas vias. Há evidências de que citocinas próinflamatórias e outros mediadores são anormalmente elevados em pacientes com FC. Em relação à carga de infecção, tem sido sugerido que a desregulação resulta diretamente do defeito subjacente da FC. No entanto, a inflamação é aumentada em locais de interações epitélio-patógeno das vias aéreas e é elevada durante o CFPE (ROGERS et al., 2011). A resposta inflamatória elevada que caracteriza o CFPE forma um ciclo de feedback (ou retroalimentação) positivo. Neutrófilos ativados liberam grandes quantidades de proteases, elastase e outros. Além disso, quando esses neutrófilos quebram, eles liberam grandes quantidades de DNA com alto peso molecular que aumenta ainda mais a viscosidade das secreções endobrônquicas, o que dificulta a depuração mucociliar. Desta forma, um ciclo vicioso de infecção crônica e inflamação ocorre, o que encoraja a persistência de patógenos, promovendo a obstrução do lúmen das vias aéreas e causando a destruição da arquitetura das paredes das vias aéreas (ROGERS et al., 2011). A infecção crônica das vias aéreas com repetidos episódios de exacerbação bronco-pulmonar aguda continua a ser a principal causa de morte de indivíduos com FC. Apesar de nossa atual compreensão da base molecular do fenótipo da FC, relativamente pouco conhecimento existe sobre a fisiopatologia das exacerbações pulmonares agudas (PARKINS; ELBORN, 2010). Os 10 sinais e sintomas que indicam a exacerbação pulmonar na fibrose cística são: aumento da tosse, aumento da produção de escarro, febre, anorexia e perda de peso, absenteísmo na escola ou no trabalho, diminuição da tolerância aos exercícios, diminuição na saturação de oxigênio, novos achados na ausculta pulmonar, novos achados à radiografia de tórax e redução de mais de 10% no VEF1 (MATOS, 2005). Fatores de risco para exacerbação pulmonar incluem anterior infecção viral do trato respiratório superior, asma concomitante, menores valores basais de 46 função pulmonar, aumento da idade, diabetes relacionada com a FC concomitante e infecção crônica por Pseudomonas aeruginosa ou complexo Burkholderia cepacia (PARKINS; ELBORN, 2010). As exacerbações pulmonares têm um impacto negativo significativo na qualidade de vida, e estão associados com a sobrevivência a curto-prazo e resultam em aumento das despesas em saúde e aumento da taxa de declínio da função pulmonar (PARKINS; ELBORN, 2010). Um dos principais problemas no diagnóstico CFPE é a falta de uma definição consensual do que o constitui. O diagnóstico geralmente gira em torno de decisão de um clínico para tratar uma constelação dos sintomas. Sintomas relatados pelo paciente podem ser um complemento importante para o médico avaliar sinais clínicos no diagnóstico da CFPE (ROGERS et al., 2011). As razões para a ocorrência de CFPE muitas vezes não são conhecidas, embora um número de possíveis causas foram sugeridas. Estes incluem a aquisição de novas variedades de espécies de bactérias, a expansão de populações bacterianas existentes nas vias aéreas, blocos de células bacterianas planctônicas liberadas a partir de populações biofilme, a expressão de fatores de virulência bacteriana, infecções virais e poluição do ar ambiente (ROGERS et al., 2011). 3.5 ESTUDOS EM CURSO 3.5.1. Análise Salivar A saliva é um fluido corporal fácil de ser coletado devido o acesso e procedimento não invasivo, tanto a proveniente de um único par de glândulas como a acumulada na cavidade bucal, conhecida como saliva total. É abundante, secretada numa taxa relativamente regular e contém alguns elementos que a tornam de interesse nas análises biológicas. Os testes salivares têm apresentado correlações positivas com os sanguíneos e a saliva tem sido usada em análises clínicas para diagnóstico de doenças, monitoramento de drogas terapêuticas e estudos de doenças das glândulas salivares (VIEIRA, 2008). 47 A saliva é um líquido balanceado composto em mais de 99% de água e menos de 1% de sólidos, principalmente proteínas e eletrólitos. Cerca de 0,5 a 1,0 litro de saliva é secretado por dia pelas glândulas salivares. Esse fluido contribui para várias funções bucais, dentre elas, capacidade tampão, ação antibacteriana, mastigação, deglutição, fala, e lubrificação do epitélio (FEJERSKOV; KIDD, 2005). Os indivíduos com FC apresentam alteração na composição salivar, uma vez que a doença afeta o transporte de íons através da membrana celular, envolvendo o fluxo de Cl e Na. Pouco se sabe sobre a composição salivar e suas correlações com a FC. Esse conhecimento pode contribuir para o melhor entendimento da doença (VIEIRA, 2008). O estudo realizado por Vieira (2008) comparou os elementos traço na saliva de indivíduos com FC e indivíduos saudáveis, utilizando o método de coleta de saliva total estimulada e análises por espectroscopia, e demonstrou diferença estatisticamente significante na concentração dos elementos Na, K, V, Cr e Se (p<0,05) entre indivíduos portadores de FC e indivíduos saudáveis, sendo os níveis dos elementos vanádio, cromo e selênio, encontrados em menor quantidade nos indivíduos portadores de FC (Tabela 7). O padrão de distribuição de Na nas amostras de saliva dos indivíduos com FC foi maior em comparação aos saudáveis, mostrando que o resultado da análise de saliva segue o padrão do teste do suor. Tabela 7: Elementos com diferença estatística significativa entre os grupos Fonte: VIEIRA, 2008. 48 Outro estudo realizado por Vieira (2008) procurou identificar diferenças entre a composição protéica da saliva de crianças com FC e crianças saudáveis, que pudessem ser usadas para discriminar a saliva de pacientes com FC em comparação às de indivíduos saudáveis. A saliva de pacientes com FC revelou maior concentração da imunoglobulina IgA, possivelmente porque os pacientes com FC são mais propensos às infecções que o grupo controle. Esta imunoglobulina tem função bem descrita na literatura e sua ocorrência nos indivíduos com Fibrose Cística possivelmente é em função da pré-disposição dos pacientes com FC a recorrentes infecções das vias aéreas (VIEIRA, 2008). A saliva contém muitos componentes de resposta imune inata e adaptativa, crucial para a defesa local do hospedeiro. A interação entre imunidade inata e adaptativa é pré-requisito para a saúde, uma vez que a mucosa é a porta de entrada para agentes infecciosos. Os indivíduos com FC apresentam infecções recorrentes. Isto pode justificar uma alteração significativa dos componentes das respostas imunes e a nítida presença da IgA encontrada neste trabalho (VIEIRA, 2008). Ainda não se pode concluir se essas alterações estão acontecendo em função de alterações glandulares provocadas pela mutação no gene CFTR, ou em função das recorrentes infecções das vias aéreas sofridas pelos FC (VIEIRA, 2008). 3.5.2. Utilização de biomarcadores bacterianos Rogers et al. (2011) discutiu as principais considerações na concepção e ensaio de testes de diagnóstico que poderiam prever exacerbações pulmonares, na premissa de que falta de um marcador da doença específico ou um unificador, indicador comumente aceito para iniciar o tratamento para um CFPE dificulta a melhoria do atendimento ao paciente. Seria ideal se os biomarcadores que podem ser identificados tivessem a capacidade de refletir, diretamente, o objetivo da atividade da doença em vez de confiar inteiramente em marcadores clínicos. Fatores envolvidos no início do 49 percurso de iniciação CFPE podem ser úteis como marcadores preditivos, permitindo uma intervenção mais precoce (ROGERS et al., 2011). Infecções bacterianas nas vias aéreas são atualmente monitoradas através de microbiologia de rotina. Embora úteis para a vigilância de longo prazo da progressão da doença, estes dados não são susceptíveis de fornecer detalhes suficientes para serem preditivos do início do CFPE (ROGERS et al., 2011). O objetivo da intervenção precoce seria reduzir rapidamente o desenvolvimento de uma resposta inflamatória completa e encurtar e reduzir a gravidade da CFPE, com a esperança de prevenir o desenvolvimento de lesão pulmonar irreversível (ROGERS et al., 2011). Desta forma, um marcador efetivo e reprodutível de diagnóstico para as fases iniciais de um CFPE poderia oferecer a possibilidade de modificações na terapia da doença, que poderia evitar a perda permanente da função pulmonar e morbidade e mortalidade associadas (ROGERS et al., 2011). Em seu trabalho, Rogers et al. (2011) examinou o potencial de fatores microbianos para fornecer biomarcadores para a detecção precoce do início do CFPE, bem como os desafios que devem ser superados para a vigilância molecular como diagnóstico para ser implantado rotineiramente. Seu uso potencial na FC é especialmente atraente, dadas as diversas manifestações da fibrose cística das vias aéreas e resposta à terapia em pacientes individuais CF. Para a utilização destes biomarcadores, Rogers et al. (2011) levou em conta duas áreas fundamentais: o grau em que eles refletem biologicamente processos informativos para previsão de início do CFPE, e sua adequação para uso como uma ferramenta de diagnóstico de rotina. Embora as medições de biomarcadores inflamatórios do escarro obtido a partir de um mesmo paciente em diferentes ocasiões têm se mostrado reprodutível (porém não especificamente como preditores de CFPE), eles podem variar consideravelmente entre os pacientes (ROGERS et al., 2011). É essencial que o biomarcador que está sendo medido seja facilmente disponível a partir de amostras que podem ser rotineiramente coletadas de pacientes, tais como sangue, urina, ar exalado, saliva ou de expectoração. Os ensaios devem ser suficientemente barato, tanto para realizar e em termos de 50 equipamentos, especialização ou reagentes, a fim de permitir o uso repetido na vigilância de rotina (ROGERS et al., 2011). Infecções bacterianas das vias aéreas são tipicamente crônicas. As interações entre estas bactérias e o hospedeiro, que podem dar origem a episódios de CFPE, portanto, são pouco prováveis que sejam caracterizáveis por ensaio de presença/ausência, e requerem uma análise mais detalhada. Por exemplo, a caracterização de fatores como a abundância relativa das espécies e de expressão gênica de perfis pode ser necessário. No entanto, em cada caso, a resposta do hospedeiro a mudanças nas populações das vias respiratórias bacterianas (e up-regulation resultante da resposta inflamatória entre os leucócitos e/ou células epiteliais) deve ser o foco da análise (ROGERS et al., 2011). De uma perspectiva de bactérias, mecanismos de potencial podem ocorrer através de rotas diferentes. Tais mecanismos poderiam incluir a ativação de neutrófilos e células epiteliais quando detectada a presença de células bacterianas nas vias aéreas. Outros mecanismos podem envolver o up-regulation da resposta imune através da secreção de compostos específicos por bactérias nas vias aéreas. No caso de desencadear uma resposta inflamatória, os ensaios devem concentrar-se na detecção e contagem de células bacterianas. Para outros mecanismos, os ensaios devem ser dirigidos para a medição dos níveis de ambos os compostos secretados nas vias aéreas ou a transcrição dos genes que os codificam por células bacterianas (ROGERS et al., 2011). Portanto, pode ser mais apropriado para analisar a sua presença nas secreções respiratórias, através da enumeração de partículas virais, com dados comparados com um limiar associado a sintomas respiratórios, em vez de um ensaio de presença / ausência simples. No entanto, enquanto uma perspectiva promissora, a identificação de biomarcadores apropriados para prever um CFPE requer uma investigação mais aprofundada. É importante considerar se e como essa comunidade, composta por bactérias, fungos e vírus eucarióticos e espécies fago, contribui para a CFPE desencadeante, e, como tal, apresenta alvos potenciais para o projeto de biomarcadores de diagnóstico (ROGERS et al., 2011). 51 4. CONCLUSÃO A fibrose cística é uma doença que possui grande importância nos estudos de diagnóstico. A doença pulmonar da FC é caracterizada por um ciclo vicioso de obstrução das vias aéreas, infecção bacteriana crônica e inflamação vigorosa, que resultam em bronquiectasias. Atualmente, a maior causa de morbidade e mortalidade de pacientes com esta doença se dá pelos períodos de exacerbação pulmonar aguda. Períodos estes que podem estar diretamente associados com uma perda da função pulmonar. Daí a necessidade de se implantar testes de diagnóstico eficientes que possam prever um evento desta gravidade. Embora uma série de ensaios com biomarcadores inflamatórios têm sido desenvolvidos, proporcionando medidas úteis e importantes para a doença durante estes períodos, tais fatores são normalmente elevados apenas uma vez que o processo de exacerbação foi iniciado. Biomarcadores permitem medidas objetivas e melhora na avaliação de processos biológicos normais e patogênicos, além de garantir uma intervenção terapêutica mais eficaz. Eles têm se mostrado úteis no diagnóstico e caracterização de uma ampla gama de patologias, incluindo doenças cardiovasculares, renais e metabólicas, bem como sepse e câncer. Identificar biomarcadores que possam prever o início da exacerbação pulmonar seria uma oportunidade de intervir antes do estabelecimento de uma resposta imunológica, o que implicaria grandiosamente para o avanço dos cuidados da fibrose cística. No entanto, o impacto que tais biomarcadores poderiam causar na medicina diagnóstica depende da sua capacidade de informar tomada de decisão clínica e, assim, melhorar o resultado do paciente. No mais, como uma perspectiva de estudo em diagnóstico, a identificação de biomarcadores preditivos de CFPE requer uma investigação mais aprofundada, o que não tira o fato de que, mesmo em fase inicial, os estudos apresentados têm potencial para serem úteis no tratamento de doenças respiratórias da fibrose cística. 52 4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BARTH, A. L.; PITT, T. L. Microbial pathogens associated with Cystic Fibrosis: Special focus on Pseudomonas aeruginosa. Braz J Infect Dis, v. 2, n. 2, p. 43-61, 1998. DISANT AGNESE, P.A. et al. Abnormal electrolyte composition of sweat in cystic fibrosis of the pancreas: clinical significance and relationship to the disease. Pediatr, n. 12, p. 549-563, 1953. DORNELAS, Eduardo C., FERNANDES, Maria I.M., GALVÃO, Lívia C., SILVA, Geruza A. 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