Ribeiro de São Pedro - Marinha Grande Fichas de caracterização O Vale O vale do Ribeiro de São Pedro estende-se ao longo de cerca de 7km na Mata Nacional de Leiria, culminando na Praia Velha em São Pedro de Moel, Marinha Grande. Este vale apresenta características naturais verdadeiramente únicas no contexto de toda a região envolvente. Do ponto de vista hidrológico, uma das características mais distintiva das bacias hidrográficas de pequena dimensão que caracterizam a região, é a presença de água corrente e abundante ao longo de todo o ano. Esta situação é ainda engrandecida por um conjunto de nascentes existente nas suas margens, com contributos mais ou menos regulares, que têm origem na elevada permeabilidade das areias que circundam o seu vale. Estas nascentes, várias delas transformadas em fontes, originam a formação de pequenos riachos, que confluem no ribeiro principal após algumas dezenas de metros de extensão. A água do Ribeiro e dos seus afluente aparenta boa qualidade sendo límpida e sem formação de espumas. Esta salubridade é meritória considerando o cariz marcadamente industrial do Concelho da Marinha Grande e dentro do qual se situa a maioria da bacia hidrográfica do Ribeiro. A Fauna A riqueza da fauna aparenta ser muito elevada, sobretudo pela forma como contrasta com a diversidade específica da região envolvente. Aqui ocorrem algumas espécies marcadamente associadas às áreas montanhosas situadas mais a Norte no país. Exemplo disso é a rã-ibérica (Rana iberica), uma espécie endémica da Península Ibérica que se distribui quase exclusivamente no seu quadrante Noroeste. Esta espécie foi aqui descoberta em 1989 e o Ribeiro de São Pedro apresenta-se como o habitat de um núcleo populacional isolado e com a menor extensão que se conhece para esta espécie. Esta é sem dúvida uma população que representa um elevado contributo para a diversidade biológica da região e que urge salvaguardar e valorizar considerando a sua localização atípica, o seu distanciamento a outras populações e área de distribuição reduzida. O valor faunístico do ribeiro é também encimado pela presença da lampreia-de-rio (Lampetra sp.) e que se encontra em Portugal com o estatuto de criticamente ameaçada. Esta é de resto uma das espécies menos compreendidas da fauna piscícola nacional e para a qual se tem assistido a um acentuado declínio populacional nas últimas décadas. Rã-ibérica Lampreia-de-rio A ocorrência de espécies como a panjorca (Chondrostoma arcasii) com estatuto de em perigo, a enguia (Anguilla anguilla), também em perigo ou o ruivaco (Chondrostoma oligolepis) é também de elevado interesse na conservação da diversidade biológica da região. Duas outras espécies são de referir pelo seu elevado valor simbólico. A libelinha Calopteryx haemorrhoidalis considerada uma excelente bioindicadora de qualidade da água e que atinge no ribeiro elevadas abundâncias, e o Esquilocomum (Sciurus vulgaris), uma espécie com uma distribuição a sul do Douro dispersa e mal conhecida. Nas aves é de destacar a ocorrência de guarda-rios (Alcedo atthis), alvéolas (Motacilla sp.), chapins (Parus sp.) e inúmeras outras, conjugando espécies marcadamente de habitats ripícolas com outras típicas de áreas florestais densas. Esquilo-vermelho C. haemorrhoidalis A Flora A vegetação arbórea ripícola e sua circundante é caracterizada por espécies dominantemente não nativas do nosso país. Este facto que cada vez mais caracteriza a paisagem natural portuguesa apresenta-se para este local como um verdadeiro paradoxo. De entre as que aqui ocorrem destaca-se a presença do eucalipto (Eucaliptus sp.) e de várias espécies de acácias (Acacia sp.). A acácia, um género que possui várias espécies invasoras no nosso país (e legalmente reconhecidas como tal), tem implicado impactes ecológicos inegáveis em muitos locais em virtude dos extensos mantos que forma e consequente erradicação da vegetação nativa. As espécies deste género aparentam, no entanto, estar aqui em relativo equilíbrio com o ecossistema, muito em virtude certamente de uma continuada acção controladora humana, não sendo reconhecíveis grandes formações arbustivas, excepto em algumas vertentes mais afastadas ou sujeitas a desflorestação recente. Carvalho a brotar de uma bolota Bosque de acácias e carvalhos Os eucaliptos, muitos de extraordinário desenvolvimento vertical, não aparentam também manifestar qualquer comportamento invasor. Estas árvores em conjunto com um rico mosaico de outras espécies, algumas nativas e de elevado interesse para a conservação, como o loureiro (Laurus nobilis), o ulmeiro (Ulmus sp.), o amieiro (Alnus glutinosa) ou o carvalho-negral (Quercus pyrenaica), formam um coberto bastante denso. Esta característica ajuda a tornar este vale único quando comparado com a região onde se insere. A elevada densidade do coberto reduz a insolação junto ao solo, atenuando a temperatura, retendo a humidade, aumentando os períodos de permanência das águas superficiais pouco profundas e impedindo o desenvolvimento de espécies vegetais heliófitas, como por exemplo as silvas (Rubus sp.). É sobretudo o contributo desta característica que permite a existência de elevadas abundâncias de espécies de flora tão particulares como o feto-real (Osmunda regalis) ou a gilbardeira (Ruscus aculeatus). Feto-real Loureiro Os Problemas Pese embora o seu elevado valor ecológico várias ameaças pressionam este vale. Aqui não existem locais apropriados para a colocação de lixo, resultando muitas vez na sua deposição directamente no chão da floresta ou a sua acumulação no leito do ribeiro. A pressão humana no vale, sobretudo nos meses de Verão, é também muito elevada resultando na perturbação das populações animais, elevada deposição de lixo e dejectos e degradação da vegetação ribeirinha por pisoteio. O tráfego rodoviário na estrada do vale é ainda responsável pelo atropelamento de muitos animais, sobretudo anfíbios e répteis. Existem também diversas espécies exóticas invasoras como a perca-sol (Lepomis gibbosus) ou o lagostim-vermelho (Procambarus clarkii) que podem estar a imputar impactes negativos como a competição ou a predação sobre algumas espécies nativas. Além destas ocorrem também diversas matilhas de cães assilvestrados que predam no vale e contribuem para a dispersão do lixo. Sapo-comum ameaçado por um carro na estrada do Ribeiro Lixo depositado no chão Algumas espécies que se podem observar no Ribeiro Violeta-brava Chapim-real Alfaiates Salamandra-de-pintas-amarelas Lagartixa-ibérica Borboleta malhadinha Libelinha-vermelha Feto-pente Dedaleira Carvalho-alvarinho Ruivaco Borboleta celastrina Concepção, textos e fotografias de César Capinha, Fotografia de lampreias-de-rio de Rui Beato